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MARKETING – 2018/19

O Conceito de Marketing e a sua evolução

O estudo do Marketing, enquanto área de conhecimento e como atividade


organizacional integradora de um conjunto de práticas e de técnicas que é, implica um
conhecimento alargado de vários aspetos essenciais para a sua compreensão.
Destacam-se, entre outros, o sentido etimológico da palavra, o conceito e a envolvente
contextual e transacional do Marketing.

Sob o ponto de vista etimológico a palavra Marketing deriva do termo anglo-saxónico


market conjugado com o sufixo ing. Quanto ao termo que está na génese desta palavra,
o mesmo pode ser passível de dupla interpretação, conforme a sua aplicação na forma
de verbo ou substantivo. Como verbo (to market), a conjugação com o sufixo ing resulta
no significado da palavra Marketing como ação continuada,o fazer ou atuar perante o
mercado.

Em sentido oposto, enquanto substantivo, o termo designa o mercado como local ou


o espaço onde grupos de indivíduos se reúnem com o intuito de realizarem relações de
troca, e que por sua vez pode sofrer a influência das envolventes contextual e
transacional. Atualmente o local ou o espaço tanto pode ser físico como virtual devido
ao papel crescente das tecnologias de informação.

Na qualidade de substantivo, o termo market, quando conjugado com o sufixo ing


confere à palavra Marketing o significado de processo ou operação (Millican, R.D., 1964,
p.8). Nesta aceção, o Marketing surge como um processo ou operação.

Merece aqui referência o facto do Marketing, à semelhança de qualquer outra prática


ou realidade humana, poder ser, em cada momento, o resultado de determinada
evolução histórica ou de alteração da envolvente. E, por isso, o Marketing afirma-se
como algo que não é estático, procurando adaptar-se continuamente ao dinamismo e à
evolução normal da vida social e económica. De facto, é notório na vasta literatura
dedicada ao Marketing o quanto este tem vindo a evoluir, quer como área de estudo e
de conhecimento, quer como pensamento e prática que é.

O desenvolvimento das sociedades complexas e a passagem para uma economia


assente na criação de riqueza e de excedentes, são alguns dos fatores que estão na
génese e evolução do Marketing. À medida que as sociedades passaram a produzir

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mais do que necessitavam para a sua autossubsistência, tornando os excedentes como
uma oportunidade de acumulação de riqueza, o Marketing assumiu em resposta um
papel determinante ao proporcionar um maior equilíbrio e otimização na relação entre a
oferta e a procura. Nesse sentido, o Marketing vem estabelecer como princípio
elementar a ideia de que nem tudo aquilo que as empresas produzem é vendável,
reconhecendo que os consumidores só estão disponíveis para comprar tudo aquilo que
lhes permite retirar benefícios na satisfação das suas necessidades. Partindo desta
realidade, o Marketing relevou para primeiro plano a ideia de que o que importa
verdadeiramente é atender às reais necessidades do mercado, cabendo às empresas
produzirem na justa medida dessas necessidades. Perante esta lógica, o Marketing
assume igualmente a função de orientar a produção, garantindo que produtos e serviços
adequados possam chegar aos mercados e clientes que deles necessitam (Perreault &
McCarthy, 2006).

O estudo da evolução do pensamento e da conceptualização do Marketing tem sido


aprofundado por diversos autores. Wilkie e Moore (2003) sintetizam esta evolução,
propondo para o efeito a divisão temporal do pensamento em quatro eras,
correspondendo a cada uma delas um determinado paradigma ou orientação. A ERA I
corresponde às duas primeiras décadas do século XX, sendo durante este período que
o Marketing se separa da área da economia, afirmando-se desde então como uma
disciplina e área de conhecimento independente.

Na ERA II, cuja duração se estende até 1950, surgem como fatores marcantes o
aparecimento e desenvolvimento de um conjunto de conceitos e princípios gerais, bem
como uma infraestrutura de associações e revistas relacionadas com o estudo do
Marketing. Remontando o seu interesse como área de estudo independente ao início do
século XX (Hill & McGinnis, 2007), foi ainda em 1950 que se introduziu o seu conceito
com base filosófica a orientação do mercado. O Marketing passou então a afirmar-se
como um ideal a prosseguir pelas empresas (Barksdale, 1971) e uma filosofia de
mercado (Kotler & Armstrong, 2001; Murphy et al., 2008).

Ao período entre 1950 e 1980 corresponde a ERA III, no qual ocorre uma mudança
de paradigma em que o Marketing passa a ser percecionado como uma solução para
problemas de gestão, tendo por base as ciências comportamentais e métodos
quantitativos. Por último, a ERA IV caracterizou-se por uma nova alteração de
paradigma, conferindo ao Marketing um carácter reflexivo. Ao questionar os

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pressupostos e critérios científicos que serviam de alicerces ao seu conhecimento e
pensamento, abriu-se caminho a um paradigma pós-moderno (Hill & McGinnis, 2007b).
Utilizando uma perspetiva diferente, Kotler, Kartajaya e Setiwan (2016)
explicam a evolução do Marketing resumindo-a a três fases que designam por
Marketing 1.0, Marketing 2.0 e Marketing 3.0. Segundo estes autores, o
Marketing 1.0 corresponde ao período industrial no qual a tecnologia dominante
eram as máquinas industriais.
Na versão do Marketing 1.0 a lógica subjacente à sua intervenção consistia
em facilitar a venda da produção a todos que tivessem capacidade para a
comprar. O mercado era encarado como um aglomerado de consumidores
indiferenciados. Neste mercado de massas o que importava verdadeiramente
não era o valor acrescentado e a diferenciação do produto/serviço, mas sim a
redução de custos por via de economia de escala promovida pela
estandardização. Reduzir custos de produção para conseguir preços baixos, e
que por sua vez estimulassem o escoamento da produção, seria o princípio
orientador do Marketing. Um exemplo paradigmático desta abordagem
frequentemente usada para a explicar esta fase é o célebre caso da produção
de automóveis do Modelo T de Henry Ford. Para Ford os consumidores
poderiam optar por qualquer cor de automóvel desde que fosse preto.
O elemento central no Marketing 1.0 é o produto e as suas características, sendo a
relação com o consumidor nesta fase essencialmente de carácter transacional. Com
efeito, é na venda que reside o enfoque principal do processo de marketing, estando
nela inicialmente espelhada a própria conceção de Marketing. Autores como o Kotler
(1986) chegaram inclusivamente a defini-lo, enquanto conceito, como “o conjunto de
atividades que tem por objetivo facilitar e consumar relações de troca”. O Marketing 1.0
será por assim dizer a resposta aos problemas de mercado emergentes da Era
Industrial1.

Com o surgimento das tecnologias de informação (ex. a Internet) e a crescente


importância da informação como um recurso organizacional, os consumidores
passaram a ter amplo acesso à informação. Este facto contribuiu em larga

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Na sua obra “ A Terceira Vaga” publicada em 1980, Alvin Toffler refere que a evolução das
sociedades faz-se por vagas sequenciais. A Era Industrial anteriormente referenciada é o
resultado da segunda de três vagas, sendo as sociedades nesta fase de desenvolvimento
influenciadas pela Revolução Industrial. São por isso sociedades industriais orientadas para a
produção em massa.

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medida para que os consumidores se tornassem cada vez mais esclarecidos e
exigentes. Como consequência, tornaram-se igualmente mais seletivos quanto
ao seu comportamento de compra, centrando a sua atenção nos benefícios e no
valor em vez das características e funcionalidades do produto. Os consumidores
passaram a ter poder, analisando, comparando e decidindo em função do seu
nível de conhecimento e da diversidade de alternativas ao seu dispor em
produtos similares. O enfoque do marketing deslocou-se, necessariamente, das
características do produto e das suas funcionalidades para questões como: a
natureza das decisões de compra do consumidor (Quelch & Jocz, 2008) e a ideia
de criação de valor. É esta a fase que corresponde e caracteriza o Marketing 2.0.
Tendo surgido na era da informação, por influência das tecnologias de
informação, esta versão do marketing incute nos marketers a necessidade de
chegarem à mente e coração dos consumidores. O mercado passa então a ser
definido em função das reais necessidades do consumidor, sendo necessário
para a correta identificação e satisfação dessas necessidades a introdução de
critérios adequados de segmentação. Privilegia ainda a relação com o cliente e
a sua gestão eficaz como forma de o fidelizar.
Não obstante o Marketing 2.0 afirmar-se como o marketing da era da
orientação para o cliente, ainda assim, segundo Kotler, Kartajaya e Setiwan
(2016), o mesmo não deixa de partir do princípio de que os consumidores são
alvos passivos das campanhas de marketing.
Para os mesmos autores, a tendência é para o Marketing 3.0, em que o
marketing passa a ser movido por valores. Segundo esta nova conceção, o
indivíduo deixa de ser encarado pelos marketeres não como mero consumidor,
mas sim como ser humano em toda a sua dimensão. Significa, pois, que aquilo
que procura já não é somente a realização funcional e emocional, mas também,
e fundamentalmente, a realização da sua componente espiritual. Em síntese, o
Marketing 3.0 acrescenta o marketing do espírito humano ao marketing
emocional. Trata-se de uma versão do marketing que, na opinião dos seus
pensadores, se tornou mais sofisticada que a anterior, introduzindo e exigindo
abordagens mais colaborativas, cultuais e espirituais.
Relativamente ao conceito de Marketing, importa antes de mais destacar a
importância que os conceitos em geral têm. Não são apenas uma mera definição ou
convenção tecnológica, mas sim uma construção abstrata que pretende retratar o real,

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e que exprimem o essencial dessa realidade segundo o ponto de vista de quem a estuda
(Quivy, 1998).

Na interpretação do conceito de marketing e o seu alcance, Kotler (1972) introduz


como ideia três estados de consciência ou de perceção. No primeiro nível de
consciência o marketing é associado à noção tradicional de assunto ligado a negócios,
reportando-se por isso a vendedores, compradores, produtos e serviços. A este nível de
perceção o conceito tem por base o carácter transacional do qual se revestem as
relações de mercado. Engloba apenas as relações de transação de mercado em que há
cedência da propriedade ou uso de um bem ou serviço a troco de um pagamento. As
restantes relações que não são consideradas de mercado são excluídas do conceito,
passando por isso despercebidas aos olhos dos marketeres.
O segundo nível de consciência, surgido em anos recentes, fornece uma perceção
do Marketing como algo adequado e aplicável a todas as organizações com clientes.
Neste nível de consciência, ao contrário do anterior, a questão do pagamento deixa de
ser essencial para definir o domínio do Marketing. Tal significa que o Marketing passa a
transcender a simples troca bidirecional, afirmando-se como útil para qualquer
organização envolvida na produção de produtos para consumo de outrem. Assim, a sua
perceção é de algo relevante em todas as situações em que envolvam organizações,
grupos de clientes e produtos. Kotler (1972) considera que apesar deste segundo nível
de consciência introduzir um conceito de Marketing mais alargado, ainda assim
reconhece que continua a ser limitado. Nessa circunstância, o autor introduz um terceiro
nível de consciência, em que o Marketing passa a ser percecionado como uma questão
inerente a todas as organizações na sua relação com o público em geral. Note-se que
ao introduzir a ideia que o Marketing diz respeito a todas as organizações e públicos em
geral, desfaz desta forma a sua ligação exclusiva à relação transacional e às
organizações envolvidas na venda e produção de produtos.
O Marketing vê assim alargado o seu conceito, transcendo as questões relacionadas
exclusivamente com grupos de consumidores para se tornar numa função
organizacional. Em suma, a perceção do marketing ou a definição do conceito passará
a depender do nível de consciência que cada organização ou indivíduo vier a adotar.
O terceiro nível de consciência será porventura aquele que permite uma melhor
perceção do âmbito de intervenção do Marketing, pois confere-lhe uma definição e
significado mais amplo.
Reconhecendo a importância do conceito, Kohly e Jaworski (1990) fazem
referência a três elementos estruturantes do conceito de marketing, sendo estes:

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o enfoque no cliente, marketing coordenado e o fator lucro ou rentabilidade.
Kotler (1991) por seu turno considera que o conceito de marketing está
alicerçado sobre quatro pilares estruturantes, designadamente, o enfoque no
mercado, orientação para o cliente, marketing coordenado e o lucro ou a
rentabilidade.
Concluída esta reflexão acerca da evolução do marketing em termos
concetuais e de orientação, avança-se seguidamente para algumas definições
do conceito:
McNamara (1972) apresenta uma visão do Marketing mais abrangente,
definindo-o como uma filosofia de gestão em que a empresa passa a aceitar, de
forma generalizada, a necessidade de orientação para o cliente, lucro e o
reconhecimento da sua importância na divulgação das necessidades do
mercado a todos os departamentos da empresa.
Theodore Levitt (1983) define o Marketing como o processo de atrair e manter
clientes.
De acordo com a definição da Associação Americana de Marketing (1985), o
Marketing seria “o processo de planeamento e execução da conceção de preço,
promoção e distribuição de ideias, bens e serviços, para a troca e satisfação de
objetivos individuais e organizacionais”. Recentemente, em 2013, a mesma
associação passou a definir o Marketing como “o conjunto de atividades, instituições
e processos para a criação, comunicação, entrega e troca de ofertas com valor para os
clientes, parceiros e a sociedade em geral”
Para os autores Hill e McGinnis (2007) o marketing é uma maneira de pensar que
envolve questionar de modo particular, e um confronto ativo e inteligente centrado num
pensamento estratégico de antecipação à concorrência.
Kotler et al. (2013) definem o Marketing como “o processo através do qual as
empresas criam valor para os seus clientes, e com eles constroem
relacionamentos fortes com o intuito de captarem valor” (Kotler, 2013).
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Referências

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Perreault, W., & McCarthy, J. (2006). Essentials of marketing: A global managerial
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Definição de Marketing AMA (2013). Recuperado em 2006, Fevereiro, 15, de
https://www.ama.org/AboutAMA/Pages/Definition-of-Marketing.aspx.

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