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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


TRIRUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
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Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Apelação n° 990.09.358299-6, da Comarca de São Paulo,
em que é apelante/querelante ELIANE CRISTINA DE LIMA
FERREIRA sendo apelado/querelado LUIZ FERNANDO DE
OLIVEIRA.

ACORDAM, em 16a Câmara de Direito Criminal do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos


Desembargadores NEWTON NEVES (Presidente) e BORGES
PEREIRA.

São Paulo, 18 de maio de 2010.

PEDRO MENIN
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
16a Câmara de Direito Criminal

Apelação Criminal com Revisão n° 990.09.358299-6


Comarca: São Paulo - 9a Vara Criminal
Apelante/Querelante: ELIANE CRISTINA DE LIMA FERREIRA
Apelado/Querelado: Luiz Fernando de Oliveira

Voto n° 6.556

Ementa:

Queixa-crime - injúria — Racismo - Inexistência


da intenção de ofensa à querelante - Condenação -
Impossibilidade - Apelação da ré não provida.

A respeitável sentença de fls. 151/157, cujo relatório


se adota, julgou improcedente a queixa-crime que ELIANE
CRISTINA DE LIMA FERREIRA promoveu contra Luiz
Fernando de Oliveira, absolvendo-o nos termos do artigo 386,
inciso VII, do Código de Processo Penal, da imputação que foi
feita como incurso no artigo 140, § 3 o , do Código Penal.

Irresignada, a nobre Defensoria da querelante


apelou, pleiteando pela procedência da queixa-crime, alegando
que as provas são suficientes para embasar a condenação (fls.
175/183).

O Ministério Público respondeu se batendo pela


reforma do decisum (fls. 186/188) e a douta Procuradoria Geral
de Justiça manifestou-se pelo parcial provimento do reclamo
para que seja refonnada a r. sentença, julgando extinta a
punibilidade do querelado, nos termos do artigo 140, § Io,
combinado com o artigo 107, IX, ambos do Código Penal (fls.
102/103).

É o relatório do essencial.
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16a Câmara de Direito Criminal

Consta da queixa-crime, que no dia 12 de junho de


2006, a querelante foi importunada pelo filho do querelado, ao
deixar cair em sua residência uma "pipa" vinda do quintal do
vizinho, insistindo para que fosse recolhida. Como já havia
procedido a esta solicitação por diversas vezes naquele dia,
disse que não mais recolheria os objetos. Nesse momento, o
querelado passou a ofendê-la e discriminá-la "Vai sua filha da
puta, sua macaca! Bando de filha da puta, vai toma no cü, eu
quero que alguém peça alguma coisa para essa raça!" (fls. 03).
O réu Fernando Luiz de Souza Oliveira, ao ser
interrogado perante o pretório, negou a prática do delito,
dizendo que não xingou, nem injuriou a querelante. Afirmou
que não é racista. Contou que na data dos fatos seu filho deixou
cair uma pipa no quintal da querelante e que lhe pediu para que
pegasse, quando ela lhe respondeu que não pegava nada para
esse bando de "filho da puta ". Momento em que retribuiu em
razão de ter dito a uma criança de 05 anos. Disse, ainda, que ela
tem problemas com todos na vizinhança e que costuma xingar
as crianças com palavrões (fls. 30/31).

Sandra Francisco da Silva, a única testemunha que


presenciou os fatos esclareceu, inicialmente, que sua casa faz
divisa com a casa de Eliane pelos fundos e com a de Luis
Fernando lateralmente. Declarou que havia caído um balde na
casa da querelante e ela não teria autorizado a retirada. No dia
seguinte o objeto não se encontrava no local, ela indagou-lhe a
respeito. Neste momento, Ivan, filho do querelado de apenas 7
anos, estava em cima do muro procurando uma "pipa" e ao
avistá-la no quintal da ora apelante pediu que a pegasse, quando
esta se recusou dizendo que não ia pegar a pipa porque estava
cansada de pegar objetos que caíam no quintal dela. Ato
contínuo, o querelado falou para seu filho não pedir nada para a
vizinha. Acrescentou nunca presenciou Luis Fernando xingar a
querelante, dizendo que foi um ato único de nervosismo (fls.
38/40).

A informante Taise Viana Bezerra, casada com o


querelado declarou que ouviu o momento em que a querelante
passou a ofender seu filho por causa de uma "pipa" que havia
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caído no quintal. Disse que por essa razão seu marido reagiu de
forma nervosa. Ressaltou que o querelado não proferiu ofensas
relacionadas à cor da pele (fls. 45/46).

Robson Aparecido do Carmo declarou que estava na


casa do querelado e viu quando o filho deste entrou chorando e
dizendo que havia sido ofendido pela vizinha. Narrou que ouviu
ele respondendo "raça filha da puta ê a sua"(f\s. 51/52).

E, finalmente Robson Pereira Rocha declarou que não


presenciou o ocorrido, mas conhece o querelado há muito tempo
dizendo que é uma pessoa calma, tranqüila e nunca viu nenhum
ato de preconceito de sua parte. Acrescentou que a querelada
também é conhecida de muito tempo e que fica nervosa,
xingando, quando caía pipa ou bola em sua casa (fls. 57/58).

Assim, pela leitura dos testemunhos prestados em


Juízo, chega-se à conclusão de que houve um entrevero entre os
vizinhos, com troca de ofensas pelo calor da discussão por causa
de uma brincadeira de criança que teve a "pipa" caída no quintal
da vizinha, mas não ficou caracterizado o ânimo deliberado de
ofensa a honra alheia, o dolo que caracteriza o crime em
questão.

O ilustre processualista Cezar Roberto Bitencourt, ao


analisar a Lei 9.459, de 13 de maio de 1997 (injúria
preconceituosa), ensina com sabedoria:
"... Para a configuração da injúria por preconceito,
é fundamental, além do dolo representado pela
vontade livre e consciente de injuriar, a presença do
elemento subjetivo especial do tipo, constituído pelo
especial fim de discriminar o ofendido por razão de
raça, cor etnia, religião ou origem. A simples
referência aos 'dados discriminatórios' contidos no
dispositivo legal é insuficiente para caracterizar o
'crime de racismo', que, é bom que se diga, é
inafiançável é imprescritível (art. 5 o, XLIÍ, da CF).
Enfim, recomenda-se muita cautela para evitar
excessos e coibir as transgressões legais efetivas,

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sem contribuir para o aumento das injustiças. E,


para concluir, indispensável que o agente tenha
consciência de que ofende a honra alheia em razão
da raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de
pessoa idosa ou portadora de deficiência " (Tratado
de Direito Penal, 5 o ed., 2006, ed. Saraiva, págs.
406/407).

Assim, como bem analisou o douto sentenciante:

"O episódio de fato ocorreu, mas testemunha alguma


se referiu a quais teriam sido as ofensas proferidas pelo
querelado, em especial a testemunha Sandra, que a tudo esteve
presente.

Sem a percepção da palavra ofensiva não há


possibilidade de aferir a ocorrência do crime denunciado. As
outras testemunhas também não ousaram fazer afirmação sobre
a palavra ofensiva, insinuando Robson Aparecido (fls. 51) que o
querelado tivesse apenas retorquido quanto a alegação da
raça "(fls. 155).

E também não que se falar em "retorsão imediata",


como ponderou o digno Procurador Geral de Justiça, eis que não
demonstrada a injúria, impossível a "injúria como resposta à
injúria".

Portanto, correta a decisão absolutória.

Ante o exposto, nego provimento à apelação interposta


pela querelante, mantendo a respeitável sentença por seus
próprios e bem jurídicos fundamentos.

PEDRO Luiz Aguirre MENTN


Relator

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