Você está na página 1de 158

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

VINICIUS DE MORAES, PARCEIROS E AMIGOS:

RELAÇÕES ENTRE AMIZADE E MÚSICA

Christianny Maria Brambila

Vitória

2009
Christianny Maria Brambila

VINICIUS DE MORAES, PARCEIROS E AMIGOS:

RELAÇÕES ENTRE AMIZADE E MÚSICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Psicologia da Universidade Federal
do Espírito Santo como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Psicologia, sob a
orientação do Professor Dr. Agnaldo Garcia.

UFES

Vitória, Agosto de 2009


Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Brambila, Christianny Maria, 1978-


B815v Vinicius de Moraes, parceiros e amigos : relações entre amizade
e música / Christianny Maria Brambila. – 2009.
154 f.

Orientador: Agnaldo Garcia.


Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.

1. Moraes, Vinicius de, 1913-1980 - Crítica e interpretação. 2.


Relações humanas. 3. Amizade. 4. Música. I. Garcia,
Agnaldo. II. Universidade Federal do Espírito Santo.
Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.

CDU: 159.9
À Izolina, José, Zé Esio, Giani e Luciano, amigos e

exemplos sempre presentes


Agradecimentos

Sou imensamente grata a Deus, por iluminar e guiar meu caminho, sempre.

À minha família agradeço pelo apoio incondicional e acolhimento num dos momentos

mais frágeis da minha vida. Obrigada, irmã, pelas intermináveis ligações, pelos risos,

desabafos, choros, pelas palavras de compreensão e incentivo.

Agradeço às amigas que souberam entender meu sumiço, quando necessário, mas

também estiveram presentes quando tudo o que eu precisava era um bom bate papo.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Ufes, pela concessão da

bolsa CAPES.

Aos funcionários do Arquivo-Museu Casa de Rui Barbosa, pela presteza e auxílio no

acesso ao material de Vinicius de Moraes, muito obrigada.

Por fim, agradeço a meu orientador Agnaldo Garcia, que apostou nesse projeto e

soube ser paciente em momentos difíceis que me impediam de dar o próximo passo.

Seu exemplo de persistência e dedicação me encorajou a seguir em frente.


Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o
amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles. A amizade é um
sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em
outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade. E
eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus
amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! Até mesmo aqueles
que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de
suas existências. A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Esta
mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida. Mas, porque não os procuro
com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.
Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada
relação de meus amigos. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora
não declare e não os procure. E às vezes, quando os procuro, noto que eles não têm
noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio
vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram
alicerces do meu encanto pela vida. Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.
Se todos eles morrerem, eu desabo! Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo
pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao
meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo. Por vezes, mergulho em
pensamentos sobre alguns deles. Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,
cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele
prazer… Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida
não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando
comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só
desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos! A gente não faz amigos,
reconhece-os.

Vinicius de Moraes
Brambila, Christianny Maria. Vinicius de Moraes, Parceiros e Amigos: Relações

entre Amizade e Música. Vitória, 2009, 154 pp. Dissertação de Mestrado.

Universidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-Graduação em

Psicologia.

RESUMO

O presente trabalho investigou as relações entre música e parceria musical na

obra de Vinicius de Moraes. A amizade na vida adulta tem sido investigada

especialmente com base em fases do desenvolvimento e gênero. Poucos são os

trabalhos relacionando amizade e música, geralmente voltados para a infância e

adolescência. Partindo da perspectiva dialética de Robert Hinde sobre os

relacionamentos interpessoais e do modelo proposto por Adams e Bliezsner, o

presente trabalho tem por objetivo analisar as relações entre amizades e parcerias

musicais na vida e obra de Vinicius de Moraes, buscando compreender a relação entre

relacionamento interpessoal e criação musical, com ênfase em quatro parcerias

específicas, Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho. O material de análise

se constituiu das letras das composições em parceira com os quatro autores acima,

sendo 44 com Tom Jobim, 39 com Baden Powel, 26 com Carlos Lyra e 75 com

Toquinho. As letras em parceria com cada autor foram submetidas à análise de

conteúdo e as composições das quatro parceiras foram comparadas quanto ao seu

conteúdo. As parcerias foram tratadas como relações de amizade, com base nas

informações disponíveis em documentos históricos, como cartas e biografias. Os

resultados indicaram diferentes temas presentes nessas composições, como (a) o

amor romântico; (b) a mulher; (c) valores e estilos de vida; (d) outros relacionamentos;
(e) temas infantis; (f) temas sócio-culturais; (g) música e dança, (h) a experiência

humana em um sentido mais amplo. Os temas, quando possível, foram subdivididos

em subtemas para facilitar a comparação entre as parcerias. As relações entre os

autores são consideradas como amizades musicais tendo como elemento central o

interesse compartilhado na música. Essas amizades apresentaram diferentes perfis. O

trabalho discute as relações entre amizade e música, a contribuição da noção de

amizades culturais, a relação entre amizades, movimentos culturais e cultura, as

possíveis contribuições dos estudos de amizades culturais para as amizades em geral,

além de possibilidade de aplicação dos dados obtidos para a educação, por meio dos

círculos de amizades culturais


Brambila, Christianny Maria. Vinicius de Moraes, Partners and Friends:

Relationships between Friendship and Music. Vitória, 2009, 154 pp. Master’s

Thesis. Federal University of Espírito Santo. Graduate Program in Psychology.

ABSTRACT

This study investigated the relationship between music and musical partnership in the

work of Vinicius de Moraes. The friendship in adulthood has been investigated based

on particular stages of development and gender. There are few studies correlating

friendship and music, usually in childhood and adolescence. Based on the dialectical

perspective of Robert Hinde on interpersonal relationships and the model proposed by

Adams and Bliezsner regarding friendships among adults, this study aimed at

analyzing the relationship between friendships and partnerships in the work of Vinicius

de Moraes, in order to understand the relationship between interpersonal relationships

and musical creation, with emphasis on four specific partners, such as Tom Jobim,

Carlos Lyra, Baden Powell and Toquinho. The material for analysis were the lyrics of

songs in partnership with the four authors above. In total, Vinicius de Moraes produced

44 songs with Tom Jobim, 39 with Baden Powell, 26 with Carlos Lyra and 75 with

Toquinho. These compositions were subject to analysis of content and the songs

composed with these four partners were compared for their content. The partnerships

were treated as friendships, based on information available in historical documents

such as letters and biographies. The results indicated different themes in these songs,

as (a) the romantic love, (b) the woman, (c) values and lifestyles, (d) other

relationships, (e) children's issues, (f) social and cultural issues, (g) music and dance,

(h) human experience in a broader sense. These themes, whenever possible, were

subdivided into subthemes to facilitate comparison between the partnerships. The


relationships between the authors are considered as friendships having the shared

interest in music as a central element. These friendships have different profiles. The

paper still discusses the relationship between friendship and music, the contribution of

the concept of cultural friendships, the relationship between friendships, cultural

movements and culture, the possible contributions of studies of cultural friendships to

understanding friendships in general, and the possibility of application of these data for

education, through cultural clubs of friends.


LISTA DE TABELAS

Tabela 6.1 – Vinicius de Moraes e Tom Jobim – Amor Romântico ................. 73

Tabela 6.2 – Vinicius de Moraes e Tom Jobim – Mulher ................................. 75

Tabela 6.3 – Vinicius de Moraes e Tom Jobim – Música ................................ 78

Tabela 6.4 – Vinicius de Moraes e Tom Jobim – Experiência Humana ......... 79

Tabela 7.1 – Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Amor Romântico ................ 80

Tabela 7.2 – Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Mulher ................................ 81

Tabela 7.3 – Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Experiência Humana e

Valores...................................................................................... 81

Tabela 7.4 – Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Temas Sociais .................... 82

Tabela 8.1 – Vinicius de Moraes e Baden Powell – Amor romântico .............. 85

Tabela 8.2 – Vinicius de Moraes e Baden Powell – Mulher ............................. 86

Tabela 8.3 – Vinicius de Moraes e Baden Powell – Música e Dança .............. 86

Tabela 9.1 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Amor Romântico .................... 92

Tabela 9.2 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Mulher .................................... 94

Tabela 9.3 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Valores e Estilos de Vida ....... 95

Tabela 9.4 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Tema Infantil .......................... 97


Tabela 9.5 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Relacionamentos ................... 98

Tabela 9.6 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Temas Sociais e Regionais

(Brasil e os Brasileiros) ............................................................. 99

Tabela 9.7 – Vinicius de Moraes e Toquinho – Música e Dança ..................... 99


SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................................... 12

1.1 Amizade na vida adulta ................................................................... 14

1.2 Amizade e Música ........................................................................... 18

1.3 Relacionamento Interpessoal – A perspectiva dialética de Hinde e

Blieszner ......................................................................................... 21

1.4 Objetivos e Justificativa ................................................................... 28

2. Metodologia ................................................................................................. 29

2.1 O Material de Análise ...................................................................... 29

2.2 Procedimento de Coleta de Dados ................................................. 33

2.3 Procedimento de Análise de Dados e Organização do Trabalho .. 34

3. Vinicius de Moraes – notas biográficas ...................................................... 37

4. A Rede de Amigos de Vinicius de Moraes – um esboço ........................... 43

5. Amizades e Parcerias Musicais – Os Quatro Principais Parceiros ........... 65

6. Vinicius de Moraes e Antônio Carlos Jobim .............................................. 72

7. Vinicius de Moraes e Carlos Lyra ............................................................... 80

8. Vinicius de Moraes e Baden Powel ............................................................ 84

9. Vinicius de Moraes e Toquinho .................................................................. 90


10. Parceiros e Amigos – “Amizades Musicais” ............................................ 101

11. Discussão ................................................................................................ 105

11.1 Amizade e Música ...................................................................... 105

11.2 Amizades Culturais .................................................................... 106

11.3 Amizades, Movimentos Culturais e Cultura .............................. 107

11.4 Possíveis contribuições dos estudos de amizades culturais para as

amizades em geral .................................................................... 111

11.5 Aplicação – Círculos de Amizades Culturais ............................... 112

12. Considerações finais ............................................................................... 113

Referências Bibliográficas ............................................................................. 114

Anexo A – O Conteúdo das Composições de Vinicius de Moraes e Tom

Jobim......................................................................................... 124

Anexo B – O Conteúdo das Composições de Vinicius de Moraes e Carlos

Lyra........................................................................................... 132

Anexo C – O Conteúdo das Composições de Vinicius de Moraes e Baden

Powell ....................................................................................... 136

Anexo D – O Conteúdo das Composições de Vinicius de Moraes e

Toquinho................................................................................... 143
12

1. INTRODUÇÃO

A área de estudos do relacionamento interpessoal apresentou grande

avanço nas últimas três décadas, fruto da intensificação de pesquisas sobre o

tema e resultado da contribuição de autores de diversas orientações teóricas

(Garcia, 2005; Hinde, 1995). Tal panorama coloca o relacionamento

interpessoal, atualmente, como área promissora e em franco desenvolvimento.

Apesar do significativo crescimento, o campo de pesquisa do relacionamento

interpessoal precisa ainda desenvolver um corpo teórico e empírico mais

consistente.

No Brasil, o campo de estudos sobre os relacionamentos interpessoais

ainda é pouco desenvolvido, embora se perceba um número crescente de

trabalhos e artigos sobre a temática produzidos e publicados a cada ano.

Apesar de ainda pequena em países da América do Sul, a produção teórica

sobre as relações de amizade consiste em um dos principais campos de

pesquisa entre os estudos sobre relacionamentos (Garcia, 2006).

De acordo com Garcia (2005), os temas mais pesquisados em

relacionamento interpessoal situam-se entre relacionamento romântico e

sexual, relacionamento familiar e de amizade. Neste cenário, a produção a

respeito dos relacionamentos de amizade é a menos expressiva.

Em geral, as relações de amizade caracterizam-se por sua pouca

rigidez, tanto em termos de sua forma quanto em termos do conteúdo da

relação. É, antes de tudo, um tipo de relacionamento interpessoal pouco

institucionalizado, não necessariamente marcado por rituais públicos ou

convenções específicas (Hinde, 1997). Pode-se dizer que as relações de


13

amizade são marcadas pela ausência de grandes pressões sociais como

ocorre em outros tipos de relacionamento, como as relações amorosas, entre

pais e filhos ou entre irmãos. Há demonstração de afeto, porém estas são

percebidas mais como troca de confidências e certa disposição em ajudar o

outro, ouvi-lo e consolá-lo. O acolhimento é característica marcante deste tipo

de relacionamento.

Apesar de muitos estudos sobre relacionamento concentrarem-se em

díades como unidades isoladas de um contexto social mais amplo, os

relacionamentos são influenciados pelos contextos sociais, econômicos e

culturais (Allan, 1993). Porém, possíveis relações entre amizade e produção

cultural são pouco investigadas e observa-se pouca literatura sobre o tema.

Dentro desse cenário, as relações entre amizade e música são ainda menos

investigadas.

De acordo com Ilari (2006), as funções da música na vida cotidiana

estão claramente relacionadas às relações interpessoais. No mundo Ocidental

a música vem exercendo funções específicas em atividades humanas como

ninar crianças, dançar, contar estórias, comemorar eventos especiais, vender

produtos, entreter, curar e rezar, anunciar eventos, entre outras. Tanto as

funções quanto os significados do fazer musical dependem de aspectos

específicos de cada sociedade e cultura, além do contexto particular de quem o

produz.

Este estudo visa investigar a relação entre amizade e produção musical

na história da música popular brasileira, adotando como objeto de pesquisa as

relações de amizade de um dos grandes nomes desse cenário: Vinicius de

Moraes.
14

1.1 Amizade na Vida Adulta

A amizade é uma forma de relacionamento interpessoal que atinge todas

as faixas etárias, desde a infância até a terceira idade, tratando-se também de

um fenômeno social, cultural e histórico de ampla ocorrência.

A literatura recente sobre a amizade entre adultos pode ser organizada

em dois grupos: (a) a organização teórica da área e sua diversidade

metodológica; e, (b) dimensões de análise dessas amizades.

(a) Organização Teórica e Diversidade Metodológica - Contribuições

para a organização teórica da área vêm de diferentes disciplinas. Entre as

principais contribuições, podem ser citadas aquelas da Psicologia (e.g. Fehr,

1996), da Sociologia (e.g. Adams & Allan, 1998) e da Antropologia (e.g. Bell &

Coleman, 1999). Nesta área de conhecimento, em particular, pode-se indicar a

produção brasileira sobre a amizade de adultos de um ponto de vista

antropológico (Rezende, 2001, 2002a, 2002b). Enquanto os estudos

psicológicos têm privilegiado as dimensões internas do relacionamento de

amizade (como similaridade, intimidade, compromisso, conflito e satisfação,

entre outros), os estudos sociológicos e antropológicos têm fornecido

informações importantes sobre os aspectos externos ou contextuais das

amizades. Assim, investigações provenientes de diferentes disciplinas têm

ampliado as formulações teóricas sobre o tema. De acordo com o arcabouço

teórico proposto por Hinde (1997), pode-se observar que os estudos sobre a

amizade de adultos têm ultrapassado as dimensões dos processos

psicológicos, comportamento individual, interações e relacionamentos


15

propriamente ditos e enveredado para investigar o contexto mais amplo do

grupo, sociedade e estrutura sócio-cultural. A pesquisa sobre o contexto da

amizade tem avançado para a investigação de aspectos sócio-históricos

(Oliker, 1998), literários (Contarello & Volpato, 1991) e sócio-econômicos

(Harrison, 1998).

A amizade de adultos tem recebido contribuições de diferentes áreas do

conhecimento para o seu avanço teórico. Uma contribuição central para o

avanço teórico destes estudos foi fornecida por Adams e Blieszner (1994) e

seu arcabouço conceitual integrativo para a pesquisa da amizade. O arcabouço

integra as perspectivas sociológica e psicológica, levando em conta aspectos

sociais e psicológicos. O arcabouço inclui fatores diacrônicos (fases do

desenvolvimento da amizade, formação, manutenção e dissolução) e

sincrônicos (estrutura e processos). Elementos semelhantes também estão

presentes na proposta de Hinde (1997). As propostas de Hinde (1997) e

Adams e Blieszner (1994) são discutidas em maior detalhe nas considerações

sobre o referencial teórico.

O modelo de Adams e Blieszner (1994) tem sido de relevância para a

área, recebendo críticas e sugestões de complementação por outros autores

(e.g. Dugan & Kivett, 1998). Uma característica do modelo é a integração de

aspectos internos e externos ao relacionamento (contexto), permitindo assim a

integração de estudos tradicionalmente realizados por psicólogos e sociólogos.

Do ponto de vista metodológico, a literatura registra diferentes

contribuições para a investigação das amizades. Uma característica marcante

para os estudos da amizade em adultos é a diversidade metodológica. Como


16

objeto de investigação de diferentes disciplinas, sob diferentes pontos de vista,

a amizade de adultos tem sido investigada de modo qualitativo e quantitativo,

com base em dados provenientes de entrevistas, questionários, observações

de campo, pesquisa documental, entre outros. Algumas propostas recentes

para procedimentos metodológicos podem ser enumeradas, como a proposta

de questionários para analisar a qualidade das amizades (Xing-Hua & Xiao-Yi,

2004) e de escalas para investigar suas dimensões (Tani & Maggino, 2003).

Finalmente, uma proposta mais ampla diz respeito aos focos de atividades

como contextos para a amizade (Feld & Carter, 1998), no sentido de que

locais, organizações ou outros contextos servem de foco para atividades que

promovem, facilitam ou sustentam relações de amizade.

Dimensões das Amizades de Adultos - As amizades de adultos

representam uma área de investigação com uma organização teórica que vem

avançando com o passar do tempo (Blieszner & Adams, 1992; Auhagen, 1996;

Ueno & Adams, 2006). As dimensões investigadas são tradicionalmente

estudadas no relacionamento interpessoal, de forma geral. Entre adultos,

várias dimensões da amizade podem ser identificadas na literatura recente,

como a similaridade (Wild & Fink, 1993), a reciprocidade (Buunk & Prins 1998);

a estabilidade (Fehr, 1999); o compromisso (Fehr, 1999), a auto-revelação

(Schwab, Scalise, Ginter & Whipple, 1998), apoio à identidade social (Weisz &

Wood, 2005), auto-revelação, proximidade e satisfação (Morry, 2005),

proximidade e intimidade (Gore, Cross & Morris, 2006), influência social

(Kilduff, 1992); percepção dos amigos (Kenny & Kashy, 1994), popularidade e

auto-conceito (Santos & Lopes, 2003); qualidade e quantidade de amizade

(Heiman, 2000).
17

Outra área de investigação é a formação e o desenvolvimento de

relações de amizade (Foster, 2005), incluindo desde a escolha (Pahl & Pevalin,

2005) e o estabelecimento das amizades (Vallacher, Wegner, McMahan, Cotter

et-al, 1992), seu desenvolvimento ou manutenção ao longo do tempo, até a

fase de dissolução e término. Entre as condições prévias para a busca e

formação de amizades está a necessidade de pertencer e percepções de

discriminação pessoal e de grupo (Carvallo & Pelham, 2006). Redes de amigos

se formam a partir da similaridade entre indivíduos (Zeggelink, 1995). Outros

aspectos investigados incluem a resolução de conflitos (Legge & Rawlins,

1992), atividades com amigos (Flora & Segrin, 1998) e afinidade e amizade

(Rezende, 1999). Os aspectos cognitivos investigados incluem inconsistências

cognitivas e amizade não-simétrica (Carley & Krackhardt, 1996), conceito de

amizade (Caroline, 1993), conceito ou teorias de satisfação com melhores

amigos (Cole & Bradac, 1996) e modelos funcionais de amizade (Furman,

2001).

Em suma, diferentes dimensões das amizades têm sido estudadas entre

adultos, como similaridade, reciprocidade, estabilidade, compromisso, auto-

revelação, apoio à identidade social, proximidade, satisfação, intimidade,

influência social, percepção dos amigos, comunicação, apego, fases da

amizade (formação, desenvolvimento, manutenção e término), conflitos,

atividades com amigos, amizade e esporte, aspectos cognitivos e emocionais,

funções dos amigos, papel adaptativo e importância das amizades e amizade e

outros relacionamentos (familiares e românticos).


18

1.2 Amizade e Música

Amizades fazem parte do mundo da música clássica e popular. As

amizades entre Debussy e Inghelbrecht (Trezise, 2007), Billroth e Brahms

(Mieny, 2000), Elgar e Buck (Mitchell,1991), entre outras, tornaram-se célebres.

Contudo, há uma escassez de investigações sobre as “amizades musicais”,

amizades cujo objeto social em torno do qual surge e se desenvolve é de

natureza musical. Conforme Garcia (2007), as chamadas “amizades culturais”,

nas quais há uma clara mediação de aspectos culturais (amizades científicas,

musicais e literárias, entre outras) ainda são pouco investigadas.

Dentre alguns estudos mais recentes da área, destacam-se as

pesquisas sobre a relação entre amizade e preferência musical (North &

Hargreaves, 2007a, 2007b, 200c, Ilari, 2006, Rentfrow & Gosling, 2006, Bailey

& Davidson, 2005, Hays & Minichiello, 2005, Rossler, 2004, Tarrant,

Hargreaves & North, 2001, Knobloch, Vorderer, & Zillmann, 2000, Tarrant,

North & Hargreaves, 2000, Hargreaves & North, 1999, North & Hargreaves,

1999) e colaboração na composição e na execução musical (Barret & Gromko,

2007, Boerner & Von Streit, 2007, Blank & Davidson, 2007, Faulkner &

Davidson, 2006, Barret 2006, Ginsborg, Chaffin & Nicholson, 2006, John, 2006,

MacDonald, Miell & Mitchell, 2002, Davidson & Good, 2002, Miell e MacDonald,

2000).

Diversos estudos indicam que as preferências musicais fornecem meios

de discriminação e/ou inserção em grupos sociais e sugerem, indiretamente,

associações entre o gosto musical e aspectos de vida dos participantes (North


19

& Hargreaves, 2007a, 2007b, 2007c). As preferências musicais podem ter

correlação com uma variedade de diferentes escolhas do estilo de vida,

inclusive na escolha de parceiros. Nesse sentido, o estudo de Ilari (2006)

aponta o importante papel da música na atração interpessoal, escolha de

parceiros e relacionamentos afetivos. De acordo com Rentfrow e Gosling

(2006), os indivíduos usam suas preferências musicais para informar sobre sua

personalidade aos observadores e estes, por sua vez, podem formar

impressões sobre o outro através da preferência musical demonstrada.

Entre os adolescentes, a preferência musical está intimamente

relacionada à formação da identidade, à auto-estima e à satisfação de

necessidades sociais (Tarrant, Hargreaves & North, 2001, Tarrant, North &

Hargreaves, 2000, North & Hargreaves, 1999). O conhecimento do gosto

musical do outro também fornece parâmetro para seu julgamento (North &

Hargreaves, 1999). Além disso, na percepção dos adolescentes, a preferência

musical é um indicativo de amigos potenciais. De acordo com estudo de

Knobloch, Vorderer e Zillman (2000), a percepção do gosto musical

compartilhado promove avaliações positivas do caráter e realça aspirações de

amizade.

Não é apenas entre adolescentes que a preferência musical funciona

como mediadora de relações. Hays e Minichiello (2005), ao estudarem

participantes com mais de 60 anos, destacam que a música tem importante

papel de estabelecer e manter conexão com o outro. Outro estudo (Bailey &

Davidson, 2005), com população marginalizada, aborda os componentes

interpessoais e cognitivos envolvidos na experiência de cantar em coro e

verifica benefícios emocionais, sociais e cognitivos consideráveis dessa prática.


20

Outro grupo de estudos envolvendo relacionamento interpessoal e

música aborda a colaboração na composição e na execução musical. As

pesquisas nessa área dedicam-se à compreensão da influência da dinâmica

interpessoal e de questões socioculturais na composição e execução musical.

O desempenho de músicos na execução musical é fortemente

influenciado pelas relações interpessoais entre os envolvidos na apresentação

(Blank & Davidson, 2007; Davidson & Good, 2002). A influência da liderança do

condutor e o humor dos músicos numa orquestra (Boerner & Von Streit, 2007),

as interações entre competidor e colaborador em um coro (Faulkner &

Davidson, 2006) e a troca de sugestões compartilhadas de desempenho

(Ginsborg, Chaffin & Nicholson, 2006) são aspectos do relacionamento entre

músicos intimamente ligados à criação de estratégias de melhor desempenho

musical.

No que tange à composição musical e sua relação com a amizade,

estudos apontam a grande vantagem dos pares de amigos na produção

musical em relação às díades que apenas realizam a tarefa juntas (Barret &

Gromko, 2007; Barret 2006; John, 2006; MacDonald, Miell & Mitchell, 2002;

Miell & MacDonald, 2000).

Exemplo dessa linha de pesquisa é o estudo de MacDonald, Miell e

Mitchell (2002) que apresenta uma investigação sobre os efeitos da idade e da

amizade no processo e no resultado de colaborações musicais das crianças,

com ênfase para a qualidade das produções realizadas entre amigos. O estudo

demonstra que quando crianças trabalham junto com amigos, elas produzem

composições de melhor qualidade do que aquelas crianças que trabalharam


21

com não amigos. Composições mais bem avaliadas foram produzidas por

díades com grau de amizade já estabelecido, o que corrobora os achados de

um estudo anterior (Miell & MacDonald, 2000).

A maioria dos estudos atuais sobre amizade e composição musical se

concentra na investigação desses fenômenos durante a infância. As possíveis

relações entre amizade e composição musical na adolescência e idade adulta

constituem um campo de pesquisa em aberto com muitas possibilidades de

exploração.

1.3 Relacionamento Interpessoal – A perspectiva dialética de Hinde e

Bliezsner

A presente pesquisa tem como influência teórica alguns princípios

propostos por Robert Hinde (1979, 1987, 1997) para o estudo do

relacionamento interpessoal que, por sua vez, foram influenciados pela

Etologia Clássica. A pesquisa também sofre a influência de autores que vêm

estudando especificamente a amizade entre adultos, especialmente de Adams

e Blieszner (1994).

Robert Hinde foi influenciado pela Etologia Clássica, como a ênfase

dada à descrição e a idéia de níveis de complexidade e integração (Garcia,

2005). Hinde escreveu vários artigos e livros sobre relacionamento

interpessoal. Em seu mais importante trabalho sobre o assunto (Hinde, 1997),

discutiu os temas centrais no campo dos relacionamentos entre adultos

apontando o caminho para a integração de nosso conhecimento sobre


22

relacionamento interpessoal. O self, interações, relacionamentos e grupos são

vistos como processos dinâmicos em relação dialética uns com os outros e

com as estruturas sócio-culturais de normas, valores, crenças e instituições.

Sua análise levou em conta cerca de 1.600 publicações das últimas décadas.

O autor introduz aspectos do self relevantes para a dinâmica das interações e

relacionamentos, discute as principais características dos relacionamentos,

desde as interações que os constituem até os aspectos objetivos e subjetivos

dos relacionamentos. Reconhece a importância da comunicação e dos relatos

pessoais nos relacionamentos e discute processos envolvidos na dinâmica do

relacionamento, tais como a influência de características individuais, a

influência de fatores sociais, o papel de processos de atribuição, troca,

equidade, interdependência e teorias de recursos e de apego. Finalmente, o

autor propõe rotas de integração.

Três de seus livros (Hinde, 1979, 1987, 1997) visam a integração dos

estudos sobre relacionamento interpessoal e a busca de um arcabouço

integrador para uma ciência dos relacionamentos.

Entre os pontos teóricos centrais da proposta de Hinde, destacam-se os

níveis de complexidade dos relacionamentos (que indicam a aplicação de

teoria de sistemas aos estudos das relações interpessoais). Segundo Hinde

(1979), os dados sobre relacionamento interpessoal envolvem diversos níveis

de complexidade e conceitos descritivos adicionais são necessários em cada

um deles. Hinde (1987) considerou como níveis sucessivos de complexidade

social as interações, relacionamentos, grupo e estrutura sócio-cultural – como

processos com relações dinâmicas e dialéticas entre si. Para Hinde (1987),

uma interação envolve uma série de trocas, cujo conteúdo e qualidade do


23

comportamento envolvido podem ser descritos. Por outro lado, um

relacionamento envolveria uma série de interações ao longo do tempo, entre

dois indivíduos. Interações e relacionamentos são mais que comportamento e

atitudes, esperanças, expectativas e emoções também devem ser

investigadas. Devido a concomitantes subjetivos, um relacionamento pode

continuar na ausência de interações.

De acordo com Hinde (1987), diferentes níveis de complexidade no

comportamento social incluem interações, relacionamentos e estrutura social e

estes níveis de complexidade apresentam relações de duas mãos entre eles.

Estes três níveis afetam e são afetados pela estrutura sócio-cultural e eles

estão em relação dialética com o ambiente. Assim, forças culturais afetariam a

natureza dos indivíduos que, por sua vez, também afetaria as forças culturais.

Ele propõe explicitamente a adoção de uma ‘abordagem de sistemas’ para a

pesquisa do relacionamento.

Hinde (1997) reafirmou a série de níveis de complexidade incluindo

processos intraindividuais, interações, relacionamentos, grupos e sociedades e

também o contexto da cultura e do ambiente físico. Todos estes níveis

afetariam e seriam afetados pelos outros, sendo cada nível um complexo de

processos dialéticos.

O tema da descrição e classificação dos relacionamentos está presente

nos três livros. Hinde (1979) propôs que uma ciência do relacionamento

deveria repousar sobre uma base descritiva – relacionamentos deveriam ser

descritos e classificados como um esforço preliminar. Discutiu, então,

características dos relacionamentos interpessoais referindo-se, primariamente,


24

aos seus aspectos comportamentais. As primeiras categorias mencionadas se

referiam àquilo que dois indivíduos fazem juntos (útil para uma classificação

funcional dos relacionamentos). A categorização inicial depende do conteúdo

das interações e uma dimensão relacionada é a diversidade das interações

dentro dos relacionamentos. A seguir, destacou a importância de “como” as

pessoas fazem coisas juntamente. Assim, para organizar a área de pesquisa

do relacionamento, parte do conteúdo e da qualidade de interações individuais.

Adiciona a freqüência relativa de diferentes tipos de interações e o modo como

elas formam padrões no tempo em um relacionamento e os aspectos de

similaridade e complementaridade no comportamento dos participantes. O

esquema segue com as propriedades do relacionamento como um todo,

finalmente considerando intimidade, percepção interpessoal e compromisso,

focando primariamente nos aspectos afetivos e cognitivos.

Hinde (1979) parte de uma divisão dos relacionamentos por conteúdo (o

que as pessoas fazem juntas) e as categorias subseqüentes são vistas como

qualificando a classificação inicial, baseada no conteúdo. Esta categorização

de dimensões (categorias de descrição em um nível intermediário de análise)

de relacionamentos interpessoais, contudo, tem como meta final a

compreensão de sua dinâmica. A organização proposta está baseada em

aspectos descritivos em direção a aspectos dinâmicos que são o objetivo final.

Segundo Hinde (1979), as dimensões do relacionamento envolviam o que os

parceiros faziam juntos, a diversidade de atividades, as qualidades

(propriedades) de suas interações, as propriedades gerais do relacionamento,

os padrões de reciprocidade e complementaridade e aspectos de intimidade,


25

percepção interpessoal e compromisso. A descrição é apresentada como um

meio para se compreender a dinâmica dos relacionamentos.

Hinde (1987) reafirma a importância da descrição dos relacionamentos,

considerando necessário um arcabouço descritivo para cada nível de

complexidade. A descrição é considerada o primeiro passo e a base para a

teorização e generalização. O esquema teórico tem início no conteúdo dos

relacionamentos (o que os indivíduos fazem juntos), passando para a

consideração da diversidade das interações (número de diferentes coisas feitas

juntamente), a qualidade dessas interações (como elas são feitas), o que pode

depender da freqüência relativa e dos padrões que essas interações

constituem no tempo. Então, ele discute reciprocidade (os participantes fazem

as mesmas coisas) e complementaridade (fazem coisas diferentes, mas

complementares), intimidade (revelação de aspectos físicos, da experiência e

emocionais para o outro), percepção interpessoal e compromisso (relacionado

à continuidade ou otimização de um relacionamento). Hinde sugere que estas

categorias podem ajudar a organizar dados descritivos sobre relacionamentos

interpessoais e considera a descrição completa como impraticável e

desnecessária (Hinde, 1987).

Para Hinde (1987), a descrição dos relacionamentos envolve,

essencialmente, a descrição das interações (conteúdo e qualidade), a

descrição das propriedades originárias da freqüência relativa e padronização

das interações dentro do relacionamento e a descrição de certas propriedades

que são mais ou menos comuns a algumas ou a todas as interações dentro do

relacionamento. Hinde (1997) afirma novamente que um corpo integrado de

conhecimento sobre relacionamentos deve repousar sobre uma firme base de


26

descrição e classificação. Comenta, então, várias dimensões dos

relacionamentos. Como ponto de partida da descrição, propõe o que dois

indivíduos fazem juntos em um relacionamento. Hinde (1997) inclui

comunicação verbal (incluindo conversação) e não-verbal (expressão das

emoções e de outros sinais de comunicação) como aspectos importantes dos

relacionamentos.

Hinde (1997) propõe três fases analíticas: a descrição dos

relacionamentos, a especificação dos princípios envolvidos em sua dinâmica

(processos subjacentes), e o reconhecimento das limitações da aplicabilidade

desses princípios (Hinde, 1997). Finalmente, conclui que a compreensão

requer re-síntese de nossa análise para compreender o todo. Nos

relacionamentos, afirma que componentes afetivos e cognitivos são tão

importantes quanto os comportamentais (Hinde, 1997).

Complementando a proposta de Hinde, o presente trabalho ainda conta

com a influência teórica dos estudos sobre amizade, especialmente de Adams

e Blieszner (1994) que, como Hinde, também buscam um modelo integrador

para o estudo da amizade entre adultos, no qual tanto aspectos internos ao

relacionamento (como as dimensões tradicionalmente estudadas - intimidade,

compromisso, satisfação, entre outras) quanto aspectos externos (de contexto,

como aspectos culturais, sociais, históricos, religiosos, entre outros) são

considerados e integrados.

O arcabouço conceitual integrativo para a pesquisa do relacionamento

de Adams e Blieszner (1994) apresenta elementos semelhantes e consistentes

aos propostos por Hinde e também contribui para a construção do referencial


27

para a presente investigação. Enquanto a proposta de Hinde (1997) se refere

aos relacionamentos em geral, a proposta de Adams e Blieszner (1994) foi

elaborada tendo em vista os estudos sobre amizade, em particular. De um

ponto de vista sincrônico, considera estrutura e processos tanto nas díades de

amigos quanto nas redes de amizade. A estrutura da amizade envolve o grau

de similaridade entre amigos (gênero, classe, idade, estado civil), sua

proximidade emocional (solidariedade), status e diferenças de poder e

intimidade. Os processos interativos da amizade são aspectos dinâmicos e

incluem processos cognitivos (pensamentos que cada membro tem sobre ele

mesmo, o amigo e a amizade), afetivos (reações emocionais aos amigos e à

amizade) e comportamentais (componentes de ação da amizade, incluindo a

comunicação, auto-revelação, mostras de afeto e apoio, atividades e interesses

compartilhados assim como traição, discussão e demais conflitos) que ocorrem

quando as pessoas interagem. Finalmente, deve-se levar em conta o contexto

estrutural e cultural das interações de amizade, incluindo suas mudanças no

tempo. O esquema conceitual contempla traços estruturais e processuais

internos e externos à díade (Adams & Blieszner 1994). Estes elementos

encontram paralelos na proposta de Hinde (1997), cujo arcabouço conceitual

para os relacionamentos em geral também leva em conta aspectos internos e

externos à díade (incluindo aqui o grupo e a sociedade como níveis de

complexidade mais abrangentes que o do relacionamento, além de fatores

sociais e culturais e ambientais). O autor (Hinde, 1997) também inclui aspectos

cognitivos, afetivos e comportamentais como elementos do relacionamento a

ser investigados.
28

Desta forma, o presente trabalho se orienta por uma ênfase na descrição

dos relacionamentos, em uma visão das amizades como fenômenos sociais

complexos.

1.4 Objetivos e Justificativa

O presente trabalho tem por objetivo analisar as relações entre

amizades e parcerias musicais na vida e obra de Vinicius de Moraes, buscando

compreender a relação entre relacionamento interpessoal e criação musical,

com ênfase em quatro parcerias específicas (Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden

Powell e Toquinho). Os seguintes objetivos específicos são propostos: a)

análise da rede de amigos a partir de escritos biográficos e cartas; b) análise

das parcerias musicais a partir da obra do autor; c) análise da sobreposição ou

relação entre amigos e parceiros musicais na vida e obra de Vinicius; d)

possíveis influências das parcerias e amizades sobre a produção musical

(especialmente sobre as temáticas e estilos musicais).

A pesquisa apresenta relevância social e justificativa científica,

especialmente pela falta de dados sobre a relação entre amizade e criação

artística. Neste caso, compreender melhor a dinâmica social das amizades e

parcerias e a produção cultura e artística pode permitir um maior avanço nas

formas de incentivo e desenvolvimento dessa produção.


29

2. METODOLOGIA

2.1 O material de análise

O arquivo pessoal de Vinicius de Moraes foi cuidado por sua irmã mais

velha, Lígia, e em 1987 foi doado por seus herdeiros ao Arquivo-Museu de

Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa, localizado no bairro de

Botafogo, estado do Rio de Janeiro. Em 1990, foi feita a doação da maior parte

do material pela VM Produções. Posteriormente, outro lote foi doado pela

mesma empresa, algum material por Gilda Matoso, sua última esposa, e dois

poemas por Luciana de Morais, filha de Vinicius.

A partir desse material foi produzido o Inventário de Arquivo – Vinicius

de Moraes (VM) (Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999), com 5.086

documentos manuscritos e datilografados (correspondência, originais de

poesia, discursos, notas etc.). O arquivo foi dividido em correspondência

pessoal (1.578 documentos); correspondência familiar (25 documentos);

correspondência de terceiros (48 documentos); produção intelectual do titular

(1.485 documentos); produção intelectual de terceiros (450 documentos);

documentos pessoais (119 documentos); diversos (395 documentos); e,

documentos complementares (90 documentos).

A descrição do Inventário pode ser acessada pelo endereço eletrônico

http://www.casaruibarbosa.gov.br/dados/DOC/edicoes%20online/iventarios/Inv

entario_ViniciusdeMoraes.pdf. Foram realizadas três visitas ao Arquivo-Museu


30

de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa nos meses de

agosto, setembro e outubro de 2008. Todas as correspondências pessoais de

Vinicius de Moraes foram consultadas e foram selecionadas 106 cartas, que se

relacionavam ao objeto desse estudo.

Materiais de Vinicius também se encontram organizados e disponíveis

em seu site oficial, mantido e atualizado por familiares,

http://www.viniciusdemoraes.com.br. Este endereço eletrônico também serviu

de base para análise de aspectos de sua vida e obra pertinentes a este estudo,

sendo consultado constantemente durante o segundo semestre de 2008, até o

mês de junho de 2009.

A presente investigação baseia-se em análise documental. A seguir, são

indicados os documentos que foram objeto de estudo, assim como o

procedimento empregado para coletar e analisar os dados obtidos a partir

desses documentos.

O material de análise é composto por biografias, vídeo, cartas e letras de

músicas de Vinicius de Moraes. Os principais aspectos da vida de Vinicius

serão buscados principalmente nas suas biografias. Foram selecionadas as

obras de Castello (2005b, 1994), indicadas nas referências bibliográficas do

Inventário de Arquivo VM.

Há apenas um vídeo oficial produzido a respeito da vida de Vinicius de

Moraes (Vinicius, 2005). Com o título do nome do poeta, o vídeo foi produzido

em 2005 por Miguel Faria Junior e Susana Moraes. Para efeito de análise, foi

utilizado como material secundário, servindo para ilustrar acontecimentos da

vida de Vinicius que se relacionam com suas amizades e sua criação musical.
31

Vinicius de Moraes trocou milhares de cartas ao longo da vida. Para esta

pesquisa, foram analisadas aquelas relacionadas ao período em que atuou

como compositor. A base documental para análise das cartas foi constituída

por duas fontes, sendo uma delas o próprio Inventário de Arquivo – VM

(Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999). A outra fonte é o livro organizado por

Rui Castro (2003). Tal escolha se deve à particularidade da obra de Rui Castro,

único autor a organizar tais cartas por períodos, facilitando a escolha das

cartas para este estudo.

Para delimitar a rede social de Vinicius de Moraes foram consultadas

duas biografias escritas por José Castello (2005b, 1994). Além disso, foram

consultadas 134 cartas trocadas entre amigos poetas, amigos músicos e outros

amigos no período do início de 1940 ao final de 1970, disponíveis no Arquivo-

Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa e publicadas

no livro organizado por Rui Castro (2003). Foram analisadas as cartas trocadas

por Vinícius a partir da década de 40: período que antecede a década na qual

Vinícius consolida sua atuação no meio musical. O objetivo foi analisar o pano

de fundo que serviu de base para essa trajetória do poeta, identificando quais

amizades foram se desenvolvendo e que o levaram ao mundo da música.

Outra fonte de pesquisa foram 53 crônicas musicais1 escritas pelo poeta

e organizadas por Jost, John e Campos (2008). Treze entrevistas2 concedidas

1
O samba é carioca e não nasceu no morro (sem data); O negro no samba e no jazz (sem
data); No meu tempo era assim... (sem data); Música popular (sem data); Os “Independentes
da Gávea” (1955); Retrato de Jayme Ovalle (1953); Tangolomango (1953); Um ás (1953); A
grande Elizeth (1953); O que elas têm na voz (1953); A bolerização (1953); Linha pura (1953);
Pixinguinha e os seus sete ou oito batutas (1953); O novo samba (1953); Ary em Chave (1953);
Capoeira e batucada (1953); Oito aqui, sete em paris (1953); Mestre Ismael Silva (1953);
Almirante (1953); Carta a Lúcio Rangel (1959); Carta mortuária a Dolores Duran (1959);
Brasília: o nascimento de uma cidade ou como se faz um poema sinfônico (1961); Em tom bem
triste (1964); Abrindo frentes (1964); Ascensão de Astrud (1964); João Gilberto (1964);
32

por Vinicius e reunidas por Cohn e Campos (2008) também serviram de

material de análise. Por fim, o vídeo-documentário “Vinicius de Moraes”,

produzido por Miguel Faria Junior e Susana Moraes no ano de 2005 serviu

como material complementar.

A escolha dos amigos se deu pela relevância apontada nas biografias e

pela frequência com que aparecem. Optou-se, preferencialmente, por aquelas

pessoas chamadas de “amigo” pelo próprio Vinicius ou assim denominadas nas

biografias. Outro critério foi o número de cartas de acesso público. Foram

considerados os amigos de Vinicius que aparecem em quatro ou mais cartas

trocadas entre eles.

A obra musical de Vinicius de Moraes é bastante vasta. São 332

canções que podem ser ouvidas em sua discografia, além de inúmeros discos

Carlinhos Lyra e “Pobre Menina Rica” (1964); Elizeth no Municipal (1964); As baianinhas
(1964); ‘Le monde musical de Baden’ (1964); Bossa nova nova: Francis Hime (1964); Bossa
nova nova: Edu Lobo (1964); Bossa nova nova: Marcos Vale (1964); Lula Freire (1964); Tom e
a ‘batalha das letras’ (1964); A excursão de Sérgio Mendes (1965); Boas notícias (1965); SP
não é mais o túmulo do samba (1965); Uma casa em Norman Place, L.A. (1965); Certidão de
nascimento (1965); O que é bossa nova (1965); Meu parceiro Baden Powell (1965); O show de
bolso (1965); A propósito do VI Festival Internacional da Canção (1969); Antonio Maria: uma
velha crônica (1970); Ciro Monteiro (1965); Meu Caymmi (1970); Ano novo, música nova
(1973); Encontro (1972); Bichos d’O Pasquim e do meu Brasil trigueiro (amem-no ou deixem-
no) (1972); Nora Ney (1972).
2
Depoimento realizado no Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, em 1967, para Otto
Lara Resende, Lúcio Rangel, Ricardo Cravo Albim e Alex Vianny; “A volta de Vinicius”,
publicada na Revista Manchete, em 1965, entrevista realizada por Odacyr Soares; “Detesto
tudo o que oprime o homem, inclusive a gravata”, publicada na Revista Manchete, em 1967,
realizada por Clarice Linspector; “Basta de Festivais!”, entrevista inédita realizada em 1968,
sem crédito; “Um analista tentou me pasteurizar” publicada no Pasquim, em 1969, realizada
por Tarso de Castro, Jaguar e Luiz Carlos Maciel; “Em busca da simplicidade” publicada no
Jornal do Brasil, em 1971, realizada por Araujo Netto; “Vinicius palavra por palavra” publicada
em O Jornal em 1973, realizada por Jésus Rocha; “A comunicação da poesia que preferiu a
vida” publicada no jornal O Globo, em 1973, sem crédito; “O apaixonado Vinicius de Moraes”
publicada na revista Desfile, em 1973, entrevista realizada por Ricardo Noblat e Tadeu
Lubamo; “Vinicius, Tom, Toco, Miúcha” publicada na Folha de São Paulo, em 1983, realizada
por Tarso de Castro; “Conversando (na cama) com Vinicius” publicada na revista Status, em
1978, realizada por Martha Ibañes; “A poesia e a canção são parte de um todo” publicada no
Estado de São Paulo, em 1979, realizada por Lourenço Dantas Mota, Frederico Branco e Nilo
Scalzo; “De parceria com a vida” publicada na revista Veja, em 1979, realizada por Humberto
Werneck e Regina Echeverria.
33

lançados por seus parceiros e outros intérpretes admiradores de sua obra. Do

total de músicas compostas por Vinicius, somente 15 composições são de

autoria única. As outras 317 foram compostas em parceria.

São objeto desse estudo as letras de música feitas com os parceiros

Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho. O critério para escolha foi a

quantidade de canções compostas com cada um. Foram consideradas as

canções compostas apenas por Vinicius e mais um parceiro. As músicas

criadas por três ou mais pessoas não foram selecionadas para análise. O

objetivo é delinear as características de cada parceria para estabelecer

relações entre elas.

Esses quatro compositores são responsáveis pela produção de 184

músicas em parceria com Vinicius. Com Tom Jobim foram 44, com Carlos Lyra

26 e com Baden Powell 39. A parceria com Toquinho produziu 75

composições. As letras selecionadas estão especificadas nos capítulos

referentes a cada parceria.

2.2 Procedimento de coleta de dados

Após a identificação dos amigos e dos parceiros musicais (com base nas

biografias e nas cartas), foi feita análise da sobreposição dos dois grupos. O

passo seguinte foi analisar o conteúdo da obra com os quatro parceiros

identificados (letra e música).


34

Os dados coletados em cada fonte são os seguintes: 1) Biografias e

cartas - (a) Identificação dos amigos, indicadores de proximidade, atividades e

interesses comuns; (b) Descrição do contexto social que aparece como pano

de fundo das interações com amigos e parceiros; 2) Músicas - (a) Identificação

de temas das letras e estilos musicais, de acordo com a parceria da

composição; 3) Vídeo - (a) Identificação dos amigos, indicadores de

proximidade, atividades e interesses comuns; (b) Descrição do contexto social

que aparece como pano de fundo das interações com amigos e parceiros.

2.3 Procedimento de análise de dados e organização do trabalho

A análise de dados foi realizada em três etapas. Na primeira etapa, são

identificados os amigos (a partir de escritos biográficos e cartas) e os parceiros

musicais do autor (a partir das composições e também dos escritos biográficos

e cartas).

Na segunda etapa, são analisadas quatro parcerias específicas (Tom

Jobim, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho). Dois aspectos são

investigados: (1) a natureza do relacionamento (amizade ou outra forma de

relacionamento) e suas características mais marcantes (histórico da relação,

interesses comuns e atividades compartilhadas), a partir de escritos biográficos

e cartas; (2) o processo de criação musical em parceria – aspectos da atividade

conjunta da criação musical como um processo de cooperação e seus

elementos facilitadores e dificuldades (como competição ou conflitos), a partir

de escritos biográficos e cartas.


35

Na terceira etapa são investigados os produtos culturais (composições –

letra e música) resultantes das quatro parcerias acima mencionadas com vistas

a identificar como o processo de composição conjunta afeta o conteúdo

temático e o estilo musical das obras em parceria.

Os resultados são apresentados de acordo com os itens acima: (a) a

rede social (amizades e parcerias); (b) o relacionamento com os quatro

parceiros principais; (c) o processo de criação musical em parceria; (d) o

eventual papel da amizade (ou outra forma de relacionamento) na produção

musical em parceria (letra e música).

Seguindo a proposta metodológica de Hinde (1997), a descrição do

relacionamento é privilegiada na análise dos dados. Descrever o

relacionamento é difícil porque a visão de um observador externo pode ser

diferente da própria visão dos participantes, especialmente quando o material

analisado é documental e não há o registro de trocas verbais – como

entonação da voz – e nem a possibilidade de entrevistas e observação. Outros

agravantes são: a descrição depende em parte da descrição das interações

que compõem o relacionamento; a descrição refere-se a um determinado

período; relacionamentos estão inseridos em uma rede de outros

relacionamentos que se afetam mutuamente.

De acordo com Hinde (2007), os relacionamentos devem ser descritos

nos seus diversos níveis de complexidade, em termos de suas propriedades

específicas, da natureza dos indivíduos participantes e das interações que

constituem tais relacionamentos. Assim, Hinde (1997) sugere a seguinte

seqüência de análise, iniciando pelo nível das interações: 1. Efetuar coleta dos
36

dados básicos, que consistem em exemplos específicos de interações entre as

díades. 2. Efetuar generalizações sobre a incidência e freqüência dessas

interações em cada díade. 3. A partir daí, optar por um dos dois caminhos: a)

permanecer no mesmo nível de complexidade social (interações) e tentar obter

generalizações sobre cada tipo específico de interação, comparando os dados

obtidos em díades semelhantes; ou b) passar para o próximo nível de

complexidade social (relacionamentos), focalizando separadamente cada díade

para analisar a incidência e as relações entre seus diferentes tipos de

interação. Essa última opção foi a escolha feita para o presente estudo.

O objetivo da descrição consiste na identificação de diferenças entre os

diversos relacionamentos, sejam diferenças de categorias (por exemplo,

amizade e mãe-bebê) ou entre diferentes instâncias de uma mesma classe (por

exemplo, diferentes relacionamentos de amizade).

Nesse estudo, para cada canção foram definidos temas, subtemas e

aspectos do conteúdo. Os temas se relacionam com o assunto preponderante.

Os subtemas são categorias dentro do tema que detalham como este foi

tratado. Numa unidade ainda menor de análise, estão os aspectos do

conteúdo, especificando como o tema é tratado e os sentimentos presentes.


37

3. VINICIUS DE MORAES: NOTAS BIOGRÁFICAS

Vinicius de Moraes foi poeta, escritor, cronista, crítico de cinema,

diplomata, vice-cônsul, compositor, cantor, marido de nove mulheres, pai de

cinco filhos e avô de um menino. Falar detalhadamente de sua vida requer um

tempo e um espaço que esta pesquisa não comporta e não tem como

finalidade. O objetivo é situar fatos marcantes da vida de Vinicius,

especialmente os acontecimentos ligados às amizades e à música. Além disso,

fazer uma biografia de Vinicius de Moraes não seria tarefa fácil, pois

Vinicius de Moraes viveu um emaranhado de identidades


que se confirmam, se contradizem e se desmentem, e que
podem ser encontradas, quase sempre tortas e
desconexas, ao longo de sua biografia. (...) A biografia de
Vinicius de Moraes é um relato em fragmentos, cheio de
cortes, de desmentidos, de surpresas. (...) O poeta cultivou
uma vida de rupturas radicais, de paixões súbitas, e
contradisse a si mesmo sempre que pôde. (Castello,
2005b, 74)

As fontes das informações são o Inventário de Arquivo – VM (Fundação

Casa de Rui Barbosa, 1999), as biografia escritas por Castello (2005b, 1994), o

livro de Cohn & Campos (2007) que reune algumas de suas entrevistas e o site

oficial do poeta e compositor (http://www.viniciusdemoraes.com.br). Com esse

levantamento, espera-se compreender melhor o contexto de formação das

amizades de Vinicius e o espaço físico, histórico e social de sua formação,

como poeta e músico.

Vinicius de Moraes nasceu em 1913, no bairro da Gávea, Rio de

Janeiro. Cresce rodeado por uma família envolvida com diferentes


38

manifestações de arte. Sua mãe, Lydia Cruz de Moraes, foi pianista seguindo os

passos da avó materna e Vinicius. O pai, Clodoaldo Pereira da Silva, era sobrinho do

poeta, cronista e folclorista Mello Moraes Filho, tinha amizade com Olavo Bilac e

compunha poemas esporadicamente. O bisavô paterno foi autor de cantigas de

amor e o avô materno, poeta. Outras figuras do círculo familiar de Vinicius, como tios e

tio-avô, também estavam ligadas à música e à poesia (Castello, 1994).

Seu interesse pela música pode ser percebido desde cedo. Numa

crônica intitulada Música Popular (Jost, Cohn & Campos, 2008, 30), Vinicius

justifica seu envolvimento com a música popular

Agora me digam: como é que, com tio-avô modinheiro


parente de Castro Alves (...), pai curtidor de sarau musical
(...), avó materna e mãe pianistas (...), dois tios seresteiros
(...); como é que, com toda essa progênie, poderia eu
deixar de ser também compositor popular...

Em 1922 muda-se com sua família para a Ilha do Governador, onde

passa grande parte de sua infância. Aos 13 anos começa a compor com dois

amigos, os irmãos Paulo e Haroldo Tapajoz. Em 1928, os três compõem "Loura

ou morena" e "Canção da noite", que alcança grande sucesso popular.

Em 1930, entra para o curso de Direito. No ano seguinte ingressa no

Centro de Preparação de Oficiais da Reserva. Apesar da pouca afinidade com

a faculdade de Direito, forma-se em 1933 e completa o Curso de Oficial da

Reserva. Nesse mesmo ano, publica seu primeiro livro, “O caminho para a

distância”. A partir daí, publica vários poemas.

Em 1936, conhece Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.


39

Torna-se censor cinematográfico. Em 1938 vai para a Inglaterra estudar língua

e literatura inglesas na Universidade de Oxford. Conhece e fica amigo de

Jayme Ovalle.

No ano seguinte, casa-se por procuração com Beatriz Azevedo de Mello,

conhecida por Tati. No final desse mesmo ano regressa ao Brasil. Sua primeira

filha, Susana, nasce em 1940. Passa uma temporada em São Paulo, onde fica

amigo de Mário de Andrade. Em 1941, torna-se crítico literário no jornal A

Manhã.

O ano de 1942 é de grande movimentação na vida de Vinicius. Nasce

seu filho Pedro. Em uma caravana a Belo Horizonte – Minas Gerais –, chefiada

por ele a pedido do então prefeito Juscelino Kubitschek, faz amizade com os

escritores Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Pellegrino e Paulo

Mendes Campos. Com a companhia frequente de Oscar Niemeyer, frequenta o

Café Vermelhinho. Nesse mesmo ano, faz uma viagem de 40 dias pelo Brasil

com o escritor americano Waldo Frank e muda radicalmente sua visão política:

passa a ser um homem de esquerda e se auto-denominar comunista. No

período que passa em Recife, conhece o poeta João Cabral de Mello Neto.

Em busca de estabilidade financeira, presta concurso e, em 1943,

ingressa na carreira diplomática. Por causa da profissão passa muito tempo

longe do Brasil, em diversas missões e diferentes postos diplomáticos. No

roteiro estão incluídos países da América do Sul, do Norte e Europa.

Em 1944, dirige o suplemento literário de O Jornal, onde lança, entre

outros, Oscar Niemeyer e Pedro Nava. Publica também desenhos de artistas

plásticos pouco conhecidos até então, como Carlos Scliar e Maria Helena
40

Vieira da Silva.

No ano seguinte, faz amizade com Pablo Neruda. Escreve crônicas

diárias para o jornal Diretrizes. Em 1946, casa-se com Regina Pederneiras. Em

1947, estuda cinema com Orson Welles e Gregg Toland. E lança com Alex

Viany a revista “Film”.

Em 1951, casa-se com Lila Bôscoli. Começa a colaborar com o jornal

“Última Hora” a convite de Samuel Wainer.

Pretendendo produzir um filme sobre a vida do escultor Aleijadinho,

passa temporada em cidades mineiras, visitando, fotografando e filmando com

os primos Humberto e José Francheschi.

Em 1953, nasce sua filha Georgiana. Nesse ano, compõe com Antônio

Maria a canção "Quando tu passas por mim". A partir daí o envolvimento com a

música se intensifica. Em 1954, a revista Anhembi publica sua peça “Orfeu da

Conceição”, premiada no concurso de teatro do IV Centenário do Estado de

São Paulo. Em 1955, compõe, em Paris, uma série de canções de câmara com

o maestro Cláudio Santoro. Começa a trabalhar para o produtor Sasha

Gordine, no roteiro do filme “Orfeu Negro”. No ano seguinte, passa uma

temporada no Brasil em gozo de licença-prêmio. Paralelamente aos trabalhos

da produção do filme “Orfeu Negro”, tem o ensejo de encenar sua peça “Orfeu

da Conceição”, no Teatro Municipal. Convida Antônio Carlos Jobim para fazer a

música do espetáculo, iniciando com ele a parceria que, logo depois, com a

inclusão do cantor e violonista João Gilberto, daria início ao movimento de

renovação da música popular brasileira, que se convencionou chamar de

“Bossa Nova”. Retorna a Paris no fim de 1956, ano de nascimento de sua


41

terceira filha, Luciana. Em 1957, casa-se com Maria Lúcia Proença.

Em 1958, sai o LP “Canção do Amor Demais”, com músicas suas em

parceria com Antônio Carlos Jobim, cantadas por Elizete Cardoso. No disco,

ouve-se, pela primeira vez, a batida da bossa nova, no violão de João Gilberto,

que acompanha a cantora em algumas faixas, entre as quais o samba "Chega

de Saudade", considerado o marco inicial do movimento. Em 1959, é lançado o

LP “Por Toda Minha Vida”, com canções em parceira com Jobim, interpretadas

pela cantora Lenita Bruno. Nesse mesmo ano, o filme “Orfeu Negro” ganha a

Palme d’Or no Festival de Cannes e o Oscar, em Hollywood, como melhor filme

estrangeiro do ano.

Em 1961, começa a compor com Carlos Lyra e Pixinguinha. No ano

seguinte, com Baden Powell, dando inicio à série de afro-sambas. Ainda em

1962, compõe, com música de Carlos Lyra, as canções de sua comédia

musicada “Pobre Menina Rica”. Em agosto, faz seu primeiro show, de ampla

repercussão, com Antônio Carlos Jobim e João Gilberto, na boate “AuBom

Gourmet”, Rio de Janeiro, que daria início aos chamados pocket-shows e onde

foram lançados, pela primeira vez, grandes sucessos internacionais como

"Garota de Ipanema" e o "Samba da Bênção". Também faz show com Carlos

Lyra, na mesma boate, para apresentar “Pobre Menina Rica” e onde é lançada

a cantora Nara Leão. Nesse mesmo ano, compõe com Ari Barroso as últimas

canções do grande compositor popular, entre as quais "Rancho das

Namoradas". Grava, como cantor, seu disco com a atriz e cantora Odete Lara.

Casa-se com Nelita de Abreu em 1963. Começa a compor com Edu

Lobo. E, em 1964, com Francis Hime. Faz show de grande sucesso com o
42

compositor e cantor Dorival Caymmi, na boate Zum-Zum, onde lança o

Quarteto em Cy. Do show é feito um LP. Colabora com crônicas sobre música

popular para o “Diário Carioca”.

Em 1965, ganha o primeiro e o segundo lugares do I Festival de Música

Popular de São Paulo, da TV Record, em canções de parceria com Edu Lobo e

Baden Powell. De Paris, voa para Los Angeles a fim de encontrar-se com seu

parceiro Antônio Carlos Jobim. Volta ao show com Caymmi, na boate Zum-

Zum. Em 1966, seu "Samba da Bênção", de parceria com Baden Powell, é

incluída, em versão do compositor e ator Pierre Barouh, no filme “Un homme…

une femme”, vencedor do Festival de Cannes do mesmo ano. Em 1969, é

exonerado do Itamaraty. Casa-se com Cristina Gurjão.

Em 1970, dá-se início à parceria com Toquinho. No ano seguinte, muda-

se para a Bahia após casamento com a baiana Gesse Gessy. Nasce Maria,

sua quarta filha. Em 1972, viaja com Toquinho para a Itália onde gravam o LP

“Per vivere un grande amore”. Em 1975, excursionando pela Europa, grava

com Toquinho dois discos. Em 1976, escreve as letras de "Deus lhe pague",

em parceria com Edu Lobo. Casa-se com a argentina Marta Rodriguez.

Em 1977, grava um disco em Paris com Toquinho e faz show com Tom,

Toquinho e Miúcha, no Canecão. Em 1978, excursiona pela Europa com

Toquinho. Casa-se com sua última mulher, Gilda de Queirós Mattoso.

Morre na manhã de nove de julho de 1980, de edema pulmonar, em sua

casa na Gávea, em companhia de Toquinho e de sua última mulher.


43

4. A REDE DE AMIGOS DE VINICIUS DE MORAES – UM


ESBOÇO

A rede social de Vinicius de Moraes é extremamente ampla e se

caracteriza principalmente por figuras do meio literário e musical. Mesmo os

relacionamentos amorosos e no trabalho têm alguma relação com o mundo

cultural, sendo formado por pessoas ligadas à poesia, escrita, música, cinema

ou artes plásticas.

De acordo com Hinde (1997), a rede de relacionamentos interpessoais

de que o indivíduo faz parte exerce importante influência sobre seu

desenvolvimento físico, emocional e cognitivo. Os diferentes relacionamentos

afetam-se mutuamente e a personalidade do indivíduo influenciará o

relacionamento de que participa. As interações influenciarão o curso dos

relacionamentos e a percepção que os indivíduos têm dos relacionamentos

influenciarão as interações futuras, como é possível perceber na rede social de

Vinicius de Moraes. Ela se amplia e se modifica de acordo com novas

interações que vai produzindo. Fica clara a interrelação entre amizade e

produção cultural. As cartas evidenciam que atividades e produtos das mais

diversas naturezas, tais como letras de músicas, poesias, shows e discos,

foram planejados entre amigos e parceiros.

Nessa ampla rede social, voltada para atividades literárias, musicais e

artísticas de modo geral, os pares se atraíam e grandes nomes da literatura,

música e cinema, não só brasileiros, circulavam em torno de Vinicius. Mesmo

os relacionamentos amorosos geralmente emergiram desse mesmo núcleo.


44

Assim como as maiores amizades. A carreira diplomática concentra alguns

amigos, mas em menor quantidade e intensidade.

As amizades do meio literário foram fundamentais para Vinicius entrar

no mundo da música popular. Também tiveram importante papel na mudança

de posição política e na definição de sua profissão através do ingresso na

carreira diplomática. Há grande influência dos relacionamentos de amizade na

vida de Vinicius de Moraes.

Ainda assim, sente-se um homem solitário: “a gente nasce, come, morre,

faz tudo sozinho...” e busca, especialmente na amizade, uma forma não de

preencher o vazio que sente, mas de torná-lo suportável: “... de maneira que a

luta do homem deve ser a de tornar a sua solidão uma comunhão a dois, a

três. Aí vem o problema da amizade, dos amigos” (Cohn & Campos, 2007,

160).

Foram considerados amigos aqueles a quem Vinicius de Moraes se

refere textualmente como amigo nas cartas, entrevistas e crônicas e também

aquelas pessoas com as quais se relacionava de maneira próxima e íntima e

com as quais mantinha atividades e interesses em comum. Os indicativos

dessa relação são encontrados nos materiais de análise, nos quais foi

considerado o tratamento dispensado ao destinatário das cartas e a própria

quantidade de cartas disponíveis para consulta, a descrição das atividades em

comum indicando proximidade e o tipo e relevância dos assuntos tratados

indicando intimidade. Outro critério foi o número de cartas para análise. Apenas

os amigos com quatro ou mais cartas disponíveis para consulta foram

considerados nesse estudo. As exceções são Erico Veríssimo e Mário de


45

Andrade, pois há apenas o registro de uma carta para o primeiro e duas para o

segundo, porém, em ambas o tratamento dispensado por Vinicius indica

amizade e intimidade. Além disso, as biografias indicam a relação de amizade

entre Vinicius e esses personagens.

De modo geral, Vinicius de Moraes demonstra em suas cartas e

entrevistas uma facilidade muito grande de reconhecer o outro como amigo.

Tende a falar de todos como parte integrante do seu círculo de amizade.

Porém, é possível perceber os amigos e os principais elementos de um

relacionamento típico de amizade, tais como a proximidade e intimidade, pela

intensidade da narração e detalhamento de atividades e interesses comuns.

Alguns assuntos estão sempre presentes, mudando a intensidade de

acordo com o amigo: a vida fora do Brasil, família, desenvolvimento dos filhos,

falta de dinheiro, saúde, noticias de outros amigos, política, poesia (publicação

de livros, pedido de revisão de novas poesias etc). E sempre numa via de mão

dupla: fala de si e quer saber do outro. Vinicius faz questão de colocar o amigo

em dia com notícias de outros amigos, faz circular as amizades.

Para esse estudo, os relacionamentos de amizade de Vinicius de

Moraes foram divididos de acordo com a principal atividade em torno da qual o

relacionamento se desenvolveu. Assim, são três os tipos principais de

amizades: acadêmicas, literárias e musicais.

Amizades acadêmicas são aquelas que tiveram início nos espaços da

Faculdade de Direito do Catete. Com esses amigos, Vinicius estabeleceu

rotinas e desenvolveu atividades relativas ao seu curso de graduação, tais

como rodas de estudos filosóficos, leituras de escritos e declamação de


46

poesias, produção de textos acadêmicos. Os amigos acadêmicos considerados

nesse estudo são Plínio Sessekind Rocha, Claudio Mello e Octávio de Faria.

Foram encontradas referências a essas amizades em entrevistas concedidas

por Vinicius e nas biografias utilizadas. Não foram analisadas cartas trocadas

entre eles, já que o início destas amizades se deu antes da década de 1940,

período no qual as cartas trocadas não foram objeto de análise do presente

estudo.

Amizades literárias giravam em torno da poesia e da literartura e se

desenvolveram com poetas e escritores. Tais amizades giravam em torno da

troca de poesias, pedidos de correção de novos poemas, solicitações de ajuda

e incentivo para publicação de livros, crônicas e contos em revistas ou jornais e

indicação de leituras. As atividades compartilhadas incluíam a leitura e

declamação de poemas, jantares nas casas nos amigos e restaurantes do Rio

de Janeiro. Percebe-se a sobreposição com amizades da carreira diplomática,

já que alguns desses amigos faziam parte também do mundo do trabalho de

Vinicius. Porém, de acordo com cartas, biografias e entrevistas, esses

companheiros de trabalho do autor, com os quais não compartilhava atividades

externas e outros interesses em comum, não eram considerados amigos.

Foram utilizadas 106 cartas e identificados os amigos Manuel Bandeira (41

cartas), Calazans Neto (14 cartas e bilhetes), Rubem Braga (11 cartas),

Antônio Maria (nove cartas), João Cabral de Melo Neto (nove cartas), Carlos

Drummond de Andrade (oito cartas), Ribeiro Couto (sete cartas), Lauro Escorel

(quatro cartas), Mário de Andrade (duas cartas) e Erico Veríssimo (uma carta).

Por fim, amizades musicais são aquelas cujo interesse em comum gira

em torno da música, especialmente a composição musical. Esses amigos


47

possuem as mais diferentes características de gênero, idade e local de início e

desenvolvimento da amizade. Isso indica que é em torno dos produtos culturais

produzidos entre eles que se desenvolvia e consolidava a relação de amizade.

São objeto de análise desse tipo de amizade os quatro parceiros principais de

Vinicius, com os quais estabeleceu relação de amizade: Tom Jobim, Carlos

Lyra, Baden Powell e Toquinho. O material de análise são cartas trocadas com

Tom Jobim (15 cartas), Carlos Lyra (11 cartas) e Baden Powell (duas cartas).

Nenhuma carta trocada entre Vinicius e Toquinho está disponível para

consulta. Também serviram de fonte de pesquisa as biografias, crônicas e

entrevistas, além dos sites oficiais de Vinicius e dos quatro parceiros3,

consultados constantemente entre outubro de 2008 e junho de 2009. As

principais características dessas quatro amizades serão trabalhadas no quinto

capítulo.

O objetivo deste item não é esgotar a rede de amigos de Vinicius de

Moraes no mundo musical, mas destacar os principais parceiros e amigos do

autor.

As amizades do mundo acadêmico têm início, a partir de 1930, quando

Vinicius entra para a Faculdade de Direito do Catete, com 17 anos incompletos.

Aproxima-se de amigos que marcarão sua juventude e sua maturidade, e serão

coadjuvantes de uma difícil ruptura rumo à vida adulta. Por terem acontecido

na vida de Vinicius antes da década de 1940, não foram analisadas cartas

3
Site de Tom Jobim: http://www.jobim.org/jspui/acervo/acervodigital.jsp
Site de Baden Powell: http://www.badenpowell.com.br
Site de Carlos Lyra: http://www.carloslyra.com
Site de Toquinho: http://www.toquinho.com.br
48

trocadas entre Vinicius e esses amigos. As informações contidas aqui foram

retiradas das biografias do poeta e das entrevistas concedidas por ele.

Vinicius se alia ao trio inseparável Plinio Sessekind Rocha, estudante de

engenharia, Claudio Mello, que cursa medicina, e Octavio de Faria, futuro

romancista que marcaria profundamente a formação intelectual de Vinicius de

Moares. As conversas dos jovens são recheadas de questionamentos

filosóficos e religiosos. “Vinicius ingressa em um mundo de ‘homens sérios’,

universo de rapazes orgulhosos e sinceros que, com o ego inchado pelo

debate intelectual, pairam com suas mentes esgarçadas uns bons centímetros

acima da vida real” (Castello, 1994, 66).

Ele próprio reconhece o papel dos amigos na formação do seu ponto de

vista sobre o mundo e si mesmo. Em entrevista publicada no jornal Estado de

São Paulo, de 18 de fevereiro de 1979, afirma:

E não se deve esquecer a influência dos amigos dessa


ocasião. Na Faculdade de Direito, por exemplo, o Octávio
de Faria e o San Thiago Dantas eram gente dessa linha
transcendental (...) E eu, naturalmente, fui influenciado por
esses amigos, mais velhos e mais cultos, com os quais
convivia, e que me deram os primeiros livros sérios para ler
(Cohn & Campos, 2007, 197).

Os ardentes debates filosóficos, marcados por uma rígida formação

religiosa, acontecem “em noites marcadas por álcool, muita fumaça e olheiras

profundas” (Castello, 1994, 67). Vinicius vinha de formação familiar católica e

de um colégio de padres. Essa base religiosa foi terreno fértil para o

aprofundamento em questões místicas, moldando uma personalidade marcada

por medos e pudores.


49

No colégio, e depois na faculdade, encheram-me de


conceitos aristocráticos e os filósofos da tragédia, da
dúvida e do pessimismo me escureceram a mente, com
seus sombrios e angustiados aforismos (Cohn & Campos,
2007, 147)

A poesia de Vinicius denotava as preocupações com o plano metafísico

e os medos de sucumbir aos apelos terrenos. Porém, o poeta sente o peso

dessa escolha e a limitação que ela acarreta para sua poesia. A música

começa a aparecer com maior força e contornos mais definidos:

Partir para a canção foi também porque eu não estava


satisfeito com o tipo de comunicação que o livro dava,
achava estreito e queria ampliar essa comunicação (...) Eu
me voltei para a música tentando reencontrar uma
possibilidade de cantar, de chegar a um tipo de
comunicação mais simples, mais direta. Não sei se
funcionou ou não, mas para mim foi ótimo, pessoalmente.
(Cohn & Campos, 2007, 107)

A partir da década de 1940, a troca de cartas acontece mais

intensamente com amigos relacionados à poesia. João Cabral de Melo Neto é

amigo da carreira diplomática e também amigo literário. A atividade em comum

gira em torno da literatura. Vinicius e João Cabral se conhecem em Recife, no

período que Vinicius fazia uma viagem de um mês pelo interior do país na

companhia do americano Waldo Frank, no ano de 1942. João Cabral entrou no

Itamaraty em 1945, aproximadamente dois anos depois de Vinicius.

Trabalharam na mesma divisão, a Divisão Cultural. “Fizemos uma relação

muito boa e ficamos grandes amigos, que somos até hoje”, relata em entrevista

de 1967 (Conh & Campos, 2007, 42).


50

O tratamento da carta de 1949 (Castro, 2003, 163) dá o tom formal, mas

nem por isso menos íntimo: “meu caro Vinicius”. Na carta, João Cabral dá

retorno sobre um livro que aparentemente Vinicius pediu que o amigo lesse e

opinasse. Fala de revistas que está imprimindo e de um ensaio no qual está

trabalhando. Os assuntos basicamente giram em torno dos interesses em

comum, mas extrapolam também para aspectos pessoais. “Também a saúde

não está bem. E há, sobretudo, o nervosismo ao pensar que dentro de uns

quinze dias me vou operar da cabeça” (Castro, 2003, 163).

Outro amigo escritor e diplomata é Lauro Escorel. Ele e Vinicius

conheceram-se quando o poeta tinha ainda dezoito anos. Tinham o hábito de

se reunirem para sessões de leitura em voz alta de versos famosos. É por

sugestão de Lauro, futuro embaixador, que Vinicius se candidata ao Itamaraty.

Em entrevista de 1967, Vinicius declara que deve sua entrada no Itamaraty ao

“querido amigo Lauro Escorel” (Cohn & Campos, 2007, 35). Após um ano

estudando juntos, numa intensa dedicação ao concurso, ambos são aprovados

em 1942.

Lauro é um amigo que provoca reações muito intensas em Vinicius. As

cartas trocadas entre eles são muito apaixonadas, com muita raiva ou muito

amor. Os sentimentos demonstrados são exacerbados. Numa longa carta de

1949, Vinicius desabafa que não se contentou com uma carta anterior do

amigo. Lauro foi solicitado a fazer uma revisão crítica de um livro de Vinicius,

porém foi superficial ou esquivou-se a criticá-lo (não foi possível acesso à

resposta de Lauro, mas apenas à carta de Vinicius).

Sua carta não me satisfez. Você não tira o corpo fora


assim, sem mais aquela. Esperava mais, e continuo
51

esperando. (...) A não ser que você ande com algum


parasita na mão, não vejo razão para você não dizer por
que gostou ou não gostou das coisas de que você terá e
não terá gostado. Acho portanto a carta sem cabimento e a
não ser que você não queira ser aporrinhado, ou não se
aporrinhar – o que então explica as coisas... –, eu ainda
conto com a sua crítica de amigo, coisa de você pra mim
(...) Me responde, miserável! És ou não és a guarda do teu
irmão? E manda novas sugestões. (Castro, 2003, 154-7)

Na carta seguinte, tratando Lauro Escorel, como “meu velho”, Vinicius se

desculpa longamente pela carta anterior. Diz que compreendeu melhor as

colocações do amigo depois que este lhe escreveu. Fala novamente sobre sua

postura política, mas num tom mais ameno, menos agressivo. Reconhece que

tinha se exaltado, provavelmente pelo trabalho que o livro deu, portanto não

soube entender e aceitar as críticas.

Mas eu te amo e isso é que é importante. Jogaria de bom


grado todos os meus poemas na latrina, e não estou
brincando, para não perder nem a amizade, nem o apreço
intelectual – sempre misturado com um pouco de zanga
fraterna e muito muxoxo – que, desde os seus tempos de
menino em São Paulo, quando eu chegava lá nas minhas
escapulas doidas, você manifestava por mim, e que
sempre foram amplamente retribuídos, ao meu modo um
pouco cigano. Isso é o mais importante para mim hoje em
dia (...). Pela tua carta, tão generosa e tão simples, muito
obrigado. Desculpa a minha burrice e a minha vaidade.
(Castro, 2003, 159-162)

Em várias outras cartas trocadas entre eles, Vinicius solicita novas

revisões e opiniões pessoais, envia livros e revistas, conta histórias dos lugares
52

por onde passa e das pessoas que conhece, pergunta sobre amigos em

comum, sobre a família de Lauro, fala da dele, conversa sobre trabalho.

Outro amigo que circula entre os meios literário e diplomático é Ribeiro

Couto, escritor, poeta e diplomata. As cartas trocadas entre eles mostram um

episódio no qual Vinicius tece elogios depois de falhar com o amigo. A partir de

1957, Ribeiro tentou reunir artigos sobre cinema que ele e Vinicius escreveram

para a revista Manhã, no ano de 1942, polemizando o debate sobre cinema

mudo e cinema falado. Tratando-se mutuamente em tom de amizade, os

amigos combinam de Vinicius enviar os artigos de sua autoria, o que acaba

não acontecendo. Após algumas cartas de Ribeiro insistindo para que o

material seja enviado, Vinicius dá retorno em 1960 numa tentativa,

aparentemente, de desculpar-se pelo lapso. “Ribeiro querido, não se assuste,

sou eu mesmo, seu velho e preguiçoso amigo” (Castro, 2003, 259). E enfatiza

o apreço que sente por Ribeiro: “andei relendo suas coisas ultimamente e me

deu um calor muito bom saber você tão brasileiro, tão sensível às nuances

mais difíceis da poesia, tão você mesmo em tudo” (Castro, 2003, 259). “Tenho,

como você deve bem saber, uma extrema dificuldade para escrever cartas:

uma outra prerrogativa e privilégio dos homens da sua geração” (Castro, 2003,

260), numa tentativa de se redimir pelo “sumiço”. E termina: “embora a vida

tenha nos separado em muitos sentidos, inclusive no político, ficou um sino que

toca quando nos encontramos. Isso eu acho inestimável” (Castro, 2003, 260).

Vinicius dá mostras que de percebe a amizade como algo atemporal. Sente-se

amigo, permanece amigo mesmo que não entre em contato ou demore a fazer

isso. Não necessita estar constantemente presente.


53

Para o poeta Carlos Drummond de Andrade, Vinicius declara total

confiança e entrega. Conhecem-se em 1936 no prédio do Ministério da

Educação onde Drummond ocupa o posto de chefe de gabinete. Vinicius

descreve a sensação do encontro:

Achei-o intratável a primeira vez, parecia um estilete e não


um chefe de gabinete. Saí impressionado, pensando
comigo que nunca poderia ser amigo de um sujeito assim
(Castello, 2005b, 40)

Conhece, porém, outra face de Drummond que se revela nas mesas do

bar Vermelhinho, localizado no centro do Rio de Janeiro, onde costumavam se

encontrar com frequência, junto de outros amigos em comum. Lá, após alguns

chopes, Vinicius percebe um Drummond risonho e alegre (Castello, 2005).

Em carta de 1942, na qual solicita que Drummond interceda por um

amigo, afirma que possui “uma espécie de irremediável confiança no seu

espírito e no seu coração” (Castro, 2003, 106). O sentimento é retribuído pelo

amigo. Numa carta de 1944, Drummond elogia uma poesia de Vinicius que

corrigiu e faz sugestões de alterações. Sente-se lisonjeado por ter sido

escolhido por Vinicius para ser o corretor e o primeiro a tomar conhecimento da

nova poesia. “Fiquei cheio de admiração, de alegria e de inveja, numa mistura

explosiva. Obrigado pela leitura prévia” (Castro, 2003, 110). Nesse mesmo ano,

Vinicius escreve carta na qual demonstra grande alegria por seu poema conter

características e influência da poesia de Drummond. Vinicius afirma, em

entrevista publicada no jornal O Globo em 1973, que “o único poeta brasileiro

de dimensão universal é Carlos Drummond de Andrade” (Cohn & Campos,


54

2007, 150). Apesar de toda admiração entre eles, os tratamentos utilizados nas

cartas, assim como a forma de se despedirem, quase beira o formalismo.

O tom formal também aparece em carta de 1942 para o escritor Erico

Verríssimo. Chamando o amigo por “meu caro Erico”, Vinicius nega convite de

Erico para visitá-lo e trabalharem juntos, devido o nascimento do filho. Mas, se

dispõe a traduzir algum trabalho do escritor, talvez como uma forma de

compensação pelo convite negado. E declara: “você ganhou, dentre os seus

novos amigos, talvez o mais fiel e grato” (Castro, 2003, 106).

O formalismo no tratamento, porém, desaparece em cartas para amigos

como o escritor Calazans Neto. Conheceram-se na Bahia, em 1971, quando

Vinicius se muda para lá. Calazans era seu vizinho e torna-se seu melhor

amigo. Foi seu padrinho de casamento com a baiana Gessy Gesse, sua sétima

mulher. Em carta a Tom Jobim de 13/01/74, Vinicius chama Calazans Neto de

“Tom Jobim da gravura brasileira” (Castro, 2003, 344). A forma de se tratarem

demonstra admiração, cumplicidade e proximidade. Vinicius trocou bilhetes

com o amigo onde utilizou as mais diferentes formas para de tratamento:

Irmão, Calalô, Príncipe de Itapoã, Bichona. Os bilhetes são sempre para

convidar o amigo para uma noite de leitura de poesias, em sua própria casa ou

na casa de Calazans.

A amizade continua mesmo depois de separar-se de Gessy Gesse e

mudar-se da Bahia. Em carta de 1975, enviada por Vinicius da Argentina,

chama o amigo de “Calá, meu santinho” e ao longo da carta refere-se a ele

como Pai. E os assuntos são os mais variados possíveis e parecem não ter fim:
55

“estou ligando pra você neste instante mesmo, mas me deu vontade de lhe

contar mais coisas do que cabem num telefonema” (Castro, 2003, 345). Fala

da vida na Argentina, do neto, da nova mulher (a argentina Marta Rodriguez),

dos shows de Carlos Lyra com o Quarteto em Cy, do poema de Ferreira Gullar

(e da emoção que este poema lhe causa).

Com o escritor e cronista Rubem Braga, os principais assuntos são os

amigos em comum e a vida fora do país, já que ambos experimentam dessa

rotina. O tratamento (Braguinha) e a despedida (Saudades do teu velho

Vinicius) que se observa nas cartas enviadas por Vinicius denotam

proximidade. Saúde a família são outros assuntos sempre em pauta nas cartas

trocadas e o tom presente é de cumplicidade e intimidade. Com Rubem Braga,

o poeta sente-se mais à vontade para falar da saudade que sente quando está

fora do Brasil. Em carta escrita em 1950, quando encontrava-se nos Estados

Unidos há aproximadamente cinco anos, desabafa...

De repente, já não sou mais daqui, sou de Niterói. Só o


corpo está de corpo presente; o espírito, esse anda
vagando por trilhas tão nossas conhecidas. Cinco meses
antes, e já fazendo votos de não me comover demais ao
ver caras amigas, que um hombre macho no deve...
(Castro, 2003,175)

Dos amigos literários que Vinicius teve, alguns foram mais decisivos

para seu envolvimento com a música, que apesar de incipiente desde os

quinze anos de idade – quando compõe sua primeira canção –, só se consolida

a partir de 1956, ano em que conhece o compositor Antônio Carlos Jobim.


56

O terreno para essa ligação, porém, é preparado bem antes, a partir do

final da década de 1930, quando o poeta conhece e começa a frequentar um

círculo de pessoas envolvidas com a música popular; amigos voltados para a

realidade e suas preocupações diárias, bem diferente das preocupações com

questões abstratas, beirando o infinito, que lhe ocupavam os pensamentos na

juventude e o faziam se afastar de artes “menores”, como a música popular.

Eu sou um poeta músico, a música para mim é uma


necessidade tão grande quanto a poesia e isso desde
menino se revelou (...) Depois eu dei uma esnobada na
música, por problemas de idade, por falta de experiência,
porque eu achava que o chamado ‘poeta de livro’ não podia
se baixar até a canção (Cohn & Campos, 2007, 110).

Estes amigos mais conectados com a realidade, que vão aparecendo na

vida de Vinicius, apresentam-se como caminho para um encontro definitivo

com a música. Nas palavras de Vinicius, em depoimento de 1967, percebe-se a

influência dos amigos nesse momento:

Nessa fase, em 1936, eu comecei a frequentar outros


grupos, outras pessoas. E através delas, primeiro eu fiz
uma grande amizade com Prudente de Moraes Neto.
Ficamos muito amigos. Depois o Rodrigo de Melo Franco
(...) Comecei a frequentar esse grupo que era mais voltado
pra realidade (Cohn & Campos, 2007, 24-26).

Estes amigos foram fundamentais no encontro definitivo de Vinicius com

a música popular brasileira. Definitivo, porque na verdade o poeta sempre

esteve em meio à música popular, por meio de Pixinguinha, Noel Rosa e outros
57

sambistas que ele conheceu. Antes disso, aos quinze anos, Vinicius compôs

sua primeira canção com os irmãos Tapajós.

A música tomou lugar de destaque na vida de Vinicius a partir do

encontro com os amigos “voltados para a realidade”. Os encontros que

aconteceram nesse período de transição entre a fase ligada aos assuntos

espirituais e a etapa “mundana” e que se transformaram em grandes amizades

foram o ponto chave do envolvimento de Vinicius com a música.

Em toda essa fase, digamos, de retomada do contato com


a realidade, as casas que eu frequentava eram a de
Prudente de Moraes, na Gávea, de Rodrigo Mello Franco
de Andrade, o apartamento do Manuel Bandeira ali no
beco, onde eu ia muito, e as muitas casas de Jayme Ovalle
(Cohn & Campos, 2007, 37)

Foram identificados cinco destes amigos, Prudente de Moraes, Rodrigo

Mello Franco de Andrade, Manuel Bandeira, Mario de Andrade e Antonio Maria.

Porém, nas biografias não há detalhamento sobre os dois primeiros, assim

como não foram encontradas cartas disponíveis com estes amigos. Foi

possível levantar dados apenas sobre as amizades com Manuel Bandeira,

Mario de Andrade e Antonio Maria.

Manuel Bandeira, escritor e poeta brasileiro, exerceu grande influência

sobre Vinicius, no seu modo de escrever e olhar a vida. Vinicius e Bandeira

encontram-se pela primeira vez em um jantar na casa de amigos de ambos, no

bairro da Gávea, Rio de Janeiro.


58

Me lembro bem do encontro. Eu estava examinando uma


lagartixa, que estava correndo no chão, peguei ela na
minha mão quando o Manuel entrou. E ele veio, começou a
rir da situação, começamos a examinar muito o bichinho,
sabe? E um sem saber quem era o outro. Bom, quer dizer,
eu sabia quem ele era, mas ele não sabia quem eu era
ainda, entendeu? Aí quando eu falei com ele, disse quem
eu era, ele riu muito. Sabe aquela risada dele? (...) E daí eu
comecei a frequentá-lo muito e ficamos grandes amigos.
(Conh e Campos, 2007, 26)

Quando perguntado se Manuel Bandeira esforçou-se muito para trazê-lo

de volta ao chamado plano concreto, Vinicius responde que não, mas não

deixa de destacar o papel do amigo nessa empreitada.

A verdade é que eu já estava vendido a esse plano. Tudo o


que o Manuel fez foi me empurrar. Ele e todo o grupo dele
naquela ocasião. Todos os amigos que fiz nessa época
precipitaram muito o processo. (Cohn & Campos, 2007,
25).

Conheceram-se em 1936. Nesse período conhece também Prudente de

Moraes Neto, crítico modernista com grande interesse por música popular.

Prudente escrevia sambas e era muito amigo de Ismael Silva, consagrado

sambista brasileiro. “O Ismael se encontrava sempre conosco, ali na galeria

Cruzeiro, onde depois havia aquelas passeatas noturnas (...) E comecei a

frequentar esse grupo, que era mais voltado para a realidade” (Conh &

Campos, 2007, 26). Sua poesia passa a denotar essa mudança e futuramente

a música seria o encontro final do poeta com a vida.

A amizade e o convívio constante com meu querido e


sempre lembrado Manuel Bandeira foi, também, muito
59

importante nesse particular. Os amigos foram de toda a


importância nessa passagem do Equador (...) E sobretudo
esse maravilhoso ser humano que é a mulher, a quem
devo praticamente tudo e que não canso de reverenciar”.
(Conh e Campos, 2007, 153).

Manuel é visto por Vinicius visto como grande influenciador na sua

poesia e na própria visão de mundo. Há entre eles uma intensa troca de

correspondências que se inicia nos anos 1930 e se estende até 1960. Falam

especialmente de poesia. Apesar do tom informal das cartas, Vinicius deixa

transparecer grande respeito e admiração. Vinicius o tem como um pai.

Em 1941, o poeta escreveu um poema para o amigo, intitulado Saudade

de Manuel Bandeira (Moraes, 2003), no qual é possível perceber esses

sentimentos.

Não foste apenas um segredo

De poesia e de emoção

Foste uma estrela em meu degredo

Poeta, pai! Áspero irmão.

Não me abraçaste só no peito

Puseste a mão na minha mão

Eu, pequenino – tu, eleito

Poeta, pai! áspero irmão.

Lúcido, alto e ascético amigo

De triste e claro coração

Que sonhas tanto a sós contigo


60

Poeta, pai, áspero irmão?

Em 1948, foi publicado o poema de Bandeira, respondendo ao de

Vinicius (http://www.blogtribuna.com.br/Literatura/Postagem/Bandeira,-Vinicius-

e-a-intertextualidade,51 consultado em 01/05/2009):

Resposta a Vinicius

Poeta sou; pai, pouco; irmão, mais.

Lúcido, sim; eleito, não.

E bem triste de tantos ais

Que me enchem a imaginação.

Com que sonho? Não sei bem não.

Talvez com me bastar, feliz

– Ah feliz como jamais fui! –

Arrancando do coração

– Arrancando pela raiz –

Este anseio infinito e vão

De possuir o que me possui.

O tratamento dispensado nas cartas demonstra intimidade: “Manezinho”,

“Mané”, “Vinicius querido”. O poeta se despede com a mesma proximidade,

demonstrando sentimento de proteção: “Abraço grande, Mané. Insisto em que

você é um anjo”.

Vinicius fala muito de política, especialmente no período em que mora

nos Estados Unidos, fala do desenvolvimento dos filhos, das dificuldades


61

financeiras familiares, mas especialmente, de poesia, música e artes plásticas.

Vinicius sempre envia seus poemas inéditos para o amigo, procurando obter

um aval do mesmo. Pede muitas sugestões acerca das poesias e solicita

favores, geralmente relacionados à poesia: revisão, tradução, apoio para

publicação de livros. Em carta escrita em 1948, Vinicius pede: “me mande

dizer, Mané, se você pode tomar conta para mim de uma ediçãozinha de

minhas poesias escolhidas, que estou querendo fazer. Mas não quero dar

trabalho”.

Numa longa carta escrita por Vinicius em 1947, o poeta lembra o tempo

em que estavam em Itatiaia e como era importante mostrar a Manuel Bandeira

as poesias que havia escrito. Nesse sentido, o envio de poesias por meio de

cartas para avaliação mútua parece ser a continuidade desse “ritual”, que faz

parte do relacionamento de ambos e ocupa lugar importante, de

reconhecimento e manutenção dos laços.

Tua carta, Mané, foi como se me tivesse pousado um


passarinho. Achei-a boa demais. Dentuça e dissimulada.
Veio-me uma vontade urgente de me comunicar com você,
de ser novamente menino em Itatiaia e fazer versos de cuja
feitura participava como alto ingrediente a vontade de te
mostrar (...) Mande notícias, Mané, suas e do Brasil. Tenho
muitas saudades de vocês ambos. Você, sei que vai indo
(mas gostaria de saber com mais detalhes o que você tem
feito). (Castro, 2003, 127-130)

Há satisfação no fato de escrever cartas para Bandeira: “vou dormir

muito satisfeito de ter escrito essa carta. Para você, o velho coração do seu

Vinicius” (Castro, 2003, 181). E demonstração constante de carinho e

revelação de atividades realizadas: “gostei que você tenha gostado da


62

lembrança. É, como você sabe, e como tudo que vai de mim para você, right

from the heart!” (Castro, 2003, 251).

Além de Manoel Bandeira, o poeta Mário de Andrade também teve uma

importância muito grande para trazer Vinicius para um reencontro com a fonte

popular. De acordo com Vinicius, Mário de Andrade “era aquele ser

empenhado. Com uma tremenda vocação para a amizade” (Cohn & Campos,

2007, 37). Nas cartas, Vinicius solicita ajuda de diversas ordens: financeira,

poética ou de outra ordem qualquer. Ao mesmo tempo, tenta deixar claro que

não deseja que o amigo tenha muito trabalho com os pedidos que faz:

Preciso de um favor seu, que espero que você diga com


toda a liberdade se lhe causa ou não o menor
constrangimento fazer. Muita gente acha essas coisas
paus, que realmente o são, e nesse caso eu não queria por
nada no mundo lhe chatear. (Castro, 2003, 107)

Outro amigo com grande influência na vida de Vinicius é Antônio Maria.

Filho da classe média alta, Antônio Maria é um boêmio que adora a noite e é

marcado pelo exagero: na comida, na bebida, no amor, nos versos sobre a

paixão e a dor. Em carta escrita ao amigo em 1958, Antônio Maria confessa:

“na minha vida, não fiz outra coisa senão amar. (...) Esvaio-me no amor e sinto,

constantemente, a morte vir me buscar, exangüe, para o seu reino de palha”

(Castro, 2003, 243).

Vinicius lhe chama por vários nomes, dando um indicativo das várias

faces de Antônio Maria: Meu Maria, Menino Grande, Zé Maria. Nas cartas, o

amigo se refere à Vinicius como Meu Poeta e outras vezes ainda o chama de
63

Poesia. Conhecem-se por intermédio do cantor e compositor Dorival Caymmi,

em 1950. Vinicius descreve o momento do encontro:

Nós éramos os reis da noite. Não havia condição de não


nos encontrarmos. Eu tinha conhecido você através de
Caymmi, uma noite em que havia festa em minha casa (...)
Eu avaliei seu pé direito, seu carão de lua e seu corpanzil
de lutador de cath – e fui todo (...). Você, Meu Maria, se
babava com todas [as moças da festa]. Isso nos uniu mais
ainda, essa vocação total para a mulher (Jost, Cohn &
Campos, 2008, 157)

Em relação à Vinicius de Moraes, Antônio Maria era “um anjo da guarda

a segui-lo nas descidas às belezas do baixo mundo” (Castello, 1994, 155). Os

assuntos tratados nas cartas trocadas entre os amigos sempre giram em torno

de noitadas, amigos, bebida, mulheres e paixões. Falando das noitadas para

fugir da rotina familiar e para encontrar amigos, Vinicius escreve em carta de

1957:

O afluxo maciço e contínuo desses amigos em trânsito em


nada tem ajudado a situação doméstica, pois somos
‘forçados’ a sair constantemente (...), não há nada a fazer
senão recortar a noite de nossas antigas silhuetas
familiares. Isso sem falar nas incursões rápidas e solitárias
de elementos solitários e com fome de ambientes
esfumaçados, como Clovis Costa, Carlos Jacinto de
Barros, Dorival Caymmi etc. (Castro, 2003, 215)

De acordo com Castello (1994), o apego à Antônio Maria é uma forma

de desmentir o Vinicius de Moraes solene que escreve versos sérios e

frequenta sessões de cinema elegante. Em 1970, Vinicius publica uma crônica

no jornal O Pasquim em homenagem póstuma ao amigo. Deixa transparecer a


64

influência que sofreu e a admiração por esse homem: “Você foi dos primeiros a

liberar a língua do seu engravatamento vernacular. Você escrevia como vivia:

livremente e sem medo, comprometido tão-somente com o amor” (Jost, Cohn &

Campos, 2008, 161), da mesma forma como o próprio Vinicius tentou balizar

sua escrita, sua poesia e suas composições musicais.


65

5. AMIZADES E PARCERIAS MUSICAIS – OS QUATRO

PRINCIPAIS PARCEIROS

A partir da década de 1950 os amigos musicais de multiplicam e as

cartas trocadas com eles trazem como assunto letras de música, produção de

shows e discos, direitos autorais das músicas, parcerias e composições. O

conteúdo de algumas amizades é baseado especialmente na música. São

amigos compositores e/ou intérpretes, cuja atividade em comum com Vinicius é

a produção ou o gosto musical.

Vinicius teve quatro principais parceiros musicais, com os quais produziu

o maior número de composições em parceria e se envolveu pessoalmente. No

início da década de 1970, Vinicius dá uma entrevista e comenta sobre os

parceiros que teve até então: “os meus parceiros foram todos sujeitos

maravilhosos. Sobretudo esses três: o Tom, o Carlinhos Lyra e o Baden. Nem

falo do ponto e vista da música brasileira, mas do meu relacionamento com

eles” (Cohn & Campos, 2007, 131). Depois disso, ainda encontra seu último

grande parceiro – Toquinho – com quem desenvolve uma “amizade mesmo,

onde a gente às vezes fala sério, às vezes tira pêlo um do outro, às vezes não

diz nada, quando não há nada pra dizer” (Jost, Cohn & Campos, 2008, 174).

A seguir, um breve histórico do relacionamento de amizade e da parceria

musical de Vinicius com Tom, Carlos Lyra, Baden Powell e Toquinho.

A parceria com Tom Jobim começou em 1956, quando Vinicius

procurava um músico para fazer as canções da sua peça teatral chamada


66

“Orfeu da Conceição”. Na contracapa do disco Orfeu da Conceição, Vinicius

comenta a sugestão do amigo Lúcio Rangel, que indicou Antônio Carlos Jobim:

“Achei a idéia excelente e pus-me imediatamente em contato com Tom, como é

popularmente conhecido, resultando daí não apenas uma parceria, mas uma

amizade que hoje sinto de grande importância para nós ambos”. A relação

entre eles, inicialmente voltada apenas para a criação da trilha sonora da peça,

torna-se próxima e íntima.

Agora, ao lado de Tom, o poeta passa madrugadas


martelando rascunhos de canções num piano, sorvendo
placidamente seu uísque, rabiscando versos de amor e se
alimentando apenas de “comidinhas de bêbado” – como ele
mesmo define. (...) Os dois juntos exercitam, nessas horas,
uma “amizade sem reservas”, conforme o próprio Vinicius
definiria mais tarde. (Castello, 1994, 187)

Vinicius vive um momento de reflexão e grande desejo de mudança

quando encontra Tom Jobim. Deseja simplicidade da sua poesia e um certo

desapego dos protocolos sociais e das rotinas da carreira diplomática. Tom

Jobim, por outro lado, anônimo nos bares onde tocava por muito pouco,

desejava novas perspectivas. Indicando a complementaridade da relação, Tom

Jobim definiu os encontros que tinha com o amigo: “eu tomo chope com o

Vinicius e ele me desperta para a literatura inglesa” (Castello, 2005, 16). O

encontro dos dois e a parceria musical preencheu necessidades individuais e

proporcionou novos sentidos.

A parceria se funde com uma grande amizade, expressa em cartas e

crônicas. Nas cartas, o tratamento é sempre muito próximo: Tomzinho querido,

Maestrinho querido, Querido Vina. Os assuntos variam entre dívidas


67

financeiras, trabalho e cotidiano: receitas culinárias, afazeres domésticos das

esposas, compras no supermercado, sugestão de médicos, saudade dos

amigos e do Rio de Janeiro, dicas de discos e músicas. “Queridos, morro de

saudade. Acordo de madrugada e fico vagando pela casa” (Fundação Casa de

Rui Barbosa, 1999, VMcp 351), escreve Tom Jobim em carta para Vinicius e

sua esposa. Numa crônica de 1964 (Jost, Cohn & Campos, 2008, 87), Vinicius

defende e elogia o amigo:

Parte hoje para os Estados Unidos o meu querido amigo e


parceiro Antônio Carlos Jobim. (...) Não há atualmente no
mundo que nos é conhecido compositor mais completo (...)
E não sou só eu quem o digo, eu que sou seu maior amigo
e mais constante letrista, o que poderia parecer suspeito.

Vinicius abre o caminho de Tom para novas e importantes parcerias.

Passaram um ano inteiro dedicados um ao outro, passando muitas horas

juntos: bebendo, comendo, inaugurando um estilo de composição que Vinicius

transporia para as parcerias seguintes, um estilo marcado pelo excesso.

Produziram mais que canções. Foram peça fundamental na inauguração

de um novo ritmo musical e um dos mais importantes movimentos da música

popular brasileira: a bossa nova. A música Chega de Saudade (1958) é

considerada marco inicial desse movimento, por sua letra inusitada e simples e

pela novidade do violão de João Gilberto. A bossa nova inovou a música

brasileira ouvida pela classe média alta, marcada até aquele momento pela

erudição e pela forma depressiva e exagerada de falar de sofrimento, dor,

saudade e amor.
68

Em 1961 inicia a parceria com Carlos Lyra. O jovem de 25 anos telefona

para Vinicius dizendo que gostaria de lhe mostrar algumas melodias. Vinicius

prontamente recebe o jovem e pede que grave as melodias em uma fita

cassete, desanimando Carlos Lyra. Porém, poucos dias depois Vinicius liga

para o jovem com as letras prontas. Inicia-se aí uma nova parceria e amizade.

Vinicius e Carlos Lyra passam uma longa temporada em Petrópolis

compondo a comédia musicada Pobre Menina Rica. Os laços se estreitam e

Vinicius se refere a Carlos Lyra como “parceirinho cem por cento” na canção

Samba da Benção, composto com Baden Powell. Completa dizendo que Carlos

Lyra “une a ação ao sentimento e ao pensamento”. O termo “parceirinho” está

sempre presente quando Vinicius se refere a Carlos Lyra. Em carta de 1966

(Fundação Casa de Rui Barbosa, 1999, VMcp 378), Vinicius de despede do

amigo usando esse tratamento: “Conte as novidades parceirinho. Ando com

uma saudade brutal de você”. Os assuntos das cartas trocadas giram em torno

das composições em parceria, dos sucessos e dificuldades de Carlos Lyra no

exterior, dos amores e romances e de notícias sobre amigos em comum,

indicando proximidade e intimidade.

Em 1963, Carlos Lyra foi um dos idealizadores do rapto que Vinicius faz

da jovem Nelita de Abreu, com quem se casaria depois. A jovem de 20 anos

vai com Vinicius para Paris. A idéia surgiu numa brincadeira, quando Vinicius

se queixava com o amigo de que não suportava mais ficar longe da amada. Na

época, Nelita tinha namorado e Vinicius estava saindo do casamento com

Lucinha Proença. Os dois vinham se encontrando às escondidas. Carlos Lyra

ajudou na elaboração do plano, mas não na execução já que viajou no mesmo

dia para Nova York, horas antes do vôo de Vinicius e Nelita para a França.
69

Com Baden Powell, começa a compor em 1962. Conheceram-se na

Boate Arpege, após um show de Tom Jobim. Baden Powell tocava guitarra em

um conjunto musical de jazz. Vinicius ficou muito impressionado com a

qualidade de Baden e foi conversar com ele. Em depoimento de 1967, Vinicius

narra os acontecimentos seguintes ao encontro:

Ele me disse que tinha umas músicas que gostaria de me


mostrar e passou lá em casa. Aí ele me mostrou e eu fiquei
tão impressionado que passamos uns três meses
completamente enfurnados. Eu estava morando no Parque
Guinle nessa ocasião e ele passou uns três meses lá. Nós
vivíamos juntos, bebendo tudo o que havia na frente. E
compusemos uma série de músicas, umas dez ou doze.
(Cohn & Campos, 2007, 62-63)

Segundo Castello (2005a, 41), "Baden e Vinicius viveram uma daquelas

amizades viris meio raras hoje em dia (...). Vinicius nunca teve medo de dizer

que, para ele, Baden era uma pergunta a ser domesticada, e não respondida”.

Vinicius e Baden Powell possuiam características pessoais muito diferentes.

Baden Powell cresceu em um morro carioca, enquanto Vinicius de Moraes

tinha formação acadêmica no exterior e seguia carreira diplomática. Porém, os

parceiros “não estavam tão distantes quanto as aparências indicavam. (...)

Traziam na bagagem a mesma galeria de ídolos: Dolores Duran, Antônio

Maria, Noel Rosa, Pixinguinha” (Castello, 2005a, 42). Baden levou Vinicius ao

mundo do samba de raízes africanas. Juntos produziram não apenas

composições, mas um novo ritmo: os afro-sambas. Os parcerios introduziram

um elemento novo na bossa nova, a música de tradição negra, que acabou por

se diferenciar desta, criando uma nova vertente. Entrou em cena o candomblé


70

– com seus rituais e orixás – e a música de capoeira – com seus jogos de

agressão controlada.

Vinicius possuía grande admiração e carinho por Baden. Narra, em uma

crônica sobre o trabalho de Baden em Paris, a sensação que teve ao saber que

o amigo recusou o convite de se tornar concertista, o que lhe levaria

exclusivamente à música erudita e o impediria de continuar com suas raízes no

popular:

Meu coração se encheu de ternura por ele. Peguei a


garrafa e nos servi mais duas doses. Baden compreendeu
e deu-me aquele sorriso abissínio, de alívio e bem-estar.
Chocamos nossos copos e bebemos. “– Santo Deus! –
pensei. Ainda há gente no mundo...” (Jost, Cohn &
Campos, 2008)

A parceria com Antônio Pecci Filho, mais conhecido como Toquinho,

começa em 1970, quando ele é convidado por Vinicius para uma temporada de

shows na Argentina. “Ali solidificou-se entre Toquinho e mim uma amizade que,

considerada nossa diferença de idade, nada tem de paternal de minha parte,

nem filial da parte dele” (Jost, Cohn & Campos, 2008, 174).

Encontram-se no melhor momento possível para cada um, quando as

necessidades individuais demandam exatamente o que o outro poderia

oferecer. “O Toquinho e eu engrenamos tão bem. Apareceu no momento certo.

Quando mais eu precisava de um parceiro interessado em fazer apenas a

música de comunicação sentimental” (Cohn & Campos, 2007, 131). Toquinho

explica melhor a complementaridade na relação:


71

Naquela altura, eu tinha o que o Vinicius queria: uma


pessoa que tivesse disponibilidade para ficar trabalhando
com ele, e que tivesse uma linguagem nova. Eu era
totalmente disponível e motivado a ficar do lado dele (...).
Meu repertório se caracteriza pela simplicidade. Era o que
Vinicius queria. Um comportamento musical ligado com a
própria vida, mais solta, livre, natural. Refletia-se tudo isso,
por exemplo, nas músicas infantis que fizemos. (retirado do
site http://www.toquinho.com.br, consultado em
01/05/2009)

A parceria inicia-se no clima positivo da vitória da seleção brasileira de

futebol na Copa do Mundo e do sucesso dos shows em Buenos Aires, na

Argentina. “Houve uma adaptação perfeita entre a gente, porque tudo que

Vinicius gostava de fazer eu também gostava: tocar violão, curtir os temas que

iam saindo, comer bem, viver a noite ao lado de amigos e mulheres bonitas”

(retirado do site http://www.toquinho.com.br, consultado em 01/05/2009). Além

da composição musical, realizavam outras atividades típicas de amigos:

Toquinho e Vinicius frequentavam a casa um do outro, iam a bares e jantares,

passeavam juntos pelas cidades onde realizavam os shows.

Minha convivência com Vinicius era uma festa diária. A


criação musical vinha na esteira da nossa alegria, da nossa
amizade, da nossa curtição com a própria música e com a
vida (...). Eu não gosto muito de sol, não gosto de acordar
cedo. Gosto de ficar em casa tocando violão, mesmo!
Sempre gostei. E ele gostava disso também. (retirado do
site http://www.toquinho.com.br, consultado em
01/05/2009)
72

6. VINICIUS DE MORAES E ANTÔNIO CARLOS JOBIM

Vinicius de Moraes e Tom Jobim compuseram 44 canções4 gravadas em

diversos discos5 6. Outras composições ainda contaram com a participação de

outros parceiros, como “Olha Maria” (participação de Chico Buarque) e

“Estamos aí” (participação de Chico Buarque e Toquinho).

As 44 músicas compostas pelos dois autores foram agrupadas em cinco

grupos temáticos: (a) o amor romântico, (b) a mulher; (c) a música; (d) a

4
Água de beber; Amor em paz; Andam dizendo; Brasília, sinfonia da Alvorada; Brigas nunca
mais; A cachorrinha; Cala, meu amor; Caminho de pedra; Canção do amor demais; Canção em
modo menor; Canta, canta mais; Chega de saudade; Chora coração; Derradeira primavera; Ela
é carioca; É preciso dizer adeus; Estrada branca; Eu e o meu amor; Eu não existo sem você;
Eu sei que vou te amar; A felicidade; Frevo de Orfeu; Garota de Ipanema; O grande amor;
Insensatez; Janelas abertas; Lamento no morro; Luciana; Maria da Graça; Modinha; O morro
não tem vez; Mulher sempre mulher; Na hora do adeus; Um nome de mulher; O nosso amor; O
que tinha de ser; Pelos caminhos da vida; Por toda a minha vida; Se todos fossem iguais a
você; Sem você; Só danço samba; Soneto de separação; Valsa do amor de nós dois; Vida
bela.
5
Orfeu da Conceição (1956), Canção do amor demais (1958), Por toda a minha vida (1959),
De Vinicius e Baden especialmente para Ciro Monteiro (1965), Vinicius: poesia e canção – ao
vivo – volume 1 e 2 (1966), Garota de Ipanema (1967), Vinicius de Moraes com Maria Creuza y
Toquinho – Grabado en Buenos Aires (1970), Vinicius + Bethania + Toquinho – Grabado em
Buenos Aires (1971), Vinicius canta: nossa filha Gabriela (1972), Saravá Vinicius! (1974),
Vinicius/Toquinho (1975), O poeta e o violão (1975), Antologia Poética (1977), Tom, Vinicius,
Toquinho e Miúcha – Gravado ao Vivo no Canecão (1977) e Testamento (1980). Ainda na
coleção da sua discografia, mas nos discos lançados após sua morte, as canções podem ser
ouvidas em: Vinicius – História da música popular brasileira – Grandes Compositores (1982),
Brasília Sinfonia da Alvorada (1983), Poeta, Moça e Violão – Vinicius, Clara e Toquinho – A
história dos shows inesquecíveis (1991), Vinicius em Cy – Quarteto em Cy (1993), Songbook –
Volumes 1, 2 e 3 (1993), Vinicius de Moares por Odete Lara – Coleção Poesia Falada Volume
5 (1998), Vivendo Vinicius – ao vivo – Baden Powell, Carlos Lyra, Miúcha e Toquinho (1999),
Tom canta Vinicius – Ao vivo (2000), Canção do Amor demais por Olivia Byington (2003),
Jobim Sinfônico (2003), Trilha Sonora do Filme Vinicius de Miguel Faria Junior (2005).
6
Na discografia de Tom Jobim as canções compostas pelos parceiros encontram-se em The
composer of Desafinado, plays (1963), Caymmi visita Tom (1964), Antonio Carlos Jobim
(1964), The wonderful world of Antonio Carlos Jobim (1965), Antonio Carlos Jobim: composer
(1967), Tide (1970), Jobim (1973), Elis e Tom (1974), Terra Brasilis (1980), Tom canta Vinicius
(1990), Tom Jobim inédito (1995), Meus primeiros passos e compassos (1997), Raros
compassos 1, 2 e 3 (2000), Antonio Carlos Jobim em Minas – Ao vivo – Piano e voz (2004).Os
discos produzidos por Vinicius e Tom Jobim nos quais aparecem apenas canções da dupla são
Orfeu da Conceição (1956), Canção do amor demais (1958), Por toda a minha vida (1959) e
Brasília Sinfonia da Alvorada (1983).
73

experiência humana, (e) temas históricos. A Tabela 6.1 relaciona as

composições que trataram do relacionamento romântico como tema central. Na

tabela, ainda são propostos subtemas e alguns termos ou frases que procuram

resumir o conteúdo dessas letras de forma muito breve, com vistas à sua

organização e posterior comparação com as composições de Vinicius de

Moraes com outros parceiros.

Tabela 6.1 Vinicius de Moraes e Tom Jobim – Amor Romântico

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Dependência, sofrimento, alegria, prazer Eu não existo sem você
Necessidade de Exaltação e angústia, sofrimento e alegria Eu sei que vou te amar
amar e ter a Esperança, alegria, confiança O grande amor
pessoa amada Dependência, angústia, sofrimento Sem você
Liberdade, risco, vida Janelas abertas
Dor e sofrimento Andam dizendo
Comicidade, incômodo, insistência da Mulher, sempre mulher
mulher
Término / Perda Dor e beleza ao mesmo tempo É preciso dizer adeus
do amor Tristeza e desolação Canção em modo menor
Tristeza, fatalidade Derradeira primavera
Tristeza e abandono Eu e o meu amor
Despedida, serenidade, tristeza Pelos caminhos da vida
Esperança e alegria pelo retorno Chega de saudade
Saudade / Lembranças boas, alegria e sofrimento, ao Lamento no morro
Ausência da mesmo tempo
pessoa amada Tristeza e vazio Chora coração
Tristeza Estrada branca
Medo de amar: medo e desilusão Água de beber
Traição: mágoa, tristeza, perdão Insensatez
Dificuldades e a Amor em excesso: sofrimento, angústia / Canção do amor demais
Dialética do morte e vida
Relacionamento Ilusão: Melancolia, sofrimento Modinha
Explicações sobre o sentimento do amor: Luciana
riso e paz, dor e sofrimento
Retorno / Volta Preocupação, carinho, acolhimento Cala, meu amor
do amor Perdão, sofrimento e alegria Na hora do adeus
Vida a dois: Felicidade, paz, entrega O nosso amor
Romance: enamorar-se, sonho, dança Valsa do amor de nós dois
A Natureza Novo amor: alegria, paz, enamorar-se Brigas nunca mais
Positiva do Novo amor: alegria, paz, esperança Amor em paz
Relacionamento Juramento de fidelidade: exaltação, Por toda a minha vida
comprometimento
Amor e natureza: calma, tranqüilidade Vida bela (Praia Branca)
Exaltação do Encantamento, admiração Se todos fossem iguais a você
parceiro Alegria e esperança O que tinha de ser
74

Com a finalidade de facilitar a comparação do conteúdo das

composições das quatro parcerias, foram propostos alguns subtemas dentro do

tema mais amplo do amor romântico. Estes subtemas não se excluem

completamente, revelando uma certa interseção de diferentes aspectos de seu

conteúdo. Os subtemas propostos, que sintetizam o conteúdo das letras das

composições sobre amor romântico, foram: (a) necessidade de amar e ter a

pessoa amada; (b) término ou perda do amor; (c) saudade ou ausência da

pessoa amada; (d) dificuldades e a dialética do relacionamento; (d) retorno ou

volta do amor; (e) a natureza positiva do relacionamento; e, (f) exaltação do

parceiro.

Das composições dessa parceria, 31 abordam o tema do amor

romântico, mostrando a prevalência desse assunto sobre qualquer outro.

Sentimentos aparentemente contraditórios são muito utilizados pelos parceiros

para falar de amor: “Olha que o amor, Luciana / É como a flor que não dura

demais / Embriagador / Mas também traz muita dor, Luciana” (Luciana).

Vinicius e Tom fazem uma inversão do esperado, perturbam.

Para falar de amor, os parceiros abordaram principalmente o término ou

a perda do amor. As letras trazem sentimentos de dor e sofrimento, mas

apontam contradições, marca das canções de Vinicius e também presentes

nessa parceria. Apesar de prevalecer a dor e o sofrimento, duas canções

apontam para a serenidade (“Pelos caminhos da vida”) e a beleza (É preciso

dizer adeus”) desse momento. Apesar de não ser característica das letras de

Vinicius e Tom, o humor está presente para tratar do assunto na letra da

música “Mulher, sempre mulher”.


75

A necessidade de amar e ter por perto a pessoa amada é a segunda

forma preferida pelos parceiros para falar de amor romântico. Mais uma vez, a

contradição é o elemento preponderante. Os sentimentos vivenciados são de

dependência, sofrimento, tristeza, angústia, mas também alegria, confiança,

prazer e esperança.

Várias letras são marcadas pela dialética entre tristeza e alegria,

sofrimento e felicidade. Há referência à perda e término do amor, à

necessidade de amar e a saudades, com predominância da tristeza.

Ainda se tratando do amor, uma das canções inclui o animal de

estimação como objeto de amor, e indica a admiração pelo animal, falando de

amizade e carinho (A Cachorrinha).

Associadas ao tema do amor romântico, como o objeto pelo qual se

espera e almeja, mas que também causa sofrimento e dor, estão as músicas

sobre a mulher, conforme indicado na Tabela 6.2.

Tabela 6.2 Vinicus de Moraes e Tom Jobim - Mulher

CONTEÚDO MÚSICA
Mulher carioca: beleza física, sensualidade e charme Ela é carioca
Mulher carioca: beleza física, sensualidade e charme Garota de Ipanema
Maria da Graça: graça e charme Maria da Graça
Prazer, pranto, dependência, amor romântico Um nome de mulher

Estas letras exaltam, de forma mais concreta, a mulher carioca com sua

beleza, charme e sensualidade, características associadas à sua natureza

como objeto do amor romântico e da paixão.


76

Quarenta e uma composições são cantadas em primeira pessoa. As

exceções são “Brasília, Sinfonia da Alvorada”, “Canta, canta mais” e “O grande

amor”, cantadas em terceira pessoa. Das canções em primeira pessoa, nove

narram uma conversa com a mulher amada: “Andam dizendo”, “Mulher, sempre

mulher”, “É preciso dizer adeus”, “Chega de saudade”, “Lamento no morro”,

“Por toda a minha vida”, “Brigas nunca mais”, “Amor em paz”, “Vida bela”, “Um

nome de mulher”.

Há uma letra cuja fala é voltada para o coração: “Ah, meu coração,

quem nunca amou/Não merece ser amado/Vai, meu coração, ouve a razão/

Usa só sinceridade” (Insensatez). Em duas músicas, a letra é dirigida a

mulheres específicas, cujos nomes dão nome às canções. Uma,

provavelmente, foi feita para a filha de Vinicius de Moraes (Luciana). A outra

chama-se Maria da Graça e a letra mostra uma conversa com essa mulher.

Na letra “O que tinha de ser”, o objeto do amor é o homem e é para ele

que o narrador canta. Por fim, há uma canção dirigida a um animal: “Mas que

amor de cachorrinha!/Pode haver coisa no mundo/Mais branca, mais

bonitinha/Do que a tua barriguinha/Crivada de mamiquinha?” (A cachorrinha).

Quando não se dirige diretamente à mulher, a conversa é voltada para o

ouvinte ou para o objeto do amor, que provavelmente é a mulher, porém a letra

não especifica. O objeto do amor cantado com mais ênfase, quando

especificado, é a mulher. A figura da mulher está estreitamente ligada à

temática do amor romântico, visto que o amor cantado pelos parceiros é um

sentimento que vem da mulher e é direcionado a ela. A mulher das

composições de Vinicius e Tom Jobim ocupa lugar central na vida do homem, é


77

cura para o amor, lugar de repouso e descanso, lugar onde o homem se

encontra. Ela é cantada como destino, luz e paz, ao mesmo tempo que traz

tormento e dor. Essa relação faz sentido, uma vez que o amor também é

cantado dessa forma pelos parceiros.

A mulher idealizada é fonte de alegria e tristeza para os homens, pois

ela traz o amor, que carrega em si tal contradição. Mulher que passa, que

escapa ao passar: A “Garota de Ipanema” exemplifica essa mulher que não é

só dele, que o prende e o liberta ao mesmo tempo. Ainda assim, não lhe

pertence. Ao mesmo tempo, “Garota de Ipanema” aponta para o momento

vivido por Vinicius quando encontra Tom Jobim e compõe a canção: o homem

de meia idade que vê a juventude que passa. A letra aponta para o poeta que

percebe seu redor, a poesia da vida que se dá ao seu lado. Reflete o início da

nova vida de Vinicius, da qual Tom Jobim foi grande parceiro: vida de música,

de amizades, de botequim. Esse ciclo se inaugura com a amizade com Tom,

com quem produz músicas relacionadas a essa novidade.

Novidade também na cena brasileira: novo ritmo, nova forma de falar de

amor: bossa nova. Portas, janelas e caminhos que se abrem. Algumas letras

são emblemáticas nesse sentido, como Água de beber (A minha casa vive

aberta/Abri todas as portas do coração); Janelas abertas (Mas quero as janelas

abrir/Para que o sol possa vir iluminar nosso amor), Caminho de pedra (Hoje

sozinho não sei pra onde vou/É o caminho que vai me levando ô ô) e Estrada

branca (Mas a verdade/É que a cidade/Ficou longe, ficou longe).

Felicidade e tristeza, alegria e melancolia: há uma inversão do esperado

nas letras da dupla. A tristeza é elevada a um sentimento belo e digno,


78

necessário. Os acordes7 e tons escolhidos trazem essa sensação perturbadora

e de inversão. A música “A felicidade” inicia-se com acorde maior, que provoca

a sensação de melodia aberta, solar, viva, por isso geralmente é usado para

letras alegres. Mas a letra fala exatamente o contrário: “Tristeza não tem fim”.

O acorde seguinte é um acorde menor, indicando tristeza e passando uma

sensação de desassossego e estranhamento, mas é exatamente aí que entra o

verso que traz a palavra felicidade.

Já a música “Lamento no morro” é uma espécie de negativo de “A

felicidade”. Elas são praticamente a mesma canção, com melodias muito

parecidas. Mas, apesar de “Lamento no morro” ser mais alegre, inicia-se com

um acorde menor. Ambas fazem parte da trilha sonora da peça Orfeu da

Conceição. Tom e Vinicius relacionam o amor com vários elementos, mas

principalmente perdão, paz, dor/alegria e, por fim, mulher. Relacionam temas

aparentemente contrários.

Algumas composições referem-se à própria música, especialmente

relacionadas ao samba e carnaval.

Tabela 6.3 Vinicius de Moraes e Tom Jobim - Música

CONTEÚDO MÚSICA
Efeito positivo da música: alegria, leveza Canta, canta mais
Carnaval: alegria, beleza Frevo de Orfeu
Samba: ritmo contagiante, dança Só danço samba
Expressão musical: alegria, beleza, samba O morro não tem vez

7
Em música, acorde é a escrita ou execução de três ou mais notas simultaneamente. Acorde
maior é um acorde formado por notas pertencentes à escala maior. O acorde maior é o mais
usado na música popular ocidental, podendo ser encontrado nas músicas eruditas ou nas
músicas dos Beatles, por exemplo. Já o acorde menor é um acorde formado por uma tríade
menor, usado em canções de melodias mais tristes.
79

Como nas canções sobre a mulher, as letras sobre música adquirem um

tom mais regionalista e positivo, de certa exaltação ao Rio de Janeiro.

Algumas músicas abordam temas mais universais da experiência

humana, como a solidão, a felicidade e a separação. Embora próximos da

temática do amor romântico, parecem exprimir de forma mais ampla a

experiência do homem diante da vida. Também são marcadas por seu caráter

dialético.

Tabela 6.4 Vinicius de Moraes e Tom Jobim – A Experiência Humana

SUBTEMA CONTEÙDO MÚSICA


Solidão Caminho já trilhado, nostalgia Caminho de pedra
Felicidade Espera pela felicidade, esperança, angústia, A felicidade
alegria, tristeza
Separação Mudança, espanto Soneto de separação

Raramente, a música tem como foco algo datado historicamente, como é

o caso da Sinfonia da Alvorada, feita em comemoração à construção e

inauguração de Brasília, destacando o desbravamento e a esperança.

Em suma, cinco temas se destacam: (a) o amor romântico, (b) a mulher;

(c) a música; (d) a experiência humana (em um sentido mais amplo, como

felicidade, separação e solidão); e, (e) temas históricos.


80

7. VINICIUS DE MORAES E CARLOS LYRA

A produção em parceria com Carlos Lyra totaliza 26 composições8

presentes em diversos discos9.

As 29 composições foram reunidas em seis grupos temáticos: (a) o amor

romântico, (b) a mulher, (c) a experiência humana e valores, (d) temas sociais,

(e) amizade e (f) música.

Tabela 7.1 Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Amor Romântico

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Dialética do Novo amor: Primavera, flor, luz, Canção do amor que
Relacionamento / alegria de viver. chegou
Natureza positiva do Namoro: Descoberta, beleza, alegria, Valsa dueto
amor dor, paz
Término / Perda do Sofrimento, saudade, culpa Também quem mandou
amor
Necessidade de amar Alegria, enamorar-se, paz Nada como ter um amor
e ter a pessoa amada Entrega, cuidado, carinho Primavera
Satisfação Você e eu

8
Balanço do Tom; Broto maroto; Broto triste; Canção do amor que chegou; Cartão de visita;
Coisa mais linda; Gente do morro; Hino da UNE; Lamento de um homem só; Marcha de quarta-
feira de cinzas; Maria moita; Minha desventura; Minha namorada; Nada como ter um amor;
Parece que ela vai de samba; Pau-de-arara; Pobre menina rica; Pode ir; Primavera; A primeira
namorada; Sabe você?; Samba do carioca; Saudade que dá; Também quem mandou; Valsa
dueto; Você e eu.
9
Vinicius e Caymmi no Zum Zum (1965), Vinicius: poesia e canção – ao vivo – vol 1 e 2 (1966),
Vinicius (1967), Vinicius de Moraes – Grabado en Buenos Aires com Maria Creuza y Toquinho
(1970), Saravá Vinicius! (1974), O poeta e o violão (1975), Tom, Vinicius, Toquinho e Miúcha –
Gravado ao vivo no Canecão (1977), Testamento (1980). Na discografia póstuma, canções
dessa parceria podem ser ouvidas em Vinicius – História da música popular brasileira –
Grandes compositores (1982), Poeta, Moça e Violão – Vinicius, Clara e Toquinho (1991),
Vinicius em Cy (1993), Vivendo Vinicius – ao vivo – Baden Powell, Carlos Lyra, Miúcha e
Toquinho (1999), Tom canta Vinicius – ao vivo (2000). Na discografia de Carlos Lyra, os
seguintes discos possuem letras feitas em parceria: Carlos Lyra (1961), Depois do Carnaval –
O sambalanço de Carlos Lyra (1963), The sound of Ipanema (1965), Carlos Lyra (1967), Carlos
Lyra/Saravá (1969 e 1970), ...E no entanto é preciso cantar (1971), Carlos Lyra/25 anos de
Bossa Nova (1987), Bossa Lyra (1993), Songbook/Carlos Lyra (1994), Sambalanço (2000),
Carlos Lyra – 50 anos de música (2005).Os discos com canções exclusivamente da parceria
Vinicius e Carlos Lyra são Pobre Menina Rica (1964) e Canta – A UNE (1986).
81

Como em outras parcerias, o término ou perda do amor e a necessidade

de amar e ter a pessoa amada estão presentes nestas letras, assim como

certa dialética do amor e a natureza positiva desse sentimento em

relacionamentos que se iniciam.

Tabela 7.2 Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Mulher

CONTEÚDO MÚSICA
Novo amor: descoberta, curiosidade Broto maroto
Perfil da mulher: arrogância por causa do dinheiro Broto triste
Balanço / Ginga: sensualidade, beleza, dança Parece que ela vai de samba
Beleza da mulher Coisa mais linda
Perfil da mulher: amizade, companheirismo, namoro Minha namorada
Namorada, amante A primeira namorada

O tema Mulher está intimamente relacionado com amor romântico,

retratada como seu objeto, assim como relacionado à música, à dança, mas

ainda assim destacando sua sensualidade e beleza e objeto de amor

romântico.

Tabela 7.3 Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Experiência Humana e Valores

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Liberdade, tristeza, solidão, prisão Pobre menina rica
O valor das pequenas coisas: conquista, amor, Sabe você?
Felicidade paz, vida, coração, sentimento
O valor das pequenas coisas: trabalho, amor, Samba do carioca
mulher, casa, praia, samba
Saudade Sertão nordestino: acolhimento, nostalgia, Saudade que dá
beleza

Algumas letras se referem ao que foi denominado de experiência

humana, por tratarem de sentimentos e valores de apelo universal, como a

felicidade, a liberdade e a nostalgia.


82

A peça Pobre Menina Rica parece uma crítica aos homens “cultos” que

menosprezam a arte considerada “menor”, ou seja, a arte popular brasileira.

Vinicius já vinha na esteira dessa crítica e na exaltação do genuinamente

brasileiro ao transpor o mito grego de Orfeu para o morro carioca, montando a

peça Orfeu da Conceição, o que aconteceu poucos anos antes da elaboração

de Pobre Menina Rica. Vinicius, que era diplomata e convivia com a alta roda

social, fazia questão de valorizar a cultura brasileira e seu povo. A letra de

Broto Triste é muito clara e enfática nesse sentido, porém transportanto essa

postura arrogante para uma menina rica frente ao mendigo-poeta da peça.

Tabela 7.4 Vinicius de Moraes e Carlos Lyra – Temas Sociais

CONTEÚDO MÚSICA
Morro da favela: qualidade de viver no morro, gratidão/ingratidão, retorno Gente do morro
UNE (União Nacional dos Estudantes): juventude e trabalho,força, Hino da UNE
jovialidade, disponibilidade
Trabalho e relação familiar: rico/pobre, homem/mulher, resignação, Maria Moita
desigualdade social
Desigualdade social: relação sertão-cidade, sofrimento, fome, falta de Pau-de-arara
perspectiva

Na parceria entre Vinicius de Moraes e Carlos Lyra os temas sociais

estão presentes. O nordestino, o mendigo, o estudante universitário, o

trabalhador, a mulher socialmente discriminada são personagens muito

cantados por esses parceiros.

O tema Amizade aparece na canção “Cartão de Visita”, que trata do

perfil do amigo, das regras para ser amigo. Finalmente, o tema Música é

representando pela música “Balanço do Tom Jobim”, uma homenagem à

qualidade, beleza, mansidão e paz da música de maestro.


83

O tema do Carnaval, associado à música e dança, além de felicidade e

paz, é tratado a partir de recordações, com saudosismo e nostalgia (Marcha de

quarta-feira de cinzas).

Em suma, são propostos seis grupos temáticos: (a) o amor romântico,

(b) a mulher (como objeto de atração e do amor romântico), (c) a experiência

humana e valores (tratando de sentimentos e valores humanos mais amplos),

(d) temas sociais (como o trabalho e a desigualdade social), (e) amizade e (f)

música.
84

8. VINICIUS DE MORAES E BADEN POWEL

Vinicius e Baden Powell compuseram 39 canções10 que se encontram

em diferentes discos11. O objetivo deste capítulo é fazer uma análise do

conteúdo das composições resultantes da parceria entre Vinicius de Moras e

Baden Powel e suas possíveis implicações para a caracterização de uma

relação de amizade.

As letras das 39 composições foram analisadas e alguns grupos

temáticos foram propostos: (a) o amor romântico, (b) a mulher, (c) música e

dança. Dentro de cada grupo temático, por vezes, são propostos alguns

subtemas e são destacados alguns elementos para caracterizar o conteúdo

das letras.

10
Além do amor; Amei tanto; Um amor em cada coração; Apelo; O astronauta; Berimbau;
Bocochê; Bom dia, amigo; Canção do amor ausente; Canção de enganar tristeza; Canção de
ninar meu bem; Canto de Iemanjá; Canto de Ossanha; Canto de pedra preta; Canto de Xangô;
Cavalo-marinho; Consolação; Deixa; Deve ser amor; É hoje só; Formosa; Garota porongondon;
História antiga; Labareda; Linda baiana; Mulher carioca; Pra que chorar; Queixa; Samba da
benção; Samba do café (Para fazer um bom café); Samba em prelúdio; Seja feliz; Só por amor;
Sonho de amor e paz; Tem dó; Tempo de amor (Samba do Veloso); Tempo feliz; Tristeza e
solidão; Valsa sem nome.
11
Vinicius & Odete Lara (1963) e Os Afro-Sambas (1966). Na discografia de Vinicius de
Moares, outros discos que incluem as composições da dupla são De Vinicius e Baden
especialmente para Ciro Monteiro (1965), Vinicius e Caymmi no Zum-Zum (1965), Vinicius:
poesia e canção – Ao Vivo – Volume 1 (1965), Vinicius (1967), Vinicius de Moraes – Grabado
en Buenos Aires com Maria Creuza y Toquinho (1970), Vinicius + Bethania + Toquinho –
Grabado en Buenos Aires (1971), Saravá Vinicius! (1974), O poeta e o violão (1975),
Testamento (1980). Na discografia póstuma de Vinicius, canções dele com Baden Powel estão
nos discos Vinicius – História da Música Popular Brasileira (1982), Poeta, Moça e Violão –
Vinicius, Clara e Toquinho – A história dos shows inesquecíveis (1991), Vinicius em Cy –
Quarteto em Cy (1993), Songbook – Volume 1, 2, 3 (1993), Vivendo Vinicius – ao vivo – Baden
Powell, Carlos Lyra, Miúcha e Toquinho (1999), Berimbau – Paula Morelenbaum (2004).
85

Tabela 8.1 Vinicius de Moraes e Baden Powell – Amor Romântico

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Dor, sofrimento Canção do amor ausente
Saudade, ausência da Tristeza, sofrimento, solidão Tristeza e solidão
mulher amada e solidão Solidão: dor e alegria Amei tanto
Amor adolescente: nostalgia, Cavalo-marinho
tristeza
Dependência, angústia, choro, dor Além do amor
Vida e morte Um amor em cada coração
Coragem,entrega Berimbau
Coragem,entrega, dor e felicidade Canto de Ossanha
Vida e morte, sofrimento e Canto de Xangô
felicidade
Vida e morte, sofrimento e Consolação
Necessidade de amar e felicidade
ter a pessoa amada Paixão, desrazão Deixa
Esperança Pra que chorar
Alegria e dor, sofrimento e Tempo de amor (Samba do
felicidade Veloso)
Alegria, sofrimento Formosa
Insegurança, medo, porto seguro, Samba em prelúdio
luz
Encontro ou caminho para o amor: Canto de Iemanjá
Tristeza, som triste de Iemanjá,
busca
Explicações sobre o sentimento do Deve ser amor
amor: exaltação, beleza,
A dialética do sofrimento e felicidade
relacionamento Paz, felicidade, medo da dor Sonho de amor e paz
Comicidade, diferenças, cobranças Tem dó
Declaração de amor: poesia, Valsa sem nome
música, magia, dor, intensidade
A Natureza Positiva do Tranqüilidade, amizade, calma Canção de ninar meu bem
Relacionamento Paixão: Impulsividade, É hoje só
convencimento
Término ou Perda do Saudosismo, tristeza História antiga
amor Abandono, melancolia, mágoa, Seja feliz
desilusão
Retorno ou volta do amor; Perdão: arrependimento, Apelo
despedida, choro

O tema do amor romântico é dominante na composição conjunta entre

Vinicius de Moraes e Baden Powel. A dialética entre tristeza e alegria, entre

aproximação e afastamento, vida e morte, sofrimento e felicidade, insegurança

e incerteza, entre paixão e tranqüilidade está presente. Elementos culturais

afro-brasileiros estão presentes nestas canções, como a referência à Iemanjá,

Ossanha e Xangô.
86

Tabela 8.2 Vinicius de Moraes e Baden Powell – Mulher

CONTEÚDO MÚSICA
Mulher que dança: samba, admiração, exaltação, valorização Garota Porongondon
Mulher que dança: paixão, fogo, amor Labareda
Mulher baiana: sensualidade, beleza, dança Linda baiana
Mulher brasileira e carioca: sensualidade, beleza, graça, charme Mulher carioca
Beleza, romance, felicidade O astronauta
Procura, busca, fuga Bocochê
Entrega, disponibilidade, paixão, agradecimento Só por amor

A mulher como tema está muito próximo do tema do amor romântico,

tratando-se de uma figura que desperta a paixão e a admiração por sua beleza,

sensualidade, graça e charme. A mulher mais sensual e a mulher cheia de

beleza, graça e charme também estão relacionadas ao amor mais passional e

mais terno. A mulher também se liga à música por meio da dança. Há um certo

regionalismo no elogio da mulher carioca e da baiana. Nas letras de Vinicius e

Baden a ligação entre música e mulher aponta para a música como via de

expressão da sensualidade da mulher, que ao dançar envolve e faz o homem

se apaixonar.

Algumas letras se referem ao mundo da música e da dança, com

indicado na Tabela 8.3.

Tabela 8.3 Vinicius de Moraes e Baden Powell – Música e Dança

CONTEÚDO MÚSICA
Dança, ritmo contagiante Canto de pedra preta
Carnaval: dança, ritmo envolvente, cura para queixas e reclamações Queixa
Saudade do Carnaval: felicidade, paz, recordações, nostalgia Tempo feliz
Compor samba: tristeza e alegria, amor, aprendizagem, amizade Samba da benção

Nestas composições, o ritmo contagiante da música está associado à

necessidade da dança. O Carnaval, de certa forma, une música, mulher e


87

dança. Em outra letra, os autores destacam algumas características da

composição do samba, como algo que envolve alegria e tristeza, amor e

amizade.

Uma composição se refere à amizade, voltada para a despedida, a

morte e o sofrimento (Bom dia, amigo). Outra aborda a tristeza, idealizando um

encontro com a tristeza, onde se pode ver o humor e o otimismo (Canção de

enganar tristeza), podendo ser considerada como uma música que trata da

experiência humana, do ponto de vista dos sentimentos, de uma forma mais

universal.

Finalmente, há uma composição de caráter regional, tratando de um

aspecto típico do Brasil e do povo brasileiro, de uma receita para fazer café,

revelando o amor pelo Brasil através da referência a um elemento típico de

nossa cultura (Samba do Café: Para fazer um bom café)

Do ponto de vista da forma, as letras são marcadas por repetições de

palavras, frases e estrofes (como o Canto de Iemanjá, Canto de Ossanha,

Canto de pedra preta, Queixa). Outras músicas trazem a repetição de frases

(Bocochê, Canção de ninar meu bem, Labareda, Mulher Carioca, Samba da

Benção). Há também canções com repetição de estrofes, como em Cavalo

Marinho. Algumas expressões, como nhém-nhém-nhém, porongondon, chá-

chá-chá e au-au-ziriguidau-au são muito repetidas. Essas repetições

possivelmente acompanham um ritmo mais afro-brasileiro, que seria uma

característica da parceria de Vinícius e Baden. As expressões nhém-nhém-

nhém e porongondon se referem a características pessoais, enquanto as

expressões chá-chá-chá e au-au-zirigondon-au geralmente imitam algum


88

instrumento ou ritmo musical. Também como atributo pessoal, a palavra

“balangandã” aparece na canção Linda Baiana.

A expressão nhém-nhém-nhém é usada com duplo sentido. Na música

Bocochê ela é usada para imitar o som do mar, dar o ritmo de balanço: “Nhém-

nhém-nhém / É onda que vai / Nhém-nhém-nhém / É onda que vem”. Em outro

momento, a expressão nhém-nhém-nhém é usada para caracterizar uma

pessoa (Mulher Carioca).

Há o uso constante de palavras de origem africana ou do candomblé:

Xangô, Agodô, Ossanha, olô, saravá, berimbau, orixá, indicando uma

aproximação da cultura afro-brasileira, especialmente presente na Bahia. O

som é marcado pela batida da capoeira e tem clara influência dos sons

africanos. O berimbau é muito utilizado.

Como em outras parcerias, a dialética felicidade e tristeza, sofrimento e

alegria, amor e desilusão está presente, assim como uma inversão do

esperado, que é uma constância não somente nas letras de Vinicius, mas em

sua poesia e em sua própria vida.

Doze composições empregam as palavras samba, canção ou valsa em

seu título, de modo que o tema “música” está presente em muitos momentos

dessa parceria. Outras canções não trazem nos títulos essas palavras, mas o

tema música ao longo da letra, tal como Tempo Feliz, na qual as canções

alegravam e traziam paz aos corações. Importância desse tema e relação dele

com outros: com a mulher, com o amor, com a amizade, com o samba e a

capacidade do samba de fazer bem.


89

Em suma, os principais grupos temáticos são (a) o amor romântico, (b) a

mulher, (c) música e dança. Uma composição se refere à amizade, outra

aborda a tristeza e há uma composição de caráter regional, tratando de um

aspecto típico do Brasil e do povo brasileiro, de uma receita para fazer café.
90

9. VINICIUS DE MORAES E TOQUINHO

Vinicius e Toquinho compuseram 88 canções em parceria. Destas, 75

foram compostas apenas pelos dois12. Outras 13 canções contaram com pelo

menos mais um parceiro, entre eles Guido Morra e Maurizio Fabrizio (em

Aquarela), Bacalov (nas canções: O ar; O gato; e O velho e o a flor), Ernest

Nahle (em A arca de Noé), Paulinho Nogueira (com Choro chorado para

Paulinho Nogueira), Georges Moustakis (na canção Je sus une guitarre), Paulo

Soledade (nas canções: O pato; O peru), Carlinhos Vergueiro (em Por que

será), Chico Buarque (no Samba de Orly), Tom Jobim e Chico Buarque

(Estamos aí) e Gilda Matoso, Pipo Caruso e Sérgio Bordotti (com O pintinho).

As 75 composições de Vinicius e Toquinho foram organizadas em sete

grupos temáticos: (a) amor romântico, (b) a mulher, (c) valores e estilos de

vida, (d) outros relacionamentos, como amizade, (e) temas infantis, (f) temas

sócio-culturais, (g) música e dança, incluindo a temática religiosa. Apesar de

outras classificações serem possíveis, o objetivo desta organização é identificar

padrões que se repetem e que seriam próprios da temática de cada parceria.

12
Acende uma lua no céu; Amigos meus; Amor em solidão; Aula de piano; O bem-amado; A
benção, Bahia; A bíblia; Os bichinhos e o homem; Blues para Emmett; Calmaria e vendaval;
Canto e contraponto; Canto de Oxalufã; O canto de Oxum; Caro Raul; Carta que não foi
mandada; Carta ao Tom; O céu é o meu chão; Chorando pra Pixinguinha; Como dizia o poeta;
Como é duro trabalhar; As cores de abril; Corujinha; Cotidiano nº 2; Deixa acontecer; Essa
menina; Eu não tenho nada a ver com isso; O filho que eu quero ter; A flor da noite; A foca;
Fogo sobre a terra; A galinha d’angola; Gilda; O girassol; Golpe errado; Um homem chamado
Alfredo; Mais um adeus; Maria vai com as outras; Menina das duas tranças; Meu pai Oxalá;
Morena flor; No colo da serra; Paiol de pólvora; Para viver um grande amor; Patota de
Ipanema; Planta baixa; O poeta aprendiz; O porquinho; A porta; Um pouco mais de
consideração; A pulga; Regra três; A rosa desfolhada; As razões do coração; Uma rosa em
minha mão; Samba para Endrigo; Samba do jato; Samba da rosa; Samba da volta; São demais
os perigos desta vida; Se o amor quiser voltar; Se ela quisesse; Sei lá... A vida tem sempre
razão; Sem medo; Tarde em Itapuã; Tatamirô (Em louvor de Mãe Menininha de Gantois); A
terra prometida; Testamento; A tonga da mironga do kabuletê; Triste sertão; Tudo na mais
santa paz; Turbilhão; Valsa do bordel; Valsa para uma meninha; Veja você; A vez do dombe.
91

Segundo a abordagem dos relacionamentos adotada neste trabalho, pode-se

interpretar a produção de cada parceria não apenas como produto cultural

dentro da música popular brasileira, mas também como algo que representa

um conjunto de interesses em comum entre os parceiros, interesses esses que

podem ser interpretados como um aspecto relevante da amizade entre esses

parceiros, cujas informações históricas e biográficas confirmam repetidas

vezes.

Especificamente, este trabalho se fundamenta na possibilidade de se

contar com “produtos” gerados dentro de uma relação de amizade e não

apenas com “processos”. Nas amizades do dia a dia, não se costuma registrar

o fruto das parcerias. As criações, os diálogos, as narrativas construídas na

amizade comumente se perdem, não são registrados. Isto ocorre em poucos

momentos, como é o caso das composições em parceria. A importância deste

fato está na possibilidade de se perceber um padrão ou estilo de amizade, com

base nos interesses compartilhados e como eles são tratados na produção

artística.

O amor romântico é o principal tema em torno do qual Vinicius e

Toquinho trabalham. Na tabela seguinte, há uma relação de composições de

Vinicius e Toquinho em que o tema central é o amor romântico. A temática já

estava presente nas composições com Tom Jobim, Carlos Lyra e Baden Powell

adquirindo nuances diferenciadas na parceria com Toquinho.


92

Tabela 9.1 Vinicius de Moraes e Toquinho – Amor Romântico

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Conquista,comicidade, desejo sexual Aula de piano
Desejo Essa menina
Provocação, insinuação Menina das duas
tranças
A natureza positiva do Paixão Canto e contraponto
relacionamento Amores de adolescência: alegria, O poeta aprendiz
poesia, vivacidade
Paixão, encontro, entrega, resgate Gilda
pela mulher
Necessidade de amar: dependência, Como é duro trabalhar
tranqüilidade
Alegria, intimidade, carinho Morena flor
Necessidade de amar: exaltação da No colo da serra
vida, que só vale a pena com amor
Necessidade de amar: alegria, beleza, Se ela quisesse
entrega, esperança
Necessidade de amar e ter Necessidade de amar: angústia e Amor em solidão
a pessoa amada solidão
Esperança, constatação Se o amor quiser voltar
Espera pelo amor: otimismo, beleza, Acende uma vela no céu
vida
Amor não correspondido: ciúme Meu pai Oxalá
Solidão: busca, tristeza Uma rosa em minha
mão
Dificuldade de entendimento - O céu é o meu chão
angústia, desejo, tristeza
Instruções para viver um grande Para viver um grande
amor: alegria, envolvimento, entrega amor
Dificuldades e a dialética Cuidado com a pessoa amada: Um pouco mais de
do relacionamento angústia, medo, sofrimento consideração
Traição: ira e ciúme O canto de Oxum

Perigo de amar: necessidade de São demais os perigos


cuidado, tristeza, beleza, paixão desta vida
Perdão: alegria, otimismo, paixão, Regra três
Retorno ou volta do amor alerta
Perdão: alegria, paixão, desejo, Samba da volta
felicidade
Saudade e ausência da pessoa Carta que não foi
amada: nostalgia, tristeza mandada
Saudade e ausência da Saudade e ausência da pessoa Samba do jato
pessoa amada amada: ilusão, tristeza, solidão
Saudade e ausência da pessoa As razões do coração
amada: desejo, necessidade do outro
Término / Perda do amor: fim do Mais um adeus
Término ou perda do amor amor, tédio, tristeza, choro
Término / Perda do amor: sofrimento, A rosa desfolhada
perda, espanto
93

Para uma melhor organização da temática das composições em parceria

com Toquinho e possibilitar a comparação com outras parcerias são propostos

seis subtemas: (a) a natureza positiva do relacionamento, (b) a necessidade de

amar e ter a pessoa amada, (c) dificuldades e a dialética do relacionamento, (d)

retorno ou volta do amor, (e) saudade e ausência da pessoa amada, (f) término

ou perda do amor.

O amor romântico é o tema dominante, tendo a dialética

aproximação/afastamento como algo central. A aproximação se manifesta pela

necessidade de amar e ter a pessoa amada, de exaltar o ser amado. Por outro

lado, o afastamento está relacionado ao término, à saudade e ao retorno.

Refere-se, freqüentemente, às fases iniciais e finais do relacionamento,

momentos marcados por uma maior carga emocional. Apesar de uma certa

flexibilidade, compor sobre fases de relacionamentos românticos parece

descrever o perfil da díade Toquinho e Vinicius.

Há dezenas de composições que se constroem em torno dessa

temática. Um fator que parece permear este conjunto é a dialética entre alegria

e tristeza, entre paixão e carinho, aproximação e afastamento. Um segundo

aspecto parece estar ligado a valores e a afirmação de um estilo de vida. Estes

dois temas também se relacionam dialeticamente, de modo que a paixão está

presente no amor romântico, mas também nas posições diante da vida. Estes

interesses em comum seguem os amigos ao longo do tempo. Em parte, esta

parceria é quase a expressão de uma visão da vida e do mundo, afirmando


94

certos valores. A centralidade do amor e da paixão parece dar origem a uma

coletânea de composições em torno de valores.

Algumas particularidades podem ser apontadas. Essa mesma paixão e

ciúme estão presentes entre os elementos culturais, regionais e religiosos que

permeiam essas canções, como as referências às divindades do Candomblé.

Em algumas canções de Vinicius e Toquinho, o amor romântico se relaciona ao

amor dos deuses do candomblé, suas artimanhas e traições, além de Iemanjá

(como Meu pai Oxalá, Maria vai com as outras, O canto de Oxum).

Nessa parceria aparece a questão da idade da mulher: a menina nova

que tenta seduzir o homem mais velho. Há um jogo e o homem se enreda

(Aula de piano; Essa menina; Menina das duas tranças).

Diretamente relacionado ao amor romântico estão algumas composições

tendo a mulher como foco, com indicado na Tabela 9.2.

Tabela 9.2 Vinicius de Moraes e Toquinho – Mulher

CONTEÚDO MÚSICA
Loucura, comicidade, fofoca A flor da noite
Alegria, festividade, humor, amor romântico Maria vai com as outras
Estilo de mulher, beleza, amor, objeto de admiração Samba da rosa
Mulher do bordel, sofrimento, esperança Valsa do bordel

Estas letras reafirmam a dialética entre alegria e sofrimento, o cômico e

o trágico.

Um grupo de composições de Vinicius e Toquinho avança para temas

mais amplos, ainda que intimamente relacionados ao amor romântico. Este

grupo foi denominado de “valores e estilos de vida”. As composições da dupla


95

não apenas retratam o amor entre o homem e a mulher, de forma mais terna

ou mais passional, mas se posicionam diante do problema da vida, de como

viver, dos valores.

Tabela 9.3 Vinicius de Moraes e Toquinho – Valores e Estilos de Vida

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Importância do amor e da paixão: Como dizia o poeta
alegria, jovialidade, esperança
Importância do amor e da paixão: Veja você
felicidade, necessidade
Importância do amor e da paixão Deixa acontecer
entrega, intensidade
Importância do amor e da paixão Canto de Oxalufã
questionamento, simplicidade
Importância do amor e da paixão A bíblia
O sentido da vida beleza, vida, prazer e sofrimento
Importância do amor e da paixão Turbilhão
alegria, esperança, desejo pela vida
Importância das coisas mais Testamento
simples: alerta, aviso, celebração da
vida, morte
Vida sem sentido: Constatação, O bem amado
aviso
Dúvidas sobre a existência: Sei lá... A vida tem sempre
otimismo, dúvidas, confiança razão
Desenvolvimento humano: otimismo, Sem medo
coragem, esperança, alegria
Ironia: xingamento, comicidade, A tonga da mironga do
diversão kabuletê
Ligação com a natureza: amor, As cores de abril
alegria, paixão
Paz e Natureza como Necessidade um lugar para se viver: A terra prometida
Valores tranqüilidade, esperança
Praia de Itapuã: tranqüilidade, Tarde em Itapuã
simplicidade
Contradição: intensidade, Calmaria e vendaval
duplicidade vida e morte,
identificação do que vale a pena ser
As Contradições da vivido
Vida Contradição de sentimentos no dia- Fogo sobre terra
a-dia: afirmação da vida e do amor
Cotidiano: Contradição, surpresa, Cotidiano no. 2
mesmice
Solidão e Morte: Tristeza, espanto Um homem chamado
Alfredo
Solidão e Morte Necessidade de conviver com a Tudo na mais santa paz
solidão: apreensão, angústia, medo,
esperança

Como nas canções em torno do amor romântico, o amor e a paixão se

tornam uma máxima de vida, uma forma de se viver intensamente, onde a


96

alegria e a tristeza, a tranqüilidade e a intensidade se encontram e combinam.

O cotidiano e o eterno, o simples e o profundo, a alegria e a tristeza, o medo e

o otimismo, o local e o universal se confundem.

Algumas letras buscam respostas, trazem reflexões e questionamentos

sobre o tema da morte, do fim das coisas (Canto de Oxalufã; Sei lá... A vida

tem sempre razão; Sem medo, A terra prometida; Testamento). A percepção

da morte é sempre positiva, como experiência que vem afirmar a vida, que nos

obriga a viver a vida em plenitude. Em “Sei lá...” Vinicius se ausenta de tentar

dar respostas e parece apostar e confiar na vida, mesmo que ela esteja

apontando para seu fim próximo. A letra de “Sem medo” fala de travessia, de

superar obstáculos. A palavra “atravesse” é repetida constantemente e sempre

relacionada a um obstáculo próprio da fase da vida: quando criança, o escuro;

quando interessado por uma mulher e envolvido pelo amor, a vida; quando em

fase de recomeço, a rua; e no término da vida, a morte. Até mesmo na canção

infantil “Os bichinhos e o homem” o tema da morte aparece; morte vista como

aquela que iguala os homens, independente do tipo de vida que ele tenha

escolhido viver, independente dos conhecimentos que tenha adquirido.

Canções “Canto de Oxalufã” valorizam um estilo de vida que privilegia o

coração, o amor e a paixão. Durante a parceria com Toquinho, Vinicius já havia

vivido com diferentes mulheres e faz o necessário para encontrar o amor,

inclusive separar-se e se entregar a uma nova paixão, sempre com mulheres

mais novas. Toquinho, por sua vez, vive a intensidade dos namoros e

envolvimentos. Tanto que a canção “Regra Três” é definida por Toquinho como

um “puxão de orelha” de Vinicius no parceiro. Essas característica de ambos,

no momento do encontro da parceria abre caminho e dão origem a canções


97

que expressam o desejo de ambos de viverem intensamente, de saber que a

vida tem que ser vivida de modo a valer a pena e que, no fim, todos se igualam

pela morte.

Outro tema presente nas composições de Vinicius e Toquinho refere-se

ao mundo da fantasia, onde os animais se destacam como personagens

alegres e divertidos, assim como as plantas e mesmo alguns objetos

inanimados. Há uma simplicidade e um tom alegre, condizente com os estilos

de vida preconizados em outras letras, em que a simplicidade e a tranqüilidade,

ao lado da alegria são apontados como valores de vida.

Tabela 9.4 Vinicius de Moraes e Toquinho – Tema Infantil

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Melodia circense, alegria, diversão Os bichinhos e o homem
Melodia circense, alegria, diversão Corujinha
Animais Melodia circense, alegria, diversão A foca
Melodia circense, alegria, diversão A galinha d’angola
Melodia circense, alegria, diversão O porquinho
Melodia circense, alegria, diversão A pulga
Plantas Melodia circense, alegria, diversão O girassol
Objetos inanimados Utilidade da porta: Melodia A porta
circense, alegria, diversão

Há uma aproximação com as crianças. Muitas canções falam de

animais. As canções dos discos Arca de Noé 1 e 2 são em ritmo de músicas de

circo, com coro infantil em quase todas as canções. Esses discos contam com

composições de Vinicius e outros parceiros. Não é exclusividade de Toquinho,

mas os discos foram produzidos no período dessa parceria.

A tabela 5 trata de outros relacionamentos além do romântico,

especialmente a amizade.
98

Tabela 9.5 Vinicius de Moraes e Toquinho – Relacionamentos

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Separação e reencontro: nostalgia, Amigos meus
saudosismo, tristeza, esperança
Encontro: alegria, animação, Caro Raul
Amizade felicidade
Saudade: nostalgia, tristeza, Carta ao Tom
esperança
Saudade: nostalgia, agradecimento Chorando pra Pixinguinha
Separação: desdém, nostalgia Patota de Ipanema
Atenção e cuidado: alegria, Planta baixa
Relacionamentos esperança, incentivo, comparação
com as plantas
Filha pequena: contentamento, Valsa para uma menininha
Relação Pais-Filhos encanto
Pai e filho: alegria, dor, esperança, O filho que eu quero ter
vida

No convívio com outras pessoas, nas amizades, há uma mescla de

tristeza e alegria, mas também de uma forma de viver em que os amigos são

parte da vida. Esta forma intensa de viver com os amigos também pode ser

vista na biografia de Vinicius. Raramente trata do relacionamento entre pais e

filhos, mas quando o faz, também entra na dialética da alegria e da dor. Nesse

sentido, Toquinho está em processo de amadurecimento e preparação para o

papel de pai, como indica a letra de “O filho que eu quero ter”, enquanto

Vinicius já se vê com filhos adultos.

Os parceiros produziram canções extremamente saudosistas em relação

à vida de Vinicius, os shows, as noites, os amigos antigos, a rotina de bares da

zona sul. Letras relacionadas: Amigos meus; Caro Raul; Carta que não foi

mandada; Carta ao Tom; Chorando pra Pixinguinha.


99

Raramente, os compositores deixam uma posição mais universal e

tocam em termas mais contextuais, sociais.

Tabela 9.6 Vinicius de Moraes e Toquinho – Temas Sociais e Regionais (Brasil


e os Brasileiros)

SUBTEMA CONTEÚDO MÚSICA


Sertão: vida dura, sofrimento, simplicidade, resignação Triste sertão
Brasil: estilo do brasileiro, deboche, malandragem Eu não tenho nada
O Brasil e os a ver com isso
Brasileiros Rio de Janeiro: estilo do carioca, beleza, Samba para
malandragem, samba Endrigo
Preconceito racial: morte de um negro, denúncia Blues para Emmett
Controle social, Conduta anti-social, malandragem: perspectiva Malandragem
preconceito e negativa, maléfica, preocupante, golpe errado
conduta anti- Controle social: submissão no cotidiano, pressão, Paiol de pólvora
social apatia, controle social

São poucas as referências a temas sociais, como preconceito racial,

controle social e a malandragem de um ponto de vista negativo. Algumas

referências ao Brasil e aos brasileiros são dirigidas aos nordestinos, de forma

mais dramática, e aos cariocas e brasileiros em geral, destacando seu caráter

irreverente.

Finalmente, há referências à própria música, conforme indicado na

Tabela 9.7.

Tabela 9.7 Vinicius de Moraes e Toquinho – Música e Dança

CONTEÚDO MÚSICA
Pedido de benção a santos e divindades, musicalidade, A benção, Bahia
confiança
Pedido de benção a santos e divindades, Musicalidade, Tatamirô
confiança, louvor
Ritmo dombe, musicalidade, dança A vez do dombe
100

Um ponto comum entre estas três composição é a inserção de

elementos afro-brasileiros.

Em suma, os principais temas foram: (a) amor romântico; (b) a mulher;

(c) valores e estilos de vida; (d) outros relacionamentos, como amizade; (e)

temas infantis; (f) temas sócio-culturais; e (g) música e dança.


101

10. PARCEIROS E AMIGOS – “AMIZADES MUSICAIS”

Quanto ao conteúdo das letras de música, cada parceria investigada

apresenta traços particulares e comuns. Neste capítulo, parte-se do

pressuposto que essas parcerias também representam amizades entre os

parceiros, com base em uma extensa documentação de natureza história e

biográfica.

Todas as composições apresentam traços em comum, como a

valorização do amor, da figura da mulher e alguns traços folclóricos. Alguns

temas estão presentes em todas as parcerias, como amor romântico e a figura

feminina. Por outro lado, cada parceria tem características próprias. Do ponto

de vista dos estudos de amizade, pode-se ressaltar que cada uma das quatro

amizades é uma relação individual com propriedades singulares. Assim, a

relação entre Vinicius e Toquinho, a partir das composições que fizeram juntos,

tem uma configuração própria, incluindo o elogio da mulher e do amor, mas

também a música infantil.

Nas parcerias com Toquinho, principalmente, as letras parecem afirmar

para si próprio que é preciso viver intensamente, mas de forma simples,

respeitando os desejos do coração, do amor, dos sentimentos mais nobres que

se sente: eles devem conduzir a vida das pessoas.

Com Baden a influência africana é predominante e isso se reflete

também em algumas composições com Carlos Lyra (Samba do carioca) e

Toquinho (A benção, Bahia; Canto de Oxalufã; Canto de Oxum; Maria vai com
102

as outras, Meu pai Oxalá). Nelas aparecem o ritmo e principalmente palavras e

expressões de origem afro-brasileira.

Assim, com base no objeto central de interesse compartilhado, pode-se

falar em amizades culturais, especificamente amizades musicais. No caso de

Vinicius, que possui uma ampla rede de amigos, as amizades literárias e

musicais estão presentes.

Abordar as amizades como relacionamentos mediados por aspectos

culturais representa um enriquecimento dos estudos sobre o tema,

tradicionalmente organizado em torno das diferenças gênero e idade ou estágio

de desenvolvimento. Uma abordagem baseada na mediação sócio-cultural, em

que um objeto cultural é compartilhado representa uma nova possibilidade.

Outro ponto a destacar no estudo das amizades culturais é a

possibilidade de falar-se em diferentes estilos de amizade, com base no

compartilhamento desses objetos ou produtos culturais. Uma relação de

amizade representa uma relação histórica com características próprias. Vinicius

apresenta várias amizades musicais que têm em comum alguns temas

compartilhados. Cada amizade musical, contudo, tem características próprias,

uma origem única, um histórico particular e uma produção específica desse

relacionamento que reflete o pensamento em comum, retratado na produção

artística em parceria.

As amizades entre Vinicius, Tom Jobim, Carlos Lyra, Baden Powel e

Toquinho deixaram marcas, registros históricos, de acesso amplo, em suas

composições que fornecem ao investigador dos relacionamentos um aspecto

adicional a ser pesquisado.


103

Conforme Garcia (2007), amizades musicais representam um estilo de

amizades culturais. Nestas, a música ocuparia uma posição de destaque como

base para mediação cultural entre os amigos. No caso de compositores que

são simultaneamente amigos (no caso estudado, amigos com uma grande

produção conjunta e de longa data), os produtos gerados por essa parceria

entre amigos fornecem elementos de grande interesse para o estudo do

relacionamento entre amigos.

Além dos diferentes estilos de amizades culturais, como as amizades

literárias e as musicais, cada amizade pode ser investigada com base na

produção conjunta, em busca de perfis específicos. Considera-se, assim, que o

conteúdo das composições represente um interesse compartilhado na relação

de amizade, cujos detalhes podem ser resgatados nos documentos históricos

que são as letras feitas em parceria.

As quatro amizades investigadas fornecem quatro perfis diferenciados,

ainda que compartilhem traços semelhantes. Entre os interesses

compartilhados pelos amigos está a temática do relacionamento romântico,

presente nos quatro perfis examinados. Cada parceira, contudo, revela um

perfil algo diferenciado no sentido da abordagem do tema. Por exemplo, o que

foi denominado de “experiência humana”, presente nas composições de

Vinicius e Tom toma outra dimensão nas composições de Vinicius e Toquinho,

onde dá lugar a uma temática ainda mais ampla, envolvendo valores e estilos

de vida. A parceria entre Vinicius e Baden tem mais elementos da cultura afro-

brasileira. Com Carlos Lyra, há mais preocupação com temas sociais. Estes

quatro perfis específicos não se reduzem ao compartilhar de um tema único,


104

mas dá-se certa diversidade entre os objetos de interesse compartilhados em

cada amizade, que, adicionalmente, podem variar com o decorrer do tempo.


105

11. DISCUSSÃO

A discussão a seguir gira em torno de cinco pontos: (a) as relações entre

música e amizade; (b) a noção de amizades culturais como uma possibilidade

de estudo das relações de amizade; (c) as relações entre amizade e

movimentos musicais e culturais; (d) as possíveis contribuições do estudo das

amizades culturais para o estudo das amizades em geral; (e) propostas de

intervenção aliando a formação de amizades com o desenvolvimento cultural.

11.1 Amizade e Música

Amizade e música se relacionam de diferentes formas. A literatura indica

que a música serve como um elemento de atração interpessoal em estudos

com adolescentes. Outros estudos procuram analisar a relação entre criação

musical e relações de amizade na infância. Apesar de a música se manifestar

em diferentes contextos de amizade, quando ela se torna o principal interesse

compartilhado pode-se falar em amizades musicais.

Amizades musicais associadas a parcerias musicais são especialmente

importantes por sua relação com a música não apenas como um produto

cultural que permite a mediação entre os amigos, mas pela possibilidade da

construção cultural, através de composições originais. Nas amizades musicais,

a música se torna o objeto central em torno do qual se organizam as atividades

da amizade. Em sentido mais específico, tem como objeto a produção musical.


106

11.2 Amizades Culturais

Historicamente, os estudos sobre a amizade são organizados tendo

como referência o desenvolvimento (amizade na infância, adolescência,

adultez e velhice) ou o gênero (amizades masculinas e femininas). A idéia de

amizades culturais parte dos elementos compartilhados entre amigos, produtos

culturais que representam interesses compartilhados.

A literatura refere-se a amizades literárias e amizades musicais com

certa constância, geralmente do ponto de vista de historiadores ou biógrafos.

Estas teriam como ponto central e principal objeto compartilhado um produto

cultural (ou mesmo a produção cultural em um determinado segmento cultural).

A presente perspectiva oferece novas possibilidades de investigação,

permitindo maior integração das relações interpessoais com aspectos da

cultura na qual estão inseridas e com as quais mantêm relações dialéticas.

Fatores culturais estão presentes em todas as relações de amizade. A

noção de amizade cultural, contudo, refere-se a relações nas quais um produto

cultural tem nítido destaque como revelação de interesse compartilhado e

como fundamento da amizade.

As amizades culturais podem se manifestar entre diletantes ou entre

agentes culturais específicos (como artistas, músicos, literatos ou cientistas).

Neste caso, podem estar na base da evolução de movimentos culturais, com

reflexos na produção cultural. Amizade e cultura incluem não apenas

processos intersubjetivos, mas também produtos culturais.


107

Os dados obtidos a partir dos relatos históricos e biográficos, da

correspondência trocada e da produção conjunta permitem um avanço nas

considerações sobre amizades. Geralmente, os estudos sobre a amizade

tratam de relações no dia-a-dia, sem uma análise mais aprofundada de

relações de amizade entre personagens que assumem importância histórica. A

possibilidade de se contar com produtos culturais, no caso as próprias

composições, abre uma nova possibilidade de se contar com o registro da

produção de cada amizade que se manifesta através de uma parceria musical.

Possivelmente, o objeto em torno dos quais a amizade se organiza

permite sua classificação em diferentes tipos ou estilos de amizade. A partir

dos dados, é possível identificar amizades individuais com um histórico próprio,

com um conteúdo particular, com temas e objetos de interesse que

caracterizam uma relação única.

No caso de Vinicius, assim como de outros autores que trabalharam em

parceria, a produção artística fornece um material ainda mais rico que

representa o fruto desse relacionamento. Essas composições, frutos de uma

parceria musical, nos quatro casos estudados, refletem também relações de

amizades com propriedades particulares.

11.3 Amizades, Movimentos Culturais e Cultura

Uma contribuição de Robert Hinde (1997) para o estudo do

relacionamento interpessoal foi a adoção da teoria de sistemas, já observada


108

na Etologia Clássica. Neste sentido, fica claro que investigar relacionamento

interpessoal não se restringe ao estudo de dimensões internas da relação entre

díades. Uma contribuição importante de Hinde foi a indicação da importância

de se trabalhar com a dialética entre diferentes níveis. Assim, além do nível do

grupo e da sociedade, Hinde acrescente o ambiente físico e a estrutura sócio-

cultural como relevantes para o estudo dos relacionamentos. Dois aspectos do

esquema geral de Hinde são destacados nesta pesquisa: as relações entre

relacionamento e grupo e estrutura sócio-cultural, que são tratados

conjuntamente neste trabalho.

O modelo proposto por Hinde (1997) é bastante esquemático. Assim,

para se tratar da estrutura sócio-cultural de forma mais específica, há a

necessidade de se definir que aspectos dessa estrutura (ou estruturas) estão

sendo considerados. Apesar da falta de uma discussão mais ampla das

relações entre relacionamento interpessoal e estrutura sócio-cultural na obra de

Hinde, esta aparece como um conjunto de normas, regras em torno da qual as

relações se organizam. No presente estudo, algumas dimensões foram

escolhidas, especialmente a produção musical como parte da herança cultural

de um povo. Assim, procura-se relacionar amizade e produção musical como

elementos em relação dialética. A produção musical serve de elo mediador

com movimentos culturais, que reúne um grupo de artistas com uma tradição

cultural convergente, no caso, musical.

A seguir, são discutidas as relações dialéticas entre as amizades de

Vinicius e sua produção musical. Amizades estão imersas em um ambiente

sócio-cultural específico. O estudo das parcerias musicais que também

representam amizades revela de forma mais clara como relações interpessoais


109

e produção cultural se afetam mutuamente. A noção de grupo e a de estrutura

sócio-cultural será sintetizada na noção de contexto sócio-cultural, que se

refere a uma rede de relações sociais e culturais que servem de moldura para

as amizades individuais de Vinicius.

Quanto à amizade e ao contexto sócio-cultural, duas observações

podem ser feitas com base nos dados investigados. Cada amizade/parceria

investigada reflete o ambiente sócio-cultural em torno de Vinicius. Cada

composição ou atividade compartilhada faz parte de um momento histórico.

Assim, não se pode separar uma amizade do autor como algo isolado de sua

rede social e cultural mais ampla. Por outro lado, cada relacionamento é único,

o que pode ser visto pelo conteúdo das composições que é, em última análise

um produto cultural gerado em uma parceria que também é uma amizade.

Assim, as quatro amizades investigadas refletem o grupo social e cultural do

qual Vinicius participa, mas também são relacionamentos únicos.

As amizades culturais em geral, e as amizades musicais em particular,

não devem ser compreendidas apenas como laços entre duas pessoas que

têm em algum aspecto da cultura, como a música, um importante interesse

compartilhado. Essas amizades estão situadas e se relacionam dialeticamente

com os grupos nos quais se desenvolvem, incluindo os movimentos culturais.

Amizade e movimentos culturais, portanto são fenômenos que se afetam

mutuamente. Relações de amizade estão imbricadas com parcerias culturais

de forma dialética. Amizades estão na base dos movimentos culturais e a

cultura serve de atração para a formação de amizades, gerando uma produção

cultural específica.
110

Há poucas investigações sobre relações de amizade e sua dialética com

movimentos culturais. No caso específico, não se pode separar uma intensa e

complexa rede de amizades e o movimento da Bossa Nova, tendo em Vinicius

e Tom Jobim figuras de destaque não apenas pela produção musical, mas

também como pólos de atração social, integrando redes sociais incluindo

amizades. Faltam estudos da importância das amizades nos movimentos

culturais e a influência destes como objeto em torno dos quais surgem as

amizades.

A dialética entre relacionamento interpessoal e movimento cultural ainda

é pouco investigada. Este seria um ponto relevante para novas formas de

socialização, em que redes sociais poderiam servir de incentivo para o avanço

cultural. No caso investigado, Vinicus e Tom Jobim atraem novos

compositores. A expansão das redes de amizade de artistas é um fenômeno a

ser mais investigado, incluindo as relações entre uma condição de “discipulado”

e de amizade.

Enfim, há uma relação dialética entre amizades e cultura. Amizades

estão na base dos movimentos culturais e a cultura serve de atração para a

formação de amizades. Nas amizades musicais, a música se torna um objeto

central em torno do qual se organizam as atividades da amizade. As amizades

musicais, em seu sentido mais específico, têm como objeto a produção

musical. Assim, quando se pensa em cultura, as amizades não são algo

secundário. Laços de amizades são estratégicos. Amizades não se restringem

a atividades nos momentos de folga, nos fins de semana, mas estão no cerne

de realizações humanas.
111

Os estudos sobre a amizade geralmente privilegiam as amizades no dia-

a-dia, seus processos internos, por vezes influenciados por normas sociais.

Raramente, são considerados relacionamentos que têm um maior impacto

sobre a cultura. Quando isto ocorre, geralmente é feito por biógrafos e

historiadores da literatura ou das artes. Cabe destacar que amizades não são

relacionamentos em que duas pessoas se isolam de seu meio cultural.

Amizades entre artistas, cientistas, intelectuais, políticos, entre formadores de

opinião são fatos históricos que permeiam a evolução de movimentos culturais,

com reflexos na produção cultural.

A amizade está no cerne da história cultural como um fenômeno

interpessoal que se manifesta em um momento histórico e social e que pode

trazer conseqüências marcantes para a história cultural e geral.

11.4 Possíveis contribuições dos estudos de amizades culturais para as

amizades em geral

O primeiro ponto a ser destacado no estudo de amizades culturais é a

possibilidade de se tomar produtos culturais como um elemento suplementar

para compreender as relações de amizade. Tradicionalmente, o que se estuda

nas amizades são processos, como a aproximação, a intimidade, entre outros.

Esta possibilidade permite que se parta de dados históricos, de produtos

culturais como o resultado de interesses compartilhados.


112

Amizades culturais indicam um estilo de amizade. Possivelmente, seja

possível propor diferentes estilos (amizades de bar, de esportes, etc.), o que o

próprio Lorenz já tinha feito em relação ao comportamento animal. Relações

diádicas, com base em dados mais precisos, como os fornecidos pelos

produtos culturais permitem a proposição de perfis de amizade. Assim, no caso

estudado, as quatro amizades pertencem ao mesmo estilo, ou seja, amizades

musicais. Cada uma, contudo, apresenta um perfil diferenciado. Diferentes

estilos de amizade e diferentes perfis podem representar um enriquecimento e

maior detalhamento nos estudos sobre amizade.

11.5 Aplicação – Círculos de Amizades Culturais

Círculos de Amizades Culturais são sugeridos como formas de fomentar

o desenvolvimento cultural de um grupo. Uma das aplicações decorrentes do

presente estudo é considerar-se a possibilidade da formação de círculos de

amizade em torno de temas culturais, seja na literatura, na música, ou no

teatro, entre outros, em que relações de amizade possam se desenvolver tendo

como objeto um aspecto cultural. Isto é mais que a transmissão de

conhecimento ou cultura, muitas vezes de modo fortemente hierárquico, como

geralmente ocorre no sistema educacional. Os círculos de literatura, música e

de outras atividades culturais podem representar um espaço privilegiado para o

desenvolvimento de relações de amizade e da produção cultural.


113

12. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas considerações podem ser apresentadas quanto à contribuição

da presente pesquisa para os estudos sobre amizades de adultos:

1) Além das classificações das amizades por gênero e idade, a utilização do

principal objeto cultural compartilhado oferece novas possibilidades de

investigação do tema;

2) Amizades culturais (entre artistas, cientistas, intelectuais) têm repercussões

históricas que permeiam a evolução de movimentos culturais, com reflexos

na produção cultural. Amizade e cultura incluem não apenas processos

intersubjetivos, mas também produtos culturais;

3) Amizade e música se relacionam de diferentes formas. Amizades musicais

associadas a parcerias musicais são especialmente importantes por sua

relação com a música. Nas amizades musicais, a música se torna o objeto

central em torno do qual se organizam as atividades da amizade. Em

sentido mais específico, tem como objeto a produção musical.

4) Amizades, Movimentos Culturais e Cultura: amizades e movimentos

culturais são fenômenos que se afetam mutuamente. Relações de amizade

estão imbricados com parcerias culturais de forma dialética. Há uma relação

dialética entre amizades e cultura. Amizades estão na base dos

movimentos culturais e a cultura serve de atração para a formação de

amizades, gerando uma produção cultural específica.

5) Círculos de amizades culturais são sugeridos como formas de fomentar o

desenvolvimento cultural de um grupo.


114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Adams, R. G. & Allan, G. (1998). Placing Friendship in Context. Cambridge:

Cambridge University Press.

Adams, R. G. & Blieszner, R. (1994). An integrative conceptual framework for

friendship research. Journal of Social and Personal Relationships, 11 (2),

163-184.

Allan, G. (1993). Social Structure and Relationships. In: Duck, S. (org). Social

Context and Relationships (pp. 1-25). Iowa: University of Iowa Press.

Auhagen, A. E. (1996). Adult friendship. In: A. E. Auhagen & M. von Salisch

(eds). The diversity of Human Relationships (pp. 229-247). Cambridge:

Cambridge University Press.

Bailey, B. A., Davidson, J. W. (2005). Effects of group singing and performance

for marginalized and middle-class singers. Psychology of Music, vol. 33

(7), 269 - 303.

Barret, M. S. (2006). Creative collaboration: an 'eminence' study of teaching

and learning in music composition. Psychology of Music, 34 (2), 195-218.

Bell, S. & Coleman, S. (Eds) (1999). The anthropology of friendship. New York:

Berg.

Blank, M., Davidson, J. (2007) An exploration of the effects of musical and

social factors in piano duo collaborations. Psychology of Music, 35 (2),

231-248.

Blieszner, R. & Adams, R.G. (1992). Adult friendship. Thousand Oaks: Sage.
115

Boerner, S., Von Streit, C. F. (2007) Promoting orchestral performance: the

interplay between musicians' mood and a conductor's leadership style.

Psychology of Music, 35(1), 132-143.

Buunk, B.P. & Prins, K.S. (1998). Loneliness, exchange orientation, and

reciprocity in friendships. Personal Relationships, 5 (1), 1-14.

Carley, K.M. & Krackhardt, D. (1996). Cognitive inconsistencies and non-

symmetric friendship. Social Networks, 18 (1), 1-27.

Caroline, H.A. (1993). Explorations of close friendship: A concept analysis.

Archives of Psychiatric Nursing, 7 (4), 236-243.

Carvallo, M. & Pelham, B.W. (2006). When fiends become friends: The need to

belong and perceptions of personal and group discrimination. Journal of

Personality and Social Psychology, 90 (1), 94-108.

Castello, J. (1994). Vinicius de Moraes, o poeta da paixão – Uma biografia. 2ª

edição. São Paulo: Companhia das Letras.

Castello, J. (2005a). Livro de Letras – Vinicius de Moraes. 2ª edição. São

Paulo: Companhia das Letras.

Castello, J. (2005b). Vinicius de Moraes: Uma geografia poética. Rio de

Janeiro: Relume Dumará.

Castro, R. (2002). Chega de Saudade: A história e as histórias da Bossa Nova.

3ª edição. São Paulo: Companhia das Letras.

Castro, R. (2003). Querido Poeta – Correspondência de Vinicius de Moraes.

São Paulo: Companhia das Letras.


116

Cohn, S. & Campos, S. (2007). Vinicius de Moraes – Encontros. Rio de Janeiro:

Beco do Azougue.

Cole, T. & Bradac, J.J. (1996). A lay theory of relational satisfaction with best

friends. Journal of Social and Personal Relationships, 13 (1), 57-83.

Contarello, A. & Volpato, C. (1991). Images of friendship: Literary depictions

through the ages. Journal of Social and Personal Relationships, 8 (1),

49-75.

Davidson, J. W., Good, J. M. M. (2002) Social and Musical Co-Ordination

between Members of a String Quartet: An Exploratory Study. Psychology

of Music, 30, 186-201.

Dugan, E. & Kivett, V.R. (1998). Implementing the Adams and Blieszner

conceptual model: Predicting interactive friendship processes of older

adults. Journal of Social and Personal Relationships, 15 (5), 607-622.

Faulkner, R., Davidson, J. W. (2006) Men in chorus: collaboration and

competition in homo-social vocal behaviour. Psychology of Music, 34 (2),

219-237.

Fehr, B. (1996). Friendship processes. Thousand Oaks: Sage.

Fehr, B. (1999). Stability and commitment in friendships. In: Jeffrey M. Adams &

Warren H. Jones (Eds). Handbook of interpersonal commitment and

relationship stability (pp. 259-280). Dordrecht: Kluwer Academic.

Feld, S, & Carter, W.C. (1998). Foci of activity as changing contexts for

friendship. In: Rebecca G. Adams & Graham Allan (Eds). Placing


117

friendship in context (pp. 136-152). New York: Cambridge University

Press.

Flora, J. & Segrin, C. (1998). Joint leisure time in friend and romantic

relationships: The role of activity type, social skills and positivity. Journal

of Social and Personal Relationships, 15 (5), 711-718.

Foster, G. (2005). Making friends: A nonexperimental analysis of social pair

formation. Human Relations, 58 (11), 1443-1465.

Fundação Casa de Rui Barbosa. (1999) Inventário do Arquivo – Vinicius de

Moraes. Rio de Janeiro: Setor de Editoração.

Furman, W. (2001). Working models of friendships. Journal of Social and

Personal Relationships, 18 (5), 583-602.

Garcia, A. (2007). In VI Congresso Brasileiro de Psicologia do

Desenvolvimento, 2007, Vitória – ES. Amizades Culturais.

Garcia, A. (2006). Personal relationships Research in South America – An

Overview. In A. Garcia (ed) Personal Relationships – International

Studies. Vitória: Ufes, 78-97.

Garcia, A. (2005). Biological Bases of Personal Relationships: The Contribution

of Classical Ethology. Revista de Etologia, 7 (1), 25-38.

Ginsborg, J., Chaffin, R., Nicholson, G. (2006) Shared performance cues in

singing and conducting: a content analysis of talk during practice.

Psychology of Music, 34 (4), 167 - 194.


118

Gore, J.S.; Cross, S.E. & Morris, M.L. (2006). Let's be friends: Relational self-

construal and the development of intimacy. Personal Relationships, 13

(1), 83-102.

Hargreaves, D. J., North, A. C. (1999) The Functions of Music in Everyday Life:

Redefining the Social in Music Psychology. Psychology of Music, 27 (4),

71 - 83.

Harrison, K. (1998). Rich friendships, affluent friends: Middle-class practices of

friendship. In: Rebecca G. Adams & Graham Allan (Eds). Placing

friendship in context (pp. 92-116). New York: Cambridge University

Press.

Hays, T., Minichiello, V. (2005) The meaning of music in the lives of older

people: a qualitative study. Psychology of Music, vol. 33 (10), 437 - 451.

Heiman, T. (2000). Quality and quantity of friendship: Students' and teachers'

perceptions. School Psychology International, 21 (3), 265-280.

Hinde, R. A. (1979). Towards understanding relationships. London: Academic

Press.

Hinde, R. A. (1987). Individuals, relationships and culture: Links between

ethology and the social sciences. Cambridge: Cambridge University

Press.

Hinde, R. A. (1995). A suggested structure for a science of relationships.

Personal Relationships, 2, 1-15.

Hinde, R. A. (1997). Relationships: a dialectical perspective. Hove: Psychology

Press.
119

http://www.blogtribuna.com.br/Literatura/Postagem/Bandeira,-Vinicius-e-a-

intertextualidade,51 consultado em 01/05/2009

Ilari, B. (2006). Música, comportamento social e relações interpessoais.

Psicologia em Estudo, 11(1), 191-198.

Jost, M.; Cohn, S. & Campos, S. (2008) Samba falado (crônicas musicais):

Vinicius de Moraes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue.

John, P. A. (2006) Finding and making meaning: young children as musical

collaborators. Psychology of Music, 34 (2), 238-261.

Kenny, D.A. & Kashy, D.A. (1994). Enhanced co-orientation in the perception of

friends: A social relations analysis. Journal of Personality and Social

Psychology, 67 (6), 1024-1033.

Kilduff, M. (1992). The friendship network as a decision-making resource:

Dispositional moderators of social influences on organizational choice.

Journal of Personality and Social Psychology, 62 (1), 168-180.

Knobloch, S.; Vorderer, P. & Zillmann, D. (2000). The impact of music

preferences on the perception of potential friends in adolescence.

Zeitschrift fur Sozialpsychologie, 31 (1), 18-30.

Legge, N.J. & Rawlins, W.K. (1992). Managing disputes in young adult

friendships: Modes of convenience, cooperation, and commitment.

Western Journal of Communication, 56 (3), 226-247.

MacDonald, R. A.; Miell, D. & Mitchell, L. (2002). An investigation of children´s

music collaborations: the effect of friendship and age. Psychology of

Music, 30 (2), 148-163.


120

Miell, D., MacDonald, R. A. (2000). Children´s creative collaborations: the

importance of friendship when working together on a music composition.

Social Development, 9 (3), 348-369.

Mieny, C. J. (2000). Theodor Billroth and Johannes Brahms - a musical

friendship. Adler Music Bulletin, 26 (1), 4-6.

Mitchell, W.R. (1991). Mr. Elgar and Dr.Buck: A Musical Friendship. Castleberg.

Moraes, V. de (2003). Nova antologia poética. Org. Antonio Cicero e Eucanaã

Ferraz. São Paulo: Companhia das Letras.

Morry, M.M. (2005). Allocentrism and Friendship Satisfaction: The Mediating

Roles of Disclosure and Closeness. Canadian Journal of Behavioural

Science, 37 (3), 211-222.

North, A. C., & Hargreaves, D. J. (1999). Music and Adolescent Identity. Music

Education Research, 1 (1), 75-92.

North, A. C., Hargreaves, D. J. (2007a) Lifestyle correlates of musical

preference: 1. Relationships, living arrangements, beliefs, and crime.

Psychology of Music, 35 (1), 58-87.

North, A. C., Hargreaves, D. J. (2007b) Lifestyle correlates of musical

preference: 2. Media, leisure time and music. Psychology of Music, 35

(2), 179-200.

North, A. C., Hargreaves, D. J. (2007c) Lifestyle correlates of musical

preference: 3. Travel, money, education, employment and health.

Psychology of Music, vol. 35 (3), 473 - 497.


121

Oliker, S.J. (1998). The modernisation of friendship: Individualism, intimacy, and

gender in the nineteenth century. In: Rebecca G. Adams & Graham Allan

(Eds). Placing friendship in context (pp. 18-42). New York: Cambridge

University Press.

Pahl, R. & Pevalin, D.J. (2005). Between family and friends: A longitudinal study

of friendship choice. British Journal of Sociology, 56 (3), 433-450.

Rentfrow, P. J., Gosling, S. D. (2006) Message in a Ballad: The Role of Music

Preferences in Interpersonal Perception. Psychological Science, 17: 236-

42.

Rezende, C.B. (1999). Building affinity through friendship. In: Sandra Bell &

Simon Coleman (Eds). The anthropology of friendship (pp. 79-97). New

York: Berg.

Rezende, C.B. (2001). Entre Mundos: Sobre Amizade, Igualdade e Diferença.

In: G. Velho & K.Kuschnir (orgs.). Mediação, Cultura e Política (pp. 237-

264). Rio de Janeiro: Aeroplano.

Rezende, C.B. (2002a). Mágoas de amizade: um ensaio em antropologia das

emoções. Mana, 8 (2), 69-89.

Rezende, C.B. (2002b). Os Significados da Amizade: Duas Visões de Pessoa e

Sociedade. Rio de Janeiro: FGV.

Rossler, P. (2004) Opinion leaders and communication networks of

adolescents. Communicating about contemporary music: a pilot study.

Kolner Zeitschrift fur Soziologie und Sozialpsychologie, 56 (3), 490-519.


122

Santos, M.A. & Lopes, J.A.L. (2003). Popularidade, amizade e auto-conceito.

Psicologia: Teoria, Investigação e Prática, 8 (2), 233-252.

Schwab, S.H.; Scalise, J.J.; Ginter, E.J. & Whipple, G. (1998). Self-disclosure,

loneliness and four interpersonal targets: Friend, group of friends,

stranger, and group of strangers. Psychological Reports, 82 (3, Pt 2),

1264-1266.

Swanwick, K. & Tillman, J. (1986). The sequence of musical development: a

study of children´s composition development. British Journal of Music

Education, 3, 305-339.

Tani, F. & Maggino, F. (2003). Le dimensioni dell'amicizia intima: Uno

strumento di analisi per l'arco di vita. Eta Evolutiva, 75 (1), 104-114.

Tarrant, M., Hargreaves, D. J., North, A. C. (2001). Social Categorization, Self-

esteem, and the Estimated Musical Preferences of Male Adolescents,

The Journal of Social Psychology, 141 (5), 565-81.

Tarrant, M., North, A. C., Hargreaves, D. J. (2000) English and American

Adolescents' Reasons for Listening to Music. Psychology of Music, 28:

166-73.

Trezise, S. (2007). Debussy's Letters to Inghelbrecht: The Story of a Musical

Friendship (review). Notes, 63 (4), 850-852.

Ueno, K. & Adams, R.G. (2006). Adult Friendship: A Decade Review. In:

Patricia Noller & Judith A. Feeney (Eds). Close relationships: Functions,

forms and processes (pp. 151-169). Hove, England: Psychology

Press/Taylor & Francis.


123

Vallacher, R.R.; Wegner, D.M.; McMahan, S.C.; Cotter, J. et al (1992). On

winning friends and influencing people: Action identification and self-

presentation success. Social Cognition, 10 (3), 335-355.

Vinícius de Moraes. Produção de Miguel Farias Junior & Susana Moraes. 2005.

1 DVD (124 min.), son., color., legendado, português.

Weisz, C. & Wood, L.F. (2005). Social identity support and friendship outcomes:

A longitudinal study predicting who will be friends and best friends 4

years later. Journal of Social and Personal Relationships, 22 (3), 416-

432.

Wild, K.P. & Fink, B. (1993). Die Ahnlichkeit von Freizeitinteressen als Faktor

der Freundschaftsbildung und Freundschaftsintensitat. Zeitschrift für

Sozialpsychologie, 24 (4), 280-288.

Xing-Hua, F. & Xiao-Yi, F. (2004). Reliability and Validity of the Chinese Version

of Friendship Quality Inventory. Chinese Journal of Clinical Psychology,

12 (2), 133-134.

Zeggelink, E. (1995). Evolving friendship networks: An individual-oriented

approach implementing similarity. Social Networks, 17 (2), 83-110.


124

ANEXO A
O CONTEÚDO DAS COMPOSIÇÕES DE VINICIUS DE MORAES
E TOM JOBIM

1) Água de beber – o narrador fala consigo mesmo ou com o ouvinte sobre o medo de
amar, pois o amor é um sentimento que traz desilusão. Ao mesmo tempo, sabe que
viver sem ele não é viver. Relaciona amor ao perdão. O tema é o amor romântico, sem
a indicação de um objeto específico. O subtema é o medo de amar, sentimento
abordado como desilusão.

“Eu quis amar mas tive medo / E quis salvar meu coração / Mas o amor sabe um
segredo / O medo pode matar o seu coração”

2) Amor em paz – narra uma conversa com a pessoa amada. O narrador diz que esse
amor apareceu quando tudo já parecida perdido, tudo era tristeza e não havia mais
esperanças. A pessoa amada trouxe paz e razão de viver. O tema é o amor romântico
e não há indicação explícita ao objeto. O subtema é o novo amor, trazendo paz,
alegria e razão para a vida.
“Foi então / Que da minha infinita tristeza / Aconteceu você / Encontrei em você a
razão de viver / E de amar em paz / E não sofrer mais / Nunca mais / Porque o amor é
a coisa mais triste / Quando se desfaz”

3) Andam dizendo – conta a história de um homem que sai na noite, sofrendo pela
constatação do fim do sentimento pela mulher amada. Mas aos olhos das demais
pessoas ele está em busca de um novo amor. O narrador tenta explicar à mulher
amada os motivos que o levam a sair na noite. É possivel afirmar que essa canção
tem como tema principal o amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O
subtema é o término do amor, abordado pela via do sofrimento e da constatação do
fim necessário e esperado do amor. Essa percepção sinaliza para a necessidade da
renovação constante desse sentimento.
“Mas ninguém sabe, querida / O que é ter carinho / Que eu saio na noite / Mas fico
sozinho / Mais perto da lua / Mais perto da dor / Perto da dor de saber / Que o meu
céu não existe / Que tudo que nasce / Tem sempre um triste fim / Até meu carinho, até
nosso amor”

4) Brasília, Sinfonia da Alvorada – canção solicitada em 1960 pelo então presidente da


república Juscelino Kubitschek para ser apresentada na praça dos Três Poderes, em
Brasília. Fala sobre o nascimento da cidade. O tema é a cidade de Brasília e o
subtema é sua criação, abordada com exaltação e esperança.
“No princípio era o ermo / Antigas solidões sem mágoa / (...) Terra de sol / Terra de luz
/ Terra que guarda no céu / A brilhar o sinal de uma cruz / Terra de luz / Terra-
esperança, promessa / De um mundo de paz e amor”

5) Brigas, nunca mais – é uma conversa direcionada ao ouvinte e não ao objeto do amor
cantado. Relata o início de um novo relacionamento amoroso. Aquele que canta esse
amor afirma que o sentimento lhe traz paz, consolo e ajuda. O tema dessa canção é o
amor romântico e o objeto do amor é a mulher. O subtema é o novo amor, abordado
através de sentimentos de paz, enamoramento, alegria.
“Chegou, sorriu, venceu, depois chorou / Então fui eu quem consolou sua tristeza / Na
certeza de que o amor tem dessas fases más / E é bom para fazer as pazes, mas /
Depois fui eu quem dela precisou / E ela então me socorreu / E o nosso amor mostrou
que veio pra ficar”
125

6) A cachorrinha – a música narra a conversa de uma pessoa com uma cachorrinha,


provavelmente seu animal de estimação. Exalta suas características positivas: ela é
travessa, faz festa e se remexe alegrando o dono. O tema da canção mais uma vez é
o amor, porém o objeto desse amor é o animal e o subtema é a admiração por esse
animal. Esse amor indica carinho e amizade.
“Pode haver coisa no mundo / Mais travessa, mais tontinha / Que esse amor de
cachorrinha / Quando vem fazer festinha”

7) Cala, meu amor – é uma conversa com o próprio sentimento do amor. Percebe-se que
o amor andou sumido e agora volta cansado, com o olhar triste. Pergunta a ele o que
houve, mas desiste de saber e prefere que o amor se cale e somente receba seu
abraço. O tema dessa canção é o amor romântico. O subtema é o retorno do amor ou
da pessoa amada, indicando preocupação daquele que ama com o objeto amado, ao
mesmo tempo carinho e demonstração de acolhimento por aquele que ficou.
“Entra, meu amor / Que bom você voltar / De onde você vem / Cansado assim? / Vejo
tanta dor / No teu triste olhar / Este olhar que, outrora / Se acendia só pra mim”

8) Caminho de pedra – conta a história de uma pessoa que, por causa da solidão, sente
que há um “caminho de pedra” no peito, ou seja, sente que não consegue mais amar.
Não fica claro com quem o narrador está falando, provavelmente é uma conversa
consigo mesmo, apenas fazendo constatações. O tema é a solidão e o subtema é o
caminho que ficou pra trás e que hoje se transformou em solidão. O sentimento é de
nostalgia.
“Velho caminho por onde passou / O meu carinho chamando por mim ô ô / Caminho
de pedra perdido na serra / Caminho de pedra onde não vai ninguém / Só sei que hoje
tenho em mim / Um caminho de pedra no peito também”

9) Canção do amor demais – é uma conversa com a pessoa amada, como se fosse um
lamento. A canção conta a história de uma pessoa extremamente envolvida com o
sentimento do amor. Acredita que esse sentimento será seu fim porque é sentido de
forma muito intensa. O tema é o amor romântico. O subtema é a dor causada pelo
amor e pela saudade da pessoa amada. O amor é tratado pela via do sofrimento e da
dor, emoções próprias dele. Por outro lado é ele também que traz vida.
“Quero chorar porque te amei demais / Quero morrer porque me deste a vida/ Oh, meu
amor, será que nunca hei de ter paz? / (...) E já nem sei o que vai ser de mim / Tudo
me diz que amar será meu fim”

10) Canção em modo menor – é uma canção de lamento, na qual o narrador fala com a
pessoa amada da sua tristeza pelo fim do amor. Tudo ficou sem graça depois dessa
perda. O tema da canção é o amor romântico. O subtema é a perda do amor, sentido
com tristeza e desolação.
“Porque cada manhã me traz / O mesmo sol sem resplender / E o dia é só um dia a
mais / E a noite é sempre a mesma dor”

11) Canta, canta mais – a letra indica que música faz esquecer tristeza. Cantando é
possivel sentir beleza e seguir em paz. O tema é música e o subtema é o efeito
positivo da música na vida de quem canta.
“Canta, canta / Sente a beleza / Canta, canta / Esquece a tristeza”

12) Chega de saudade – conta a história de um homem que está com saudade da sua
amada e quer tê-la por perto. Sem a mulher amada sente tristeza e melancolia.
Quando ela volta, porém, tudo se transforma em alegria, beijos e abraços. O tema é o
amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O subtema é a saudade devido a
ausência da pessoa amada e a alegria por seu retorno.
126

“Chega de saudade / A realidade é que sem ela / Não há paz, não há beleza / É só
tristeza e a melancolia / Que não sai de mim / Não sai de mim / Não sai / Mas se ela
voltar / Se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca”

13) Chora coração – essa canção narra a tristeza daquele que está longe da pessoa
amada. Há tristeza e vazio. Até o dia parece mais triste. A canção trata do amor
romântico, abordando a ausência da pessoa e o sentimento de tristeza que essa
ausência causa.
“Aqui dentro está tão frio / E lá fora está também / Não há tempo mais vazio / Do que
longe do meu bem”

14) Derradeira primavera – o narrador conversa com a pessoa amada. Fala de um tempo
que está se acabando, como se tivessem pouco tempo ainda juntos. Constata que
tiveram pouco tempo juntos até então, mas pede que ela não se entristeça por isso e
que permaneçam juntos no tempo que ainda resta. A canção fala do fim do amor
romântico. Na letra, percebe-se um sentimento de tristeza pelo tempo não vivido junto
da pessoa amada, misturada a um sentimento de fatalidade e concordância com o fim
da relação.
“Fecha os olhos devagar / Vem e chora comigo / O tempo que o amor não nos deu /
Toda a infinita espera / O que não foi só teu e meu / Nessa derradeira primavera”

15) Ela é carioca – a canção descreve a beleza e o jeito da mulher carioca, enaltecendo-
a. Declara amor à mulher carioca, que reflete a beleza da cidade. O tema dessa
canção é a mulher e o subtema é a mulher carioca, abordada por suas características
positivas.
“Ela é carioca, ela é carioca / Basta o jeitinho dela andar / Nem ninguém tem carinho
assim para dar / Eu vejo na cor dos seus olhos / As noites do Rio ao luar”

16) É preciso dizer adeus – narra a constatação do fim de um amor que foi belo, falando
diretamente com a mulher amada. O tema abordado é o amor romântico e o objeto
desse amor é a mulher. O subtema é o fim do amor, abordado como dor e beleza ao
mesmo tempo. O amor cantado nessa canção é um sentimento otimista, positivo, pela
vivência do amor, mesmo se tratando do fim do amor e da tristeza que isso traz.
“É inútil fingir / Não te quero enganar / É preciso dizer adeus / É melhor esquecer / Sei
que devo partir / Só me resta dizer adeus / Ah, eu te peço perdão / Mas te quero
lembrar / Como foi lindo / O que morreu”

17) Estrada branca – é uma canção de saudade cantada por alguém que sente muita falta
da pessoa amada. Diz que caminha sozinho, mas sente a presença do seu amor,
como se a pessoa amada estivesse caminhando ao lado. O tema é o amor romântico,
mas não especifica o objeto desse amor. O subtema é a saudade e a separação
daquele que se ama. Há um tom triste na letra.
“Estrada branca / Lua branca / Noite alta / Tua falta caminhando / Caminhando /
Caminhando / Ao lado meu / Uma saudade / Uma vontade tão doída / De uma vida /
Vida que morreu”

18) Eu e o meu amor – conta a história de um homem que fala consigo mesmo ou com o
ouvinte sobre o fim do seu amor. Narra que a pessoa amada foi embora, mesmo tendo
jurado que não faria isso, e deixou muita tristeza e mágoa em seu coração. O tema é o
amor romântico e o subtema é o fim do amor, abordado pela via do abandono. A letra
traz um sentimento de tristeza.
“Eu e o meu amor / E o meu amor... / Que foi-se embora / Me deixando tanta dor /
Tanta tristeza / No meu pobre coração / Que até jurou / Não me deixar / E foi-se
embora / Para nunca mais voltar”
127

19) Eu não existo sem você – a canção narra uma conversa com a pessoa amada,
constatando a necessidade de um pelo outro para viver. É uma constatação da dor
que o amor necessariamente traz e, ao mesmo tempo, da necessidade de amar e ser
amado pelo objeto do seu amor. Há uma comparação do amor com outros fatos que
indicam necessidade de realização. O tema da letra é o amor romântico, mas o objeto
não é especificado. O subtema é a necessidade da pessoa amada para poder viver. O
sentimento que se percebe na letra é um misto de alegria, prazer e sofrimento pela
dependência do amor.
“Eu sei e você sabe que a distância não existe / Que todo grande amor / Só é bem
grande se for triste / Por isso, meu amor / Não tenha medo de sofrer / Que todos os
caminhos me encaminham pra você / Assim como o oceano / Só é belo com luar / (...)
Assim como viver / Sem ter amor não é viver / Não há você sem mim / E eu não existo
sem você”.

20) Eu sei que vou te amar – é uma declaração para a pessoa amada, onde constata o
amor que sente e afirma que esse amor será sentido em todos os momentos da sua
vida, trazendo dor na sua ausência e alegria quando estiverem juntos. O tema da
canção é o amor romântico. O subtema é a necessidade da pessoa amada. A letra e a
melodia trazem a sensação de exaltação e angústia, tristeza e alegria ao mesmo
tempo.
“Eu sei que vou te amar / Por toda a minha vida, eu vou te amar / Em cada despedida,
eu vou te amar / Desesperadamente / Eu sei que vou te amar”

21) A felicidade – narra a reflexão sobre felicidade e tristeza. O narrador fala com o
ouvinte quão efêmera é a felicidade, pois por qualquer motivo se desfaz. Diferente é a
tristeza, sentimento muito mais duradouro e presente. O tema é a felicidade e o
subtema é a espera por ela.
“A felicidade é como a pluma / Que o vento vai levando pelo ar / Voa tão leve / Mas
tem a vida breve / Precisa que haja vento sem parar”

22) Frevo de Orfeu – o narrador convida para a música e a dança, para acompanhar a
banda que passa anunciando o carnaval. O tema é a música e o subtema é o
carnaval, abordado como alegria e beleza.
“Vem, vamos dançar ao sol / Vem, que a banda vai passar / Vem, ouvir o toque dos
clarins / Anunciando o carnaval / E vão brilhando os seus metais / Por entre cores mil /
Verde céu, céu de anil”

23) Garota de Ipanema – conta a experiência de um homem que fica encantado por uma
mulher que vê passando numa rua de Ipanema, no Rio de Janeiro. Enaltece sua
beleza física e seu charme, destacando que tudo ao redor fica mais bonito por sua
causa. O tema dessa canção é a mulher, em especial a mulher carioca, caracterizada
pelos atributos físicos e pelo modo atraente de se comportar.
“Olha que coisa mais linda / Mais cheia de graça / É ela menina / Que vem e que
passa / Num doce balanço, / A caminho do mar / Moça do corpo dourado / Do sol de
Ipanema / O seu balançado é mais que um poema / É a coisa mais linda que eu ja vi
passar”

24) O grande amor – a letra fala que há sempre um homem para uma mulher. Há sempre
um novo amor para suprir aquele que se foi. O tema é o amor romântico, sem objeto
especificado. O subtema é a necessidade do amor, que sempre está presente. Os
sentimentos são de esperança e alegria.
“Haja o que houver / Há sempre um homem para uma mulher / (...) / Seja como for /
Há de vencer o grande amor / Que há de ser no coração / Como um perdão pra quem
chorou”
128

25) Insensatez – conta a conversa de uma pessoa com seu coração. Pergunta a ele por
que feriu o seu amor e o fez chorar de dor. A letra sugere uma traição. Pede que o
coração use sinceridade e peça perdão. O tema da canção é o amor romântico e o
subtema é a traição, o amor ferido e magoado. Há tristeza e lamento.
“Ah, insensatez que você fez / Coração mais sem cuidado / Fez chorar de dor o seu
amor / Um amor tão delicado / (...) Ah, por que você foi fraco assim / Assim tão
desalmado / (...) Vai, meu coração, pede perdão / Perdão apaixonado”

26) Janelas abertas – narra a conversa com a pessoa amada. Começa afirmando que
poderia se esconder e viver sereno como uma casa vazia, sem luz e sem calor. Mas
quer que o amor dos dois seja iluminado, por isso deixará as janelas abertas,
indicando que se abre aos riscos desse amor. Sugere que viver sereno é viver sem
riscos, num estado de equilíbrio que pode acabar matando o amor, por isso a
necessidade de abrir as janelas. O tema é o amor romântico e o subtema é a
necessidade do amor. O amor é abordado como um sentimento que precisa de
liberdade, luz, precisa de renovação.
“Sim / Eu poderia fugir, meu amor / Eu poderia partir / Sem dizer pra onde vou / Nem
se devo voltar / Sim / Eu poderia morrer de dor / Eu poderia morrer / E me serenizar /
(...) Mas / Quero as janelas abrir / Para que o sol possa vir iluminar nosso amor”

27) Lamento no morro – é uma canção de lamento na qual o homem fala para a mulher
amada que ela é seu destino. Na sua ausência, não há como esquecê-la. A música
fala do amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O subtema é a saudade,
abordada como dor, boas lembranças, alegria e sofrimento, ao mesmo tempo.
“Não posso esquecer / O teu olhar / Longe dos olhos meus / Ai, o meu viver / É te
esperar / Pra te dizer adeus / Mulher amada / Destino meu / É madrugada / Sereno
dos meus olhos ja correu”

28) Luciana – narra os conselhos de uma pessoa a uma mulher chamada Luciana. São
conselhos e explicações sobre o amor. O tema da canção é amor romântico e o
subtema é a explicação desse sentimento, abordado como contradição: traz riso e paz
e, ao mesmo tempo, dor e sofrimento.
“Olha que o amor, Luciana / É como a flor, Luciana / Olhos que vivem sorrindo / Riso
tão lindo / Canção de paz / Olha que o amor, Luciana / É como a flor que não dura
demais / Embriagador / Mas também traz muita dor, Luciana”

29) Maria da Graça – a canção conta a história de uma mulher, chamada Maria da Graça.
O narrador fala com ela sobre suas características positivas. Afirma que tem muita
graça e alegria e que chama atenção onde passa. Não fica claro se a mulher cantada
nessa canção pode ser vista como possível objeto de um amor romântico. O tema é a
mulher. Como subtema tem-se as características positivas de uma mulher específica,
Maria da Graça, vista como charmosa e graciosa.
“Não é inultimente / Que existe tanta gente / Que é louca por você, Maria / Você tem
tanta graça / Que depois que você passa / O povo diz assim: Maria!”

30) Modinha – narra o lamento de uma pessoa que sofre por amor, que sente o coração
dilacerado e se percebe em meio à desilusão e melancolia. Pede à uma “triste canção”
que saia do seu peito e leve a emoção que carrega dentro de si. O tema é o amor
romântico. O subtema é a ilusão que esse sentimento traz. O amor é abordado como
sofrimento, melancolia.
“Não! / Não pode mais meu coração / Viver assim dilacerado / Escravizado a uma
ilusão / Que é só desilusão / (...) Vai, triste canção, sai do meu peito / E semeia a
emoção / Que chora dentro do meu coração”

31) O morro não tem vez – o narrador chama a atenção para a importância do morro e a
vontade dos seus moradores de se expressar. Provavelmente está falando da favela
129

carioca. Alerta que o morro quer cantar e que se isso acontecer toda a cidade cantará
junto, porém não é dada nem vez nem voz ao morro, que é cantado como local de
expressão de arte e música. O tema da letra é o morro da favela e o subtema é sua
expressão musical, tendo como característica o samba, a beleza e a alegria.
“O morro não tem vez / E o que ele fez já foi demais / Mas olhem bem vocês / Quando
derem vez ao morro / Toda a cidade vai cantar / Morro pede passagem / Morro quer se
mostrar”

32) Mulher, sempre mulher – num tom cômico, conta a história de um casal cujo amor
está acabando, mas a mulher insiste na relação e “coloca banca”. A história é contada
pelo homem, que chama sua companheira de “martírio meu”. O tema da canção é o
amor romântico, cujo objeto é a mulher. O subtema é o fim do amor, que traz
incômodo ao homem pela insistência da mulher. Traz uma abordagem cômica do
tema.
“Mulher, ai, ai, mulher / Sempre mulher / (...) Você bota muita banca / Infelizmente eu
não sou jornal / Mulher, martírio meu / O nosso amor / Deu no que deu / E sendo
assim, não insista / Desista, vá fazendo a pista / Chore um bocadinho / E se esqueça
de mim”

33) Na hora do adeus – a letra fala do amor de forma conflituosa: “O amor só traz tristeza
/ Saudade, desilusão / Porém maior beleza / Nunca existiu pra iluminar / Meu pobre
coração”. No fim, pede perdão e deseja que o amor volte, mesmo sabendo que amor
traz dor e sofrimento. O tema é o amor romântico e o subtema é o retorno da pessoa
amada, que acontece por meio do perdão.
“Ha quem diga que o amor que se tem / É uma graca de Deus / Outros dizem que a
graça se acaba / Na hora do adeus / Mas, seja como for / Perdoa, amor / E volta aos
braços meus”

34) Um nome de mulher – narra a declaração de um homem pela mulher amada. Conta
que a mulher leva amor ao homem e, por causa desse amor, ele faz o que não quer.
Percebe-se um sentimento de impôtencia diante da mulher, que mantém o controle da
situação depois que um homem se apaixona por ela. Mas depois que o homem
conhece uma mulher e sente esse amor quer ainda mais, mesmo sabendo que
perderá a paz. O tema da canção é a mulher e o subtema é o amor romântico por
essa mulher, visto como prazer e dependência.
“Um nome de mulher / Um nome só e nada mais / E um homem que se preza / Em
prantos se desfaz / E faz o que não quer / E perde a paz”

35) O nosso amor – o narrador conversa com a pessoa amada sobre o amor que sente.
Comenta que não quer mais sofrer e o amor que sentem possibilitará isso: um vivendo
para o outro e fazendo o outro feliz. Essa é a característica do amor dos dois. O tema
dessa canção é o amor romântico e o subtema é a vida a dois, abordada como
felicidade, paz e entrega.
“O nosso amor / Vai ser assim / Eu pra você / Você pra mim / Tristeza / Eu não quero
nunca mais / Vou fazer você feliz / Vou querer viver em paz”

36) O que tinha de ser – é uma declaração da mulher para o homem que ama. É a única
canção da parceria cuja letra é escrita a partir do ponto de vista da mulher. Conta que
ele que é exatamente o que deve ser para ela. Ele lhe desperta o sentimento de
esperança. Chegou em sua vida de surpresa e a tornou melhor. O tema da cancão é o
amor romântico e o objeto é o homem. Como subtema a letra traz a exaltação das
qualidades do parceiro, que lhe proporciona esperança e alegria.
“Porque foste na vida / A última esperança / Encontrar-te me fez criança / Porque já
eras meu / Sem eu saber sequer / Porque és o meu homem / E eu tua mulher”
130

37) Pelos caminhos da vida – narra uma conversa com a pessoa amada, num tom de
despedida ou separação. Comenta que em todos os caminhos que a pessoa amada
seguir, sempre encontrará seu rosto triste, seu constante adeus. O tema da canção é
o amor romântico e o subtema é o término da relação, abordada com serenidade,
apesar do tom triste e de despedida.
“Vai, segue o caminho / Encontrarás meu rosto triste / Em todas as estradas / Os
velhos caminhos / Desertos e sem fim / Que seguem sozinhos / Sem vida e sem amor
/ E que te querem levar / De mim / (...) Ouvirás na voz do vento / Meu constante adeus
/ E meu coração batendo / No mesmo passo dos teus”

38) Por toda a minha vida (Exaltação ao amor) – narra o juramento que um homem faz à
sua amada. Ele promete ser somente dela por toda a vida e amá-la com o maior amor
que existir. A mulher é proclamada como seu amor. O tema da canção é o amor
romântico e o objeto é a mulher. O subtema é juramento de fidelidade, a partir de um
sentimento sublime, de exaltação.
“Eu prometo, por toda a minha vida / Ser somente teu e amar-te como nunca /
Ninguém jamais amou, ninguém... / Minha bem-amada / Estrela pura, aparecida / Eu
te amo e te proclamo / O meu amor, o meu amor”

39) Se todos iguais a você – o narrador canta para a pessoa amada, imaginando como
tudo seria mais belo se todos fossem iguais à ela. O tema da canção é o amor
romântico. A letra trata do amor através da exaltação das qualidades do parceiro, que
proporciona encantamento e admiração.
“Se todos fossem iguais a você / Que maravilha viver / Uma canção pelo ar / Uma
mulher a cantar / Uma cidade a cantar / A sorrir, a cantar, a pedir / A beleza de amar /
(...) Amar sem mentir, nem sofrer / Existiria a verdade / Verdade que ninguém vê / Se
todos fossem no mundo iguais a você”

40) Sem você – narra a conversa com a pessoa amada. O narrador a compara ao próprio
amor. Diz a ela que sem ela só há sofrimento, tristeza e solidão. Apenas a presença
da pessoa amada poderá fazê-lo viver em paz e sem sofrimento. A letra fala da vida
triste sem a pessoa que se ama. O tema da letra é o amor romântico. O subtema é a
necessidade do amor e do objeto desse amor.
“Sem você / Sem amor / É tudo sofrimento / Pois você / É o amor / Que eu sempre
procurei em vão / (...) Nunca te ausentes de mim / Para que eu viva em paz / Para que
eu não sofra mais”.

41) Só danço samba – a letra é uma repetição do nome da música, em ritmo de samba.
Fala também de dança. O tema da letra é a música e o subtema é o samba, abordado
como ritmo preferido para a dança.
“Só danço samba / Só danço samba / Vai, vai, vai, vai, vai / Só danço samba / Só
danço samba / Vai / Já dancei twist até demais / Mas não sei / Me cansei”

42) Soneto de separação – é um soneto de Vinicius musicado por Tom Jobim. Segundo
Castello (2005), Vinicius se incomodava com a musicalização de poemas e se
preocupava com a possível distorção da poesia. Em relação a esse soneto, o próprio
Vinicius pede que Tom Jobim faça a música para ele, antes que algum “aventureiro”
se adiante e tente musicá-lo. Vinicius se encanta com o resultado, pois, segundo ele,
“é uma música que não atrapalha o soneto. Que o deixa quieto” (Castello, 2005, 21). O
soneto narra diversas transformações que aconteceram de repente, indicando uma
mudança brusca, algo deixado para trás, uma separação. O tema da canção é
separação, mas sem um objeto específico. O subtema é a mudança, que parece ser
vista com espanto por ser rápida e brusca.
“De repente, não mais que de repente / Fez-se de triste o que se fez amante / E de
sozinho o que se fez contente / Fez-se de amigo próximo, distante / Fez-se da vida
uma aventura errante / De repente, não mais que de repente”
131

43) Valsa do amor de nós dois – narra o convite feito à pessoa amada para que juntos,
vejam o mar de Capacabana, passeiem à beira mar e se envolvam com o clima
romântico da cidade, onde os casais namoram sem perceber seu redor. O tema é o
amor romântico e o subtema é o romance, abordado como sonho, dança,
envolvimento, enamoramento.
“Vem ver o mar / Vem que Copacabana é linda / Vamos ser só nós dois / E o que vai
ser depois / É melhor, é melhor nem pensar / (...) / Ah, namorar... / Os casais nem
parecem saber / Nos seus beijos de amor / E o que resta depois / É a valsa do amor
de nós dois”

44) Vida bela (Praia branca) – narra a divagação de um homem por meio da sequência de
palavras e frases curtas sobre a praia, o mar e a lua. Também compõe o cenário a
figura da mulher, acariciada pelo vento. O tema é o amor romântico e o objeto desse
amor é a mulher. O subtema é o local onde esse amor se configura, demonstrando
uma sensação de calma e lentidão, próprias desse ambiente.
“Praia branca, tristeza / Mar sem fim/ Lua nova / Mulher / Pobre de mim / (...) A maré,
peixe do mar / Morte longe / Tem tempo pra pensar”
132

ANEXO B
O CONTEÚDO DAS COMPOSIÇÕES DE VINICIUS DE MORAES
E CARLOS LYRA

1) Balanço do Tom – o narrador conversa com um amigo chamando atenção para a


qualidade da música de Tom Jobim. Diz que o som do músico é lindo e manso,
trazendo descanso e paz. O tema da letra é a música e o subtema é a música de Tom
Jobim, abordada com elogios e destaque para sua qualidade.
“Amigo, olhe / Morou no som? / Balanço só lhe parece bom / Se der descanso / Olhe o
balanço do Tom / (...) Balanço bole / Balanço é dom / Amigo, olhe / Que lindo som! /
Amigo, é mole / É o pianinho do Tom”

2) Broto maroto – faz parte da comédia musicada Pobre Menina Rica. A letra narra o
pensamento de um rapaz a respeito de uma moça que tem um bonito balanço e por
quem está se interessando. Ele lhe faz elogios e acredita que ela pode se interessar
por ele também. A compara a um broto de flor que quer desabrochar. O tema é a
mulher e o subtema é o novo amor, abordado como descoberta, curiosidade.
“Olha que graça de moça / Vê que balanço ela tem / E aqui, que ninguém nos ouça /
Se eu insistir ela vem / Se não me engano esse broto / Quer se mudar numa flor”

3) Broto triste – também faz parte da comédia musicada Pobre Menina Rica. Fala de uma
moça bonita, mas cheia de manias, arrogante e que só pensa em namorar. Aconselha
a menina a ter cuidado pois “não está nada fácil casar”. O tema é a mulher e o
subtema é o perfil da mulher, abordada nessa letra como arrogante por causa do
dinheiro.
“Menininha bonita, cheia-de-mania / Que faz tanta fita e se acha a maior / E diz que
não topa quem lê poesia / Que tudo na Europa é muito / Mas muito melhor”

4) Canção do amor que chegou – faz parte da comédia musicada Pobre Menina Rica.
Narra o encontro com a pessoa que lhe despertou o amor. O tema é o amor romântico
pela mulher e o subtema é o início do amor, abordado como primavera em flor, luz e
alegria de viver.
“Quem jamais poderia supor / Que de um mundo que era tão triste e sem cor / Brotaria
essa flor inocente / Chegaria esse amor de repente / E o que era somente um vazio
sem fim / Se encheria de cores assim”

5) Cartão de visita – mais uma canção da peça Pobre Menina Rica. O narrador lista as
exigências para quem deseja ser seu amigo, enfatizando que a pessoa deve ser
simples, tranquila, dar valor às pequenas coisas, gostar de samba e amar muito. O
tema é a amizade e o subtema é o perfil do amigo.
“Quem quiser morar em mim / Tem que morar no que o meu samba diz / Tem que ter
nada de seu / Mas tem que ser o rei do seu país”

6) Coisa mais linda – narra a admiração de um homem por sua amada. O tema é o amor
romântico. O objeto desse amor e o subtema da letra é a mulher, abordada por sua
beleza.
“Coisa mais bonita é você, assim / Justinho você, eu juro / Eu não sei por que você /
Você é mais bonita que a flor / Quem dera a primavera da flor / Tivesse todo esse
aroma de beleza”

7) Gente do morro – a letra fala dos moradores do morro que decidem descer para a
cidade. Afirma que só faz isso os ingratos e aqueles que perderam a paixão pelo local
onde nasceram, porém ao perceberam a ilusão de viver na cidade voltarão
133

arrependidos. O tema é o morro e o subtema é a exaltação da vida no morro, de suas


qualidades.
“Quem desceu para a cidade nessa ilusão / Não vai ter felicidade, não vai ter não /
Porque quando olhar para o morro / Implorando socorro, a ingratidão / Vai deixar seu
coração / Chorando e pedindo perdão ”

8) Hino da UNE – hino da União Nacional dos Estudantes. Fala dos jovens estudantes e
de seu trabalho pra melhorar o Brasil. O tema é a UNE e o subtema é o trabalho e a
atuação dos estudantes do país.
“União Nacional dos Estudantes / Mocidade brasileira / Nosso hino é nossa bandeira /
De pé a jovem guarda / A classe estudantil / Sempre na vanguarda / Trabalha pelo
Brasil”

9) Lamento de um homem só – nessa letra, um homem com sotaque nordestino conta


sua história, sem sucesso, na busca de um amor. O tema é o amor romântico e o
subtema é a solidão. A particularidade da canção é a forma de falar do narrador,
apontando sua origem sertaneja.
“Eu vim de muito longe / Eu vim de muita dor / ‘travessei o mundo / Atrás de um amor /
Mas voltei tão sozinho / Mas sozinho não tem / Quem me dá carinho / Tem que ser
meu bem”

10) Marcha da quarta-feira de cinzas – é uma canção triste, na qual o narrador fala do fim
do carnaval e da saudade dos dias de folia, de brincadeira e samba. O tema é o
carnaval e o subtema é nostalgia, saudade.
“Acabou nosso carnaval / Ninguém ouve cantar canções / Ninguém passa mas
brincando feliz / E nos corações / Saudades e cinzas foi o que restou”

11) Maria Moita – música da comédia musicada Pobre menina rica. A letra é cantada por
um mendigo que narra sua história, sua origem, a vida em família. Destaca que a mãe
servia ao pai, tanto nos trabalhos domésticos quanto nos relacionamentos sexuais. A
letra aponta a relação entre o pobre o rico, o homem e a mulher, dando destaque para
a mulher resignada e trabalhadora. O tema da canção é o trabalho e o subtema é a
relação familiar.
“Nasci lá na Bahia / De mucama com feitor / Meu pai dormia na cama / Minha mãe no
pisador / (...) Deus fez primeiro o homem / A mulher nasceu depois / Por isso é que a
mulher / Trabalha sempre pelos dois”

12) Minha desventura – canção da peça Pobre menina rica. É a fala de um homem que
sofre muito por ter magoado a mulher amada e por ela ter ido embora e, assim, ter
perdido o seu amor. Não diz o motivo de sua partida e o que fez para magoá-la. O
tema é o amor romântico e o subtema é o término do amor. Os sentimentos são de
sofrimento, saudade e dor.
“Ah, doloroso instante de adeus e de dor / Oh, espera sem piedade / Amor dilacerante
/ Mata-me também de amor / Ah, se ela não voltar / Eu sei que vou morrer de amor”

13) Minha namorada – a letra narra as condições que o homem coloca para uma mulher
que quer ser sua namorada e amada. O tema é o amor romântico e o objeto do amor é
a mulher. O subtema é a pessoa amada, vista como amiga, companheira, fiel e
dedicada.
“Se você quer ser minha namorada / (...) Você tem que me fazer um juramento / De ter
só um pensamento / Ser só minha até morrer / E também de não perder esse jeitinho /
De falar devagarinho / Essas histórias de você”

14) Nada como ter um amor – o narrador canta a alegria e a beleza de ter um amor e de
ter a pessoa amada por perto. O tema é o amor romântico e o subtema a necessidade
de amar, abordada
134

“Nada como ter carinho / Nada como estar pertinho / Ao se enternecer / Bem baixinho,
assim, dizer / Só hei de amar você”

15) Parece que ela vai de samba – a letra fala de uma mulher com um gingado bonito, um
balanço que conquista os homens. O tema é a mulher e o subtema é o gingado da
mulher, relacionada ao samba.
“Parece que ela vai de samba / Que coisa mais espetacular! / Ela remexe para tanto
lado / Que a vista do coitado chega a confundir”

16) Pau-de-arara – a letra faz parte da trilha sonora da peça Pobre menina rica. Narra a
história de um cearense pobre tentando a vida no Rio de Janeiro, contada por ele
próprio. No Ceará a seca era muito grande e ele passava fome, então decide ir para a
cidade grande. Mas lá a vida é ainda pior e ele é considerado um “zé-com-fome”,
chamado pelos outros de pau-de-arara. Consegue juntar dinheiro comendo caco de
vidro e tenta voltar para o Ceará. O tema é a desigualdade social, com o foco na
relação sertão-cidade grande.
“Eu um dia cansado que tava da fome que eu tinha / Eu não tinha nada, que fome que
eu tiha / Que seca danada no meu Ceará / Eu peguei e juntei um restinho de coisa que
eu tinha / (...) E num pau-de-arara toquei para cá”

17) Pobre menina rica – parte integrante da trilha sonora da peça homônima. Conta a
história de uma jovem rica, mas que não tem liberdade e por isso é infeliz. O tema é a
felicidade, entendida como ação, ou seja, liberdade para tentar ser feliz, sentimento
que não se compra, mas se conquista. A letra também sinaliza a desigualdade social.
O título da letra aponta para uma inversão, para o inesperado: a menina rica é
chamada de pobre, não pelo que possui, mas exatamente pelo que não possui e que
seu dinheiro não pode comprar.
“Pobre menina rica, tão rica / Que triste você fica se vê / Um passarinho em liberdade /
Indo e vindo à vontade na tarde / Você tem mais do que eu / Passarinho, do que a
menina / Que é tão rica e nada tem de seu”

18) Pode ir – conta a história de uma pessoa que alerta seu par romântico sobre os
perigos de se brincar com o amor. Afirma que se a pessoa amada que ir embora deve
se lembrar que alguém ficará chorando e que ela própria chorará depois de partir. O
tema é o amor romântico e o subtema é a possibilidade de perda da pessoa amada,
abordada com pesar e tristeza.
“Pode ir / Pode fazer o que melhor entender / Porque, amor, cada um sabe de si / Mas
se você quiser brincar com o nosso amor / Não vem, que alguém provavelmente / Vai
amargurar a grande dor”

19) Primavera – faz parte da peça Pobre Menina Rica. Conta a história de um mendigo
que se apaixona por uma menina rica. Ele fala como gosta dela e de tanto gostar acha
que ela também o ama. Ao mesmo tempo, a menina rica também canta afirmando as
mesmas coisas. O tema é o amor romântico e o subtema é a necessidade da pessoa
amada. A letra aponta para a entrega daqueles que amam, a preocupação com a
pessoa amada.
“O meu amor sozinho / É assim como um jardim sem flor / Só queria ir dizer a ela /
Como é triste se sentir saudade / (...) É que o meu amor é tanto / Um encanto que não
tem mais fim / E no entanto ele nem sabe que isso existe”

20) A primeira namorada – o narrador conta a história do seu encontro com a primeira
namorada, que acontceceu em um jardim, sob o luar. Há muito carinho e amor na
forma como narra. O tema é o amor romântico e o subtema é a mulher vista como
namorada, amante.
“Havia um banco e um jardim / Que era puro jasmim / E um luar transparente / Eu te
beijava e sofria / E a gente morria / Uma morte sem fim”
135

21) Sabe você? – faz parte da comédia musicada Pobre menina rica. Na peça, o
mendigo-poeta provoca um homem rico (o pai da menina rica?) perguntando-lhe se
ele conhece as coisas mais simples e se viveu as experiências do amor e da poesia,
que o mendigo considera as realmente importantes. O tema é a felicidade. A letra
aborda a conquista da felicidade através das pequenas experiências do dia-a-dia. Os
sentimentos envolvidos são a coragem, o amor, a entrega.
“Você é muito mais que eu sou / Está bem mais rico do que eu estou / Mas o que eu
sei você não sabe / (...) Sabe o que é o amor? / Não sabe, eu sei / Sabe o que é um
trovador? Não sabe, eu sei”

22) Samba do carioca – também faz parte da comédia Pobre menina rica. O narrador fala
de uma vida boa de ser vivida, vida feliz, somente com as preocupações necessárias:
ter uma mulher e um amor, cuidar e receber carinho, trabalhar, aproveitar céu e sol,
terra e mar. O tema é a felicidade e o subtema aponta para a vivência da felicidade no
dia-a-dia, sem luxo ou maiores preocupações.
“Vamos, minha gente / É hora de trabalhar / O dia já vem vindo aí / O sol já vai raiar/ E
a vida está contente / De poder continuar / (...) Ê, vida tão boa / Só coisa boa pra
pensar / (...) E ainda ter mulher / De ter samba pra cantar”

23) Saudade que dá – narra a fala de um sertanejo com saudade de sua terra, com
vontade de voltar para o sertão nordestino. O tema é saudade e o subtema é o sertão
nordestino, visto como belo por seu luar, acolhedor por ser a origem.
“Terra seca mais danada / Não dá nada, dá saudade / Saudade, saudade que dá /
Não dá nada, dá vontade / Vontade de voltar pra lá”

24) Também quem mandou – um homem arrependido diz que não pode viver sem a
mulher amada, que está ausente, mas se repreende constantemente com a frase “mas
também quem mandou”. Não indica o fato que trouxe como consequencia a perda da
mulher amada. O tema é o amor romântico e o subtema é a perda do amor, abordado
com tristeza, saudade e culpa.
“Já não sei mais viver sem ela / Mas também quem mandou / Quando estou longe
dela / É uma dor, é uma dor / Que saudade... / (...) Eu queria brincar de amor com ela /
Mas também quem mandou / Também quem mandou...”

25) Valsa dueto – essa composição faz parte da comédia musicada Pobre menina rica.
Ela narra o convite de uma pessoa ao seu amor para aproveitarem a noite, vendo as
estrelas e as sensações de dor, solidão e paz que a noite carrega. O tema é o amor
romântico e o subtema é o namoro, abordado como beleza, descoberta,
enamoramento.
“Vem, a noite é linda / E eu quero ver no teu olhar / Nascer a estrela da manhã / No
céu do amor / Vem, vamos olhar / O grande céu do adeus / Nesse luar cheio de dor /
Cheio de paz”

26) Você e eu – o narrador fala com a pessoa amada que tudo é melhor com ela e ele
deixa de fazer coisas por isso e rejeita convites. Por isso, algumas pessoas podem até
achar que ele está desistindo de viver. O tema é o amor romântico e o subtema é a
necessidade da pessoa amada. O sentimento é de satisfação.
“Podem espalhar / Que eu estou cansado de viver / E que é uma pena / Para
quem me conheceu / Eu sou mais você e eu”
136

ANEXO C
O CONTEÚDO DAS COMPOSIÇÕES DE VINICIUS DE MORAES
E BADEN POWEL

1) Além do amor – narra a conversa de um apaixonado com a pessoa amada. Afirma


que, se chora, é por amar mais que amor e a única forma de não chorar é o tempo
parar. O amor dói nele. O canto ajuda a pessoa amada a lembrar-se dele quando
estiver ausente. O tema é o amor romântico e visto como um sentimento que
contempla a dor em sua própria definição. O subtema é a necessidade da pessoa
amada.
“Deixa-me chorar assim / Porque eu te amo / Dói a vida / Tanto em mim / Porque eu te
amo / Beija até o fim / As minhas lágrimas de dor / Porque eu te amo, além do amor!”

2) Amei tanto – conta a história de uma pessoa que amou tanto que agora não sabe mais
chorar. O amor foi buscado e desejado, mas ao encontrá-lo encontra também muita
dor e solidão. É preciso coragem para amar e experimentar a felicidade e a dor
inerentes a esse sentimento. No fim o que resta é a solidão. O tema é o amor
romântico e o subtema é a solidão.
“Nunca fui covarde / Mas agora é tarde / Amei tanto / Que agora nem sei mais chorar /
Vivi te buscando / Vivi te encontrando / Vivi te perdendo / Ah, coração, infeliz até
quando? / Para ser feliz / Tu vais morrer de dor”

3) Um amor em cada coração – é a fala de uma pessoa envolvida com o amor falando
desse sentimento, mas sem se dirigir a uma pessoa específica. Apenas fala de si
mesmo e do amor, enfatizando a contradição que ele carrega: a vida e a morte. Afirma
que o amor é uma necessidade na vida das pessoas e é preciso que cada um
carregue um amor em seu coração. O tema é o amor e o subtema é a necessidade de
amar.
“Deixa aí, deixa andar, deixa vir, deixa estar / Pode ser, e se for, é o amor / Deixa aí,
deixa andar / O que é preciso é viver / Morrendo de amor / Porque o amor é o nosso
rei”

4) Apelo – narra um pedido de perdão à mulher amada. Por ter se magoado, ela foi
embora sem nem se despedir. Pede que ela esqueça o mal ele lhe fez e que volte
para chorar em seus braços. Não fala que mal foi esse. O tema da letra é o amor
romântico e o subtema é o perdão e o arrependimento.
“Ah, minha amada, se soubesses / Da tristeza que há nas preces / Que a chorar te
faço eu / Se tu soubesses um momento / Todo o arrependimento / Como tudo
entristeceu / (...) Ah, meu amor, tu voltarias / E de novo cairias / A chorar nos braços
meus”

5) O astronauta – a letra é uma declaração para a mulher amada, na qual afirma que
pensar nela o deixa fora de si, como se entrasse em órbita. Diz-lhe que é linda por ser
mulher, sem maiores explicações, simplesmente por ser. O tema é o amor romântico e
o objeto desse amor é a mulher. O subtema é a mulher, abordada pela beleza,
romance e felicidade.
“Quando me pergunto / Se você existe mesmo, amor / Entro logo em órbita / No
espaço de mim mesmo, amor / (...) Mas você, sei lá / Você é uma mulher / Sim, você é
linda / Porque é”

6) Berimbau – uma reflexão sobre o valor e a importância que se dá ao amor, dinheiro,


trabalho. O toque do berimbau – instrumento típico das rodas e canções de capoeira –
137

é ouvido ao longo de toda a canção. A letra fala sobre a necessidade do amor e o


subtema é coragem e a entrega a esse sentimento.
“Quem diz muito que vai, não vai / E assim como não vai, não vem / Quem de dentro
de si não sai / Vai morrer sem amar ninguém / O dinheiro de quem não dá / É o
trabalho de quem não tem / Capoeira que é bom, não cai / E se um dia ele cai, cai
bem”.

7) Bocochê – é uma conversa de um homem com uma “menina bonita” que depois
chama de amor. Quer saber onde ela está e diz que vai procurá-la no fundo do mar
para se casar. Pede que ela não vá para lá e a chama de Iemanjá. Há a repetição de
um refrão que lembra o balanço e o barulho do mar. Frases e algumas palavras se
repetem. O tema é o amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O subtema é
a procura da mulher amada, que parece sempre lhe escapar. Parece que há um jogo
de esconde, procura e acha, num ciclo contínuo.
“Nhem, nhem, nhem / É onda que vai / Nhem, nhem, nhem / É onda que vem / Nhem,
nhem, nhem / É a vida que vai / Nhem, nhem, nhem / Não volta ninguém / Menina
bonita, não vá para o mar (2x) / Vou me casar com meu lindo amor / No fundo do mar
(2x)”

8) Bom dia, amigo – parece um bilhete deixado por alguém que está partindo e que se
despede do amigo. O tema é a amizade e o subtema é despedida, abordada com
sofrimento.
“Bom dia, amigo / Que a paz esteja contigo / Eu vim somente dizer / Que eu te amo
tanto / Que vou morrer / Amigo... Adeus”

9) Canção do amor ausente – narra a dor de um homem que está sentindo a ausência da
mulher amada. Pede que ela volte e o mate de amor em seus braços. A mulher é
comparada ao amor, à canção e à despedida. O tema da canção é o amor romântico
pela mulher amada. O subtema é a ausência da mulher amada, abordada como dor e
sofrimento.
“Ah, mulher / Tu que criaste o amor / Aqui estou eu tão só / Na imensa treva / Da tua
ausência / Mulher, canção / Noturna flor do adeus / Vem me matar de amor / De amor
nos braços teus”

10) Canção de enganar tristeza – narra uma pessoa dando conselho sobre como tratar a
tristeza caso ela apareça. Sugere que ela seja bem tratada para que vá embora
contente. O tema da canção é a tristeza e o subtema é o encontro com esse
sentimento. A letra traz uma abordagem otimista da tristeza, num tom cômico.
“Se a tristeza um dia / Te encontrar triste e sozinho / Trata bem dela / Porque a tristeza
quer carinho / (...) E dá-lhe um amor tão lindo / Que quando ela for indo / Ela vá
contente / De ter tido o teu carinho”

11) Canção de ninar meu bem – narra a fala de uma mulher à um homem que ora chama
de amado ora chama de amigo. Diz-lhe que durma tranquilo e afirma que sempre
serão um do outro. O tema da canção é o amor romântico e o objeto desse amor é o
homem. O subtema é o relacionamento dos dois. A letra passa uma sensação de
tranquilidade, amizade e calma.
“Dorme, meu amor / Como no céu a lua / Tu serás sempre meu / E eu só tua / Dorme,
amigo, que a poesia / É um mistério que não tem fim / Dorme com calma / Que assim,
um dia / Dormirás para sempre em mim”

12) Canto de Iemanjá – canção em tom triste, parece um clamor por Iemanjá. Afirma que
ela é a rainha da mar e por ela é possível encontrar o amor. O tema dessa cação é o
amor romântico e o subtema é o caminho para o amor, que pode ser alcançado pela
canção triste de Iemanjá.
138

“Iemanjá, Iemanjá / Iemanjá é muita tristeza que vem / Vem do luar no céu / Vem do
luar / No mar coberto de flor, meu bem / De Iemanjá (2x) / De Iemanjá a cantar o amor
/ E a se mirar / Na lua triste no céu, meu bem / Triste no mar”

13) Canto de Ossanha – narra uma pessoa falando sobre aqueles que falam demais, mas
sem viver o que afirmam. Usa muitas palavras de origem afro para dizer do amor e da
sua “mandinga”, que faz sofrer, mas também viver. O tema é o amor romântico e o
subtema a necessidade de amar. Sentimento que traz liberdade para quem tem
coragem de assumi-lo.
“O homem que diz ‘dou’ não dá / Porque quem dá mesmo não diz / O homem que diz
‘vou’ não vai / Porque quando foi já não quis / (...) Amigo sinhô / Saravá / Xangô me
mandou lhe dizer / Se é canto de Ossanha, não vá / Que muito vai se arrepender /
Pergunte pro seu Orixá / Amor só é bom se doer”.

14) Canto de pedra preta – Fala de uma contradição entre a vontade do pandeiro e a da
viola. O primeiro não quer que a pedra preta sambe, já a viola quer o contrário. Muitos
elementos afro: o ritmo, os instrumentos, as palavras. Repetição da expressão “olô”. O
tema é o samba e o subtema a dança.
“Pandeiro não quer / Que eu sambe aqui / Viola não quer / Que eu vá embora / Olô
pandeiro / Olô, viola”

15) Canto de Xangô – conta a história de um homem que pede que Xangô o faça sofrer e
morrer de amor. Afirma ser negro de cor, filho do Rei e clama por Xangô, o chama de
“meu Rei Senhor”. Diz que é tempo de amor e, portanto, tempo de dor também. Muitos
elementos afro: o ritmo, os instrumentos, as palavras. O tema é o amor romântico e o
subtema é a necessidade de amar. Aborda o amor como sofrimento necessário, vida e
morte.
“Mas amar é sofrer / Mas amar é morrer de dor / Xangô meu Senhor, saravá! / Me faça
sofrer / Ah, me faça morrer / Mas me faça morrer de amor / Xangô meu Senhor,
saravá!”

16) Cavalo-marinho – parece uma narrativa infantil. É a história de uma rua, onde morava
uma menina. A letra narra o que acontece na rua em três momentos: quando está
alegre, triste e escura. Nesses momentos a menina cantava uma rima, que é o refrão
da letra. O tema é o amor romântico e o subtema é o amor adolescente, quase
inocente. A letra traz uma sensação de nostalgia, lembrança da infância e puberdade,
tristeza.
“Rua alegre, parecia não ter fim / Rua onde eu corria / Atrás do meu arco / Rua onde
eu morava / Tinha uma menina / Que cantava assim: / Cavalo-marinho / Dança no
terreiro / Que a dona da casa / Tem muito dinheiro / Cavalo-marinho / Dança na
calçada / Que a dona da casa / Tem galinha assada”

17) Consolação – é a fala de uma pessoa que amou demais e por isso também chorou
muito e perdeu a paz. Mas acredita que sem essa vivência nada vale à pena e é
melhor tudo se acabar. O tema é o amor romântico, abordado como uma necessidade
para a vida, apesar de vir acompanhado de sofrimento. A dor é inerente à vida.
“Se não tivesse o amor / Se não tivesse essa dor / E se não tivesse o sofrer / E se não
tivesse o chorar / Melhor era tudo se acabar / Eu amei, amei demais / O que sofri por
causa do amor / Ninguém sofreu / Eu chorei, perdi a paz / Mas o que eu sei / É que
ninguém nunca teve mais / Mais do que eu”

18) Deixa – a letra é um conselho para o ouvinte deixar a paixão e o amor acontecerem,
pois o coração tem sempre razão. Além disso, só se vive uma vez e é melhor dizer sim
ao amor e deixá-lo acontecer. Não fica claro se a letra é direcionada à pessoa amada.
Há a repetição constante da palavra “deixa”, indicando a tentativa de convencimento.
139

O tema é o amor romântico e o subtema é a necesssidade de amar, abordado aqui


como paixão, desrazão.
“Deixa / Fale quem quiser falar, meu bem / Deixa / Deixa o coração falar também /
Porque ele tem razão demais / Quando se queixa / Então a gente / Deixa, deixa, deixa,
deixa”

19) Deve ser amor – narra a fala do narrador com a pessoa amada, dizendo que não
sabe bem o que se passa com ele. Parece estar num estado embriagador. Sente uma
dor que não dói e um certo prazer em chorar, apesar de estar contente. Acredita que
isso possa ser amor e o compara à música, mais especificamente ao samba. O tema é
o amor romântico. A letra indica a tentativa de explicar o sentimento do amor,
abordado como exaltação e beleza, sentimento que deixa a vida completa, com alegria
e sofrimento também.
“Sim, sinceramente, amor / Eu não sei o que se passa em mim / É assim como uma
dor / Mas que dói sem ser ruim / Sim, é ter no coração / Sempre uma canção / E tão
embriagador / Deve ser, sim / Deve ser amor”

20) É hoje só – narra a tentativa de um homem de convencer a mulher de se deixar levar


pela paixão. O tema é o amor romântico e o objeto é a mulher. O subtema é a paixão,
abordada como impulsividade.
“É hoje quem sabe lá / Nem depois / E além do mais nunca fez mal / A ninguém / (...)
E depois quem sabe mais / Que a paixão? / Fique certa de que o amanhã / Não tem
coração”

21) Formosa – conta a história de um homem que pede à mulher amada que não lhe
negue carinho nem amor. Acredita que mulher que nega tem algo a menos no
coração, pois tudo o que se quer na vida é amar, mesmo que se sofra por isso, pois
afinal “ninguém tem nada de bom sem sofrer”. O tema é o amor romântico e o objeto
do amor é a mulher. O subtema é a necessidade de amar, abordada pela via da
alegria e do bem estar que esse sentimento traz, mesmo que seja acompanhado do
sofrimento. É uma abordagem otimista do amor.
“Formosa, não faz assim / Carinho não é ruim / Mulher que nega / Não sabe, não /
Tem uma coisa de menos / No seu coração / A gente nasce, a gente cresce / A gente
quer amar / (...) A gente pega, a gente entrega / A gente quer morrer / Ninguém tem
nada de bom / Sem sofrer / Formosa mulher!”

22) Garota porongondon – narra as características de uma mulher que samba e requebra
muito bem. Repetição de monossilábicos. O primeiro (nhem-nehm-nhem) se refere a
uma característica negativa de mulheres sem graça e sem ritmo para o samba. O
segundo (au-au-au-ziriguidau-au), imita o ritmo e a batida do samba. O tema da
canção é a mulher e o subtema é a mulher que samba, vista com valorização e
admiração por seu requebrado.
“Vê só como ela dança bem / Vê só que samba bom/ Eu acho que ela tem – tem /
Muito porongondon / Ela não é de nhem-nhem-nhem / Ela requebra bem / (...) Nunca
vi ninguém capaz / De fazer o que ela faz / Au-au-au-ziriguidau-au / Ela é demais!”

23) História antiga – é uma canção de lamento pelo fim do amor. O narrador lembra as
coisas boas que existiam no tempo que estavam juntos: a rua, a lua, a casa dos dois,
o jardim, uma cantiga. A pessoa amada estava sempre sorrindo e cuidava do amor
dos dois. O tema é o amor romântico e o subtema é o fim do amor, abordado com
saudosismo e tristeza.
“Tempo distante / Uma história antiga / Tinha aquela rua / Aquela lua tão amiga / Tinha
a nossa casa / E o jardim tão lindo / E você sempre sorrindo / Você cuidando do nosso
amor”
140

24) Labareda – a letra faz a comparação da mulher com uma labareda, pois ela faz
queimar de paixão. Relaciona a mulher ao fogo, à paixão, à dança. Repetição da
estrofe “lá vai, lá vai, labareda”. O tema é a mulher e o subtema é a mulher dançarina,
vista como fogo para a paixão.
“Labareda / O teu nome é mulher / Quem te quer / Quer perder o coração / Rosa
ardente / Bailarina da ilusão / Mata a gente / Mata de paixão”

25) Linda baiana – elogios à uma mulher baiana específica, provavelmente Gessy Gesse,
uma de suas esposas. Ela samba muito bem e é muito bonita: a cor da sua pele, seu
olhar, seu calor. Pára de falar pois a considera somente dele e não quer que os outros
saibam como ela é. O tema é a mulher e o subtema é a mulher baiana, abordada
como bela e sensual.
“Eu vou me mudar / Pra São Salvador / Lá tem mais amor / Tem uma linda baiana por
lá / (...) Porque eu vi como essa baiana / Samba muito bem / Balangandã de lá pra cá /
Torso de renda a remexer / E o que está dentro / Juro que nem é bom dizer”

26) Mulher carioca – narra as características das mulheres brasileiras, de acordo com o
estado. Todas são muito belas e têm suas qualidades, mas a mulher carioca tem
características como nenhuma outra. Repetição da expressão nhém-nhém-nhém e da
última frase de cada estrofe. O tema é a mulher e o subtema é a mulher brasileira,
com ênfase na mulher carioca, abordada como muito bela e com um jeito sensual e
sedutor.
“A gaúcha tem a fibra / A mineira o encanto tem / A baiana quando vibra / Tem tudo
isso e o céu também / (...) A mulher carioca / O que é que ela tem? / (...) Ela tem um
corpinho que ninguém tem / Ela faz um carinho como ninguém”

27) Pra que chorar – o narrador questiona o por quê de chorar se existe amor. Afirma que
sempre haverá um novo amor em cada novo amanhecer. O tema é o amor romântico
e o subtema é a necessidade e a constatação do amor.
“Pra que chorar / Se o sol já vai raiar / Se o dia vai amanhacer / Pra que sofrer / Se a
lua vai nascer / É só o sol se pôr / Pra que chorar / Se existe amor”

28) Queixa – o narrador fala ao ouvinte para não se queixar tanto, pois não há solução
para a queixa e em breve será carnaval na cidade. O tema da letra é o samba, ligado
ao carnaval. Esse evento é visto como remédio para queixas e reclamações.
“Cavaco, pandeiro, cuíca / Ganzá, tamborim, violão / E o samba, que coisa mais rica /
E o surdo batendo no coração / Deixa / Porque hoje é tudo natural / Deixa / Que essa
queixa, sim, é sempre igual / Quando a cidade amanhecer / É carnaval”

29) Samba da benção – samba cantado por Vinicius, em primeira pessoa, na qual pede a
benção a vários parceiros musicais e a grandes sambistas. Afirma que o bom samba é
feito com um pouco de tristeza e se parece com uma oração. O tema é o samba e o
subtema é beleza desse ritmo,
“Fazer samba não é contar piada / Quem faz samba assim não é de nada / O bom
samba é uma forma de oração / Porque o samba é a tristeza que balança / E a tristeza
tem sempre uma esperança / A tristeza tem sempre uma esperança / De um dia não
ser mais triste não”.

30) Samba do café (Para fazer um bom café) – narra a receita de um bom café, como se
faz no Brasil. A letra é direcionada aos estrangeiros e enfatiza o amor pelo Brasil.
Relaciona samba, café, Brasil e mulher. O tema é café e o subtema é a receita para
fazer o café, relacionando a receita com o amor pelo Brasil.
“Para fazer um bom café, meu bem / Como se faz lá no Brasil / Precisa por tudo a
ferver, meu bem / Como se põe lá no Brasil / (...) Tem que ser forte, como o bem / Que
a gente tem pelo Brasil / Tem que ser doce, como o amor / Que a gente tem pelo
Brasil”
141

31) Samba em prelúdio – o narrador canta a necessidade que tem da mullher amada para
poder viver e afirma que sem ela nada tem sentido. O tema é o amor romântico pela
mulher. O subtema é a necessidade do amor e da pessoa amada, percebida como
rumo, porto seguro, luz.
“Eu sem você / Sou só desamor / Um barco sem mar / Um campo sem flor / Tristeza
que vai / Tristeza que vem / Sem você, meu amor, eu não sou ninguém”

32) Seja feliz – narra a história de alguém que foi abandonado, mas que deseja que a
pessoa amada seja feliz. O próprio abandonado é quem canta e se refere diretamente
ao amor que se foi. Há mágoa na canção pois não houve despedida, há um
sentimento de abandono e ressentimento. O tema é o amor romântico e o subtema é o
fim do relacionamento. Há sentimento de abandono, mágoa e desilusão.
“Foi e eu fiquei sem ninguém / À espera do que não vem / Que melancolia / Foi, foi só
porque eu nada fiz / Como um adeus que nem se deu / Pois seja muito feliz / Infeliz já
sou eu / Pra sofrer sofro eu”

33) Só por amor – é um agradecimento à mulher amada por sempre ter colocado o amor
na frente da razão e nunca ter dito não a esse sentimento. O tema é o amor romântico
pela mulher. O subtema é a mulher, relacionada à entrega, disponibilidade e paixão no
relacionamento. O sentimento é de agradecimento.
“Por você que foi só minha / Sem jamais pensar por quê / Por você que apenas tinha /
Razões e mais razões para não ser / Só por amor / Só por amado / Só por amar / Meu
amor, muito obrigado / Meu amor, muito obrigado”

34) Sonho de amor e paz – a letra é o pensamento de uma pessoa como se estivesse
sonhando alto, imaginando um lugar onde um homem e uma mulher possam se amar
em paz e viverem sozinhos esse amor. O tema da canção é o amor romântico e o
subtema é paz no relacionamento, visto com felicidade quando o casal pode se
relacionar sem sofrer e sentir dor.
“Deve haver / Num canto qualquer / Uma ilha / Ao abrigo da dor / Onde um homem e
uma mulher / Possam ter seu amor / Um lugar para ser feliz / Sem ninguém / Feito
para dois”

35) Tem dó – a letra, em tom cômico, fala de um homem conversando com seu par, que
parece estar lhe cobrando mudança de atitude. O homem reclama que, quando se
conheceram, a mulher já sabia do seu jeito e das suas características e não poderia
cobrar mudanças agora. O tema é o amor romântico e o subtema é a convivência com
a pessoa amada e as diferenças de personalidade.
“Ai, tem dó / Quem viveu junto não pode nunca viver só / Ai, tem dó / Mesmo porque
você não vai ter coisa melhor / Não me venha achar ruim / Porque você me conheceu
assim / Me diga agora, e agora / Não foi assim que você gamou”

36) Tempo de amor (Samba do Veloso) – é uma reflexão sobre a necessidade de amar e,
por causa disso, sofrer, chorar, desejar. Acredita que, sem isso, tudo fica sem graça.
Recusar o amor é viver em paz, mas uma paz improdutiva, onde se evitam os
sentimentos mais intempestivos por puro medo de sofrer. O tema é o amor romântico
e o subtema é a necessidade de amar, mesmo que isso signifique sofrer.
“O tempo de amor / É tempo de dor / O tempo de paz / Não faz nem desfaz / Ah, que
não seja meu / O mundo onde o amor morreu / Ah, não existe coisa mais triste que ter
paz / E se arrepender / E se conformar / E se proteger / De um amor a mais”

37) Tempo feliz – narra as lembranças de alguém que conversa com seu amor num tom
de saudosismo. Fala de um tempo mais alegre, no qual as pessoas cantavam e se
alegravam. O tema é a saudade e o objeto da saudade indica ser o carnaval. O
subtema é a felicidade e a paz trazida pela canções e as recordações que elas
deixaram. Há um sentimento de nostalgia, saudosismo e tristeza na letra.
142

“Que sons mais lindos tinha pelo ar / Que alegria de viver / Ah, meu amor, que tristeza
me dá / Vendo o dia querendo amanhecer / E ninguém cantar”

38) Tristeza e solidão – narra a dor de alguém que está sofrendo pela indiferença da
mulher amada. Recorrerá à umbanda para consegui-la de volta. O tema é o amor
romântico e o objeto desse amor é a mulher. O subtema é a ausência da mulher
amada, abordada pela dor e solidão.
“Sou da linha de umbanda / Vou no babalaô / Para pedir pra ela voltar pra mim /
Porque assim eu sei que vou morrer de dor”

39) Valsa sem nome – é uma declaração de amor, mas o sentimento é tão forte que é
difícil falar dele na poesia, então canta novas canções de amor. Diz que apenas a
lembrança da pessoa amada já é motivo para chorar e sofrer. Esse sentimento é
vivido com magia e encantamento, mas também com dor por ser forte demais. O tema
é o amor romântico e o objeto é o homem. O subtema é a declaração e expressão do
amor, que pode ser pela poesia, pela música, sempre de forma muito intensa e
dolorida.
“Nada poderia contar-te um dia / O que é sofrer por teu amor / Mas na poesia não
saberia / Contar-te nunca o meu amor / Eu te amo tanto/ Que o meu pranto corre / E
corre apenas em lembrar / O teu encanto / O teu silêncio e / Essa magia de te amar”
143

ANEXO D
O CONTEÚDO DAS COMPOSIÇÕES DE VINICIUS DE MORAES
E TOQUINHO

1) Acende uma lua no céu – o narrador explica o que deve ser feito por aquele que está
aguardando o amor chegar. O tema é o amor romântico e o subtema é a espera pelo
amor. A abordagem é otimista e o amor é visto como beleza e vida.
“Acende uma lua no céu / E muitas estrelas no olhar / (...) Semeia de flores ter chão /
E abre as janelas aos perfumes do ar / E esquece tua porta entreaberta / Porque na
hora certa / Verás teu amor surgir”

2) Amigos meus – a letra conta a tristeza que o narrador fica ao fim de um show e do
encontro entre amigos em um bar. A pessoa fala da constatação de que tudo se
acaba, porém sempre há a esperança de que um dia a alegria retome seu lugar. O
tema é a amizade e o subtema separação e reencontro com amigos. Abordagem
nostalgia, saudosismo, tristeza, esperança.
“Amigos meus, está chegando a hora / Em que a tristeza aproveita pra entrar / E todos
nós vamos ter que ir embora / Pra vida lá fora continuar”

3) Amor em solidão – o narrador fala da solidão que lhe traz o amor que sente. Sofre por
amor e sente a morte mais perto por causa desse sentimento, mas ao mesmo tempo o
relaciona com a vida. O tema é o amor romântico e o subtema é a necessidade de
amar e da pessoa amada. Os sentimentos são de solidão e angústia.
“Ah, seu eu pudesse dizer-te / Que pela graça de ver-te / Já nem me importa ter que
fingir / (...) Porque este amor demais / Que nunca vai ter fim / Na morte que me traz / É
a vida em mim”

4) Aula de piano – faz parte do disco A Arca de Nóe 2. O ritmo é de marchinha de


carnaval. Conta a história de uma menina que recebia o professor de piano em casa e,
enquanto a mãe descansava no quarto, depois do almoço, os dois se envolviam
amorosamente. A letra é cômica e debochada. Fala de amor romântico, com o
subtema da conquista e do primeiro envolvimento. A abordagem é da comicidade, em
tom infantil.
“O professor de piano chegava / E começava uma nova liação / E a menininha, tão
bonitinha / Enchia a casa feito um clarim / Abria o peito, mandava brasa / E solfejava
assim: / Ai ai ai / Lá, sol, fá, mi, ré / Tira a mão daí”

5) O bem-amado – faz parte da trilha sonora da novela O Bem-Amado. Conta a história


de um homem que dá muita importância ao poder e não sabe perdoar. É um “corpo
sem alma”. Avisa, porém, que a morte está sempre a esperar e isso iguala os homens.
O tema é o estilo de vida e o subtema é a vida sem sentido, abordada pela via da
constatação, como um aviso.
“A noite no dia, a vida na morte, o céu no chão / Pra ele, vingança dizia muito mais
que o perdão / O riso no pranto, a sorte no azar, o sim no não / Pra ele o poder valia
muito mais que a razão”

6) A benção, Bahia – a letra é recheada de palavras de origem africana e do candomblé.


O narrador pede a benção à Mãe Meninha do Gantois e à Bahia. Pede muitas mulatas
para amar e o colo de Iemanjá para dormir. O tema é os santos e as divindades da
Bahia e do candomblé e o subtema é o pedido de benção. A abordagem se dá por
meio da musicalidade das palavras, confiança nos santos.
“Olorô, Bahia / Nós viemos pedir sua benção, saravá! / Hepa hê, meu guia / Nós
viemos dormir no colinho de Iemanjá”
144

7) A bíblia – o narrador fala da experiência de amar e se apaixonar, apontando que a


vida só vale a pena com amor. Diz também que o amor é acompanhado da separação
e que isso traz dor e sofrimento. Afirma que esses ensinamentos sempre estiveram
contidos na Bíblia. O tema é o estilo de vida e o subtema é a necessidade de amar. O
sentimento do amor é visto como belo, necessário, relacionado ao prazer e ao
sofrimento ao mesmo tempo.
“A Bíblia já dizia / Pra quem sabe entender / Que há tempo de alegria / Que há tempo
de sofrer / Que o tempo só não conta / Pra quem não tem paixão / E que depois do
encontro / Sempre tem separação”

8) Os bichinhos e o homem – faz parte do disco Arca de Noé 2. Fala de vários bichos e
insetos e suas características. No fim, afirma que o homem será o jantar dos bichos,
mesmo aquele que acha que tudo sabe. A temática é infantil e o subtema são os
bichos. A abordagem é circense, alegre, divertida.
“Nosso irmão, o grilo / Que vive dando estrilo / Só pra chatear (2x) / E o bicho-do-pé /
Que gostoso que ele é / Quando dá coceira / Coça que não é brincadeira”

9) Blues para Emmett – inspirado no episódio do assassinato de um negro americano


que assoviou para uma mulher branca. Ela pede ao marido que a vingue e então
ocorre o assassinato. O tema é o preconceito racial e o subtema é a morte de um
negro, cantada como um denúncia.
“Os assassinos de Emmett / Chegaram sem avisar / Mascando cacos de vidro / Com
suas caras de cal”

10) Calmaria e vendaval – o narrador fala da característica que ele imprime à sua vida, de
fazê-la calma e tumultuada ao mesmo tempo. Ele mistura sentimentos, experiências e
assim vai vivendo e procurando as saídas para os problemas. Afirma que ambos – os
problemas e as soluções – só vão deixar de existir quando a morte chegar. O tema é o
estilo de vida e o subtema é a contradição, abordada como intensidade, duplicidade
vida e morte, identificação do que vale a pena ser vivido.
“Choro e canto, mato e morro / Corro entre o bem e o mal / Sem querer faço da vida /
Calmaria e vendaval / Passarinho e águia brava / Brisa mansa e temporal”

11) Canto e contraponto – narra o pedido de um homem à sua amante. Pede que tenha
ela calma e apazigue o desejo, pois seu corpo está exausto e a noite é longa. A letra é
rebuscada, usando palavras pouco populares. O tema é a paixão e o subtema é o
desejo sexual. A abordagem é a intensidade.
“Ai, amante, espera um pouco / Deixa que se canse / Este desejo louco / De teu corpo
/ Deixa que se estanque / O canto rouco / De paixão / Que noite sem fim / Soluça em
mim / Dilacerante”

12) Canto de Oxalufã – a letra questiona aquele que acredita que o conhecimento que
tem vale mais que o dos outros, que é arrogante, se acha superior e dá pouca
importância ao amor. O tema é o estilo de vida e o subtema é a importância do amor.
A abordagem é pela via do questionamento, da simplicidade.
“Você que sabe demais / Meu Pai mandou lhe dizer / Que o tempo tudo desfaz / A
morte nunca estudou / E a vida não sabe ler / (...) Você que sabe demais / Mas que
não sabe viver / Responda se for capaz: / Da vida, quem sabe lá? / Da morte, quem
quer saber?”

13) O canto de Oxum – conta a história da traição de Xangô com Oxum. O Rei Xangô
vencia todas as guerras e tinha Inhansã ao seu lado como companheira. Quando
voltou deu uma festa para comemorar as vitórias nas guerras. Oxum estava muito
bonita e Xangô a colocou no trono esquerdo ao seu lado. Traída e cheia de ciúme,
Inhansã chamou um temporal, gritou sua maldição e todos se apavoraram. O tema é o
145

amor romântico e o objeto é divindade do candimblé. O subtema é a traição. Os


sentimentos destacados na letra são a ira e o ciúme.
“Quando Xangô voltou / O povo celebrou / Teve uma festa que ninguém mais
esqueceu / Tão linda Oxum entrou / Que veio o Rei Xangô / E a colocou no trono
esquerdo ao lado seu”

14) Caro Raul – narra a conversa de Vinicius de Moraes com um amigo chamado Raul.
Ele convida o amigo para irem a um bar bater papo. Pede que ele convide outros
amigos e cita vários nomes. Há um trecho falado no qual o próprio Vinicius, falando
em primeira pessoa e em nome também de Toquinho, manda um “abraço fraterno” a
algumas pessoas, que chama de gente maravilhosa. O tema é a amizade e o subtema
é o encontro de amigos. Os sentimentos são de alegria, agradecimento, animação,
felicidade.
“Caro Raul, tá tudo bem, tá tudo azul / Que tal a gente se encontrar / Lá por um bar, na
zona sul / Bater um papo e pôr as coisas no lugar / E, se puder, leve o Carlinhos, o
Levon / Doca e Paulinho com você, pra gente ver/ Quem é o bom numa partida de
sinuca / Pra valer”

15) Carta que não foi mandada – em um tom triste e nostálgico, um homem fala de si
mesmo. Está sentado sozinho em um bar e observa sua imagem no espelho em
frente. Vê ali o reflexo de um homem que já foi feliz. Na mesa ao lado, um outro
freguês chora, provavelmente, por saudades de um grande amor e ele se identifica
com essa pessoa e suas lágrimas. O tema é o amor romântico pela mulher e o
subtema é a saudade de um grande amor. A abordagem é nostálgica e triste.
“É, a vida é assim, o tempo passa / E fica relembrando / Canções do amor demais /
Sim, será mais um, mais um qualquer / Que vem de vez em quando / E olha para trás /
É, existe sempre uma mulher / Pra se ficar pensando”

16) Carta ao Tom – é uma carta escrita por Vinicius a Tom Jobim, relembrando os tempos
da parceria para a produção do disco “Canção do amor demais”, que inaugurou a
Bossa Nova. Fala de como eram Ipanema e o Rio de Janeiro naquela época. O tema é
a amizade e o subtema é a saudade. A abordagem é nostálgica, com sentimentos de
tristeza, saudade e esperança.
“Rua Nascimento e Silva, 107 / Você ensinando pra Elizete / As canções de Canção
do amor demais / Lembra que tempo feliz / Ah, que saudade / Ipanema era só
felicidade / Era como se o amor doesse em paz / (...) É, meu amigo, só resta uma
certeza / É preciso acabar com essa tristeza / É preciso inventar de novo o amor”

17) O céu é o meu chão – narra a fala de um homem que vive no sertão ao lado de sua
mulher. Fala da seca e da mulher que parece nem perceber que há uma grande
mágoa em seu coração. Sente-se preso à mulher amada, mas ainda assim quer
somente os seus abraços. Ao mesmo tempo que ela é vista como mágoa e tormento,
ele a ama e deseja. O tema é o amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O
subtema é a dificuldade de se entender com a pessoa amada. Os sentimentos
envolvidos são angústia, desejo, tristeza.
“Amor, meu tormento / Meu céu e meu chão / Aonde só se ouve o vento / Gemer de
paixão / Amor, minha mágoa / Que nada desfaz / Este pranto sem água / Este canto
sem paz”

18) Chorando pra Pixinguinha – a letra foi composta para Pixinguinha. É uma conversa de
Vinicius com o sambista, na qual Vinicius se coloca ao lado do amigo na saudade que
sente de tempos que já passaram. Pede a benção a Pixinguinha. O tema é a amizade
e o subtema é a saudade de experiências e momentos que já passaram. A abordagem
é a nostalgia e o saudosismo.
“Meu velho amigo / Chorão primeiro / Tão Rio antigo / Tão brasileiro / Teu
companheiro / Chora contigo / Toda a dor de ter vivido / O que não volta nunca mais”
146

19) Como dizia o poeta – Vinicius, conhecido como poetinha, é quem dá o tom da letra,
na qual fala sobre a importância de se entregar ao amor e à paixão para que a vida
valha a pena. Acredita que quem nunca chorou e sofreu não viveu plenamente. O
tema é o estilo de vida e o subtema é a importância do amor e da paixão. A canção
traz sentimentos de alegria, jovialidade, esperança.
“Quem já passou / Por essa vida e não viveu / Pode ser mais, mas sabe menos do que
eu / Porque a vida só se dá pra quem se deu / Pra quem amou, pra quem chorou / Pra
quem sofreu”

20) Como é duro trabalhar – narra a fala de um homem que busca um lugar para morar e
trabalhar. Porém, precisa da presença e do colo da mulher amada, sem os quais não
consegue se estabelecer. O tema é o amor romântico e o objeto é a mulher amada. O
subtema é a necessidade da pessoa amada. Os sentimentos são tranquilidade,
dependência.
“Achei a terra, vi a casa / Só faltava capinar / Mas sem o colo da morena / Quem sou
eu pra me abusar / E lá vou eu / Paro aqui, paro acolá / E lá vou eu / Como é duro
trabalhar”

21) As cores de abril – a letra fala de natureza, pássaros e flores, indicando que não é
tempo de chorar e sofrer, pois “as cores de abril não querem saber de dor”. O tema é o
estilo de vida e o subtema é a ligação com a natureza. A abordagem é pela via do
amor, da paixão e da alegria.
“Olha quanta beleza / Tudo é pura visão / E a natureza transforma a vida em canção /
Sou eu, o poeta, quem diz / Vai e canta, meu irmão / Ser feliz é viver morto de paixão”

22) Corujinha – canção do disco Arca de Noé 1. O narrador fala com uma corujinha que é
feia e da qual todos sentem pena. Porém, ela anda orgulhosa, pois toda noite aparece
na TV. O tema é infantil e o subtema é os animais.
“O seu canto de repente / Faz a gente estremecer / Corujinha, pobrezinha / Todo
mundo que te vê / Diz assim, ah, coitadinha / Que feinha que é você”

23) Cotidiano no. 2 – o narrador fala consigo mesmo sobre seu cotidiano e,
especialmente, sobre os dias em que está descrente, entediado ou sonhando alto, fora
da realidade. Depois de cada estrofe repete a constatação de que, independente de
qualquer coisa, ele ainda possui seu violão. O tema é o estilo de vida e o subtema é o
cotidiano, visto pela via da contradição, da surpresa e da mesmice ao mesmo tempo.
“Às vezes quero crer mas não consigo / É tudo uma total insensatez / Aí pergunto a
Deus: escute, amigo / Se foi pra desfazer, por que é que fez? / Mas não tem nada, não
/ Tenho meu violão”

24) Deixa acontecer – a letra fala da força do amor e de como ele muda a vida de quem o
sente. O narrador diz que o melhor é não tentar explicar esse sentimento e
simplesmente deixá-lo acontecer. O tema é o estilo de vida e o subtema é o amor
romântico e a paixão. A abordagem é pela entrega e intensidade.
“O amor é essa força incontida / Desarruma a cama e a vida / Nos fere, maltrata e
seduz / É feito uma estrela cadente / Que risca o caminho da gente / Nos enche de
força e de luz”

25) Essa menina – narra a conversa de um homem com uma menina nova, mas que já
tenta seduzi-lo. Ele pede que ela pare e tenha compaixão dele. O tema é o amor
romântico e o objeto do amor é a mulher. O subtema é a sedução, abordada como
desejo.
“Você não tem mesmo o que fazer, essa menina / Como é que você já fica toda
feminina / Como é que você olha pra mim / Com essa falta de respeito / Olhe que isso
assim não está direito, essa menina”
147

26) Eu não tenho nada a ver com isso – em tom de deboche ou de pouca importância, o
narrador constata que o Brasil será um país jovem e feliz no ano 2000, pois haverão
muitos Pelés e violões. O tema é o Brasil e o subtema é o estilo do brasileiro. O tom é
de deboche.
“Eu não tenho nada a ver com isso / Nem sequer nasci em Niterói / Não me chamo
João / E não tenho, não / Vocação pra ser herói”

27) O filho que eu quero ter – incluído no disco Arca de Noé 2. Expressa o desejo do
próprio Toquinho de ser pai. Letra composta após conversa entre Vinicius e Toquinho
sobre o desejo e o medo de Toquinho em relação a esse assunto. Nessa conversa,
Vinicius incentiva o amigo a ter um filho. O narrador fala do seu desejo de ter um filho.
Conta a história do filho desde pequeno, ainda no berço, até o momento em que ele
próprio quer ter um filho também. Isso acontece quando o pai está em seus últimos
momentos de vida e o filho está próximo, segurando sua mão. O tema é o ciclo da
vidae e o subtema paternidade, sob uma perspectiva de alegria, dor, esperança, vida.
“É comum a gente sonhar, eu sei / Quando vem o entardecer / Pois eu também dei de
sonhar / Um sonho lindo de morrer / Vejo um berço e nele eu me debruçar / Com o
pranto a me correr / E assim, chorando, acalentar / O filho que eu quero ter”

28) A flor da noite – conta a história de uma mulher chamada Matilde, conhecida como
louca mansa, que vivia repetindo a frase “Olha a flor da noite” em pleno Pelourinho,
porém sem especificar o que seria essa flor. O narrador tenta imaginar o que é e vai
dando palpites. O tema é a mulher e o subtema é a loucura e a fofoca. A abordagem é
cômica e alegre.
“Na solidão escura / do velho Pelourinho / Matilde, a louca mansa / Vivia mercando
assim: / Olha a flor da noite... (2x) / Seria a flor da noite / A luz da estrela solitária / A
tremular tão pura / Sobre o velho Pelourinho?”

29) A foca – canção do disco Arca de Noé 1. Conta a história de uma foca que faz
malabarismo para poder ganhar uma sardinha, seu alimento. Letra com tema infantil e
subtema de animais. A abordagem é alegre, circense.
“Lá vai a foca / Toda arrumada / Dançar no circo / Pra garotada / Lá vai a foca /
Subindo a escada / Depois descendo / Desengonçada / Quanto trabalha / A coitadinha
/ Pra garantir sua sardinha”

30) Fogo sobre terra – a letra fala da contradição entre a vontade das pessoas de às
vezes explodir e em outros momentos se ocultar em um canto escuro. Aponta essa
tendência como necessária e afirma que é melhor ter um amor ao lado para “curar a
ferida”. O tema é o estilo de vida e o subtema é a contradição de sentimentos no dia-a-
dia. A abordagem é positiva, com a afirmação do amor e da vida.
“A gente às vezes tem vontade de ser / Um rio cheio pra poder transbordar / (...) Mas
outras vezes tem vontade de ser / Um canto escuro pra poder se ocultar”

31) A galinha d’angola – faz parte do disco Arca de Noé 2. Fala de uma galinha d’angola
que “não anda ultimamente regulando da bola”. Ela arruma confusão, briga, fofoca, dor
de barriga e ainda diz que está fraca. O tema é infantil e o subtema é animais. A
abordagem é alegre, circense.
“Come tanto / Até ter dor de barriga / Ela é uma bagunceira / De uma figa / Quando
choca, cocoroca / Come milhor e come caca / E vive reclamando / Que está fraca /
Tou fraca! Tou fraca! Tou fraca!

32) Gilda – canção feita para a nona e última mulher de Vinicius de Moraes. Ele a invoca,
como que chamando alguém para salvá-lo. Relaciona-os a Eurídice e Orfeu, do mito
grego de Orfeu. O tema é o amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O
subtema é o relacionamento com Gilda e a abordagem é de paixão, encontro, entrega.
148

“Nos abismos do infinito / Uma estrela apareceu / E da terra ouviu-se um grito / Gilda,
Gilda / Era eu, maravilhado / Ante a sua aparição”

33) O girassol – faz parte do disco Arca de Noé 2. Fala do girassol e sua característica de
rodar em busca do sol. O tema é infantil e o subtema é plantas.
“Sempre que o sol / Pinta de anil / Todo o céu / O girassol / Fica um gentil / Carrossel /
Roda, roda, roda / Carrossel / Gira, gira, gira / Girassol / Redondinho como o céu /
Marelinho como o sol”

34) Golpe errado – letra dirigida aos malandros, aqueles que usam de artifícios ilícitos
para viver e conseguir o que quer. Recomenda precaução e mudança do estilo de
vida. O tema é o estilo de vida e o subtema é a malandragem sob uma perspectiva
negativa, maléfica, preocupante.
“Ouça, malandragem não convence / Uma vez a gente vence / Outra vez bota a perder
/ (...) Olha que não é nada engraçado / Você dar um golpe errado / E ver o sol nascer
quadrado”

35) Um homem chamado Alfredo – o narrador conta a história do seu vizinho, chamado
Alfredo, que “se matou de solidão”. Não tinha amigos, ninguém lhe dava atenção. Era
sozinho, não tinha ninguém para amar. O tema é a solidão e o subtema a morte. Os
sentimentos são tristeza e espanto.
“Eu sempre o cumprimentava / Porque parecia bom / (...) Num velho papel de
embrulho / Deixou um bilhete seu / Dizendo que se matava / De cansado de viver /
Embaixo assinado Alfredo / Mas ninguém sabe de quê”

36) Mais um adeus – letra dividida em duas partes. Na primeira, um homem fala da dor da
separação, do amor que se vai e da tristeza que ele deixa. Na segunda parte, faz o
contraponto: agora é a mulher que fala, dando conselhos banais e cotidianos. Num
discurso longo e cansativo, fala para ele não pegar sereno, tomar cuidado com o
resfriado, beber pouco, guardar-se para ela, escrever, mandar o dinheiro do
apartamento. O tema o amor romântico e o subtema é o fim do amor devido a rotina, o
relacionamento diário.
“Mais um adeus / Uma separação / Outra vez, solidão / Outra vez, sofrimento / Mais
um adeus / Que não pode esperar / O amor é uma agonia / Vem de noite, vai de dia /
É uma alegria / E de repente / Uma vontade de chorar”

37) Maria vai com as outras – conta a história de uma moça chamada Maria que era vista
como “Maria vai com as outras”. Mas Maria tinha qualidades: sabia coser, rezar, era
moça para casar. Porém, outra característica era pouco conhecida: Maria também
sabia pecar. No dia dois de fevereiro, Maria não foi na festa de Iemanjá e não jogou
flores para sua Orixá, por isso Iemanjá levou seu amor de volta para o mar. O tema é
a mulher e o subtema é o amor romântico. A abordagem é alegre, festiva e cômica.
“Maria era uma boa moça / Pra turma lá do Gantois / Era a Maria vai com as outras /
Maria de coser, Maria de casar / Porém o que ninguém sabia / É que tinha um
particular / Além de coser, além de rezar / Também era Maria de pecar”

38) Menina das duas tranças – a letra é cantada por dois personagens: o pai e o filho. Em
separado, ambos pedem à menina que deixe o outro em paz. O pai pede isso em
relação ao filho, pois ele ainda é muito novo e não conhece a “escuridão do amor”. Já
o filho pede que a menina não seduza o pai como está fazendo, pois ele já sofreu
muita desilusão por amor. O tema é o amor romântico e o objeto do amor é a mulher.
O subtema é a sedução feminina, vista como provocação e insinuação.
“Menina das duas tranças / Deixe o meu filhinho em paz / Que ele ainda é muito
criança / Pras coisas que você faz / (...) Menina das duas tranças / Deixe o meu
paizinho em paz / Que ele não é mais criança pras coisas que você faz”
149

39) Meu pai Oxalá – narra o amor não correspondido de um homem pela filha de Inhansã.
Na procissão, ele a observa linda em seu “manto todo branco”, porém ela nem o nota.
No terreiro de Oxalá ele fica muito triste ao perceber que ela está se envolvendo com
Xangô. O tema é o amor romântico e o objeto é uma deusa afro. O subtema é o amor
não correspondido e o ciúme.
“Que vontade de chorar / No terreiro de Oxalá / Quando eu dei com a minha ingrata /
(...) Em meio à multidão / Cercando Xangô num balanceio / Cheio de paixão”

40) Morena flor – canção feita, provavelmente, para a esposa baiana de Vincius, Gessy
Gesse. A letra narra um homem apaixonado chamando sua amada de morena flor e
lhe pedindo carinho. Fala no diminutivo, forma típica de Vinicius se referir àss coisas e
pessoas queridas por ele. Afirma que sem seu amor tudo ficaria muito triste, porém a
Bahia a fez toda somente para ele. O tema é o amor romântico e o objeto é a mulher.
O subtema é o relacionamento com a pessoa amada. A abordagem é pela alegria e
intimidade.
“Morena flor / Me dê um cheirinho / Cheirinho de amor / Depois também / Me dê todo
esse denguinho / Que só você tem”

41) No colo da serra – narra a fala de um homem empolgado com a vida e o amor, que
deseja ter a amada do lado, lutar por ela, ter uma vida simples, ser feliz e fazê-la feliz
ao seu lado. Acredita que vale a pena morrer por amor e pela vida, mas é preciso ter
simplicidade e saber lutar pelas coisas que realmente valem a pena. Fala dos homens
que não conseguem mais mirar as estrelas. É um hino de louvor à vida e ao amor. O
tema é o amor romântico e o objeto do amor é a mulher. O subtema é a necessidade
de amar e ter a pessoa amada. Exaltação da vida, que só vale a pena com amor.
“Se eu tiver que lutar / Vou é lutar por ela / Se eu tiver que morrer / Vou é morrer por
ela / E seu eu tiver que ser feliz / Você vai ter que ser feliz também!”

42) Paiol de pólvora – na letra, tudo o que acontece é dentro de um paiol de pólvora.
Conta episódios que acontecem dentro lá dentro. Todos estão dentro de um paiol de
pólvora que só tem entrada, não há saída, e a vida se dá dentro do paiol, que no fim
explode. O tema é o cotidiano e o subtema é a pressão, a submissão.
“Estamos trancados no paiol de pólvora / Paralisados no paiol de pólvora / Olhos
vedados no paiol de pólvora / Dentes cerrados no paiol de pólvora”

43) Para viver um grande amor – a letra indica como viver um grande amor. As instruções
são faladas. Intercalado, há o refrão cantado que fala da boa companhia do violão, da
canção e da poesia e, tendo isso, nunca se está só. O tema é o amor romântico e o
objeto do amor é a mulher. O subtema é o caminho para viver um grande amor, as
instruções descrita com alegria, envolvimento, entrega.
“Eu não ando só / Só anda em boa companhia / Com meu violão / Minha canção e a
poesia / (...) Para viver um grande amor, primeiro / É preciso sagra-se cavalheiro / E
ser de sua dama por inteiro / Seja lá como for”

44) Patota de Ipanema – fala do desdém pela “patota de Ipanema”, turma da qual o
narrador diz não fazer mais parte e não lhe interessar mais. Afirma que cansou de ir
ao bar Zepelin, do papo e do jeito dos frequentadores dos bares e praias de Ipanema.
O tema é a amizade e o subtema é o desligamento de amizades antigas. Parece haver
nostalgia no ar ao mesmo tempo um desdém e desinteresse por algo que já foi
importante.
“Não tenho ido ao cinema / E a patota de Ipanema não me interessa mais / Podem
dizer que eu já era / E eu só digo: ai, quem me dera / Uma vida em paz”

45) Planta baixa – o narrador fala dos cuidados que uma planta requer e a compara aos
sentimentos, que também precisam ser regados, cuidados, têm que respirar e estar
contente. E compara isso tudo às pessoas, dizendo que “gente também é semente”. O
150

tema é o relacionamento com as pessoas e o subtema é o cuidado com elas. A


abordagem é pela alegria, esperança, incentivo, vida.
“Plante uma cidade toda / Ponha gente em seu contorno / E a vida a rodar / Dia-a-dia
é corrosivo / E de tudo que está vivo / Se deve cuidar / (...) Regue bem seu sentimento
/ Porque rega no momento / Não pode faltar”

46) O poeta aprendiz – conta a história de um menino de dez anos que pulava muros,
vivia correndo, mergulhando, jogando bola e amava as mulheres ao seu redor: primas,
tias, criadas, vadias da rua. Era um menino que achava bonita “a palavra escrita” e
escrevia seus primeiros versos. Indica a história do próprio Vinicius, que nessa idade
morava na Ilha do Governador. Mais uma letra de retomada do passado, da sua
história. O tema é o estilo de vida e o subtema amores de adolescência e sua relação
com a poesia.
“Ele era um menino / Valente e caprino / Um pequeno infante / Sadio e grimpante / (...)
Amava Leonor / Menina de cor / Amava as criadas / Varrendo as escadas / Amava as
gurias / da rua, vadias / (...) Amava a mulher a não mais poder”

47) O porquinho – canção do disco Arca de Noé 2. É cantada por um porquinho para as
crianças. O porquinho conhece seu destino, sabe que é feito para ser comido,
alimentar e agradar as pessoas e gosta disso. Fala das diversas maneiras que as
pessoas o preparam e dos diferentes pratos gostosos que ele pode servir. Possui
tema infantil e subtema sobre animais.
“Muito prazer, eu sou o porquinho / Eu te alimento também / Meu coro bem tostadinho
/ Quem é que não sabe o sabor que tem”

48) A porta – faz parte do disco Arca de Noé 1. Quem canta é a própria porta, que conta
suas utilidades. Fala que é feita de madeira e que, apesar de ser matéria morta, “não
há coisa no mundo mais viva do que uma porta”. O tema é infantil e o subtema é a
utilidade da porta.
“Eu abro devagarinho / Pra passar o menininho / Eu abro bem com cuidado / Pra
passar o namorado / Eu abro bem prazenteira / Pra passar a cozinheira / (...) Eu fecho
a frente da casa / Fecho a frente do quartel / Fecho tudo no mundo / Só vivo aberta no
céu”

49) Um pouco mais de consideração – a letra é cantada por alguém que está sofrendo de
amor, pois a pessoa amada não se decide e não sabe se gosta mesmo ou não. O
narrador pede um pouco mais de consideração, pois foi cativado e, por isso, a pessoa
amada é responsável por seus sentimentos. O tema é o amor romântico e o subtema
é o cuidado com aquele que se ama, necessidade expressa através de sentimentos de
angústia, medo e sofrimento.
“Por que você é tão ruim / Não me diz não nem me diz sim / Sofre demais meu
coração / Pois nunca sabe quando é sim ou não / (...) Já que você foi quem me fez
contente / Já que você me cativou assim / Você não podia, muito francamente / Entrar
a sério nessa história de gostar de mim?”

50) A pulga – canção do disco Arca de Noé 1. Quem canta é a própria pulga. Letra curta,
na qual faz um jogo de rimas com os números, mostrando a sequencia para se
alimentar: pula na perna, dá uma mordida e por fim está com a “barriguinha cheia”. O
tema é infantil e como subtema a letra fala de animal.
“Um, dois, três / Quatro, cinco, seis / Com mais um pulinho / Estou na perna do
freguês”

51) Regra de três – narra uma conversa entre amigos. Um chama a atenção do outro
sobre a forma como vem tratando sua amada, magoando-a e deixando-a triste. Afirma
que ela o deixou porque não aguentava mais tanto perdoar. O tema é o amor
151

romântico pela mulher e o subtema é o perdão. A letra é um alerta, apesar de trazer a


sensação de alegria, de paixão.
“Tantas você fez / Que ela cansou / Porque você, rapaz / Abusou da regra três / Onde
menos vale mais / Da primeira vez / Ela chorou / Mas resolveu ficar / (...) Depois
perdeu a esperança / Porque o perdão também cansa / De perdoar”

52) A rosa desfolhada – canção triste na qual o narrador fala da tentativa de recompor
uma intensa paixão que acabou, ilustrada pelos objetos jogados ao chão e pela rosa
desfolhada, que ele tenta inutilmente reconstruir. O tema é o amor romântico e o
subtema é o término do amor, visto pela via da tristeza, do espanto, da perda.
“Tudo pisado, tudo partido / Tudo no chão jogado / E em cada canto / Teu desencanto
/ Tua melancolia / (...) E logo o espanto e logo o insulto / O amor dilacerado / E logo o
pranto ante a agonia / Do fato consumado”

53) As razões do coração – o narrador fala para a pessoa amada sobre a saudade que
sente. Acredita que o amor chegou tarde demais para os dois e que já não é mais
possível que eles fiquem juntos. O tema é o amor romântico e o subtema é a saudade,
abordada com sentimentos de desejo, envolvimento e necessidade do outro.
“É uma saudade tão doída de você / Que eu não sei mais nada, não / E é isso aí
sempre que o amor não pode ser / Sempre que a distância pode mais que o coração”

54) Uma rosa em minha mão – uma mulher se questiona sobre onde pode estar seu par,
pois tanto procura e não consegue encontrar. Junto com o amado queria ela um lugar
bonito, céu, mar e um campo florido. Porém, o que ela tem é solidão. O tema é o amor
romântico e o objeto do amor é o homem. O subtema é a solidão e a busca pelo amor.
“Procurei um lugar / Com meu céu e meu mar / Não achei / Procurei o meu par / Só
desgosto e pensar, encontrei / Onde anda o meu rei / Que me deixa tão só por aí / A
quem tanto busquei / E que de tanto que andei me perdi”

55) Samba para Endrigo – a letra enaltece o Rio de Janeiro e o estilo de vida do carioca.
Acredita que são cheios de ginga, de samba e muito brasileiros. O tema é o Rio de
Janeiro e o subtema é o perfil do carioca, visto com beleza, malandragem, samba.
“Quando eu chego ao Rio / Eu me arrepio / De ver tanta coisa linda / Solta no ar / (...)
Cada um na rua / É um rei na sua / Maneira tão popular”

56) Samba do jato – a pessoa que narra a história dessa canção está solitário, de repente
se viu sozinho, em um bar onde já esteve com a pessoa amada. Sente uma ilusão na
madrugada, como se tivesse sido acordado de um sonho e está perambulando entre
cachorros, um jato que partiu e a sensanção de tempo parado. O tema é o amor
romântico e o subtema é a ausência da pessoa amada. A abordagem é pela visa da
ilusão, solidão e tristeza.
“Um galo cantou / Meu sonho acordou / O jogo acordou, calado / E eu madruguei /
Chutando pedras pelo chão / Com a solidão do lado / Um cão me seguiu / Um jato
partiu / E tudo ficou parado / E eu acabei naquele bar / Onde nós dois / Vivemos nosso
passado”

57) Samba da rosa – fala sobre a vontade do narrador de ter uma rosa e para quê.
Compara a rosa à mulher e deseja ter uma rosa no coração. O tema é a mulher e o
subtema é o estilo da mulher, abordada como beleza, amor, algo para se admirar.
“Rosa pra dormi / Rosa pra acordar / Rosa pra sorrir / Rosa pra chorar / Rosa pra partir
/ Rosa pra ficar / E se ter mais uma rosa mulher / É primavera / É a rosa em botão / Ai,
quem me dera / Uma rosa no coração”

58) Samba da volta – narra a alegria de alguém que tem a pessoa amada de volta, depois
de tanto tê-la magoado. O tema é o amor romântico e o subtema é o perdão e a volta
da pessoa amada, trazendo alegria e felicidade.
152

“Você voltou, meu amor / A alegria que me deu / Quando a porta abriu / Você me
olhou / Você sorriu / Ah, você se derreteu / (...) É verdade, eu reconheço / Eu tantas fiz
/ Mas agora tanto faz / O perdão pediu seu preço”

59) São demais os perigos dessa vida – a letra fala que a vida é muito perigosa para
quem ama e tem paixão. Relaciona esse perigo à mulher, que é feita de música, luar e
sentimento. O tema é o amor romântico e o objeto desse amor é a mulher. O subtema
é o perigo de se amar. A abordagem é dramática. Há tristeza, beleza e necessidade
de cuidado implícito na letra.
“São demais os perigos dessa vida / Pra quem tem paixão principalmente / Quando
uma lua chega de repente / E se deixa no céu, como esquecida / E se ao luar que atua
desvairado / Vem se unir uma música qualquer”

60) Se o amor quiser voltar – o narrador fala sobre o sofrimento, a tristeza e as


consequências que o amor traz mas, ainda assim, se o amor quiser voltar, ele afirma
que estará esperando. O tema é o amor romântico e o subtema é a necessidade de
amar, abordada como esperança, constatação.
“Se o amor quiser voltar / Que terei pra lhe contar / A tristeza das noites perdidas / Do
tempo vivido em silêncio / Qualquer olhar vai lhe dizer / Que o adeus me faz morrer /
(...) Mas se ele insistir / Mas se ele voltar / Aqui estou eu a esperar”

61) Se ela quisesse – é a fala de um homem que espera que sua amada queira viver e
morrer por amor. Deseja que ela se entregue a esse sentimento. O tema é o amor
romântico pela mulher e o subtema é a necessidade de amar. A abordagem é da
entrega, da paixão, alegria, esperança.
“Se ela tivesse a coragem de morrer de amor / Se não soubesse que a paixão traz
sempre muita dor / (...) Ela veria, saberia que doçura / Que delícia, que loucura / Como
é lindo se morrer de amor”

62) Sei lá... A vida tem sempre razão – a letra traz uma reflexão sobre a vida, sobre o fim
das coisas, geralmente logo depois que se iniciam. Mas, por fim, afirma que, mesmo
não sabendo a resposta para seus questionamentos, “a vida tem sempre razão”. O
tema é a vida e o subtema é as dúvidas sobre a existência. A abordagem é otimista e
positiva, parecendo fazer uma enaltação da vida.
“Tem dias que fico pensando na vida / E sinceramente não vejo saída / Como é, por
exemplo, que dá pra entender / A gente mal nasce / Começa a morrer / (...) Sei lá, sei
lá / A vida é uma grande ilusão / Sei lá, sei lá / Só sei que ela está com a razão”

63) Sem medo – a letra fala dos obstáculos que temos que enfrentar na vida desde
crianças e da necessidade de superar medos e riscos. Até que por fim vem a morte,
que é o último obstáculo e que chega para todos. O tema é o superação de obstáculos
e o subtema é o desenvolvimento humano. A abordagem é otimista, com sentimentos
de alegria, coragem e esperança.
“Chega um belo dia de qualquer semana / Alguém bate na porta, é um telegrama / Ela
está chamando, pra uns ela vem cedo / Pra outros vem tarde / É que cedo ou tarde,
ela vem de repente”

64) Tarde em Itapuã – a letra fala da tranquilidade e da beleza de se viver em Itapuã, na


Bahia, de aproveitar o dia e a noite nessa praia. Fala do ambiente, do clima, da
preguiça que se sente. O tema é estilo de vida e o subtema é a Praia de Itapuã.
Aborda o estilo de vida mais simples, mais prazeroso.
“Um velho calção de banho / O dia pra vadiar / Um mar que não tem tamanho / E um
arco-íris no ar / Depois da praça Caymmi / Sentir preguiça no corpo / E numa esteira
de vime / Beber uma água-de-coco”
153

65) Tatamirô (Em louvor de Mãe Menininha de Gantois) – é um canto em louvor a vários
deuses do candomblé e à Mãe Menininha do Gantois, pela qual Vinicius tinha grande
admiração e era seguidor. A letra é contada hora por uma mulher hora por um homem.
Ambos falam que Mãe Menininha os adotou e batizou. Vários deuses os protegem. O
tema é divindades do candomblé e o subtema é agradecimento e pedido de proteção.
Há muita musicalidade, sentimentos de confiança e louvor.
“Apanha folha por folha, tatamirô / Apanha maracanã, tatamirô / Eu sou filha de Oxalá,
tatamirô / Menininha me apanhou, tatamirô / Xangô me leva, Oxalá me traz / Xangô
me dá guerra, oxalá me dá paz”

66) A terra prometida – a canção indica os caminhos para se viver bem e ter uma morte
em paz. Destaca a possibilidade do homem de ter sua terra, seu espaço e nele pode
fazer as coisas mais simples e mais importantes. O tema é o estilo de vida e o
subtema é a necessidade de um lugar para se viver e morrer. O tema é abordado
como necessidade, tranquilidade, esperança.
“Poder domir / Poder morar / Poder sair / Poder chegar / Poder viver bem devagar / E
depois de partir poder voltar / E dizer: este aqui é o meu lugar”

67) Testamento – canção com partes faladas e outras cantadas. São indicações sobre o
que vale a pena na vida e um alerta para o tempo que é muito curto e passa rápido
demais para ser vivido sem amor e sem paixão. Fala dos compromissos materiais e de
trabalho que muitos vezes consomem as pessoas para, na hora da morte, nada ser
levado consigo. O tema é o estilo de vida e o subtema é a importância das coisas mais
simples, destacada por meio de um aviso, um alerta.
“Você que não pára pra pensar / Que o tempo é curto e não pára de passar / Você vai
ver um dia / Que remorso! Como é bom parar / Ver um sol se pôr / Ou ver um sol raiar
/ E desligar, e desligar”

68) A tonga da mironga do kabuletê – expressão ensinada por Gessy Gesse, mulher de
Vinicius, a ele e Toquinho para expressar um desabafo, um xingamento sem um
objeto específico, podendo ser usado com diversos significados e em diferentes
ocasiões. Na letra, a expressão é usada para as pessoas que não se envolvem
realmente no que fazem. A letra de despreocupação e o subtema é o xingamento. A
abordagem é pela comicidade e alegria.
“Eu caio de bossa / Eu sou quem eu sou / Eu saio da fossa / Xingando em nagô / Você
que ouve e não fala / Você que olha e não vê / Eu vou lhe dar uma pala / Você vai ter
que aprender / A tonga da mironga do kabuletê (3x)”

69) Triste sertão – a letra fala como é dura, solitária e triste a vida no sertão. Fala dos
pássaros que cantam sem platéia, da falta de água, da escuridão. O tema é o sertão e
o subtema é a vida dura. A abordagem se dá pela simplicidade, sofrimento,
resignação.
“É ano de seca no sertão / Lá onde a vida acaba / Vive só quem tem razão / Vive o
bode, vive a cabra / E o maracujá e a cana-brava / E o mandacaru e a assombração”

70) Tudo na mais santa paz – o narrador fala da sensação após um período feliz, uma
festa, uma comemoração. Fala de como tudo fica triste, dos medos que permanecem,
da solidão. Ainda assim tudo permanece em ordem, “na mais santa paz”. O tema é a
solidão e o subtema é a necessidade de conviver com a solidão, abordada como
apreensão, angústia e medo, mas também lembranças boas e esperança.
“Acabou a festa, amor / Ainda tem uma cerveja no congelador / Vamos ao que resta,
amor / Dia de festa é véspera de muita dor”

71) Turbilhão – o narrador convida o ouvinte a se perder nas intensidades dos


sentimentos e fazer tudo o que o coração pedir. Está relacionado ao amor romântico e
154

à paixão. O tema é o estilo de vida e o subtema é a entrega à paixão. Os sentimentos


são de alegria, entrega, esperança, desejo pela vida.
“Venha se perder nesse turbilhão / Não se esqueça de fazer / Tudo o que pedir esse
seu coração / Tem muita gente que só vive pra pensar / Existe aquele que não pensa
pra viver / Eu, por exemplo, na paixão / Mesmo que tenha que sofrer / Eu abro o jogo e
o coração / E deixo o meu barco correr”

72) Valsa para uma menininha – faz parte do disco Arca de Noé 1. É a fala de um pai
para sua filha pequena. Ele deseja que a filha fique sempre pequena, fazendo
gracinhas. Fala que o mundo é ruim e que, quando crescer, ela pode sofrer desilusão.
O tema é a infância e o subtema é a filha pequena, vista com alegria, contentamento,
felidade, encanto.
“Menininha do meu coração / Eu só quero você / A três palmos do chão / Menininha,
não cresça mais não / Fique pequenininha na minha canção / Senhorinha levada /
Batendo palminha / Fingindo assustada / Do bicho-papão”

73) Valsa do bordel – a letra é feita a partir do ponto de vista das prostitutas de um bordel.
Fala da solidão em meio a tantas fantasias dos clientes e da alegria quando chega um
especial, cheio e paixão, que faz valer os dias ruins, o dinheiro ganhado mas que tem
que ser dado. O tema é a mulher e o subtema é a mulher do bordel. Os sentimentos
são de dor, sofrimento e esperança.
“Longas piteiras / Perfumes no ar / Roxas olheiras em torno do olhar / Que brincadeira
fazer profissão / Da mais antiga e mais sem solução / Discos franceses tão
sentimentais / Velhos fregueses / Com taras iguais”

74) Veja você – conta a história de uma pessoa que não tem medo de ser infeliz, que se
entregou ao amor. Sofre muito por isso, mas está mais feliz agora que se “despediu do
desamor”. O tema é o estilo de vida e o subtema é a importância do amor e da paixão,
vistos como felicidade e necessidade para a vida.
“Veja você, eu que tanto cuidei da minha paz / Tenho o peito doendo, sangrando de
amor por demais / Na dor eu sei a extensão da loucura que fiz / Eu que acordo
cantando, sem medo de ser feliz”

75) A vez do dombe – fala do ritmo musical conhecido como dombe. Depois da rumba
cubana, do mambo, calipso, merengue, samba e bossa nova, agora é a vez do
dombe, que tem raízes africanas, mas vem da Argentina. Cita todos os países origens
dos ritmos precedentes e citados. O tema é a música e o subtema é o dombe. Há
musicalidade e referência à dança.
“Mas é agora a hora do dombe / Esse menino cheio de plá / África na América / A
rumba, o merengue eo chá-chá-chá / Ritmo candombe / É o dombe que veio da
Argentina”

Você também pode gostar