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A Casa

Criatividade, espontaneidade e técnica no Sistema Impro


e na prática da improvisação como espetáculo no Brasil1.

M I G U E L , Di o g o Ho rta ( SE SC Palladiu m) 1 e M UN IZ , M arian a L ima( UFM G ) 2

Resumo: Este texto reflete sobre a percepção da criatividade, da espontaneidade e


da técnica no ensino da improvisação teatral, tendo como referência o Sistema Impro
de Keith Johnstone. A partir de uma pesquisa comparativa realizada na EBA/UFMG
e na UFSJ de 2012 a 2014, buscamos identificar como se desenvolveu o ensino da
improvisação nestes contextos e os problemas enfrentados com relação a uma per-
cepção limitada da prática da improvisação como espetáculo no Brasil.

Palavras-chave: Técnica. Espontaneidade. Improvisação.

Abstract: This work discusses the perception of creativity, spontaneity and technique
on theatrical improvisation teaching, having as reference the Impro System of Keith
Johnstone. From a comparative research done at EBA/UFMG and at UFSJ from 2012
to 2014, we aim at identifying the development of improvisation teaching in this
context and the problems confronted in a limited perception of improvisation as per-
formance in Brazil.

Keywords: Technique. Spontaneity. Improvisation.

1 Artigo recebido em 31/1/2015 e aceito em 07/06/2015.


2 Diogo Horta (diogohort@gmail.com) é mestre em Artes e Tecnologia da Imagem pela EBA/UFMG, ator e professor de improvisação
da UMA Companhia, tendo sido professor temporário do curso de Graduação em Teatro da UFSJ de 2011 a 2013. Atualmente é cura-
dor do SESC Palladium.
3 Mariana de Lima e Muniz (marianamuniz@ufmg.br) é doutora em História, Teoria e Prática do Teatro pela Universidad de Alcalá,
11 professora Titular da EBA/UFMG e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG.
Introdução

O Sistema Impro (DUDECK, 2013) é um conjunto de princípios, conceitos e práticas que


tem como foco a criação de improvisações teatrais, criado pelo diretor e professor inglês Keith
Johnstone nas décadas de 1950 e 1960. A pesquisa de Johnstone, bem como a de outros autores
(FROST; YARROW, 2007; ÁNGEL, 2012) , possibilitou a criação de um gênero teatral que se dá pela
realização de espetáculos improvisados diante do público, denominado Impro. Este gênero é um
dos principais expoentes do que Muniz (2015) chamou de “improvisação como espetáculo” e foi
difundido em vários países do mundo.
As pesquisas que culminaram na experiência da improvisação diante do público partiram
do desejo de redescobrir e encorajar a espontaneidade e a criatividade, tendo na improvisação
teatral seu meio de trabalho. Assim, Keith Johnstone (1992) criou princípios, conceitos e práticas
que deveriam ser exercitados para que o indivíduo pudesse reencontrar seu poder criativo.
Na pesquisa de mestrado intitulada “O Sistema Impro na formação universitária em
Teatro: experiências nos cursos de graduação em Teatro da EBA/UFMG e da UFSJ” (HORTA, 2014),
pudemos aplicar, observar e refletir sobre a prática deste sistema em um contexto de formação
em teatro. Partiremos desta pesquisa para refletir, no presente artigo, sobre a relação entre a
criatividade, a espontaneidade e a técnica no ensino da improvisação.
Primeiramente buscaremos definir criatividade, espontaneidade e técnica sob a ótica do
sistema de Johnstone. Posteriormente, analisaremos como se dá a prática da Impro enquanto téc-
nica a serviço da criação do indivíduo. E por fim, refletiremos sobre alguns problemas observados
com relação à prática das propostas de Johnstone no Brasil, considerados, em nossa pesquisa,
limitadores para a percepção desta técnica.

Criatividade, espontaneidade e técnica

A improvisação teatral está associada no Sistema Impro, assim como em outros processos
de trabalho como de Willian Layton (2011) ou Viola Spolin (2005), com o tema da criatividade e da
espontaneidade, passando pela compreensão de uma técnica que pode ser compartilhada. Keith
Johnstone (1992) afirma que queria desenvolver a espontaneidade, uma vez que, segundo ele,
em uma educação normal, tudo está desenhado para suprimi-la.
Por isso, o seu sistema se constitui como uma abordagem para o treinamento do ator
e para a prática teatral que encoraja a espontaneidade, a criação colaborativa e as respostas

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imaginativas sem censura por parte dos participantes (DUDECK, 2013). Johnstone dedicou grande
parte de seu trabalho ao tema da criatividade, entendendo que a natureza do homem, sendo este
dotado de inteligência, é criar, e essa criação deve ser permitida, desenvolvida e potencializada.
William Gaskill, citado por Irving Wardle na introdução do primeiro livro de Johnstone
Impro - Improvisation and the theatre (1992, p. 09), diz que o trabalho dele “foi feito para enco-
rajar a redescoberta da resposta imaginativa no adulto; o reencontro do poder de criatividade
da criança”4. A criatividade seria, nesse sentido, inata ao homem e precisaria ser redescoberta,
desbloqueada.
A criatividade está relacionada à produção de soluções novas para problemas dados
(LUBART, 2011; KASTRUP, 2005). Johnstone busca uma disposição para a criação, independente
se o que é produzido se configura como novo ou não. Segundo ele, a “criatividade é mais uma
questão de “prestar atenção” do que de “pensamento”, e que ler um livro pode ser uma ato tão
criativo quanto escrever um (embora menos difícil)”5 (JOHNSTONE, 1999, p. 195).
Essa proposição dialoga com o entendimento de Stephen Nachmanovitch (1993) que
afirma que a criatividade não é uma questão de fazer surgir o material, mas de desbloquear os
obstáculos que impedem o seu fluxo natural. Esta compreensão, por sua vez, está próxima do
que Virginia Kastrup (2005) chama de invenção. Para a autora, inventar é revelar algo que estava
escondido, oculto, coberto por camadas históricas. A criatividade no Sistema Impro pode ser en-
tendida, portanto, como uma disposição para a criação que se relaciona com o desbloqueio e a
fluidez de ideias a partir do que o sujeito é.
Com relação à espontaneidade, Jacob Leví Moreno (1977) afirma que ela é uma das ca-
racterísticas da criatividade, sendo a habilidade de um indivíduo de enfrentar cada nova situação
adequadamente. Nesse sentido, Johnstone entende que a espontaneidade é uma habilidade cha-
ve para o desbloqueio, a partir da compreensão de que os processos criativos estão bloqueados
no indivíduo.
No Sistema Impro, a partir da compreensão de criatividade apresentada anteriormente,
percebe-se que a espontaneidade é parte da criatividade, sendo os dois processos apresentados
como simultâneos, no qual ambos estão relacionados com o fator do desbloqueio e da criação
permitida a partir dele.

4 Tradução nossa. “Has been to encourage the rediscovery of the imaginative response in the adult; the refinding of the Power of the
child’s creativity”.
5 Tradução nossa. “Creativity is a matter of ‘attending’ rather than ‘thinking’, and that reading a book might be as creative an act as
13 writing one (although less arduos)”.
Kastrup (2001) entende a espontaneidade como uma atitude natural, o que se opõe à
invenção uma vez que esta tem a necessidade de ser cultivada. Para Johnstone, no entanto, a
espontaneidade e a criatividade, entendidas como uma habilidade e uma disposição, também
devem ser cultivadas e treinadas. No entanto, isso não deve ser feito no sentido de ensinar o
outro a ser espontâneo ou criativo, mas treinando o sujeito para se distanciar dos aspectos que o
impedem de agir espontânea e criativamente.
É nesse sentido que o Sistema Impro entende a técnica, como um “modo de fazer”
(HOLESGROVE, 2012) que cultiva a espontaneidade e a criatividade, permitindo ao aluno traba-
lhar com a improvisação e aprender a partir da experiência. Uma característica essencial da técni-
ca é estar relacionada à experiência, à transmissão oral e à tradição (MAUSS, 2002). Portanto, per-
ceber a improvisação como essencialmente prática, pertencente a uma tradição oral (MADSON,
2005) e fundada na experiência se torna fundamental para entendê-la como uma técnica.
Dessa forma, a técnica na improvisação é um “modo de fazer” que aponta para a des-
construção de “modos de fazer” que inibem a criatividade e a espontaneidade. Ou seja, o Sistema
Impro visa experimentar procedimentos que permitam ao indivíduo criar e agir sem bloqueios no
teatro e na vida cotidiana, conduzindo-o a uma prática teatral através da improvisação e levando-
-o, consequentemente, a uma experiência e formação para estar em cena diante dos outros, criar
em parceria histórias e personagens e aprofundar a vivência em elementos chaves para a com-
preensão da linguagem teatral.
Nesse processo, é fundamental a base filosófica do Sistema Impro que encoraja a espon-
taneidade, a criação colaborativa, a cooperação entre os indivíduos e a benevolência a fim de
criar uma atmosfera propícia para o desenvolvimento do aluno. Estes princípios permitem que o
entendimento dos princípios e conceitos se constitua em uma base sólida sobre a qual se constrói
a prática improvisacional, como será apresentado a seguir.

A impro em ação

Desenvolvemos no programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da


UFMG - EBA/UFMG uma pesquisa de mestrado sobre a formação universitária em teatro a partir
do ensino da improvisação teatral na EBA/UFMG e na Universidade Federal de São João del-Rei -
UFSJ, tendo como base o Sistema Impro de Keith Johnstone.
Durante um semestre da disciplina intitulada “Prática de Atuação: Teorias e Métodos de
Atuação Cênica: Impro” na UFSJ e dois semestres da disciplina intitulada “Oficina de Improvisação

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II” na UFMG, pudemos observar, analisar e colocar em prática princípios e conceitos do Sistema
Impro a fim de refletir sobre a formação universitária em Teatro, no que diz respeito à improvisa-
ção. No período da coleta de dados, estas disciplinas foram ministradas, na UFMG e na UFSJ, pelos
autores do presente artigo.
Os alunos preencheram questionários e relatórios sobre as aulas a fim de identificar pontos
importantes da experiência que foram cruciais para a formação em improvisação. A análise final da
pesquisa permitiu cruzar os dados dos alunos de ambas as instituições e dialogar com as referên-
cias especializadas sobre o tema gerando apontamentos sobre o processo de ensino-aprendizagem
em Teatro, tanto pela ótica do professor quanto pela do aluno.
O Sistema Impro foi desenvolvido por Keith Johnstone a partir de conceitos operativos e
princípios básicos que foram o eixo da sua experiência em sala de aula. A partir da leitura e análise
dos livros do autor e de pesquisadores sobre o tema, além da vivência prática do sistema como
atores e diretores, observamos oito conceitos operativos centrais e alguns princípios básicos que
foram norteadores para a proposta pedagógica nas disciplinas supracitadas.
Os conceitos de escuta, primeiras ideias, oferta, aceitação, quebra de rotina, reincorpora-
ção, círculo de probabilidade e Status6 são definidos e abordados por Johnstone no decorrer de sua
obra, sendo conceitos interdependentes e que trabalham junto com os princípios básicos também
descritos pelo autor inglês. A partir de jogos e exercícios, portanto, estes conceitos e princípios
foram trabalhados conduzindo os alunos no desenvolvimento de cenas teatrais improvisadas.
Cabe ressaltar que o jogo no Sistema Impro se constitui como uma atividade com regras
e sem um objetivo fixo ou conteúdo único a ser aprendido. Enquanto que o exercício se constitui
como uma atividade na qual os objetivos são específicos, há um ponto de chegada e as regras são
mais fluidas.
O processo das aulas foi pensado com intuito de trabalhar em um primeiro momento a es-
pontaneidade, através dos exercícios de escuta, primeiras ideias, oferta e aceitação. Posteriormente
deu-se início o trabalho com a cena improvisada, para o qual é importante a noção de dramaturgia,
atuação e direção, desenvolvida através destes e de outros conceitos.
Dessa forma, os alunos são provocados a agir e reagir de forma a permitir a criação, em
primeiro lugar. Depois, eles são encorajados a improvisar cenas diante dos demais alunos, que se
colocam como público no processo das aulas, aprofundando em elementos teatrais importantes
para a formação do ator e do professor de Teatro.

6 Mais informações sobre os conceitos de Keith Johnstone podem ser encontradas em Johnstone (1992; 1999), Horta (2014) e
15 Muniz (2015).
Um dos temas constantemente abordados pelos alunos nos relatórios das aulas, tanto na
UFMG, quanto na UFSJ, foi a liberdade de criação experimentada a partir dos jogos e exercícios do
sistema, atingindo o primeiro objetivo das disciplinas. Foi relevante perceber, no entanto, que esta
liberdade está intrinsecamente relacionada a um limite imposto em determinada prática. Ou seja,
quando os alunos estão livres para improvisar sem premissas ou regras, eles tendem a ter mais
dificuldade do que quando possuem indicações de ação, fala ou objetivos a cumprir em cena.
Spolin (2005) através dos jogos de solução de problemas identifica o mesmo processo,
fazendo com que seus alunos busquem sempre resolver o problema teatral apresentado, focando
em determinado elemento. Os jogos de Johnstone são mais livres no que diz respeito a regras e a
cobrança dos atores, assim como não estão voltados para a solução de problemas específicos, no
entanto, a prática é sempre baseada em conceitos centrais que indicam claramente um procedi-
mento, uma técnica a ser usada em cena.
O conceito de Aceitação, por exemplo, apesar de observações específicas que podem ser
feitas em determinados casos, indica que é preciso dizer “sim” a todas as propostas para que a im-
provisação aconteça. Este é um conceito básico e que limita, no bom sentido, a resposta do aluno,
fazendo com ele aprenda a valorizar o outro e as primeiras ideias que apareçam em cena.
Outro conceito que dialoga com o “modo de fazer” na improvisação é o Status que tem
como objetivo fazer o aluno perceber como as relações se dão – sejam elas entre dois sujeitos, ou
entre um sujeito e um espaço ou objeto – e como ele pode criar uma cena a partir destas relações.
Quando Johnstone (1992) utiliza o conceito de Status ele não está se referindo ao status social, ou
seja, a posição que um sujeito ocupa na sociedade. O termo Status se refere à posição que o sujei-
to ocupa com relação ao outro, independente da sua posição social. Ainda com relação ao Status,
Johnstone define o princípio da gangorra, que rege todas as relações, dizendo que em uma relação
se o Status de alguém sobe, o do outro abaixa, e vice-versa.
O entendimento e prática deste conceito proporcionou um avanço nas improvisações tan-
to da UFSJ quanto da EBA/UFMG a partir do momento em que os alunos se conscientizaram das
possibilidades de relações existentes em cena e passaram a jogar com elas. O Status é assim um
elemento que ajuda o aluno a se deter em um ponto para criar, nesse caso a relação com seu com-
panheiro, com o espaço ou com o objeto.
Além disso, alguns dos exercícios de Status ainda possuem uma espécie de estrutura e
propõem objetivos para os alunos em cena, como o exercício “Transferência de Status” no qual os
personagens devem começar a cena com um Status e terminar com o Status oposto, criando a cena
a fim de percorrer esse caminho que leva de um lado ao outro da gangorra.

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Observamos que essa estrutura que vai do início ao fim da cena tranquilizou alguns alunos,
que demonstraram mais segurança para improvisar, uma vez que eles tinham um percurso “do
que fazer”, embora fossem improvisar o “como fazer”. A partir dessa percepção de que estruturas,
roteiros prévios ou até mesmo pequenos diálogos (como propõe Johnstone) nas improvisações
contribuíram para a formação dos alunos tanto na UFMG, quanto na UFSJ, pudemos concluir que
se trata de uma etapa importante para a transmissão da técnica no Sistema Impro.
Desenvolver a criatividade e a espontaneidade neste sistema diz respeito, portanto, a pro-
porcionar uma experiência de criação baseada em pautas precisas e que cultivam o processo criati-
vo do aluno, fazendo-o entender sua própria maneira de lidar com as ideias e com o ato de criação
em si.
Dessa forma, pode-se perceber que a técnica alimenta a criatividade e espontaneidade e
vice-versa, em um processo dinâmico de interdependência no qual o sujeito é central para o seu
próprio aprendizado. Como pudemos observar na pesquisa realizada, os alunos desenvolvem a
partir da experiência com a Impro, um trabalho sobre si mesmos, identificando e alterando postu-
ras, procedimentos e ações a fim de improvisar, criar e atuar diante do público.
No Sistema Impro não existe, portanto, um formato a ser seguido na improvisação, sendo
o aluno responsável por trilhar seu caminho, assim como o é o professor. No entanto, em nossas
experiências como professores de improvisação, pudemos observar diversos momentos em que
os alunos se distanciam de si mesmos e daquilo que acontece em cena para reproduzir um padrão
de improvisação visto na televisão ou na internet que acaba se tornando um limite para a prática e
percepção do Sistema Impro como um todo, fato que analisaremos adiante.

Criação no instante e diante do público

A Impro, enquanto gênero teatral, começou a ser difundida no Brasil no início dos anos
2000 com a estreia, em 2002, do espetáculo Jogando no Quintal em São Paulo, considerado o pri-
meiro do gênero no país (HORTA, 2014). A partir de então, outros grupos se formaram em Minas
Gerais e Rio de Janeiro (a UMA Companhia e o Teatro do Nada, respectivamente), corroborando
para a difusão desta linguagem e das pesquisas de Keith Johnstone.
Durante nossa pesquisa, saímos a campo na internet e tratamos de localizar e entrevistar
todos os grupos de improvisação que pudemos encontrar na rede. Segundo os dados levantados
entre 2013 e 2014, o Brasil possui, atualmente, 32 grupos de Impro, dentre os quais 75% se en-
contram na região sudeste e aproximadamente 77,7% foram criados após o ano de 2008 (HORTA,

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2014). A criação destes grupos coincide com a grande repercussão do espetáculo de improvisação
Improvável, da Companhia Barbixas de Humor e da estreia dos programas de televisão Quinta ca-
tegoria da MTV (2008 a 2011) e É tudo improviso da Rede Bandeirantes (2010 a 2011).
O espetáculo Improvável, estreado em 2008, parte de um trio de humoristas paulistanos,
com experiência em Stand Up e em esquetes cômicas. O espetáculo foi criado inicialmente com
poucas referências sobre o Sistema Impro e a partir de uma estrutura de jogos de improvisação
popularizadas pelo programa televisivo inglês Whose Line Is It Anyway?7. Para Hércules (2011),
devido à formação de humorista da companhia Barbixas, a construção das cenas do grupo está em
geral, focada em tiradas cômicas, rápidas e de efeito.
A difusão do grupo e seu conhecimento em nível nacional podem ser percebidos pelo nú-
mero de acessos aos vídeos do espetáculo Improvável no canal de vídeos da internet YouTube,
que começaram a ser postados em 2008 desde sua primeira apresentação nos palcos. A partir de
então, o grupo entrou para a lista dos indicados da semana do YouTube, aumentando exponen-
cialmente sua divulgação e acesso. Em dezembro de 2012, o canal do grupo no YouTube atingiu a
marca de 300 milhões de acessos, sendo que esse número cresce constantemente. A qualidade
técnica dos vídeos, bem como da execução dos jogos praticados pelos Barbixas é notável e vem
sendo reconhecida também pelos convites que o grupo já recebeu para participar dos principais
festivais internacionais de improvisação no Brasil e na Ibero-américa.
A partir de seu sucesso repentino, os Barbixas começaram um treinamento contínuo de
improvisação com Márcio Ballas, diretor do espetáculo Jogando no Quintal, e com o improvisador
colombiano Gustavo Miranda, do grupo Acción Impro, mantendo uma prática semanal de Impro
para além da apresentação de seus espetáculos. Em 2011, o grupo foi a Calgary, Canadá, para a
realização de um workshop de dez dias com Keith Johnstone, aprofundando na pesquisa e prática
da Impro tendo como referência o professor inglês.
Os Barbixas também integraram a programação do programa Quinta Categoria da MTV
que era um programa de jogos de improvisação com foco exclusivo em cenas cômicas. E o já refe-
rido diretor do Jogando no Quintal, Márcio Ballas, assumiu a função de apresentador do programa
da Rede Bandeirantes É tudo improviso que contava com elenco de improvisadores variado e tam-
bém era focado em improvisações cômicas.
Em que pese a constante busca da Cia. Barbixas por uma formação continuada e de qua-
lidade, percebemos em nossa pesquisa que a difusão de seu principal espetáculo e dos referidos

7 Programa televisivo no qual os atores realizam jogos de improvisação (de natureza cômica). Whose Line surgiu na Inglaterra em
1988 e foi inicialmente exibido no Channel 4 até o ano de 2006. Segundo Dudeck (2013) o Teatro-esporte de Keith Johnstone foi a
inspiração para o surgimento deste programa. 18
programas de televisão popularizaram apenas uma forma de improvisar, deixando de lado aspec-
tos importantes da filosofia e técnica do Sistema Impro em prol do riso constante da plateia. Por
esse motivo, pudemos observar que as experiências da quase totalidade dos grupos de Impro
recentes apontam para a ênfase em espetáculos de jogos e no trabalho com a comicidade.
Através das entrevistas realizadas, pudemos concluir que a formação em Impro se deu, em
muitos destes grupos, de maneira intuitiva e sem uma busca pela ampliação de suas referências
artísticas, teóricas ou metodológicas. A pesquisadora brasileira Vera Cecília Achatkin (2010) cor-
robora para este resultado ao alertar sobre os espetáculos que, diante da perspectiva de ganho
rápido, esquecem, ou até mesmo desconhecem, os fundamentos da Impro.
Parece-nos que a banalização e a superficialidade são um risco para a Impro no Brasil e,
consequentemente, para a compreensão das propostas de Johnstone. Para o autor britânico, os
focos principais de seu trabalho são a cooperação com o outro e o trabalho com a criação, o que
muitas vezes é esquecido na busca pela próxima piada.
Durante as aulas na UFSJ foi possível observar alunos que tentavam reproduzir caracterís-
ticas, piadas e elementos engraçados com a tentativa de agradar o público, no caso os próprios
alunos na sala de aula. Na UFMG isso também se deu, ainda que de forma menos evidente.
Acreditamos que o acesso que os estudantes da capital tiveram a diversos espetáculos de im-
provisação realizados pela Uma Companhia ou trazidos pelo FIMPRO – Festival Internacional de
Improvisação, tenha contribuído para essa diferença percebida. Sendo assim, concluímos ter sido
importante o acesso dos alunos, do interior e da capital, a outras formas de improvisar na sala de
aula, ampliando seu leque de possibilidades e referências.
Além disso, estivemos atentos para que fatores relacionados ao riso não se tornassem
critério único nos comentários sobre as cenas. As observações do professor podem contribuir
nesse aspecto, discutindo sobre a busca somente por cenas engraçadas e pelo riso fácil. Parece-
nos importante provocar nos alunos a observação de que a improvisação em si, por lidar com
o inesperado, já se aproxima do território do riso, mas que é possível despertar o interesse do
público de formas diversas.
Consideramos importante desmistificar essa ideia de que a improvisação será sempre
engraçada (MADSON, 2005). Muitas cenas durante o processo na UFSJ, e também durante o pro-
cesso na UFMG, foram para outros territórios que não os da comédia. Nesse sentido, reconhecer
a importância e o valor do cômico no teatro e na arte e a possibilidade de explorar este universo
em conjunto com outros territórios (o dramático, o lírico, o melodramático, a tragédia, entre ou-
tros) foi importante para aprofundar na prática da improvisação.

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Sendo assim, consideramos que a experimentação das técnicas de improvisação deve se
dar na prática e a partir do entendimento (em um sentido amplo) da filosofia que sustenta esta
prática. Do contrário, parece-nos que a técnica, enquanto modo de fazer, se transforma em modo
de reproduzir, levando o sujeito a se distanciar de sua criatividade e espontaneidade, de forma
paradoxal.

Considerações finais

A percepção das conexões entre criatividade, espontaneidade e técnica no Sistema Impro


nos levam a refletir que, mesmo a partir de uma prática determinada, o ensino da improvisação é
fruto, principalmente, do encontro entre alunos e professores dentro do contexto no qual estão
inseridos.
Pudemos constatar em nossa pesquisa que o aprendizado foi diferente para cada aluno
uma vez que foi a partir da própria experiência que ele pôde se conhecer melhor e iniciar seu
processo individual na improvisação.
Por esse motivo, acreditamos que a técnica na improvisação não deve ser vista como um
modo de fazer fixo, como uma resposta determinada para estímulos diversos. Pudemos com-
provar que este foi o modo de trabalho de diversos grupos de improvisação brasileiros recentes
que tiveram na internet e na televisão o único contato com a linguagem da Impro. Neste sentido,
parece-nos importante que estes grupos possam ampliar seus repertórios a partir do encontro
com experiências diversas no campo da prática e do ensino da improvisação.
Observamos que em Belo Horizonte, devido provavelmente a existência de um grupo de
improvisação com trajetória e de um festival internacional de improvisação já em sua quinta edi-
ção, essas referências são mais diversificadas contribuindo para nossa experiência pedagógica
na UFMG. Na UFSJ, onde esse acesso ainda é restrito, percebemos que o contato com o Sistema
Impro foi fundamental para ampliar as possibilidades artísticas e metodológicas da improvisação
como espetáculo.
Assim, consideramos que as premissas do Sistema Impro possibilitaram nos dois contex-
tos analisados uma experiência teatral única, fruto da percepção/compreensão de mundo do alu-
no, ampliando suas habilidades de criação e dando confiança para improvisar diante do outro.
Referências

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