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PATROCÍNIOS:
DOMINICANOS DE LISBOA
SIMON FORMAN
um alquimista diferente
MARIA SALOMÉ MACHADO
Meu tio beijou a minha fronte. «De hoje em diante serás meu
aprendiz. Eu te ajudarei a transformar espinhos em rosas e juro
proteger-te dos perigos que espreitam o caminho. As páginas, que são
outras tantas portas, hão-de abrir-se ao nosso toque.
Richard Zimmler, O Último Cabalista de Lisboa
Assim como a figura tutelar de Shakespeare obscurece a existência de toda uma plêiade
de dramaturgos seus contemporâneos cujos méritos, contudo, são indiscutíveis, também a
fama do alquimista John Dee ensombra o merecimento de outros seus congéneres, menos
favorecidos pela sorte, mas que, porventura, se lhe equiparariam, caso tivessam beneficiado
das mesmas oportunidades.
No grupo dos que beberam, até ao fim, o cálix amargo da dureza da vida, destaca-se
Simon Forman, vítima do desprezo e da perseguição dos coevos e da quase total
indiferença das gerações posteriores. De facto, este praticante da arte alquímica só não
soçobrou no mais absoluto anónimato e no mais abjecto ostracismo, enquanto homem culto
do Renascimento, porque em 1972 A. L. Rowse, um estudioso da época isabelina, publica
um livro sob o título Simon Forman: Sex and Society in Shakespeare's Age utilizando
como base para as suas pesquisas os textos de Forman que, por inestimável deferência, lhe
foram facultados em manuscrito e na íntegra pela Bodleian Library de Oxford. Mas,
Rowse vai mais longe, pois numa tentativa louvável mas, ao que parece a todos os títulos
gorada, de fomentar o estudo do homem e da obra, insere no final do seu volume uma
pequena colectânea de excertos extraídos da vasta e diversa produção literária de Forman.
Um dos trabalhos mais interessantes que este contemporâneo de John Dee oferece aos
olhos curiosos e às mentes argutas da posteridade e que aguarda publicação consiste numa
autobiografia, na terceira pessoa cujos primeiros parágrafos possuem nítidas ressonâncias
dos textos genealógicos do Antigo Testamento. Note-se que, na época vitoriana, Halliwell-
Philips foi mandatado pela Camden Society para transcrever para um inglês mais acessível
a Autobiografia de Simon Forman. Contudo, o puritanismo hipócrita do período impediu a
sua publicação. Porém, é através desses escritos que Simon Forman se revela ao leitor,
convidando-o a inteirar-se tanto das facetas determinantes do seu carácter como dos muitos
complexos psicológicos e inúmeras frustrações a que, mesmo nos momentos menos
dolorosos da sua vida, não consegue eximir-se.
Depois de um esboço confuso e, por certo, pouco plausível (o próprio Rowse ainda que
admirador incontestado de Simon o admite) da árvore genealógica da sua família pela qual,
não obstante, se infere que os Forman pertencem à pequena burguesia rural, Simon cita
com o escrúpulo meticuloso do astrólogo habituado a gizar horóscopos, a data do seu
nascimento ¾ Sábado 30 de Dezembro de 1552 às 21, 45. Era, assim, 25 anos mais novo
que John Dee, querendo isto dizer, que Simon vê pela primeira vez a luz do dia quando
Dee, depois de estudos efectuados em algumas das escolas e universidades mais famosas da
época, entre as últimas Lovaina e Paris, se encontra no auge da sua vida activa,
pontificando nas diversas áreas dos saberes aceites no período, fossem elas as
«matemáticas» ou as «magias». O reconhecimento público a que não é estranho o favor de
Isabel I, permite a Dee mover-se à vontade nos círculos afectos à corte.
Pelo estatuto social da família Forman, desde logo se deduz que Simon nunca
beneficiaria da conjuntura favorável que guinda Dee à situação de grande mago da época
isabelina. De facto, nem mesmo durante os escassos onze anos em que aufere da presença
protectora, benévola e conivente do pai, Simon frequenta uma escola digna desse nome.
Realiza, pois, os seus estudos com mestres pouco fiáveis que tinham optado pelo ensino por
força das circunstâncias encontrando-se, desse modo, longe dos padrões mínimos
requeridos para satisfazer as exigências do magistério a que se dedicavam.
Por escolha, tendência ou necessidade ou, talvez ainda, pela percepção honesta que não
confessa a si próprio e muito menos aos outros, de alguns hiatos de vulto em certas
matérias como a «matemática», ou melhor, a geometria euclidiana, área em que John Dee é
reconhecido e se assume como expoente máximo do seu tempo, Simon dedica-se à análise
das cartas astrológicas dos seus clientes, ao exercício da «medicina» e a pesquisas várias no
âmbito da práticas alquímicas e necromânticas. Escreve, mesmo, alguns livros sobre estas
últimas que nunca tiveram direito a publicação.
Ao contrário do que acontece com muitos outros cultores da alquimia, não se pode
atribuir às experiências do foro alquímico a culpa pelas desgraças que acometem Forman.
Porém, as suas incursões no âmbito do tratamento da peste e outras enfermidades, aliás
quase smpre coroadas de êxito, transformam-no em réu de crime grave aos olhos de um
qualquer cirurgião-barbeiro medíocre, mas encartado que, na ausência de diploma e licença
específicos por parte de Simon, não lhe reconhece capacidade para empreender a prática de
feitos deste calibre. Contudo, não se pode acusar Forman de invadir o espaço dos
«médicos» reconhecidos pelas Universidades, pois será a fuga cobarde destes para o campo
frente à gravidade e amplitude da epidemia que o obriga a assumir um encargo, talvez
ilegal mas, sem dúvida, profundamente humanitário.
Durante muitos anos, Simon sofre no corpo e na alma as consequências da sua argúcia
no âmbito dos diagnósticos e do seu sucesso a nível das curas com poções e mezinhas que
ele próprio preparava. O destaque vai para uma bebida que designa por «strong water» ou
«aqua vitae». É denunciado várias vezes, mesmo pelas pessoas cujos males sarou mas que
não querem satisfazer o preço justo, metido na cadeia outras tantas e, quase sempre por
longos períodos de tempo, comparece perante os tribunais, paga multas, cumpre penas.
Porém, se as sucessivas estadas nas enxovias que eram as prisões da época isabelino-
jacobita, constituem para Simon um verdadeiro tormento afectando-lhe mesmo a saúde, o
pior castigo que lhe foi infligido consistiu na apreensão do seu bem mais precioso, ou seja,
os livros de «medicina» adquiridos à custa de grandes renúncias e privações. (Isto para já
não falar de algumas obras sobre outras matérias que a justiça também lhe sonegou). Foi
uma perda irreparável a vários níveis, pois encontravam-se profusamente anotados com o
fruto das suas pesquisas nesse ramo do saber. Só 24 anos mais tarde lhe seriam restituídos
em parte e com lacunas graves.
Visto que Simon Forman nunca foi considerado digno de figurar entre os exemplos
paradigmáticos do homem culto do período isabelino-jacobita, as escassíssimas notícias
que a posteridade possui acerca dele anteriores à obra de Rowse, prendem-se, por capricho
irónico e perverso do destino, ou com um dos maiores escandalos da época em que viveu,
ou com algumas idiossincrasias específicas, porventura caricaturais, da sua natureza
multifacetada.
No que se refere ao incidente complexo que abalou os alicerces da aristocracia inglesa
e que se tivesse ocorrido nos dias de hoje sairia nos jornais sob o título «Caso Overbury»,
Simon é acusado de conluio com a Condessa de Somerset no assassinato de Sir Thomas
Overbury. De acordo com aqueles que o incriminam, ele terá fornecido o veneno com que
a Condessa afastou para sempre e em definitivo o entrave que se opunha à concretização
dos seus desejos mais íntimos. Não se nega que a Condessa consultara Simon por motivos
vários em diversas ocasiões, mas é bom não esquecer que Forman já tinha falecido há dois
anos quando ela cometeu o crime.
Volpone, or The Fox é levada à cena em Portugal com uma certa regularidade.
Contudo, Sir Pol está ausente do texto traduzido em português, uma vez que este se baseia
na versão resumida e, na perspectiva da maior parte dos estudiosos de Jonson, a todos os
títulos, adulterada de Stefan Zweig que transforma uma sátira, com a qualidade inegável
das suas antecessoras aristofânicas, numa comédia de costumes anacrónica e medíocre, mas
que o público não se cansa de aplaudir.
Como é óbvio, nunca se poderá ter a certeza se Ben Jonson projectou ou não, em Subtle
e Sir Pol, alguns traços de carácter de Simon Forman ou se meras coincidências ditaram as
analogias. Contudo, este dramaturgo é responsável por um facto muito importante: a
inclusão do nome de Simon Forman, enquanto Simon Forman, em pelo menos duas das
suas peças ¾ Epicoene or The Silent Woman e The Devil is an Ass ¾ pertencendo-lhe,
assim, o mérito de impedir que se perdesse, por completo, a memória de um alquimista que
os revezes da fortuna condenaram à diferença.
Bibliografia
French, Peter 1987: John Dee: The World of an Elizabethan Magus. London and
New York, Ark Paperbacks.
Herford, C. H.,& Percy and Evelyn Simpson, eds. 1965: Ben Jonson. Vol 5.
Oxford, Clarendon P.
Herford, C. H., & Percy and Evelyn Simpson, eds. 1966: Ben Jonson. Vol 6.
Oxford, Clarendon P.
Introdução
EL LIBRO DE MARAVILLAS
Sobre el primer argumento sería suficiente decir que la física de partículas ha hecho
realidad el quimérico objetivo perseguido por los alquimistas de convertir el mercurio en
oro. La conversión no tiene el valor económico de antaño, los costes superan a los
beneficios, pero el experimento demuestra la identidad atómica que subyace en la aparente
diversidad material de la naturaleza, orgánica e inorgánica, de suerte que, teóricamente, es
factible transformar un elemento en otro modificando su configuración atómica. Bajo otra
fórmula, ésta era la hipótesis defendida por los alquimistas al realizar a sus fallidas
transmutaciones. Hoy el proceso es viable experimentalmente también a nivel biológico, y
seguimos planteamientos generales de intercambio de materia que rememoran las pretéritas
combinaciones alquímicas aunque con resultados mucho más satisfactorios, pues
sofisticadas técnicas de ingeniería genética permiten intercambiar las características
anátómicas y fisiológicas que poseen los organismos. El planteamiento es simple, consiste
en extraer del donante el correspondiente fragmento génico y unirlo al material genético del
receptor, donde se expresará siguiendo la pauta química correspondiente. A nivel unicelular
nos desenvolvemos con soltura, pero no ocurre lo mismo respecto al complejo entramado
bioquímico pluricelular. Desconocemos aún numerosos aspectos del problema y, salvando
todas las distancias ideológicas y tecnológicas, no estamos demasiado lejos de alguno de
los enunciados formulados en el siglo XVI por Gian Battista della Porta bajo la
denominación de magia natural. Compartimos con él ideales e intereses y nuestros
experimentos son la versión moderna de algunas de sus imaginarias experiencias. Por
ejemplo, Porta no duda en aceptar la posibilidad de obtener frutos compuestos mezclando
semillas pertenecientes a diferentes especies vegetales[3]. La coincidencia ideológica no es
casualidad. El sabio napolitano realiza un lectura animista del libro de la naturaleza
estableciendo una relación causa /efecto entre la materia y la cualidad que supuestamente
representa y manifiesta. En el reino vegetal la semilla es el recipiente que alberga las
cualidades propias de la especie y su correspondiente representación morfológica, de donde
se induce que la fusión material de estos elementos dé como resultado una nueva
combinación cualitativa. Nuestra interpretación del problema se aproxima al de nuestros
antepasados más de lo que estamos dispuestos a admitir. Ya no especulamos sobre
cualidades, conocemos la base material de la reproducción, pero nos limitamos a
recombinar estas porciones materiales para intercambiar los caracteres orgánicos que
representan. En conclusión, nuestro desarrollo intelectual ha permitido sustituir la semilla
por el gen. No hemos esbozado esta correlación histórica gratuitamente, la finalidad es
exponer el referente filosófica representado por Tommaso Campanella y, siguiendo la
doctrina expuesta en su libro El senso delle cose e la magia[4], afirmar que la interpretación
mágica de la naturaleza es una etapa del saber caracterizada por el desconocimiento de las
causas que originan los fenómenos observados. Paulatinamente la naturaleza pierde el
alma, se materializa, la cantidad sustituye a la cualidad, se descubren leyes que
presuntamente la gobiernan y la hacen predecible. El proceso se llama conocimiento
científico. Aplicando esta línea argumental, la alquimia petenece a una etapa del saber
condicionado por la ignorancia y el afan desmedido de manipular la naturaleza que el
hombre manifiesta históricamente. Situación que hemos mejorado sólo parcialmente.
La segunda propuesta del enunciado nos conduce al objeto de nuestro análisis. Que el beato
Raimundo Lulio no practicó la alquimia es un hecho demostrado por los estudiosos
lulianos. Se ha comprobado la condición apócrifa de los textos alquímicos atribuidos, entre
ellos un tratado De Alchemia arrojado en 1372 a la hoguera inquisitorial[5].
Probablemente, a fomentar la confusión contribuyeron las prácticas alquimistas y
nigrománticas desarrolladas por su contemporáneo Raimundo de Tárrega, quien pudo
vislumbrar en el prestigio del beato el recurso apropiado para salvaguardar sus actividades
de la censura eclesial. Sea como fuese, el hecho es que durante siglos el nombre de
Raimundo Lulio abanderó una disciplina que no profesó. El Libro de maravillas es
inequívoco. La alquimia es un arte falso sustentado en la ambición y la codicia del hombre,
pecados que le convierten en crédulo y mentiroso. Es falso que se puedan transmutar las
sustancias, porque junto a la forma y accidentes que caracterizan la materia los objetos
naturales manifiestan una intencionalidad de ser y existir resultado de una combinación
adecuada de sus elementos constituyentes, facultad cuyo origen es divino[6]. El hombre
debe honrar a Dios y no pretender emularle. ¿Qué es el Libro de maravillas?
Raimundo Lulio nace en Palma de Mallorca hacia la mitad de la década de los años treinta
del siglo xiii y muere en su ciudad natal trascurrido el año 1315[7]. La licenciosa vida
juvenil dio paso a una existencia mística que le llevó a predicar la palabra de Dios por
Tierra Santa. En consonancia con este extremo compromiso religioso el Libro de
maravillas, escrito alrededor del año 1286[8], es un manual teológico sobre el conocimiento
que el hombre tiene de Dios. <<Ve por el mundo, y maravíllate de los hombres, porque
cesan de amar y conocer a Dios. Que el conocimiento y amor de Dios sean tu vida toda;
llora la flaqueza de los hombres que a Dios ignoran y desaman>>[9] es el argumento
ideológico que gobierna la obra con espíritu ejemplarizante. También sobre su contenido el
título es equívoco. Confusión que aumenta si utilizamos una versión posterior: Llibre de les
meravelles del món[10]. Maravillas no significa belleza, explendor, admiración de la
naturaleza y sus habitantes, equivale a sorpresa, estupor, ante el desconocimiento y
desamor que la humanidad dispensa a Dios, quien ha creado y entregado el mundo a los
hombres para que le conozcan, amen y respeten. Maravillarse significa descubrir a Dios, y
consiste en amarle y honrarle.
Bajo un enfoque puramente literario el texto manifiesta la condición heroica de la novela
medieval europea, pero su protagonista, Félix, no se escuda en la religión buscando
aventuras ni recorre el mundo tras los pasos del santo Grial, como hicieran sus coetáneos
Tristan y Parsifal en sus respectivas leyendas[11]. Compuesta en modo alegórico-didáctico,
la obra es un relato sencillamente apologético. Félix busca y encuentra a Dios en la vida
cotidiana teñida de privaciones y desdichas, porque es en el sufrimiento donde el
componente divino da sentido a nuestra existencia. Junto al tema literario el texto muestra
una corriente científica propia, contexto donde nos interesa evaluar cuál fue la lectura que
Lulio hace de ese libro universal que es la naturaleza. Su interpretación no sigue la doctrina
de la doble verdad, no distingue entre verdad racional y verdad revelada, hace de ambas en
un único pricipio unívoco. Así, al sermón religioso une la filosofía trazando un esquema
cosmogónico que comienza en la materia y termina en Dios. Es la escala del entendimiento
del mundo, tal y como narra en una obra posterior: Del ascenso y descenso del
entendimiento[12]. La secuencia se inicia en la piedra, prosigue con la llama, planta, bruto,
hombre, cielo, y ángel, hasta Dios. En el origen existió el caos[13], compuesto por los
cuatro elementos que enseñan clásicos como Ovidio, Empédocles, Platón, y Aristóteles[14],
sometidos ahora al dogma católico. Fuego, aire, agua y tierra, son las cuatro esencias
creadas por Dios[15] y materializadas en elementos simples de homóloga denominación.
Los elementos se relacionan formando una secuencia característica del cosmos: <<el fuego
entra en el aire, el aire en el agua, el agua en la tierra y la tierra en el fuego>>[16]. A esta
estructura sistémica se debe tanto la disposición, suspensión, de la Tierra en el firmamento,
como las propiedades de los cuerpos naturales. El fuego es el componente energético del
sistema y su propiedad calorífica se trasmite cíclicamente a los demás elementos. Calor y
frío, sequedad y humedad, son consecuencia de esta interacción, determinando las
cualidades de los cuerpos elementados. La materia inerte, los metales, se caracterizan por el
equilibrio, por la estabilidad de los elementos simples que la componen, constituyendo un
sistema cerrado e invariable frente al medio. Los seres vivos, plantas y animales, tienen
análoga composición, el círculo fuego-aire-agua-tierra-fuego es también el círculo de la
vida, y se caracterizan por el intercambio que realiza el sistema con el exterior para obtener
los cuatro elementos simples que consume en su metabolismo, representado genéricamente
por dos conceptos antagónicos: génesis y corrupción, formación y descomposición de la
materia viva[17]. A nivel sistémico el ser vivo se distingue de la materia inerte por su
inestabilidad. Como cuerpo elementado que es el hombre opera con idénticos
principios[18], fruto de esta elementaridad es su capacidad vegetativa, sensitiva,
imaginativa, racional y motora. La vegetación es responsable de la morfología; la
sensibilidad de los sentidos; la imaginación modela la percepción sensorial; por la razón
alcanzamos el conocimiento a través de la memoria, el entendimiento y la volutad, y el
movimiento es responsable de la actividad conjunta del organismo y sus facultades[19].
At the end of the nineteenth century and at the beginning of the twentieth,
before 1914-1918, one spoke of "vagabond religiosity" to designate an nebulous
alternative outside of the churches, individualist and spiritualist, modern in its own
way, or more less pantheistic. Nostalgia for the sacred survives and reappears in the
midst of jurassic transformations that mark society. That which had been considered
extinct repositions itself in simultaneous configurations never before seen. The
desenchantment of the world did not close the cycle of the "quest" for the divine.
But the reenchantment of the world is not equivalent to the rebirth of old or new
idolatries. Alchemy, as discourse as well as practice, by the empiricism to which it
gives birth, by the magic which it calls upon, by the secrecy which it establishes, by
the diffuse divinity at its disposal, by the cult of a living Nature, will apparently be
more sheltered from dematerialisation than the religions, for example. Its entrance
in cyberspace proves that after all "all that is solid is dissolved in the air", and this
field is subject to the same waste. Is it possible to foresee behind the misery of the
sacred that proliferates in cyberspace a new field of enchantment: the cybersacred?
Proliferação de transcendencias
Cibersagrado
"The research on cyberspace is a quest for God", afirma Paul Virilio. Levará a
navegação no ciberespaço a uma verdadeira Ŗquestŗ de Deus? Pode subscrever-se a tese de
Michel Bauwens segundo o qual a Ŗquestŗ da transcendência está de facto Ŗaramadaŗ na
psique humana e que a ciência e a técnica se tornaram meios para alcançar a
transcendência? "O sagrado é, especificamente, a presença da ausência (...), a manifestação
sensível e tangível do que normalmente está fora dos sentidos e da captação humana. E a
arte, no sentido em que nós modernos a compreendemos, é a continuação do sagrado por
outros meios. Quando os deuses desertam do mundo, quando deixaram de aparecer e de
significar a sua alteridade, é o próprio mundo que se nos afigura outro, revelando uma
profundidade imaginária, objecto de uma "quest" especial, dotada de fim em si mesma, e
remetendo apenas para si própria. Assim, a apreensão imaginária do real, que constituía o
suporte antropológico da actividade religiosa, começa a funcionar por si própria,
independentemente dos antigos conteúdos que a canalizavam"[9]. A religião no
ciberespaço tornou-se produtora e distribuidora de novos ídolos. Veja-se a Ŗlistservŗ de
Mark Taylor, autor de Erring: a Postmodern A/theology, chamada "Techspirit" - em que as
pessoas discutem as possibilidades espirituais abertas pela Net. Estranha intersecção de
tecnofilia e espiritualidade! Vale a advertência de M. Taylor: "O ciberespaço não nos dá a
cura para a nossa "schizo condition", pode antes exacerbá-la. O ambiente electrónico
determina o desaparecimento do significado no jogo dos significantes. Em termos
teológicos, esta reinscrição do significado em significantes pode ser entendida como a
morte de Deus, que é determinada através de uma incarnação radical. A sombra de
Nietzsche não larga o espaço de questionamento em que nos movemos. A Encarnação
torna-se dificilmente pensável porque o corpo é virtual. Embora virtualidade não seja o
contrário de realidade; pelo contrário, a chamada realidade é mais virtual e a chamada
virtualidade é mais real do que a sua simples oposição implica.
A Alquimia que Caiu na Rede
Imanência - Transcendência
Coda
As novas Ŗguerras de religiãoŗ lutam hoje para controlar o céu através de um sistema
digital e de uma visualização panóptica virtualmente imediata. Cultura digital, jet e TV são
luagres sem as quais não há hoje nenhuma manifestação religiosa, nenhuma viagem ou
alocução do Papa, nenhuma irradiação organizada dos cultos judaico ou muçulmano. ŖNum
Řciberespaçoř digitalizado, prótese sobre prótese, um olhar celeste, monstruoso, bestial ou
divino, algo como um olho de CNN vigia em permanência: sobre Jerusalém e os seus
monoteísmos, sobre a multiplicidade, a velocidade e a amplitude sem precedente das
deslocações dum papa entregue à retórica televisual (…) é imediatamente difundida,
massivamente Řmarketizadař e disponível em CD-ROMŗ[12].
Uma vez mais, foi pela mão da analogia (esse demónio antigo) que fomos levados a
aproximar a alquimia e o ciberespaço. Apesar dos perigos que essa operação acarreta: o
perigo da "impermeabilização da fronteira" e o perigo da "difuminación de la frontera"
(Muguerza). O primeiro é o perigo da incomunicação entre crentes e não crentes - os
tópicos do "intrusismo" e do "secretismo" têm uma força que a terra não conhece: "A terra
não guarda segredos"[16]. Ana Paula Guimarães apresenta o fim do segredo do conto "O
Príncipe das Orelhas de Burro" de uma forma que se poderia aplicar tanto à crença como à
magia. Que acontece ao segredo? "O segredo ("o príncipe tem orelhas de burro") confiado
ao fundo do vale ecoará nas flautas dos pastores construídas com as canas do canavial onde
nasceu. E é esse segredo revelado que faz com que o príncipe perca as orelhas de burro?"
(Cf., Conclusão de Falas da terra, p. 38). O segredo da graça é que não há nenhum segredo,
nenhum negócio com a libido videndi. O problema já não é o do limes em que se pensava a
religião e que delimitava o "mundo" e o "para além" deste mundo que se "revelava" no
mundo como "mistério". Movemo-nos hoje através de uma linha de desfronteirização em
que o problema do sagrado, da velocidade e da globalização são plataformas de encontro
para uma cultura que se pensa através da transformação acelerada de discursos e de
práticas. Longe vai o tempo em que se acreditava que "Homo Est Clausura Mirabilium
Dei" (Hildegarda de Bingen). Este enunciado dizia que o homem não é o centro do
universo, mas o seu fim. Não perder o anel, essa é a injunção maior que depreendemos da
prática sapiencial que é a alquimia. Podemos não acreditar na neomitologia que espera um
"Deus que vem" e que viria reconciliar o Pão e o Vinho, Cristo e Dioniso. Um equívoco
permanece: o trans-humanismo tecnológico não coincide com a transcendência post-teísta.
Mas não é exactamente esse equívoco que nos permite concluir que estamos às portas de
uma nova metafísica naturalista?
Notas
[1] Giovani Sartori, La democracia después del comunismo, Alianza, Madrid, 1993,
pp. 124-127.
[2] Hottois, "Humanisme et évolutionisme dans la philosophie de la technique", RIP,
161, 1987/2, p. 286.
[3] H. de Lubac, La postérité spirituelle de Joachim de Flore, 285.
[4] Joaquim de Fiore, Concordia IV, cap. 33, fº 56b.
[5] Cf. H. Mottu, La Manifestation de l'Esprit selon Joachim de Flore, Neuchâtel,
Delachaux et Niestlé, 1977, p. 241.
[6] Alan C. Purves, Web of Text and the Web of God, New York, Guilford Press,
1998, p. 187.
[7] Michel Serres, Statues, François Bourin, 1987, p. 214.
[8] Ken Wilber, A Brief History of Everything, Shambhala, Boston & London, 1996.
[9] Marcel Gauchet, Le Désenchantement du monde, Paris, Gallimard, 1985, 297.
[10] João Caraça, Science et Communication, Que sais-je?, PUF, 1999, pp. 109-114.
[11] Vide Javier Muguerza, ŖUna visión del cristianismo desde la increenciaŗ, in
Cuadernos FyS, 2000, Sal Terrae, p. 26.
[12] Jacques Derrida, in La religion, Paris, Seuil, 1996, pp. 35-36.
[13] O termo foi criado por William Martens, Spacial Image Formation in Binocular
Vision and Binaural Hearing, 3D Media Technology Conference, 1989.
[14] David Thomas, "Old Rituals for a New Space: Rites de Passage and W. Gibson's
Cultural Model of Cyberspace", Cyberspace: The First Steps, Benedikt, ed. MIT Press,
Cambridge, 1991, p. 41.
[15] Slavoj Zizek, The Plague of Fantasies, Verso, London N.Y., 1997, p. 150 e ss.
[16] Ana Paula Guimarães (com colaboração de Maria Emília Traça), "Secrets et
petits secrets dans la tradition populaire portugaise" in Secret et topique romanesque du
Moyen Âge au XVIII siécle, Lisboa, 1995.
O ESPELHO
objecto reflector do sujeito da reflexão
Pedro de Andrade
ABSTRACT
If the mirror idea implies, first of all, the vision of something that reflects in
it, this paper proposes an exposition on the nature of the mirror, that is, a reflection about
the reflection. This hermeneutics of reflexivity will be based on a cognitive figuration,
e.g., a visual conceptualization : in other words, the mirror concept is represented here by
a triangle, that reflects on himself and it is duplicated in an inverse way to the first,
producing the shape of a hour-glass, or a double inverted triangle, in the horizontal. The
dynamic time of the hour-glass contaminates, in this way, the space seemingly static of
the specular surface, transfering to the mirror a volumetric interdimensionality.
And, if the classic hour-glass, placed in the vertical, means the time that
flows and happens in a certain space, the horizontal hour-glass can transfer the sense of
the space that we temporarily cross, especially the polyvalent (synchronous and
diachronic) locus of our own existence. Indeed, the meanings given to and by the mirror
appear to be so diverse as reality is, or as unreality shows, as it will be verified later.
In second place, as for the content of the symbols of the mirror, those four
polar vertexes sustain, substantively, two dichotomies. The first opposition presents
rationality in contrast with sensibility. Rationality is expressed by these concepts:
Řreflectionř, Řmediationř, Řappearanceř and Řpassivityř. Sensibility is exteriorized by the
terms Řbeautyř, Řvisionř, ŘforecastŘ and Řprophecyř. The second tension indicates the clash
between identity and otherness. In this dialectics, identity is nominated by Řself-
knowledgeř, Řperfectionř, Řsamenessř, and the Řphase of the mirrorř. Finally, alterity
appears in the following ideas: Řinversion of realityř, Řrelativityř and Řcommunication
among alteritiesř.
All this is transmited by the game of mirrors with which the mirror plays
with us.
reflecte, então irei propôr-vos uma exposição sobre a sua natureza, isto é, uma espécie de
conceito de espelho é aqui representado por um triangulo conceptual que se reflecte sobre
acima, especificando-a:
a ampulheta projectada na horizontal possui quatro vértices nos seus extremos, dois para
cada lado de um quinto vértice central, este último apresentando-se como resultante e
quatro vértices polares sustentam, substantivamente, duas dicotomias: (a) de uma parte, a
parte, a oposição entre as ideias de identidade e de alteridade. Tudo isto é-nos dito pelo
passos fundamentais. A primeira etapa é a descrição de uma coisa ou ideia nas suas
duplica abstractamente no cérebro, embora essa imagem reflectida não passe de uma
cópia incompleta daquilo que tenta explicar ou figurar, tal como no caso do espelho
concreto. O pensamento desvela-se, assim, enquanto duplo, quase uma ovelha Dolly da
Para além desta lógica analógica, que vive de semelhanças, tentaremos definir o
trabalho dos símbolos no interior das duas outras grandes lógicas existentes: a lógica
irredutíveis numa primeira fase, mas logo a seguir consensualizadas numa síntese que
Assim fazendo, poderemos construir uma Simbologia das Lógicas, que defina as
que articule os vários tipos de lógica no estudo dos símbolos, tanto nas suas
potencialidades quanto nas suasinsuficiências. Aliás, este pensamento que tem como um
dos pilares o consenso das lógicas e o consenso das simbologias, assenta que nem uma
cidadania, de outro.
2. Especulações práticas sobre o speculu, ou expelo
Após estes prolegómenos e hipóteses de cariz mais epistemológico e teórico, vamos tentar
casos particulares e exemplos que a História e a Sociologia dos símbolos, entre outros
modos de estudo, nos oferece. No entanto, esta consideração das particularidades do tema
submeter-se-á à sua síntese num todo inteligível, e não disperso. Mal estaríamos se, ao
reflexão, se bem que advogando uma reflexão sensível e plena de respeito pela alteridade.
antes de mais, por uma das teses mesmo agora apontadas, ou seja, a consideração do
espelho enquanto local de reflexão do real. Este atributo dos espaços especulares permite
mas apenas rebate uma parte da luz da verdade, intrínseca à realidade que envolve o
sujeito pensante. Quando muito, o pensamento racional apresenta uma cópia imperfeita
também à acção das superfícies espelhadas, deriva precisamente de uma das propriedades
imagem.
Por sua vez, as precedentes noções de reflexão, e o seu carácter indirecto ou
mediado, ligam-se a uma outra, o conceito de aparência. Dito de outro modo, o mundo
do espelho é mesmo real, ou funciona como uma espécie de poeta fingidor, mimando
consiste na clonagem daquilo que espelha, ou a reflexão, por si só, produz a sua própria
racionalidade do espelho é a passividade. Tudo aquilo que copia, que imita uma luz
anterior, apenas possui um brilho herdado, e não genuíno. A sua acção é uma forma de
reacção. O sábio, é, por isso, frequentemente, um mero iluminado, e não uma fonte
de muitas civilizações, a Lua que recebe a luz do Sol, ou, no seio do Cristianismo, a
Virgem que retoma a luz de Deus. Por outro lado, no Japão, o espelho encontra-se
quando exala este carácter passivo. Na China, a contemplação que o espelho induz
espelho é o fornecimento de uma imagem, captada por um dos órgãos dos sentidos, a
visão.
À imagem está associada idealmente o conceito de beleza. O mito, e o símbolo de
ora das ideias ora do corpo do sujeito. Se o corpo ou as ideias possuem uma beleza
Narciso constitui o paradigma do homem que se deixa aprisionar pela sua própria
imagem, bela mas também assassina, ou mesmo suicidária. O espelho enquanto símbolo
visão do real a ele inerente. A única realidade perceptível, principalmente quanto ao pré-
real, é aquilo que se deixa ver no espelho, e em particular, no chamado espelho luminoso,
pela cabalística. Segundo o Budismo, os espelhos mágicos permitem ver a forma da nossa
vida depois da morte. Uma tradição chinesa assegura que, se não reconhecermos a nossa
própria cara num destes espelhos, a nossa morte está próxima. Se um homem encontra
um espelho, é sinal também achará rapidamente uma boa esposa. Por outro lado, se
alguém recebe um espelho de presente, o seu filho terá provavelmente uma profissão
segura. Também na China, quando dois casados se deixam por muito tempo, partem um
espelho em dois pedaços, para mais tarde se reconhecerem e reunirem. Se um deles fôr
infiel, a sua parte do espelho transformar-se-á numa pêga, o que não deixa de apresentar
com o seu duplo. A reflexão surge assim, simultaneamente enquanto fim e como meio
Espelho, circunscrita por Jacques Lacan, neste caso mais conotada com a sensibilidade e
criança, no dizer de Lacan, vê-se a si própria como indivíduo completo, destacado dos
seus pais, quando se confronta com a sua imagem no espelho, Afinal, não será o rosto o
espelho da alma?
mesmidade.
simbólica mais complexa e, talvez por isso mesmo, a mais fascinante, na medida em que
diferença identitária.
comunicação com eles. Em particular, esta comunicação entre alteridades pode minorar a
da vida planetária.
Subscrevendo ou não estas posições, o que parece certo é que o espelho apresenta-
sociologicamente, o símbolo define-se em dois planos: por um lado, revela-se como uma
das objectivações mais apartadas das situações de interação entre dois ou mais actores
sociais em co-presença, mais do que um índice ou um sinal, por exemplo; por outro lado,
mundos da vida ou, por outras palavras, mostra-se como o símbolo dos símbolos ou
ainda, se nos é permitido dizê-lo, o símbolo mais simbólico de todos. Isto passa-se
podem espelhar-se nele todos os mundos de símbolos existentes, sejam eles reais ou
fictícios;
(c) Em terceiro lugar, pelo maior poder de interpretação que o espaço especular
relativamente claros, embora, como vimos, no-los mostre à sombra de uma luz indirecta.
Esta clareza relativa deriva, em grande parte, do facto de que as conotações circulantes na
que o espelho delimita. Tal como num quadro do Renascimento ou numa cena de
espelho. A primeira moldura institui a pessoa que vê como o único sujeito, e coloca-o no
objecto 'espelho' aquirem, ambos, uma certa subjectividade. Ou seja, o mundo descentra-
sentir, identificarmo-nos com nós próprios e comunicar com os outros, ele recebe, por
Introdução
O poeta Gérard de Nerval, que sabia muito de cabala fonética, escrevia, a propósito da
arte heráldica: "O conhecimento do brasão é a chave da História de França". Melhor do que
isso, ela é a chave da História europeia. O erudito Granier de Cassagnac, por seu turno,
verifica: "O brasão é a língua mais vasta, mais rica e mais difícil de todas: uma língua
rigorosa e magnífica, com a sua sintaxe, a sua gramática, a sua ortografia".
Tratando-se embora de uma ciência antiga, a arte do brasão floriu verdadeiramente na
Idade Média, quando, apeados das tabuletas comerciais, os símbolos que formavam
trocadilhos e charadas, facilmente compreendidos mesmo pelos analfabetos, vieram ornar
os escudos da cavalaria e da aristocracia. Esta arte da charada disseminou-se igualmente
pelas oficinas em que se caligrafavam os manuscritos; estes veiculavam por vezes, sob a
letra do texto, confidências bem estranhas, ou mesmo ensinamentos de carácter esotérico.
Assim, os escribas encarregados da execução de iluminuras atribuíam à letra S o sentido de
"secreto" ou de "silêncio". O já evocado Gérard de Nerval sabia-o bem. Por isso, o leitor
sagaz pode espantar-se com a insistência com que o poeta atrai a atenção do leitor para as
suas "gralhas". Gérard de Nerval "erra" e não perde uma oportunidade de o dar a conhecer
aos leitores. Devemos relacionar este facto com com uma "gralha" singular que o leva a
escrever "bièrre" com duplo R em vez de um só. Este piscar de olho humorístico destinava-
se a sublinhar que a letra R, feita a traço muito fino em certos manuscritos, devia ler-se "R
étique" ou "R mince" e, por consequência, sugeria a palavra "hérétiques", aplicada aos
detentores do conhecimento por excelência, visados pelas perseguições, quer dizer, os
Gnósticos. Foi neste meio que encontrou refúgio, no seio das diversas sociedades inicáticas
Ŕ corporações, ordens, maçonarias da floresta tal como da pedra, e mesmo certas ordens
religiosas Ŕ e se propagou a arte hermética.
A maior parte dos historiadores, tal como os dicionários, pretendem que o termo
brasão deriva da antiga função dos arautos, encarregados de anunciar a entrada em liça dos
cavaleiros, durante os torneios. O arauto reconhecia os participantes pelas cores e tocava a
trombeta. Em consequência, brasão seria uma abreviatura de blasonar ou brasonar, no
sentido de bem sonante. A explicação é sumária e pouco credível. Na realidade, o termo
brasão provém do grego blaisos, referindo alguém não se exprime com clareza, que gagueja
ou ceceia. Tal é, de resto, o caso das armas falantes, também chamadas cantantes, as quais
se lêem por assonâncias, e quase fonéticas. Se os mencionados brasões se chamam
cantantes é por se exprimirem na língua das aves, quer dizer, pelo modo oblíquo dessa
cabala fonética, revelada no século XIX pelo erudito Grasset d'Orcet, e que motivou
consequentes comentários do alquimista conhecido pelo pseudónimo de Fulcanelli. A esta
cabala fonética recorreram os maiores autores: Luciano de Samosata, Ovídio (cujas
Metamorfoses devem ser ouvidas como sendo do Ovo - ou ovídio - alquímico), Dante,
Shakespeare, Bacon, Cervantes, Rabelais, Villon, Cyrano de Bergerac, Alfred Jarry,
Raymond Roussel, Maurice Leblanc, Gaston Leroux, Júlio Verne, Xavier de Montépin,
entre os escritores populares, e muitos outros. O mais recente de todos foi Georges Perec.
Também André Breton apreciou a cabala fonética. Grande admirador de Raymond Roussel,
num breve texto que lhe consagrou (menos de trinta páginas), intitulado "Fronton Virage",
Breton cita nada menos que dezassete vezes, de forma directa ou indirecta, o nome de
Fulcanelli e os seus dois títulos. Posto isto, surpreende que este texto esteja singularmente
ausente da maior parte das bibliografias e das antologias consagradas ao líder do
Movimento Surrealista. De qualquer modo, isto não é mais estranho do que a mutilação
voluntária de que acaba de ser vítima o título do segundo Ubu de Jarry, recentemente
reeditado. "Ubu Cocu" (Ubu Cuco, o que usa cornos... ou crescentes lunares) subintitulava-
se, nas edições anteriores: "Pièce alquémique". Esta menção, bem sugestiva, volatilizou-se
como o Mercúrio dos filósofos, sem dúvida por vontade de algum espírito que ninguém
qualificaria de saudável.
Para voltar à etimologia da palavra blason, o que acerca disso afirmámos parece
corroborado pela existência de três vocábulos franceses, caídos em desuso: blaiser,
blaisement e blésité. Todos eles exprimem a noção de ceceios, e por conseguinte a
dificuldade em se fazer compreender. É provável também que blaiser tenha fornecido por
deformação a palavra biaiser (enviesar). Ora biaiser ou enviesar, literalmente, é couper
dans le biais ou cortar em viés. Uma antiga canção, ligeiramente atrevida, parece lembrar-
se disso ao pôr em cena uma jovem costureira que afirmava algo que pode prestar-se a
equívocos:
A língua das aves é por vezes definida como sendo a palavra cortada, ou ainda a
palavra que corta, isto é, uma linguagem indirecta, que nunca adopta a linha recta, que usa
torneios para só ser entendida por alguns... os iniciados. Bléser (ciciar) equivale a falar
como S. Brásio (Saint Blaise), o que nos traz algumas surpresas. Falar à maneira de S.
Brásio é silvar as palavras, como fazem os habitantes da Auvergne e da Picardia. Ora a
língua das aves desenvolveu-se enormemente nestas duas regiões. Já todos ouviram falar
dos trocadilhos da Picardia. S. Brásio era patrono dos pedreiros, dos talhadores da Pedra,
dos sapateiros, dos entalhadores e operários da construção. Invocavam-no além disso para
obter a cura dos males de garganta, órgão da Palavra. A lenda pretende que ele curou, por
imposição das mãos, um adolescente meio sufocado por uma espinha de peixe que lhe tinha
ficado entalada na garganta. A anedota dá a entender que o paciente se tornara áfono. Esta
precisão evoca irresistivelmente um estranho verso de Raymond Roussel: "Pour un pauvre
O d'aphone" (... um pobre O de áfono). Entenda-se que este O de áfono é mudo ou sem
som, expressão que joga foneticamente com a personagem bíblica de Sansão, que ficou
cego e por isso teria tido grande dificulde em ler. Mas não é isso o que o ensino
universitário hoje fabrica em série? - cegos, pessoas que, mesmo se por milagre,
conseguissem ler, não teriam a compreensão dos textos, porque tomam a letra pelo espírito.
Acrescentar a cegueira à surdez é o cúmulo! Este O mudo ou áfono, muet, ainda consegue
evoluir: pode ser endendido como mué (mudado), quer dizer, O transformável por
acrescento de traços que lhe dêem diversas significações em matéria de simbolismo
alquímico. Enfim, os mais desconfiados poderão encarar essa hipótese, pois Raymond
Roussel esclarece que se trata de um O em losango, estilo buril, uma marca oficial. E
porque não aquela que se encontra gravada sobre o ouro legal? Foi por a ter omitido, que a
um alquimista, no início do século XX, lhe confiscaram 76 quilos da produção própria, que
tinha tido a imprudência e a ingenuidade de querer negociar junto da Casa da Moeda de
Paris. Voltaremos a este assunto mais tarde.
Relativamente a S. Brásio, o seu nome vem de Blatius: o que debita mentiras. François
Rabelais sabia-o bem, pois faz dizer a uma das suas personagens: "Debitorius ce ne sont
que des sornettes". Esta frase significa: "debitar patranhas ou aldrabices". Entretanto, o
lanternês do Senhor Rabelais não é mais do que a língua das aves, e a palavra lanternois ou
lanternês deriva do latim lanterina, forma de laterina, isto é, a Maçonaria, a palavra
dissimulada. Ora, como todos sabem, os irmãos maçons procuram a Palavra Perdida. O
latim laterina fica próximo de latrina, ou retrete, local retirado, onde se fica a sós, em
segredo. Este significado confirma-se pelo grego lathra, que quer dizer secreto, escondido,
algo que se faz clandestinamente, o que se aplica às reuniões de iniciados. Acerca deste
assunto misterioso, que gira em torno do W.C., o meu livro consagrado à língua das aves
estabelecia o elo entre os evocados por Raymond Roussel no fundo "de um certo corredor"
e a sala, situada ao fundo do corredor, mencionada por Georges Perec em "La Vie Mode
d'Emploi".
Segundo Jacques de Voragine, na "Légende Dorée" (aurea legenda: o que deve ser
lido), S. Brásio era alimentado pelas aves. Não se pode ser mais exacto para dar a entender
que estamos na presença da cabala fonética. A lenda conta, além disso, que mulheres com
pressa de adorar deuses pagãos pediram que esses deuses fossem levados para o tanque, a
fim de serem lavados, e que lançaram as suas estátuas para o meio da água.
Isto não deixa de lembrar a injunção dos mestres alquimistas: "Blanchis Latone" e as
múltiplas alusões à suas lixívias. Tanto mais que a lenda informa que estas mulheres foram
martirizadas com pentes de ferro e que, em vez de sangue, o seu corpo libertou leite. Na
mesma ordem de ideias, Brásio foi lançado à água; traçou então o sinal da cruz sobre a
onda, que endureceu como terra. Mal está velada a alusão ao volátil tornado fixo. De
seguida, Brásio foi martirizado. A água transformada em terra sugere bem o banho
mercurial entregando o embrião de enxofre (soufre), ou seja, S. Brásio que sofre (souffre) o
martírio.
O pai de Jean-Thomas Enriquez, Jean Gaspard Enriques, estava aliado aos Médicis
pelo seu casamento com Elvira de Toledo-Ossorio. Com efeito, Eleonora de Toledo, filha
de Fernando-Alvarez de Toledo, o famoso duque de Alba, vice-rei de Nápoles, casou com
Cosme I de Médicis em 1539. O último Almirante estava unido aos reis de Espanha, de
Portugal, aos Imperadores da Alemanha, à Casa de França e aos Médicis. No que diz
respeito a Portugal, esta afirmação explica-se pelos factos seguintes. O Almirante descendia
em linha directa e masculina de Afonso XI de Castela, filho de Fernando IV e de Constança
de Portugal. Afonso XI casou com Maria, filha de Afonso IV, rei de Portugal. Teve dela
dois filhos: Fernando e Pedro o Cru. Da sua amante, Eleonora de Guzman, teve dois
gémeos, Henrique e Fernando de Transtâmara. Frederico, grão-mestre da Ordem de
Santiago da Espada, foi massacrado em Sevilha pelos sectários de Pedro o Cru. Os
Almirantes provêm de Frederico. Por consequência, os Almirantes descendiam de Fernando
IV pelo seu filho Afonso XI. Foi este ramo que desapossou os Infantes de la Cerda,
descendentes de Afonso X.
Afonso X, La Cerda e os Medina-Coeli
Afonso X, o Sábio (n. 1221, Toledo; m. 1284, Sevilha), foi rei de Castela e Leão
(1254-1284) e imperador germânico (1267-1272). Autor de uma obra cultural importante,
resumindo as correntes cristã, árabe e judaica da civilização espanhola do século XIII, é
considerado o fundador da língua nacional, o castelhano. Escritor e poeta, astrólogo e
jurista, interessou-se também pela alquimia. Devem-se-lhe as Tábuas Afonsinas.
O Conde de Melgar, último almirante, teve uma vida fértil em ressaltos e fez
brilhante carreira. Foi ele quem opôs corajosa resistência à França, aquando da renúncia de
Casal, capitão do Montferrat. Foi no curso deste episódio histórico que um agente do duque
de Mântua, Mattioli, desempenhou importante papel. Neste mesmo Mattioli alguns
historiadores vêem o célebre Máscara de Ferro. Ao almirante, muito afortunado, deram a
alcunha de "Banqueiro de Madrid". Em 1697, morreu a sua mulher. Voltou a casar, com a
filha do oitavo duque de Medina-Coeli, também ela chamada Anne-Catherine. Esta morreu
em 1698. Segundo certas fontes, o almirante teria lançado os olhos a Anne-Marie de
Neubourg, mulher de Carlos II, rei de Espanha. Após a morte do esposo, Anne-Marie de
Neubourg teria cedido às suas propostas amorosas, delas resultando um filho: o futuro
Conde de Saint-Germain. Já o dissemos, isto parece pouco provável, pois o brasão do
conde atesta que ele era filho legítimo e não um bastardo... a menos que os dois amantes
tivessem casado em segredo.
Acerca da identidade
do Conde de Saint-Germain
Com a morte de Henrique III, a coroa passou para Henrique de Navarra, cuja
família já vimos que descendia daquela que tinha espoliado os herdeiros de Afonso X. Em
França, no século XVI, bis repetita... Com efeito, Catarina de Médicis, além dos filhos
varões que governaram, teve um quarto filho: François, duque d' Anjou, que os
historiadores alegam ter morrido sem herdeiro. Esta afirmação é falsa! D'Anjou tinha
casado, a 12 de Abril de 1575, com Jeanne-Adélaïde, duquesa de... Medina-Coeli! Até
parece que a história balbucia, como o brasão. Deste casamento nasceu Philippe-François
de Valois, duque d'Anjou e d'Alençon, que se casou em 1621 com Marie-Anne, duquesa
d'Arcas. Philippe-François não teria podido fazer valer os seus direitos à coroa de França
em tempo oportuno. Confrontados com o perigo, os descendentes ocultaram-se e a
linhagem desembocou, no século XIX, em Pierre Dujols... de Valois, livreiro erudito,
grande amigo de Fulcanelli, que estudou largamente as suas fichas relativas à história. Em
1879, em Marselha, Antoine Dujols, irmão mais velho de Pierre, publicou um opúsculo:
"Valois contra Bourbons", em que refutava provas em apoio das pretensões do Conde de
Chambord.
Compreende-se agora melhor que Fulcanelli tenha tido Dujols em alta estima. Não
era por pertencer aos Valois, facto de que troçava enormemente na sua qualidade de
libertário, sim porque sabia que o Conde de Saint-Germain era um dos seus antepassados.
Isto leva-nos a analisar o brasão do evanescente Fulcanelli.
Este escudo é "De goles em Campo de ouro e com hipocampo levantado de prata
(ou branco) sobrepujado por um elmo com lambrequins". Sob o escudo, um filactério
(símbolo de segredo esotérico e hermético) com a divisa "Ober Campa Agna" - "por cima
do campo" - significando isto que o nome se lê por cima do terço inferior do escudo. Aqui,
o "Campo" representa o banho (ou água) mercurial que dá o embrião do "Enxofre". Este
enxofre está figurado no hipocampo. O hipocampo, virado à dextra para um observador
externo, mas virado à sinistra quando impresso, é prata ou AUBER, em linguagem
heráldica, e mostra a forma característica da letra J. A charada lê-se J-AUBER ou
JAUBER. Este nome é confirmado por OBER, que figura no filactério; unido ao J, dá
JOBER. Resta encontrar o primeiro nome. O próprio Fulcanelli indica maliciosamente a
solução. Com efeito, na página 314 das "Demeures"1[1], ele evoca o peixe de Abril, o
peixe místico, objecto de mistificações, e relaciona a sua tradição com o mercureau,
"pequeno mercúrio" ou ainda com o maquereau (duplo sentido: cavala, peixe; e malandro,
chulo). Acrescenta que este maquereau "serve ainda... para mascarar a personalidade do
expedidor".
De notar que o brasão comporta uma gramínea que podemos identificar com a
Orge (cevada). Na Cabala, "orge" equivale a "Or j'ai" (ouro tenho). A cevada tinha
substituído o culto do carvalho no Peloponeso e relacionava-se com as festas de Cronos.
Ambos os cultos se ligavam à imortalidade.
Hipocampo
Mas porque é que a demonstração de Roussel se fez a partir das peças brancas em vez
das negras? Porque "branco" ou prata é igual a "Auber" e as duas peças formam,
esquematicamente, a letra J. A charada, destinada a evocar o nome de Jobert, impunha que
as peças fossem as brancas. Seria necessário também evocar outros desenvolvimentos. O
Cavaleiro ou cavalo branco, por exemplo, não se dá gratuitamente. Além de figurar nos
escritos fulcanellianos, deve ser relacionado com Verax, o Cavaleiro branco do Apocalipse.
Roussel dedicou a este Verax o seu poema "La Meule", sugerindo versos a X, e X indica
um desconhecido e a letra J, décima do alfabeto. Gaston Leroux fez figurar no seu
"Fantasma da Ópera" um cavaleiro e um cavalo branco, jogando no D. Juan, escrito por
Erik, o fantasma, uma obra de ressonâncias apocalípticas. Madame Erlanger, em "Voyages
en kaleïdoscope", menciona uma carta da condessa Vera assinada com X. Poderemos falar
de concidências? Assinalemos que se este livro fosse retirado à pressa das livrarias teria
sido por conter uma indiscrição demasiado clara. Depois de ter evocado "pobres infelizes",
Madame Erlanger cita esta passagem: "Todos restituirão segundo a sua substância",
passagem retirada do "Livro de Job"!
A verdade é que Fulcanelli, tenha ou não sido Jobert, deixa vestígios da sua passagem
e sucesso em Paris. No eixo do salão de honra da Câmara Municipal, figura um caixotão,
posto após 1908, em que vemos um brasão singular. Sobre o escudo lápis-lazuli salienta-se
um hipocampo de ouro. O brasão está ladeado por dois golfinhos e filactérios mudos. Por
cima está uma coruja, símbolo dos filactérios mudos. Em heráldica, o lápis-lazúli simboliza
o acesso à mestria cósmica, a unidade de si mesmo, as núpcias entre alma e espírito.
Imaterial no seu princípio, o azul desmaterializa o ser e a coisa que recobre, ele permite
reconhecer o elemento imutável através das mutações. Neste estádio, a individualidade
humana decresce e desaparece para ceder o lugar à verdadeira personalidade, espiritual, no
conhecimento perfeito que é o Ouro. Quanto ao ouro, simboliza a abolição definitiva do
eu1[11] corruptível que se reveste de incorruptibilidade. É a passagem dos Pequenos aos
grandes mistérios, o homem deixa de ser uma alma viva para se tornar um espírito
vivificador. Para aquele que atinge o estádio do Ouro, o tempo fica abolido, encontra-se no
limiar da eternidade...
Por conseguinte, cada um é livre para acreditar ou não acreditar que este brasão foi
aposto por Fulcanelli, para aceitar que Fulcanelli conseguiu ou não realizar a Obra... Resta
que o brasão existe e atesta factos.
Brasão ou "escudo final" do
Mestre, que figura na última
página do "Mystère des
Cathédrales", ed. J.J. PAUVERT,
Paris, 1964.
[1] Obra traduzida en portugués: Fulcanelli, ŖAs Mansoes Filosofaisŗ, Ediçoes 70, Lisboa
[3] Todo o texto que bem a seguir é de difícil traduçao porque envolve trocadilhos, calao e
procedimientos dos escritores surrealistas, para além de estar vinculado ao argot da
heráldica. Métier, entre outros significados, é ofício e máquina; aube, entre outros, é a alva,
é a alva a alvorada e um parámetro sacerdotal branco. Como diz o autor, é também a
prata=cor branca.
[4] ŖParquet (plancher) à chevilles à pied et parquet (dřagent de change) à chevilles (de
vers)ŗ, no original.
[5] Ŗtour en billonŗ. Billom tem vários significados, entre eles, moeda, dinheiro.
[7] Fou.
[9] Peça chamada "Bispo" mas que já sabemos corresponder ao Mat (Louco).
[11] Moi. Há outra maneira de dizer "eu" em francês: "Je", de que se ocupou o autor.
A ORDEM DOS
ARQUITECTOS AFRICANOS
E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO NO
ILUMINISMO EUROPEU
Jorge de Matos
Introdução
Sendo o Homem intimado sem recurso a “Sapere audere” ou Ŗousar Saberŗ, isto é,
desbravar as até aí intransponíveis fronteiras metodológicas e epistemológicas do
Conhecimento científico, ele vê-se vinculado à obrigatória necessidade de abandonar o seu
comodismo existencialista em função de um pioneirismo incógnito que transcende toda a
sua cosmovisão instituída Ŕ como na acepção subversiva da “Weltschaung” alemã Ŕ e que
apaixona o investigador pelo seu entusiasmo incentivante, virtualmente ilimitado da
pesquisa.
Refere ele na sua obra Artifícios concernentes à Pedra Filosofal que “A Arte jamais fez
uma geração de algum dos metais imperfeitos que, segundo os alquimistas, são do ouro
que a Natureza falhou, nem mesmo sequer fez um seixo. Conforme indica, a Natureza
reserva para si todas as produções”. Ignorava assim ele a ambivalência científica e
hermética (quando não alquímica) dos paladinos iluministas Isaac Newton e Emmanuel
Swedenborg, entre outros.
Sendo o séc. XVIII a grande época de diversificação externa paulatina das correntes
iniciáticas da Europa contemporânea, é também o palco específico da especulativização
teórica e conceptual da Maçonaria operativa e corporativa de raiz medieval.
Neste âmbito particular, verifica-se uma estruturação progressiva dos seus símbolos e
mitos temático-civilizacionais por sistemas litúrgicos diversos, hierarquizados em etapas
faseadas de sucessivo aprofundamento espiritual: referimo-nos aos Ritos maçónicos de
altos graus ou superiores aos três simbólicos universais de Aprendiz, Companheiro e
Mestre.
Assim, face ao surgimento dos mais diversos Ritos de génese Ŗescocesaŗ, vão
igualmente florescendo os Ritos Egípcios, de essência mais hermética que o cariz mais
social e simbólico daqueles (sendo por isso geralmente ainda hoje por eles ostracizados e
desvalorizados).
Juntamente com J. W. B. von Hymnen, von Köppen publica em 1770 o tratado litúrgico
germânico Crata Repoa, que pretende reproduzir as antigas iniciações maçónico-
sacerdotais dos Mistérios Egípcios, realizadas no interior da Pirâmide de Quéops, na
necrópole real de Gizé. Esta obra obtém uma rápida e expansiva popularidade literária na
intelectualidade maçónica europeia e posteriormente também norte-americana, sendo
largamente traduzida em francês e inglês desde 1821 (por Jean-Marie Ragon e Antoine
Bailleul), discriminando com grande pormenor cenográfico os rituais dos diversos graus e
os respectivos segredos e fórmulas de reconhecimento entre os membros.
Conclusão
Por outro lado, este Rito constitui uma emanação do Hermetismo egípcio, emergente e
patente na sua identidade ritualística e simbólica, de onde se destaca de imediato a
operatividade alquímica num enquadramento académico-científico não meramente
racionalista. Tal facto constata-se pela sua inerente confidencialidade documental e por um
explícito elitismo demográfico de cooptação selectiva.
ALQUIMIA E
PROCESSO PICTÓRICO
CARLOS DUGOS
Dado que ela se estrutura sobre as coisas da natureza e a natureza das coisas, de um
modo universal e absoluto, quaisquer pensamentos ou actos humanos, quaisquer factos
biológicos ou astronómicos expressam dados que, por analogia, coincidem com princípios
alquímicos.
Dado que ela se estrutura sobre as coisas da natureza e a natureza das coisas, de um
modo universal e absoluto, quaisquer pensamentos ou actos humanos, quaisquer factos
biológicos ou astronómicos expressam dados que, por analogia, coincidem com princípios
alquímicos.
Não têm aqui lugar exemplos detalhados, limitando-nos a convidar quem tiver da Arte
Real um conhecimento genérico, a experimentar traduzir para símbolos ou conceitos
herméticos as questões mais banais ou mais relevantes da realidade. Será essa a forma
privilegiada de demonstrar o que acima se afirmou.
Convem assinalar que, nestes casos, tal analogia funciona mediante algumas
adaptações. Não se organizando por modelo sistemático - como acontece com os
postulados clássicos da ciência profana - mas constituindo-se de modo sintético, as
doutrinas tradicionais aproximam o que é da mesma natureza arquétipa, sem a preocupação
de um rigor absoluto nas correspondências. Tal preocupação seria de resto vã, na medida
em que nada, na natureza, é perfeitamente coincidente, já que o mesmo princípio, quando
expressado por modalidades diferentes, ou em diversos planos de realidade, apresenta
ligeiras modificações que impedem as transposições literais.
Por exemplo, a Ŗcorŗ negra, atribuída a Saturno e ao chumbo, não existe na paleta
cromática; trata-se mesmo da ausência total de luz e cor, ou seja a sua vibração está para
além da gama cromática perceptível pelo sistema ocular humano.
Igualmente, o branco não existe; também ele fica aquém da percepção visual. Para o
observador mais atento, nem a mais pura neve é Ŗbrancaŗ, no sentido absoluto do termo.
Conhecida como é a capacidade dos cristais para refractarem a luz, transformando-a em
cores, por intervenção da sombra, será pouco convincente que um grande conjunto de
cristais, como é um campo nevado, possa ser, em rigor, considerado branco. Um olhar mais
próximo e atento descobrirá que essa aparente brancura é formada por milhões de partículas
cromáticas, brilhando na cores do Arco-Íris.
Existem pequenos segredos para conservar, com alguma frescura e durante séculos, a
limpidez dos carbonatos de chumbo, tendo-se sobretudo em atenção o medium interventor.
O erro maior, em que reincidem muitos coloristas, é o de misturarem o branco de chumbo,
vulgarmente chamado de prata, com outros pigmentos, na intenção de aclararem os tons. O
estigma da velhice plúmbea que Saturno suporta razoavelmente na solidão, quando
associado a outros metais ou planetas, revela-se rapidamente destrutivo, produzindo neles
uma corrosão súbita e acentuada.
Os cuidados a ter nestes casos são extensivos aos cromatos de chumbo que,
manifestando o oiro virtualmente existente no metal de Saturno, produzem os inigualáveis
amarelos, ditos de cromo, aptos a transmitirem cromaticamente o esplendor solar. A
mistura de tais aristocratas com pigmentos mais modestos é mutuamente destrutiva,
revelando-se aí a face demoníaca do Sol que tudo queima, sendo de aconselhar o uso do
amarelo de cromo puro como base, protegendo-o após a secagem com um bom isolante
transparente, depois do que, ao modo de velatura, se pode cobrir com ténues véus de outra
cor, obtendo-se pela transparência o que numa mistura directa seria catastrófico.
Do mesmo modo que o ardor militar conduz o herói à vitória, sendo-lhe então imposta
a coroa, o ardor da fé leva o crente à dádiva heróica da vida, em nome da sua crença, sendo-
lhe então conferido o emblema vegetal da palma. O mesmo princípio, representado por
Marte guerreiro, conduz a sua prole, seja a ela a das espadas que ousam, ou a da
espiritualidade irredutível, via esta que é designada por um vocábulo saído directamente do
nome do deus da guerra Ŕ o martírio.
Existem outros vermelhos não ferrosos. Por exemplo, o cádmio, sendo uma espécie de
zinco pertence à casa dos estanhos, governados por Júpiter, Rei dos deuses. Neste caso a
coloração vermelha não vem por via guerreira directa, mas pela sua sublimação na forma
real. Em pintura, os sulfuretos mais ou menos puros, deste metal, produzem belos
vermelhos e amarelos, de grande luminosidade, mas com tendência para Ŗazularemŗ,
tornando-se baços, quando misturados com outros pigmentos, em particular os que
produzem brancos.
Negro, branco e vermelho constituem as cores base da Obra, já que todas as outras
são modalidades específicas ou misturas destas três. Se observarmos a fenomenologia das
cores a partir da doutrina tradicional dualista, em que a realidade absoluta, para manifestar-
se, tem que cindir-se num par de opostos, teremos presente o conceito de Goethe, segundo
o qual, genericamente, a cor provém da síntese entre os efeitos da luz e da treva. Várias
experiências ópticas podem demonstrar esse postulado.
Entre amarelos e vermelhos, passando pelo conceito de laranja, que tanto pode ser um
amarelo mais tinto como um vermelho maios claro, existe uma indefinidade de nuances,
todas elas oriundas do vermelho. Igualmente, entre azuis e verdes, passando pelo tom
chamado turquesa, que tanto pode ser um azul esverdeado como um verde azulado a gama
é vasta, sendo que aí impera, como base, o azul.
No limite extremo dos vermelhos encontraremos um amarelo ácido, muito claro, por
vezes designado por limão Ŕ cádmio, tal como no limite do azul surgirá um tom cerúleo
muito claroŔ ftalocianino de cobre. Do encontro, ou mistura, entre estas duas estirpes
aparece, como síntese, um verde vibrante e particularmente luminoso; dele não se pode
dizer que pertence aos vermelhos ou aos azuis, porque será como um crioulo, em que se
misturam dois sangues, duas expressões diametrais de dois princípios.
E esse verde é, afinal, o meio termo de equilíbrio entre o Céu branco, em pura
luminosidade, correspondendo cromaticamente ao vermelho e a Terra, negra, em completa
treva, representada na manifestação sensível pelo azul. Trata-se, neste caso da cor central
da natureza verdejante e fecunda, vivendo entre o elemento aéreo da atmosfera celeste e o
elemento ctónico da densidade terrestre. Esse verde é a cor emblemática de Vénus, patente
na maçã que a deusa ostenta; nele revive, em permanente recomposição, a vida,
ciclicamente regenerada ou Ŗre-geradaŗ, contendo em si os elementos uranianos e telúricos,
consubstanciados numa nova unidade, representada pela manifestação do ser.
Como ultima nota, sobre este aspecto, não esqueçamos que este verde encontrado pela
síntese entre o princípio das trevas e o da luz, corresponde, de outro modo e noutro grau, à
púrpura, uma modalidade de violeta, obtida a partir da mistura do azul e do vermelho,
respectivamente aludindo à verdade e ao amor, na emblemática iconográfica. Ainda
relativamente ao papel regenerador de Vénus, lembremos que, se o manto da Virgem Maria
é azul, a sua túnica é vermelha.
Volatilizar o fixo será dar asas à pedra; impregnar de leveza o pesado; dar espírito ao
corpo. Fixar o volátil será concentrar o que está disperso concretizar o abstracto; dar corpo
ao espírito.
Também o pintor, quando se serve das tintas, para exprimir um tema, na tela, corporiza,
aprisiona e torna Ŗfixaŗ uma ideia que, por natureza, é incorpórea, livre e volátil.
Simultaneamente e no mesmo gesto, ele subtiliza, liberta e torna volátil o corpo da tinta,
por natureza inerte e pesado, no cárcere da sua condição substancial.
Nesta dupla acção, executada pelo artista num único movimento, invertem-se as
polaridades conflituais, espiritualizando-se a matéria e materializando-se o espírito. Como
síntese, fica a Obra, na qual pensamento e substância se encontram já indissoluvelmente
integrados, numa verdadeira quadratura do círculo, bodas sagradas entre o Céu e a Terra,
lugar de confluência entre as duas Jerusalém.
Com efeito, enquanto no primeiro caso temos dois termos opostos que se estabilizam
num terceiro, numa fórmula que graficamente se pode representar por um triângulo com o
vértice virado para baixo, no segundo, Ŗ um só Deus em três pessoas distintasŗ teremos
uma triunidade essencial e formal, em que todos os termos se equivalem, nenhum se
opondo, nenhum estabilizando nada e, neste caso, teremos um símbolo gráfico na forma do
triângulo equilátero, ele próprio estabilizado na tríplice unidade e, logo, assente num dos
lados.
No entanto, para melhor elucidação do aspecto que aqui nos interessa particularmente,
entenda-se uma circunferência com o ponto central marcado, sendo que, neste caso, o ponto
corresponde ao Enxofre e a circunferência ao Mercúrio. O Sal estará, neste caso, num
círculo intermédio entre o centro e a periferia.
Com efeito o Ŗtempoŗ solve é próprio do Enxofre, tal como o Ŗtempoŗ coagula o é do
Mercúrio. O Ŗtempoŗ em que ambos se unificam, em simultaneidade, é o fluir da
manifestação, representada aqui pelo Sal, produto das complementaridades em interacção.
Por outro lado, o Enxofre corresponde ao aspecto mais interior do ser, aquele que, no
Homem, é habitado pela partícula divina, enquanto o Mercúrio corresponde ao exterior, ao
meio envolvente, seja ele um meio anímico ou corporal.
A ideia consequente a este processo inspirador, será o tema da Obra, seja ele
conceptual ou simplesmente estético; e, se sob um certo aspecto o Sal se apresenta
centralmente, como o produto da relação entre o Enxofre e o Mercúrio, sob outro ponto de
vista, tão oportuno quanto o primeiro, é o Mercúrio que marca, pela sua natureza
mediadora, o centro do percurso que vai do Enxofre ao Sal.
Finalmente, a Obra de Arte está acabada e o seu nome é Sal. O pintor revê-a
longamente, encontrando sob o véu cristalino da sua aparência física, quanto nela há da
acção original do Enxofre, simples sensação carecendo ainda de uma ideia que a
expressasse. Descobrirá também os traços da reacção mercurial, a Ŗsubstancializarŗ
psiquicamente o conteúdo da mensagem celeste, decifrando-a em sentimento e ideia,
proporcionando-lhe uma alma, para que pudesse tornar-se corpo.
Sendo por definição tradicional uma criatura, o Homem não pode ser,
simultaneamente, um criador. Tal condição permite-lhe unicamente recriar, a partir dos
procedimentos canónicos de um magistério, ou seja: operar de acordo com um código
magistral, inscrito no próprio mistério da Criação.
Jérôme Rousse-Lacordaire
Introduction
L’ambivalence des lumières
La lumière qui dřabord nous intéressera est celle transmise lors de la réception dřun
nouveau maçon, puisque, dřune certaine façon, les autres nřen sont que des traductions ou
des aides.
Audacieusement engagés dans la voie de lřerreur sur les plus importantes questions,
ils sont comme entraînés et comme précipités par la logique jusquřaux conséquences les
plus extrêmes de leurs principes, soit à cause de la faiblesse humaine, soit par le juste
châtiment dont Dieu frappe leur orgueil. Il suit de là quřils ne gardent même plus dans leur
intégrité et dans leur certitude les vérités accessibles à la seule lumière de la raison
naturelle, telles que sont assurément lřexistence de Dieu, la spiritualité et lřimmortalité de
lřâme[4].
In maximis enim rebus tota errere via audaciter ingressi, praecipti cursu ad extrema
delabuntur, sive humanae imbecillitate naturae, sive consilio iustas superbiae poenas
repetentis Dei. Ita fit, ut illis ne ea quidem certa et fixa permaneant, quae naturali lumine
rationis perspiciuntur, qualia profecto illa sunt, Deum esse, animos hominum ab omni esse
materiae concretione segregatos, eosdemque immortale[5].
Or, le Concile de Vatican I avait enseigné que « Dieu, principe et fin de toutes choses,
peut être connu avec certitude par la lumière naturelle de la raison humaine, à partir des
choses créées [Deum, rerum omnium principium et finem, naturali humanae rationis lumine
e rebus creatis certo cognosci posse][6]. » Dans la décision de 1877, Léon XIII lisait lřaveu
explicite du ralliement complet de la franc-maçonnerie à ce naturalisme si délétère quřil
sapait les fondements communs de lřÉglise et de la société civile en niant lřautorité
spirituelle et temporelle de lřÉglise catholique.
Cependant, constater que la condamnation de Léon XIII visait dřabord le naturalisme
de certaines loges continentales à la fin du xixe siècle, nřest pas dire que des prémices de ce
naturalisme nřexistaient pas dès les débuts de la maçonnerie moderne ; seulement la
rationalité quřils mettaient alors en œuvre était intimement liée à des spéculations
métaphysico-religieuses qui nourrirent lřilluminisme. La critique de Léon XIII porte donc
sur le terme dřun processus beaucoup plus vaste que la seule franc-maçonnerie : celui dřune
sécularisation qui accomplit le divorce entre rationalité et métaphysique en entendant
demeurer au-dessus de cette dernière.
Nous voulons donc montrer ici comment, dans la maçonnerie anglaise régie par les
Constitutions dřAnderson, se met en place une rationalité expérimentale dřinspiration
newtonienne dont les avatars successifs conduiront ensuite à lřadoption de ce que
Léon XIII appelle « naturalisme ». Nous retracerons donc à grands traits les grands axes de
la philosophie naturelle de Newton pour voir ensuite sa transposition dans lřinstitution
maçonnique anglaise naissante, voire sřen passer.
Il nous faut dřabord souligner que le Dieu de Newton nřest pas un Dieu éloigné de
lřhomme et de la création :
[…] Dieu est un seul & même Dieu partout & toujours. Il est présent partout, non
seulement virtuellement, mais substantiellement, car on ne peut agir où l’on n’est pas. Tout
est mû & contenu dans lui […][7].
Deus est unus et idem deus semper et ubique. Omnipræsens est non per virtutem solam, sed
etiam per substantiam ; nam virtus sine substantiâ subsistere non potest. In ipso
continentur et moventur universa […][8].
Cet admirable arrangement du soleil, des planètes & des comètes, ne peut être que
l’ouvrage d’un être tout-puissant & intelligent. […] Cet Être infini gouverne tout, non
comme l’ame du monde, mais comme le Seigneur de toutes choses. Et à cause de cet
empire, le Seigneur-Dieu s’appelle pantokratwr, c’est-à-dire, le Seigneur universel. […] Le
Très-haut est un Être infini, éternel, entierement parfait ; mais un Être, quelque parfait
qu’il fût, s’il n’avoit pas de domination, ne seroit pas Dieu[10].
[…] il semble que c’est au moyen de ces principes [de mouvement] que la matière a été
faite, lors de la création, de particules dures, solides, & diversement combinés par la
volonté d’un Être intelligent ; car c’est à celui qui créa ces particules, qu’il appartient de
les mettre en ordre. S’il l’a fait, ce n’est pas se montrer philosophe que de chercher une
autre origine au monde, ou de prétendre que de simples lois de la Nature ont pu le tirer du
chaos ; quoiqu’une fois créé, il puisse s’entretenir plusieurs siècles par le cours de ces
lois[12].
[…] by the help of these Principles [of Motion], all material Things seem to have been
composed of the hard solid Particles […], variously associated in the first Creation by the
Counsel of an intelligent Agent. For it became who created them to set them in order. And
if he did so, it’s unphilosophical to seek for any Other Origin of the World, or to pretend
that it might arise out of a Chaos by the mere Laws of Nature ; though being once form’d,
it may continue by those Laws for many Ages[13].
Lřordonnancement de lřunivers et sa diversité sont donc le fruit de choix, non de
hasards ; dès lors la nature est un livre où peuvent se lire les attributs divins :
Nous avons des idées de ses attributs [de Dieu], mais nous n’en avons aucune de sa
substance [non plus que des corps]. […] Nous le connoissons seulement par ses propriétés
& ses attributs, par la structure très-sage & très-excellente des choses, & par leurs causes
finales ; nous l’admirons à cause de ses perfections ; nous le révérons & nous l’adorons à
cause de son empire ; nous l’adorons comme soumis, car un Dieu sans providence, sans
empire & sans causes finales, n’est autre chose que le destin & la nature ; la nécessité
métaphysique, qui est toujours & partout la même, ne peut produire aucune diversité ; la
diversité qui régne en tout, quant au tems & aux lieux, ne peut venir que de la volonté & de
la sagesse d’un Être qui éxiste nécessairement. […] Voilà ce que j’avois à dire de Dieu,
dont il appartient à la philosophie naturelle d’examiner les ouvrages[14].
Ideas habemus attributorum ejus, sed quid sit rei alicujus substantia minimè cognoscimus.
[…] Hunc cognoscimus solummodo per proprietates ejus et attributa, et per sapientissimas
et optimas rerum structuras et causas finales, et admiramur ob perfectiones ; veneramur
autem et colimus ob dominium. Colimus enim ut servi, et deus sine dominio, providentiâ, et
causis finalibus nihil aliud est quàm fatum et nature. A cæcâ necessitate metaphysicâ, quæ
utique eadem est semper et ubique, nulla oritur rerum variatio. Tota rerum conditarum pro
locis ac temporalibus diversitas, ab ideis, et voluntate entis necessariò existentis
solummodo oriri potuit. […] Et hæc de Deo, de quo utique ex phænomenis dissere, ad
philosopham naturalem pertinet[15].
Dieu nřétant pour nous connaissable que comme le Pantocrator, seuls sa volonté et les
effets de celle-ci sont appréhensibles, grâce aux lois qui les expriment et que la raison
humaine appréhende. Selon cette perspective, la philosophie naturelle est la lecture du
Book of Works de Dieu, et prend place au côté de lřexamen du Book of Word (auquel
Newton sřest longuement adonné) dans le travail que la raison humaine doit effectuer pour
déchiffrer la volonté divine et y correspondre. En effet, la lecture que Newton fait de la
Bible est mue avant tout par une recherche, dans les prophéties, des événements suscités
par la volonté divine ; là comme dans la nature, Dieu nřest connaissable que par les effets
de sa volonté agissante. Lřexégèse des textes prophétiques découvre lřaction et la présence
du Dieu tout-puissant dans lřhistoire humaine, et, parallèlement, la philosophie naturelle
découvre par la méthode expérimentale, lřaction et la présence de Dieu tout-puissant qui
sřexerce par la gravitation dans le monde physique. Il y a donc complémentarité et
enrichissement mutuel de la philosophie naturelle et de la théologie ; mais il nřy a pas
confusion entre les deux :
Que la religion et la philosophie doivent être maintenues distinctes. Nous ne devons pas
introduire de révélations divines en philosophie, ni d’opinions philosophiques en
religion[16].
Cette distinction résulte, dřune part, de ce que le Book of Word ne parle pas du
monde des phénomènes naturels qui sont lřobjet propre de la philosophie expérimentale, et,
dřautre part, de ce que, si le Book of Works pointe vers une cause première, celle-ci, étant
transcendante, nřest pas du ressort de la philosophie expérimentale. Les lois physiques et
les commandements ne se distinguent donc pas par leur auteur, qui est le même, mais par
leur domaine : le monde de la nature pour les premières ; le monde de lřagir humain
volontaire et de lřhistoire pour les seconds Ŕ ces deux mondes, une fois évacuée la
téléologie aristotélicienne, nřétant plus articulés lřun à lřautre que par la volonté divine qui
les surplombe mais ne révèle rien de ce que Dieu est. Par conséquent, il devient difficile
pour lřunique raison naturelle qui explore les deux livres divins de relier lřun à lřautre le
monde de lřexpérience et celui de la transcendance ; ce qui dřailleurs nřest sans doute pas
sans lien, sur un plan théologique, avec lřunitarisme de Newton qui rejette, comme
idolâtrique toute « interface » divino-humaine entre le monde phénoménal et le monde de
Dieu.
Que la religion et l’ordre politique, ou encore les lois de Dieu et les lois des hommes,
doivent être maintenus distincts. Nous ne devons pas faire des commandements des
hommes une partie des lois de Dieu[17].
Les lois de Dieu constituent l’Église et définissent la portée et les limites de la communion,
et ces lois sont immuables. Les lois du roi n’ont de portée que sur les choses restées
indifférentes et non fixées par les lois de Dieu […]. Toutes les lois concernant les choses
laissées indifférentes par les lois de Dieu doivent être référées au gouvernement civil[18].
La distinction entre lois divines et lois humaines se redouble dřune autre, sur le même
arrière-plan, entre religion officielle et croyance privée :
Distinguer les Églises les unes des autres par des différences en matière de coutumes ou de
cérémonies, ou selon d’autres lois que les lois de Dieu, est impropre et favorise la
superstition. Et si la distinction provoque une infraction à la communion, la personne qui
insiste pour en faire une question de religion est coupable du schisme. […] Après avoir été
baptisés, nous devons vivre selon les lois de Dieu et les lois du roi et grandir dans la grâce
et la connaissance de notre Seigneur Jésus Christ, en mettant en pratique ce que nous
avons promis avant le baptême, en étudiant les Écritures et en nous exhortant les uns les
autres à la douceur et à la charité, sans imposer nos opinions privées ni nous quereller en
leur nom[19].
Ici sřexprime une volonté, marquée par le socinianisme latitudinaire, de paix civile et
religieuse ; dřailleurs le titre du manuscrit dont nous tirons ces dernières citations est
explicite : Irenicum. Le tout est, dřun point de vue théologique, sous-tendu par une
conception unitaire de la religion primitive, identifiée avec le noachisme :
La religion la plus ancienne et la plus généralement admise par les nations des premiers
âges fut celle des Prytanées ou temples de Vesta[20]. […] cette religion fut celle de Noé et
[…] à partir de lui elle se répandit dans toutes les nations lors du peuplement primitif de la
terre[21]. […] la religion des Juifs n’était autre que celle de Noé propagée en Égypte
jusqu’à l’époque de Moïse, comme cela apparaît également dans l’accord des religions de
Noé et de Moïse[22].
À lřorigine, toutes les nations étaient de la Religion comprise dans les Préceptes des
fils de Noé, dont les principaux étaient dřavoir un seul Dieu, et de ne pas altérer son culte,
ni de profaner son nom, de sřabstenir du meurtre, du vol, de la fornication et de toutes les
mauvaises actions, de ne pas se nourrir de la chair ou boire le sang dřun animal vivant, mais
dřêtre miséricordieux envers les bêtes, et dřinstituer dans toutes les cités et dans toutes les
sociétés humaines des Cours de Justice pour mettre ces lois en exécution[23].
Les Gentils sřétaient détournés de la religion de Noé pour adorer de faux dieux. Et
désormais, grâce à lřÉvangile qui était prêché, ils revinrent, non à la religion de Moïse par
la circoncision, mais à celle de leurs ancêtres, dont ils sřétaient détournés. Et cřest pourquoi
ils devaient sřabstenir du sang des animaux. Car cette religion obligeait les hommes à être
miséricordieux même envers les bêtes[24].
Les sociétés savantes désiraient entretenir des relations étroites avec lřÉtat (même si
ce ne fut vraiment le cas que pour lřAcadémie royale des sciences de Paris, 1666, qui vivait
des subsides du Trésor[27]) puisque, dans leur esprit, le progrès des connaissances et des
techniques en leur sein contribuait au progrès général des sociétés où elles étaient établies.
Ceci est particulièrement vrai de la Royal Society, car les sociétés construites sur le modèle
français faisaient primer la science pour la science.
Ayant quitté son laboratoire pour rejoindre le monde où vivent les hommes, Newton y
transporte sa méthode : réduire la réalité au rationnel, à l’univoque, au mesurable.
Technocrate, il l’est avant la lettre. En même temps qu’il fonde la science, il inaugure
l’alliance de la science et du pouvoir politique qu’il avait dessinée dans ses recherches
théoriques[30].
Ainsi, la Royal Society of London for Improving Natural Knowledge, qui existait à
lřétat plus quřembryonnaire au moins dès 1645 quand se réunissaient hebdomadairement
des philosophes naturels qui entendaient mettre en commun leurs travaux et échanger,
entendait bien devenir le lieu de la convergence, sous lřégide de la raison, des hommes et
des intérêts les plus divers. En ce qui concerne les Membres eux-mêmes qui doivent former
la Société, on doit relever quřils ont librement accepté des Hommes de différents Religions,
Pays et Professions de Vie. Ils étaient obligées de faire cela, sinon ils se seraient vite
éloignés de la largeur de vue de leurs propres Déclarations. En effet, ils professaient
ouvertement, non pas de poser les Fondations dřune Philosophie anglaise, écossaise,
irlandaise, papiste ou protestante, mais dřune Philosophie de lřHumanité.
As for what belongs to the Members themselves that are to constitute the Society : It is to be
noted, that they have freely admitted Men of different Religions, Countries, and Professions
of Life. This they were oblig’d to do, or else they would come far short of the the [sic]
largeness of their own Declarations. For they openly profess, not to lay the Foundation of
an English, Scotch, Irish, Popish, or Protestant Philosophy ; but a Philosophy of
Mankind[31].
T. Sprat faisait équivaloir cette « Philosophie de lřhumanité » à lřanglicanisme dřÉtat :
[…] there is no one Profession, amidst the several denominations of Christians, that can be
expos’d to the search and scrutinity of its adversaries, with so much safety as ours. So
equal it is, above all others, to the general Reason of Mankind : such honorable security it
provides, both for the liberty of Mens Minds, and for the peace of Government […][32].
En effet, il précisait :
Seeing therefore, our Church [of England] would be in so fair a probability of gaining very
much, by frequent contention, and encounter, with other Sects : It cannot be indanger’d by
this Assembly ; which proceeds no farther, then to an unprejudic’d mixture with them[33].
Les philosophes naturels de la Royal Society mirent donc en avant les modes de
régulation qui organisaient leurs communautés scientifiques.Dans ce système, la rhétorique
de la tolérance limitée est préférée à celle de la coercition. On obtient une adhésion durable
parce que ceux qui la donnent se sont constitués en une société définie et bien circonscrite
excluant ceux qui refusent les principes fondamentaux de lřordre. La normalisation émerge
alors comme un aboutissement : elle nřa pas à être imposée aux membres de la
communauté[36].
Ces domaines étaient exclus aussi parce quřils concernaient autre chose que lřobjet de
la philosophie naturelle, non pas les processus plus ou moins réguliers de la nature, mais le
domaine de lřexpression de lřagir humain et divin. La philosophie naturelle ne pouvait
donc, sans compromettre son bon exercice, prétendre couvrir lřensemble des convictions et
des savoirs : elle devait exclure de ses débats les questions confessionnelles et politiques.
Cependant, de ce fait même, elle sřoffrait comme un modèle idéal pour toute société : une
société où la tyrannie ne saurait régner, où la hiérarchie se devait de nřêtre pas trop pesante,
où la coopération était de mise et où lřon savait faire la part de ce qui revient au Prince et de
ce qui revient au sujet. La concorde des sociétés civiles et des Églises était au prix, dřune
part, de la distinction entre la conviction, qui ne se prête pas à la discussion et est donc
affaire privée, et la raison, qui se prête aux débats et peut donc être publique, et, dřautre
part, du refus que lřautorité puisse sřimposer dans lřun ou lřautre de ces domaines, la
volonté du Tout-Puissant, le seul qui jouisse légitimement dřune autorité plénière,
sřexprimant elle-même par des lois que la raison peut déchiffrer. De là lřautorité des
princes (y compris de lřÉglise) et de leur éventuel droit dit « divin » ne pouvait être le
fondement de lřordre social, puisque cřest la raison de chacun, droitement et
méthodiquement conduite, qui dans le débat, élabore les lois politiques en conformité avec
la morale naturelle.
Dans un poème allégorique de 1728, The Newtonian system of the world, the best
model of government, Jean-Théophile Desaguliers, alors membre de la Royal Society,
explicitait clairement les liens quřil fallait établir entre la philosophie naturelle de Newton
et lřorganisation politique. Il y expliquait en effet que les « Lois des Nations [Laws of
Nations] » doivent être analogues aux « Lois de la Nature qui sont établies dans les Cieux
[Laws of Nature which are establishřd in the Heavens] » et quřelles peuvent être étudiées
« comme phénomène [as a Phænomenon]» [37]. Cette étude lui a ainsi permis de juger que
la « Forme la plus parfaite [de gouvernement] est celle qui sřapproche au plus près du
Gouvernement Naturel de notre Système selon les Lois établies par le Très-Sage et Tout-
Puissant Architecte de lřUnivers [Form of it [Government] to be most perfect, which did
most nearly resemble the Natural Government of our System, according to the Laws settled
by the All-Wise and Almighty Architect of the Universe][38] » et quřelle sřapparente à « la
Monarchie limitée, par laquelle nos Libertés, Droits et Privilèges sont si bien protégés [the
limited Monarchy, whereby our Liberties, Rights, and Privileges are so well secured][39]
Newton appartint dès 1762 à la Royal Society et la présida de 1703 à sa mort (20 mars
1727). En 1714, il fit élire son « disciple » Jean-Théophile Desaguliers (1683-1744) fellow
de la Royal Society, lequel devint curateur des expérimentations. Parallèlement,
Desaguliers était très actif dans la toute récente Grande Loge de Londres (créée en 1717) :
il en fut le grand maître de 1719 à 1721, puis le député grand maître à partir de 1722.
Desaguliers nřétait dřailleurs pas le seul membre de la Royal Society à appartenir à la toute
jeune « obédience » maçonnique : en 1723 au moins vingt-trois membres de la Royal
Society appartenaient aussi à la Grande Loge de Londres, chiffre qui, en 1725, sřéleva à
quarante-sept (pour soixante-quatre loges enregistrées[40] comprenant environ deux cents
membres)[41], parmi lesquels plusieurs eurent des charges importantes au sein de la
Grande Loge ; outre Desaguliers, cřétaient : le Duc John of Montagu (docteur en médecine,
fellow de la Royal Society en 1718), quatrième grand maître de juin 1721 à janvier 1722
(cřest donc sous sa grande maîtrise que commença la rédaction des Constitutions qui furent
publiées sous la grande maîtrise du Duc Philip of Wharton, dont Desaguliers était le député
Ŕ à peu près vice-président) ; John Beale, député grand maître en 1721 (fellow de la Royal
Society la même année) ; Martin Folkes, député grand maître en 1721 (numismate fellow
de la Royal Society en 1714, de laquelle il fut nommé député par Newton le 17 janvier
1723).
La présence de ces expérimentateurs newtoniens dans la Grande Loge fut loin dřêtre
sans conséquence. En effet, les Constitutions que se donna la Grande Loge en 1723 révèlent
de nombreuses affinités avec la pensée newtonienne : souci dřirénisme qui se traduisait par
lřexclusion des questions politiques et religieuses ; recherche de lřaccord sur un plus petit
dénominateur commun reposant, en deçà des opinions personnelles, sur une religion et une
morale naturelles et universelles (le noachisme des Constitutions de 1738[42], qui nřétait
pas sans rappeler celui de Newton encore), cřest-à-dire reconnaissables par la raison
naturelle de tous dès lors que chacun agit droitement ; « tolérance limitée » par lřexclusion
du libertinage et de lřathéisme, comme contraire à la morale et à la raison (lřathée est
stupide et le libertin, immoral[43]) ; volonté de contribuer au bien commun et à la paix
civile par lřentente qui devait régner dans la loge et qui faisait du « Centre de lřUnion
[Center of Union][44] » une anticipation et un modèle de la concorde universelle où les
distances entre les hommes seraient abolies (dans une certaine mesure, le cosmos
maçonnique étant, comme la communauté des expérimentateurs une communauté
dřélus[45]).
Tout ceci ne pourrait encore que traduire une aspiration à la paix assez généralement
partagée par bien des Anglais dřalors, lassés des querelles religieuses et politiques, et en
quête dřune tolérance qui pourrait fonder la paix. Ainsi, avec son ironie coutumière,
Voltaire écrivait :
Entrez dans la Bourse de Londres, cette Place plus respectable que bien des Cours, vous y
voïez rassemblés les députés de toutes les Nations pour l’utilité des hommes ; là le Juif, le
Mahométan & le Chrétien traitent l’un avec l’autre comme s’ils étaient de la même
Religion, & ne donnent le nom d’infidèles qu’à ceux qui font banqueroute ; là le
Presbiterien se fie à l’Anabaptiste & l’Anglican reçoit la promesse du Quaker[46].
Mais lřinfluence du newtonianisme se fait plus nette et précise si lřon remarque avec Pierre
Boutin que la construction des deux premiers articles des Charges obéit au schéma
directeur des Philosophiæ naturalis principia mathematica et à la démonstration
géométrique du De Gravitatione : définition ; axiome ; illustration par lřexpérience ;
proposition. Par exemple[47], pour la première Charge, la définition est :
Un Maçon est obligé, par son engagement, dřobéir à la Loi morale ; lřaxiome est :
et, s’il comprend correctement l’Art, il ne sera jamais un Athée stupide ou un Libertin
irréligieux ;
lřexpérimentation est :
quoique dans les temps anciens les maçons fussent tenus, dans chaque pays d’être de la
religion de ce pays ou nation, quelle qu’elle fût ;
et la proposition est :
aujourd’hui, il a été considéré plus expédient de les astreindre seulement à cette religion
sur laquelle tous les hommes sont d’accord, laissant à chacun ses propres opinions, c’est-
à-dire qu’ils doivent être des hommes de bien et loyaux ou des hommes d’honneur et de
probité, quelles que soient les dénominations ou croyances qui aident à les distinguer, ce
par quoi la Maçonnerie devient le Centre de l’Union et le moyen de ménager une
authentique Amitié entre des Personnes qui seraient restées à une Distance perpétuelle.
Adam, notre premier Parent, créé d’après l’Image de Dieu, le grand Architecte de
l’Univers, dut avoir les Sciences Libérales, particulièrement la Géométrie, écrites sur son
Cœur, puisque même depuis la Chute nous trouvons ses Principes dans les Cœurs de ses
Descendants, principes qui, au cours des temps, ont été développés en une Méthode
adéquate de Propositions, en observant les Lois de la Proportion prise de la Mécanique, de
telle sorte que les Arts Mécaniques donnèrent l’Occasion aux Savants de réduire les
Éléments de la Géométrie en une méthode ; cette noble Science, ainsi réduite, est la
Fondation de ces Arts (particulièrement la Maçonnerie et l’Architecture) et la Règle par
laquelle ils sont conduits et appliqués.
Adam, our first Parent, created after the Image of God, the great Architect of the Universe,
must have had the Liberal Sciences, particularly Geometry, written on his Heart ; for even
since the Fall we find the Principles of it in the Hearts of his Offspring, and which, in
process of time, have been drawn forth into a convenient Method of Propositions, by
observing the Laws of Proportion taken from Mechanism : So that as the Mechanical Arts
gave Occasion to the Learned to reduce the Elements of Geometry into Method, this noble
Science, tus reduc’d, is the Foundation of all those Arts (particularly Masonry and
Architecture) and the Rule by which they are conducted and perform’d[48].
De cette manière, les Charges de 1723 fondaient un ordre juridique rationnel inauguré
par lř « engagement [Tenure] » personnel et volontaire du Maçon dans la société
maçonnique sous lřégide de la loi morale, que le maçon sřoblige à respecter et qui lřoblige
à respecter, en retour, les pouvoirs et des lois civils. La société maçonnique acquiert ainsi
une double autonomie grâce à « la relation […] indéfectible [Relation […]
indefeasible][49] » qui lie le maçon à la loge : autonomie par rapport au droit divin, dans la
limite même posée par Newton de la non interférence des lois divines et des lois humaines,
ces dernières résultant de la volonté des hommes (ici le libre engagement du maçon) ;
autonomie par rapport aux gouvernements puisque le maçon « rebelle à lřÉtat [Rebel
against the State] » ne peut être expulsé de la loge[50] (ce qui souligne encore le caractère
consensuel de lřengagement). Cřest donc dans lřélaboration constitutionnelle de la Grande
Loge de Londres par des newtoniens de la Royal Society que sřarticulèrent franc-
maçonnerie et philosophie naturelle et que furent mis en place les prémices de ce que Léon
XIII dénonça plus tard comme naturalisme, ? précisément : lřaffirmation de
lřautosuffisance dřune raison naturelle dégagée de toute référence méta-empirique, et la
soustraction de lřorganisation sociale à la tutelle du droit divin.
Conclusion
Expérimentateurs et francs-maçons
Une question demeure encore : pourquoi des newtoniens anglais se sont-ils ainsi
agrégés à la toute récente Grande Loge de Londres jusquřà en infléchir lřesprit dans le sens
de ce quřils connaissaient à la Royal Society ? Sřil sřagissait seulement dřédifier une
institution sur le modèle idéal des communautés dřexpérimentateurs, pourquoi ne pas se
contenter dřagir sur la Royal Society et les autres sociétés savantes et académies avec
lesquelles elle était en relation étroite ? Nous ne disposons pas dřéléments factuels ou de
documents qui nous permettent de répondre avec certitude sur cette question.
Nous voudrions cependant suggérer une piste de réflexion : celle de lřilluminisme.
David Stevenson, dans sa magistrale étude The origins of freemasonry : Scotlandřs century,
voit dans la maçonnerie spéculative anglaise une institution créée à partir du modèle
écossais mis en place à la fin du xvie siècle par le maître des travaux de Jacques VI
dřÉcosse, William Schaw, et où avaient pénétrés divers éléments de lřésotérisme renaissant
:
[Les maçons anglais] trouvèrent dans des organisations et rituels d’origine renaissante
écossaise, combinés avec une histoire médiévale mythique du métier, de quoi satisfaire leur
goût [du mystère, du rituel, du secret, et leur quête d’une vérité cachée], ainsi que leur
appétit de sociabilité.
[English masons] found a framework for indulging such tastes [mystery, ritual, secrecy,
and the quest for hidden], as well as sociability in organisations and rituals of Scottish
Renaissance origin, combined with Medieval mythical craft history[51].
Jérôme Rousse-Lacordaire
______________
[40] Bernard E. Jones, Freemasonsř guide and compendium, Londres : G. G. Harrap, 1950,
p. 172.
[42] James Anderson, The new book of Constitutions of the Antient and Honourable
Fraternity of Free and Accepted Masons, Londres : printed for Brothers Caesar Ward and
Richard Chandler, in the vulgar year of Masonry 5738 [1738], p. 4, 143-144. Ce noachisme
est « une sorte de version talmudique de la religion naturelle ou de la loi morale tenant les
Gentils en tant quřils sont descendants de Noé. » (Douglas Knoop et G. P. Jones,
Freemasonry and the idea of natural religion, printed for private circulation, 1942, p. 11.)
[43] « Un Maçon est obligé, par sa tenure, dřobéir à la Loi morale, et, sřil comprend
correctement lřArt, il ne sera jamais un Athée stupide ou un Libertin irréligieux [A Mason
is obligřd, by his Tenure, to obey the moral Law ; and if he rightly understands the Art, he
will never be a stupid Atheist, nor an irreligious Libertine]. » Andersonřs Constitutions =
Constitutions dřAnderson 1723. Texte anglais de lřédition de 1723. Intro., trad. et notes par
Daniel Ligou, Paris : Édimaf (Scripta ac fontes Ordinis latomorum), 1992, p. 178.
[52] Joseph de Maistre, Quatre chapitres sur la Russie, in Œuvres complètes, t. 8, Lyon : E.
Vitte, p. 329.
[53] Cf. Charles Porset, Voltaire franc-maçon, La Rochelle : Rumeur des âges, 1995. Il
écrit, p. 8, à propos de Voltaire : « […] si son initiation fut tardive [7 avril 1778…], cřest
quřalors Ŕ et alors seulement Ŕ une fraction de la maçonnerie (la loge des Neuf Sœurs) se
reconnut dans Voltaire et fit sienne le combat quřil avait mené contre les préjugés,
lřobscurantisme théologique et lřinjustice. »
A GÉNESE DAS SUBSTÂNCIAS
MINERAIS
E O ESSENCIALISMO EM CIENCIA
A.M. Amorim da Costa
Para operar a transmutação dos metais vis em prata ou ouro, os alquimistas procuravam a
energia necessária num elixir, a Pedra filosófica. Hoje, diríamos que esta seria um pequeno
mas potente embrião de energia criativa que ao juntar-se ao corpo a ser transmutado
funcionaria como uma transfusão de sangue num doente anémico. No caso concreto dos
metais, o serem vis, desprovidos do carácter nobre do ouro e da prata, dever-se-ia ao facto
de estarem impregnados apenas por um pequeno quantum de alma, num estado
verdadeiramente moribundo. Projectar sobre eles o elixir da transmutação seria vivificá-los,
permitindo-lhes crescer e aperfeiçoar-se, podendo atingir um estágio em que se tornem
imunes à deterioração. Este seria atingido quando se transformassem em ouro.
Numa palavra, o metal vil que sob a acção da Pedra filosofal se transformou em ouro
adquiriu a energia criativa que o regenerou do estado anímico em que se encontrava.
Energia criativa, gerador do ouro vivo, o elixir que torna possível uma tal transmutação é
pois, verdadeira semente de metais.
Toda a criação era, para o alquimista, valorizada em termos da Vida, com um destino
antropocósmico. Como o Homem, toda a Natureza nasce, vive e morre. Toda ela é,
também, sexuada e fecunda. Nela, por toda a parte, está presente o elemento masculino e o
elemento feminino de cuja união resulta a continuação permanente da Vida. Nascem,
crescem e morrem, em renovação contínua da Vida, o Homem, as plantas e os animais,
como nascem, crescem e morrem, no seio da Terra-mãe, como o feto no útero materno,
resultado duma união fecunda do masculino com o feminino, os minerais, as pedras e os
metais. Interessados, em particular, na preparação do ouro e da prata, os alquimistas
preocupavam-se, muito especialmente, com a sua possível intervenção no processo
generativo e evolutivo destes últimos.
Concepção muito arcaica por remontar a civilizações muito antigas, esta concepção
embriológica dos minerais resistiu bem a séculos de experiências técnicas e de pensamento
racional3. Plino, na sua História Natural 4 afirmava claramente que as minas precisavam
ser deixadas em repouso, durante longos períodos, para que nelas os minerais se
regenerassem novamente. Outro tanto referia Strabon na sua Geografia5. E, já no século
XVII, o autor espanhol Barba referia que uma mina esgotada é capaz de refazer os seus
filões, contanto que seja devidamente selada e deixada em repouso por cerca de dez a
quinze anos, e "enganam-se grosseiramente aqueles que pensam que os metais foram
criados, no começo do mundo, tal e qual existem; não, os metais nascem e crescem nas
minas"6.
Por sua vez, Glauber é também explícito: "a natureza opera sobre os metais um ciclo de
nascimento e morte igual àquele que opera sobre os vegetais e animais"7.
Embriões formados no seio da Terra, os metais nela crescem lentamente, com seu ritmo
temporal de gestação próprio, num processo em tudo idêntico ao ritmo temporal de
gestação dos organismos vegetais e animais. À medida que crescem, vão atingindo a sua
maturidade própria. O seu ritmo geológico temporal de maturação é diferente de metal para
metal, como, entre os animais ou entre os vegetais, também difere de animal para animal ou
de vegetal para vegetal. Se um dado metal for extraido do seio da Terra-mãe, arrancado
prematuramente das trevas telúricas em que se verificavam as condições adequadas ao seu
amadurecimento correcto, será um metal imperfeito. E assim como o embrião animal ou
vegetal tirado do seio "materno" antes de cumprido o ciclo geológico de amadurecimento
próprio não sobrevive porque não atingiu ainda a formação mínima que lhe permita existir
por si, também o metal que seja extraido do seio da Terra-mãe antes de cumprido o seu
ciclo de maturação não é aquilo que devia ser. É um aborto de metal que é o que são os
metais vis, cujo desenvolvimento embrionário está ainda muito longe de ter atingido o grau
de amadurecimento que lhe confere total perfeição e vida, a perfeição do ouro vivo.
Neste ponto, a crença de quase todos os alquimistas ia muito mais longe: se o ciclo de
crescimento e maturação de qualquer embrião mineral no seio da Terra não fosse
interrompido, por extracção extratemporânea, num entrave forçado do processo natural de
gestação, todos os minerais resultariam, com o tempo, em ouro. A "nobreza" do ouro seria
o resultado da sua "maturidade"; os outros metais são metais "comuns" porque "crus", não
amadurecidos8.
O alquimista acreditava, todavia, que seria possível intervir no processo natural de gestação
dos minerais sem prejudicar o seu correcto crescimento e devida maturação. Mais:
acreditava que o homem poderia intervir nesse processo, modificando o seu ritmo temporal,
no sentido de o apressar. E este era o sentido de muito da sua actuação: colaborar com a
natureza, ajudando-a no processo de formação, crescimento e maturação dos metais que se
efectuava no seio da Terra, substituindo-se ao tempo que ela precisava para o realizar.
Aquilo que a Natureza levava centenas ou milhares de anos a realizar, pretendia o
alquimista realizá-lo no decurso de sua vida, de algumas dezenas de anos, mercê da Pedra-
Filosofal que em si encerraria as condições necessárias para alterar por completo o ritmo
geológico natural.
Esta crença hilozoista traduzida numa visão organicista de todo o Universo, dominou por
completo o desenvolvimento do pensamento científico do mundo Ocidental até meados do
século XVII. Só a interpretação mecanicista dos fenómenos naturais com origem em
Newton, Descartes, Gassendi e outros, a destronaria paulatinamente. Não nos é de todo
lícito afirmar que a gradual passagem de uma interpretação a outra se tenha
consubstanciado em explicações alternativas mais convincentes dos mesmos fenómenos.
Julgamos ser mais correcto afirmar que houve uma alteração na problemática científica que
interessava aos cultores da ciência.
Na convicção profunda de que o ciclo de nascimento e morte dos minerais é igual ao dos
vegetais e animais, a sua origem deveria ser, na sua essência, idêntica à deles. Embora com
ciclos temporais muito variados, os processos de nascimento, desenvolvimento e morte de
vegetais e animais são, na sua essência, os mesmos: uns e outros têm a sua origem em
sementes germinais para cuja formação contribui um elemento masculino conjugado com
um elemento feminino. Depositadas no seio Ŗmaternoŗ, o húmus, no caso dos vegetais, o
ovo, no caso animal, aí se desnvolvem, crescem e atingem a perfeição característica da
espécie a que pertencem. Porque não há-de acontecer o mesmo com os minerais, sejam eles
as pedras ou os metais?
Na visão organicista da Natureza, essa era a crença geral. Na filosofia Ocidental, o discurso
que a suporta desenvolveu-se com base nas chamadas Ŗrazões seminaisŗ, o seu princípio
activo. Na teoria das Ideias de Platão encontramos os primeiros traços desse discurso.
Estoicos, discípulos de Zenão (c.490-430 a.C) e neo-platónicos, discípulos de Plotino,
seriam, subsequentemente, os seus mais expressivos fautores.
Para os Estoicos, o Logos, potencialidade creativa, actua através das logoi spermatikoi,
gérmens racionais ou razões generativas, disseminadas por todo o universo. Parte intrinseca
de toda a matéria, a estas razões seminais se deve a capacidade de geração e crescimento
que a mesma possui. Identificado o Logos do Universo com o Pneuma, os logoi
spermatikoi seriam pneumas actuantes em separado sobre os diferentes tipos de matéria10.
No seu Livro sobre as Pedras, Teofrasto fala-nos de pedras masculinas (pedras de tons
escuros) e pedras femininas (pedras de tons mais claros), referindo que das sementes dos
corpos que se formam no interior da terra, umas tem a sua origem no elemento água, outras
no elemento terra. Das primeiras resultam os metais; das segundas, as pedras11.
Esta situação deve, todavia, ser tida como um período de transição, no quadro da nova
filosofia. De facto, com a crescente aplicação de métodos de análise química ao estudo dos
minerais por Bergman e seus discípulos, e, paralelamente, o desenvolvimento da
cristalografia com Romé de l´Isle e Haüy, nas últimas décadas do século XVIII, a visão
organicista cede por completo à concepção geomorfológica de Descartes explicando todos
os fenómenos minerais em termos de interacções mecânicas entre corpúculos ou fluidos de
várias espécies constituidos corpuscularmente22.
Não entraremos aqui nas considerações de Descartes sobre o modo como os diferentes
corpúsculos que entram na composição de cada uma das diferentes camadas se terão
formado, e consequentemente, no modo como se terão constituido essas mesmas camadas.
Apenas algumas palavras no que se refere à génese e evolução dos minerais no interior da
crosta terrestre.
Segundo Descartes, num processo muito semelhante ao descrito pela teoria das exalações
de Aristóteles explicando a formação das pedras e dos metais a partir da transformação dos
fumos e vapores gerados no seio da terra ao serem exalados para fora dela, no tempo
quente, os corpúsculos de água liquida que entram na composição da camada terrestre mais
interior à sua crosta sólida, libertar-se-iam, através dos muitos poros existentes na interface
de ambas as camadas e combinar-se-iam com partículas da camada gasosa, formando
partículas com tamanho tal que já não conseguiriam voltar para a camada interior de onde
sairam. Num processo longo de muitos anos, os Ŗespaçosŗ vazios deixados na camada mais
interior por ausência das partículas que a deixaram, formariam cavidades subterrâneas que
ao aluirem sob o peso da camada mais exterior levariam à fragmentação desta. Ao dar-se o
colapso, muitos dos fragmentos iriam cair em a meios Ŗpantanososŗ, com uma matriz
liquida de composição diversa de local para local. Da incorporação de porções desta matriz
liquida nos interstícios dos fragmentos nela caidos resultariam os diferentes minerais.
Descartes não era um mineralogista. Conhecia, todavia, as substâncias mais comuns de que
é formada a crosta terrestre, tentando explicar a sua formação em termos da teoria
mecanicista que defendia. Esta sua explicação foi adoptada por quase um século por
mineralogistas e geologistas, particularmente em França. Da sua explicação resulta clara a
tese de que os diferentes minerais não existiram sempre na forma e na composição que os
encontramos hoje. Foram-se formando a partir de diferentes corpúsculos e por processos
variados, não significando que o aparecimento de um dado metal numa determinada região
da crosta terrestre tenha seguido exactamente a mesma tramitação do aparecimento de igual
metal numa outra região, sob condições de formação diferentes. Não pode pois dizer-se que
segundo Descartes, há sementes específicas de cada metal, ou que na transformação de um
metal em outro se verifique um processo reprodutivo do tipo do que se verifica nos animais
e nas plantas. Consequentemente, da filosofia de Descartes não fazia parte a crença de que
todos os metais, num processo intrinseco de aperfeiçoamento, tendem a converter-se,
gradualmente, com o evoluir do tempo, em prata, primeiro, e ouro, depois.
Sem dúvida que para Descartes e para os geólogos e mineralogistas que durante tantos anos
seguiram a sua doutrina, a especificidade de cada mineral ou de cada metal é determinada
pela sua composição que nos dará conta da sua essência. Essa composição não é, todavia,
determinada de modo único a partir das mesmas Ŗsementesŗ, no caso, de idêntico tipo de
corpúsculos. Determinantes são também, os diferentes movimentos e as diferentes
circunstâncias em que operam as forças que levam a essa composição.
No nosso século, a ideia das Ŗrazões seminaisŗ dos minerais continua presente, um pouco
por toda a parte, dentro e fora do campo da ciência. Muito perto de nós, no norte do nosso
país, em Manhouce, são motivo da curiosisdade de todos as chamadas Ŗpedras parideirasŗ;
os cosmógonos falam das Ŗsementes das galáxiasŗ24, como os biólogos falam das
Ŗsementes da vidaŗ. Seduzido já pela Mecânica Quântica, Hopkins teorizou sobre o
embrião gerador do ouro, chamando-lhe o Ios25.
Qual grão lançado à terra que antes de germinar parece conhecer a morte num processo de
aparente apodrecimento e dissolução, o desenvolvimento natural do Ios está condicionado
pelo Ŗseio maternoŗ em que foi lançado e sobre ele têm influência determinante os
diferentes astros. Um e outros ditam o seu ciclo natural de desnvolvimento, à semelhança
do que se passa com o ciclo de germinação, crescimento e amadurecimento das diferentes
espécies de animais e vegetais. Quantum de energia creativa, a sua estabilidade é tão grande
que na nossa escala temporal, o podemos considerar perene. Por isso é também elixir de
vida eterna. Ele consubstancia uma matriz de finas partículas de matéria energicizada,
Ŗmarŗ informe de protões, neutrões e electrões, a partir da qual, por diferente associação e
combinação, todos os elementos naturais podem ser formados. O segredo da sua actuação
como Ŗrazões seminaisŗ de tudo quanto existe, nomeadamente dos diferentes minerais,
talvez deva ser procurado no dinamismo que terá informado os primeiros instantes do
universo e, mais restritamente, nas condições de pressão e temperatura que ainda hoje se
verificam em muitas estrelas, nas quais se inclui o sol. Nelas se formam continuamente
novas e diferentes jazidas metálicas a partir de elementos totalmente diferentes. As recentes
experiências levadas a efeito, em Genebra, por um grupo de Físicos, tentando reproduzir os
primeiros instantes que se seguiram ao big-bang em que se terá originado o Universo
apontam nesse mesmo sentido. Nesses primeiros instantes apenas existia uma matéria ainda
não organizada em átomos, nem núcleos, o quagma, uma Ŗsopaŗ de quarcks e glutões, com
uma energia e uma densidade tão grandes que não permiriam a distância necessária a
qualquer organização elemental. Da Ŗinteracção forteŗ que manteria ligados os quarcks
constitutivos de cada protão e de cada neutrão, sob a acção de glutões, se constituiria a
semente dos diferentes elementos que nos instantes seguintes se foram formando, num
processo de crescimento e amadurecimento que ainda hoje, não está terminado, e não
sabemos se algum dia terminará26.
A chave da transmutação de um qualquer metal noutro está na sua própria origem a partir
dessas Ŗrazões seminaisŗ primitivas que foram e são as partículas elementares constituidas
em Ŗmarŗ informe de protões, neutrões e electrões. No dia em que o homem as saiba
manipular, compreenderá a possível formação e crescimento dos minerais no seio da terra-
mãe, como compreende já a formação de vegetais e animais a partir de um óvulo fecundado
tornado semente que em si contém a formação, crescimento, vida e morte do ser em que se
pode tornar. E a ciência que lhe permite já hoje manipular este óvulo, e lhe perspectiva a
síntese laboratorial do próprio DNA na tentativa de Ŗcriarŗ vida artificial27 abrir-lhe-á as
portas da possível manipulação das Ŗrazões seminaisŗ de que se formam os minerais.
Se há quinze mil milhões de anos não havia tempo, nem espaço; se então, num vazio
inimaginável, apenas existia uma pequena bola de fogo incomensuravelmente quente e
densa; se então, de repente, numa gigantesca explosão de radiações e matéria, nasceu o
universo e com ele o Tempo e o Espaço, porque não nascem também, noutro momento da
história, os minerais, como nasceu a vida vegetal e animal? E uma vez formados, porque
não hão de crescer e morrer com ciclos e mecanismos próprios?
Refira-se, a propósito, a química da formação das pedras, incluindo as pedras preciosas,
sejam elas o rubi, a safira, a esmeralda, ou outras. Elas são, em geral, misturas de sais de
dois ou mais elementos. Quanto mais desfavoráveis forem as condições termodinâmicas da
formação da mistura que caracteriza uma determinada pedra, mais rara ela será. E a
raridade é, por via de regra, sinónimo de preciosidade. É o caso da esmeralda, um
ciclosilicato semelhante à safira [ciclosilicato de berílio e alumínio, Be3 Al2 (Si6O18)] em
que o alumínio é parcialmente substituido por crómio, vanádio e, menos frequentemente,
ferro. As dificuldades destas substituições estão na origem da sua raridade. De facto, o
crómio, o vanádio e o ferro, por um lado, e o berílio e os elementos alcalinos, por outro,
têm, na sua generalidade, jazidas geoquímicas muito diferentes : os primeiros são
constituintes preferenciais do manto terrestre, enquanto os segundos são da crosta
continental, o que não favorece fácil intercâmbio28.
De acordo com Aristóteles Ŗsó podemos conhecer uma coisa conhecendo a sua essênciaŗ e
Ŗconhecer uma coisa é conhecer a sua essênciaŗ; esta é a sua definição, o mesmo é dizer, Ŗa
definição é a fórmula da essênciaŗ e, consequentemente, Ŗsó há verdadeiro conhecimento
de qualquer coisa quando conhecemos a sua essênciaŗ29 O nome de uma coisa exprime a
sua essência; a fórmula que o define descreve-a, sendo tanto mais adequada quanto mais
exaustiva for a descrição que comporta. Só se chega à definição cabal de uma coisa depois
de muitas observações experimentais e, posto que nem sempre o conhecimento empírico é
suficiente para atingir a essência universal, a elas se juntam, num processo global da
construção da ciência das coisas, a intuição intelectual que opera sobre premissas básicas de
prova que são também elas definições de outras tantas coisas. Na metodologia construtiva
da definição do objecto científico se faz a ciência. Esta é essencialista porque deduz as
propriedades das coisas a partir das suas essências30.
Defensora das Ŗrazões seminaisŗ geradoras dos minerais, específicas de cada um deles,
como específicas são as razões seminais de cada ser animal e vegetal, sem o conhecimento
das quais não seria possível conhecer a essência do ente que delas se formou, a ciência
holozoista era uma ciência estritamente essencialista.
O mesmo se não pode dizer da ciência mecanicista. De facto, para esta o conhecimento das
Ŗrazões seminaisŗ, quaisquer que sejam, está longe de poder ser tido como conhecimento
cabal dos entes que delas se formam, pois que os mesmos corpúsculos poderão originar
seres muito diferentes. Não é possível deduzir as propriedades das coisas a partir apenas
das Ŗrazões seminaisŗ de que se formaram. Impõe-se conhecer as circunstâncias em que se
desenvolveram. Não surpreende pois, que já se tenha considerado que a concepção
corpuscular que se apropriou da química no século XVII tenha representado o derrube do
essencialismo em química. Conhecer a essência das coisas não constitui só por si possuir a
sua ciência. Saber defini-las, conhecer a sua essência, não é de per si, a Ŗverdadeira maneira
de entrar em contacto com as forças secretas da natureza e manipulá-lasŗ, na expressão
poética de Fernando Pessoa31.
3 - Idem, pg 48.
5 - Strabon, Geografia, V, 2.
6 - Citado por P. Sébillot, Les Travaux Publics et les Mines dans les Traditions et les
Superstitions de Tous les Peuples, Paris, 1894, p. 398.
7 - Citado por G. Bachelard , La Terre et les Rêveries de la Volonté, Paris, 1948. p.247.
13 - Livro dos Minerais in Paracelsus, Opera Omnia, Ed. A. E. Waite, London, 1894 vol.I,
pp. 237-56.
14 - Paracelsus, Opera Omnia, Ed. A. E. Waite, London, 1894, vol.I, pp.92-93; 240 Ŕ 241.
15 - T. Sherley, A Philosophical Essay: Declaring the probable causes, whence Stones are
produced in the Greater World, London, 1672.
30 - K. R. Popper, The Open Society and Its Enemies, vol.II, 4ªEd., Londres, Routledge &
Kegan Paul, 1962, cp.11.
Existiram, no entanto, a partir de meados do século XVIII (e sobretudo nesse século), ritos
e rituais herméticos e alquírnicos que não pretendiam fazer alquimia, mas preparar o
candidato para uma assimilação dos princípios herméticos e da prática alquímica, num
contexto ritual e dentro de um grupo organizado, através de uma cerimónia iniciática onde
seriam revelados - na iniciação, na instrução e no catecismo - os segredos alquímicos.
Grande parte desses ritos e rituais foram criados num contexto maçónico, constituindo
(altos) graus maçónicos, como o ritual (do grau) de Cavaleiro do Sol, ou mesmo um
sistema (rito) maçónico, como o Rito Hermético de Dom Pernety, ou a Estrela Flamejante
do Barão de Tschoudy.
Ocorre, a propósito, referir que alguns destes graus herméticos ou alquímicos ocorreram no
seio da Maçonaria "dos Antigos", ou do universo maçónico por ela influenciado (e que tem
raiz no hermetismo renascentista, nos Rosa-Cruzes do século XVII, etc.), mais aberta (e
mesmo entusiasta) a receber ensinamentos provenientes de correntes esotéricas como a
Cabala, a Teurgia, a Alquimia, etc., e interpretações esotéricas de tradições como a
Cavalaria - como os ritos "escoceses", quer o Antigo e Aceite, quer o Rectificado, mas
também os ritos de York, da Ordem Real da Escócia (Heredom de Kilwining e Cavaleiro
Rosa-Cruz) e do Rito Sueco, proveniente, como o Rito Escoçês Rectificado, da maçonaria
da Estrita Observância Templária alemã, e mesmo, ainda que não "regulares", os ritos
"egípcios" de Cagliostro, de Misraim, etc. -, o que não se passa, de modo algum, na
Maçonaria mais exotérica "dos Modernos" ( como, p.ex., o Rito de Emulação, inglês, e o
Rito Francês) (4).
Vamos analisar, brevemente, alguns desses rituais e ritos - maçónicos ou para-maçónicos -
do séc. XVIII (o último dos quais, o de Misraim, fixado em começos do século XIX, a
partir de materiais do século XVIII).
1 -Verdadeiro Maçon
4- Cavaleiro da Iris
A partir de 1766-7, Dom Pemety está em Berlin como bibliotecário de Frederico II. Nesta
cidade conhece outros hermetistas, toma contacto com as doutrinas de E. Swedenborg
(relativo aos contactos com entidades celestes) e aperfeiçoa o seu Rito Hermético. Em 1783
recebe a "Santa Palavra" de uma entidade celestial que lhe ordena que abandone a Prússia e
retome a Avignon, para fundar o grupo dos "Iluminados" - na sequência dos "Iluminados de
Berlim", a que pertencera. Em 1787, o Rito tem cerca de uma centena de elementos e em
1789 é já célebre nos meios esotéricos.
O nome desta Sociedade dos "Filósofos Desconhecidos" parece ter sido inspirado pelos
"Estatutos dos Filósofos Desconhecidos", incluidos na obra do Cosmoplita (o alquimista
polaco Michel Sendivogius), Tratados do Cosmopolita novamente descobertos (12).
P. -De que mercúrio devemos servirmo-nos para a Obra? R. -De um mercúrio que não se
encontra sobre a terra, mas que é extraído dos corpos, mas nunca mercúrio vulgar... P. -
Como chamas a esse corpo? R. -Pedra bruta ou caos, ou "iliaste'; ou "hylé". P. -É essa
mesma pedra bruta cujo símbolo caracteriza os nossos primeiros graus? R. -Sim, é a
mesma que os maçons trabalham a desbastar e da qual eles querem retirar as
imperfeições; essa pedra bruta é, por assim dizer, uma porção desse mesmo caos, ou
massa confusa desconhecida e desprezada por todos... (14)
-O Cavaleiro do Sol
Este sistema hermético "visava revelar os segredos do antigo Egipto" (17) e estava baseado
no livro do "Crata Repoa" publicado em 1770, na Alemanha, onde figuravam os graus desta
"antiga maçonaria". Após ter passado pelas Trevas (no 3°. Grau, na "Porta da Morte" do
Mestre Osíris), de onde apenas sairia após ter adquirido "verdadeiros conhecimentos", e de
ter atingido a Luz após a "Batalha das Sombras" do 4°. Grau - onde receberia o "escudo de
Isis" -, o iniciado assistia no 5° Grau a uma representação da morte da Serpente - Typhon,
por Horus, finda a qual o Balahata aprendia a "química" (isto é, a Alquimia), "a arte de
decompor as substâncias e de combinar os metais":
Este ritual -mais hermético do que alquímico-laboratorial, visto que ele aponta no sentido
das "alquimias internas" (não psico-espirituais, mas fisiológico-espirituais) -inclui umas
"quarentenas espirituais", durante as quais cada um receberá propriamente o Pentágono
(Estrela Flamejante), quer dizer, essa folha virgem sobre a qual os Anjos primitivos
imprimiram os seus números e selos, e com a qual ele se tornará Mestre (...) e o seu
espírito ficará cheio de um fogo divino e o seu corpo se tornará puro como o da criança
mais inocente (...) com um poder imenso, não aspirando senão ao repouso para atingir a
imortalidade e poder dizer dele próprio: Ego sum qui sum (Eu sou o que é).
O objectivo do seu Rito -a imortalidade conquistada durante a vida física -pode ser
resumido por uma frase extraída do seu catecismo: «Tendo sido criado à imagem e à
semelhança de Deus, eu recebi o poder de me tornar imortal e de ordenar aos seres
espirituais para reinar sobre a terra».
Em 1784, Cagliostro fundou a Loja-mãe do seu Rito, "A Sabedoria Triunfante", mas o Rito
em si parece não ter sobrevivido ao seu criador.
Os "Arcana Arcanorum" (Mistério dos Mistérios) são os últimos graus do Rito de Misraim
e do Rito de Menfis-Misraim que, embora constituídos nos começos do século XIX, estão
baseados em textos do século XVIII (18), entre os quais provavelmente alguns de
Cagliostro.
No 88° Grau "o iniciado deve... receber os influxos celestes e... sentir bater nele a vida
universal, depois de o «orvalho celeste» ter descido nele para fecundar o germe que ele traz
dentro de si". Após o 89°, Grau, que "permite um contacto com o invisível", vem o 90º.
Onde é dito que: «Toda a vida oscila entre estes dois polos: Matéria e Espírito; Bem e Mal;
Felicidade e Sofrimento. Toda a iniciação deve conduzir-nos da Lua ao Sol, de Isis a Osiris,
da Matéria à essência divina».
Segundo Jean-Pierre Giudicielli (19) "É no grau do Cavaleiro Rosa Cruz que se desenvolve
um Wuei Tan (via exterior) e não um Nei Tan, que é a obra mais avançada. Com efeito, o
18° Grau diz respeito às duas etapas clássicas da via exterior... Mas é sem equívoco
possível, nos últimos graus de Misraim (87°, 88°, 89°, 90°), também chamados Escala de
Nápoles, que residem certas chaves operativas da alquimia interna do Corpo de Glória (nei
Tan), a qual já tinha sido anunciada no 12°. Grau de "Grande Mestre Arquitecto":
A suprema ambição dos Grandes Mestres Arquitectos é de fazer viver em eles a verdade e
de comer o fruto da Árvore do conhecimento, de serem deuses.
Conclusão
Estes ritos e rituais herméticos e alquirnicos aparecem, no século XVIII, num contexto
maçónico ou para-maçónico no ambiente iniciático que se pode denominar, numa
perspectiva generalizada, de "Maçonaria dos Antigos", esotérica e mesmo ocultista.
Por falta de tempo não nos foi possível referir os Ritos da " Rosa Cruz de Ouro"
(Alemanha, 1777) e da "Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema" (Alemanha, 1781), ambos
de natureza hermética e alquirnica, o que ficará para uma segunda parte desta introdução.
NOTAS
(1) Escolhemos esta denominação para distinguir a alquimia que é praticada em laboratório
-também denominada de "fisica": embora ela pretenda promover a espiritualização da
matéria, e nesse sentido ela é também e essencialmente "espiritual" -das alquimias
denominadas "psicológicas", "espirituais", etc., as quais também apresentam uma
operatividade. Há outras alquimias que são também "operativas", como por exemplo as
"alquimias internas" que se desenrolam no interior do corpo humano (vide a alquimia
taoista). Para uma definição de "alquimia operativo-laboratorial", ver a minha Tese de
Doutoramento em Antropologia (Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, Lisboa, 2002), intitulada "Hermes redivivo -ressurgimentos da
alquimia operativo-laboratorial na segunda metade do século XX: novos movimentos
alquímicos franceses".
(2) Para uma discussão deste tema, ver a minha Tese Complementar de Doutoramento em
Antropologia, na mesma Faculdade, "A Alquimia operativo- laboratorial, como rito
sacrificial"
(3) Veja-se a tradição de encontros entre alquimistas, na Catedral de Notre-Dame de Paris
referida nos começos do século XX, pelo alquimista (ou alquimistas...) Fulcanelli (in "O
Mistério das Catedrais", Lisboa, 1973, p.54): «Os alquimistas do século XIV encontram-se
aí, no dia de Saturno, no grande portal ou no portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena
Porta Vermelha, toda decorada de salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito
se mantinha ainda no ano de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Noel du Fail diz que «o
grande encontro de tais académicos era em Notre-Dame de Paris». Aí (...) cada um expunha
o resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-se
probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no próprio local a alegoria do belo
livro e a exegese abstrusa dos misteriosos símbolos não era a parte menos animada destas
reuniões.»
(4) Para uma sucinta, mas esclarecedora discussão desta diferença entre "antigos" e
"modernos", veja-se o interessante livro de Jean Solis, Guide Pratique de la Franc-
Maçonnerie, Ed. Dervy, Paris, 2001 (livro que contém, no entanto, algumas incorrecções
sobre as Obediências regulares no mundo, mas que o autor se propõe rectificar brevemente,
conforme comunicação pessoal recente).
(5) Dom Pemety, Rituel Alchimique Secret, Viareggio, Ed. Rebis, 1981.
(7) Redição em 1971, na Ed. Arché, Milão, e em 1982, nas Ed. La Table d'Emeraude, Paris.
(9) Ver artigo 2 dos Estatutos a p. 3 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.).
(12) Bernard Roger, "Introdução" a Nouvelle Lumiere Chymique, Paris, Retz , 1976, p. 23.
Ver também Zbigniew Sydlo, Michael Senvivogius and the «Statuts des Philosophes
Inconnus", in "The Hermetic Journal", 1992, pp. 72-91.
(19) In Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris, Axis Mundi, 1988, p. 68.
BIBLIOGRAFIA
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saxons, Paris, EDIMAF, 3a. Ed. rev. e aum., 1987.
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1927 (reeditada em 1995, pela SEPP, Paris).
Caillet, Serge -Arcanes et Rituels de la Maçonnerie Égyptienne, Paris, Guy Trédaniel Ed.,
1994.
-La Sainte Parole des Illuminés d' Avignon, in "Le Fil d' Ariane" no.43-44 (Été-Automne
1991), Walhain-St-Paul, Belgique, pp.19-51.
Caro, Roger -Rituel F.A.R.+C et deux textes alchimiques inédits, edição do autor, Saint
Cyr-sur-Mer, 1972.
Faivre, Antoine -El Esoterismo en el siglo XVIII (trad. espanhola da obra L'Ésotérisme au
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Giudicelli de Cressac-Bachelerie, J.-P. -Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris, Ed.
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Labouré, Denis -De Cagliostro aux Arcana Arcanorum, in "L'Originel" no.2, Paris, 1995.
Mollier, Pierre -Contribuition à l' étude du grade de Chevalier du Soleil, p. I, II, III, in
"Renaissance Traditionelle", Paris, respectivamente, nºs. 91-92 (Junho-Outubro de 1992),
93 (Janeiro de 1993) e 94-95 (Abril-Julho de 1993)
Pernety, Dom -Rituale alchimico secreto -Rituel alchimique secret du grade de vrai Maçon
Académicien ( composé en 1770 ), reedição das Edizione Rebis, Viareggio, Itália, 1981.
Tshoudy, Baron de- Touts les rituels alchimiques du Baron de Tschoudy, reedição das
Éditions Arma Artis, Paris, s.d.
No seu primeiro livro, Arte Poética (1963), livro reconhecidamente dedicado a Álvaro
Ribeiro, deparamos com o propósito duplo de elevar a poesia ao pensamento e de fazer
descer, da esfera raciocinante, a filosofia ao sensível. Se o pensamento actua pela palavra, a
palavra serve de veículo ao pensamento. Esta dupla intenção, servindo de esteio às três
partes do livro, é reconhecível à luz duma tradição anterior, que vai de Guerra Junqueiro a
Teixeira de Pascoaes, que se distingue pelo seu pensamento dramático e a sua seriedade
trágica.
A poesia, diz António Telmo, vive duma sobrecarga imaginativa fora do vulgar, que lhe
permite visionar os universos ínferos e recônditos, onde volitam as almas e os demónios,
seres invisíveis aos olhos do corpo, mas esse premeditado excesso de devaneio, esse jogo
exaltado da imaginação, esse esforço em direcção do invisível, só ganha utilidade e
significado a partir do momento em que não perde de vista as interrogações essenciais do
pensamento.
A poética de António Telmo raspa o verniz estético da poesia como entretenimento e deixa
de lado, para sempre, a crosta sociológica duma poesia entendida como indústria cultural.
O esforço de António Telmo põe assim a descoberto as intenções da poesia clássica, quer
através dos trágicos gregos, quer dos épicos latinos. O que aí encontramos, em estado puro,
é um gosto cósmico e abissal, um sentido da mobilidade do mundo e das suas formas, uma
dramatização relativizadora da verdade, que só adquire o seu alcance na ideia de
metamorfose interior transfiguradora.
Fica de lado, nesta poética, a concepção do poema como forma visível ostensiva, capaz de
receber qualquer conteúdo. Nada mais enganador que confundir a arte poética de António
Telmo com um manual métrico ou um tratado técnico de versificação. Não são as ideias de
ordem e organização que dominam a sua poética, mas antes o teor imaginativo e o impulso
criador, se por criação entendermos a substantivação na linguagem verbal do espírito
incriado. Só esta substantivação, em visões consecutivas ou em sucessivas emergências, é
digna do entusiasmo da poesia, mostrando assim que o poema não é uma questão de
revestimento formal, uma casca técnica, mas o miolo verbal duma revelação formal.
Esta poética propõe-nos, por isso, friamente, no seguimento das cosmogonias antigas,
descer ao encontro dos subterrâneos crípticos e escuros, onde se situam os mundos
invisíveis, ocultos pela opacidade da superfície linear e positiva, num propósito que parece
ter alguma correspondência com as intenções freudianas de indagação das dobras secretas
da alma ou com os intentos rimbaldianos do videntismo surrealista, mas que desvela,
outrossim, pela preocupação do regresso, uma filiação clássica dionisíaca, de sondagem das
ínferas camadas dos mortos ou das sombras, naquilo que são as catábases do mundo antigo
e dos seus mistérios.
***
O propósito do livro de estreia de António Telmo não foi depois esquecido. Alguns outros
trabalhos do autor vieram dar continuidade à sua intenção inicial de entrosar o sensível e o
pensamento, a expressão e o espírito, restituindo à arte em geral e à poesia em particular um
papel iniciático superior de aperfeiçoamento do ser.
Gramática Secreta da Língua Portuguesa (1981) abre com um texto, ŖPara um Organon da
Razão Poéticaŗ, onde deparamos com uma chamada de atenção para as formas de
imaginação artistícas destituídas de dimensão interior transmutativa.
O que se pretende é que a arte poética, ou se quisermos o exercício da metáfora, não decaia
num jogo gratuito de formas, votado à distracção ou ao aproveitamento do comércio. É
preciso, pelo contrário, que a imaginação artística sirva de veículo ao pensamento
filosófico, não confundindo a expressão com a técnica das formas. Expresão poética e
formas do verso podem não coincidir.
A realidade da metáfora deve ser tão viva que transforme e aprofunde a nossa percepção do
real fixo. É pela metáfora, quer dizer, pela observação atenta das coisas e das suas
qualidades que se dizem as essências. Só há pensamento, pelo menos pensamento activo,
através da palavra. A língua portuguesa pode ser refundada através de uma razão poética.
Há que arrancar a linguagem verbal ao estado letárgico da comunicação, restituindo-lhe
uma vitalidade criacionista. o real é, como diria Leonardo Coimbra, ideado, não cousado. A
criação poética é, pela metáfora verbal, a criação do real ideado. A poesia para António
Telmo é criacionista; cria a realidade de que fala.
A metáfora é, segundo Aristóteles, o Ŗtransportar para uma coisa o nome de outraŗ. Mudar
de nome é, assim, mudar de coisa. Depois duma metáfora certeira e inesperada, o ente
deixa de ser o mesmo. A metáfora é uma metamorfose aperfeiçoadora, capaz de melhorar o
real. As metáforas recriam os seres e aperfeiçoam o mundo, levando-o a mudar de plano ou
de grau. Dão-nos a ver o invisível; fazem-nos perceber o que antes ainda não tinha sido
percebido; revelam o que velado estava; passam do físico ao metafísico. São elas que fazem
da arte poética uma arte criadora. Só pela metáfora se descobre a metamorfose interior do
mundo e do ser. Eis a parcela de vidência que toda a verdadeira arte comporta e ainda os
limites de toda a arte naturalista ou figurativa que não saiba alçar-se à abstracção
transfiguradora da metáfora. A metáfora poética altera a natureza; desloca e alarga o seus
atributos; modifica as aparências com que vemos o real: cria a essência invisível do
particular, que é aquilo mesmo que constitui o objectivo do pensamento.
Telmo parece com isto dizer-nos que existe na linguagem verbal uma verdade superior à
vida, à vida dos sentidos. Foi ela permitiu a Leonardo Coimbra soletrar a consigna
magnífica do criacionismo, que foi o seu sistema de pensamento : ŖO homem não é uma
inutilidade num mundo feito, mas o obreiro dum mundo a fazer.ŗ Enquanto a vida material
nos foi dada numa determinação previsível, numa orientação estabelecida, a linguagem
verbal deixa o mundo em aberto, deslocando e alterando formas e eventos. Essa verdade
superior à vida, capaz de superar as determinantes, é a imaginação.
***
O trabalho de António Telmo foi, assim, uma vez mais, adequar a verdade transcendental
às formas presentes e locais da vida, procurando, porém, que estas não sufoquem a
harmonia excelsa do pensamento. Para além da tentativa de disciplinar a desordem da
imaginação, vê-se, em António Telmo, o esforço de adaptar a ordem da vida à aventura da
liberdade.
Telmo procura, como qualquer poeta, um equilíbrio de simetria complementar entre a razão
das formas e o excesso da imaginação, entre a tirania dos imperativos formais e a liberdade
da criação. Nenhuma toma verdadeiramente a dianteira; Orfeu zela por uma harmonia entre
os mistérios que se revelam a tremer na escuridão da noite e o senso apolíneo da beleza
estática e da forma diurna. A realização deste equilíbrio leva a que a prosa deste autor se
nos afigure uma supra-realidade, onde as noções de caos e ordem, de estabilidade e ruptura,
de sensível e inteligível, de poesia e filosofia se confundam ou, pelo menos, deixem cair o
seu sentido dicotómico mais vulgar. O movimento transfigurador do mundo não resulta do
transformismo da matéria, mas da visão interior do poeta. É ela que assegura a tendência
unificadora da metáfora e a contemplação luminosa da essência universalizante.
A imaginação volta a ser o agente formativo dum mundo desconhecido, retraído na esfera
do invisível, pela ilusão da repetição das formas estáticas, que constituem a vida aparente
dos sentidos mais imediatos. A metáfora é a expressão da acção criadora e libertadora desta
realidade invisível, que funde antinomias e aproxima distâncias. A catarse ou a libertação
das formas rígidas da realidade, arrancando a natureza ao cárcere onde o hábito a
aprisionou, é o resultado da metáfora, instrumento da imaginação e do pensamento poético
em geral. A metáfora desloca e traslada, mostrando, em sucessivas emergências, que as
imagens são as manifestações duma mesma essência universal.
Trata-se duma operação do espírito, um processo interior, que implica uma alteração da
percepção do mundo ou uma animação imaginativa dessa percepção, em que o espírito se
faz expressão verbal. A metáfora revela sempre dum imaterial, que é o ponto invisível onde
a pluralidade da dispersão material se reúne num universal ou, se quisermos, o ponto em
que a dispersão dos sentidos, sem colocar directamente em causa os seus elementos
sensíveis, encontra a sua unidade psíquica.
Deste modo, o trabalho do poeta parece ser iluminar tudo o que se tornou opaco, mercê da
cousificação da vida, libertando a matéria física da prisão das suas amarras e contemplando
o que doutro modo ficaria para sempre retraído no invisível. É por isso que Telmo, na
introdução ao livro de 1981, nos diz que a cor como manifestação física imediata ou
revestimento material dos corpos não é o produto da decomposição da luz, mas antes o
resultado da progressiva qualificação da sombra. A treva, ascendendo da terra, multiplica-
se, por uma influência involuntária da luz do céu, em cores físicas; as cores, por sua vez,
pela acção humana da visão poética ou metafórica, aperfeiçoam-se na sua essência central
que é a luz.
***
Se para ele, há, na linha de Leonardo Coimbra, uma verdade acima dos sentidos mais
imediatos, que justifica o pensamento, também para ele há algo de mais operativo que a
inteligência abstracta, o que, por sua vez, garante o interesse da efabulação poética.
A poesia, com as suas formas e géneros, o seu aspecto sensível e dramático, a máscara e a
expressão, é, pela dimensão material da sua carne, o lado de fora da inteligência, mas é
também, pela operatividade das suas criações superiores, o próprio universal dessa
inteligência.
***
O itinerário de António Telmo é o seguinte: começa por apresentar, na arte poética, uma
explicação dos seus propósitos, e acaba depois, na parte final, quando escreve O Bateleur e
os Contos, por abandonar qualquer tentativa de explicação, por mais inteligente ou
argumentativa que seja, tornando-se um poeta, que opta por escrever os seus poemas sob a
forma de contos.
Será a obra estritamente poética de António Telmo mais ou menos importante que a sua
obra de pensamento? Será a sua inteligência superior à sua imaginação? São vãs as
perguntas deste teor pois este autor teve desde o início a preocupação de se afastar quer do
intelectualismo rígido, quer da literatura como distracção ou divertimento. Os seus contos
não são, por isso, vazios de inteligência; as suas obras explicativas, como o livro de estreia
ou a Gramática, são, por sua vez, criações.
Não esqueçamos que se para ele há, na linha do criacionismo mental, uma verdade superior
aos sentidos, também para ele há uma verdade mais operativa que a inteligência abstracta.
Dito de outro modo: a mentira, que é a efabulação poética, pode afinal ser mais operativa,
no conhecimento da verdade, que a verdade, que é o conhecimento abstracto do impensado,
sem palavras.
Daí o estudo que Telmo fez sobre a Ilha do Amor de Os Lusíadas, no livro Desembarque
dos Maniqueus na Ilha de Camões (1982), constituir talvez o coração da sua obra, pois
nunca como aí a natureza foi tão bem entendida como imagem, imagem do Jardim, e os
sentidos, os sentidos imediatos e materiais, tão necessários ao voo da imaginação. Nesse
livro, que tanto é o de Camões como o de Telmo, podemos dizer que a linguagem verbal
não formaliza nem conceptualiza, mas, através de sucessivas imagens sensíveis, que se
prendem com o paladar, o olfacto, o tacto, a audição ou a visão, ela realiza, realiza a
realidade, que, no caso, é a Ilha pintada e imaginada ou o Paraíso.
A ALQUIMIA ESPIRITUAL DOS
ROSACRUZES
TRANSMUTAÇÃO MENTAL, TRANSMUTAÇÃO CORDIAL
E A THEMIS AUREA
ANTÓNIO DE MACEDO
Summary
Maier makes the firm statement that the Brothers of R.C. actually exist to advance
inspired Arts and Sciences, including Alchemy. He was a scholar very prized by Rudolph
II, Emperor and King of Hungary, and King of Bohemia, who was an amateur alchemist,
too.
Maier was also a practical chemist and associated with many researches in this field.
Emperor Rudolph II ennobled Maier with the title Pfalzgraf (Count Palatine), and
appointed him Private Secretary to His Royal Person.
Quando, pela Alquimia Espiritual, nos tornarmos como Cristo, o Senhor
da Vida, seremos imortais, libertar-nos-emos do nosso pai Samael e da
nossa mãe Eva e a morte não mais terá poder sobre nós.
Em 1614, 1615 e 1616 foram publicados na Alemanha, por esta ordem, três tratados
ou manifestos que desencadearam o movimento Rosacruciano ŕ ou o Iluminismo
Rosacruz, como também tem sido chamado: Fama Fraternitatis («Ecos da Fraternidade, ou
da Confraria»), Confessio Fraternitatis («Confissão da Fraternidade») e Chymische
Hochzeit Christiani Rosencreuz Anno 1459 («Núpcias Químicas de Christian Rosenkreuz
no ano de 1459»).
Sobre o primeiro destes autores atrás citados, Michael Maier, me irei deter um pouco
mais, chamando entretanto a atenção para a importância de certos precursores, como o
misterioso filósofo e alquimista isabelino John Dee, autor da não menos misteriosa Monas
Hieroglyphica (1564), que influenciou o conceituado filósofo hermético Heinrich
Khunrath, de Hamburgo, autor do Amphitheatrum Sapientiae Aeternae (1609), que por sua
vez terá influenciado, e não pouco, o primeiro manifesto rosacrucisno, a Fama
Fraternitatis. A filosofia alquímica está sempre presente em todos estes autores; com
efeito, o surto rosacruciano deu-se em plena florescência hermética do Renascimento e do
Barroco, portanto não é de surpreender o pendor alquímico das principais obras
rosacrucianas; ou melhor: uma das mais elevadas aspirações dos Irmãos da Rosacruz seria
o renovo da Arte alquímica, já então degradada pelos «assopradores», como claramente se
diz num dos parágrafos iniciais da Fama, em referência à «época feliz em que vivemos»
(início do século XVII): «Deus […] favoreceu o nascimento de espíritos altamente
esclarecidos que tiveram por missão restabelecer nos seus direitos a Arte, em parte
maculada e imperfeita».
O próprio Isaac Newton (1642-1727), um dos maiores génios da matemática, não foi
insensível ao fascínio da Alquimia, como é sabido; além de possuir exemplares dos mais
notórios tratados alquímicos, tanto do seu tempo como anteriores, que hoje fazem parte do
espólio existente na Biblioteca da Universidade de Yale, deu-se ao trabalho de fazer muitas
cópias manuscritas de obras alquimistas. Uma dessas obras, que ele possuía na sua
colecção, era precisamente a Themis Aurea de Michael Maier, à qual faz referências e tece
comentários numa das suas muitas notas manuscritas sobre a filosofia hermética,
conservadas na dita Biblioteca.
A principal obra alquímica de Maier é o famoso tratado Atalanta Fugiens, hoc est
Emblemata Nova de Secretis Naturae Chymica (1617), que é
É porém no livro Themis Aurea, hoc est de legibus Fraternitatis R. C., publicado em
Frankfurt, em latim, em 16181[3] ŕ apenas dois anos após a publicação das Núpcias
Químicas de Christian Rosenkreuz ŕ que Michael Maier investiga sobretudo as grandes
leis1[4] que regem a transmutação espiritual, enunciadas sob a forma de seis sinais de
adesão, ou «compromissos», a que se obrigavam as Irmãos da Rosacruz. «Antes de mais
nada ŕ observa Maier na Themis ŕ é mais do que razoável supor que qualquer sociedade,
para ser boa, deverá ser governada por leis boas […] Por outro lado, é importante que
alguma coisa se diga acerca do seu número, seis, que muito de perfeição contém em si»
(Cap. II). Com efeito, o número seis associa-se de imediato ao hexahemeron bíblico, os seis
dias da criação, o número mediador entre o Princípio e a sua Manifestação, além de
simbolizar, em quanto hexagrama, a misteriosa síntese do fogo [∆] e da água []. Estes
dois triângulos, entrecruzados, formam o conhecido signo ŕ ou selo ŕ de Salomão, uma
estrela de seis pontas que inclui, além do fogo e da água, o ar (triângulo do fogo ∆ truncado
pela base do triângulo da água), e a terra (triângulo da água truncado pela base do
triângulo do fogo). O todo é uma verdadeira suma do pensamento hermético, representando
o conjunto dos elementos do Universo.
Maier reproduz textualmente aquelas seis leis, tal como vêm listadas no primeiro
manifesto Rosacruz de 1614, a Fama Fraternitatis:
É interessante notar que a primeira, ou seja, a cura dos enfermos gratuitamente («De
graça recebestes, de graça dai» ŕ Mateus 10, 8) adquire tanto relevo no espírito de Maier,
que este lhe dedica nada menos de nove capítulos de comentários na Themis Aurea
(capítulos IV a XII), ao passo que as restantes merecem apenas um capítulo cada uma.
Com efeito,
Em suma, há-de ser dentro de nós próprios que teremos de descobrir, desbravar e
percorrer o Caminho da Salvação, e não apenas nesta ou naquela prática, neste ou naquele
ritual, neste ou naquele livro por muito sublime e englobante que seja, ainda que se trate do
livro dos livros, porque a letra só brilha para quem já preparou os olhos capazes de suportar
o brilho da Luz «que já existe e que é tão bela».
Como dizia Florentinus de Valentia: «O livro que contém todos os outros está em ti, e
em todos os homens».
António de Macedo
EGIPTO + LOGIA:
ENTRE TRADIÇÃO ESOTÉRICA E
INOVAÇÃO CIENTÍFICA
(texto resultante da comunicação homónima apresentada no I Colóquio
Internacional Discursos e Práticas Alquímicas, em Julho de 1999)
............Ao apresentar esta investigação pode parecer que se trata de uma temática
relativamente exterior e periférica à proposta por este Colóquio. Na realidade, trazemos
uma abordagem no campo da Teoria da História e das visões historiográficas de que
determinado objecto de estudo foi alvo ao longo dos tempos.
Assim, e tendo como base o título que apresentamos (Egipto + Logia), mostraremos
que num mesmo período de tempo, e num mesmo espaço cultural, coexistiram elementos
de racionalidades diferentes, várias Logias, que nos discursos do saber oficial encontramos
par a par.
As fontes que para este efeito decidimos tratar são os manuais escolares de História
Antiga. Os manuais escolares, pela sua natureza, não apresentam nenhuma das matrizes
tratadas. Mas é exactamente devido a esta característica que são as fontes preferenciais para
aceder ao referido saber oficial na medida em que, por um lado, são assumidos pelo sistema
educativo e autorizados e sancionados enquanto manuais Ŗoficialmente aprovadosŗ, e por
outro lado a sua eficácia comercial dependia inevitavelmente do poder consensual dos seus
conteúdos.
Mais, ao longo de todo o Pentateuco é cimentada uma oscilação entre dois pólos
completamente antagónicos, em que o Egipto ora é apresentado como a nação salvadora em
tempos de fome (veja-se, entre outras, a história de José: Ex. 37Ŕ501[3]), ora é apontado
como modelo de opressão e escravatura1[4], imagem usada ao longo de toda a Bíblia para
representar o mal. Assim, e para o mundo da Bíblia, o Egipto oscila drasticamente entre
representações do bem e representações do mal.
Em 1838 encontramos o primeiro livro que nos merece menção. É uma tradução do
francês, sem a indicação de autor ou tradutor1[8]. É um manual que circula em Portugal,
mas que é feito no país de Champollion, daí que veicule algumas claras incorporações
vindas do campo científico, nomeadamente a necessidade de apontar a falta de dados para
os tempos mais antigos da história do Egipto, e a impossibilidade de encontrara certezas
documentais.
Neste ponto, é importante ter em conta a afirmação, quase extremada, do autor, que
culmina uma clara postura de incerteza face a datações, e a falta de investigação1[9]: A
História do Egypto só começa a ser hum tanto positiva no anno de 670.
Ainda no campo dos conteúdos nada marcados pela egiptologia nascente, é de focar
a indicação de campanhas militares na Índia1[12] … claramente míticas, e a inevitabilidade
discursiva de tratar a questão da ciência egípcia, que passaremos, ao longo deste texto, a
referir como Ŗmito da ciência egípciaŗ. Ilustrando este último ponto, é importante a
explicitação deste mito essencial para a caracterização da imagem do Egipto na sociedade e
cultura de oitocentos:
Passando aos conteúdos tratados, e não esquecendo que este manual, ao contrário do
anterior, é redigido em Portugal, longe da França de Champollion, podemos afirmar que
eles são bastante ricos para a nossa análise.
Bibliograficamente é a Bossuet que o autor vais buscar os dados com que constrói o
seu texto, buscando mesmo nesse autor a justificação para a veracidade histórica dos livros
bíblicos1[26] - o que, pela negativa, nos mostra que o autor sentia a necessidade de buscar
numa autoridade bibliográfica o apoio para a sua posição: importante reflexo dos tempos.
Seis anos depois, em 1856, temos a obra de Joaquim Lopes Carreira de Melo:
Resumo de História Universal Profana.1[27] É exactamente aqui, no título, que esta obra
mostra um dos seus pontos de maior inovação: de manual de História Sagrada passamos a
manual de História Profana1[28].
Este livro é realmente marcante; Como veremos, nesta obra encontramos o maior do
desconforto na junção dos dois paradigmas relativos à visão do Egipto Antigo.
Da tradição, este livro transporta a grande divisão cronológica. São quinze épocas,
em que as primeiras três se nomeam por: Tempos obscuros; Tempos fabulosos; Tempos
históricos. Ao primeiro tempo faz corresponder a Assiria, o Egipto e a China, ao segundo o
dilúvio de Ogiges, os Argonautas, Tróia, entre outros, e ao terceiro os Persas de Ciro.
Como vimos, o Egipto está, significativamente, nos tempos obscuros, antes dos tempos
históricos.
Naturalmente, esta obra tem toda a sua cronologia assente no Dilúvio e nos
descendentes de Noé1[29]. Também encontramos, como natural e inevitável, o indicar do
mito da ciência egípcia Ŕ é um dos últimos pontos da caracterização tradicional a
desaparecer do discurso oficial. Mas o mais interessante do desconforto que ao autor esta
temática transmite é o facto de ele só escrever nove linhas sobre o Egipto !
Vejamos essas nove linhas, nada comprometedoras, escritas com todos os cuidados
possiveis:
Nestas pequenas nove linhas fazemos duas leituras, de natureza diversa, que
confluem para a mesma conclusão: o autor como que não sabe o que escrever sobre o
Egipto, tal é o desconforto da matéria: por um lado o texto está cheio de cuidados, desde os
relativos à cronologia, até à necessidade de recorrer, num texto pequeníssimo, a autoridades
clássicas; por outro, a própria forma do texto, além de pequeno, cheio de vocábulos prenhes
de desresponsabilização perante os conteúdos apontados como crê-se, dá-se, dizem, mostra
exactamente esse mesmo sentido de, em nada, arriscar uma só linha ou expressão sobre esta
matéria.
Em 1861, cinco anos após a marcante obra de Carreira de Melo, surge o texto de
Luiz Francisco Midosi, Resumo da História Antiga1[31].
Esta obra é como que a consolidação do desconforto dos dados vindos da tradição, e
o cimentar dos dados e posturas encontradas no campo do novo discurso científico,
nomeadamente, na nascente egiptologia.
Em primeiro lugar, o próprio título, tal como na obra de 1856, está cheio de
significado. Nesta obra, como que já não é necessário indicar, em título, se o livro é de
História Sagrada ou História Profana Ŕ ele é de História Antiga, simplesmente - tal como
é realmente simples tudo em ciência.1[32]
Mas, a postura científica deste autor vai mais longe. Mais que sentir-se na redacção
do texto a adopção dos novos dados, o autor especifica, de forma consciente, clara e
propositada, a problematização que os conteúdos estão a gerar. Assim, é fundamental o
parágrafo que transcrevemos:
A historia antiga sobe até á origem do mundo; porém, qual fosse esse
periodo, é parte em que discordam as noticias dos differentes povos, e as
opiniões dos filosofos1[33].
Esta postura metodológica, este cuidado em indicar a incerteza dos dados que se
manuseiam, indiciava já para o texto que viria a ser produzido cinco anos depois, como tese
apresentada à Universidade de Coimbra por Julio Augusto Henriques, Antiguidade do
Homem1[34].
Nesta tese encontramos como que a fase seguinte da afirmação das ideias e
conteúdos científicos: mais do que apontar as dificuldades, incertezas e indefenições, é
indicado o campo fundamental de críticas às novas, e inovadoras, ideias científicas: as
interpretações religiosas. Vejamos melhor:
Bem sabemos que ha contra estas ideias inimigos fortes: uns que,
levados pelo sentimento religioso, as regeitam porque lhes parece que
vão de encontro á Biblia […]1[35].
Voltando ao manual de 1861, verificamos que a genealogia dos monarcas continua a
ter a sua base nos filhos de Noé1[36], e mantém, apesar de todo o campo de inovação que
nesta obra encontramos, o mito da ciência egípcia.
Este trecho mostra como, mesmo nesta obra, o mito da ciência egípcia é, nos seus
dados mais simples, mantido. Como já afirmámos, é dos últimos elementos da visão
tradicional a ser posto em causa1[38].
Este autor corresponde a uma outra postura científica. Bastará relembrar a frase com
que abre o seu livro para o verificar:
Por fim, e rematando a análise com uma indicação que mostra como os dados da
tradição são impossíveis de alterar, encontramos nesta inovadora obra, devedora de outras
inovadoras obras que a antecederam, a continuação discursiva sobre o mito da ciência
egípcia. Foi aí que se inventou o arado, que se iniciou a fundição dos metais ... enfim tantos
dados a que a alquimia foi beber fundamentação.
*
* *
Neste sentido, as visões que do Egipto Antigo se tinham, em pleno século XIX,
sofreram grandes alterações, visíveis na imagem transmitida pelos manuais escolares.
Vimos que, para um mesmo objecto de hsitoriografia, podem surgir vários ritmos
ou velocidades de alteração dos seus conteúdos. O novo paradigma científico, a
egiptologia, recentemente criado e em fase de implantação, não se adapta todo ele da
mesma forma ao conjunto de saberes oficiais. Foi o que se passou com a ideia mítica da
invenção da ciência no Egipto, ainda vigente nos manuais escolares do fim de século XIX,
dezenas de anos após Champollion.
SÍMBOLOS GEOMÉTRICOS
E ALGÉBRICOS NA ARTE:
ALMADA E LIMA DE FREITAS
RAQUEL GONÇALVES
SUMMARY
Geometric shapes are probably the most common scientific source for artistic
inspiration. Since Ancient civilisations lines, angles, surfaces and solids (the shapes) are
used in fine arts as symbols and their symbolism has been enriched all over the centuries by
the particular style of each artist. More recently, especially after the arrival of cubism,
geometric shapes are also used as an economic way of expression, associated with light and
dark (white and black) and with the various colours coming from the decomposition of the
natural radiation.
Also Algebra, the branch of mathematics in which letters and symbols are used to
represent quantities (the number) plays an important role in theoretical and plastic arts
research and constitutes a major basis for artistic creation.
Some of the masterpieces of Almada Negreiros and Lima de Freitas are beautiful
examples of the fascination exerted by numerical symbols and geometric shapes in pictorial
Art. We will try to describe them in detail under a unifying and imagery rich look in such a
way as to obtain an accurate picture of the artist message.
Uma simples oval repousa sobre uma linha de ombros descaídos. O ponto de
contacto entre a oval e o arco de círculo parece sugerir que a “cabeça” está prestes
a cair a qualquer momento. O contorno simples transmite através dum único gesto
toda a ansiedade por detrás das sobrancelhas franzidas. Com uma notável economia
de meios, Klee transmite na mesma imagem uma profunda insegurança perante os
acontecimentos e uma determinação de, apesar de tudo, vencer.
Três são os elementos da Obra alquímica: o enxofre, o mercúrio e o sal. Três são as
fases da Obra alquímica: a Ŗobra ao negroŗ (o solve ou nigredo), destruturação e separação,
a Ŗobra ao brancoŗ (o albedo), purificação e sublimação e, finalmente, a Ŗobra ao rubroŗ (o
rubedo), a coagulação que desembocará na Pedra Filosofal. Cinco é o sinal da união, do
princípio celeste (3), masculino, e do princípio terrestre (2), feminino. Cinco é o algarismo
da quinta-essência ou éter ou Pedra Filosofal, brilhante, fomentadora de sóis e de estrelas,
alma do mundo uno e múltiplo. Quatro é o símbolo do quadrado e da cruz. Quatro são os
elementos da teoria dos quatros elementos (Ar, Fogo, Água e Terra), aristotélica e
alquímica, da teoria dos quatro humores vitais (mucosidade, atrabílis ou cólera negra,
sangue vermelho e bílis), da teoria dos quatro temperamentos (linfático, sanguíneo, nervoso
e bilioso) ou, ainda, da teoria das quatro portas (Sheriat, Tarikatt, Ariff e Hakikat) que se
abrem a certos iniciados que enveredam pela via mística. E, sobrepondo-se a todos os
outros, o oito, o número revelador do equilíbrio cósmico, infinito Ŗdeitadoŗ da bem-
aventurança da matemática simbólica.
Tudo é disposto de acordo com o Número Ŕ disse Pitágoras (citado pelo filósofo
grego Jâmblico); Os números são os invólucros visíveis dos seres Ŕ disse São Martinho.
O exemplo mais conhecido é, sem dúvida, o do pintor espanhol Joan Miró (1892-
1983). Em «O Ouro do Azul», de 1967, como em várias outras obras do autor, a esfera azul
é eventualmente um pássaro, cuja linha de voo atravessa o quadro na horizontal; uma
mulher grávida - dois círculos negros de diferentes raios, um segmento de recta e uma
pequena curva - observa a cena; a curva negra, pronunciada, representa metaforicamente
um abraço envolvente; e, por fim, a série de estrelas, tão característica em Miró, é
conseguida com intersecções de simples segmentos de recta.
Mas o pássaro azul é a ave da felicidade, voa para o outro lado do espelho. É uma
ave de sonho que desperta no homem.
No canto superior esquerdo encontra-se uma pequena vila junto ao mar, Terra e
Água, e o céu (o Ar) resplandece em consequência de um majestoso arco-íris e de um
enorme Fogo, sob a forma de um cometa; e vasos alquímicos discretamente colocados por
detrás do poliedro…
No canto superior direito, Dürer introduziu o quadrado mágico de Júpiter. Um
quadrado mágico é um arranjo de números inteiros, em linhas e em colunas, de tal maneira
que os números em cada linha, em cada coluna e em diagonal têm sempre igual soma, a
chamada soma mágica.
Por exemplo:
- na 1ª linha: 16 + 3 + 2 + 13 = 34
- na 2ª coluna: 3 + 10 + 6 + 15 = 34
- e na diagonal: 16 + 10 + 7 + 1 = 34
O quadrado de Dürer tem ainda a particularidade de, por via simbólica, através do
apontar da asa do anjo, indicar a data em que a gravura foi executada: 1514, o conjunto dos
quatro algarismos centrais da última linha!
O traçado geométrico deste ponto simbólico vai encontrar a sua plenitude em Lima
de Freitas.
Lima de Freitas, no seu percurso pré-iniciático, estabeleceu contacto com Almada
Negreiros. Também em discurso directo:
(...) foram horas de conversa mas só ele (Almada) falou, com aqueles seus
olhos enormes, que pareciam dois holofotes trespassando-me.
Os temas principais que uniram estes Mestres foram o número e o seu significado
e a geometria (sagrada) e o seu significado. Pitagóricos, que ambos o eram ou se tornaram
na conquista da tranquilidade, usaram a cor, o traço, o desenho e a pintura - a literatura,
também - e a linha, o ângulo, a superfície e o sólido; e o alfabeto precioso da numerologia.
Na parte central da obra um anjo sustém uma presumível data: 1515. O estilo da
obra, todavia, não acorda com esta data, antes com uma época mais tardia, entre 1530 e
1540. Como se mostra na ampliação de uma parte da tela - Figura 8, o primeiro algarismo é
diferente dos outros, provavelmente apócrifo. Sendo assim, Ŗesconderáŗ, segundo Lima de
Freitas, o 515.
O 515 tem uma história antiga ligada a Dante e à «Divina Comédia» onde surge,
inexplicavelmente, no último canto do Purgatório, quando Beatriz profetiza a vinda do
Messias de Deus (o cinquecento diece cinque) para restabelecer o reino da justiça.
O 515 foi número de fixação de Lima de Freitas que a ele dedicou um livro e
muitas telas, uma das quais, «O Achado do 515», apresenta estreita simbiose com o
poliedro da «Melancolia» de Albrecht Dürer.
BIBLIOGRAFIA
- AMORIM DA COSTA, A. M., Alquimia, Um discurso religioso, Vega, 1999.
- ANES, J. M., Re-Criações Herméticas, Hugin, Lisboa, 1996.
- CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A., Dicionário dos Símbolos, Teorema, Lisboa,
1994.
- DURAND, G., Mitolvsismos de Lima de Freitas, Perspectivas & Realidades, Lisboa,
1987.
- LIMA DE FREITAS, 515, Le Lieu du miroir, Albin Michel, Paris, 1993.
- NAUBERT-RISER, C., Klee, Estampa/Círculo de Leitores, Lisboa, 1994.
- Almada Negreiros. Um percurso possível, coord. Cabral, G.S. e Lopes, F., Imprensa
Nacional Ŕ Casa da Moeda, Lisboa, 1993.
- Dicionário Cultural da Mitologia Greco-Romana, dir. R. Martin, Dom Quixote, Lisboa,
1995.
- Lima de Freitas. 50 anos de pintura, Hugin, Lisboa, 1998.
- Mitos e Figuras Lendárias de Lisboa, texto Lima de Freitas, Hugin, Lisboa, 1997.
NOTAS
(1) Almada Negreiros faleceu em 1970, sem ter explorado o seu traçado na sua total
profundidade.
Obra ao Branco
Fernando Botto Semedo
PILAR PEREIRA
.......RÉSUMÉ
Le noyau initial du fond bibliographique de lřÉcole Polytechnique de Lisbonne, en
dépôt dans le Musée de Science de lřUniversité de Lisbonne, a été constitué par la création
de la Maison du Noviciado, dans lřendroit de la Cotovia.
Après avoir appartenu à diverses institutions et souffert des vicissitudes néfastes,
existent encore environ 1 800 livres entre Incunables et Livre Ancien.
De cet amas on a fait un petit échantillon des oeuvres ayant quelque liaison aux
pratiques alchimiques, avec la présentation de gravures et de leurs interprétations.
INTRODUÇÃO
As origens da Química poderão, talvez, remontar à conquista e salvaguarda do fogo
pelo Homem, que desde os tempos mais recuados a aplicava, ignorando-lhe a existência.
Apesar do nome de Química ter aparecido relativamente tarde, esta Ŗciênciaŗ começou nas
oficinas do forjador, do oleiro, do vidraceiro, do ourives, do pintor, do tintureiro, etc.
A Química conheceu durante a sua evolução histórica diversos períodos de
conteúdos científicos muito diferentes. Assim temos um período pré-histórico (dos tempos
pré-históricos até certa do ano 1500 antes de Cristo), um período alquímico (do ano 1500 a.
C. até cerca do ano 1650 da nossa era), um período iatroquímico (de 1500 a 1700), um
período flogístico ( de 1650 a 1750), um período quantitativo-pneumático (de 1750 a 1900)
e um período quântico-mecânico-estatístico (de 1900 até aos nossos dias). São obvias as
sobreposições históricas destes períodos não estanques, pois qualquer mudança demora
sempre vários anos a implementar-se definitivamente. A ciência química, como hoje nos é
apresentada, começa verdadeiramente no séc. XVII, diferenciada da alquimia.
Antes de iniciarmos propriamente o tema que nos propusemos tratar, passamos de
imediato a expor as ideias mais elementares da Alquimia. Assim começamos por perguntar
qual será o seu país de origem? As opiniões dividem-se entre o Egipto e a China.
Desde a mais alta Antiguidade que os chineses fabricavam cerâmicas e metais e
conheciam a pólvora para canhão ; preparavam remédios a partir de produtos e fabricavam
objectos por processos de simples rotina : sal-gema, índigo, açucares, mel, agulhas, carvão
vegetal, enxofre, arsénio, óleos, armas, ...
Os egípcios sabiam extrair o ouro e a prata, um certo número de outros metais e
preparavam pomadas, unguentos, emplastros, pílulas, vermífugos, etc..
Mais perto de nós, os gregos e os romanos exploravam minas de ouro, cobre e
ferro, fabricavam cerâmica, vidros e possuíam uma indústria e um artesanato bastante
consideráveis.
Abordemos agora a etimologia da palavra alquimia.
Como o artigo AL o indica, é árabe (al-kimya) ; a origem do vocábulo Kimya,
segundo algumas hipóteses, viria do egipcio Kemeia (negro), que pode ter dois sentidos:
a) A Ŗterra negraŗ
b) Negro, que era a matéria original da transmutação, isto é, a arte de tratar o
Ŗmetal negroŗ para daí extrair os metais preciosos.
Para outros, a palavra química poderia vir do grego Khymeia Ŗfusãoŗ, isto é, a arte
de fundir o ouro e a prata.
Segundo Plutarco a Alquimia seria a ciência do Egipto, por excelência. Graças à
Escola de Alexandria e à contribuição dos árabes, a Alquimia prosperou e encontrou um
novo sopro durante toda a Idade Média (sécs. VI-XVI).
O centro das preocupações dos alquimistas era a descoberta da PEDRA
FILOSOFAL.
Ela devia permitir fabricar ouro a partir de metais comuns; para uns, esta famosa
pedra poderia ser, tanto sulfurio de mercúrio natural de um belo encarnado vermelhão
como enxofre; outros reconheciam-na no cádmio, que amarelecia o cobre ou branqueava o
arsénio; para alguns iluminados era uma coisa sobrenatural, que não podia ser agarrada
senão em condições excepcionais. Para todos era uma substância que devia transmutar os
metais em ouro e procurar a riqueza. Esta Pedra no estado líquido chamava-se elixir
filosofal ou panaceia universal; ela devia transmitir longa vida, juventude e saúde e, porque
não, conferir a imortalidade!.
A censura que se pode fazer à alquimia é a de ter sido uma prática secreta,
hermética, com ligações à magia e sobretudo de ter ignorado o método científico e o
sentido crítico.
O hermetismo desta prática deixa supor que se conheciam muitas coisas, que se
dissimulavam e que são consideradas, nos nossos dias, como de origem moderna.Um
exemplo é o chamado Ŗbanho-mariaŗ, que permite aquecer uma substância sobre um
recipiente com água que ferve à temperatura máxima de 100º; e da alquimia árabe provém
o alambique, tão útil para as destilações. Não podemos esquecer que este período foi
marcado pela intolerância dogmática e que a alquimia como ciência oculta e secreta era
circunscrita a poucos adeptos, os quais estavam sujeitos a penas muito severas caso fossem
comprovadas as suas práticas de feitiçaria, magia ou contacto com o Demónio.
..Não podemos neste curto intervalo de tempo alongar-nos . Fizemos aqui uma
breve introdução com os traços essenciais do que foi a Alquimia. Apresentamos agora o
plano que vamos seguir:
Na 1ª parte apresentaremos as fontes bibliográficas antigas mais relevantes e
utilizadas pelos alquimistas.
Uma 2ª parte, cronológica, será consagrada aos alquimistas mais célebres durante a
Idade Média.
Finalmente apresentamos a introdução da alquimia na Europa, incluindo Portugal
com a apresentação das obras que versam a alquimia e que fazem parte do Fundo
Bibliográfico da Escola Politécnica.
Avicena foi o nome latino do famoso doutor persa, nascido perto de Buhkara em
980. Alcunhado pelo Príncipe dos Físicos, foi um dos mais notáveis homens do seu tempo,
cujo génio e conhecimentos abrangiam um extraordinário alcance. Segundo ele, a
Volatização do Estável e a Estabilização do Volátil, constituem a essência de toda a Obra.
Morienus de Roma foi um eremita cristão do séc. VII; é famoso na erudição
alquimista como professor do príncipe Khalid ibn Yazid ibn Muřawijah (673-705. As
dificuldades do investigador não preparado são comparadas, por Morienus como um
homem a ser apunhalado pela desarrumação do seu próprio pensamento, ou como um
homem tentando ascender a uma torre sem uma escada : inevitavelmente cai. Morienus
aponta para a necessidade de lembrar que a terra partilhada com a Terra Filosófica formam
um único símbolo espagírico.
Roger Bacon nasceu em Ilchester, em Somerset, em 1214. Parece ter sido membro de uma
abastada família, arruinada nas lutas entre Henrique III e os seus subditos. Foi então
convencido a entrar na Ordem Franciscana, o que se efectivou em 1247. De 1234 a 1250
estudou e foi leitor em Paris, sob a orientação de Petrus Peregrinus, autor do primeiro
tratado sobre o magnete.
Dedicou-se ao estudo das ciências, alquimia, astronomia e matemática.
Coleccionou livros proibidos em várias línguas e conduziu muitas experiências. Roger
Bacon teve uma acuidade extraordinária, por meio da qual lhe foi fácil rejeitar muitas das
especulações absurdas dos alquimistas, enquanto retém o que na prática é essencial. Viveu,
por muitos anos em Oxford, onde morreu, em 1292.
Ramón Lull, conhecido como Doutor Iluminado, nasceu em Palma de Maiorca
cerca de 1235.
Depois de uma mocidade desregrada, voltou à religião e depressa se convenceu que
a sua missão seria a conversão do muçulmano ao cristianismo.
Demorou nove anos a preparar-se, estudando filosofia, teologia e árabe e entrou na
Ordem Franciscana. Fundou a Escola de Estudos Árabes e escreveu muitos tratados. De
acordo com a tradição alquimista, conquistou o segredo da Arte Hermética de Arnold de
Villa Nova, de quem alegadamente se tornou discípulo. Contudo a sua obsessão pela
missão levou-o por três vezes a Tunes ; duas vezes foi preso e a terceira foi apedrejado.
Recolhido por um mercador genovês, foi levado para o seu barco, mas morreu antes de
chegar a Palma, em 1315.
...........A ALQUIMIA NA EUROPA
Durante muito tempo pensou-se que os europeus conheceram a ciência árabe
graças às cruzadas. Isto só é verdade em parte porque, desde o séc. IX (dois séculos antes
da 1ª cruzada) os sábios ocidentais mantinham relações e conhecimento dos trabalhos dos
seus colegas da Academia de Córdova. Esta universidade possuía uma das mais vastas
bibliotecas do mundo, com mais de 250 000 volumes. Infelizmente, depois da conquista de
Granada, a maior parte destes livros foram queimados pelo fanático inquisidor Ximenes.
Nesta época a Europa ainda estava mergulhada numa ignorância muitas vezes
partilhada entre os monarcas e os seus súbditos. O conhecimento era propriedade do clero,
que também era depositário da religião, das ciências e das letras; daí a existência dos
conflitos entre os poderes temporal e espiritual.
No séc. XII a alquimia desenvolveu-se em França, Alemanha, Inglaterra,
transitando para Espanha e Itália.
Não nos podemos esquecer que, uma parte dos conhecimentos da Antiguidade, foi
transmitida directamente graças aos monges eruditos que, nos conventos recopiavam os
textos clássicos. É a obra do monge Théophilo (séc. X) ŖSchedula diversarum artiumŗ Ŕ O
livro das diferentes artes Ŕ uma das mais preciosas da Idade Média, que passa por ser o
escrito mais antigo do Ocidente cristão contendo uma receita alquímica.
A idade de ouro da alquimia ocidental situa-se nos sécs. XIII e XIV. O séc. XVI é
o período onde começa a transição entre a alquimia e a química, com um rodopio da
alquimia a insinuar-se timidamente nas vias da química. A oposição da razão à autoridade
tradicional, a da experiência à especulação já antes se tinham manifestado, mas nunca se
chegaram a impor como neste século.
A alquimia sofre a influência da revolução que se opera na ordem intelectual
(literária, artística, científica) na Europa Ocidental. Do ponto de vista político, o séc. XVI é
o século das guerras da religião, consequência directa da evolução das ideias e da sua
exploração pelos governantes. O direito do livre exame e a liberdade de consciência
abriram um campo ilimitado à razão e à experiência.
A Idade Média terminou, uma nova era começa, a era do Renascimento.
Durante muito tempo, a química não teve cultores, em Portugal.
Até ao séc. XVIII a história da ciência química não conta com nenhum nome
português. No entanto, Portugal foi, certamente, país desejado e visitado por alguns
alquimistas ambulantes estrangeiros que por cá se terão demorado, deixando atrás de si
alguns discípulos, depositários dos seus ensinamentos, de cujas práticas se podem encontrar
vestígios.
Com a lenta ocultação da arte alquímica, o seu desenvolvimento foi, durante longos
anos, tarefa meritória de grande número de médicos-químicos.
É neste contexto das práticas químicas que alguns nomes de portugueses ilustres
não podem ser esquecidos, pois por mérito próprio ombreiam com os seus mais distintos
colegas da Europa de então. A título de exemplo citaremos Garcia de Orta, Amato
Lusitano, Ribeiro Sanches, etc. todos eles médicos, assim como André Avelar, mestre em
Artes e lente de matemática.
Passemos agora ao fundo bibliográfico da Escola Politécnica.
Para melhor nos situarmos, vou expor sucintamente a sua formação. O seu primeiro
núcleo foi pertença da Livraria da Casa do Noviciado, no sítio da Cotovia, criado pela
Companhia de Jesus em 1603. Quando a Companhia de Jesus foi extinta e expulsa de
Portugal foi dado destino diverso aos seus domínios e bens. Assim nasceu o Colégio de
Nobres, em 1761, no sítio da Cotovia, com os haveres que lhe haviam pertencido, logo a
Livraria. Quando o Colégio de Nobres foi extinto, em 1837, sucedeu-lhe a Escola
Politécnica, ficando instalada no mesmo edifício e fazendo parte do espólio recebido, entre
outros pertences, uma Biblioteca, cujo fundo, tudo leva e crer, que fosse o da antiga
Livraria.
Esta Livraria passou por várias vicissitudes nefastas:
¨ as suas obras fizeram parte do ŖDepósito Geral das Livrarias dos Conventos
Extintosŗ, que em 1841 foram incorporadas na Biblioteca Nacional;
¨ durante o governo de D. Miguel foi, por este rei ordenada a transferência dos
livros que ainda restavam no Colégio de Nobres, para a Livraria da Ajuda;
¨ além dos eventuais e pontuais desaparecimentos.
Como Ŗherdeiraŗ directa deste espólio é a Faculdade de Ciências, altura em que
este fundo foi enriquecido com algumas aquisições que eventualmente apareceram em
alfarrabistas e antiquários. Esta situação manteve-se até à data da transferência desta para a
Cidade Universitária e todo o espólio bibliográfico até 1939, com algumas omissões, ficou
depositado no Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, em 1997.
Para vosso conhecimento diremos que o catálogo bibliográfico do Livro Antigo
mais recuado refere 10 400 obras, enquanto o número agora encontrado ronda o milhar.
Será difícil concretizar o número exacto de monografias pois, é sempre possível aparecer
mais uma obra numa colecção factícia ou não, ou até mesmo haver um ou outro exemplar
Ŗfugidosŗ ao levantamento.
Neste trabalho referimo-nos apenas a obras incluídas no Livro Antigo até ao séc.
XVII e que, por sua vez, estejam, de algum modo, ligadas com as práticas alquímicas.
Não podemos deixar de referir autores como Garcia de Orta, nascido cerca de
1499. Estudou e doutorou-se em Filosofia e Medicina, em Salamanca. Regressado a
Portugal, em 1523, só em 1530 conseguiu entrar no corpo docente universitário como
regente da cadeira de Filosofia Natural. Embarcou para a Índia em 1533, fixando-se em
Goa e publicando aí, em 1563 os ŖColóquios dos Simples e das Drogas...ŗ. A versão que
enriquece este fundo é a tradução em latim dos Colóquios, por Carolus Clusius, publicado
em Antuerpia, em 1574, com o título ŖAromatum et simpliciaorum ... medicamentorum...ŗ.
Esta obra trata dos produtos naturais da Índia, de coisas medicinais desta, dissertando sobre
algumas coisas tocantes à medicina prática.
Mais uma obra importante, do nosso ponto de vista, é a ŖPyrosophiaŗ, escrita por
Johann Conrad Barchusen. Barchusen, médico alemão nascido em 1666, dedicou-se
especialmente ao estudo da farmácia e química; foi professor na Universidade de Utrecht.
A química é-lhe devedora de várias experiências inovadoras; por exemplo, foi ele que
descobriu o ácido succínico. A sua obra é um manual sistemático e formal, que trata os
princípios da química tanto teóricos como práticos e tenta aplicar as suas demonstrações à
filosofia natural, medicina, metalurgia e alquimia.
A parte principal da obra descreve a iatroquímica preparadora do tipo
convencional, mas o programa do seu curso de laboratório de 1695 a 1697 incluí , como
apêndice ao volume, demonstrações de um aumento tendencial para afirmar a química
como a análise e síntese dos corpos pelo fogo, relegando a iatroquímica preparadora para a
segunda parte do programa. Todo o curso contém secções dedicadas à análise e à alquimia.
..........E assim chegamos à obra monumental sobre a alquimia, dentro deste fundo
bibliográfico: o Museum Hermeticum foi impresso pela 1ª vez em Frankfurt, em 1625.
Ensinou, conscienciosamente, todos os estudantes das Artes Filosófica e
Espagírica, recorrendo à suprema verdade da Medicina, pela qual todos os pensamentos
imperfeitos, de algum modo, podem ser renovados, encontrados e dominados. Continha os
nove mais importantes tratados químicos. As edições seguintes, como é o caso da presente,
foram acrescentadas de doze tratados.
A excelente qualidade da gravação do frontespício por Matthäus Merian é comum
às edições de 1625 e 1678.
O medalhão central, em baixo, mostra a Natureza suportando o símbolo da perfeição
alquímica e os frutos da Abundância ; alquimistas seguem-lhe os passos, iluminando o
escuro caminho do conhecimento com uma pequena lanterna.
O Athanor (o forno filosófico) prova, pela sua tripla estrutura assente num simples arco,
que a Obra é só uma, dividida em três partes. No cimo do telhado agita-se, ao vento, a
bandeira da vitória final.
BIBLIOGRAFIA
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Georges Steinheil, 1885.
CENTENO, Y. K. Ŕ A simbologia alquímica no canto da serpente verde de Goethe.
Lisboa, UNL-Ciências Humanas e Sociais, 1976. (Série Investigação).
COSTA, A. M. Amorim da Ŕ Primórdios da ciência química em Portugal. Lisboa,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesas (ICALP), 1984. (Biblioteca Breve, 92).
DUMAS, Jean Baptiste André Ŕ Leçons sur la philosophie chimique. Paris,
Gauthier-Villars, 1878. 2ème ed.
GILLISPIE, Charles Coulson-ed. Ŕ Dictionary of scientific biography. New York,
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KLOSSOWSKI DE ROLA, Stanislas Ŕ The Golden game : alchemical engravings
of the seventeenth century. London, Thames and Hudson, 1988.
LAROUSSE, Pierre Ŕ Grand dictionnaire universel du XIX siècle. Paris,
Administration du Grand Dictionnaire Universel, 1866-1870.
MASINI, Giancarlo Ŕ A química. Lisboa, Circulo de Leitores, 1977. (História
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RASHED, Roshdi-dir, Morelon, Régis-col. Ŕ Histoire des sciences arabes:
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SILVA, A.J. Ferreira da Ŕ Les chimistes portugais et la chimie scientifique en
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WOJTKOWIAK, Bruno Ŕ Histoire de la chimie: de lřalchimie à la chimie
moderne. Paris, Technique et Documentation-Lavoisier, 1988. 2ème ed.
PEDRA DE COBRE
MARTINHO DE MELLO E CASTRO
E AS RIQUEZAS NATURAIS
Sommaire
Une pierre de cuivre de plus dřune tonne de poids, conservée au Muséum dřHistoire
Naturelle de Lisbonne, fait lřobjet dřun récit collectif de la science maçonnique dont le
langage est celui des oiseaux. Lřinscription sur le cuivre porte la date de mort du Marquis
de Pombal (1782) et donne Cachoeira, Bahia (Brésil) comme lieu de sa provenance.
Toutefois, les rapports se contredisent. Spix & Martius, par exemple, en déclarant ne pas
connaître de formation télurique capable de produire une telle masse, la considèrent
extraterrestre. Les mesures, le poids et le nom dřun juge qui a émis un mandat de sequestre
de la pierre changent aussi. Le changement de noms nous mène en prison, aussi bien que
lřouverture dřun des mémoires de Domingos Vandelli sur la pierre: il nous raconte que dans
la ferme de Pina Manique, Intendant Général de la Police, les plantes de Cannabis sativa
(elles servent à fabriquer des cordes) atteignaient une longueur extraordinaire. Cřest une
époque de persécution des maçons et dřagitation au Brésil. Plusieurs révolutions, les
Inconfidences, se produisent. Les philosophes naturels mêlés à lřaffaire du cuivre étaient
mêlés aussi aux Inconfidences: ils étaient presque tous nés au Brésil et voulaient délivrer la
colonie de lřoppression économique exercée par la Couronne.
On a transcrit des documents inédits sur la découverte de la pierre. Tout cela est
important dans la mesure où parler de mines de cuivre nřest quřun code employé par de très
hauts personnages au règne de D. Maria I, y inclus le ministre Martinho de Mello e Castro,
pour mener à sa fin une affaire politique secrète. Il fallait convaincre les rois du besoin de
laisser partir des philosophes naturels au Brésil pour découvrir des richesses naturelles
telles que la mine dřoù était sortie la magnifique pierre. En effet ils partirent tous lřannée
suivante, mais personne nřa jamais découvert cette mine. Impassible, le ministre continuera
à placer des gens dans des postes importants pour quřils la découvrent. Les plus
importantes pierres que nous rencontrons dans cette affaire ce sont celles que le ministre a
placées en des postes-clef: les philosophales, cřest-à-dire, les naturalistes qui par la suite
ont assuré lřindépendance du Brésil.
Porque é que se debate esta peça de museu num colóquio de alquimia? Primeiro,
porque é alquímica. Segundo, porque a sua história pertence à História da Ciência
Maçónica.
Distingamos duas entidades: a referida pedra e o bloco referente. Acerca deste,
conservado no Museu Nacional de História Natural, ignoro quase tudo, pois o acesso ao seu
conhecimento foi bloqueado, a começar pelo modo de exposição: semi-enterrado no
pedestal. Este processo não permite verificar informações que acerca dele a ciência tem
prestado: peso e medidas. Não sendo possível testá-lo, direi apenas que, pelo menos
provisoriamente, é um objecto metafísico.
Alquímica é a referida pedra, isto é, a personagem com que nos regalam as quatro
dezenas de depoimentos que recolhi na bibliografia, e que podem ser lidos como um
romance, na parte de manuscritos e catálogo. É alquímica por se transmutar como o dodó,
as ilhas e as lagartixas das Baleares. Por exemplo, os textos divergem quanto à sua
proveniência, peso e medidas. Vou ignorar Nazaré, Santiago do Iguape, etc., para reduzir a
só duas as origens: a terrestre e a extraterrestre. De facto, Spix & Martius, não conhecendo
nenhuma formação telúrica susceptível de originar tal massa cuprífera, exprimem a opinião
de que se tratava de um meteorito.
O referente, fosse ele alquímico além de metafísico, não podia estar sujeito a mais de
dois pesos e medidas, como acontece com a referida pedra. Vandelli atribui-lhe os
seguintes pesos nas suas diversas memórias: 2666 arráteis, como informa a inscrição latina,
e isto corresponde a mais de uma tonelada; 1666, emendados para 2666; 2616 e 2619. Para
não se enganarem, Spix & Martius dão dois pesos no mesmo texto Ŕ 2666 e 1666 -,
considerando assim 1666 um número certo, apesar de ter sido corrigido. Sendo de mil a
diferença entre 2666 e 1666, parece muito significativa. Porém, o que está carregado de
significado é o que nos dois pesos é comum, o 666, e este, sim, é o verdadeiro peso da
referida pedra na balança da simbologia. Como se nota, o registo maçónico no discurso da
ciência é discreto mas não secreto. Isto é fundamental que todos saibamos, pois quer dizer
que não se trata de código só para iniciados. Não sendo só para iniciados, mas mantendo
certa reserva, então é preciso concluir que ele selecciona leitores, mas não é a nós que
exclui.
O discurso das gralhas, Langue des Oiseaux, como explicou Richard Khaitzine, deseja
cumprir o seu destino como informação. Grito de desespero, ele estrebucha entre comédia e
tragédia para a paródia ser detectada, mas não pode ser mais claro porque pesa sobre ele
uma ameaça. Ora as duas entidades de quem a maçonaria tem tido necessidade de se
ocultar, ao longo dos tempos, são a Inquisição e a Polícia.
Segundo número significativo na inscrição é a data: 1782, ano da morte do Marquês
de Pombal. Se a maçonaria gozara de liberdade de movimentos durante o seu ministério, e
se paralelamente a nobreza foi encarcerada, com a viradeira, a nobreza sai dos calabouços,
para os ceder à maçonaria. Quanto a palavras, fiquemos só com a notícia acerca do
cânhamo, a abrir a apresentação de Vandelli da pedra de cobre na Academia das Ciências.
Na quinta de Pina Manique, estas plantas atingiam extraordinário comprimento, ninguém
diz qual, nem é preciso, sabendo nós que eram tão compridas como o braço do Intendente
Geral da Polícia, e que por isso chegavam do Samouco à Cachoeira, na Bahia. Nesses
tempos, o cânhamo que interessava ao naturalismo era a Cannabis sativa, não a indica.
Com a sativa fabricam-se cordas, e as cordas servem para prender, o que é atributo da
Polícia.
Os ŖInstrumentos em pública forma dos termos de declaração e sequestro de uma
pedra de cobre de 30 arrobas, achada em Nazaréŗ, dão conta de vários factos incríveis,
como a instantânea rapidez da Justiça, na pessoa do juiz de fora, Marcelino da Silva
Pereira: a pedra foi achada no dia 19 de Fevereiro de 1782 em terras do capitão Gonçalves;
o achamento foi declarado à Justiça no dia 20 pelo alferes Trindade; de 19 para 20, os bois
do capitão Gonçalves arrancaram a pedra do ribeiro de achamento, em Santiago do Iguape,
e levaram-na para outro lado; no mesmo dia 20 descobre-se o furto, este é participado à
Justiça, e Marcelino da Silva Pereira emite mandado de sequestro da pedra e ordem de
prisão ao capitão Gonçalves, para averiguações, caso o cobre não estivesse em sua casa;
ainda no dia 20, o alferes Trindade descobre-o em casa do capitão Gonçalves, e neste
mesmo dia a Justiça sequestra a pedra e institui o ladrão em seu fiel depositário, até lha
reclamar.
Entretanto, de 19 para 20, a pedra muta de número, proveniência, peso e medidas.
Mais importante, porém, é reparar que a sua história se articula sobre estes eixos de sentido:
é um objecto sob o signo de Pombal e de ameaça por parte de Pina Manique, objecto que
logo no achamento fica entre Exército e Justiça, e que acusa a Justiça de dois pesos e duas
medidas, ou mesmo mais.
O que também relaciona a pedra com os problemas do Brasil é o uso que se tem feito
da inscrição. Nunca a vi traduzida, mas tem sido muito copiada, e quase sempre na língua
das gralhas. Há quem crocite mais de doze ao transcrevê-la, e com isto a pedra até muda de
século e os reis passam a ser outros (Spix & Martius ou Eschwege). Mais significado tem
no entanto a transcrição de Bettencourt Ferreira, apesar de só albergar três gralhas. Mas as
últimas são mais estridentes que o grito do Ipiranga: em vez de copiar o que daria
ŖPrefeitura da Bahiaŗ, escreve ŖBrasiliensi Praefacturaŗ, ou seja, Ŗprimeira factura
brasileiraŗ.
Porque é que todos copiam mas ainda ninguém traduziu a inscrição? Eu não tenciono
fazê-lo, sei muito pouco latim. Se tivesse de traduzir, cometeria logo à entrada um erro de
666 arráteis históricos: Aos Imperadores Maria I e Pedro III…
Então esta história tem implicações políticas, sociais, económicas e policiais. Pina
Manique encarcerava no Limoeiro todos os que lhe pareciam suspeitos.
Bastava às vezes serem ruivos, como Brotero, para os amarrar com cordas de
Cannabis sativa. Brotero uma vez foi preso por a cor do cabelo ter sido tomada pela de um
estrangeiro; as cores avermelhadas eram muito perigosas, a Polícia confundia-as com a
Revolução Francesa, tudo quanto fosse estrangeiro era francês, tudo o que fosse francês era
maçon, por isso ia para a prisão, o que causava enormes embaraços à diplomacia, incluído
Martinho de Mello, que costumava passar cartas de recomendação a naturalistas franceses
que vinham explorar territórios ávidos de Luzes, caso de dřOrquigny, que fundou uma loja
em Lisboa e outra na Madeira (Loja). Ora sempre que Pina Manique perseguia os
protegidos de Mello e Castro, o Limoeiro transmutava-se em Acácia e as plantas de
Cannabis sativa produziam a pedra da indica.
1.1. Instrumento em pública forma com o teor de um termo de declaração que fez o alferes
de Henriques Dias, António Machado da Trindade.
Saibam quantos este público instrumento dado e passado em pública forma do ofício de
mim tabelião virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
setecentos oitenta e dois, aos vinte dias do mês de Fevereiro do dito ano nesta Vila de
Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, pelo Doutor Juiz de Fora Marcelino da
Silva Pereira me foi mandado pusesse em pública forma o termo de declaração que fez o
alferes de Henriques Dias, António Machado da Trindade, ao que satisfiz por reconhecer
por verdadeiro o dito termo cujo teor é da forma seguinte. Aos dezanove dias do mês de
Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois anos nesta Vila de Nossa Senhora do Rosário do
Porto da Cachoeira em pousada do Doutor Juiz de Fora de órfãos e do geral do crime e do
cível, e Provedor da fazenda dos defuntos dos ausentes das capelas e dos resíduos
Marcelino da Silva Pereira donde apareceu o alferes de Henriques Dias, António Machado
Trindade morador nesta mesma vila e o próprio de que se trata, declara que - no lugar
chamado Mamo cabo freguesia de Santiago do termo da Vila e num lugar não cultivado
entre um roçado novo do Padre João Gonçalves na parte do sul e da parte do norte nas
cabeceiras de um sítio de Manuel Lopes Falcão em terras do capitão António Gonçalves
de Aguiar e Sousa em distância desta vila duas léguas e meia mais ou menos em um riacho
que fica no alto do monte e descendo por ele abaixo vai desaguar no rio Paranáossû que é
o mesmo desta vila achara uma pedra grande de cobre que terá o comprimento de cinco
palmos mais ou menos em parte terá dois de largo e em parte um e meio, e bem parece ser
criado naquele lugar, por não ter vestígios alguns de ser fabricado e ali posto, a deixou no
mesmo lugar que não examinou se havia mais alguma outra; e só vem denunciar esta
achada para se fazerem os exames precisos das diligências para averiguar se haverá mais
e sua quantidade o que fazia como fiel vassalo de Sua Majestade Fidelíssima que Deus
guarde […]
[…] Mandado de sequestro em ofício da Justiça para o que nele se declara "o Doutor
Marcelino da Silva Pereira Juiz de Fora do geral do crime do cível de órfãos Provedor dos
ausentes capelas e resíduos nesta Vila da Cachoeira e seu termo com alçada por Sua
Majestade que Deus guarde.
Mando aos oficiais da Justiça diante mim que em observância deste meu mandado por mim
assinado e passado em ofício da Justiça vão acompanhados dos oficiais da milícia capitães
do mato à fazenda da Guaíba do capitão António Gonçalves de Aguiar e Sousa e tanto
nesta como em todas as mais partes onde houver suspeita procurarão e darão busca em
qualquer casa a descobrir uma pedra de cobre com mais de trinta arrobas de peso criada
pela natureza que o dito capitão por si ou por seus escravos a fez extrair e conduzir de
rasto com os seus bois do riacho do Mamocabo onde se havia criado o dito metal, e
achando a referida pedra de cobre a sequestrarão e a depositarão em poder de um fiel
depositário a quem notificarão a não entregue sem ordem de Justiça sob pena da lei, e ao
pé desta farão os termos necessários e não achando trarão debaixo de prisão o dito
capitão António Gonçalves à minha presença para averiguações necessárias, o que assim
cumpram. Passado nesta dita Vila em os vinte de Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois
e eu Manoel Alvares da Fonseca tabelião o subscrevi" Pereira.
Aos vinte dias do mês de Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois anos em cumprimento
do mandado de sequestro e seu despacho supra o ventenário da freguesia de São Gonçalo
João Álvares Ribeiro comigo escrivão ao diante nomeado e assinado fomos acompanhados
do alferes de Henriques Dias, António Machado da Trindade à fazenda da Guaíba
freguesia de Santiago do Iguape onde vive e mora o capitão António Gonçalves de Aguiar
e Sousa e sendo ali achámos a pedra de cobre criada da natureza de que trata o mandado
retro que julga ter a dita pedra pelo seu volume trinta arrobas pouco mais ou menos, e tem
esta três palmos e meio de comprido, dois palmos de largo em uma face e na outra um e
meio mais ou menos, três faces com um palmo de altura em cada uma, e a outra face
esparrada em um dos cantos dum pedaço tirado de duas ou três libras pouco mais ou
menos, e logo na dita pedra fez o ventanário sequestro e apreensão e logo a depositou em
mão e poder do dito capitão António Gonçalves de Aguiar e Sousa, que se obrigou às leis
de depositário e da sua entregada quando pela Justiça lhe for pedida e nessa forma eu
escrivão o notifiquei o contrário não fizesse sob pena da lei e de tudo para constar mandou
o ventanário fazer este termo de sequestro e depósito em que assinou junto com o
depositário e eu Serafim dos Anjos Pacheco escrivão da vara do geral do campo que este
fiz e assinei […]
1.3. Instrumentos em pública forma dos termos de declaração e sequestro de uma pedra de
cobre de 30 arrobas, achada em Nazaré. Cachoeira, 1782. II - 33, 20, 16. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Secção de manuscritos. Documentos Diversos sobre a Bahia,
Nº 436. Este dactiloscrito acompanha os dois documentos anteriores. Microfilme no
Arquivo Público do Estado da Bahia, de onde foram fotocopiados.
2. Lista das cartas que se remeteram pelo navio da invocação Santíssima Trindade e Santo
António, de que é mestre Basílio de Oliveira Vale, que partiu em 8 de Junho de 1782. Nºs.
1º. Acompanha a remessa que se faz de uma porção de cobre com o peso de 81 arrobas, e
24 arrates, que foi achada no termo da Vila da Cachoeira. Arquivo Público do Estado da
Bahia. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo Colonial e
Provincial. Maço 136, pág. 286/181.
Extractos
Foi apresentada a esta Academia [...] uma planta do cânhamo fêmea nascida na Quinta do
Samouco, do Intendente Geral da Polícia, e que é de um tamanho extraordinário, sendo de
comptº--------------------------------------------------------
Na [?] da ordem de 14 de Fevereiro de 1782 no distrito onde [?] ...cobriu alguma mina
dele, ou de ferro se achou outra porção do mesmo cobre, que o Doutor Juiz de Fora da Vila
da Cachoeira já me entregou, a qual quero eu mesmo ser quem o apresente a Vª Exª com o
mapa tipográfico daquele distrito. Ele foi tirado junto do lugar em que se descobriu o
primeiro, e pesa uma arroba, uma libra e dez onças, e entre algumas pequenas pedras que
também agora se descobriram no dito lugar mandei ensaiar na Casa da Fundição, digo da
Moeda, uma que pesava uma onça, e no ensaio que se fez produziu duas oitavas, e
cinquenta e dois grãos de cobre. [?] um granete tendo de quebra cinco oitavas e vinte grãos:
Também acaso se achou no mencionado lugar uns grãos de ouro em pó de folheta miúda, e
tirando-se nove para se fundirem, ficaram em oito, tendo de toque pelo ensaio que nele fez
vinte e três quilates, e três oitavos.
Todas estas experiências se fizeram na minha presença, e remeto a V. Exª o papel junto do
ensaiador da Moeda, Clemente Álvares de Aguiar em que declara o que eu sobre elas
tenho relatado a V.Exª.
Deus guarde a V.Exª. Bahia a 4 de Junho de 1783. Illº e Exmº Senhor Martinho de Mello e
Castro. Marquês de Valença
PEDRA DE COBRE (2)
Carta de Manuel Galvão da Silva
Amigo do coração; já Vossa Mercê há-de estar informado da nossa viagem, e com
todas as circunstâncias que não esquecem aos que embarcam a primeira vez, como são a
conta dos dias gastados a chegar a esta ou àquela terra, a bonança dos mares, etc.. José
da Costa e António Gomes tiveram ocasião de lhe escrever primeiro do que eu o pudesse
fazer, que, embaraçado pelas causas que lhe exporei, não tenho até aqui achado descanso;
porque, logo que cheguei, todo meu intento foi ir à Cachoeira, ao lugar onde foi achado o
cobre, para cumprir as ordens do Exmº Senhor Martinho de Mello; para o que falei ao
Senhor Marquês, que já esperava por mim e sabendo, não sei por que via, que eu trazia
esta ordem, recebeu-me afavelmente e ali me demorei desde as três da tarde até às oito da
noite, em companhia do Juiz de Fora da Cachoeira, que foi chamado, para tratarmos da
segunda porção de cobre, que se tirou do mesmo lugar, cavando-se, como dizem, altura de
três palmos; dei o meu parecer; e concluí que, apesar do rigoroso Inverno, e a
impossibilidade de descobrir coisa alguma, por causa das grandes chuvas, devia passar ao
dito lugar; prometeu S.Exª mandar pôr pronto um escaler, para partir logo que me
parecesse; como não eram ainda passados três dias, e a bordo se achava toda minha
roupa de uso, e alguns livros, que me poderiam ser necessários, disse a S.Exª me deixasse
conduzir uma mala de roupa, alguns livros, a rede de conchas, e um cilindro de lata, fosse
revista pelos guardas, que estavam a bordo, mas que não precisasse de andar com
bilhetes; não resolveu nada, e me vi obrigado a fazer petições, tirar bilhetes de um cruzado
a um guarda para ir a bordo, a conduzir estas coisas para terra; em uma palavra, gastei
nestas idas e vindas bons oito dias, porque uma vez não havia Alfândega, em outra não
bastava a petição despachada já pelo Provedor, e havia necessidade de bilhete; passado o
bilhete, era mister ser outra vez rubricado pelo Provedor; acabavam-se as manhãs, e por
conseguinte as tardes, e acabava-se-me a paciência; e creia que, a não ter recebido ordem
do Exmo Senhor Martinho de Mello, para ir à Cachoeira, não tiraria de bordo nem uma
camisa, por me livrar destas fadigas, tão indispensáveis e justas para conservação dos
direitos de Sua Majestade, mas que se me faziam pesadas, pela brevidade que desejava,
não sabendo quando partiria o navio, e se partiria daqui, antes de poder ir ver a mina de
cobre. Não obstante isto, a minha mala e os livros, logo que chegaram à ponte da
Alfândega, foram isentos de qualquer revista, e passaram para onde os mandei
desembarcar.
No intervalo destes oito dias fui ainda ao Palácio do Governador, de onde um dia o
acompanhei para a Casa da Moeda, onde se fez exame do segundo pedaço de mina, que
conserva S.Exª, e que tem de peso uma arroba, três libras, e tantas onças. Constou este
exame de fazerem fundir um pedaço de cobre; e um pedaço que pesava uma onça, tirado
do cascão da mesma mina, que lá, e cá se supunha ferro: ajuntaram-lhe nitro e bórax, e
tiraram do cascão duas oitavas, e tantos grãos de cobre. Ficaram contentes todos os que
presentes estavam, e mais que todos o Juiz de Fora da Cachoeira, que por aqui vive há
muitas semanas; votaram, deram arbítrios, e eu também disse, quando S.Exª me perguntou,
o que me pareceu conveniente, afirmando-lhe ser cobre nativo, e não procedido de alguma
fusão; retirei-me para casa, e entrei a tratar de partir em busca desta mina, e quando
faziam oito dias da minha chegada embarquei em um escaler, que o Intendente da Marinha
mandou aprontar, e parti para a Vila da Cachoeira, onde cheguei às oito horas da noite,
tendo largado da Baía às sete horas da manhã, debaixo de toda chuva; aí me hospedaram
(por carta, que tinha mandado o Juiz de Fora ao Vereador, que faz as suas vezes) em a
mesma casa onde assiste o Ministro, achando uma boa aposentadoria militar, de fogo,
água, sal, panelas, e três asseadas camas, e uma grosa de satisfações, que me deram
aqueles senhores, como se eu fora alguém, terminando tudo em se desculparem de não
terem preparado mais cedo a casa. Logo que se despediram de mim, que passava de onze
horas, me deitei para no outro dia continuar a minha viagem. Apenas amanheceu o dia,
mandei comprar o que era necessário para dar de comer à gente do escaler, e me
embarquei para o Mamocabo, que é um porto pequeno, que serve de desembarque aos que
habitam por aqueles sítios em vizinhança da mina. Logo que desembarquei fui buscando o
caminho de um engenho que está dali um quarto de légua; no meio do caminho encontrei
com dois pretos que traziam três cavalos pelas rédeas, mandados por Manuel Francisco,
dono do dito engenho, e a quem também tinha escrito o Juiz de Fora; como a esse tempo
íamos eu, e António Gomes, e José da Costa, já muito molhados, e atolados de lama até ao
joelho, não tive remédio senão montar, contra o meu primeiro propósito, que era fazer
todo caminho a pé, e ir recolhendo as plantas de Inverno que fosse achando; chegados que
fomos ao engenho, depois de comermos algum doce e requeijão, que nos deu o dito Manuel
Francisco, partimos eram nove horas para a mina, acompanhando-nos um oficial de
justiça, guia do tal sítio, e do lugar verdadeiro onde foi achado o cobre. Não lhe contarei
os terríveis atoleiros que por ali se formam no Inverno, nem a violenta chuva que sofremos
por entre aqueles matos, e enfim sobre o riacho onde se achou o cobre; basta dizer que
choveu desabridamente todo dia, e que não havia quem descesse a montanha sem cair, e eu
só o consegui depois de três boas quedas, sem me valer o bastão da bússola em que me
firmava, nem as próprias unhas com que me segurava. Enfim cheguei ao vale por onde
corre o pequeno rio, e fiz todas as indagações possíveis por descobrir ou a mina, ou ao
menos alguns sinais menos equívocos da sua existência, e não achei nada; não vi senão
quartzos, areia Sabulum e a argila grandoeva de Lineu; só observei que algumas porções
deste quartzo rupestre, que forma a montanha onde passa o rio por elas, estavam tingidas
de um vapor metálico, que parecia ferro, e algumas porções também estavam com alguma
incrustação superficial de ferro. Não me demoro a dizer mais o que observei, que é de
pouca ou nenhuma consequência, tendo além disto feito a descrição total no papel, que
entreguei ao Senhor Marquês de Valença para ser remetido para Lisboa. Como não
achava nada de interessante, deixei o lugar logo que vinha caindo a noite; e tornei a
embarcar para ir dormir à Cachoeira, de donde parti ao terceiro dia para a Baía, que não
pudémos tomar, suposto o escaler era de dez remos, senão ao fim de três dias de viagem,
fazendo duas arribadas: a primeira logo duas léguas abaixo da Cachoeira e ali passámos
dia e noite hospedados em um engenho; a segunda à Ilha dos Frades, onde passámos
também um dia e uma noite, distando da Baía sete léguas, até que enfim no terceiro dia, à
força de vela e remo, depois de muitos bordos, conseguimos tomar o porto pelas cinco
horas da tarde, tendo partido às três horas da noite. Nesta ilha há uma mina grande de
ferro formada em cós.
O que mais me tem afligido nesta viagem é o não poder fazer um herbário destas
poucas plantas de Inverno. Todas que recolhi, além de serem apanhadas molhadas, e não
poderem ser preparadas, vinham em tal estado que se não conheciam; pois creia que vi
algumas que me pareceram espécies novas; vi géneros descritos já, que nunca tinha visto;
mas que hei-de fazer? Se esta mina tem sido a minha consumição, e se esta terra da Baía é
o país das chuvas, e não deixa pôr os pés fora de casa.
Depois que vim da Cachoeira, pedi a S.Exª me permitisse repetir as experiências por
minha mão na Casa da Moeda, e tendo-ma concedido, e dado juntamente duas onças da
parte rubra da mina, que se supunha ferro, ajuntei-lhe as matérias que me pareceram
próprias à fusão, e a fazerem reviver as cais metálicas, e tirei de uma onça seis oitavas e
meia de cobre; donde se vê a diferença das minhas experiências daquela feita pelos
fundidores da moeda, que apenas alcançaram duas oitavas e tantos grãos. Donde concluí
que a Mina é a Mina Espatica de Vallerio a que Lineu chama Cuprum rubrum ochraceum
induratum. O mais que penso acha-se no papel, que como disse fica entregue ao Senhor
Marquês de Valença, que a há-de remeter ao Ill.º Ex.mo Senhor Martinho de Mello.
Em quanto aos peixes, ainda os não tenho procurado, por ter estado, como é
verdade, ocupado a escrever da mina; hei-de fazer toda diligência, se me demorar aqui
mais alguns dias, para mandar o cilindro cheio, pois não o desembarquei para andar com
ele de uma para outra parte, e só por desgraça irá para Moçambique vazio. A respeito de
conchas, como não tenho saído para fora da cidade, as não tenho visto. O Senhor Marquês
disse-me que seria bom deitar a rede na barra pouco longe de terra, onde há areia, e
algumas conchinhas; como a tenho em casa, e agora acabo de falar de todo em minas de
cobre, talvez que a vá deitar em alguma parte.
Estimarei que Vossa Mercê, e quanto lhe diz respeito, tenha felicidades e saúde; eu
vou vivendo, cansado alguma coisa da viagem, e das noites que dormi sem comodidade, na
volta da Cachoeira; precisava vomitar-me, mas o não faço por não ter tempo, e guardar-
me para quando tiver mais descanso pelo mar. António Gomes e José da Costa estão bons;
como eles escrevem, dirão o como passam na terra onde os tenho agasalhado, conforme as
posses de meu pai; é verdade que se ficassem em casa do Comandante seriam tratados com
mais grandeza, mas não teriam talvez achado tanto sossego em uma casa de tanta gente.
Tenha saúde, e dê-me notícias suas, que saberei estimar, e faça-me o favor dizer ao
D.r Vandelli que lhe não posso escrever por este navio, por isso o não faço.
De Sua Mercê
Bahia 16 de Junho de 1783
Manuel Galvão da Silva
PEDRA DE COBRE 3
Memória de Domingos Vandelli
CATÁLOGO DE MANUSCRITOS
A rarissima peça de cobre nativo, que o Exmo. Sr. Martinho de Mello fez pôr neste
Real Museu, merece toda a estimação pelo seu tamanho e pela sua mistura com huma mina
de ferro, o que serve para explicar hum phenomeno particular da natureza. Esta massa de
cobre nativo pesa arrateis 2619; he de figura rhomboidal com a superficie irregular causada
por varias pequenas cavidadedes e protuberancias. A sua altura he de 3 pés e 2 pollegadas
de Paris, a maior largura he de 2 pés e ½ e a grossura ½ pé, 4 pollegadas e 2 linhas.
Foi descoberta esta massa de cobre nativo na Capitania da Bahia, sepultada em huma
argilla muito fina de côr amarella, misturada com mica talcosa, côr de ouro, disposta em
camadas produzidas das deposições das aguas do rio... que desce da Caxoeira, longe 2
legoas da Bahia--------
Mas até agora não se descobriu em parte alguma massa tão grande e assim
circumstanciada de ser produzida pela cementação, como he esta da Bahia, a qual serviria
para enriquecer o mais rico museu da Europa...
2. Officio (de Francisco Xavier de Mendonça) para o Marquez de Lavradio, em que lhe
determina que passe as ordens necessarias para ser enviado ás Cadeias do Limoeiro Manuel
da Silva Pereira, que fôra Provedor da Casa da Moeda da Bahia e se achava preso na Villa
da Cachoeira. Palacio de N.S. da Ajuda, 21 de Abril de 1769. Minuta. Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 8166.
Introdução
Há, contudo, um conjunto de factores que a podem explicar e viabilizar: em primeiro lugar,
como professora da disciplina de Ciências Físico-Químicas no ensino básico e secundário,
sou naturalmente atenta e interessada nas questões da interdisciplinaridade e da confluência
de saberes das várias disciplinas; em segundo, sendo colega, no CICTSUL, dos elementos
que constituem o SEP, acompanhei por vezes, as dúvidas, reflexões, expectativas e
motivações resultantes da desafiante e difícil tarefa de articular a exposição ŖCulturaNatura.
Preparar o séc. XXIŗ com o mundo das escolas e dos professores; em terceiro lugar, tendo
participado de forma indirecta, pontual e ocasionalmente, no desenvolvimento de uma
questão que considero paradigmática da dialéctica entre Cultura e Natura (refiro-me à
origem e natureza de um bloco de cobre, actualmente no Museu Nacional de História
Natural, declarado objecto natural e possivelmente originário do município da Cachoeira,
Estado da Baía, Brasil), acabei a experimentar o assunto sob várias formas, passando de
observador a executante, de público a apresentador, e sob várias ópticas (da Ciência e da
História, da Educação e da Cultura, do Ensino e da Comunicação).
Solicitada pelos elementos do SEP, a dar conta por escrito, de algumas reflexões a estes
temas associadas, encontrei-me «a braços» com a complexa e discutível tarefa de
transformar experiência pessoal em utilidade colectiva. Os relatos em 1. e 2. foram
necessários para que se entendesse o contexto em relação ao qual estas reflexões se
realizaram.
1. O bloco de cobre
Um dia, após uma das reuniões gerais do CICTSUL, a Maria Estela Guedes abordou-me
com uma questão a respeito da designação «nativo» em relação a um objecto. O objecto era
o bloco de cobre e esta terá sido a primeira vez que me falaram dele.
Algum tempo mais tarde, poderei ser encontrada na biblioteca do Museu Bocage, junto
com a Alice Martins e a Catarina Leal, às voltas com o dito bloco. Bem, na realidade não se
tratou de um verdadeiro manuseamento - a expressão utilizada induz em erro Ŕ procurava-
mos reproduzir, isso sim, a partir dos relatos em documentos, a forma de um bloco de
cobre.
A Maria Estela seguia tudo com muita atenção, procurando compreender o que nós víamos
e tentando fazer-nos compreender o que não víamos. Com habilidades de prestidigitadora,
colocava debaixo dos nossos olhos os vários textos referentes ao achamento do cobre em
terras do Brasil, que retirava do computador como coelhos da cartola. Com o seu tom
tranquilo, ia-nos falando das incongruências - «floresta de enganos», como mais tarde se
lhes referiu o José Augusto Mourão Ŕ neles encontradas.
Este foi o meu segundo contacto com o bloco de cobre. O terceiro serviu definitivamente
para que o tema não mais deixasse de evocar o meu interesse e curiosidade : a indicação
por parte da Estela Guedes de uma possível ligação do bloco de cobre a uma origem pirítica
resultou fatal, e provocou uma sequela de conversas e esclarecimentos mútuos que têm
durado mesmo até agora, na tradição da melhor saga brasileira.
Aos poucos fui-me inteirando de uma história do bloco, guiada pela erudição de quem
sistematicamente procurava esclarecer as questões que em torno deste ainda prevaleciam.
Com tanta coisa porém, o bloco para mim era somente uma construção no abstracto, um
objecto cultural. Um dia decidi-me e fui procurá-lo. A exposição CulturaNatura abrira a
porta que tinha estado fechada; à medida que me aproximava, a luz da jardineta revelava-
me as suas dimensões, a cor, os torneados e as reentrâncias, a forma. Surgiu-me como um
objecto notável. Uma obra de arte.
Fiquei algum tempo parada em frente a ele, ao objecto natural, observando-o e desfrutando
da sensação peculiar que uma mistura de reconhecimento, familiaridade e fascínio me
produzia.
Mais tarde, ao reflectir sobre o sucedido, soube que a eloquência morfológica dos objectos
naturais que já vira não chegara afinal para transformar encontros em acontecimentos. Um
penedo, indeciso na cor e irregular na forma, ao qual nem o inesperado de uma inscrição, a
conferir uma nota de grotesco à sua quase feiura faltara, fizera a diferença Ŕ fora um
acontecimento ir ver o bloco de cobre ao Museu Nacional de História Natural.
2. A experiência
A Ciência explica-a em termos de uma interacção redox (termo da gíria científica obtido
por contracção das palavras redução e oxidação). O líquido azul intenso é uma solução
aquosa de sulfato de cobre (os iões cobre hidratados são os responsáveis por essa cor). O
objecto de ferro nele mergulhado, permite a troca das espécies: o cobre abandona o meio
aquoso de que era um residente iónico e vai depositar-se na forma metálica , «aninhando-
se» sobre a superfície do objecto, ao mesmo tempo que deste se desprendem iões ferro para
o meio líquido. A alteração da cor da solução tem a ver com este vai-vém iónico: o
esmorecimento do azul, porque perde conteúdo em iões cobre, e o amarelecimento
progressivo, porque ganha em iões ferro. Os químicos abreviam, dizendo que se verificou
uma transferência de electrões entre as duas espécies, sendo o cobre a reduzida e o ferro a
oxidada.
Naquele dia não a reproduzi para uma turma de alunos - nem sequer estava numa sala de
aula ou no laboratório. Apareci com um modesto aparato - alguns pregos, um pequeno copo
de precipitação e um pouco de sulfato de cobre aquoso dentro de um frasco de aspecto não
muito científico - apostando numa intervenção rápida, correcta e discreta. Tinha-me sido
pedido que fizesse esta experiência como demonstração do processo químico subjacente a
parte de um procedimento mineiro, praticado, com maior ou menor maestria e
cientificidade, ao longo de muitos anos.
3. Um pouco de história
4. Uma dúvida
A relativa frieza com que os alunos actualmente encaram o papel da Ciência na resolução
de problemas na Sociedade não deixa de provocar algumas perplexidades a quem foi
educado tomando-a como um valor a defender e a preservar. Em algum momento da
comunicação entre professor e alunos, a mensagem apelativa da Ciência falha, mesmo
podendo ainda explorar-se o anelo do experimental.
A experiência parece assumir então uma função lúdica, que se esgota em si mesma. Não há
dúvida de que é desejada (a insistência com que os alunos solicitam a realização de
demonstrações é disso prova) e apreciada (os aplausos e ovações que por vezes as rematam
assim parecem evidenciar). A dúvida permanece, contudo, ao nível da eficácia da
comunicação - conseguiu-se prender a atenção do receptor, mas será que a mensagem
passou? Porque há uma mensagem. Um professor tem sempre uma mensagem.
A dúvida agudiza-se ainda mais, quando se passa ao domínio das manipulações directas.
Concentração, domínio psicomotor, destreza, correcção e perfeição, responsabilidade e
respeito parecem ter sido erradicadas definitivamente da praxis dos que experimentam.
Porque nestas ocasiões, a maioria não experimenta, brinca, e não compreende tão pouco a
validade destes termos naquele contexto.
5. Uma questão
Nesta perspectiva, deverá esperar-se que o ensino de conteúdos científicos solicite sempre o
acompanhamento de uma envolvência cultural, que o enriquece e legitima, revelando o que
eles têm de carácter humano. Sucessos e insucessos, tentativas e erros, interesses e
aspirações, crenças, políticas e ideologias, altruísmos, virtuosidades e sacrifícios, e tudo o
que o Homem é capaz de projectar nas suas realizações, passam a constituir assim uma
parte importante do ensino da Ciência.
Neste sentido, a História e a Ciência tornam-se intimas colaboradoras, porque só com uma
indagação histórica se torna perceptível a dimensão do social na actividade científica. Desta
maneira, poder-se-á esperar, que tal como a experiência do prego de ferro em sulfato de
cobre aquoso, serviu para uma melhor compreensão de factos históricos ligados à origem
de um bloco de cobre, ou seja, a Ciência apoiou a História, também a História possa apoiar
a Ciência ?
Epílogo
Fez, por isso, o oposto ao que sucede à maioria dos «curiosos» - primeiro soube e depois
viu Ŕ que primeiro vão ver, para depois também saber. O efeito foi de impressionar e
deixou o visitante a meditar sobre o alcance da comunicação dos objectos expostos - os
objectos também têm uma linguagem, e «falam-nos» tanto mais quanto mais sobre eles
sabemos.
Um objecto natural, para o qual a Criação não foi generosa, transfigurou-se, ganhou brilho
próprio, como estrela de cinema que dita o seu próprio padrão de beleza, expoente máximo
de sedução. Aqui, onde a Cultura fez a diferença, uma questão se coloca, deixando em
aberto todo um mundo possível de relacionamento entre agentes educativos, como escolas e
museus: - Quando se estudava a Natureza pretendia atingir-se o cultural; conhecendo o
cultural. não poderemos atingir a Natureza?
Em segundo lugar, a Experiência: introduzida como «coisa que se vive» - algo que se
encontra na esfera do individual Ŕ passou por um estado intermédio de «coisa que se
utiliza», para finalmente se estabilizar em «coisa que se comunga», ficando deste modo a
incorporar a esfera do colectivo. Permaneceu a dúvida, em relação à actualidade, sobre o
verdadeiro impacto educacional da mensagem científica.
Reuna-se agora estes temas em torno do acto de Educar. Quem educa? Ŕ um Mestre. Com
base em quê? Ŕ Experiência. O que resulta? Ŕ saber comungado, socialização, ascese.
Educar é cultivar. Revelar o mundo natural , assim como o civilizacional já foi modo de
cultivar.
Comungar com o Natural deixou de ser modelo. Comungar com o Cultural também, onde a
cultura foi civilização, e o civilizar se revelou em domínio e imposição. Ninguém comunga
com base numa imposição. Esta inibe os afectos, elimina a ascese, impede a valorização.
Refaça-se o exercício em torno do acto de Ensinar. Quem ensina? Ŕ professores. Com base
em quê? Ŕ experiências. O que resulta? Ŕ saberes comunicados, apreensão, conhecimento.
Ensinar é cultivar?
BIBLIOGRAFIA
No momento da chegada ao Real Museu do Paço de Nossa Senhora da Ajuda, sua primeira
morada lisboeta, a sala, onde se encontra o Bloco de Cobre Nativo actualmente, a quem já
tinha pertencido e para que servira?
Pertencia ao Colégio dos Nobres (1761-1837) e deveria servir para uma aula de escrita. Na
altura em que deixou de ser a primeira e única escola oficial portuguesa habilitada com um
ensino de ciências (extinto em 1772), o Colégio dos Nobres apresentava uma identificação
e distribuição dos espaços onde é nítida a preocupação de disciplinar e de singularizar o
tempo quotidiano de professores e de alunos, segundo uma organização com quatro séries
distintas, embora não hierarquizadas. A série educativa religiosa (andar térreo) visava a
disciplina geral do individuo, através da aquisição de hábitos cristãos. Centrada na Igreja,
maior volume da série, as actividades anuais do Colégio começavam com os Exercícios
Espirituais e prolongavam-se por exames interiores, com destaque para o exame de
consciência em face da Divina Majestade. A série educativa física (andar térreo) visava o
desenvolvimento, o aperfeiçoamento e o embelezamento do corpo, pela cultura física.
Dispunha de um refeitório (maior superfície no edifício central), de um picadeiro (maior
volume total) onde o exame contava às vezes com a presença do Rei, e de aulas de desporto
(esgrima, florete, etc). A série educativa literário-científica (andar térreo e andar superior)
visava a informação e formação preliminar nas letras e ciências. Dispondo de salas para
aulas (Gramática, Retórica, Grego, Filosofia, Línguas, Matemática, Física, Desenho) é
digno de destaque a existência da Sala das Grandes Máquinas da Física e da Biblioteca (21
andar), onde era privilegiada a impressão de livros de Matemática, e da Casa dos Actos
(maior volume), onde os exames contavam, por vezes, com a presença do Rei. A série das
séries (frontaria) visava servir um sistema autosuficiente e autoregulado. O controle e
vigilância exercia-se nos torreões, pela presença da polícia e nos cárceres.O internamento
comportava uma camarata, casas de habitação dos professores, etc. Os espaços vazios
(exemplo, o pátio, maior volume da série) são integrados num sistema fechado. Estas
quatro séries traduzem, pela sua distribuição espacial, um perfil antropológico de tipo
iluminista: o corpo (série educativa fisica), o intelecto (série educativa literário-científica) e
a razão, enquanto prática moral (série educativa religiosa) ou enquanto ordem soberana e
universal (série das séries).
As obras pedagógicas da época, a intervenção consecutiva do Governo através de
legislação e os relatório anuais feitos pelo Director-Geral dos Estudos revelam uma
produção discursiva, onde emergem alguns enunciados sobre a ideia de ciência que
orientava a iniciação feita no Colégio. Ideia que se perfila, quer por aquilo que nega
(perspectiva negativista), quer por aquilo que propõe (perspectiva positiva): - descrédito
face à erudição livresca, - expectativa prestigiante perante as ciências exactas.Para tal
entusiasmo concorrem principalmente o lugar de destaque ocupado pela Física e pela
Geometria e a importância atribuida às novas técnicas e novos aparelhos. Vejamos a
distribuição deste ensino segundo alguns anos lectivos: 1767 - início do ensino de
Matemática e do privilégio de impressão de livros de Matemática; 1768 - início do ensino
de Algebra e de Física Experimental; 1769 -suspenção do ensino da Física, porque não
havia aulas de Geometria; 1772 - abolição do ensino científico. Muito embora fosse este o
contexto, segundo informações colhidas no livro de Rómulo de Carvalho, pode dizer-se, em
síntese, que a Física e a Algebra só funcionaram dois anos; a Geometria e a Aritmética só
funcionaram três anos, entre 1766 e 1772. Para marcar ainda mais e de uma forma mais
incisiva como era a sua situação de crise permanente e de inoperância completa, retiramse
estes dados: dos cinco alunos que frequentaram o curso completo, dois não foram para a
Universidade de Coimbra, dois foram para Direito e um só foi para a Faculdade de
Matemática. Segundo Rómulo de Carvalho, uma das causas que terá motivado
grandemente este insucesso-catástrofe provém da ciência moderna dever conjugar
observação experimental e exploração teórica elementar, havendo poucos professores
preparados para tal. Embora iluminados e obscurecidos pelo fulgor de Locke e de Newton,
interpretados segundo teses experimentalistas, embora defendendo ideias novas, os
mentores desta instituição - fortemente ecléticos e inclinados para sobrevalorizarem a
prática, a experimentação e o a posteriori - contribuiram para que a vida e a morte do
ensino das ciências, pois permaneciam vitimados por um debate de fundo. Escondido, este
debate nunca recebeu deles o aprofundamento que merecia: - qual é o lugar da teoria e da
prática no avanço do método experimental? - qual é a importância dos a priori e dos a
posteriori na teoria do conhecimento? Neste momento, avance-se que, para além de muitas
outras causas e de tantas outras condições (decadência institucional de tipo político-social),
o Colégio dos Nobres, ao ver extinto o seu ensino científico em 1772, nunca poderia ter a
oportunidade de beneficiar do período crítico de Emmanuel Kant (1770-1790),
nomeadamente na definição do juízo sintético a priori, que viria a colocar a questão e o
debate no seu devido lugar. A correspondência entre as regras que organizam o espaço
segundo as quatro séries analisadas e a lógica que preside ao discurso abrindo lugar para o
ensino das ciências só por três anos, é possibilitada pelo sistema epistémico que passo a
definir, a partir dos Estatutos datados de 1761. Este sistema mental funciona segundo
conexões que determinam três níveis, três relações e três pólos privilegiados: - a natureza
educa-se, - para se conseguir uma elite educada e ordenada é preciso capitalizar esforços
pelo internato, - educar pressupõe um léxico disciplinar, que inclui o ensino das ciências e
visa uma normatividade social. Que disciplinas cientificas eram ministradas no Colégio dos
Nobres? As disciplinas científicas previstas pelos títulos 9, 10 e 11 eram a Matemática, a
Arquitectura Militar, Civil e o Desenho, a Física Teórica e Experimental. Todas pertencem
à razão segundo a árvore da Encyclopédie, embora a Arquitectura inclua também a
memória e a imaginação. O estudo da Matemática, reconhecido como importante para a
milícia (Terra e Mar), incluía um ano obrigatório; no caso da carreira das armas, três anos
obrigatórios. Os estudos eram distribuídos em aulas teóricas e aulas teórico-práticas
(problemas). A actividade deste ensino exigiu traduções e impressões de que o Colégio
tinha o privilégio em Portugal. O estudo da Arquitectura implicava a aquisição de
conhecimentos úteis para projectar e edificar fortificações, e a informação pormenorizada
sobre medidas e projecções: de manhã, aulas especulativas, de tarde, prática de desenho. O
estudo da Física (Física Experimental só para os que iam para Medecina) comportava o
valor da História da Física, para instruir e não para ostentar, transmitindo só o que é sólido
e proveitoso. Ultima parte da Filosofia, o estudo da Física deveria limitar-se ao
demonstrado ou experimentado, pela Geometria e o Cálculo. As aulas eram acompanhadas
de experiências e demonstrações. Para o efeito, possuía o melhor Gabinete de Física na
Europa, com aparelhos comprados na Inglaterra ou feitos propositadamente pelo célebre
construtor, Joaquim José Reis. Este equipamento transitou para a Universidade de Coimbra
em 1772. O substrato natural de cada indivíduo, mesmo quando ele é nobre, necessita de
uma intervenção cultural, luz a iluminar a mocidade. Nasce-se nobre. Porém, o verdadeiro
nobre é-o por educação.A disciplina do corpo e do entendimento pressupõe um período de
internamento, isto é, um espaço confinado e um tempo organizado, como acontece no caso
da camarata, aproveitamento do espaço e investimento no tempo. Na verdade, numa
camarata, uma só voz pode e deve controlar todos. A situação de internamento encontrava
tradição em Portugal: bem sucedida (Escola de Sagres), mal sucedida (Colégios de Dom
Manuel e de Dom João III). Qual o contributo que se pode esperar das ciências? Organizam
um país, organizam um exército. Porquê?
E O REINO DE PORTUGAL
Apesar de bastante ignorados pela História e Filosofia das Ciências, é indiscutível que os
espaços institucionais, onde foram e so produzidas as ciências modernas, têm tido especial
importância para o processo da sua existência e ajudam a inteligir melhor a
contemporaneidade, no seu passado e presente [4] . Este último aspecto poderá ocorrer
quando se usam modelos teóricos capazes de articular, entre si, termos significativos -
como o são edifícios, objectos, metodologias e estratégias do saber/poder - pertencentes a
configurações epistemológicas individualizadas. Ou seja, quando se dispõe de grelhas
descritivas capazes de estabelecer nexos, por exemplo, entre plantas arquitectónicas,
conhecimentos ensinados e diplomas legislativos, de molde a circunscrever a lógica geral
que lhes preside. Quando se aborda a historiografia portuguesa relativa ao posicionamento
do conhecimento sobre os Três Reinos, devemos ter presente os lugares, onde tais saberes
foram construidos, originalmente. Até 1837, as Ciências Naturais eram cultivadas, no caso
da capital, em sítios dispersos: - Gabinete de História Natural da Ajuda, - Jardim Botânico
da Ajuda, - Instituto Maynense, - Academia Real das Ciências de Lisboa. Depois de 1837,
sobressai, deste conjunto, a Escola Politécnica de Lisboa: O Museu Nacional de Lisboa virá
a ser constituido por 2 secções (10 secção - Mineralogia, 20 secção - Zoologia) e terá a
antecedê-lo um importante acontecimento: 1836 - a Academia Real das Ciências de Lisboa
tomara a seu cargo o Gabinete de História Natural da Ajuda. Acrescente-se que: -1839 - o
Jardim Botânico da Ajuda vai ser anexado à Escola Politécnica de Lisboa; -1858 - o Museu
de História Natural da Academia ser-lhe-á também entregue. Os saberes aplicáveis e
aplicados em torno da classificação requeriam modos de estar e modos de fazer, onde
começavam por se destacar: - a viagem do naturalista, - a missão militar. Ao serviço do
saber e do poder, percorriam-se as entranhas das colónias, por onde se alargavam
espacialidades sem fim. Das actividades referidas resultavam vivências muito especiais,
mas no só. Na verdade, elas possibilitavam a localização e recolha de objectos que iam
enriquecer as colecções, para cuja manutenço concorriam trabalhos de descrição e
comparação. Nestes trabalhos os naturalistas eram apoiados por conservadores,
preparadores e ainda por jardineiros, no caso do Jardim Botânico. O perfil humano e
cognitivo do naturalista de oitocentos, a sua informação polivalente e formação
pluridisciplinar permitiam reunir, numa só pessoa (ex: Domingos Vandelli, Alexandre
Rodriguas Ferreira, José da Silva Feijó, Bernardino António Gomes), actividades que
separam hoje, entre si, os biólogos dos geólogos, os químicos dos antropólogos. Além
disso, estipulava-se ainda quanto o gesto de classificar era importante para múltiplos
sectores profissionais. Classificar, dar nome e coleccionar, descrever e comparar, ou seja, o
reconhecimento do mesmo e do diferente, requer uma ordem e organicidade que se
exprimiram: - primeiro, como espacialização - no espaço geral da Natureza, animais,
plantas e pedras foram dispostos e distribuidos numa ordem baseada na descriço externa, o
fora dos seres; - depois, também como temporalização - no volume da dimenso espacio-
temporal, animais, plantas e pedras assumiram uma nova categoria e foram ramificados
segundo vectores evolutivos. De facto, a necessidade de classificar decorria directamente
de um face-a-face com o mundo, onde surgisse o múltiplo, com semelhanças e diferenças.
Havia necessidade de classificar no âmbito dos Três Reinos da Natureza: os seres vivos
foram objecto de classificaçes e estruturados em escalas da Natureza e depois na árvore da
vida. Havia necessidade de classificar os saberes e ciências no âmbito da História e Teoria
do Conhecimento: os entes científicos foram organizados em árvores do conhecimento, por
Bacon, Enciclopedistas e Comte. Enquanto o raciocínio por analogia foi predominante
podia remeter-se a heterogeneidade entre os seres e os saberes a uma entidade una. A partir
do século XVII, o pensamento ocidental precisou de tentar formas de organizaço mental,
fugindo à unicidade e univocidade, e capazes de exprimir novas ordenaçes sistemas de
nomenclatura (Lavoisier) ou sistemas taxonómicos (Lineu). O sistema em causa
considerava que os fenómenos naturais só se tornavam valiosos quando: - eram úteis
cientificamente; - respondiam a interesses materiais da sociedade que os reclamava. Na
verdade, a História Natural dos Três Reinos propunha-se criar conhecimentos aplicáveis à
Agricultura, Metalurgia e Medicina, etc. Mas no só. Simultaneamente e paralelamente,
assumia-se, de modo inequívoco, a misso de criar saberes que constituissem poder
científico e servissem o poder político, nomeadamente no contexto colonial. Em Portugal: -
no caso da Mineralogia, Geologia e Zoologia, o espólio museológico de natureza exótica
provinha principalmente do Brasil, Cabo Verde, Angola e Moçambique; - no caso da
Botânica, as plantas endémicas vindas do Oriente, Mundo Novo e Africa enriqueciam os
jardins da Ajuda e Coimbra. Aliás a rota das plantas, onde Cabo Verde teve sempre um
lugar muito singular, fizera entrecruzarem-se a palmeira e o coqueiro, a pimenta e a
mandioca. A estratégia final concorre para conservar e mostrar as riquezas de um Império,
e concorre também para criar tácticas, através do conhecimento, para dominar outras terras
e outras gentes.
QUESTÕES
DE VERDADE, REALIDADE E
NOMEAÇÃO EM CIENCIA
Paulo Mendes Pinto
Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma
Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1997, [p. 9].
Começarei por especificar o que é que nos traz a este lugar e a esta mesa.
O objecto que aqui é o centro das nossas reflexões e dos nossos estudos é O Bloco
de Cobre; e começo já por fazer uma distinção que me parece essencial: é O Bloco de
Cobre e não Um Bloco de Cobre. E é O e não Um porque é o Bloco de Cobre Nativo e não
outro bloco de cobre qualquer.
O que de especial este bloco de cobre tem é esse como que epíteto que o qualifica
face à sua origem e que define a sua natureza: foi a natureza que o produziu em grau de
pureza e forma aproximada à actual.
Será que é nessa aferição que reside o interesse actual do Bloco de Cobre?
Qual é o interesse da peça que aqui nos traz? Ou melhor, o interesse científico da
peça reside na aferição de saber se ela é, ou não, Nativa?
Assim, este caso é um perfeito case study sobre a questão da própria validade do
discurso científico, das suas formas, dos seus objectivos e, acima de tudo, das suas
variações e riqueza.
Como se pode ter verificado até este momento, o meu interesse nunca seria o
aplicar a este Bloco de Cobre uma suposta lógica de Verdade.
Talvez esta aferição entre o Verdadeiro e o Falso, que aqui tem um excelente
exemplo, até seja inválida; Talvez seja na sua superação que o discurso científico encontre
a sua riqueza e a sua complexidade cada vez mais desejada.
Desde Galileu e Descartes que nos habituámos à relação directa entre Verdade e
Realidade. Neste sentido, a Ciência sempre tem sido uma busca da Verdade através da
Realidade.
Ora, cada vez menos esta relação é, ela sim, verdadeira, linear e livre de
complexidade. Verdade e Realidade são campos de definição impossível de aferir e de
atingir mediante os pressupostos cartesianos de exclusibilidade.
Assim, a suposta identidade que tudo tem ganha um relevo bastante grande. As
formas de conhecimento e de tratamento da identidade das Ŗcoisasŗ são, desta forma,
acesso directo à própria coisa pois a representa e, ao mesmo tempo, a sintetiza.
Realidade são as versões, donde realidades, representadas e que dela são imagem
reconhecida pelo receptor. A imagem, para o ser, necessita mais dos dois interlocutores em
questão que de si própria.
Enquanto ser amorfo, metálico e sem vida, escusado será dizer que o Bloco de
Cobre nunca pediu para ser Nativo. As representações do dito é que tal afirmam Ŕ ele não é
tido nem achado para a questão.
Mais, ele foi, de facto, um Bloco de Cobre Nativo. Ele foi Bloco de Cobre Nativo e
como tal viveu, funcionou, existiu e teve significado. Só isso lhe possibilitou o simples,
mas essencial, facto de ter chegado até nós. Tal não significa que fiquemos a saber, ou não,
se ele é fruto da natureza ou de hábil manipulação humana; o facto é que ele deve ser Bloco
de Cobre Nativo, seja-o, ou não. É isso que mostra o facto de ter sido esse o nome que
perdurou, que se identificou com ele, que dele passou a ser identidade, ou melhor, que
dessa entidade passou a ser identidade.
Naturalmente que, duzentos anos depois, o Bloco de Cobre será sempre Nativo,
tenha sido encontrado no Brasil, tal como a Mãe Natureza o formou, ou forjado num
barracão qualquer. Representação após representação, a nomeação passa a fazer mais parte
do objecto que a sua própria estrutura molecular interna. Um nome, mesmo quando esse
nome supostamente representa a natureza do nomeado, é parte integrante do ser Ŕ por vezes
mais que ele próprio.
A nível quase museológico a questão até se pode colocar de outra forma; o que é
que tem mais interesse nesta peça: o seu valor intrinsecamente material, ou a sua vivência
histórica?
Ora, o Bloco de Cobre é uma interessante peça porque é um dos maiores Blocos de
Cobre Nativo ou porque, tendo passado por Bloco de Cobre Nativo, tendo como que
assumido essa personalidade histórica, pode ter iniciado e catalizado um movimento social
e cultural que poderá ter conduzido à independência de um dos maiores países do mundo?
É que, sendo Nativo ou não, ele funcionou como tal. Foi esse o seu nome, foi essa a
sua identificação. Foi enquanto Bloco de Cobre Nativo que este bloco de cobre passou para
a História e, acima de tudo, fez História.
O GAIO MÉTODO
Maria Estela Guedes[1] & Nuno Marques Peiriço[2]
Eu, Maria Estela, escritora e crítica literária, com base nos resultados obtidos,
concluí que o bloco poderá ser de cobre, mas é tudo menos virgem ou nativo, tratando-se de
uma obra de arte: obteve-se cobre artificialmente a partir de reacção entre sulfato de cobre e
ferro (Vandelli, 1782), e depois pode ter passado pelo forno. De seguida, procedeu-se à
montagem artística, dentro de um pedestal de mármore, com inscrição latina gravada sobre
o cobre. O facto de ter sido montado dentro do pedestal subtrai o objecto à possibilidade de
ser pesado e medido, a menos que se profane a sua sacralidade de obra estética, oriunda e
talvez nativa do Real Gabinete da Ajuda, propriedade do Príncipe do Brasil, então D. José,
filho dos reis mencionados na inscrição, D. Maria I e D. Pedro III.
Eu, Nuno, entendo, como químico, que só me posso pronunciar sobre a identidade
do material, desde que a ciência apresente o resultado da análise químico-estrutural que faz
agora precisamente um ano acedeu a realizar. Por agora, o que sinto sobretudo é
perplexidade. Ora vejamos. Na memória que apresentamos a seguir, diz Vandelli (anexo B)
que o bloco de cobre foi obtido por processo de cementação no leito de um rio. Se assim
for, estamos na presença da maior pepita de cobre alguma vez encontrada em qualquer
parte do mundo. E maior não apenas por uns gramas, sim por umas centenas de quilos.
Além disso, resultaria de um acaso extraordinário, e de um processo mais próprio do ouro.
Neste caso, porém, as pepitas são muito pequenas. Tal pepita de cobre possui assim valor
científico e museológico inestimável, podendo mesmo levar a reconsiderações sobre os
processos de cementação conhecidos, como o próprio Vandelli salienta (anexo B). Neste
contexto, o estudo científico do objecto seria de grande importância e até motivo de glória
para o museu que detém a peça. Nada disto aconteceu desde Vandelli. O bloco é exposto
qual Gioconda que no Louvre atrai milhares de visitantes, mas não tem sido objecto de
nenhum estudo pela Ciência. Como cientista, pergunto a mim mesmo: é o medo ou a
incapacidade que leva os geólogos a ignorarem a existência desta maravilha da Natureza?
Incapacidade, não creio, pois as técnicas de espectroscopia, raios-X e microscopia hoje
existentes permitem determinar com precisão a matriz de cristalização do cobre, as suas
impurezas, e dessa forma concluir acerca da sua génese. Até o conhecimento que hoje se
tem dos meteoritos permitiria testar a hipótese de Spix & Martius de o objecto não ser
compativel com nenhuma formação telúrica conhecida, tratando-se portanto de um objecto
extraterrestre.
Não sendo por incapacidade, pode ser medo, mas medo de quê? De que os
documentos sobre o bloco de cobre não passem de uma gozação, à semelhança de paródias
em outras áreas da ciência. Gozação que só pode compreender quem lê um texto científico
de forma crítica e entrelaçada com outras fontes, mesmo que escritas duzentos anos antes, e
isso as escolas de Ciência não ensinam.
O gaio método
A paródia do bloco de cobre é uma entre as muitas que ocorrem na ciência, na
história e nos estudos literários. É a mais antiga que conhecemos, datando de 1782, não
talvez por coincidência do ano da morte do Marquês de Pombal.
O nosso estudo primário incide nos textos científicos e o gaio método é posto em
acção quando neles detectamos anomalias sobre dado objecto científico. Vamos por etapas.
a. Pesquisa bibliográfica
Gaia ciência ou gaio saber - saber alegre - era a arte dos trovadores, também
chamada linguagem das aves. Daí tirámos o nome do nosso método de trabalho. O gaio
método é comparativo: reunimos o maior número possível de textos sobre o objecto
anómalo, para verificarmos como se comportam os autores perante ele e para vermos se há
erratas, comentários ou qualquer explicação.
A pesquisa não tem fim, pois uns textos levam a outros, e as gralhas são afinal um
fio de Ariadne que os autores nos convidam a seguir. Daqui resulta por vezes um xadrez,
em que todas as peças se encontram ligadas por qualquer motivo, seja familiar, político ou
de irmandade em sociedades iniciáticas. A recolha de documentos permanece até que o
objecto estudado se defina num quadro de inteligibilidade. Mas nem sempre é fácil o acesso
a documentos. Os mais importantes para o bloco de cobre não são só os publicados e os
trazidos do Arquivo Público da Bahia, mas sobretudo os do Arquivo da Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro. Deles só temos, até agora, notícias, resumos ou citações, nos
catálogos de manuscritos publicados nos Anais da Biblioteca Nacional, como se nota na
bibliografia.
No caso do bloco, Maria Estela foi ao Brasil. Além de ter participado numa
exploração no município da Cachoeira, promovida pelo Museu Geológico da Bahia,
destinada a averiguar mais uma vez se havia indícios de jazidas de cobre em locais
mencionados pelas fontes como local de proveniência do bloco - Cachoeira, Santiago do
Iguape, riacho Mamocabo, Santo Amaro, Nazaré (vide anexo C) -, também fez pesquisa no
Arquivo Público da Bahia, de onde trouxe vários manuscritos. Publicamos agora um (anexo
A), dos outros damos notícia na bibliografia.
O Pico de Santa Isabel, em Fernando Pó, tem várias altitudes, compreendidas entre
1400 e 10000 metros; a Chioglossa lusitanica e o Dodó mudam de tamanho e cor, a sua
terra típica varia, são endemismos mas ao mesmo tempo espécies que aparecem muito
longe do seu habitat. No caso do Dodó, dois autores - Damião Peres e Fontoura da Costa -
declaram que a ilha Rodrigues, um dos seus habitata, só existiu na ardente imaginação dos
navegadores portugueses do século XVI. O naturalista Francisco Newton, antes de nascido
já coligira em Timor, nas Celebes e em Java, é tratado por nomes como Frank, Mewton,
Reesetán, etc., morreu em Matosinhos duas vezes e pela terceira quinze anos mais tarde, em
S. Tomé.
Para que serve então a pesquisa o mais possível exaustiva de documentos? - para
comparar descrições e relatos, a ver se os factos anómalos de discurso são fortuitos ou
sistemáticos. O Pico de Santa Isabel tem cerca de 3300 metros de altitude. Números à roda
disso podem considerar-se erros devidos a falhas de instrumentos, mas os disparatados
1400 e 10000 só existem para comprovar que todos os dados altimétricos fazem parte de
um sistema único de comunicação, a gaia ciência. É este sistema o objecto do nosso estudo:
a dado conto, cada autor acrescenta seu ponto, de modo que o conjunto de textos se revela
por fim uma paródia colectiva, em que nada bate certo excepto a paródia como facto de
comunicação.
Que interesse têm os autores em exibir gralhas espalhafatosas? Foi neste momento
que a distinção de Kuhn entre ciência normal e ciência extraordinária se revelou de grande
utilidade - o discurso da segunda, ou gaia ciência, tem por fim ocultar, revelando, ou vice-
versa. Os disparates enunciados sobre o bloco revelam que ele é falso enquanto cobre
nativo, mas verdadeiro enquanto obra de arte. De modo geral, o próprio discurso fornece as
soluções dos problemas, nós é que nem sempre estamos preparados para as descobrir.
Faz parte do gaio método não só o estudo possível do assunto científico como o
teste da veracidade da informação. Quando não verificamos, ou quando não nos ocorre
testar o que julgamos saber, o mais natural é cometermos erros enormes. Verificar a
informação consiste em movimentos simples como ir a um dicionário ou enciclopédia
averiguar o que significa a palavra esparrado - o bloco de cobre estava esparrado em um
dos cantos de um pedaço tirado de uma ou duas libras de peso, reza um dos manuscritos -,
ou identificar um tal capitão Boteler, cujas cartas das ilhas do Golfo da Guiné contêm erros
notáveis. No caso do bloco, fazia parte da verificação saber se na Cachoeira havia minas de
cobre ou qualquer outro tipo de jazida cuprífera. Há minas de cobre no norte e no sul do
Estado da Bahia, não porém na região chamada recôncavo baiano, imediações de São
Salvador, onde se localiza o município da Cachoeira.
Verificar explica por vezes a paródia. Há várias classes de motivos para ela -
chamar a atenção da comunidade científica para experiências que estão em curso e é
necessário proteger com o segredo, ou para problemas políticos, religiosos ou sociais.
d. Errata
Maria Estela interpretou o caso do bloco de cobre como chamariz para obrigar o
Poder a enviar naturalistas para as colónias - no lugar onde aparecera uma pepita tão
grande, por força tinham de existir minas fabulosas. Como sugere o Intendente Câmara
(Mendonça), não era boa política a de cultivar cana sacarina no recôncavo baiano, quando,
a avaliar pelo imenso bloco, debaixo dos pés de cana deviam correr inesgotáveis filões de
cobre. Na verdade, debaixo dos pés de cana o que existe é uma terra chamada maçapé,
negra e untuosa, muito rica em húmus, excelente para o cultivo da cana, como a descreve
José da Silva Lisboa.
Eu, Maria Estela, persisto nesta exegese - era preciso enviar técnicos para o Brasil,
que assegurassem a autonomia fabril, comercial, política, etc. do novo país. Os três
documentos fundamentais para compreender a história são a memória de Vandelli de 1782
e duas cartas anexas, uma para Martinho de Melo e Castro e outra para a Rainha, com o
mesmo conteúdo - solicitar autorização para reger todos os anos no Real Jardim Botânico
da Ajuda um curso de História Natural Económica, aplicado à agricultura, às artes, à
medicina e ao comércio. Foi aqui que os naturalistas se treinaram. Partiram em 1783 para
as colónias, logo após a recepção do bloco, quando o projecto de os enviar para procederem
ao levantamento dos recursos naturais datava da reforma da Universidade, uns dez anos
antes, e sempre fora adiado. Por isso os naturalistas que partiram não eram os indigitados
no primitivo projecto. Um dos que devia ter partido era o próprio Vandelli.
Eu, Maria Estela, declaro no entanto mea culpa, por ter deixado escapar nos
panfletos distribuídos aos visitantes da CulturaNatura um erro de interpretação. Consistiu
ele em considerar que a vítima da paródia do bloco de cobre era o ministro da Marinha,
Martinho de Melo e Castro, a cujas ordens vão obedecer os naturalistas - Feijó em Cabo
Verde, Ferreira no Brasil, Galvão da Silva no Brasil e em Moçambique, Donati em Angola.
Com que fundamento o avaliei assim? Nenhum, eis o pior dos erros. A respeito de
Martinho de Melo, julgava eu já saber tudo, quando na minha cabeça não havia conceitos,
só preconceitos. Porque era padre, tinha para mim que era um santo, incapaz de uma
maldade. Porque sucedera a Pombal, tinha para mim que a sua política era oposta à de
Pombal. Porque exercia o seu ministério durante a viradeira, tinha para mim que era o
braço direito de Pina Manique, no ódio deste às Luzes naturalísticas ou maçónicas. Em
resumo, era um reaccionário da pior espécie, donde a necessidade de o convencer, atirando-
lhe à cabeça com nada menos que um bloco de cobre que se diz pesar à volta de uma
tonelada.
Feita esta errata, resta que Vandelli não é o principal responsável pelo caso do bloco
de cobre, limitou-se a ser cúmplice de Martinho de Melo e Castro. E então a cabeça à qual
se arremessa o bloco não é a do ministro, sim as duas, coroadas, que vêm mencionadas na
inscrição em latim, de uma forma tão equívoca que se podia ler imperadores onde se
escreve imperantibus. D. Maria I e D. Pedro III não foram imperadores. O primeiro
Imperador do Brasil é o seu neto, D. Pedro I do Brasil, IV de Portugal.
BIBLIOGRAFIA
CASAL, Aires de [1817]- Corografia Brasílica. Tomo II. Imprensa Nacional, Rio de
Janeiro, 1947.
MOURÃO, José Augusto; JANEIRA, Ana Luísa & GUEDES, Maria Estela (1997):
A paixão do coleccionador. Encontro sobre Alcipe e as Luzes, Fundação das Casas
Fronteira e Alorna, Lisboa, 14-16 de Maio.
NEVES, José Accursio das (1811) - Historia geral da invasão dos francezes em
Portugal e Restauração deste Reino. Officina de Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa.
POTSCH, Waldemiro (1955) - O Brasil e suas riquezas. 27ª ed.. Livraria Francisco
Alves, Rio de Janeiro.
RIBEIRO, José Admário Santos (1995) Cobre. In: Frederico Lopes Meira Barboza
e Alfredo C. Gurmendi (coorden.) - Economia Mineral do Brasil. Estudos de Política e
Economia Mineral, 8, Brasília.
SPIX, Joh. Bapt. Von & MARTIUS, Carl Friedr. Phil. von (1828) - Reise in
Brasilien auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I. Königs von Baiern in den Jahren
1817 bis 1820. München. Vol. III, págs: 714; 746.
SPIX, Joh. Bapt. Von & MARTIUS, Carl Friedr. Phil. von [1828] - Viagem pelo
Brasil, 1817-1820. Vol. II, Livro Sétimo. Edições Melhoramentos, 2ª edição. Brasil, s/d.
VILHENA, Luís dos Santos (1969) - A Bahia no Século XVIII. Vol. 3 - Carta XX -
Riquezas naturais. Editora Itapuã, 1801.
1.b. Manuscritos
Lista das cartas que se remeteram pelo navio da invocação Santíssima Trindade e
Santo António, de que é mestre Basílio de Oliveira Vale, que partiu em 8 de Junho de 1782.
Nºs. 1º. Acompanha a remessa que se faz de uma porção de cobre com o peso de 81
arrobas, e 24 arrates, que foi achada no termo da Vila da Cachoeira. Arquivo Público do
Estado da Bahia. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo
Colonial e Provincial. Maço 136, pág. 286/181.
Carta de Manuel Galvão da Silva para Júlio Mattiazzi. Bahia, 16 de Junho de 1783.
Arquivo histórico do Museu Bocage, CN/S-26.
Carta de José da Silva Lisboa para Martinho de Mello e Castro, na qual relata as
explorações que fizera nas serras da Cachoeira para descobrir a mina de cobre que se
suppunha ali existir. Extracto. Bahia, 15 de junho de 1783.. Anais da Biblioteca Nacional,
32 (1914), doc. 11.247.
Carta de José da Silva Lisboa, em que dá conta das pesquizas a que procedeu nas
serras da Cachoeira para a descoberta da supposta mina de cobre, cuja existencia as suas
investigações deixaram muito duvidosa. Bahia, 19 de janeiro de 1784. Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 11. 472.
ANES, José Manuel (1997) - A Língua dos Pássaros e a Quinta da Regaleira. In:
Vítor Mendanha entrevista José manuel Anes. O esoterismo da Quinta da Regaleira. Hugin,
Lisboa, 1998.
GUEDES, Maria Estela (1997). João da Silva Feijó, viagem filosófica a Cabo
Verde. Asclepio, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Madrid, XLIX (1).
LOJA, António Egídio Fernandes (1986) - A Luta Pelo Poder Contra a Maçonaria.
Quatro perseguições no Séc. XVIII. Imprensa Nacuional-Casa da Moeda, Lisboa.
Carta de José da Silva Lisboa para Martinho de Mello e Castro, na qual relata as
explorações que fizera nas serras da cachoeira para descobrir a mina de cobre que se
suppunha ali existir. Bahia, 15 de Junho de 1783. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1910),
doc. 11.247.
4. O gaio método
GUEDES, Maria Estela (1997). Eu sou a Baronesa do Castello de Paiva. In: A Festa
da Sciencia. Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de
Lisboa.
GUEDES, Maria Estela (1997). Cândidos animais transmudando-se. Releitura de
Herberto Helder. O Escritor, Revista da Associação Portuguesa de Escritores, 9, 1997.
GUEDES, Maria Estela (1997). Entre a fauna exótica de Cabo Verde, o grande
scinco do Levante. In: Xosé A.Fraga (ed.): Ciencias, Educación e Historia. Publicacións do
Seminario de Estudos Galegos, A Coruña.
GUEDES, Maria Estela (-). A ciência como arma de guerra. Asclepius, Madrid. Em
publicação.
GUEDES, Maria Estela & PEIRIÇO, Nuno Marques (1998b) - Ficções da Ciência.
Comunicação apresentada à Reunión Científica Internacional - Ciencia y sanidad en España
y America Latina; RIHECQB; Facultad de Farmacia, Universidad Complutense de Madrid,
14 de Julho. Boca do Inferno, Cascais, 3: 187-191.
(33 cm)
Mandado de Mais de 30 + de 450 kg Fazenda da Guaíba, 20.2.1782 Marcellino da
arrobas do cap. Gonçalves, Silva Pereira
riacho do
sequestro
Mamocabo
Cumprimento 30 arrobas 590 kg Comprime Largo 3 faces Fazenda da Guaíba, 20.2.1782
do sequestro mais ou nto: maior: 2 com um do cap. Gonçalves,
menos. palmos palmo de em S. Tiago do
altura Iguape
3 palmos e
E uma parra meio (44 cm)
1 kg
de 2 ou 3 (22 cm)
libras
(77 cm) Lrg.
menor:
1,5 palmos
(33 cm)
Marcelino da Terras do cap. 11.3.1782 Marcellino da
Silva Pereira Gonçalves, Silva Pereira
Mamocabo, S.
Tiago do Iguape,
num riacho que
desagua no
Paráassú.
Marquês de Nuns terrenos no 4.6.1782 Marcellino da
termo da vila da Silva Pereira
Cachoeira
Valença
Bloco 81 arrobas e 1225,870 kg Termo da vila da
transportado 24
nos navios
Cachoeira
arrates
Santíssª
Trindade e
Santo António
Inscrição no MMDCLXVI 1207 kg Perto da cidade da 1782
bloco lib.
Cachoeira, Bahia.
Fontes Peso Peso Dimens. Dimens. Dimens. Proveniência Data Outras
original converso
Vandelli, 1782 2619 arráteis 1186,407 kg 3 pés e 2 largura Grossura: No rio… que desce 4.9.1782 Origem no vitríolo
pol. de maior: 2 ½ pé 4 da Cachoeira, a 2 de cobre
Paris pés e ½ pol. e 2 léguas da Bahia
(76,20 cm) linhas
(96,24 cm)
1740 kg:
(26,49
cálculo por
cm)
volume
Marquês de a) 1 arroba, 1 a) 16 kg
libra e 10
onças
Valença, 1783
b) 1 onça
b) 28,35 gr
Galvão da 1 arroba, 3 16,45 kg Mamocabo. Fundidores
libras e tantas obtiveram 25% de
onças cobre puro em
Silva, 1783
análise de uma
onça de material
da parra que ficara
na Bahia.
Galvão da Silva
achou 82%.
Vandelli, 1789 1666 arrates 716 kg Bahia: Cachoeira Achou 82% de
cobre puro em
análise de uma
Errata: 2666 Errata: 1207
onça do bloco de
kg
Lisboa. O bloco é
Encontrado 97% cobre.
um
bloco mais
pequeno no
mesmo local,
que ficou na
Bahia
Vandelli, 1797 2616 arráteis 1185 kg 3 pés e 2 2 pés e ½ ½ pé e 4 A 2 léguas da
pol. de Paris polegadas Cachoeira e a 14 da
(26,04cm Bahia
)
(96,24 cm) (76,20 cm)
Câmara, in Recôncavos, Bahia Origem num
veeiro
Mendonça
Vilhena, 1802 1666 libras 716 kg Entre Cachoeira e
S. Tiago do Iguape
Link, 1805, 2616 libras 1185 kg 3 pieds 2 2 pieds 1 10 pouces A deux legoas de
pouce 6 Cachoeira, et à
lignes quatorze legoas de
citando pouces (27 cm)
Baja
Vandelly
(63,79 cm)
(96,24 cm)
Mawe, 1812 Mais de 2000 Mais de 906 Capitania da Bahia Os mineiros
lib. kg encontraram o
bloco isolado, sem
vestígios de filão
no local.
Casal, 1947 52 arrobas e 2 780,906 kg Cachoeira, 2 milhas
arráteis a leste de Santo
Amaro
Spix & Um bloco com 1207 kg 3ř2ŗ 2ř 6ŗ 10ř Cachoeira 1782 Meteorolito
Martius, 2 pesos: 2666
Pfund e 2616
e 1185 kg (96,24 cm) (77,16 cm) (27 cm) Cópia da inscrição
Pfunde
1828 com 10 erros
Spix & Um bloco com 1207 kg 3ř2ŗ 2ř 6ŗ 10ř A leste, a 1 hora de 1782 Meteorolito, uma
Martius, 2666 libras e vez que não viram
2616 libras vínculo genético
e 1185 (96,24 cm) (77,16 cm) (27 cm) distância da Vila da
entre o bloco e
trad.
qualquer orogenia.
Cachoeira
Eschwege, 2616 Pfund 1185 kg 3 Fufs 2 2 ½ Fufs 10 Zoll A 2 léguas da 1782 Cópia da inscrição
1833 Zoll Cachoeira e a 14 da com 12 erros
Bahia
e 1616 e 732 kg (76,2 cm) (27 cm)
(96,24 cm)
Eschwege, 2616 libras 1185 kg Diâmetro: Larg.: 2,5 Maior A 14 léguas da 1782 Cópia da inscrição
trad. 3 pés e 2 pés altura: 10 Bahia e a 2 da com 12 erros.
pol. pés Cachoeira
e 1616 e 732 kg
(76,2 cm)
(96,24 cm) (27 cm)
F.I.Ferreira, S.Tiago do Iguape 1782 Juiz de Fora,
1885 Manuel da Silva
Pereira
Bett. Ferreira, Grande mole Caxoeira Pedestal de
de mármore. Rico e
notável exemplar.
1893
cobre nativo
Gralhas ao copiar
a inscrição latina:
Petrus; Brasiliensi
Praefactura
Calógeras, MMDCXVI 1185 kg Mamocabo, 1782 Manuel da Silva
1905 margem Pereira
52 arrobas e 2 780,906 kg 1797
esquerda do
Paraguassú
libras ou 1666 1723, 8 libras ou 99
lib.
Leonardos, 2616 libras 1185 kg 3ř2ŗ 2ř 6ŗ 10ŗ Cachoeira: S. Tiago 1782 O ofertante foi o
1938 de juiz-de-fóra,
Manuel da Silva
(96,24 cm) (77,16 cm) (27 cm)
Pereira
Iguape
Rebelo, in 52 arrob. e 2 780,906 kg A 3 quartos de Cobre nativo
lib. légua da Cachoeira, finíssimo ou ouro
Mamocabo muito baixo. O
Leonardos,
bloco rendeu 800
E outro
réis.
pedaço
1938
muito mais
pequeno
Melo, inédito 82 arrob. e 10 1234,53 kg Momocabo, Iguape,
lib. terras do cap.
Antônio Gonçalo
Aguiar e Souza
Anexo A - Instrumento em pública forma com o teor de um termo de declaração
que fez o alferes de Henrique Dias António Machado da Trindade:
Em testemunho da verdade
229
Anexo B - Memoria sobre o cobre virgem ou nativo da Capitania da Bahia,
descoberto no anno de 1782, por Domingos Vandelli:
"A rarissima peça de cobre nativo, que o Exmo. Sr. Martinho de Mello fez pôr
neste Real Museu, merece toda a estimação pelo seu tamanho e pela sua mistura com
huma mina de ferro, o que serve para explicar hum phenomeno particular da natureza.
Esta massa de cobre nativo pesa arrateis 2619; he de figura rhomboidal com a superficie
irregular causada por varias pequenas cavidadedes e protuberancias. A sua altura he de
3 pés e 2 pollegadas de Paris, a maior largura he de 2 pés e 1/2 e a grossura 1/2 pé, 4
pollegadas e 2 linhas.
Mas até agora não se descobriu em parte alguma massa tão grande e assim
circumstanciada de ser produzida pela cementação, como he esta da Bahia, a qual
serviria para enriquecer o mais rico museu da Europa..."
230