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31ª Conferência Nacional do PCO - João Alberto e João Cândido

(21/11/20)
Informe político, por Rui Costa Pimenta

"Um balanço das eleições e uma análise da situação política na


atual etapa"

As análises comumente feitas


Para que possamos compreender as eleições municipais (um
fenômeno bastante complexo para se analisar se entrarmos em
uma série de detalhes dos números e fizermos uma avaliação
numérica equilibrada da eleição), temos que partir de algumas
questões básicas. DO contrário, terminaremos com uma análise
muito abstrata do acontecimento político que são as eleições
municipais.
Quem quer que tenha o interesse de ler os diversos balanços
produzidos, verá que são feitos a partir dos números produzidos
pelas urnas – ou supostamente produzidos pelas urnas. Se
fizermos a análise com base nisso, da votação de cada partido,
teremos uma análise insuficiente. Outra coisa que acontece nas
análises é que a eleição é tomada como uma coisa dada pelos
analistas. Temos a eleição e o que saiu das urnas seria a
vontade do povo. A burguesia reforça a ideia de que o voto é a
expressão transparente, cristalina, pura da vontade popular. Do
ponto de vista marxista, esse tipo de análise é completamente
sem sentido. A eleição é um retrato do estado de espírito da
população em um determinado momento, mas é um retrato
extremamente desfigurado. A interpretação desse retrato é
importante. Tem que se levar em consideração todas as
manobras políticas para chegar a um determinado tipo de
compreensão. Do contrário, será uma avaliação extremamente
ingênua e carente de conteúdo.
A eleição de S. Paulo
Vejamos o caso da eleição na capital paulista. Muitos na
esquerda e na direita tiraram a conclusão de que isso é uma
grande vitória do PSOL. A candidatura de Boulos foi
impulsionada de maneira extremamente forte pela imprensa
burguesa e pela manipulação dos índices das pesquisas
eleitorais. É fácil mensurar isso. O candidato do PT, Jilmar Tatto,
aparecia nas pesquisas do início com 0,8% dos votos; e ao final
saiu com 8%. Toda a esquerda e a direita torpedearam a
candidatura do PT por meio do voto útil. Teria tido 8.000% mais
votos. Houve uma operação política de transferência de votos. A
burguesia tem uma experiência secular de manipulação das
eleições. Ao fazer a avaliação das eleições, temos que levar tudo
isso em consideração.

Para nós, um partido revolucionário, as eleições devem ser


tomadas como um retrato extremamente distorcido da relação de
forças. Não acreditamos que seja um retrato fiel e fidedigno
dessa correlação de forças. Nós não alimentamos nenhum tipo
de ilusão nas eleições no que diz respeito à luta pela mudança
efetiva da sociedade em que vivemos, a luta pelo socialismo, a
revolução proletária. É importante levar em consideração essa
caracterização pois vimos durante toda a curtíssima campanha
eleitoral a esquerda apresentando as eleições como uma
espécie de remédio para todos os problemas – contra a direita, o
fascismo etc. [Houve quem dissesse que vamos ficar 4 anos com
o PSDB etc. –  mudança radical, candidatos etc.]
A primeira coisa a fazer para situar a eleição é ver em que
momento do desenvolvimento da situação política as eleições
ocorreram. No meio da esquerda apenas um único balanço
relacionava as eleições ao golpe de 2016. Vê-se por aí o
completo desnorteamento da esquerda diante da situação
política. A eleição não é vista do ponto de vista do
desenvolvimento da situação política nacional e internacional. O
máximo que conseguiram foi concluir que Bolsonaro foi
derrotado nas eleições, mas sequer sabem dizer quem venceu.

Essa é a segunda eleição depois do golpe de Estado de 2016. O


golpe alterou as relações políticas do País de maneira muito
marcante. Sem compreendê-lo, não é possível compreender as
eleições. Vejamos a evolução política do imperialismo diante do
golpe de Estado.
Em meio à onda de golpes de Estado e de direitização geral da
política do imperialismo – principalmente na América Latina –
tivemos uma reação popular muito forte em vários lugares, seja
ao golpe de Estado como na Bolívia, seja aos golpistas, como no
Equador e no Chile. Isso modificou o desenvolvimento da
situação na América Latina.
Embora exista uma política de guinada à direita
internacionalmente, essa política é muito mais clara e definida na
América Latina. Porque a América Latina é uma zona de
influência direta do imperialismo norte-americano. O imperialismo
projetou e colocou em prática um verdadeiro golpe de estado
continental. Ali onde não deram o golpe de Estado, fizeram um
conjunto de manobras – de tipo eleitoral – para impor a vitória de
candidatos golpistas.
Isso se deu porque, principalmente durante a época neoliberal, a
reação mais intensa foi na América Latina, que é o maior foco de
resistência à política do imperialismo mundial - à exceção do
Iraque após a ocupação norte-americana. É onde a população
reagiu da maneira mais intensa contra a ofensiva neoliberal.
Tivemos no começo do milênio uma série de manifestações de
caráter insurrecional, tivemos o “Argentinaço”, o levante contra o
golpe de Estado na Venezuela – que foi praticamente uma
revolução –, tivemos uma insurreição operária claramente
definida contra o governo neoliberal na Bolívia, e mobilizações
populares em diversos países (o Equador, p. ex.)
Não foi um movimento qualquer, foi um movimento de caráter
revolucionáirio que desaguou em uma solução de compromisso
entre o imperialismo e setores da burguesia, da pequena
bruguesia e da classe operária nesses países, que foram os
governos de tipo nacionalista na América Latina - Argentina,
Brasil, Equador, Bolívia, Paraguai, Venezuela.
O imperialismo foi obrigado a ceder para esses governos devido
à violência da insurreição popular. Não foi forte em todos os
países, mas impediu que o imperialismo governasse como o
fizera anteriormente.
O imperialismo via essa onda nacionalista como um recurso de
emergência – colocar o setor nacionalista no governo por um ou
dois mandatos e, depois, voltar à dominação normal do
imperialismo. O imperialismo, no entanto, viu que a situação
estava se deteriorando nos partidos pró-imperialistas. Então na
Argentina o kirchnerismo conseguiu governar por quatro
mandatos, no Brasil o petismo também, Evo Morales na Bolívia;
na Venezuela o chavismo decidiu não abrir mão para o
imperialismo etc. Isso gerou uma situação muito complexa para o
imperialismo. Ao invés de eleger governos de esquerda por um
ou dois mandato, definiu-se um panorama em que a esquerda
tendia a se perpetuar no governo - uma demonstração de
fraqueza do imperialismo. Por quê?
Porque a política de terra arrasada do neoliberalismo levou a um
profundo descontentamento da população, e o desmoronamento
do sistema político que sustentava a política neoliberal. Em
alguns países, esse sistema quase desapareceu, como no caso
da Bolívia (a última eleição mostrou que o sistema político não
conseguiu se reestruturar – o único partido que existe de
maneira estável é o MAS – e os partidos burgueses perdem
membros que se deslocam para a extrema direita).
O imperialismo precisa de uma mudança de política. O
capitalismo entrou em uma fase de verdadeira liquidação. Por
mais que a burguesia se esforce, ela não consegue fazer com
que a economia capitalista volte a ter um funcionamento
relativamente normal. Depois da crise de 1974, a burguesa
executou a política chamada neoliberal que constituiu uma
liquidação das forças produtivas e das condições de vida da
população em todos os países do mundo. Por quê? Porque a
crise do imperialismo, do capitalismo nesse momento, é uma
crise de superprodução. Não dá para ter o nível de lucratividade
que se tinha antes porque há muita produção. Veja-se a
liquidação da indústria em todo o Leste Europeu, muito maior
que a indústria do Brasil inteiro. Empresas gigantescas que
existiam foram substituídas por empresas capitalistas -
destruição para recuperar a capacidade do capital.
Em segundo lugar: a destruição das condições de vida dos
trabalhadores, o que implica que o gasto estatal está dirigido ao
capital, o que cria também um excesso de mão de obra - o que,
por sua vez, faz com que os salários caiam e isso diminui a luta
dos trabalhadores.
Essa política levou a uma situação verdadeiramente desastrosa
do ponto de vista da política. O retrato disso é o Iraque. Era o
laboratório da aplicação integral dessa política para o mundo
todo. Quando os EUA ocuparam o Iraque, praticamente
liquidaram todo o país. Era um dos países mais desenvolvido e
com a melhor situação social da população em todo o Oriente
Médio. Destruíram tudo. Para se ter ideia, em dado momento a
Igreja xiita organizou a população para recolher o lixo e
restabelecer o funcionamento da energia elétrica. Essa
destruição total gerou uma guerra civil, contra o ocupante
estrangeiro – que existe até hoje – o que obrigou o imperialismo
a se retirar e a impor de fora uma ditadura brutal. Uma das
proezas de Joe Biden foi apoiar um desses governos, o de al-
Malik. 
O Iraque quase foi dividido – Biden propôs que fosse dividido em
três. O imperialismo não conseguiu aplicar integralmente a
política neoliberal. Foi o ápice dessa política, da possibilidade de
aplicá-la, e fracassou.
A América Latina dá outro exemplo. O governo FHC criou
dezenas de milhões de miseráveis. Em 2002, último ano de seu
governo, havia 40,5 milhões de pessoas abaixo da linha da
pobreza, segundo o antigo Ministério do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome (O Estado de S. Paulo, 12/05/2016).
O imperialismo não tem outra política. Não existe um plano
político para sair da crise. Não existe um outro tipo de política
para ser aplicada em todos os países. O imperialismo precisa
continuar com as privatizações, destruição de empresas, da
economia não só dos países atrasados, mas dos próprios países
imperialistas, colocar a população em um estado de miséria.
Mas, para fazer isso, é preciso determinadas condições políticas.
O que o Iraque e a América Latina mostraram é que a população
não está disposta a deixar que essa política seja aplicada até o
fim.
Todas as manobras políticas, golpes de Estado etc, se dirigem a
criar as condições para a reorganização dessa política neoliberal.
É isso que está em jogo.
No Brasil, uma parte da esquerda caracteriza a luta como uma
luta da burguesia civilizada contra a burguesia não-civilizada.
Não é verdade que Bolsonaro e os "moderados" tenham planos
diferentes. Eles têm métodos diferentes. Não significa que a
burguesia rejeite o uso dos métodos bolsonaristas. O
imperialismo dito democrático está disposto a usar os mesmos
métodos. Quem destruiu o Iraque foi o imperialismo
"democrático". É uma cegueira política afirmar que haja um
contraste.
A luta fundamental do momento não é contra a extrema-direita. A
luta que está em jogo agora, antes e sempre, é a luta contra o
imperialismo, contra a política de destruição do mundo, que só
pode ser levada a cabo com métodos antidemocráticos e
extremamente brutais. Não podemos perder de vista diante do
espectro do bolsonarismo que o eixo fundamental da luta é a luta
da classe operária num polo e o imperialismo no outro. E não é
pouca coisa: é uma luta que envolve bilhões de pessoas.
Um exemplo dessa luta que tem até um caráter surrealista é que
a esquerda esteja apoiando Eduardo Paes (DEM) no Rio de
Janeiro. Ele é um representante da política de Joe Biden. A
esquerda está desnorteada. Se os "pais" de Bolsonaro - FHC,
PSDB, MDB, DEM etc – governassem, produziriam no País uma
continuação do genocídio produzido por FHC. Na época de FHC,
milhões morriam de fome e o governo neoliberal ignorava a
população. Sua política "civilizada" era deixar o povo morrer de
fome enquanto prometia que a situação econômica do País iria
se ajeitar em algum momento. O sociólogo Hebert de Souza, o
Betinho, fez campanha contra a fome, mas no governo Lula se
verificou que era impossível resolver a fome com mera
campanha.
O imperialismo está ajeitando, manobrando, para criar as
condições para o retorno da operação genocida que realizou no
mundo todo no auge da política neoliberal que nunca foi
abandonada. A única coisa que os capitalistas estão dispostos a
permitir é uma espécie de Bolsa Família reduzido para evitar que
o País queime. É isso que está em jogo. O golpe de Estado foi
dado para isso e a burguesia fará, inclusive, se necessário, por
meio de uma ditadura. A presença da extrema-direita europeia e
a brasileira ou latino-americana deve ser vista como um aviso
dado pelo imperialismo de que, em um dado momento, se os
capitalistas não conseguirem fazer o que querem de um
determinado modo (pseudodemocrático), eles estão dispostos a
empregar a extrema-direita. Eles não estão contra a extrema-
direita.
Não será um exagero do PCO? Há muitos exemplos de que os
capitalistas querem realmente destruir a saúde, a educação,
jogar milhões na fome etc. O governo Bolsonaro dá um exemplo
disso. Esses setores não estão preocupados com o destino das
populações, nem minimamente. Essa necessidade do
capitalismo de destruir a economia e as condições de vida da
população é a grande força motriz detrás da situação política
eleitoral.
Se entendermos isso, veremos que a rebelião dos Coletes
Amarelos foi uma consequência da política neoliberal, e não da
extrema-direita. Foram meses de mobilização na capital
francesa. Esse é o pano de fundo para entender a situação.
Nossa Conferência precisa caracterizar o que está acontecendo
na Argentina, no Chile e na Bolívia. Esses acontecimentos têm
sido apresentados pela esquerda como uma reversão da política
golpista, um retorno da democracia. Temos que dizer de maneira
muito clara que não. A função desses acontecimentos é conter
as tendências à rebelião das massas no continente. Alberto
Fernández e Luis Arce pretendem conter a mobilização das
massas e aplicar a política neoliberal – mas não têm a
capacidade de aplicar a política neoliberal em toda sua
profundidade. Sua função é acalmar as massas e preparar a
continuidade da política neoliberal.
Chile e Bolívia são os países onde a mobilização popular é mais
intensa. A constituinte chilena tem o objetivo de conter a
mobilização.
Na Argentina, podemos dizer que a situação de desemprego e
fome é gigantesca. Nem o governo Kirchner, nem o governo do
PT conseguiram resolver o que foi criado pelo neoliberalismo
antes. Tentaram um paliativo. No Chile a política neoliberal foi
levada mais longe (ditadura Pinochet). Está se vivendo em certo
sentido a etapa que se viu na Argentina no início dos anos 2000.
Essa política de contenção, estrangulamento das massas,
só pode ser colocada em prática com a colaboração da
esquerda.
No Chile, a esquerda assinou embaixo da convocação de uma
Constituinte controlada pela direita. Precisam de ¾ dos votos
para poder aprovar qualquer medida. É uma cláusula que não
poderia haver em uma constituinte, deveria ser voto de maioria -
quem tem mais voto, ganha. Como ela vai constituir e
estabelecer um novo regime se há o poder de veto? A esquerda
entra com a maior tranquilidade.
No Chile é mais claro porque lá não houve essa esquerda
nacionalista. Quem domina a esquerda chilena são os elementos
mais pró-imperialistas. Sem a esquerda chilena, a constituinte
não existiria. Ela é a principal autora da política do imperialismo
contra a mobilização das massas e a aplicação do neoliberalismo
no Chile.

A situação nacional
No Brasil, a situação é mais complexa porque aqui há o PT, e
isso é um problema para a burguesia.
A esquerda brasileira é diferente de toda a esquerda latino-
americana. Quando houve um ascenso da esquerda brasileira,
os setores estrangeiros afirmavam que o PT era a esquerda mais
direitista da América Latina. Essa análise confunde a questão,
pois o PT é o partido mais problemático da esquerda mundial,
uma vez que é um partido que tem uma enorme base operária e
na população pobre beneficiada pelos programas que o PT fez.
O PT está apoiado na CUT, uma organização operária
gigantesca. As pessoas confundem a paralisia da CUT com a
falta de capacidade que ela teria de mobilizar. Se ela se
movimentasse, a CUT seria a organização mais poderosa no
País. O PT é o setor fundamental da esquerda nacional.
O problema é que o PT lulista – que expressa as tendências da
classe operária, ainda que de maneira muito deformada – tem
que ser desarticulado para que se imponha a política neoliberal.
Na Bolívia, Evo Morales perdeu a luta no interior do MAS. No
Brasil, Lula não perdeu.
O Brasil é um país-chave. Aqui, para que se conclua a operação
golpista, é preciso tirar Lula do panorama político. Se no Brasil
acontecesse o que aconteceu na Bolívia, se Lula fosse eleito
presidente, a pressão popular sobre o governo seria
infinitamente mais forte que a pressão popular na Bolívia. Se
houvesse uma reviravolta como essa na situação política
brasileira, teríamos uma crise inimaginável. Por isso o empenho
da direita contra o PT. Precisam transformar o PT em uma
esquerda uruguaia (como Pepe Mujica, fundamental para fechar
todos os acordos com os militares torturadores do Uruguai e dar
estabilidade ao governo) ou chilena (que, por meio da antiga
burocracia stalinista, sufocou as organizações sindicais com uma
política de frente ampla). Isto é, transformar o PT em uma
espécie de social-democracia latino-americana.
Uruguai e Chile sempre se destacaram por ter um melhor nível
de vida na América Latina. O Uruguai era considerado a "Suíça
latino-americana". O Chile foi o único país latino-americano a ter
um verdadeiro partido social-democrata (socialista).
É evidente que Arce, na Bolívia, vai se chocar muito mais com o
movimento operário e popular do que Evo Morales.
No Brasil, temos o problema de que a esquerda brasileira mais
forte não é tipicamente social-democrata. Uma parte do PT é
(Haddad o declarou). Os petistas do Rio Grande do Sul também
(Tarso Genro). Um Partido Social-Democrata latino-americano é
um partido sem trabalhadores que fala mais em democracia que
em "social".
[...]
Nas eleições, havia dois temas fundamentais: isolar Bolsonaro e
o PT, isto é, isolar "os extremos", o que deixa o caminho aberto
para os "moderados".
Na análise, é preciso ver o que aconteceu com o esforço da
burguesia de isolar os extremos, ou, mais precisamente, de
acabar com a polarização política. Essa é a função da nossa
análise.

O que são as eleições municipais brasileiras?


A eleição municipal brasileira do ponto de vista representativo,
democrático, é uma das coisas mais podres e falsas que existe
na política. Ela é o que mais se aproxima do voto distrital.
Temos mais de 5.570 municípios no Brasil. Deles, a maioria, são
cidades minúsculas, cidades em que a "história do mundo" não
passa por ali. Quando vemos que o partido tal ou qual ganhou
tantas prefeituras, temos que verificar quantas prefeituras foram
ganhas com pouquíssimos votos. Grande parte das cidades está
em áreas rurais, mesmo que não apareça nas estatísticas assim.
A eleição se dá em um sistema de "burgos podres". Um político
mineiro disse certa vez que as eleições brasileiras são definidas
nos grotões, locais em que a cidade é controlada por um único
latifundiário. A eleição em cidades dessas é algo que não tem a
ver com uma verdadeira eleição. Uma eleição em que o
eleitorado inteiro pode ser comprado, coagido, obrigado ou
fraudado, não é uma eleição. Quando se trata de uma eleição
nacional, a coisa muda um pouco (não totalmente). Não é algo
paroquial, a pequena cidade é obrigada a se envolver na política
nacional.
Quando a Arena estava a ponto de perder sua maioria nacional,
Tancredo Neves disse que a Arena era o partido dos grotões.
Isto é, dos lugares onde não se decide a vida nacional. É um
lastro anacrônico da política nacional.
Quando dizem que o partido X ganhou 800 prefeituras, 650 são
cidades que não têm importância. É o que acontece com o
PSOL, por exemplo. Ganhou em quatro cidades irrelevantes, e
foi apresentado como "grande vitória, dobrou o número de
prefeituras". Não foram vitórias na luta contra a burguesia, mas a
vitória de um candidato qualquer que vai administrar a cidade
como o resto dos políticos.
A eleição é uma farsa pelo seu caráter antidemocrático:
relâmpago, uma parte dos partidos não está na televisão, uma
parte tem alguns poucos segundos, há a cláusula de barreira, a
manipulação da imprensa golpista etc. A esquerda participa
alegremente da farsa. Não denuncia o caráter antidemocrático
da eleição. A esquerda elegeu 240 prefeitos. Sendo muito
otimista, é possível supor que 60% dessas pessoas nunca foram
de esquerda. Entraram no partido para se eleger.
O PSOL elegeu quatro prefeitos, só um deles era de esquerda
antes das eleições. Um era do PT, outro era um bolsonarista
inimigo do MST, outro era do MDB, entrou no PSOL para se
eleger. O quarto era do PCdoB e tinha sido eleito em várias
coligações com a direita na cidade. Na verdade, o PSOL não
dobrou o número de prefeitos: elegeu candidatos para a direita.
Nenhum deles vai fazer nada por nada, são candidatos
conservadores, saíram da direita, mantêm acordos com a direita.
Dentro desse crescimento de 80% do número de vereadores,
conta-se os que eram base dos latifundiários, os que foram
financiados por Armínio Fraga, os que vieram de outros partidos
etc.?
O PCdoB, que perdeu 40 prefeitos, é muito pior. Tem aliança em
vários lugares com a direita. A maior parte dos prefeitos perdidos
é produto do clientelismo estadual.
Analisar a eleição com base em que partido ganhou ou perdeu é
desconsiderar que os partidos de esquerda elegeram gente para
a direita.
O caso do PT é revelador. Quando estava prestes a ser
derrubado, tinha cerca de 400 prefeitos que não se mobilizaram
contra o golpe. Cerca de 400 saíram do partido e foram para
partidos burgueses, PSDB, MDB, DEM, etc.
Outro complicador: os partidos não têm uma realidade. Um
cidadão está no partido A e, no dia seguinte, pode estar no B.
Dentro do bloco dominante, isto é, os partidos herdeiros da
ditadura militar, a ala direita desse bloco (DEM, PSD e PP)
aumentou a sua votação. O que significa isso? Houve um
embate entre DEM e PSDB, e o DEM ganhou? Não
necessariamente, em muitos casos houve um acordo e lançaram
um candidato só, ou o candidato que estava no PSDB na eleição
anterior, passou-se ao DEM. Não é um movimento da opinião
pública. São partidos artificiais. As eleições municipais são, em
grande medida, uma eleição de compadres.
No final das contas, as eleições importantes se dão nas grandes
cidades e capitais, onde se dá um certo enfrentamento político.

Os partidos de centro ganharam?


O "centro" são os partidos do bloco dominante – MDB, PSDB,
PSD, PP, DEM. Eles têm a maioria, seu voto não se alterou
substancialmente, quem ganhou dentro do bloco foram os
partidos que estão mais à direita – DEM, PSD, PP –, o que não
significa que a população prefira a direita, mas que dentro da sua
organização para o controle político do Estado a burguesia se
deslocou à direita.
Essa questão se vê ainda mais claramente nos partidos que
tendem para a extrema-direita – Podemos, Avante,
Republicanos, Patriotas, PSL, PSC, PRTB, Novo, PROS. Esses
partidos dobraram o número de votos. Não significa que a
população está à direita, mas que há uma séria tendência da
burguesia à direita.
O que a eleição demonstrou é que há um movimento muito forte
para a direita. A burguesia precisa trabalhar nesse sentido e
precisa de métodos duros contra a classe operária para controlar
a situação. Se não há um governo fascista, há um governo de
extrema-direita com aparência institucional. Doria e o controle
que o PSDB tem sobre o estado de São Paulo é um caso. Dentro
do PSDB, do MDB, ganharam os candidatos mais direitistas.
A esquerda
O PT teve o maior número de votos. PSOL quatro grandes
prefeituras em cidades minúsculas, número de vereadores, e o
PCdoB despencou - o que significa o esgotamento do governo
Flávio Dino no Maranhão. As prefeituras do PCdoB se
concentram na Bahia e no Maranhão, onde há uma ligação do
PCdoB com o Estado burguês. Onde isso não se dá, é como um
PSOL.
O PT vem caindo. À época do escândalo do Mensalão (2004) o
PT fez a eleição municipal mais cara do País para adquirir um
controle, tornar-se um partido que tem uma posição
independente dentro do regime político. Mas o PT foi obrigado a
se aliar ao PMDB porque a burguesia não permitiu, usando o
Mensalão para enquadrar o PT. A primeira etapa do governo do
PT foi uma tentativa de independência. De lá para cá o partido só
vem perdendo prefeituras. É falso que o PT esteja perdendo
porque foi abandonado pelas massas. O que ocorre é que, como
o PT não está no governo, os setores burgueses estão saindo de
dentro do PT. O PT, de certa forma, está voltando a ser como
era antes das eleições presidenciais (antes da vitória em
2002?). Nessas eleições, em várias cidades, os candidatos do
PT foram candidatos de partido, não arrivistas de última hora -
como no caso de Bauru, interior de SP. Isso não
necessariamente redunda em um deslocamento à esquerda por
parte do PT. Significa claramente que o PT está isolado da
burguesia - o resultado eleitoral do partido é um reflexo disso. O
PT foi muito sabotado nas eleições. Em SP, Boulos foi ao
segundo turno com os votos do PT [A imprensa burguesa fez a
campanha no sentido de que o PT não ia ganhar, mas Boulos
sim.]
O segundo caso foi no Rio de Janeiro. Benedita da Silva tinha
condições de ir ao segundo turno, mas PDT, PSOL etc.
boicotaram. Isso deixou claro que o PSOL estava aliado a
Eduardo Paes (DEM) desde o começo.
No Recife, foi ao segundo turno a candidatura de Marília Arraes,
que foi escolhida por Lula, representando a base do partido,
enquanto a direita do partido não queria sua candidatura.
Quando o PT se empenha em ter uma atividade que seja
consoante consigo, ele avança. O PT foi boicotado por seu
próprio governador, Camilo Santana, no Ceará.
No Rio Grande do Sul, quem controla o PT é uma ala super
direitista, que tem a política "contra o hegemonismo" do PT. Ela
é liderada por Tarso Genro. Eles retiraram a candidatura e
apoiaram Manuela D'Ávila.
Na Bahia, o PT também foi sabotado nas eleições de Salvador.
A candidatura da Major Denice era uma candidatura laranja, pois
o governador Rui Costa do PT tem um acordo com o DEM para
manter o governo e entregar a prefeitura para o DEM.
No conjunto, o PT foi o partido de esquerda que se saiu melhor
nas eleições. Não ganhou em todas as prefeituras que tinha,
mas isso se deu porque "os ratos abandonaram o navio". É ruim
do ponto de vista puramente numérico, mas da realidade das
eleições é positivo, pois houve uma depuração do partido. Isso
significaria que o PT teria muito mais votos se tivesse combatido
a sabotagem. Em um certo sentido, a direção do PT continua na
mesma política de chegar aos postos de governo da maneira
mais artificial possível, isto é, sem poder político nenhum.
O bloco da chamada extrema-esquerda foi muito mal. Ela é
representada por PCO, PSTU, PCB e UP. O PSTU é um partido
em decadência. Sua votação pode ser reflexo desta situação.
Teve muitos candidatos, mas sua votação foi ínfima (3.000 votos
no Rio de Janeiro); Cyro Garcia já teve 48 mil votos a
governador...
O PCB teve uma votação muito pequena para prefeito. É um
partido que está atrelado ao PSOL
A UP é um partido de origem stalinista. Está aliado à direita, e é
preciso identificar com maior clareza a que setor da burguesia
ele está ligado.
A votação do PCO se manteve a mesma, mas nossa situação
melhorou (aumento do número de candidatos etc.)

O que não estava em jogo nas eleições municipais


O "socialismo municipal" é uma tara antiga da esquerda
oportunista e reformista. As campanhas de Boulos e do PT foram
modelares nesse sentido. Denunciamos essa farsa. Há uma
consciência maior sobre isso, mas ainda há muita gente que
acredita que é preciso votar em Boulos.
O caso Erundina [sua gestão foi totalmente voltada a esmagar a
classe operária - o caso dos condutores de S. Paulo, aprox.
1'48"00] Outros casos: Palocci no caso da privatização da cia.
telefônica de Ribeirão Preto; Marta Suplicy - apelidade de
Martaxa - Haddad não fez nada por ninguém, fez frente única
com Alckmin contra o aumento das passagens.]
O governo não é um governo de pessoas, mas um governo de
classe. O indivíduo importa pouco. A crítica de Boulos a Covas,
de que o governo do PSDB não prestigiou a GCM, significa que
ele vai ter um governo mais policialesco que o do PSDB.

O caso Boulos
Boulos é o centro de toda a manobra para construir a esquerda
["que o papai gosta"] no Brasil. Pretendem, com Boulos,
substituir todas as lideranças do PT. O reacionaríssimo El País
afirmou que Boulos é "o Lula 4.0". Obviamente é uma farsa, mas
é revelador do raciocínio dos articuladores da fraude: Lula não
será candidato, não será eleito, e o PT terá que apresentar uma
figura inexpressiva. Eis que aparecerá o grande vitorioso do
1º turno das eleições, a face jovem da esquerda e do
identitarismo.
A esquerda pequeno-burguesa pensa que "Lula é um político de
colaboração de classes, tanto quanto outros, e portanto são
todos iguais, logo, escolho Boulos".
Lula é o chefe do partido de esquerda mais ligado ao movimento
operário e popular. Um ataque a ele é um ataque a todos ligados
a esse movimento. Boulos é uma figura que apoiou o golpe.
É preciso mostrar, a cada momento, o que significa a
colaboração com a burguesia. Boulos representa a tentativa de
fazer com que a esquerda pequeno-burguesa predomine
totalmente sobre os trabalhadores. Boulos é o candidato da
pequena burguesia e até de um setor da burguesia. Na manobra,
fizeram com que a pequena burguesia apoiasse Boulos, o que foi
fácil porque é uma classe volúvel, e em seguida usaram a
pequena burguesia para se impor sobre o PT e os trabalhadores
e levar uma parte do seu eleitorado.
O PT, na situação política, se coloca à esquerda, e o PSOL se
coloca à direita. O que os define é a posição diante do golpe e as
relações com os golpistas. Uma esquerda defensora do golpe,
lavajatista, é uma esquerda tipo PSDB.
A eleição mostrou, no caso Boulos e em geral, o papel
completamente contrarrevolucionário do chamado identitarismo.
[vide a demagogia em torno do número de mulheres eleitas etc.,
e a repercussão absolutamente nula disso].
A única coisa evidente é a tentativa da esquerda pequeno-
burguesa de liquidar o PT. Em Pernambuco, Marília Arraes,
candidata do PT, foi atacada durante toda a campanha e, tendo
chegado ao segundo turno, PCdoB e PSOL apoiam o adversário,
do PSB.
Bloco Ciro Gomes
Ocorre algo semelhante ao que ocorre com o PT, e com o bloco
dominante (MDB), em que há um deslocamento à direita. O
bloco liderado pelo PDT sofre com isso. As eleições municipais
dão a entender que as eleições de 2022 podem ter um candidato
linha dura, direitista, e não um moderado.
A situação mostra que a frente ampla está enfraquecida. O
deslocamento à direita a esvaziou. Uma frente ampla que
englobe setores do PSDB, MDB, PCdoB, PDT etc., seria como a
Frente Popular da Espanha (a sombra da burguesia). A
burguesia não estaria aí, mas usaria essa frente para eleger um
candidato da direita, da ala direita do bloco dominante ou dos
partidos que tendem à extrema-direita. A esquerda brasileira
entrou de cabeça. Ela é composta por uma minoria que fala em
socialismo e marxismo, tem ilusões revolucionárias, mas no geral
é composta por uma esquerda bem pensante, a que tem o
pensamento da moda, de uma ala semi-progressista, semi-
democrática, contra o radicalismo, os extremos e as teorias da
conspiração, e uma parcela de gente abertamente direitista. O
ápice desta esquerda bem pensante foi a campanha da
corrupção. Agora, Boulos.
Toda a importância política deste setor consiste em controlar a
opinião de classe média, de esquerda, sobre a classe operária.
A polarização se mantém claramente na pequena burguesia. O
que significa que ela se mantém na situação nacional em geral.
O bloco fundamental da burguesia se desloca à direita.
Pelo que se viu nas eleições, há uma tendência de luta da classe
operária. A votação do PT não diminuiu, embora não tenha
ganhado prefeituras.

Nossa posição
Não votar nos candidatos da esquerda pequeno burguesa pois
não estão ligados à classe operária.
Para que a classe operária possa se expressar com voz própria
é preciso combater essa esquerda pequeno-burguesa. Nesse
sentido, nossa posição deve ser o voto nulo em todos os
candidatos no segundo turno.
Não podemos definir o nosso voto com base na ideologia, e sim
em relações concretas. Podemos votar em um candidato que
não tem a nossa ideologia. Mas tem que ser um candidato que
faça avançar o desenvolvimento da luta de classes da classe
operária. O voto nas candidaturas pequeno-burguesas indica que
a pequena burguesia tem o direito e o privilégio de controlar
politicamente a classe operária.
Diante do argumento: "Mas Boulos e Manuela D'ávila não seria
melhor?" Dizemos: "Não". Apenas do ponto de vista que não vão
conseguir fazer nada… o ganho é pequeno perto do prejuízo… o
partido que está defendendo a independência de classes estaria
apoiando um candidato burguês (pequeno-burguês, logo..
burguês).
Depois das eleições, estaremos firmes na campanha pelo fora
Bolsonaro e todos os golpistas e o imperialismo. Se
dissermos apenas fora Bolsonaro, por mais que seja uma
política de luta, estaríamos acobertando a operação do
imperialismo para impor alguém como Doria em 2022.
A candidatura de Lula é um divisor de águas. A burguesia tem
certeza que Lula não poderá ser candidato. Isso, no entanto, não
é certo.
Proposta
Publicar um programa (folheto) para a atual situação política no
Brasil, para a agitação na campanha e propaganda política
partidária em geral, tratando das questões essenciais (a
destruição das condições de vida dos trabalhadores, as questões
democráticas, os salários, o trabalho), para mostrar o conjunto
da política do partido, e não ficar apenas nas palavras de ordem
centrais.

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