Você está na página 1de 6

'

I· r /
//
~- --- \
'

// ;Y-~1/r
'
11
,
/ -! -
a
/ /1 . /,..,, (
u
/ ( ,'--__ .,./ .~
/ t ª i e . ,/ '4
~ofter ,q,,qi~irio
/
/
1
'r ,
.
1 ,..,,-
1
\ Si/via Maria Cury Ismael /.,,,/
_./
1 4
1
-------------
i

i .. .,
j
1 -;
f
i' Hoje são as doenças crônico-degenerativas, que ocupam papel prepon-
! '
i ·: derante em comparação a alguns anos atrás5. Sabe-se, sem sombra de dú-
,,.

,i
·-1 vida, que os índices _de morbidade e mortalidade estão cada vez mais re-
lacionados a comportamentos e estilos de vida prejudiciais à saúde. Ain-
'1
: da com as técnicas diagnósticas e os tratamentos cada vez mais avançados,
a população tem conseguido ter uma melhor qualidade de vida, assim
!· .. como o tempo médio de vida tem aumentado cada vez mais.
;J;..:.•· As mudanças na estrutura da morbimortalidade das sociedades moder-
!..
/ nas durante os últimos anos sugerem que a psicologia precisa reconhecer
seu papel na contribuição de prevenção da doença e promoção de saú-
de7. Já que a psicologia é a ciência cujo objeto de estudo inclui a análise,
predição e rp.odificação dos fatores que afetam o comportamento, ela pode
ajudar a identificar correlatos etiológicos e diagnósticos de saúde, da do-
ença e disfunções relacionadas ao sistema do cuidado à saúde4 •
A doença cardiovascular tem representado um problema de saúde gra-
ve não só quanto ao seu impacto social, como no mundo. Segundo a Or-
ganização Mundial de Saúde 10 (2004), elas correspof!dem a 30% da mor-
. 'ú{lidade e, no Brasil, são conside~adas a principal causa de morte. Pelos
dados do Datasus, por exemplo, sabe-se que, na Região Sudeste, de janei-
ro de 1984 a janeiro de 2006, a mortalidade dos pacientes por doenças
do aparelho circulatório foi de 1.968.970 pessoas. Isto significa que, além
da perda de várias pessoas em idade produtiva ou não, o gasto com a saú -
de é significativo em relação ao tratamento destes pacientes.

147
Vários são os fatores de risco para aoenças cardiovasculares e os mais 1
l' É importante visualizar, primeiramente, ª-doença como representacã,9
simbólica. No AntigÜ-Testamento aparece a primeira doença como puni-
freqüentes são: hereditariedade, hipertensão arterial sistêmica, aumen- 1

to do colesterol, triglicérides, tabagismo,·secl,entarismo, obesidade, dia- ção. A medidna de certos povos primitivos (como indígenas·americanos.
betes mellitus além dos fatores conhecidos como psi~ossociais, des- e brasileiros) enfatizà a cura simbólica cujo o objetivo é criar uma sen-
tacando o estresse emocionaP. Tanto o estresse de ordem positiva (pro- sação de harmonia interna no paciente. A manipulação dos símbolos visa
moções, emoções positivas fortes) como o estresse negativo (perda de levar o doente de volta às suas origens místicas, livrar-se do mal dentro de
um ente querido, dificuldades no trabalho, problemas familiares) podem si e provocar uma transformação, um renascimento.
ser considerados fatores precipitadores da dqença. Estes aspectos, se não O símbolo, em geral, é usado como eixo principal para a cura, ou seja,
bem elaborados, podem provocar uma quebra no sistema existencial do através dele o doente se liga novamente à sua totalidade, ajudando a res-
indivíduo fazendo com que ele se sinta desvalorizado, com perda da tabelecer a função do órgão doentio. A doença seria aqui uma expressão
auto-estima, tornando-o um alvo mais fácil para a instalação da doença . simbólica, uma forma de o organismo expressar uma desarmonia entre,
12 1
cardíaca • Outra questão muito importante é o estilo de vida do indi- _ ;. por exemplo, um desejo e uma resistência.
víduo, que pode levá-lo a ter um problema cardíaco, uma vez que sua 111:' Í Um sintoma corporal pode ser visto como a expressão do corpo sim-
qualidade de vida torna-se inadequada. Lembramos ainda que, para po- (f:} t bólico, isto é, como o símbolo que expressa a relação psique-corpo. Te-
dermos compreender adeq~ente uma pessoa doente, deve~os vê- ~ l i mos que compreender o significado do símbolo não só na sua causa, mas
la em seu contexto bio si · ou seja, ele tem um problema clíni- O · i na sua finalidade. Se o desenvolvimento simbólico deriva de experiências
. 114
contexto sooa . "v . J..
,Jn :JJJv jJ
t V
.
co, tem uma estrutura ,d e personalidade e está inseri~o dentro de um
..J

(Jfn, fllJ-vt,JL;,f/
·

·
pessoais, ele deriva também de imagens e idéias universais.
O uso do simbolismo corporal aparecia e aparece nos rituais, arqui-
tetura e formas de manifestações artísticas. Em cada cultura e época se dá
89 l rWH'iiR~ii@ lj I • - ! ênfase maior a um ou outro órgão, como se através da expressão simbó-
lica corporal um determinado conteúdo devesse ser conscientizado.
O coração é o órgão vital responsável pela circulação do sangue para, ~.• 1· No caso do coração, sua raiz expressa a idéia de "centro". Temos al-
gumas expressões que enfatizam isso: lembrar com o coração (recordar).
todo o corpo. Ao mesmo tempo em que é considerado vital para dar vida .;
Ficar sem ele é como ficar sem centro, sem direção.
ao ser -humano, ele é visto como sede de sensibilidade moral, sentimen-
tos, segredos e amores. O coração traz ainda ~ma simbologia muito forte Unir corações: concordar. O coração é um centro vital e essencial, uma
; 1
de órgão da vida, e qualquer problema que o afete é sentido como amea- liga de sentimento, depositário da alma, local dos segredos mais escondi-
dos e dos amores mais profundos.
ça, gerando angústia. Goldberg fala que a cardiopatia é enfrentada com .:: 1
uma angústia de morte iminente. Entre alguns povos nativos, (maias e astecas), por vários séculos o co-
• 1

Quando a integridade física do indivíduo é ameaçada, colocando em ração foi um dos símbolos centrais em diferentes mitos e rituais rêligio-
risco seu bem-estar físico, ocorre o desequilíbrio biopsicossocial. sos. Na cultura e religião egípcia, o coração é um símbolo primordial. Para
A perda do sentimento de onipotência faz com que ele use mecanis- eles o coração estava internamente ligado à alma. Era tido como o lugar
mos d e defesa para manter seu ego afastado da ameaça. Estudos de 1
de poder da vida e origem de bons e maus pensamentos. O medo de ter o
coronario_pa~s com o ~étodo de Rorschach mostram que eles utilizam '{, coração destruído expressa o medo das forças inconscientes que destro-
como pnnc1pal mecamsmo de defesa a repressão, afastando-se do con-
tato co'.15igo me:mo e co_m o mundo. Este afastamento provoca distorção
da realidade e nao permite uma melhor compreensão desta. A utilização • .
cf(
0
1J.
x:°1Y'
1
em o ego quando este se afasta do seu centro.
O coração no Antigo Testamento aparece como o lugar da mente e vida in-
telectual, como sede de sentimentos e centro da vida moral e religiosa. Em si-
constante deste mecanismo associa-se a um ego muito primitivo, provo- ,.,-<!f 1
tuação de risco, o organismo tem reações fisiológicas e psicológicas. A altera-
canelo uma falha no processo defensivo, levando o indivíduo à baixel to- ! ção no ritmo cardíaco provoca alteração na psique gerando medo ou raiva.
lerância da frustração e à necessidade imediata de gratificação. Em nossa cultura o coração confunde-se com o sentimento do amor
representa arte, música, literatura e expressões populares. '

·143
·149
11 1 1 1 /111 / -T
"O medo me fazia sentir o coração sair péla boca."
Temos várias expressões: "coração de mãe"; "mamãe, eu moro no seu
coração"; "coração vagabundo". ,
r toda forma, sua expectativa de sucesso profissional havia sido seriamen-
te abalada e seus projetos futuros interrompidos, trazendo a depressão.
Outro paciente refêriu após sua cirurgia que fez um "balanço" nâ vida _e
Sendo assim, como reagir emocionalmente diante do acometi~ento de trouxe vários conteúdos de culpa por ter saído de casa muito jovem, te'r
um órgão tão significativo para o ser humano? deixado seus filhos e esposa sem muita explicação. Na época da cirurgia,
casado novamente, relatou ter filhos com "problemas pela sua conduta".
l n - ·, ' •
-:,l!.::i nJjM i'it'sri.~04Yt1 it!Hi/J//;WmH~
,li
'li.@
• ' J
Mifte'i' iiO iLOB'âilf;'ãü Para aliviar sua culpa, supria os filhos materialmente e concluiu que o que
1
faltou mesmo foi o amor de pai e o apoio na esfera emocional. O mais in-
Apesar da apurada tecnologia existente hoje, o adoecer do coração ain- teressante neste caso é que esse paciente iniciou um processo de infecção
da é visto como uma grande ameaça à vida. Isto se traduz em fantasias r na ferida cirúrgica, o que o fez ficar por mais tempo no hosp\tal. Solici-
medos e ansiedades através da reação emocional daquele que adoece: tava sempre o apoio da psicologia e nos atendimentos teve a possibilida-
vivenciando insegurança e impotência, gerando muitas vezes limitações de de poder colocar as questões de vida, que, ao passo que foram traba-
1-
"físicas" de fundo emocional e não somente orgânica. Ao adoec~r do co- lhadas pelo psicólogo, trouxeram urna melhora gradativa da infecção.
ração, além da ameaça de morte e da provável limitação física, represen- Botega I sugere as seguintes categorias de estresse psicológico que o pa-
ta uma perda, um luto de não ter mais sua saúde integra. Voltando à ciente hospitalizado por doença aguda pode vivenciar: o paciente vivenda
simbologia do coração, o adoecer se estende às suas emoções, sua sensi- ameaça à integridade física, sua onipotência fica abalada e ele percebe-se
bilidade e seus sentimentos. como falível e mortal; quebra do vínculo com sua família e de vida; medo
Nas "Lições introdutórias de psicanálise - Conferência XX.V de 1917", relacionado aos procedimentos hospitalares e ao "entregar sua vida" nas
Freud define alguns dos termos, como angústia, medo e susto de forma a mãos de outras pessoas; culpa por pensar que a doença pode ser um cas-
garantir à angústia um lugar especial na teoria do funcionamento psíqui- tigo por algo que fez; medo da invalidez; medo da morte e o medo da perda
1
co. Em ·termos freudianos, a angústia se afirma como estado afetivo puro, I _:;._--!-
de controle sobre as decisões sobre sua vida 1• -
•: i
que pode prescindir do objeto. Devem-se levar em conta mecanismos de defesa utilizados pelo paci-
Nas fobias ocorreria uma ligação da angústia ao objeto, gerando o con- ente, no sentido de poder lidar melhor com a doença. A prindpal
ceito de medo. O ~ o seria~escarga abrupta como efeito de um peri- do ~ ecanismo de defeqé preservar o e~o de situações que ameaçam stia
go antecipado pela angústia. Nessa colocação já surge a idéia de uma int~gridade.,Os mtcanismos de defesa mais utilizados são negação, regres-=-
angústia defensiva {expectativa ansiosa ou ansieclade antecipatória), são e raciõnalização. Serão discutidos aqui a negação e a regressão 2•
sinalizadora de um perigo, interno ou externo para o ego. Esta teoria mos- A negação é um estado psicológico presente após o diagnóstico da do-
tra o ego como a sede da angústia e qivicl~ ª -ª-~s!t~_er:n_três m~aliçl~- ença na tentativa de afastá-la, diminuindo o impacto da noticia e reduzindo
des: uma angústia real (perante um perigo real), uma angús tíá-defensiva a ansiedade que pode vir em decorrência dela. Ocorre, também, em ca-
sinalizadora de perigo e uma angústia neurótica disponível para aderir a sos de recidiva ou de insucesso no tratamento. Pode ser acompanhada por
qualquer conflito e formar sintomas. incredulidade no diagnóstico e leva a um contato mínimo com a realida-
O paciente, quando acometidÕ de doença cardíaca, sente uma ruptu- de da doença. Neste mecanismo, observa-se a aparente estabilidade que
ra brusca no seu cotidiano, uma "quebra" na sua existência, perde seu a "falta de contato com a doença" proporcionada pela negação ocasiona
referencial de vida e, a partir deste ponto, inicia um processo de repen- à equipe e família, podendo colocar em risco a vida do paciente. A nega-
sar seus valores de vida. Esta introspeção pode fazê-lo deprimir, se este in- . ção pode ser muito nociva, uma vez que o paciente desafia a existência da
divíduo estava em urna fase muito produtiva çle sua vida, principalmente doença e se expõe a riscos desnecessários, evitando cuidar dos fatores de
do ponto de vista profissional. Certa vez, atendendo um paciente que ti- risco existentes6 • Quando a negação é exacerbada, o paciente expõe-se a
nha sido acometido de infarto do miocárd~o, a depressão ocorreu pelo riscos desnecessários, Lentando provar à família e ao médico a inexistência
fato que recentemente ele havia sido promovido a juiz de Direito. Esta do problema. Em um dos atendimentos na fase de pré-operatório, o pa-
doença iria prejudicá-lo, pois, segundo ele, poderia perder seu cargo. De ciente relatou que "não sabia por que estava sendo operado ... não sentia

150 151
nada. Aquela dor que tinha no peito ele mesmo controlava se ficasse quie- Luchinaª chama atenção para dois tipos de atitudes nos pacientes com
to e tomasse um chã quente". Esta vérbalização demonstra claramente a insuficiência coronariana: Um deles é o paciente "dócil", que aceita limi-
negação do problema coronariano e um m1.ço muito típico destes pacien- tações regressivas q1le a enfermidade impõe. A regressão ocorre no senti-
tes, a onipotencia, que faz com que "ele ache" que· tenha o controle áe seu do de aceitar padrões motores limitados quanto à mobilidade, hábitos de
próprio adoecer. higiene e forma de alimentação. Esta regressão forçada vem acompanha-
A negação da angústia de morte, além de parecer um desafio e estar da de uma regressão psicológica e de certa infantilidade de pensamento.
relacionada à atitude global de negação do perigo, tem sido vista como Este mecanismo psicológico pennite melhor aceitação das limitações. A
manifestação de onipotência e de desejo dó domínio de realidade. A ne- facilidade em aceitar a conduta regressiva, depende da estrutura de per-
gação, além de agir como "amortecedora" do choque do infarto agudo do sonalidade do enfermo. Outro paciente, já no pós-operatório, estava em
miocárdio, gera tempo para uma aceitação gradual deste, com uma fun- seu leito prostrado e parecia deprimido. Não podia abrir as janelas, as pes-
ção adaptativa e de preservação da vida durante a internação. soas falavam baixo em volta dele e ele manifestava estar muito mal. Após
o atendimento e a pontuação das questões acima observadas, ele concor-
Ela pode se relacionar com o modo que o indivíduo vê o mundo, ig-
dou em sair da cama e andar pelo corredor. Com o passar dos dias e com
norando a existência de sintomas na fase de infarto e não admitindo a
o apoio psicológico, melhorava a cada dia, o que resultou em alta antes
ocorrência de eventos estressantes em sua vida.
do período esperado.
A negação está também presente na relação médico-paciente, pois am-
A regressão. é o primeiro mecanismo de defesa da mente, diante do im-
bos se poupam de representações ameaçadoras e difíceis de lidar. Às quei-
pacto que produziu a angústia de morte. Na maioria das vezes é impossí-
xas do paciente sobre medo da morte, ansiedade, depressão; o médico vel para o paéiente enfrentar conscientemente a sensação ou possibilida-
muitas vezes reage dizendo "não se preocupe", legitimando assim, ainda de de morte. Para que o perigo possa afastar-se do plano da consciência,
mais, esses sentimentos. O médico também é mortal e pode ter. as mes- é comum observar o paciente vinculado a umlçibjeto tutel41 idealizado,
mas vivências do paciente. Para o médico que cuida do paçi~nte, a morte ,~ , r .- - - com intensa dependência, que o ampare e o proteja (médico, cônjuge) .
i não é uma abstração, mas não pode ser representada psíquicamente, pois ' _) No -processo regressivo usualmente ocorrem: atitudes egocêntricas;
i' nunca foi vivida por ele. Gostaria de trazer um trecho de Garcia Rosa (apud intensificação de dependência; redução de interesses; busca excessiva de
Moura e cols.q: .. ,1 satisfações; rebaixamento da tolerãncia à frustração; pensamento mágico
-~
(o médico vai me salvar); apare~e a depressão reativa caracterizada por
"A morte como limite é o muro de Sartre, o que nãp pode ser experimen- .l vivência psíquica de "vazio", desvalorização, abandono de projetos e certa
tado po,que assina o tempo da própria experiência, pelo menqs da experiên- resignação.
cia humana. Poderíamos argumentar que se a experiência da nossa própria Os casos dos pacientes "indóceis" são aqueles resistentes às limitações,
morte é impossível, podemos pelo menos ter a experiência da morte do ou- com atitudes agitadas ou maníacas, que se opõem à regressão. Esta difi-
tro. No entanto, tal experiência é também impossível; quando muito pode- culdade na regressão reflete o medo por temor à passividade excessiva. Por
mos ter a experiência dos últimos momentos da vida do outro, mas não po- temei- a desintegração interna ou perda de controle sobre si, ele recusa aju-
demos ter a experiência do seu próprio morrer." da. Sem os estados psicológicos que acompanham o processo regressivo,
o paciente pode sofrer desorganização psíquica corri agravante somático.
Analisando esses pacientes à luz da psicossomática, conclui-se que seu
Os pacientes que não utilizam o mecanismo de negação, mais atentos
universo psíqui'co é desprÓvido de fantasias: são indivíduos com dificul-
aos sinais de alarmes proprioceptivos, têm maior possibilidade de enfren-
. dade de entrar em contato com vivências internas, com rigidez de pensa-
tar os acometimentos provocados pela doença arterial coronariana. A bar-
mento, não se expressando simbolicamente. O ego é muito regredido, com
ganha ou negociação é utilizada como forma de manutenção do controle
fortes tendências autodestrutivas e agressivas, relacionadas ao instinto de
do paciente sobre a situação e da conservação da imagem que o indivíduo
morte. Não há tentativa de acesso à vivência interna de representar e
tem de si ptóprio. Se ele se subjugar à desordem da doença, ele perde o
elucidar o desejo e os conflitos psíquicos, empobrecendo o mundo cria-
sentimento de controle.
. tivo e imaginativo. O bloqueio ao mundo interno, a ausência de fantasias

152
153
e, conseqüentemente, a dificuldade de simbolização e elaboração, demons-
tram que o individuo teve uma história de vida restrita e empobrecida.
.J,l tratamento clínico. Nestas unidades ele se encontra desprovido de sua!\
roupas, seus pertences, seu ambiente, trabalho, família e amigos. Ele fica
Na regressão, os mecanismos de defesa podem ser positivos, à medi- .i
----~ em situação de dependência absoluta e passa a ter uma noção de tempo
inadequada. •
da que ajudam o paciente a se reo;ganizar diante de sua 4oença e trata-
mento. Ajuda, ainda, a elaboração emocional dos momentos mais difíceis
l O tempo ... Nele há espaço para uma reavaliação da vida, de seus valo-
da doença, como, por exemplo, em fases de aceitação de padrões moto- res, de perceber que el~ não é tão onipotente, que ele deixou de fazer inú-
res limitados quanto à mobilidade, hábitos de higiene e alimentação e ter meras coisas e fez muitas que não deveria ter feito.
que depender de outras pessoas6 • Neste caso,rem um primeiro momento, Um pequeno trecho de Milan Kunderai, em~ Â insustentável leveza_do
o estado regressivo deve ser aceito. Ele será' estimulado a perceber este ser".
í
funcionamento psíquico, será orientado a usar seus recursos internos na l
capacidade de evoluir no processo de doença. Deve-se ajudá-lo a compre- ·1 "Não existe meio de verificar qual a boa decisão, pois não existe ter-
ender e achar soluções para esta vivência psíquica de vazio , estimular a mo de comparação, tudo é vivido pela p1imeira vez e sem preparação. Como
independência e fazê-lo perceber e evitar atitudes egocêntricas. se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode va-
A linguagem do paciente é outro ponto importante na comunicação. Esse ler a vida, se o primeiro ensaio da vida é a própria vida? É isso que Jaz com
processo de comunicação pode ser verbal ou não verbal. A coerência ou não que a vida sempre pareça um esboço. No entanto, mesmo "esboço" não é
de suas manifestações em relação ao estado clinico nos dará indícios de even- uma palavra certa porque um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a
tuais conflitos que ele possa estar vivendo. A aceitação da doença depende- preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é nossa vida não é o
rá de. sua estrutura de personalidade, da relação médico-paciente e dos re- esboço de nada, é um esboço sem quadro. Tomáz repete para si mesmo o pro- .,.. :ri

cursos de enfrentamento que ele tem em relação à enfermidade. vérbio alemão que diz que uma vez não conta, uma vez é nunca. Não po-
As formas de tratamento do cardiopata. também podem gerar outras der viver senão uma vida é como não viver nunca.:
repercussões emocionais e estresse, como no caso de cirurgias e dos trans-, - 1
plantes de coração. As patolugias mi is comuns ·são as cÕronariopatias, as ---"- 7 Kundera7 mostra que vivemos apenas uma vez cada minuto, e por isso -...
valvopatias e as doenças congênitas. A cirurgia traz ainda muitas fantasias, j
,1 ele deve ser aproveitado, aceitando-se que não podemos vivê-lo de novo.
uma vez que a simbo!ogia deste órgão é muito forte. Além do fato de "en- i O trabalho do psicólogo, nesse momento, é importante para ajudar o
tregar" seu órgão mais precioso nas mãos de outras pessoas, o paciente paciente a viver sua própria experiência, reconhecendo seus limites, seus
teme a sensação de agressão e violação do corpo. Alguns referem que se fracassos, sua criativida& (o momento do hospital não é local para gran-
sentem "cortados e costurados como um peru na véspera do Natal". Um des mudanças de vida). Como é difícil para o paciente perceber que a vida
.]
caso interessante foi de um empresário, que só andava no corredor do hos- 1 passou por ele.
pital se estivesse vestido "para que ninguém soubesse que ele era doente". Além do processo de despersonalização e da reavaliação de valores, a
As pessoas da família e em seu trabalho não sabiam que ele havia sido ope- UTI/UCO pode provocar no paciente distúrbios psíquicos no que diz res-
rado, pois, caso isso ocorresse, "as pessoas iriam tirar proveito de mim". peito ao seu espaço físico e suas rotinas. Ele experimenta um ambiente:
O paciente vivencia um processo de descobrimento de um novo EU e barulhento, assustador, cheio de equipamentos, perde noção de dia/noi-
há uma modificação do esquema corporal. O papel que o paciente desem- te; procedimentos de controle do paciente e processos diagnósticos difí-
penha na família pode determinar a forma como ele irá reagir no pós-ope- ceis de serem suportados; há desconforto físico; ruptura de vinculo fami-
ra tório. liar; interrupção do sono e uso de medicações que podem interferir nos
Além dos casos cirúrgicos, os pacientes clínicos podem experimentar processos cognitivos/perceptivos. Alguns têm manifestações que são muito
outros tipos de tratamentos medicamentosos que irão manter a saúde equi- parecidas com quadros psiquiátricos, como delirium e confusão mental,
librada até o momento que outros tratamentos mais agressivos, como e que levam a equipe a se desestruturar: acabam por medicar o paciente
cateterismo, colocação de próteses coronarianas, serão necessários. inadequadamente ou solicitam a presença do psicólogo.
Outro contexto é o do paciente que fica na Unidade de Terapia Inten- A família do paciente deve ser acompanhada no sentido de ajudá-la a
siva (UTI), no caso de cirurgia, e Unidade Corou.ariana (UCO) no caso de minimizar o sentimento ele impotência que vivenda, m edo da morte d e

154 ·155
_,,,.,..
i

~· seu ente querido, ajudando-a em refação· à própria angústia e estresse que j'
13. Sommaruga M, Tramarin R. (coord.). Linee Guida per le Attivítà dí Psicologíá
acompanham a doença do paciente e seu tratamento.
1 ín Cardiologia Riabilitativa. GICR- Gruppo Italiano di Cardiologia Riabílitativa
O papel do psicólogo é via~ilizar espa_ç o para que a dor emocional e · e Prevrntiva, pp. 184-234, 2003.
os temores do p aciente e su a família sej adi ex pressos; auxiliar pacientes 14. WHO - \¼:Jrld Health Oiganization. Strategi.c Priorities of the WHO Cardiovascular
e familiares a a tri bu írem no vos significa d os a s u ~s vid as; e ser o Disease Prograrnme. ln: http://www.who.int/ cardiovascular_diseases/priorities/en/.
interlocutor en tre o paciente e a equipe. [Acesso em 02/60,006].

Jlteieti3!a:üas iJU~llfo8u'Jifü~jg_~
1. BotegaJN. Prática psiquiátrica no hospital geral: interconsulta e emergência.
São Paulo, ArtMed Editora, 2002, p. 473.
2. Cabrera CC, Sponholz JR, A. Ansiedade e insõnia. ln: Botega Nj. Prática Psi-
quiátrica no Hospital Geral: lnterconsulta e Emergência. ·Porto Alegre, Artes
Médicas, 2002, pp. 251-68.
t
3. Giann.o tti A. Prevenção da doença coronária: perspectiva psicológica em um
i
,-
i.· programa multiprofissional. Psicologia, l.iSP 13(1):167-95.
4. Henderson ]B, Hall SM, Lyston HL. Choosing self-destnktive behaviors. ln:
... Cohen F, Adler NE. Health psychology: a handbook. San Francisco, Jossey Bass,

'.L
[ !
5.
1979.
Ismael SMC. Alguns Aspectos na Avaliação Neuropsicológica em Pacientes
Submetidos à Cirurgia de Revascularização do Miocárdio com e sem Circula-
!··(.· ção Extracorpórea, 2001. - -- - - - - -- - - · ' · ··· - --- - --\.-- -
[ 6. Ismael SMC, Almeida CP. Perfil psicológico do Paciente com insuficiência cai- i
f
~-. díaca. ln: Magnoni D, Cukier C. Nutrição na insuficiência cardíaca. São Pau-
lo, Saivier, pp. 43-51, 2002.
7. Kundera, M. A insustentável leveza do ser. São Paulo, Companhia das Letras, 1
1
,... -... 1999, 350p.
8. Luchina I. Una aguda amenaza de muerte, 'el infarto de miocárdio" . Rev de
Psicanálisis nº 1-2, Tomo XIX, APA, 1962
9. Moura MD, Mohallem LN, Faria SM. O Psicanalista no CTI. ln: Romano BW
(org.). A prática da psicologia nos hospitais. São Paulo: Pioneira, 1994.
10. OMS - Organização Mundial de Saúde. Divisão de Saúde Mental. Grupo
Whoqol. Versão em português dos instrumentos de avaliação de qualidade de
vida (whoqol), 1998. httpJ/www.ufrgs.br/psiq/whoqoll.html [Acesso em 20/
5/2006]. .
11. Oliveira MFP, Ismael SMC. Rumos da psicologia hospitalar em cardiologia. São
Paulo, Editora Papirus, 1995, p. 245.
12. SBC - Sociedade Brasileira de Cardiologia. l Consenso Nacional de Reabilita-
ção Cardiovascular. www.medicinaintensiva.com:br/ cardioreabilitação.htm
[Acesso em: 30/5/2006].

156

Você também pode gostar