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MARIA SALOMÉ MACHADO - SIMON FORMAN, UM ALQUIMISTA DIFERENTE

ANDRÉS GALERA - EL LIBRO DE LAS MARAVILLAS SEGÚN RAMÓN LLUL


JOSÉ AUGUSTO MOURÃO - ALQUIMIA ONLINE
PEDRO DE ANDRADE - O ESPELHO: OBJECTO REFLECTOR DO SUJEITO DA REFLEXÃO
RICHARD KHAITZINE - LÍNGUA DAS AVES E LINGUAGEM DO BRASÃO
JORGE DE MATOS - A ORDEM DOS ARQUITECTOS AFRICANOS
CARLOS DUGOS - ALQUIMIA E PROCESSO PICTÓRICO
JÉROME ROUSSE-LACORDAIRE -
LES LUMIÈRES MAÇONNIQUES: ENTRE NATURALISME ET ILLUMINISME
A.M. AMORIM DA COSTA - A GÉNESE
DAS SUBSTÂNCIAS MINERAIS E O ESSENCIALISMO EM CIÊNCIA
JOSÉ MANUEL ANES -
INTRODUÇÃO AOS RITOS E RITUAIS HERMÉTICOS E ALQUÍMICOS DO SÉCUL
O XVIII
ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO - A FILOSOFIA POÉTICA DE ANTÓNIO TELMO
ANTÓNIO DE MACEDO - A ALQUIMIA ESPIRITUAL DOS ROSACRUZES
PAULO MENDES PINTO - EGIPTO+LOGIA: ENTRE TRADIÇÃO ESOTÉRICA
E INOVAÇÃO CIENTÍFICA
RAQUEL GONÇALVES - SÍMBOLOS GEOMÉTRICOS E ALGÉBRICOS NA ARTE:
ALMADA E LIMA DE FREITAS
FERNANDO BOTTO SEMEDO - OBRA AO BRANCO
PILAR PEREIRA - A
ALQUIMIA NO FUNDO BIBLIOGRÁFICO DA ESCOLA POLITÉCNICA
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DOCUMENTOS: MANDADO DE SEQUESTRO DA PEDRA DE COBRE


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QUESTÕES DE VERDADE, REALIDADE E NOMEAÇÃO EM CIÊNCIA -
PAULO MENDES PINTO
O GAIO MÉTODO - MARIA ESTELA GUEDES & NUNO MARQUES PEIRIÇO

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INSTITUTO S. TOMÁS DE AQUINO (ISTA)


CENTRO INTERDISCIPLINAR DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE
DA UNIVERSIDADE DE LISBOA (CICTSUL)

PATROCÍNIOS:
DOMINICANOS DE LISBOA
SIMON FORMAN
um alquimista diferente
MARIA SALOMÉ MACHADO

Meu tio beijou a minha fronte. «De hoje em diante serás meu
aprendiz. Eu te ajudarei a transformar espinhos em rosas e juro
proteger-te dos perigos que espreitam o caminho. As páginas, que são
outras tantas portas, hão-de abrir-se ao nosso toque.
Richard Zimmler, O Último Cabalista de Lisboa

Assim como a figura tutelar de Shakespeare obscurece a existência de toda uma plêiade
de dramaturgos seus contemporâneos cujos méritos, contudo, são indiscutíveis, também a
fama do alquimista John Dee ensombra o merecimento de outros seus congéneres, menos
favorecidos pela sorte, mas que, porventura, se lhe equiparariam, caso tivessam beneficiado
das mesmas oportunidades.

No grupo dos que beberam, até ao fim, o cálix amargo da dureza da vida, destaca-se
Simon Forman, vítima do desprezo e da perseguição dos coevos e da quase total
indiferença das gerações posteriores. De facto, este praticante da arte alquímica só não
soçobrou no mais absoluto anónimato e no mais abjecto ostracismo, enquanto homem culto
do Renascimento, porque em 1972 A. L. Rowse, um estudioso da época isabelina, publica
um livro sob o título Simon Forman: Sex and Society in Shakespeare's Age utilizando
como base para as suas pesquisas os textos de Forman que, por inestimável deferência, lhe
foram facultados em manuscrito e na íntegra pela Bodleian Library de Oxford. Mas,
Rowse vai mais longe, pois numa tentativa louvável mas, ao que parece a todos os títulos
gorada, de fomentar o estudo do homem e da obra, insere no final do seu volume uma
pequena colectânea de excertos extraídos da vasta e diversa produção literária de Forman.

Um dos trabalhos mais interessantes que este contemporâneo de John Dee oferece aos
olhos curiosos e às mentes argutas da posteridade e que aguarda publicação consiste numa
autobiografia, na terceira pessoa cujos primeiros parágrafos possuem nítidas ressonâncias
dos textos genealógicos do Antigo Testamento. Note-se que, na época vitoriana, Halliwell-
Philips foi mandatado pela Camden Society para transcrever para um inglês mais acessível
a Autobiografia de Simon Forman. Contudo, o puritanismo hipócrita do período impediu a
sua publicação. Porém, é através desses escritos que Simon Forman se revela ao leitor,
convidando-o a inteirar-se tanto das facetas determinantes do seu carácter como dos muitos
complexos psicológicos e inúmeras frustrações a que, mesmo nos momentos menos
dolorosos da sua vida, não consegue eximir-se.

Depois de um esboço confuso e, por certo, pouco plausível (o próprio Rowse ainda que
admirador incontestado de Simon o admite) da árvore genealógica da sua família pela qual,
não obstante, se infere que os Forman pertencem à pequena burguesia rural, Simon cita
com o escrúpulo meticuloso do astrólogo habituado a gizar horóscopos, a data do seu
nascimento ¾ Sábado 30 de Dezembro de 1552 às 21, 45. Era, assim, 25 anos mais novo
que John Dee, querendo isto dizer, que Simon vê pela primeira vez a luz do dia quando
Dee, depois de estudos efectuados em algumas das escolas e universidades mais famosas da
época, entre as últimas Lovaina e Paris, se encontra no auge da sua vida activa,
pontificando nas diversas áreas dos saberes aceites no período, fossem elas as
«matemáticas» ou as «magias». O reconhecimento público a que não é estranho o favor de
Isabel I, permite a Dee mover-se à vontade nos círculos afectos à corte.

Pelo estatuto social da família Forman, desde logo se deduz que Simon nunca
beneficiaria da conjuntura favorável que guinda Dee à situação de grande mago da época
isabelina. De facto, nem mesmo durante os escassos onze anos em que aufere da presença
protectora, benévola e conivente do pai, Simon frequenta uma escola digna desse nome.
Realiza, pois, os seus estudos com mestres pouco fiáveis que tinham optado pelo ensino por
força das circunstâncias encontrando-se, desse modo, longe dos padrões mínimos
requeridos para satisfazer as exigências do magistério a que se dedicavam.

Após a morte do pai, Simon defronta-se com a malevolência e desprezo, sempre


latentes e, porventura, invejosos e ciumentos, da mãe e dos irmãos que nunca lhe
perdoariam nem a diferença de interesses e objectivos, nem o apoio do progenitor. Assim,
durante cerca de dez anos, o contemporâneo de John Dee recorre a toda a espécie de
expedientes e sujeita-se às humilhações mais aviltantes para, pior ou melhor, mais o
primeiro que o segundo, prosseguir os seus estudos. Enquanto aprendiz de um ofício ao
serviço de um tal Matthew Commin, em parte por ser o mais jovem e, em parte, por ter uma
estatura abaixo da média e uma compleição franzina que, para seu grande desgosto e
desespero, não se modificariam quando atinge a idade adulta, Simon Forman sofre
constantes injúrias físicas. Também lhe inpõem um sem número de contrariedades a nível
de promessas não cumpridas prendendo-se todas elas com a prossecução dos seus interesses
intelectuais. Porém, com uma persistência digna de louvor e provando que era um homem
de múltiplos recursos, consegue, por fim, estudar durante um período que tudo indica não
foi longo, visto que não lhe concedem diploma, em Magdelen College School, Oxford.

Se os escritos biográficos de Simon Forman se resumissem a este primeiro projecto, ou


seja à sua autobiografia, a posteridade teria ficado mais pobre a nível do conhecimento dos
vectores que enformaram a época em que ele viveu. Porém, Simon também redigiu um
Diário onde não se limita a expor os pequenos/grandes dramas do seu quotidiano, por vezes
bem sombrio, mas no qual refere com a minúcia que constitui um traço marcante do seu
carácter, toda uma série de episódios obscuros envolvendo algumas figuras públicas de
renome. Acabará, talvez, por contribuir para que os estudiosos do século XXI que, ao
contrário dos do XX, não desdenhem consultar a sua obra, se capacitem da verdade
subjacente a alguns factos envoltos em mistério e que, de outro modo, nunca seriam
esclarecidos.

Por escolha, tendência ou necessidade ou, talvez ainda, pela percepção honesta que não
confessa a si próprio e muito menos aos outros, de alguns hiatos de vulto em certas
matérias como a «matemática», ou melhor, a geometria euclidiana, área em que John Dee é
reconhecido e se assume como expoente máximo do seu tempo, Simon dedica-se à análise
das cartas astrológicas dos seus clientes, ao exercício da «medicina» e a pesquisas várias no
âmbito da práticas alquímicas e necromânticas. Escreve, mesmo, alguns livros sobre estas
últimas que nunca tiveram direito a publicação.

Ao contrário do que acontece com muitos outros cultores da alquimia, não se pode
atribuir às experiências do foro alquímico a culpa pelas desgraças que acometem Forman.
Porém, as suas incursões no âmbito do tratamento da peste e outras enfermidades, aliás
quase smpre coroadas de êxito, transformam-no em réu de crime grave aos olhos de um
qualquer cirurgião-barbeiro medíocre, mas encartado que, na ausência de diploma e licença
específicos por parte de Simon, não lhe reconhece capacidade para empreender a prática de
feitos deste calibre. Contudo, não se pode acusar Forman de invadir o espaço dos
«médicos» reconhecidos pelas Universidades, pois será a fuga cobarde destes para o campo
frente à gravidade e amplitude da epidemia que o obriga a assumir um encargo, talvez
ilegal mas, sem dúvida, profundamente humanitário.

Durante muitos anos, Simon sofre no corpo e na alma as consequências da sua argúcia
no âmbito dos diagnósticos e do seu sucesso a nível das curas com poções e mezinhas que
ele próprio preparava. O destaque vai para uma bebida que designa por «strong water» ou
«aqua vitae». É denunciado várias vezes, mesmo pelas pessoas cujos males sarou mas que
não querem satisfazer o preço justo, metido na cadeia outras tantas e, quase sempre por
longos períodos de tempo, comparece perante os tribunais, paga multas, cumpre penas.

Porém, se as sucessivas estadas nas enxovias que eram as prisões da época isabelino-
jacobita, constituem para Simon um verdadeiro tormento afectando-lhe mesmo a saúde, o
pior castigo que lhe foi infligido consistiu na apreensão do seu bem mais precioso, ou seja,
os livros de «medicina» adquiridos à custa de grandes renúncias e privações. (Isto para já
não falar de algumas obras sobre outras matérias que a justiça também lhe sonegou). Foi
uma perda irreparável a vários níveis, pois encontravam-se profusamente anotados com o
fruto das suas pesquisas nesse ramo do saber. Só 24 anos mais tarde lhe seriam restituídos
em parte e com lacunas graves.

Visto que Simon Forman nunca foi considerado digno de figurar entre os exemplos
paradigmáticos do homem culto do período isabelino-jacobita, as escassíssimas notícias
que a posteridade possui acerca dele anteriores à obra de Rowse, prendem-se, por capricho
irónico e perverso do destino, ou com um dos maiores escandalos da época em que viveu,
ou com algumas idiossincrasias específicas, porventura caricaturais, da sua natureza
multifacetada.
No que se refere ao incidente complexo que abalou os alicerces da aristocracia inglesa
e que se tivesse ocorrido nos dias de hoje sairia nos jornais sob o título «Caso Overbury»,
Simon é acusado de conluio com a Condessa de Somerset no assassinato de Sir Thomas
Overbury. De acordo com aqueles que o incriminam, ele terá fornecido o veneno com que
a Condessa afastou para sempre e em definitivo o entrave que se opunha à concretização
dos seus desejos mais íntimos. Não se nega que a Condessa consultara Simon por motivos
vários em diversas ocasiões, mas é bom não esquecer que Forman já tinha falecido há dois
anos quando ela cometeu o crime.

Quanto às singularidades de temperamento, um dos aspecto mencionados com maior


frequência e que se considera quase anedótico reporta-se às proezas sexuais de Simon que
este, aliás, desnuda sem pudor no seu diário (doenças venéreas incluídas), fazendo uso de
uma crueza, por vezes quase chocante. Apenas suaviza, por meio de uma palavra que
inventa ¾ «halek» ¾ o modo como designa o acto sexual. Contudo, a circunstância de se
manter casto até aos trinta anos e o denodo tenaz com que, depois, parece apostado em
recuperar o tempo perdido, esta é, pelo menos, uma das interpretações possíveis a partir da
evidência interna do texto, revestem-se de um ridículo indesmentível.

Segundo Rowse, Ben Jonson, o grande dramaturgo da tradição aristofânica da época


isabelino/jacobita, ter-se-ia aproveitado de certas discrepâncias do carácter de Simon
Forman para compor Subtle, o alquimista que é a personagem principal da sua comédia
satírica «The Alchemist». A hipótese não é destituída de fundamento, pois as semelhanças
entre o sujeito real e o sujeito que a mente fantasiosa de Jonson criou são bastante
evidentes. Contudo, Simon, mesmo obrigado a recorrer a expedientes e subterfúgios, por
razões de sobrevivência, nunca burlou os seus clientes de maneira tão ignominiosa e
desonesta como Subtle e os seus apaniguados o fazem em The Alchemist.

Na sequência dos parâmetros de raciocínio de Rowse, é legítimo sugerir que Simon


Forman se projecta ainda noutra personagem de Ben Jonson - Sir Politique-Would-Be ou
Sir Pol, o aspirante a político que desempenha papel de relevo na intriga secundária da
comédia satírica Volpone or The Fox. De facto, Sir Politique-Would-Be também redige
um diário onde, à semelhança de Simon Forman anota com rigor meticuloso os pormenores
mais ínfimos do um quotidiano monótono, feito de rotinas e sem interesse. Porém, o simile
termina aqui, visto que os registos de Simon não enfermam da estreiteza de horizontes e da
parcimónia de objectivos que os de Sir Pol evidenciam.

Volpone, or The Fox é levada à cena em Portugal com uma certa regularidade.
Contudo, Sir Pol está ausente do texto traduzido em português, uma vez que este se baseia
na versão resumida e, na perspectiva da maior parte dos estudiosos de Jonson, a todos os
títulos, adulterada de Stefan Zweig que transforma uma sátira, com a qualidade inegável
das suas antecessoras aristofânicas, numa comédia de costumes anacrónica e medíocre, mas
que o público não se cansa de aplaudir.

Como é óbvio, nunca se poderá ter a certeza se Ben Jonson projectou ou não, em Subtle
e Sir Pol, alguns traços de carácter de Simon Forman ou se meras coincidências ditaram as
analogias. Contudo, este dramaturgo é responsável por um facto muito importante: a
inclusão do nome de Simon Forman, enquanto Simon Forman, em pelo menos duas das
suas peças ¾ Epicoene or The Silent Woman e The Devil is an Ass ¾ pertencendo-lhe,
assim, o mérito de impedir que se perdesse, por completo, a memória de um alquimista que
os revezes da fortuna condenaram à diferença.

Bibliografia

French, Peter 1987: John Dee: The World of an Elizabethan Magus. London and
New York, Ark Paperbacks.

Herford, C. H.,& Percy and Evelyn Simpson, eds. 1965: Ben Jonson. Vol 5.
Oxford, Clarendon P.

Herford, C. H., & Percy and Evelyn Simpson, eds. 1966: Ben Jonson. Vol 6.
Oxford, Clarendon P.

Rowse, A. L. 1974: Simon Forman: Sex and Society in Shakespeare's Age.


London, Weidenfeld and Nicolson.
EL LIBRO DE
MARAVILLAS
Andrés Galera
CSIC, Madrid

Introdução

Atribuem-se a Raimundo Lúlio ŔRamon Llull no idioma catalão-, ortodoxos


testemunhos alquímicos como «Eu seria capaz de converter em ouro mares inteiros, se
tivesse suficiente mercúrio». Recordamos esta citação apócrifa para reflectir sobre dois
argumentos: a actualidade da alquimia e a errónea filiação alquimista atribuída ao ideário
luliano.

Sobre o primeiro argumento seria suficiente dizer que a física de partículas já


transformou em realidade o quimérico objectivo perseguido pelos alquimistas de converter
o mercúrio em ouro. A conversão não tem o valor económico de antanho, pois os custos
ultrapassam os benefícios, mas a experiência demonstra a identidade atómica que subjaz à
aparente diversidade material da natureza, orgânica e inorgânica, de modo que, em teoria, é
exequível transformar um elemento noutro, modificando a sua configuração atómica. Sob
outra forma, esta era a hipótese defendida pelos alquimistas ao realizarem as suas falhadas
transmutações. Hoje o processo é viável também no plano biológico; prosseguimos com
experiências de intercâmbio da matéria que recordam as pretéritas combinações alquímicas,
embora com resultados muito mais satisfatórios, pois sofisticadas técnicas de engenharia
genética permitem o intercâmbio das características anatómicas e fisiológicas que possuem
os organismos. Esta operação é simples, consiste em extrair do dador o correspondente
fragmento génico e uni-lo ao material genético do receptor, de onde se expressará seguindo
a correspondente pauta química. No plano unicelular, desenvolvemo-nos com desembaraço,
mas o mesmo já não ocorre relativamente à complexidade bioquímica do pluricelular.
Desconhecemos ainda numerosos aspectos do problema e, salvo todas as distâncias
ideológicas e tecnológicas, não estamos muito longe de alguns enunciados formulados no
século XVI por Gian Battista della Porta, designados como magia natural. Compartilhamos
com ele ideais e interesses, e as nossas são a versão moderna de algumas das suas
imaginárias experiências. Por exemplo, Porta não tem dúvidas em aceitar que é possível
obter frutos compostos misturando sementes que pertencem a diversas espécies vegetais.

EL LIBRO DE MARAVILLAS

Se atribuyen a Raimundo Lulio -Ramon Llull si usamos el idioma catalán[1]-, ortodoxos


testimonios alquímicos como <<Yo sería capaz de convertir en oro mares enteros si tuviera
suficiente mercurio>>[2]. Recordamos esta apócrifa relación para reflexionar sobre dos
argumentos: la actualidad de la alquimia, y la errónea filiación alquimista atribuida al
ideario luliano.

Sobre el primer argumento sería suficiente decir que la física de partículas ha hecho
realidad el quimérico objetivo perseguido por los alquimistas de convertir el mercurio en
oro. La conversión no tiene el valor económico de antaño, los costes superan a los
beneficios, pero el experimento demuestra la identidad atómica que subyace en la aparente
diversidad material de la naturaleza, orgánica e inorgánica, de suerte que, teóricamente, es
factible transformar un elemento en otro modificando su configuración atómica. Bajo otra
fórmula, ésta era la hipótesis defendida por los alquimistas al realizar a sus fallidas
transmutaciones. Hoy el proceso es viable experimentalmente también a nivel biológico, y
seguimos planteamientos generales de intercambio de materia que rememoran las pretéritas
combinaciones alquímicas aunque con resultados mucho más satisfactorios, pues
sofisticadas técnicas de ingeniería genética permiten intercambiar las características
anátómicas y fisiológicas que poseen los organismos. El planteamiento es simple, consiste
en extraer del donante el correspondiente fragmento génico y unirlo al material genético del
receptor, donde se expresará siguiendo la pauta química correspondiente. A nivel unicelular
nos desenvolvemos con soltura, pero no ocurre lo mismo respecto al complejo entramado
bioquímico pluricelular. Desconocemos aún numerosos aspectos del problema y, salvando
todas las distancias ideológicas y tecnológicas, no estamos demasiado lejos de alguno de
los enunciados formulados en el siglo XVI por Gian Battista della Porta bajo la
denominación de magia natural. Compartimos con él ideales e intereses y nuestros
experimentos son la versión moderna de algunas de sus imaginarias experiencias. Por
ejemplo, Porta no duda en aceptar la posibilidad de obtener frutos compuestos mezclando
semillas pertenecientes a diferentes especies vegetales[3]. La coincidencia ideológica no es
casualidad. El sabio napolitano realiza un lectura animista del libro de la naturaleza
estableciendo una relación causa /efecto entre la materia y la cualidad que supuestamente
representa y manifiesta. En el reino vegetal la semilla es el recipiente que alberga las
cualidades propias de la especie y su correspondiente representación morfológica, de donde
se induce que la fusión material de estos elementos dé como resultado una nueva
combinación cualitativa. Nuestra interpretación del problema se aproxima al de nuestros
antepasados más de lo que estamos dispuestos a admitir. Ya no especulamos sobre
cualidades, conocemos la base material de la reproducción, pero nos limitamos a
recombinar estas porciones materiales para intercambiar los caracteres orgánicos que
representan. En conclusión, nuestro desarrollo intelectual ha permitido sustituir la semilla
por el gen. No hemos esbozado esta correlación histórica gratuitamente, la finalidad es
exponer el referente filosófica representado por Tommaso Campanella y, siguiendo la
doctrina expuesta en su libro El senso delle cose e la magia[4], afirmar que la interpretación
mágica de la naturaleza es una etapa del saber caracterizada por el desconocimiento de las
causas que originan los fenómenos observados. Paulatinamente la naturaleza pierde el
alma, se materializa, la cantidad sustituye a la cualidad, se descubren leyes que
presuntamente la gobiernan y la hacen predecible. El proceso se llama conocimiento
científico. Aplicando esta línea argumental, la alquimia petenece a una etapa del saber
condicionado por la ignorancia y el afan desmedido de manipular la naturaleza que el
hombre manifiesta históricamente. Situación que hemos mejorado sólo parcialmente.

La segunda propuesta del enunciado nos conduce al objeto de nuestro análisis. Que el beato
Raimundo Lulio no practicó la alquimia es un hecho demostrado por los estudiosos
lulianos. Se ha comprobado la condición apócrifa de los textos alquímicos atribuidos, entre
ellos un tratado De Alchemia arrojado en 1372 a la hoguera inquisitorial[5].
Probablemente, a fomentar la confusión contribuyeron las prácticas alquimistas y
nigrománticas desarrolladas por su contemporáneo Raimundo de Tárrega, quien pudo
vislumbrar en el prestigio del beato el recurso apropiado para salvaguardar sus actividades
de la censura eclesial. Sea como fuese, el hecho es que durante siglos el nombre de
Raimundo Lulio abanderó una disciplina que no profesó. El Libro de maravillas es
inequívoco. La alquimia es un arte falso sustentado en la ambición y la codicia del hombre,
pecados que le convierten en crédulo y mentiroso. Es falso que se puedan transmutar las
sustancias, porque junto a la forma y accidentes que caracterizan la materia los objetos
naturales manifiestan una intencionalidad de ser y existir resultado de una combinación
adecuada de sus elementos constituyentes, facultad cuyo origen es divino[6]. El hombre
debe honrar a Dios y no pretender emularle. ¿Qué es el Libro de maravillas?

Raimundo Lulio nace en Palma de Mallorca hacia la mitad de la década de los años treinta
del siglo xiii y muere en su ciudad natal trascurrido el año 1315[7]. La licenciosa vida
juvenil dio paso a una existencia mística que le llevó a predicar la palabra de Dios por
Tierra Santa. En consonancia con este extremo compromiso religioso el Libro de
maravillas, escrito alrededor del año 1286[8], es un manual teológico sobre el conocimiento
que el hombre tiene de Dios. <<Ve por el mundo, y maravíllate de los hombres, porque
cesan de amar y conocer a Dios. Que el conocimiento y amor de Dios sean tu vida toda;
llora la flaqueza de los hombres que a Dios ignoran y desaman>>[9] es el argumento
ideológico que gobierna la obra con espíritu ejemplarizante. También sobre su contenido el
título es equívoco. Confusión que aumenta si utilizamos una versión posterior: Llibre de les
meravelles del món[10]. Maravillas no significa belleza, explendor, admiración de la
naturaleza y sus habitantes, equivale a sorpresa, estupor, ante el desconocimiento y
desamor que la humanidad dispensa a Dios, quien ha creado y entregado el mundo a los
hombres para que le conozcan, amen y respeten. Maravillarse significa descubrir a Dios, y
consiste en amarle y honrarle.
Bajo un enfoque puramente literario el texto manifiesta la condición heroica de la novela
medieval europea, pero su protagonista, Félix, no se escuda en la religión buscando
aventuras ni recorre el mundo tras los pasos del santo Grial, como hicieran sus coetáneos
Tristan y Parsifal en sus respectivas leyendas[11]. Compuesta en modo alegórico-didáctico,
la obra es un relato sencillamente apologético. Félix busca y encuentra a Dios en la vida
cotidiana teñida de privaciones y desdichas, porque es en el sufrimiento donde el
componente divino da sentido a nuestra existencia. Junto al tema literario el texto muestra
una corriente científica propia, contexto donde nos interesa evaluar cuál fue la lectura que
Lulio hace de ese libro universal que es la naturaleza. Su interpretación no sigue la doctrina
de la doble verdad, no distingue entre verdad racional y verdad revelada, hace de ambas en
un único pricipio unívoco. Así, al sermón religioso une la filosofía trazando un esquema
cosmogónico que comienza en la materia y termina en Dios. Es la escala del entendimiento
del mundo, tal y como narra en una obra posterior: Del ascenso y descenso del
entendimiento[12]. La secuencia se inicia en la piedra, prosigue con la llama, planta, bruto,
hombre, cielo, y ángel, hasta Dios. En el origen existió el caos[13], compuesto por los
cuatro elementos que enseñan clásicos como Ovidio, Empédocles, Platón, y Aristóteles[14],
sometidos ahora al dogma católico. Fuego, aire, agua y tierra, son las cuatro esencias
creadas por Dios[15] y materializadas en elementos simples de homóloga denominación.
Los elementos se relacionan formando una secuencia característica del cosmos: <<el fuego
entra en el aire, el aire en el agua, el agua en la tierra y la tierra en el fuego>>[16]. A esta
estructura sistémica se debe tanto la disposición, suspensión, de la Tierra en el firmamento,
como las propiedades de los cuerpos naturales. El fuego es el componente energético del
sistema y su propiedad calorífica se trasmite cíclicamente a los demás elementos. Calor y
frío, sequedad y humedad, son consecuencia de esta interacción, determinando las
cualidades de los cuerpos elementados. La materia inerte, los metales, se caracterizan por el
equilibrio, por la estabilidad de los elementos simples que la componen, constituyendo un
sistema cerrado e invariable frente al medio. Los seres vivos, plantas y animales, tienen
análoga composición, el círculo fuego-aire-agua-tierra-fuego es también el círculo de la
vida, y se caracterizan por el intercambio que realiza el sistema con el exterior para obtener
los cuatro elementos simples que consume en su metabolismo, representado genéricamente
por dos conceptos antagónicos: génesis y corrupción, formación y descomposición de la
materia viva[17]. A nivel sistémico el ser vivo se distingue de la materia inerte por su
inestabilidad. Como cuerpo elementado que es el hombre opera con idénticos
principios[18], fruto de esta elementaridad es su capacidad vegetativa, sensitiva,
imaginativa, racional y motora. La vegetación es responsable de la morfología; la
sensibilidad de los sentidos; la imaginación modela la percepción sensorial; por la razón
alcanzamos el conocimiento a través de la memoria, el entendimiento y la volutad, y el
movimiento es responsable de la actividad conjunta del organismo y sus facultades[19].

La conclusión tiene una moraleja teológica. Así conformada, la naturaleza no es un


concepto antropocéntrico no ha sido creada para uso y disfrute del hombre sino para que,
con su intelecto, descubra a Dios. El hombre es un privilegiado pero aún pertenece a la
categoría de siervo, y tardará varios siglos en liberarse de esta servidumbre para convertirse
en rey. Por ahora se contenta con ser la forma mas noble.
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--- Historia de la ciencia española, Madrid, 1975.
* J. Xirau, Vida y obras de Ramon Llull: filosofía y mística, México, 1946.
* F.A. Yates, <<La teoría luliana de los elementos>>, Estudios Lulianos, 3 (1959): 237-
250; 4 (1960): 151-166.
NOTAS
[1] La onomástica del personaje es enrevesada. En su época fue conocido por el nombre
latino de Raimundus Lulius (o Lullius), de donde procede la grafía castellana. En inglés se
le conoce por Raymundy Lull y Raimond Lulli, en francés se le llama Raimond (o
Raymond) Lulle, y en castellano se emplearon también Raymunde Lulio, Ramón Lull,
Remon Elulio, Ramo Luy, y Remon Lullio.
[2] Cf. J.Eslava Galán, Cinco tratados españoles de alquimia, Madrid, Tecnos, 1987, p.31.
[3] Gian Battista della Porta, Della Magia Naturale, Nápoles, Antonio Bulifon, 1677, libro
3º, cap. III.
[4] Tommaso Campanella, El senso delle cose e la magia, Genova, Il Basilisco Editrice,
1987, lib.IV, cap. 5, p.242.
[5] Cf. Miguel Massutí, Sus obras lulianas, Palma de Mallorca, Publicaciones de la
Maioricensis schola lullistica, studior. mediaevalistico, 1951, pp.42-3; J.E. Galán (ed.)
(1987), p.59. Al parecer, también se le atribuyeron versiones de textos pertenecientes a
Arnaldo de Vilanova. Cf. José Ramón Luanco, La alquimia en España, Barcelona, Alta
Fulla, 1998, pp.142-3 (facsímil de la edición de 1889, vol.I, y 1897, vol.II).
[6] Ramon Llull, Libro de maravillas, en R. Llull, Obra escogida, Madrid, Alfaguara, 1981,
p.140. En adelante R.Llull (1981).
[7] En 1315 se encontraba en Túnez, localidad donde está fechado su Liber de maiori fine
intellectus, amoris et honoris. Sin enbargo su cuepo recibió sepultura en la mallorquina
iglesia de San Francisco. Para solventar la disyuntiva geográfica la leyenda hagiográfica
luliana inventó un episodio rocambolesco que conjuga su lapidación sarracena, el rescate
por unos comerciantes genoveses que lo embarcan rumbo a Genova, y la acción de un
temporal que conduce la nave hasta la bahía de Mallorca donde fallece el futuro mártir. Cf.
Vida coetánea, puede consultarse en R.Llull, Obra escogida, Madrid, Alfaguara, 1981, pp.
1-22; también en F.B. Moll, <<Vida coetània del reverend mestre Ramon Llull segons el
manuscrit 16.432 del British Museum>>, Bolletí del Diccionari de la Llengua Catalana, 15
(1933), 33-39.
[8] Cf. la introducción de Miquel Batllori a R.Llull, Obra escogida, Madrid, Alfaguara,
1981, p. lxiii.
[9] R.Llull (1981), p.25.
[10] En castellano, por ejemplo, Libro Félix o maravillas del mundo, Palma de Mallorca,
1750, 2 vols.
[11] Entre otras versiones, Gottfried von Strassburg, Tristan, escrita en aleman hacia 1210;
Thomas de Bretagne, Tristan, escrita en francés hacia 1170; Wolfram de Eschenbach,
Parcival, escrito en alemán hacia 1210. Richard Wagner convirtió ambas leyendas
medievales en obras musicales con los títulos de Tristan und Isolda, y Parsifal.
[12] Ramon Llull, De ascensu et descensu intellectus, Montpellier, 1304. Citamos por la
edición castellana El libro del ascenso y descenso del entendimiento, Barcelona, Orbis,
1985.
[13] Al tema dedicó Raimundo Lulio el Libre de chaos, escrito hacia 1275.
[14] Junto a esta influencia del pensamiento clásica resulta interesante, y más cercana,
considerar como referente sobre la difusión de la teoría de los cuatro elementos los escritos
de los Hermanos Puros, secta fundada en Basora el año 950, difundidos a la Europa
medieval a través de la península Ibérica, donde se conocían ya en el siglo xi. La influencia
de la cultura árabe es también un elemento imprescindible para valorar el desarrollo
científico de la época. Sobre la relación entre alquímia y la teroría de los cuatro elementos,
cf. Gernot y Hartmut Böhme, Fuego, agua, tierra, aire. Una historia cultural de los
elementos, Barcelona, Herder, 1998.
[15] Cf. R. Llull (1981), pp. 104 y 131.
[16] Ibidem, pp. 101 y 132.
[17] Ibidem, p. 132.
[18] Ibidem, p. 191.
[19] Ibidem, p. 192.
ALQUIMIA ONLINE
José Augusto Mourão
Abstract

At the end of the nineteenth century and at the beginning of the twentieth,
before 1914-1918, one spoke of "vagabond religiosity" to designate an nebulous
alternative outside of the churches, individualist and spiritualist, modern in its own
way, or more less pantheistic. Nostalgia for the sacred survives and reappears in the
midst of jurassic transformations that mark society. That which had been considered
extinct repositions itself in simultaneous configurations never before seen. The
desenchantment of the world did not close the cycle of the "quest" for the divine.
But the reenchantment of the world is not equivalent to the rebirth of old or new
idolatries. Alchemy, as discourse as well as practice, by the empiricism to which it
gives birth, by the magic which it calls upon, by the secrecy which it establishes, by
the diffuse divinity at its disposal, by the cult of a living Nature, will apparently be
more sheltered from dematerialisation than the religions, for example. Its entrance
in cyberspace proves that after all "all that is solid is dissolved in the air", and this
field is subject to the same waste. Is it possible to foresee behind the misery of the
sacred that proliferates in cyberspace a new field of enchantment: the cybersacred?

Peut-on se passer de dieu pour accéder à l'objet au-delà du politique?


Michel Serres
...Et le dieu renaît dans le corps de l'homme
et l'homme renaît dans l'Esprit du dieu
et l'homme est le Christ et le Christ est l'Ame
qu'il faut traverser pour entrer en Dieu...
et l'Esprit qui est du Troisième Temps,
du temps transmuant, du Troisième Cycle
envahit la Terre, envahit les Eaux...

Jean-Claude Renard, Métamorphose du Monde, 2. Points et


Contrepoints, 1963, pp. 83-9

Never a separate domain of experience, religion pervades all culture.


From global financial networks to the casinos of Las Vegas, from computer
terminals to steel sculpture, contemporary culture displays an unexpected
religious dimension. Mark Taylor

Proliferação de transcendencias

A imagem da "Internet como mundo" empurra-nos para lá do mundo: para a


hiperrealidade. A palavra "network" traduz exactamente a ideia de renda, de malha, de
retículo, e a expressão "to fall into a net" designa exactamente "cair no laço". O fascínio
pelo "depthless screen" - o "abismo superficial" toca-nos a todos como espaço de jogo,
como êxtase da comunicação. Esta é a era do autómato e da repetição infinita. A "Web"
anuncia, antes de mais, o fim do círculo, o espaço stereoreal (Virilio). Muitos vêm nesta
nova droga a transparência do Mal; não poucos vêm a tecnociência como uma nova forma
de totalitarismo, como uma nova forma de eugenismo (Virilio), o reino da indiferenciação,
do Human Xerox, do pensamento único (Baudrillard). Certo é que estamos a passar do
mundo das coisas lidas ao mundo das coisas vistas, do homo sapiens ao homo videns. A
tirania do video-poder instalou-se entre nós como um destino[1]. Tornou-se evidente que o
protagonista da evolução já não é o homem, sim a técnica. Jean Perret começa a sua carta
manuscrita à IBM que o consultara para encontrar um equivalente francês de "computer"
por esta frase: "Cher Monsieur, Que diriez-vous d'ordinateur? C'est un mot correctement
formé, qui se trouve même dans le Littré comme adjectif désignant Dieu qui met de l'ordre
dans le monde", carta datada de 16 de abril de 1955. O Time Magazine consagra em 1983
como "O homem do ano" um computador, com este título: "The Computer Moves In",
especificando: "Um mundo emerge, resultando de uma reviravolta tecnológica que introduz
o computador junto de quem quer que seja". "Como ninguém dominou este processo, o
Time escolheu para "Homem do ano", não um homem, mas o Computador". O Computador
goza hoje de um estatuto de meta-instrumento que, sem confundir o espírito e o cérebro,
instaura a validade de um híbrido de um novo tipo.

Hottois fala mesmo de tecno-evolução. Ora, a "opção em favor da tecno-


evolução...coloca-se sob o não-signo e o não-sentido da transcendência negra"[2]. Cabe
aqui referir a proliferação de transcendências capitaneadas por ciber-gnósticos e ciber-
místicos de todos os bordos, que combinam a magia, a Ŗpsionicsŗ e a conversão cibernética
em função da iluminação a atingir.

No real ou no virtual, a vida é antes de mais a alma. A indústria cinematográfica já


não se contenta com a animação assistida por computador, procura dar uma espécie de
sopro a esses "seres" feitos de pixels e de algoritmos, recriar "criaturas virtuais", capazes de
aprender e de evoluir. Os clones, cada vez mais realistas, circulam nas redes com uma
delegação de poder fascinante. Monika Liston e Hugo Jo casaram-se realmente no
ciberespaço, pronunciando o "sim" através dos seus clones respectivos. É o prenúncio de
comunidades virtuais de clones, baseadas na vizinhança virtual, metafórica, simulatória. O
Ŗadultérioŗ é adultério, mesmo que seja virtual, de acordo com a ŖFamiglia Cristianaŗ. A
Argila virtual é um material audiovisual que se modifica e transforma os dados apreendidos
numa representação abstracta da significação destes dados. É sintomático que a crença
fundamental dos ciber-gnósticos seja que o mundo da matéria, a carne ou a entropia sejam
o demónio e que seja a pura informação o verdadeiro objectivo da realidade. A
virtualização do ciberespaço, i.é., a deslocalização e a desmaterialização do espaço social
da comunicação leva fatalmente à desencarnação nas relações sociais. A imaterialidade da
comunicação coloca-nos os problemas da desmaterialização e da dessubstantialização que
John Perry Barlow muito argutamente enuncia:
"Os vossos conceitos legais de propriedade, expressão, identidade, movimento, e
contexto não se nos aplicam. Baseiam-se na matéria. Aqui não há matéria." (John Perry
Barlow, A Declaration of the Independence of Cyberspace, Davos, 1996)".

Se combinamos as sociedades de Minsky, que são sociedades de espíritos (1988) e a


sociedade como texto de Brown (1986) obtemos um conceito de sociedades como
hipertextos. O hipertexto baseia-se em duas categorias fundamentais, nomeadamente nós e
elos. Os nós são estruturas atómicas de hipertextos que não estão comprometidos com um
tipo particular de dados. Podemos pensar num nó hipertextual como um pedaço de texto, ou
uma lexia, mas pode também esse nó como uma matriz de dados relacional, ou como uma
peça de informação de um outro tipo qualquer: entidades visuais ou unidades acústicas.
Esta distinção traz-nos um eco distante do "Tatsachen" und "Sachverhalte" de Wittgenstein
e permite a criação de um número infinito de redes semânticas de um dado conjunto de
dados. Não podemos esperar "intensities of human consciousness" de jogos de aventura
porque essas construções são fundamental e paradoxalmente extensivas, fundamentalmente
despedaçados, como os seus jogadores, entre um percurso e as suas alternativas, entre saga
e interface, hierarquia e rede. Mas podemos detectar a emergência de uma sensibilidade
fictícia mais harmonizada com as lacunas, as tensões, as fissuras com que o mundo
inconsútil das linhas tradicionais sempre procurou controlar, "purificar". O ciberespaço
radicaliza a racionalidade do espectáculo; nele, o indivíduo torna-se espectador de si
mesmo, do seu poder e da sua liberdade. O ciberespaço "existe" no interior de um espaço
virtual acentuadamente gráfico e configurável pelo sujeito. O sujeito pode, assim, organizar
e ordenar o cosmos à medida do seu gosto pessoal. O nosso planeta não é já a terra mas o
Windows (ou o Linux, ou ...). Os ambientes gráficos enquadram o ciberespaço numa ilusão
de mundo configurável pelo indivíduo.

Catástrofe dos Fundamentos

Que acontece ao sagrado na catástrofe das definições e dos fundamentos? Será a


quest tecnológica uma "quest" espiritual, como pensam M. Bauwens e Ken Wilber?
Anuncia o ciberespaço uma nova religio? Representa a cibercultura uma verdadeira
"ruptura instauradora" (Michel de Certeau) da Igreja do Espírito face à Igreja de Cristo, a
ordo clericorum de que fala Joaquim de Fiore? Não falta quem tenha feito a ligação da
franco-maçonaria à corrente joaquimita[3]. De resto, é sabido que S.João tem um lugar de
destaque na Fraco-maçonaria. As assembleias maçónicas tinham o nome de "lojas de S.
João". Joaquim de Fiore (1135-1202) que Honório III (bula de 1220) considerava ter sido
um católico que aderiu à fé santa e ortodoxa, anuncia nos seus escritos a idade do Espírito,
o tempo em que triunfará a "inteligência espiritual". Se o primeiro tempo começou com
Adão, atinge o seu apogeu a partir de Abraão e chegou ao seu termo com Cristo, o segundo
começa com Ozias (século VII a J. C.) "frutificou" a partir de João Baptista e de Jesus e
aproxima-se do seu fim. O terceiro foi inaugurado por S. Bento, "frutificará" com o
regresso de Elias e terminará com o juízo final. Na hora presente estamos entre o segundo e
o terceiro estado[4]. Ou então entre a sexta aetas (inaugurada por João Baptista e realizada
por Jesus) e a septima aetas, que será a hora do Sábado e do repouso[5]. Um novo
Pentecostes que abrirá para o mundo a idade da plenitude da inteligência (Concordia, V,
cap. 84. fº 112a-b). Um grande lugar é dado a João Baptista como o anunciador de Cristo e
a Elias, cujo regresso à terra, de acordo com a apocalíptica judaica, deve preceder o
acontecimento do Messias. A herança joaquimita encontrou em Arnaldo de Vilanova
(1238/40-1311), um teólogo leigo, médico de Bonifácio VIII, alquimista e cabalista, um
desenvolvimento insuspeitado. O seu livro principal Tratactus de tempore adventus
Antichristi (1292) foi condenado três anos mais tarde pela universidade de Paris. Uma
proliferação de pequenos grupos entre o começo do século XIII e que se prolonga pelo
século XIV indicia uma herança joaquimita não extinta. O movimento dos Apostolici
(1260) que tem à cabeça G. Segurelli, recusa a hierarquia. A heresia do "Livre Espírito"
(XIII) será denunciada pelo inquisidor Bernard Gui sob o título de "beguinos". Este
movimento continua, transmutado, no Pentecostalismo, hoje.

Seria interessante seguir a génese do Pentecostalismo (em que há fundamentalistas,


carismáticos ou Pentecostais e neo-evangélicos) que se define a si próprio como crença na
posse do humano pelo Espírito de Deus, um fogo não racional, não moderno que produz na
alma um número de efeitos que vão da capacidade de falar em línguas a outras
manifestações não menos espectaculares. Alan Purves lembra que havia nos anos 20 uma
canção "Hello Central, Give Me Heaven", que permitia a comunicação directa com o
divino[6]. Os Pentecostais são o grupo mais próximo da movência hipertextual e com a
nova visão de literacia. A ideia é que o indivíduo recebe o Espírito Santo directamente, a
visão do carismático coincide com a visão do leitor como autor e co-autor. O texto não é
algo fora de mim, sim, está antes de tudo, em mim. A Palavra, embora divina, é apenas
aquilo que eu sei e vejo; é filtrada através da minha consciência.

Cibersagrado

O ciberespaço, que em si mesmo, indica um espaço para além do espaço, propicia a


aparição de híbridos nunca vistos ou sequer sonhados. Depois dos jogos interactivos, as
ficções hipertextuais estão povoadas de monstros e de homens-máquina, "criaturas" nossas,
à imagem nossa, marcadas pela aura da simulação e de uma "glória" efémera. Anunciam
estas criaturas a emergência de um cibersagrado?" A placa mais baixa e mais enterrada, no
sentido da geologia, a que mexe pouco mas em ritmos multiseculares transporta o mágico,
o sagrado, fundamentais, primitivos", escreve Michel Serres[7]. A tentação do infinito está
omnipresente ao tempo e ao espaço do humano. Na literatura, na filosofia, na ciência, na
alquimia. A Pedra Filosofal, o lápis, o templo designam um território marcado, sagrado, de
procura do sentido como o irredutível de uma forma. A nossa identidade, os nossos direitos
e deveres e até os problemas fundamentais dos Estados, mesmo a soberania, são afectados
pela sociedade de informação em que entrámos. É isso que aborda a "infoética, neologismo
introduzido pela UNESCO para encarar os valores que emergem e os seus efeitos sobre os
valores estabelecidos. Como desenvolver uma nova ética? Como desenvolver uma nova
criação artística? Como desenvolver novas relações entre os homens, as técnicas, as
sociedades, as políticas e as culturas em vista da ciber-civilização que nos espera? Toda a
sociedade comporta a sua parte de sagrado que, a maior parte das vezes implícito, constitui
o seu fundamento. Depois da era da revolução industrial que quase a obliterou inteiramente,
não será tempo de se interrogar se não será preciso um novo tipo de fundamento. Não está
um cibersagrado a tomar forma diante dos nossos olhos[8]? Como o identificar? Como nele
participar? Para lá das dimensões abertas pelas novas tecnologias, será possível um
cibersagrado para desenhar o rosto do século a vir? Não estão os artistas, esses magos de
sempre, a esboçar este rosto por meio de tecnologias novas, a partir do élan simbólico-
técnico original?

"The research on cyberspace is a quest for God", afirma Paul Virilio. Levará a
navegação no ciberespaço a uma verdadeira Ŗquestŗ de Deus? Pode subscrever-se a tese de
Michel Bauwens segundo o qual a Ŗquestŗ da transcendência está de facto Ŗaramadaŗ na
psique humana e que a ciência e a técnica se tornaram meios para alcançar a
transcendência? "O sagrado é, especificamente, a presença da ausência (...), a manifestação
sensível e tangível do que normalmente está fora dos sentidos e da captação humana. E a
arte, no sentido em que nós modernos a compreendemos, é a continuação do sagrado por
outros meios. Quando os deuses desertam do mundo, quando deixaram de aparecer e de
significar a sua alteridade, é o próprio mundo que se nos afigura outro, revelando uma
profundidade imaginária, objecto de uma "quest" especial, dotada de fim em si mesma, e
remetendo apenas para si própria. Assim, a apreensão imaginária do real, que constituía o
suporte antropológico da actividade religiosa, começa a funcionar por si própria,
independentemente dos antigos conteúdos que a canalizavam"[9]. A religião no
ciberespaço tornou-se produtora e distribuidora de novos ídolos. Veja-se a Ŗlistservŗ de
Mark Taylor, autor de Erring: a Postmodern A/theology, chamada "Techspirit" - em que as
pessoas discutem as possibilidades espirituais abertas pela Net. Estranha intersecção de
tecnofilia e espiritualidade! Vale a advertência de M. Taylor: "O ciberespaço não nos dá a
cura para a nossa "schizo condition", pode antes exacerbá-la. O ambiente electrónico
determina o desaparecimento do significado no jogo dos significantes. Em termos
teológicos, esta reinscrição do significado em significantes pode ser entendida como a
morte de Deus, que é determinada através de uma incarnação radical. A sombra de
Nietzsche não larga o espaço de questionamento em que nos movemos. A Encarnação
torna-se dificilmente pensável porque o corpo é virtual. Embora virtualidade não seja o
contrário de realidade; pelo contrário, a chamada realidade é mais virtual e a chamada
virtualidade é mais real do que a sua simples oposição implica.
A Alquimia que Caiu na Rede

Um longo caminho se fez para se chegar a uma concepção do saber como


"arquipélago" (e não ilha) baseado na operação de partilha como dispositivo de criação e de
circulação de conhecimento. Vários regimes de conhecimento (tácito, explícito, disciplinar)
que incluem o técnico, o político, o religioso, o esotérico e o artístico são agora
reconhecidos, sem guerra de paradigmas, sem pretensões hegemónicas. Sem fusão, sem
reducionismo[10]. A linguagem representa hoje o denominador comunitário e o consensus
em que o homem actual se encontra. Talvez se possa mesmo caracterizar o estilo filosófico
actual como um consensualismo naturalista pela razão que consiste em se ter considerado a
linguagem objectivo natural da investigação filosófica, mas sobretudo por as diversas
escolas terem considerado a essência da linguagem humana como um convénio (consensus:
consentimento: thesei) natural (physei) do homem, onde o homem fica por sua vez
dialectizado entre a natureza (necessidade) e cultura (liberdade) e, como tal, definido como
animal (+) simbolicum.

A alquimia é uma prática e um discurso. Pratica-se e textualiza-se. Há uma


persistência de traços e de figuras que a tornam reconhecível dentro de uma tradição. Este
discurso é bem um representante dos discursos híbridos porque mistura em si o registo
utópico, cosmológico, místico, gnóstico, oratorial, laboratorial. Donde a dupla necessidade
do controlo dos enunciados, colocado pela veridicção, e da existência de um discurso
crítico que faça a análise genética dos textos abordados. Qual o estatuto de veridicção deste
discurso? Trata-se de um discurso cognitivo, fantástico, fabuloso, científico? O discurso
alquímico, como qualquer outro discurso, há-de respeitar a ética da leitura. É preciso
renunciar às interpretações que a obra não pode admiitir. Durante séculos, o pensamento
hermético provou que o não-respeito dos princípios elementares do racionalismo (e do
bom senso) apenas pode ocasionar perturbações e desordens prejudiciais tanto para o
indivíduo como para a comunidade. Se submetemos as obras a todas as interpretações
possíveis e imagináveis, teremos tudo e nada. Pior ainda se a maior parte dos preconceitos
são o fruto de abordagens interpretativas fundadas na suspeita, na sobreavaliação dos
índices mais fracos, quando não simplesmente inventados. O discurso alquímico, as
mnemotécnicas vertiginosas em que tudo remete para tudo, permitem-nos compreender
como determinados deste método se afundaram na confusão mental. Os alquimistas que
andam na rede (Dharmanet, Rubellus Petrinus) propõem portais de Artigos e Sites em que
"Ciência e Religião" caminham e convivem lado a lado, harmoniosamente. Pouco interesse
haverá em transpor o discurso alquímico para o meio digital. Os discursos canibalizam-se,
parasitam-se e, hoje mais do que nunca, nós somos todos ladrões de palavras. A alquimia
na Rede está sujeita à mesma deriva interpretativa que a religião ou a ciência. Pela sua
posição na fronteira dos saberes, a alquimia presta-se a toda a espécie de manipulação e de
aplicações: da cibervitaminas, à "cyberhealth", da "cyberwitch" à geometria sagrada, da
cibergnose à cibermística, da memética à patafísica. Os novos alquimistas no ciberespaço
não propõem, partindo de um horizonte comum - de conhecimento - outra matéria de
salvação, outra saúde, outra mudança.

Imanência - Transcendência

Desde o início do século que a teologia flutua entre a enfatização da divina


transcendência e da imanência divina. Karl Barth reafirma a transcendência divina e
Thomas Altizer tenta restabelecer a imanência divina na afirmação dos últimos valores da
"terra". Que é que eles não pensaram? Onde levou a alternativa transcendência vs
imanência? Há um terceiro termo não dialéctico que reside entre a dialéctica do ou/ou e
e/e? Pode este terceiro não ser nem um nem outro? A resposta a esta questão é o modo de
escrita que nos mantém abertos a uma diferença que não podemos controlar e a um outro
que não podemos dominar. Facilmente se reconhece nesta posição a tese de Bonhoeffer
segundo o qual o Ŗexistir para outrosŗ de Cristo converte Ŗo mais próximoŗ, isto é, converte
o próximo na mais consumada Ŗexperiência do trancendenteŗ[11]. É uma escrita dos
limites, uma parapraxis que resiste à clausura e ao niilismo das religiões fundamentalistas
que recusam o mundo, e a uma religião anti-fundamentalismo, que o santifica. "Nem o
'nay-saying' da religião fundamentalista, nem o 'yea-saying' do humanismo religioso
favorece um espaço em que a sagrado pode ser vislumbrado, uma afirmação da outridade e
da diferença sem 'fim'". Para Taylor, Ŗthe divine is never revealed directly but is always
embedded in and implied by material cultural practices where it appears in and through a
process of withdrawal. We cannot, therefore, examine religion directly but can only thein
about religion in an effort to trace what can never be truly comprehendedŗ. Ken Wilber é
um dos filósofos americanos que mais tenazmente tem procurado fazer uma nova síntese do
conhecimento científico e do conhecimento espiritual. Desde Up from Eden, No Boundary ,
Grace and Grit ou A Brief History of Everything que este autor, mais conhecido no campo
da psicologia transpessoal, vem estabelecendo os perfis básicos de uma "ciência" do
espiritual e contrariando o reducionismo da ciência contemporânea, responsável pela má
divisão entre o imanente e o transcendente. Uma hipótese básica de "Up from Eden" é a
distinção de duas linhas de desenvolvimento em termos de crescimento de consciência.
Wilber distingue o nível de alcançar o que ele chama a elite espiritual, que evolui desde o
chamanismo e a sua maestria no domínio da consciência a Buda, com a sua descoberta dos
estados subtis e não duais. Para Wilner como para Marx, de resto, a base tecno-social da
sociedade é a chave que determina o "estado médio da consciência". Ontem, a revolução
Gutemberg, hoje, as tecnologias da comunicação são as chaves determinantes desta base
tecno-social. Neste contexto, a Internet, como rede mundial de comunicações, como
tecnologia chave que estende os nossos sentidos para abarcar acontecimentos dispersos
torna obviamente um novo nível de consciência para lá da identificação com a nação ou o
Estado.

As empresas estatais privatizam-se, des-hierarquizam-se os modelos das


organizações financeiras, esfuma-se o controle das correntes financeiras. Tudo o que era
sólido se dissolve no ar, como previra Marx. É preciso saber que as mudanças no mundo
material objectivo, com base tecno-científica da sociedade não levam automaticamente à
mudança e ao crescimento humano. O que se recusa é uma espécie de ciber-utopia ingénua
que prometa um mundo paradisíaco em que mentes sem corpo e todas iguais, morando no
ciberespaço, criem um mundo de paz e de fraternidade. Uma vez mais, "science sans
conscience est dérive de l'âme". A socio-génese é um espelho da psico-génese. Poucas
pessoas estão preparadas para se moverem em estados puros transracionais, como os
estados mediúnicos (por exemplo os chamanes), causais (os santos), subtis (profetas) e não-
duais (mentes-Buda completamente realizadas), mas há um número considerável que se
está a mover para um novo estado fronteiriço entre a razão e o estado transracional. Este
visão chama-se visão-lógica (vision-logic) e é um passo em frente relativamente ao estado
racional. A Internet pode ajudar a passar a uma nova fase de transcendência, como pode
levar a novas formas de regressão.

Coda

As novas Ŗguerras de religiãoŗ lutam hoje para controlar o céu através de um sistema
digital e de uma visualização panóptica virtualmente imediata. Cultura digital, jet e TV são
luagres sem as quais não há hoje nenhuma manifestação religiosa, nenhuma viagem ou
alocução do Papa, nenhuma irradiação organizada dos cultos judaico ou muçulmano. ŖNum
Řciberespaçoř digitalizado, prótese sobre prótese, um olhar celeste, monstruoso, bestial ou
divino, algo como um olho de CNN vigia em permanência: sobre Jerusalém e os seus
monoteísmos, sobre a multiplicidade, a velocidade e a amplitude sem precedente das
deslocações dum papa entregue à retórica televisual (…) é imediatamente difundida,
massivamente Řmarketizadař e disponível em CD-ROMŗ[12].

Entramos em plena ciberantropologia da Desincarnação, na procura de uma realidade


pós-humana através dos recursos da tecnociência. O media holostético (de holos (todo) e
aisthesia (sentir ou perceber)[13] e, de modo específico, o ciberespaço, têm uma forma que
se exprime em termos mitológicos. As tecnologias imersivas (VR) cabem nesta classe de
media electroplásticos. O intento fundamental das RV é produzir no observador a
percepção de um acontecimento como se ele ocorresse no mundo físico. A holostesia é o
componente necessário de uma tal forma de percepção sintética. O ciberespaço pode criar,
jungindo a tecnologia holostética da VR e a tecnologia da comunicação, uma experiência
holestética partilhada. David Thomas diz que: "Este mito-lógico sugere que uma das
funções mais fundamentais do 'ciberespaço' é servir como um meio para comunicar uma
forma de 'gnose', conhecimento místico acerca da natureza de coisas e como elas chegam a
ser o que são (...). No ciberespaço, as mediações entre humano e pós-humano, espaço
analógico e espaço digital sugerem que o ciberespaço deve ser entendido não apenas em
termos estreitamente socioeconómicos, ou em termos de uma cultura paralela convencional,
mas também e sobretudo, como um operador metasocial inerentemente original e inventivo
e uma divindade potencial cibernética criativa"[14]. Muito daquilo a que se chama ciber-
espiritualidade é ou pode ser regressivo, como o transe provocado farmaceuiticamente pela
techno music. Não falta quem acredite que a Internet está a reiventar o símbolo no coração
do ciberespaço em formação. O laço é talvez o seu motor. Mesmo se aparece
frequentemente como uma prática puramente aleatória, ou semi-orientada em favor dos
"search engines", ou explicitamente orientada, como no recurso a bancos de dados, o laço
que se activa está prenhe de um poder de encontro acompanhado por um poder de
maravilhoso. À la limite é plausível evocar a emergência de um cibersagrado. Com
algumas interrogações. Era para aí que o pai da cibernética, Norbert Wiener, no seu
profético God and Golem Inc, A Comment on Certain Points Where Cybernetics Impinges
on Religion, publicado há quase quarenta anos. Pode a Internet abrir um espaço potencial
para um novo sagrado? Slavoj Zizek diz que, em vez de abrir um novo universo, o
ciberespaço produz o "insustentável fechamento do ser". "A perda da realidade" no
ciberespaço não é, diz ele, provocada pelo carácter vazio, imaterial, deste último, mas, pelo
contrário, pelo seu excessivo "enchimento"[15]. O infinitamente presente, a inteligibilidade
total codificada pelo meio sem fim ou por agentes inteligentes que limitam e conduzem as
nossas opções leva-nos, inevitavelmente, a sentir-nos num beco sem saída. Manda a
sabedoria que em vez de demonizar, com um misto de asco e de fascínio, aquilo que mal
conhecemos (as máquinas, o ciberespaço) melhor seria conhecê-lo.

Uma vez mais, foi pela mão da analogia (esse demónio antigo) que fomos levados a
aproximar a alquimia e o ciberespaço. Apesar dos perigos que essa operação acarreta: o
perigo da "impermeabilização da fronteira" e o perigo da "difuminación de la frontera"
(Muguerza). O primeiro é o perigo da incomunicação entre crentes e não crentes - os
tópicos do "intrusismo" e do "secretismo" têm uma força que a terra não conhece: "A terra
não guarda segredos"[16]. Ana Paula Guimarães apresenta o fim do segredo do conto "O
Príncipe das Orelhas de Burro" de uma forma que se poderia aplicar tanto à crença como à
magia. Que acontece ao segredo? "O segredo ("o príncipe tem orelhas de burro") confiado
ao fundo do vale ecoará nas flautas dos pastores construídas com as canas do canavial onde
nasceu. E é esse segredo revelado que faz com que o príncipe perca as orelhas de burro?"
(Cf., Conclusão de Falas da terra, p. 38). O segredo da graça é que não há nenhum segredo,
nenhum negócio com a libido videndi. O problema já não é o do limes em que se pensava a
religião e que delimitava o "mundo" e o "para além" deste mundo que se "revelava" no
mundo como "mistério". Movemo-nos hoje através de uma linha de desfronteirização em
que o problema do sagrado, da velocidade e da globalização são plataformas de encontro
para uma cultura que se pensa através da transformação acelerada de discursos e de
práticas. Longe vai o tempo em que se acreditava que "Homo Est Clausura Mirabilium
Dei" (Hildegarda de Bingen). Este enunciado dizia que o homem não é o centro do
universo, mas o seu fim. Não perder o anel, essa é a injunção maior que depreendemos da
prática sapiencial que é a alquimia. Podemos não acreditar na neomitologia que espera um
"Deus que vem" e que viria reconciliar o Pão e o Vinho, Cristo e Dioniso. Um equívoco
permanece: o trans-humanismo tecnológico não coincide com a transcendência post-teísta.
Mas não é exactamente esse equívoco que nos permite concluir que estamos às portas de
uma nova metafísica naturalista?

Notas
[1] Giovani Sartori, La democracia después del comunismo, Alianza, Madrid, 1993,
pp. 124-127.
[2] Hottois, "Humanisme et évolutionisme dans la philosophie de la technique", RIP,
161, 1987/2, p. 286.
[3] H. de Lubac, La postérité spirituelle de Joachim de Flore, 285.
[4] Joaquim de Fiore, Concordia IV, cap. 33, fº 56b.
[5] Cf. H. Mottu, La Manifestation de l'Esprit selon Joachim de Flore, Neuchâtel,
Delachaux et Niestlé, 1977, p. 241.
[6] Alan C. Purves, Web of Text and the Web of God, New York, Guilford Press,
1998, p. 187.
[7] Michel Serres, Statues, François Bourin, 1987, p. 214.
[8] Ken Wilber, A Brief History of Everything, Shambhala, Boston & London, 1996.
[9] Marcel Gauchet, Le Désenchantement du monde, Paris, Gallimard, 1985, 297.
[10] João Caraça, Science et Communication, Que sais-je?, PUF, 1999, pp. 109-114.
[11] Vide Javier Muguerza, ŖUna visión del cristianismo desde la increenciaŗ, in
Cuadernos FyS, 2000, Sal Terrae, p. 26.
[12] Jacques Derrida, in La religion, Paris, Seuil, 1996, pp. 35-36.
[13] O termo foi criado por William Martens, Spacial Image Formation in Binocular
Vision and Binaural Hearing, 3D Media Technology Conference, 1989.
[14] David Thomas, "Old Rituals for a New Space: Rites de Passage and W. Gibson's
Cultural Model of Cyberspace", Cyberspace: The First Steps, Benedikt, ed. MIT Press,
Cambridge, 1991, p. 41.
[15] Slavoj Zizek, The Plague of Fantasies, Verso, London N.Y., 1997, p. 150 e ss.
[16] Ana Paula Guimarães (com colaboração de Maria Emília Traça), "Secrets et
petits secrets dans la tradition populaire portugaise" in Secret et topique romanesque du
Moyen Âge au XVIII siécle, Lisboa, 1995.
O ESPELHO
objecto reflector do sujeito da reflexão

Pedro de Andrade

ABSTRACT

If the mirror idea implies, first of all, the vision of something that reflects in
it, this paper proposes an exposition on the nature of the mirror, that is, a reflection about
the reflection. This hermeneutics of reflexivity will be based on a cognitive figuration,
e.g., a visual conceptualization : in other words, the mirror concept is represented here by
a triangle, that reflects on himself and it is duplicated in an inverse way to the first,
producing the shape of a hour-glass, or a double inverted triangle, in the horizontal. The
dynamic time of the hour-glass contaminates, in this way, the space seemingly static of
the specular surface, transfering to the mirror a volumetric interdimensionality.

And, if the classic hour-glass, placed in the vertical, means the time that
flows and happens in a certain space, the horizontal hour-glass can transfer the sense of
the space that we temporarily cross, especially the polyvalent (synchronous and
diachronic) locus of our own existence. Indeed, the meanings given to and by the mirror
appear to be so diverse as reality is, or as unreality shows, as it will be verified later.

The conceptual metaphor suggested, the hour-glass disposed in the


horizontal, organizes, in first place, the form of the symbolic net of the mirror : that is,
four vertexes in its ends, two for each side of a fifth central vertex, this last one coming as
resultant and mediator of the previous ones, and representing the own essence of the
mirror in its totality.

In second place, as for the content of the symbols of the mirror, those four
polar vertexes sustain, substantively, two dichotomies. The first opposition presents
rationality in contrast with sensibility. Rationality is expressed by these concepts:
Řreflectionř, Řmediationř, Řappearanceř and Řpassivityř. Sensibility is exteriorized by the
terms Řbeautyř, Řvisionř, ŘforecastŘ and Řprophecyř. The second tension indicates the clash
between identity and otherness. In this dialectics, identity is nominated by Řself-
knowledgeř, Řperfectionř, Řsamenessř, and the Řphase of the mirrorř. Finally, alterity
appears in the following ideas: Řinversion of realityř, Řrelativityř and Řcommunication
among alteritiesř.

And if in the mirror and in its symbols underly, simultaneously, the


analogical, formal and dialectic logics, then is necessary to construct an inter-logic of
symbologies.

All this is transmited by the game of mirrors with which the mirror plays
with us.

1. 0 espelho, pretexto para a construção


de uma Inter-lógica das Simbologias
Se a ideia de espelho implica, antes de mais, a visão de qualquer coisa que nele se

reflecte, então irei propôr-vos uma exposição sobre a sua natureza, isto é, uma espécie de

reflexão sobre a reflexão. Esta hermenêutica da reflexividade será baseada numa

figuração visual, ou melhor, numa conceptualização visual: dito de outro modo, o

conceito de espelho é aqui representado por um triangulo conceptual que se reflecte sobre

si mesmo e se duplica de forma inversa ao primeiro, produzindo uma espécie de

ampulheta, ou duplo triangulo invertido, na horizontal. O tempo dinâmico da ampulheta

contamina, assim, o espaço aparentemente estático da superfíce bidimensional especular,

emprestando ao espelho uma interdimensionalidade volumétrica.

E, se a ampulheta clássica, colocada na vertical, significa o tempo que escorre e

que ocorre num determinado espaço, a ampulheta na horizontal poderá transmitir o

sentido do espaço que se percorre temporalmente, em especial o lugar polivalente da

nossa própria existência. Assim sendo, a existência readquire o sentido de locus

simultaneamente diacrónico e sincrónico. Com efeito, os significados conferidos ao


espelho têm-se mostrado tão abrangentes quanto a própria realidade, ou mesmo quanto a

irrealidade, como se constatará adiante.

Para ordenarmos as nossas ideias, regressemos à metáfora conceptual sugerida

acima, especificando-a:

Em primeiro lugar, de um ponto de vista da forma da rede simbólica do espelho,

a ampulheta projectada na horizontal possui quatro vértices nos seus extremos, dois para

cada lado de um quinto vértice central, este último apresentando-se como resultante e

mediador dos anteriores, e representando a própria essência do espelho na sua totalidade.

Em segundo lugar, perspectivando o conteúdo do símbolo do espelho, aqueles

quatro vértices polares sustentam, substantivamente, duas dicotomias: (a) de uma parte, a

dicotomia que mostra a racionalidade em contraste com a sensibilidade; (b) e, de outra

parte, a oposição entre as ideias de identidade e de alteridade. Tudo isto é-nos dito pelo

jogo de espelhos com que o espelho joga conosco.

Como veremos, qualquer processo ou trabalho de simbolização, que amiúde

transforma determinadas entidades quotidianas em objectos de culto, assenta em dois

passos fundamentais. A primeira etapa é a descrição de uma coisa ou ideia nas suas

propriedades concretas e materiais, como os atributos reflectores do espelho. A segunda

fase consta na interpretação de derterminadas acções, às quais se fazem corresponder

propriedades semelhantes ao objecto inicial, mas agora constituíndo traços de carácter

abstracto e imaterial. Por exemplo, o pensamento entende-se como uma espécie de

espelho do real, na medida em que, tendo como objectivo compreender a realidade, a

duplica abstractamente no cérebro, embora essa imagem reflectida não passe de uma

cópia incompleta daquilo que tenta explicar ou figurar, tal como no caso do espelho
concreto. O pensamento desvela-se, assim, enquanto duplo, quase uma ovelha Dolly da

realidade, ou uma clonagem usurpadora do mundo.

Note-se que este procedimento é essencialmente analógico, ou seja, confere a

mesma natureza a objectos ou ideias inicialmente diferentes, através de uma qualquer

semelhança detectada, quanto às suas características, mesmo se este procedimento se

efectua, por vezes, de um modo algo arbitrário.

Para além desta lógica analógica, que vive de semelhanças, tentaremos definir o

trabalho dos símbolos no interior das duas outras grandes lógicas existentes: a lógica

formal ou cartesiana, filiada parcialmente no pensamento de Aristóteles, que opera por

dicotomias mutuamente exclusivas, e a lógica dialéctica, que utiliza oposições também

irredutíveis numa primeira fase, mas logo a seguir consensualizadas numa síntese que

combina as valências positivas e negativas dos termos opostos anteriores.

Assim fazendo, poderemos construir uma Simbologia das Lógicas, que defina as

virtualidades simbólicas das lógicas precedentes, ou uma Interlógica das Simbologias,

que articule os vários tipos de lógica no estudo dos símbolos, tanto nas suas

potencialidades quanto nas suasinsuficiências. Aliás, este pensamento que tem como um

dos pilares o consenso das lógicas e o consenso das simbologias, assenta que nem uma

luva à acção democrática, essencialmente dialogante, propondo uma sócio-simbologia

democrática, que poderá ligar a reflexão sobre os símbolos, de um lado, à prática da

cidadania, de outro.
2. Especulações práticas sobre o speculu, ou expelo

Após estes prolegómenos e hipóteses de cariz mais epistemológico e teórico, vamos tentar

demonstrar, de um modo mais analítico e empírico, a sua oportunidade e veracidade em

casos particulares e exemplos que a História e a Sociologia dos símbolos, entre outros

modos de estudo, nos oferece. No entanto, esta consideração das particularidades do tema

submeter-se-á à sua síntese num todo inteligível, e não disperso. Mal estaríamos se, ao

tratar um tema como o espelho, não déssemos a prioridade ou mesmo o protagonismo à

reflexão, se bem que advogando uma reflexão sensível e plena de respeito pela alteridade.

Quanto ao primeiro conceito distinguido atrás, a racionalidade, ela é expressa,

antes de mais, por uma das teses mesmo agora apontadas, ou seja, a consideração do

espelho enquanto local de reflexão do real. Este atributo dos espaços especulares permite

perceber a analogia da própria construção da razão especulativa, que nunca é definitiva,

mas apenas rebate uma parte da luz da verdade, intrínseca à realidade que envolve o

sujeito pensante. Quando muito, o pensamento racional apresenta uma cópia imperfeita

desse mesmo real, tal como o espelho o faz.

Esta ideia de incompletude, de plágio, que subjaz ao trabalho da razão, como

também à acção das superfícies espelhadas, deriva precisamente de uma das propriedades

da reflexão, em termos da actividade concreta do espelho ou da acção abstracta do

pensamento, que é a mediação: a autenticidade do mundo ou a sua interpretação pela

razão manifestam-se de modo indirecto, em termos não-imediatos, mas através da

intermediação do pensamento, assim como o espelho intercala a realidade e a sua

imagem.
Por sua vez, as precedentes noções de reflexão, e o seu carácter indirecto ou

mediado, ligam-se a uma outra, o conceito de aparência. Dito de outro modo, o mundo

do espelho é mesmo real, ou funciona como uma espécie de poeta fingidor, mimando

Fernando Pessoa? Talvez a especulação do espelho, assim como a da razão, constituam as

primeiras realidades virtuais historicamente assinaláveis, antes mesmo do ciberespaço, e

prolongando-se nele. Não será o ciberespaço um imenso jogo de espelhos, e uma

incomensurável rede de reflexões? Nesta perspectiva, será que a autenticidade do espelho

consiste na clonagem daquilo que espelha, ou a reflexão, por si só, produz a sua própria

veracidade, a sua dicção da verdade, ou veridição?

Com efeito, um quarto conceito detectável no interior da dimensão da

racionalidade do espelho é a passividade. Tudo aquilo que copia, que imita uma luz

anterior, apenas possui um brilho herdado, e não genuíno. A sua acção é uma forma de

reacção. O sábio, é, por isso, frequentemente, um mero iluminado, e não uma fonte

primeira de claridade e de clareza. O espelho simbolizou, por isso, no universo simbólico

de muitas civilizações, a Lua que recebe a luz do Sol, ou, no seio do Cristianismo, a

Virgem que retoma a luz de Deus. Por outro lado, no Japão, o espelho encontra-se

associado à pureza e à sacralidade. De um modo geral, se o espelho é um simbolo solar

ou masculino, quando reflecte uma luz e a actualiza, torna-se um símbolo de feminilidade

quando exala este carácter passivo. Na China, a contemplação que o espelho induz

também não é activa.

Deste modo, o segundo grande pólo de significação simbólica do espelho, para

além da racionalidade, é a sensibilidade. Com efeito, uma propriedade concreta do

espelho é o fornecimento de uma imagem, captada por um dos órgãos dos sentidos, a

visão.
À imagem está associada idealmente o conceito de beleza. O mito, e o símbolo de

Narciso, da mitologia grega, demonstra a positividade, mas também a perigosidade, dessa

característica, especialmente se associada ao espelho. O espelho permite a auto-reflexão,

ora das ideias ora do corpo do sujeito. Se o corpo ou as ideias possuem uma beleza

intrínseca, essa vantagem pode transformar-se no seu inverso, a vaidade ou a luxúria.

Narciso constitui o paradigma do homem que se deixa aprisionar pela sua própria

imagem, bela mas também assassina, ou mesmo suicidária. O espelho enquanto símbolo

da vaidade e da volúpia surge igualmente em pinturas da Idade Média e da Renascença..

Uma outra ideia conectada à imagem do real reflectida no espelho, é o

conhecimento do futuro, a previsão ou a profecia. A visão no espelho predispõe à pré-

visão do real a ele inerente. A única realidade perceptível, principalmente quanto ao pré-

real, é aquilo que se deixa ver no espelho, e em particular, no chamado espelho luminoso,

pela cabalística. Segundo o Budismo, os espelhos mágicos permitem ver a forma da nossa

vida depois da morte. Uma tradição chinesa assegura que, se não reconhecermos a nossa

própria cara num destes espelhos, a nossa morte está próxima. Se um homem encontra

um espelho, é sinal também achará rapidamente uma boa esposa. Por outro lado, se

alguém recebe um espelho de presente, o seu filho terá provavelmente uma profissão

segura. Também na China, quando dois casados se deixam por muito tempo, partem um

espelho em dois pedaços, para mais tarde se reconhecerem e reunirem. Se um deles fôr

infiel, a sua parte do espelho transformar-se-á numa pêga, o que não deixa de apresentar

algumas semelhanças com o termo de calão Português correspondente.

O terceiro pólo do sistema simbólico do espelho é o da identidade, que deriva

parcialmente do primeiro pólo, o da racionalidade. Com efeito, através do pensamento

chega-se ao auto-conhecimento, etapa importante da construção da subjectividade. O


espelho indica assim a necessidade de meditar no sentido da perfeição, através

precisamente da reflexão e duplicação até ao infinito da própria imagem da pessoa que se

contempla nele, numa eterna aprendizagem. Trata-se da confrontação inacabada do Eu

com o seu duplo. A reflexão surge assim, simultaneamente enquanto fim e como meio

para alcançar esse desiderato.

Outra etapa fundamental nesta construção do Eu é a denominada Fase do

Espelho, circunscrita por Jacques Lacan, neste caso mais conotada com a sensibilidade e

o inconsciente. Este psicanalista Francês retoma os ensinamentos de Freud, especialmente

o processo de identificações sucessivas (aos genitores, etc.) que, no seu conjunto,

constituem a condição necessária ao aperfeiçoamento da identidade de um indivíduo. A

criança, no dizer de Lacan, vê-se a si própria como indivíduo completo, destacado dos

seus pais, quando se confronta com a sua imagem no espelho, Afinal, não será o rosto o

espelho da alma?

Também se revela possível aproximar Narciso ao culto da identidade, ao Mesmo

que se realiza em si próprio, em detrimento da comunicação ou compreensão dos outros.

O espelho fornece, assim, quase empiricamente, a imagem concreta da própria

mesmidade.

E chegamos, em contraponto a esta via da mesmidade, ao quarto e último pólo da

rede de sentidos simbólicos do espelho, a alteridade. Trata-se certamente da área

simbólica mais complexa e, talvez por isso mesmo, a mais fascinante, na medida em que

a ela se encontram relacionadas muitas ideias interessantes, tantas quantas as variantes da

diferença identitária.

Por exemplo, a reflexão provoca um mundo às avessas, isto é, uma inversão do

real, significado de conotação essencialmente negativa. Encontramo-nos diante do outro


lado, dos outros mundos, aos quais se ligam todas as inquietudes em diversos mitos. Por

exemplo, a morte no caso do apelidado Řespelho escuroř, ou a não-reflexão no espelho

dos seres demoníacos, como os vampiros.

No entanto, a consideração da alteridade conduz-nos a um outro conceito

simbólico fundamental, desta feita pleno de positividade. O facto de sermos diferentes

dos outros mostra a relatividade da nossa condição individual, e a necessária relação ou

comunicação com eles. Em particular, esta comunicação entre alteridades pode minorar a

alienação circulante nas nossas sociedades pós-modernas ou de modernidade avançada.

Alguns autores falam mesmo do ŘEspelho do Cosmos, para se referir à

comunicação cósmica entre as energias planetárias e até inter-planetárias, mediadas

precisamente por esse tipo de espelho. Ou mencionam os chamados Řespelhos interioresř,

que transmitem a realidade profunda do ser humano a níveis externos de consciência. Ou

os denominados Řespelhos maioresř, que canalizam o Logos da Terra para a diversidade

da vida planetária.

Subscrevendo ou não estas posições, o que parece certo é que o espelho apresenta-

se enquanto símbolo um tanto peculiar, pelo menos na realidade social. Na verdade,

sociologicamente, o símbolo define-se em dois planos: por um lado, revela-se como uma

das objectivações mais apartadas das situações de interação entre dois ou mais actores

sociais em co-presença, mais do que um índice ou um sinal, por exemplo; por outro lado,

o símbolo permite a passagem de um mundo de significados a outro.

Assim sendo, o espelho constitui o paradigma do local de passagem para outros

mundos da vida ou, por outras palavras, mostra-se como o símbolo dos símbolos ou

ainda, se nos é permitido dizê-lo, o símbolo mais simbólico de todos. Isto passa-se

nomeadamente por três razões:


(a) em primeiro lugar, devido à incompletude e à infinidade do espaço do espelho,

podem espelhar-se nele todos os mundos de símbolos existentes, sejam eles reais ou

fictícios;

(b) em segundo lugar, o espelho constitui um outro mundo, exemplar

simbolicamente, pela sua acessibilidade física e concreta, que é possível a qualquer

momento, o que não acontece, por exemplo, no mundo da morte.

(c) Em terceiro lugar, pelo maior poder de interpretação que o espaço especular

permite. Diferentemente de outros universos simbólicos, como o sonho, onde os

significados nunca deixam se ser ambíguos, o espelho apresenta-nos sentidos

relativamente claros, embora, como vimos, no-los mostre à sombra de uma luz indirecta.

Esta clareza relativa deriva, em grande parte, do facto de que as conotações circulantes na

superfície especular apresentarem-se filtradas, a cada momento, pela finitude do écran

que o espelho delimita. Tal como num quadro do Renascimento ou numa cena de

computador, a moldura dirige o olho, obrigando-o a concentrar-se numa perspectiva

única. No entanto, existe uma diferença entre a moldura do quadro e a moldura do

espelho. A primeira moldura institui a pessoa que vê como o único sujeito, e coloca-o no

centro do mundo. Na moldura do espelho, pelo contrário, a pessoa que observa e o

objecto 'espelho' aquirem, ambos, uma certa subjectividade. Ou seja, o mundo descentra-

se na pluralidade de reflexões do sujeito que o espelho cria e publicita.

Em suma, e a jeito de conclusão, se o espelho nos faz simultaneamente pensar,

sentir, identificarmo-nos com nós próprios e comunicar com os outros, ele recebe, por

certo, um papel central em qualquer Inter-Simbologia, já que se trata, como se

constatou, de um símbolo especial, que representa outros, ou seja, um meta-símbolo.


Língua das Aves e
Linguagem do Brasão
RICHARD KHAITZINE

Introdução

O poeta Gérard de Nerval, que sabia muito de cabala fonética, escrevia, a propósito da
arte heráldica: "O conhecimento do brasão é a chave da História de França". Melhor do que
isso, ela é a chave da História europeia. O erudito Granier de Cassagnac, por seu turno,
verifica: "O brasão é a língua mais vasta, mais rica e mais difícil de todas: uma língua
rigorosa e magnífica, com a sua sintaxe, a sua gramática, a sua ortografia".
Tratando-se embora de uma ciência antiga, a arte do brasão floriu verdadeiramente na
Idade Média, quando, apeados das tabuletas comerciais, os símbolos que formavam
trocadilhos e charadas, facilmente compreendidos mesmo pelos analfabetos, vieram ornar
os escudos da cavalaria e da aristocracia. Esta arte da charada disseminou-se igualmente
pelas oficinas em que se caligrafavam os manuscritos; estes veiculavam por vezes, sob a
letra do texto, confidências bem estranhas, ou mesmo ensinamentos de carácter esotérico.
Assim, os escribas encarregados da execução de iluminuras atribuíam à letra S o sentido de
"secreto" ou de "silêncio". O já evocado Gérard de Nerval sabia-o bem. Por isso, o leitor
sagaz pode espantar-se com a insistência com que o poeta atrai a atenção do leitor para as
suas "gralhas". Gérard de Nerval "erra" e não perde uma oportunidade de o dar a conhecer
aos leitores. Devemos relacionar este facto com com uma "gralha" singular que o leva a
escrever "bièrre" com duplo R em vez de um só. Este piscar de olho humorístico destinava-
se a sublinhar que a letra R, feita a traço muito fino em certos manuscritos, devia ler-se "R
étique" ou "R mince" e, por consequência, sugeria a palavra "hérétiques", aplicada aos
detentores do conhecimento por excelência, visados pelas perseguições, quer dizer, os
Gnósticos. Foi neste meio que encontrou refúgio, no seio das diversas sociedades inicáticas
Ŕ corporações, ordens, maçonarias da floresta tal como da pedra, e mesmo certas ordens
religiosas Ŕ e se propagou a arte hermética.

O brasão do ponto de vista etimológico

A maior parte dos historiadores, tal como os dicionários, pretendem que o termo
brasão deriva da antiga função dos arautos, encarregados de anunciar a entrada em liça dos
cavaleiros, durante os torneios. O arauto reconhecia os participantes pelas cores e tocava a
trombeta. Em consequência, brasão seria uma abreviatura de blasonar ou brasonar, no
sentido de bem sonante. A explicação é sumária e pouco credível. Na realidade, o termo
brasão provém do grego blaisos, referindo alguém não se exprime com clareza, que gagueja
ou ceceia. Tal é, de resto, o caso das armas falantes, também chamadas cantantes, as quais
se lêem por assonâncias, e quase fonéticas. Se os mencionados brasões se chamam
cantantes é por se exprimirem na língua das aves, quer dizer, pelo modo oblíquo dessa
cabala fonética, revelada no século XIX pelo erudito Grasset d'Orcet, e que motivou
consequentes comentários do alquimista conhecido pelo pseudónimo de Fulcanelli. A esta
cabala fonética recorreram os maiores autores: Luciano de Samosata, Ovídio (cujas
Metamorfoses devem ser ouvidas como sendo do Ovo - ou ovídio - alquímico), Dante,
Shakespeare, Bacon, Cervantes, Rabelais, Villon, Cyrano de Bergerac, Alfred Jarry,
Raymond Roussel, Maurice Leblanc, Gaston Leroux, Júlio Verne, Xavier de Montépin,
entre os escritores populares, e muitos outros. O mais recente de todos foi Georges Perec.
Também André Breton apreciou a cabala fonética. Grande admirador de Raymond Roussel,
num breve texto que lhe consagrou (menos de trinta páginas), intitulado "Fronton Virage",
Breton cita nada menos que dezassete vezes, de forma directa ou indirecta, o nome de
Fulcanelli e os seus dois títulos. Posto isto, surpreende que este texto esteja singularmente
ausente da maior parte das bibliografias e das antologias consagradas ao líder do
Movimento Surrealista. De qualquer modo, isto não é mais estranho do que a mutilação
voluntária de que acaba de ser vítima o título do segundo Ubu de Jarry, recentemente
reeditado. "Ubu Cocu" (Ubu Cuco, o que usa cornos... ou crescentes lunares) subintitulava-
se, nas edições anteriores: "Pièce alquémique". Esta menção, bem sugestiva, volatilizou-se
como o Mercúrio dos filósofos, sem dúvida por vontade de algum espírito que ninguém
qualificaria de saudável.

Para voltar à etimologia da palavra blason, o que acerca disso afirmámos parece
corroborado pela existência de três vocábulos franceses, caídos em desuso: blaiser,
blaisement e blésité. Todos eles exprimem a noção de ceceios, e por conseguinte a
dificuldade em se fazer compreender. É provável também que blaiser tenha fornecido por
deformação a palavra biaiser (enviesar). Ora biaiser ou enviesar, literalmente, é couper
dans le biais ou cortar em viés. Uma antiga canção, ligeiramente atrevida, parece lembrar-
se disso ao pôr em cena uma jovem costureira que afirmava algo que pode prestar-se a
equívocos:

Sou mãozinha em casa de Paquin,


Envieso da noite à manhã...

(Je suis petite main chez Paquin,


Je biaise du soir au matin...)

A língua das aves é por vezes definida como sendo a palavra cortada, ou ainda a
palavra que corta, isto é, uma linguagem indirecta, que nunca adopta a linha recta, que usa
torneios para só ser entendida por alguns... os iniciados. Bléser (ciciar) equivale a falar
como S. Brásio (Saint Blaise), o que nos traz algumas surpresas. Falar à maneira de S.
Brásio é silvar as palavras, como fazem os habitantes da Auvergne e da Picardia. Ora a
língua das aves desenvolveu-se enormemente nestas duas regiões. Já todos ouviram falar
dos trocadilhos da Picardia. S. Brásio era patrono dos pedreiros, dos talhadores da Pedra,
dos sapateiros, dos entalhadores e operários da construção. Invocavam-no além disso para
obter a cura dos males de garganta, órgão da Palavra. A lenda pretende que ele curou, por
imposição das mãos, um adolescente meio sufocado por uma espinha de peixe que lhe tinha
ficado entalada na garganta. A anedota dá a entender que o paciente se tornara áfono. Esta
precisão evoca irresistivelmente um estranho verso de Raymond Roussel: "Pour un pauvre
O d'aphone" (... um pobre O de áfono). Entenda-se que este O de áfono é mudo ou sem
som, expressão que joga foneticamente com a personagem bíblica de Sansão, que ficou
cego e por isso teria tido grande dificulde em ler. Mas não é isso o que o ensino
universitário hoje fabrica em série? - cegos, pessoas que, mesmo se por milagre,
conseguissem ler, não teriam a compreensão dos textos, porque tomam a letra pelo espírito.
Acrescentar a cegueira à surdez é o cúmulo! Este O mudo ou áfono, muet, ainda consegue
evoluir: pode ser endendido como mué (mudado), quer dizer, O transformável por
acrescento de traços que lhe dêem diversas significações em matéria de simbolismo
alquímico. Enfim, os mais desconfiados poderão encarar essa hipótese, pois Raymond
Roussel esclarece que se trata de um O em losango, estilo buril, uma marca oficial. E
porque não aquela que se encontra gravada sobre o ouro legal? Foi por a ter omitido, que a
um alquimista, no início do século XX, lhe confiscaram 76 quilos da produção própria, que
tinha tido a imprudência e a ingenuidade de querer negociar junto da Casa da Moeda de
Paris. Voltaremos a este assunto mais tarde.
Relativamente a S. Brásio, o seu nome vem de Blatius: o que debita mentiras. François
Rabelais sabia-o bem, pois faz dizer a uma das suas personagens: "Debitorius ce ne sont
que des sornettes". Esta frase significa: "debitar patranhas ou aldrabices". Entretanto, o
lanternês do Senhor Rabelais não é mais do que a língua das aves, e a palavra lanternois ou
lanternês deriva do latim lanterina, forma de laterina, isto é, a Maçonaria, a palavra
dissimulada. Ora, como todos sabem, os irmãos maçons procuram a Palavra Perdida. O
latim laterina fica próximo de latrina, ou retrete, local retirado, onde se fica a sós, em
segredo. Este significado confirma-se pelo grego lathra, que quer dizer secreto, escondido,
algo que se faz clandestinamente, o que se aplica às reuniões de iniciados. Acerca deste
assunto misterioso, que gira em torno do W.C., o meu livro consagrado à língua das aves
estabelecia o elo entre os evocados por Raymond Roussel no fundo "de um certo corredor"
e a sala, situada ao fundo do corredor, mencionada por Georges Perec em "La Vie Mode
d'Emploi".

Segundo Jacques de Voragine, na "Légende Dorée" (aurea legenda: o que deve ser
lido), S. Brásio era alimentado pelas aves. Não se pode ser mais exacto para dar a entender
que estamos na presença da cabala fonética. A lenda conta, além disso, que mulheres com
pressa de adorar deuses pagãos pediram que esses deuses fossem levados para o tanque, a
fim de serem lavados, e que lançaram as suas estátuas para o meio da água.

Isto não deixa de lembrar a injunção dos mestres alquimistas: "Blanchis Latone" e as
múltiplas alusões à suas lixívias. Tanto mais que a lenda informa que estas mulheres foram
martirizadas com pentes de ferro e que, em vez de sangue, o seu corpo libertou leite. Na
mesma ordem de ideias, Brásio foi lançado à água; traçou então o sinal da cruz sobre a
onda, que endureceu como terra. Mal está velada a alusão ao volátil tornado fixo. De
seguida, Brásio foi martirizado. A água transformada em terra sugere bem o banho
mercurial entregando o embrião de enxofre (soufre), ou seja, S. Brásio que sofre (souffre) o
martírio.

O brasão deu origem à peça de vestuário chamada "blazer", cuja etimologia os


dicionários remetem para o inglês "to blaze": flamejante. Não se vê, a priori, a relação
existente entre este adjectivo e um casaco ornado com um brasão. Em contrapartida, o facto
de um blazer comportar um brasão que identifica um nome de família, uma escola ou clube,
parece indicar que é preciso buscar-lhe a origem no argot: a palavra blaze significa o nome.
O antigo francês blois, designando o gago (bègue), tem a mesma etimologia que bléser
(ciciar) e seus derivados. Foi esta palavra que serviu para nomear a cidade de Blois, capital
dos Valois, em França. É interessante notar que a letra L, sempre associada ao brasão pelos
heraldistas, é igualmente, segundo Fulcanelli, a marca aposta ao Ouro alquímico! Para
acabar com S. Brásio, e a fim de ser completo, sublinhemos que no seio do ciclo arturiano
(textos herméticos) o cronista de Merlin se chama Blaise.
Quando a Heráldica Fornece o Nome do
Conde de Saint-Germain

Que o brasão seja a chave da história da França e da Europa verifica-se adaptando-


o a uma das fechaduras mais hermeticamente cerradas do século XVIII. Se existe
personagem que fez correr rios de tinta, e sobre cuja identidade os historiadores se
perderam em conjecturas, essa personagem é o enigmático Conde de Saint-Germain. A
despeito das pesquisas, o seu estado civil permanece desconhecido. Isto é tanto mais
paradoxal quanto nós temos as suas armas, que são falantes, e permitem, usando um
mínimo de reflexão, descobrir o nome do seu proprietário. O brasão em causa apresenta
um campo de goles cinturado por uma faixa do escudo, de ouro. Como a faixa do escudo é
a peça ou partição mais honrosa de todas, estamos certos de que o titular do mencionado
brasão foi um nobre de nascimento legítimo, por conseguinte esta peça desmente a
bastardia.

O campo de um brasão assemelha-se a um céu, no qual as peças ou partições


equivalem a planetas. De outro lado, a faixa do escudo corta o céu pelo meio, o que nos
autoriza a ler: De Medina Celi ou Coeli. Pessoalmente, veríamos aqui o nome de uma
célebre família de Madrid. De resto, esta hipótese recorta em parte as conclusões de Paul
Chacornac, o erudito livreiro autor de uma biografia muito bem documentada, que pensava
que o Conde de Saint-Germain era filho do Almirante de Castela, décimo-primeiro deste
nome: Jean Thomas Enriquez de Cabrera, duque de Rioseco, conde de Melgar. A
mencionada família era duas vezes aliada da Casa de França, primeiro através de Ana de
Áustria, filha de Filipe III, esposa de Luís XIII, e sexta neta de Frederico da Transtâmara,
primeiro Almirante de Castela; em seguida, através de Anne-Marie-Thérèse de Áustria,
filha de Filipe IV, casada com Luís XIV e sétima neta deste mesmo Almirante.

O pai de Jean-Thomas Enriquez, Jean Gaspard Enriques, estava aliado aos Médicis
pelo seu casamento com Elvira de Toledo-Ossorio. Com efeito, Eleonora de Toledo, filha
de Fernando-Alvarez de Toledo, o famoso duque de Alba, vice-rei de Nápoles, casou com
Cosme I de Médicis em 1539. O último Almirante estava unido aos reis de Espanha, de
Portugal, aos Imperadores da Alemanha, à Casa de França e aos Médicis. No que diz
respeito a Portugal, esta afirmação explica-se pelos factos seguintes. O Almirante descendia
em linha directa e masculina de Afonso XI de Castela, filho de Fernando IV e de Constança
de Portugal. Afonso XI casou com Maria, filha de Afonso IV, rei de Portugal. Teve dela
dois filhos: Fernando e Pedro o Cru. Da sua amante, Eleonora de Guzman, teve dois
gémeos, Henrique e Fernando de Transtâmara. Frederico, grão-mestre da Ordem de
Santiago da Espada, foi massacrado em Sevilha pelos sectários de Pedro o Cru. Os
Almirantes provêm de Frederico. Por consequência, os Almirantes descendiam de Fernando
IV pelo seu filho Afonso XI. Foi este ramo que desapossou os Infantes de la Cerda,
descendentes de Afonso X.
Afonso X, La Cerda e os Medina-Coeli

Afonso X, o Sábio (n. 1221, Toledo; m. 1284, Sevilha), foi rei de Castela e Leão
(1254-1284) e imperador germânico (1267-1272). Autor de uma obra cultural importante,
resumindo as correntes cristã, árabe e judaica da civilização espanhola do século XIII, é
considerado o fundador da língua nacional, o castelhano. Escritor e poeta, astrólogo e
jurista, interessou-se também pela alquimia. Devem-se-lhe as Tábuas Afonsinas.

Foi Sancho IV, irmão de Fernando, quem espoliou os herdeiros de Afonso X.


Afonso XI, pelo seu filho Frederico de Transtâmara e pelo seu neto, segundo almirante de
Castela, foi o tronco do qual brotou "Joana a Louca", mãe de Carlos V. Reencontram-se
nesta linhagem, por casamentos, os condes de Foix e a mãe de Henri d'Albret, antepassado
de Henrique IV, futuro rei de França.

Quanto aos Infantes de la Cerda, ramo espoliado e herdeiro legítimo do trono de


que foi expulso Afonso X, é o ramo de que nasceu a família dos Medina-Coeli ou Celli. Em
1663, o último almirante casou com Anne Catherine de la Cerda, filha de Louis-François,
sétimo duque de Medina Coeli. O duque pertencia à segunda raça saída de um bastardo de
Gaston Phoébus, conde de Foix, que tinha casado com a herdeira de la Cerda. Pelo
casamento do último almirante, os descendentes do ramo espoliado e os que pertenciam à
linha espoliadora encontraram-se assim unidos.

O Conde de Melgar, último almirante, teve uma vida fértil em ressaltos e fez
brilhante carreira. Foi ele quem opôs corajosa resistência à França, aquando da renúncia de
Casal, capitão do Montferrat. Foi no curso deste episódio histórico que um agente do duque
de Mântua, Mattioli, desempenhou importante papel. Neste mesmo Mattioli alguns
historiadores vêem o célebre Máscara de Ferro. Ao almirante, muito afortunado, deram a
alcunha de "Banqueiro de Madrid". Em 1697, morreu a sua mulher. Voltou a casar, com a
filha do oitavo duque de Medina-Coeli, também ela chamada Anne-Catherine. Esta morreu
em 1698. Segundo certas fontes, o almirante teria lançado os olhos a Anne-Marie de
Neubourg, mulher de Carlos II, rei de Espanha. Após a morte do esposo, Anne-Marie de
Neubourg teria cedido às suas propostas amorosas, delas resultando um filho: o futuro
Conde de Saint-Germain. Já o dissemos, isto parece pouco provável, pois o brasão do
conde atesta que ele era filho legítimo e não um bastardo... a menos que os dois amantes
tivessem casado em segredo.

A personalidade de Anne-Marie de Neubourg deu lugar à criação de inúmeros


mexericos. Alguns fizeram dela a mãe do Máscara de Ferro, outros pretendem que, no
exílio em Bayona, deu à luz um filho do marquês de Montferrat. Ora nós sabemos
igualmente que o almirante se ilustrou em Casals, capital do Montferrat, e que o conde de
Saint-Germain usa por vezes este nome. Quanto à historieta, Anne-Marie de Neubourg é
posta em cena por Victor Hugo, em "Ruy Blas", peça que os historiadores julgam
inverosímil. Talvez! Mas porque é que Hugo, que dizia que "as armas são os hieroglifos da
feudalidade", chamou "Blas" (Brás) ao seu herói, nome que evoca o blason (brasão)? Não
se trataria de uma obra à clés? Ruy parece raiz de ruído, som, o que daria "Blas-son".

Acerca da identidade
do Conde de Saint-Germain

Se a nossa hipótese de trabalho, no que diz respeito ao brasão, e salientado o nome


Medina-Coeli, é correcta, então Saint-Germain era filho do almirante e de uma das suas
duas esposas. Se tal foi o caso, após a queda do almirante seu pai, e da morte deste, em
1705, foi sem dúvida recolhido por uma família aliada. Se nasceu da segunda esposa,
prematuramente falecida (talvez de parto), em 1698, tinha de facto 7 anos quando morreu o
almirante, conforme o que contava de si mesmo, dando a entender que descendia de uma
nobre família de Espanha... na realidade, de duas famílias. E a origem dos seus pais
explicaria por que motivo Luís XV o tratava por "Meu Primo". Para mais, a genealogia, do
lado materno, quer dizer, dos Medina-Coeli, informa que Beatriz, a filha de Afonso X, o
Sábio, foi a esposa de Guilherme VII, marquês de Montferrat. Quanto ao seu filho, João,
senhor de Valência, veio a ser marido de Margarida de Montferrat. Por consequência, o
Conde de Saint-Germain teria usado o nome de alguns dos seus ascendentes.

Segundo o seu amigo, o barão de Gleichen, o futuro Conde encontrou refúgio na


corte de Jean-Gastón de Médicis, em Florença. Este último, muito versado nas ciências,
falava várias línguas (toscano, latim, inglês, alemão, boémio, francês, espanhol e turco) e
era também excelente músico. Graças ao seu pai, Cosme III, Jean-Gastón tinha sido o
primeiro a tentar experiências sobre a natureza do diamante, com a ajuda do espelho
ardente, sob a direcção do físico Targioni. Ora já vimos que existiam laços familiares entre
o almirante e os Médicis. Tudo isto explicaria perfeitamente as aquisições culturais do
Conde de Saint-Germain.

Entretanto, a família dos Medina-Coeli esteve envolvida num embróglio histórico,


relacionado com a história da monarquia francesa, como vamos ver.

Após a espoliação dos Infantes de la Cerda,


a espoliação dos Valois

Com a morte de Henrique III, a coroa passou para Henrique de Navarra, cuja
família já vimos que descendia daquela que tinha espoliado os herdeiros de Afonso X. Em
França, no século XVI, bis repetita... Com efeito, Catarina de Médicis, além dos filhos
varões que governaram, teve um quarto filho: François, duque d' Anjou, que os
historiadores alegam ter morrido sem herdeiro. Esta afirmação é falsa! D'Anjou tinha
casado, a 12 de Abril de 1575, com Jeanne-Adélaïde, duquesa de... Medina-Coeli! Até
parece que a história balbucia, como o brasão. Deste casamento nasceu Philippe-François
de Valois, duque d'Anjou e d'Alençon, que se casou em 1621 com Marie-Anne, duquesa
d'Arcas. Philippe-François não teria podido fazer valer os seus direitos à coroa de França
em tempo oportuno. Confrontados com o perigo, os descendentes ocultaram-se e a
linhagem desembocou, no século XIX, em Pierre Dujols... de Valois, livreiro erudito,
grande amigo de Fulcanelli, que estudou largamente as suas fichas relativas à história. Em
1879, em Marselha, Antoine Dujols, irmão mais velho de Pierre, publicou um opúsculo:
"Valois contra Bourbons", em que refutava provas em apoio das pretensões do Conde de
Chambord.

Compreende-se agora melhor que Fulcanelli tenha tido Dujols em alta estima. Não
era por pertencer aos Valois, facto de que troçava enormemente na sua qualidade de
libertário, sim porque sabia que o Conde de Saint-Germain era um dos seus antepassados.
Isto leva-nos a analisar o brasão do evanescente Fulcanelli.

A solução do escudo final

Este escudo é "De goles em Campo de ouro e com hipocampo levantado de prata
(ou branco) sobrepujado por um elmo com lambrequins". Sob o escudo, um filactério
(símbolo de segredo esotérico e hermético) com a divisa "Ober Campa Agna" - "por cima
do campo" - significando isto que o nome se lê por cima do terço inferior do escudo. Aqui,
o "Campo" representa o banho (ou água) mercurial que dá o embrião do "Enxofre". Este
enxofre está figurado no hipocampo. O hipocampo, virado à dextra para um observador
externo, mas virado à sinistra quando impresso, é prata ou AUBER, em linguagem
heráldica, e mostra a forma característica da letra J. A charada lê-se J-AUBER ou
JAUBER. Este nome é confirmado por OBER, que figura no filactério; unido ao J, dá
JOBER. Resta encontrar o primeiro nome. O próprio Fulcanelli indica maliciosamente a
solução. Com efeito, na página 314 das "Demeures"1[1], ele evoca o peixe de Abril, o
peixe místico, objecto de mistificações, e relaciona a sua tradição com o mercureau,
"pequeno mercúrio" ou ainda com o maquereau (duplo sentido: cavala, peixe; e malandro,
chulo). Acrescenta que este maquereau "serve ainda... para mascarar a personalidade do
expedidor".

Além de este "mercure-eau" ser "l'eau-mercure" (água mercurial), o maquereau


fornece-nos um primeiro nome. Sabendo nós que no calão do século XIX o maquereau
designava também, numa acepção precisa, o chulo ou ainda "un Alphonse" (um Afonso),
ficamos assim na posse de uma identidade completa, a de Alphonse Jobert, figura pitoresca
do princípio do século, cujo curso de Alquimia já publicámos, e que foi muito falado em
1905-1906. Numa entrevista concedida a André Ibels (notável libertário que frequentava
com os seus irmãos o botequim Chat Noir, fundado por Fulcanelli e seus amigos),
reproduzida pelo jornal "Je Sais Tout", de 15 de Setembro de 1905, foi Jobert quem contou
a anedota do confiante alquimista a quem a Casa da Moeda de Paris confiscou 76 quilos de
ouro alquímico. É provável que este alquimista fosse o próprio Jobert. Curiosamente, a
mesma anedota foi referida na sua hipotipose ao "Mutus Liber", por Magophon, quer dizer,
por Pierre Dujols de Valois.
Alphonse Jobert

O Dr. Jobert é o mais convencido, o mais persistente


"fabricante de ouro" da nossa época. Incansável, dedica-se a
novos trabalhos, a experiências inéditas no seu laboratório de
alquimista, repleto de toda a espécie de instrumentos.

De notar que o brasão comporta uma gramínea que podemos identificar com a
Orge (cevada). Na Cabala, "orge" equivale a "Or j'ai" (ouro tenho). A cevada tinha
substituído o culto do carvalho no Peloponeso e relacionava-se com as festas de Cronos.
Ambos os cultos se ligavam à imortalidade.

Relativamente à identificação de Alphonse Jobert com Fulcanelli, a nossa hipótese


é em particular confirmada pelas confidências de Raymond Roussel. Sabemos que no seu
"Comment j'ai écrit certains de mes livres" menciona o seu ex-professor de ciências sob o
transparente pseudónimo de "Volcan". Neste mesmo livro, a pretexto de dar as chaves do
seu processo literário (a Língua das Aves), Roussel fornece diversos exemplos, mas omite
conscientemente os desenvolvimentos de certas derivações sinonímicas. Assim, em "Parmi
les noirs", é necessário traduzir o narrador (explorador prisioneiro dos negros) por um J ou
Je (Eu) branco/alvo (ou auber) = Jeaubert.

As casas com chaves1[2] evocam a dinastia espanhola, a de Afonso X. O "tear de


alvas"1[3] traduz-se por JOB-ERE e Roussel duplica-o com "um engenho para tecer alvas,
instalado sobre o Tez" ou JOB-AIRE (redondo, roda ou alva) e T. "Soalho com cavilhas de
pé e chão de clavículas"1[4] mascaram respectivamente: J (tem a forma de tacha com pé e
Gaston Leroux lembrou-se disto para o "Pied gauche" do cadáver da rua Oberkampf) e
câmara de corretores da bolsa, os que manipulam o dinheiro (prata) ou AUBER. Os
turbilhões ou castelos no ar1[5] do palhaço relacionam-se com a mesma charada: Métier
(Job) - torre erguida (nos ares). Quanto a Chéri-Bibi (Moi J ou J), "impede as grandes
cabeças de erguer os ombros", em calão "perder o tacho", mandar o job/emprego pelos ares.

No seu conto "Nanon", Roussel liga Fulcanelli a Jobert, ao mencionar as "ciganas


(brincos) tornadas relíquias", as quais tilintam aos ouvidos dos leitores de Fulcanelli como
o "asno de relíquias" da sua famosa diatribe contra os oficiais. O infeliz Sylvestre oferece
ao narrador "um livro raro caído ao chão, intitulado Lágrimas de sangue". Esta charada
refere uma planta perlada, "Lágrima de Job"; as desgraças de Job são conhecidas, por causa
delas também Job verteu lágrimas de sangue; quanto ao exemplar raro caído no chão,
sugere uma terra folheada (livro e suas folhas) rara: Ernina ou Erbium, de símbolo químico
ER.

Poderíamos multiplicar os exemplos analisando quer Roussel quer Jarry, Maurice


Leblanc, Gaston Leroux e Georges Perec. Todos conheciam a identidade do alquimista e
fornecem-na sob a forma de charada. Acabaremos esta demonstração explicando porquê
Raymond Roussel fazia tanta questão em explicar a sua técnica do mate[6] no jogo do
xadrez mediante o Bispo[7] e o cavalo[8]. Roussel fala de uma "estratégia cooperativa" e
de "método", o que, transposto, se destina a evocar os trabalhos com o seu Mestre (o
Cavaleiro Branco), nos quais Roussel se reserva o papel do Louco[9] (literário). Segundo
Roussel, todo o segredo deste xeque-mate reside no facto de pôr o Cavaleiro em posição
cedilha do Louco, ou, dito de outra maneira, na casa inferior lateral relativamente ao Louco.
Por conseguinte, o Cavaleiro ou Cavalo (Hippo) mantém-se "acampado" sob (Hipo) o
Louco. Roussel assimila bem o seu Mestre ao Cavaleiro ou Hipocampo.

Hipocampo

Mas porque é que a demonstração de Roussel se fez a partir das peças brancas em vez
das negras? Porque "branco" ou prata é igual a "Auber" e as duas peças formam,
esquematicamente, a letra J. A charada, destinada a evocar o nome de Jobert, impunha que
as peças fossem as brancas. Seria necessário também evocar outros desenvolvimentos. O
Cavaleiro ou cavalo branco, por exemplo, não se dá gratuitamente. Além de figurar nos
escritos fulcanellianos, deve ser relacionado com Verax, o Cavaleiro branco do Apocalipse.
Roussel dedicou a este Verax o seu poema "La Meule", sugerindo versos a X, e X indica
um desconhecido e a letra J, décima do alfabeto. Gaston Leroux fez figurar no seu
"Fantasma da Ópera" um cavaleiro e um cavalo branco, jogando no D. Juan, escrito por
Erik, o fantasma, uma obra de ressonâncias apocalípticas. Madame Erlanger, em "Voyages
en kaleïdoscope", menciona uma carta da condessa Vera assinada com X. Poderemos falar
de concidências? Assinalemos que se este livro fosse retirado à pressa das livrarias teria
sido por conter uma indiscrição demasiado clara. Depois de ter evocado "pobres infelizes",
Madame Erlanger cita esta passagem: "Todos restituirão segundo a sua substância",
passagem retirada do "Livro de Job"!

Enfim, Georges Perec, no seu subtilíssimo "Desaparecimento", põe igualmente em


cena um cavalo branco e um D. Juan, ligando esta personagem à frase latina "Sic transit
Gloria Mundi", da qual Miguel Manara, por vezes confuso com D. Juan, retirou o título do
quadro que mandou executar a Valdès Léal: "Finis Gloria Mundi". Segundo E. Canseliet,
estas três palavras deviam constituir o título da 3ª obra de Fulcanelli. No capítulo 17º do
seu já mencionado livro, Perec fala do aparecimento do filme falado, isto é, do "som", e
depois, neste romance escrito sem a letra E, Perec refere um "bordj" que, em anagrama,
provida a palavra do E faltoso, dá "Joberd". Ora, segundo certos autores, Alphonse Jobert
era conhecido também sob o nome de "Dousson"1[10].

A verdade é que Fulcanelli, tenha ou não sido Jobert, deixa vestígios da sua passagem
e sucesso em Paris. No eixo do salão de honra da Câmara Municipal, figura um caixotão,
posto após 1908, em que vemos um brasão singular. Sobre o escudo lápis-lazuli salienta-se
um hipocampo de ouro. O brasão está ladeado por dois golfinhos e filactérios mudos. Por
cima está uma coruja, símbolo dos filactérios mudos. Em heráldica, o lápis-lazúli simboliza
o acesso à mestria cósmica, a unidade de si mesmo, as núpcias entre alma e espírito.
Imaterial no seu princípio, o azul desmaterializa o ser e a coisa que recobre, ele permite
reconhecer o elemento imutável através das mutações. Neste estádio, a individualidade
humana decresce e desaparece para ceder o lugar à verdadeira personalidade, espiritual, no
conhecimento perfeito que é o Ouro. Quanto ao ouro, simboliza a abolição definitiva do
eu1[11] corruptível que se reveste de incorruptibilidade. É a passagem dos Pequenos aos
grandes mistérios, o homem deixa de ser uma alma viva para se tornar um espírito
vivificador. Para aquele que atinge o estádio do Ouro, o tempo fica abolido, encontra-se no
limiar da eternidade...

Por conseguinte, cada um é livre para acreditar ou não acreditar que este brasão foi
aposto por Fulcanelli, para aceitar que Fulcanelli conseguiu ou não realizar a Obra... Resta
que o brasão existe e atesta factos.
Brasão ou "escudo final" do
Mestre, que figura na última
página do "Mystère des
Cathédrales", ed. J.J. PAUVERT,
Paris, 1964.

Notas da Traduçao (M.E. Guedes)

[1] Obra traduzida en portugués: Fulcanelli, ŖAs Mansoes Filosofaisŗ, Ediçoes 70, Lisboa

[2] Ŗmaisons à espagnolettesŗ, no original.

[3] Todo o texto que bem a seguir é de difícil traduçao porque envolve trocadilhos, calao e
procedimientos dos escritores surrealistas, para além de estar vinculado ao argot da
heráldica. Métier, entre outros significados, é ofício e máquina; aube, entre outros, é a alva,
é a alva a alvorada e um parámetro sacerdotal branco. Como diz o autor, é também a
prata=cor branca.

[4] ŖParquet (plancher) à chevilles à pied et parquet (dřagent de change) à chevilles (de
vers)ŗ, no original.

[5] Ŗtour en billonŗ. Billom tem vários significados, entre eles, moeda, dinheiro.

[6] Mat. O Mat é também o Louco, uma das lâminas do Tarot.

[7] Fou.

[8] O cavalo é o cavalier, que se traduziria por cavaleiro.

[9] Peça chamada "Bispo" mas que já sabemos corresponder ao Mat (Louco).

[10] "Do Som".

[11] Moi. Há outra maneira de dizer "eu" em francês: "Je", de que se ocupou o autor.
A ORDEM DOS
ARQUITECTOS AFRICANOS
E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO NO
ILUMINISMO EUROPEU

Jorge de Matos

Introdução

O séc. XVIII europeu foi o grande palco cronológico da transição histórico-civilizacional


da Europa Moderna para a Idade Contemporânea. Enquanto charneira geradora da
actualidade, implementou o Liberalismo político, definiu a economia de mercado,
subverteu a sociedade feudal, extinguiu o monopólio religioso e restruturou a cultura
científica.

Assim, justamente no âmbito temático da História cultural e mental, a Europa


setecentista assiste à emergência sociológica do Iluminismo, enquanto fenómeno de
acessibilização generalizante da Ciência racionalista e do seu inerente enciclopedismo
empírico-tecnológico.

Paralelamente, o panorama hermético europeu torna-se exteriormente acessível com a


especulativização maçónica e a diversificação litúrgica e conceptual das sociedades
iniciáticas.

Neste sentido contextual, a presente comunicação pretende enunciar o contributo


específico de um Rito maçónico setecentista pouco investigado e documentado Ŕ a Ordem
dos Arquitectos Africanos Ŕ para a divulgação preservante da Ciência Hermética,
nomeadamente da operatividade alquímica laboratorial, na conjuntura da cultura iluminista.

Aproveitamos ainda a oportunidade de agradecer reconhecidamente ao Dr. José Manuel


Anes o convite para participar neste II Colóquio Internacional ŖDiscursos e Práticas
Alquímicasŗ e à Drª Maria Estela Guedes, do Centro Interdisciplinar de Ciência,
Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa, a solicitação para apresentar esta
mesma intervenção temática específica.

1. O Iluminismo setecentista: Ciência e Hermetismo

Enquanto marco pontifical entre a modernidade e a contemporaneidade da civilização


humana ocidental, o séc. XVIII é o Ŗdas Luzesŗ, na sábia acepção expressiva da Aufklärung
germânica. Radicando de facto no final do século anterior na Alemanha e Inglaterra, o
Iluminismo setecentista postula uma integral substituição transmutante e vitoriosa de todas
as superstruturas conceptuais até aí vigentes por outras novas e totalmente opostas.

Alicerçado essencialmente na pioneiríssima omnipotência racionalista humana, o


Iluminismo concebe a Razão como Deusa de Luz face à Fé, que ilumina toda e qualquer
tenebrosa credulidade vinculada à Tradição escolástica medieval, substituindo a ignorância
e a miséria pela ilustração e pelo progresso, bem como a caridade devota cristã pela
filantropia humanitária deísta ou agnóstica.

Aos dogmas normativos e autoritários do Direito divino e das classes desiguais


contrapõem-se as leis equilibradas e abrangentes do Direito natural e das sociedades
igualitárias (por evolução ou revolução), além de promover o empirismo racional e
antropocêntrico face ao tradicionalismo teológico e teocêntrico, gerando o Liberalismo
enciclopedista face ao Absolutismo imobilista (passando pelo incontornável ŖDespotismo
esclarecidoŗ).

Sendo o Homem intimado sem recurso a “Sapere audere” ou Ŗousar Saberŗ, isto é,
desbravar as até aí intransponíveis fronteiras metodológicas e epistemológicas do
Conhecimento científico, ele vê-se vinculado à obrigatória necessidade de abandonar o seu
comodismo existencialista em função de um pioneirismo incógnito que transcende toda a
sua cosmovisão instituída Ŕ como na acepção subversiva da “Weltschaung” alemã Ŕ e que
apaixona o investigador pelo seu entusiasmo incentivante, virtualmente ilimitado da
pesquisa.

Esta estrutural alteração substituinte de eixo de percepção gera necessariamente a


inevitável auto-responsabilização científica da Humanidade ocidental então cristalizada na
letargia cognitiva vigente. Assim, face aos mesmos cenários, as ferramentas do património
oneroso do Passado analítico-dedutivo e da lógica abstracta da Matemática ou da
Metafísica são preteridas pelo livre arbítrio aliviante do Presente sintético-dedutivo e da
lógica factual da Biologia ou da Física 1.

De igual modo, o Iluminismo sócio-político e científico-cultural afecta igualmente a


Filosofia Hermética e as sociedades iniciáticas, tal como a religiosidade instituída e a
devoção popular. O séc XVIII é o dos filósofos e cientistas, também como dos teósofos,
destacando-se, desde o anterior, a mística do sapateiro alemão Jakob Böhme e do
clarividente sueco Emmanuel Swedenborg, projectada na teurgia do cristão-novo francês
Martinez de Pasqually e do seu discípulo Louis Claude de Saint-Martin 2.
Abordando o Esoterismo a face interna da Cosmovisão da Filisofia, a hierarquização dos
planos invisíveis da Realidade manifesta nos cenários factuais da Natureza, o Iluminismo
teosófico e iniciático, reivindicante do contacto com as entidades intermediárias, procurava
pontificar entre a Tradição e a Actualidade, elucidando o carácter espiritual da nóvel
investigação científica dos fenómenos universais.

As sociedades iniciáticas que se exteriorizaram progressivamente no séc. XVIII Ŕ como


a Maçonaria e a Rosa+Cruz Ŕ reflectem em Inglaterra, França ou Alemanha toda esta
situação, aproximando e distinguindo a Alquimia da Química na divulgação explicitante
daquela, acessibilizando assim os seus discursos práticos face à sociedade profana da sua
época, enquanto proposta de Via iniciática complementar ao Racionalismo empírico
emergente.

Subsequentemente à ruptura artificial entre a Magia e a Física com o astrónomo italiano


Galileu Galilei em 1602, ao divórcio entre o Ocultismo e o Racionalismo em 1623 com o
Padre Mersene (que anuncia o advento histórico do filósofo francês René Descartes e
insulta o alquimista inglês Robert Fludd na sua obra Questiones in Genesim), a distinção
entre previsão estatística e predição vaticinante em 1656 com o cálculo de probabilidades
do matemático holandês Christian Huygens, e a separação entre a Astrologia e a
Astronomia com a admissão exclusiva desta na Academia das Ciências de França recém-
criada pelo Primeiro Ministro Jean Baptiste Colbert, o cientista francês F. Geoffroy afirma
em 1722 a impossibilidade científica (hoje ultrapassada) de transmutação, separando a
Química e a Alquimia.

Refere ele na sua obra Artifícios concernentes à Pedra Filosofal que “A Arte jamais fez
uma geração de algum dos metais imperfeitos que, segundo os alquimistas, são do ouro
que a Natureza falhou, nem mesmo sequer fez um seixo. Conforme indica, a Natureza
reserva para si todas as produções”. Ignorava assim ele a ambivalência científica e
hermética (quando não alquímica) dos paladinos iluministas Isaac Newton e Emmanuel
Swedenborg, entre outros.

2. O Rito dos Arquitectos Africanos: Maçonaria e Alquimia

Sendo o séc. XVIII a grande época de diversificação externa paulatina das correntes
iniciáticas da Europa contemporânea, é também o palco específico da especulativização
teórica e conceptual da Maçonaria operativa e corporativa de raiz medieval.

Neste âmbito particular, verifica-se uma estruturação progressiva dos seus símbolos e
mitos temático-civilizacionais por sistemas litúrgicos diversos, hierarquizados em etapas
faseadas de sucessivo aprofundamento espiritual: referimo-nos aos Ritos maçónicos de
altos graus ou superiores aos três simbólicos universais de Aprendiz, Companheiro e
Mestre.

É neste contexto de multiplicação ritualística que devemos distinguir o sector do


Escocismo (referente à mítica génese escocesa medieval da Maçonaria operativa,
relacionada com a eventual sobrevivência críptica da Ordem do Templo, já canonicamente
extinta em França) e o da Tradição Egípcia (reminiscente na primitiva Tradição documental
da Maçonaria operativa, apesar de apenas estruturado durante o séc. XVIII, particularmente
com o magistério enigmático do Conde de Cagliostro, Grande Copta do Rito da Alta
Maçonaria Egípcia, e a emergência dos Ritos de Mênfis e Misraim).

Assim, face ao surgimento dos mais diversos Ritos de génese Ŗescocesaŗ, vão
igualmente florescendo os Ritos Egípcios, de essência mais hermética que o cariz mais
social e simbólico daqueles (sendo por isso geralmente ainda hoje por eles ostracizados e
desvalorizados).

Um destes casos exemplificativos e emblemáticos, anteriores ao magistério de


Cagliostro, é justamente o Rito dos ŖArquitectos Africanosŗ (isto é, ŖEgípciosŗ, na acepção
iluminista), fundado em Berlim c. 1767 por Karl Friedrich von Köppen (1734-1797), oficial
do exército prussiano que, tal como outros sistemas homólogos minoritários e selectivos,
arriscou o eventual e consequente desaparecimento histórico posterior com a sua sigilosa
confidencialidade documental 3.

Juntamente com J. W. B. von Hymnen, von Köppen publica em 1770 o tratado litúrgico
germânico Crata Repoa, que pretende reproduzir as antigas iniciações maçónico-
sacerdotais dos Mistérios Egípcios, realizadas no interior da Pirâmide de Quéops, na
necrópole real de Gizé. Esta obra obtém uma rápida e expansiva popularidade literária na
intelectualidade maçónica europeia e posteriormente também norte-americana, sendo
largamente traduzida em francês e inglês desde 1821 (por Jean-Marie Ragon e Antoine
Bailleul), discriminando com grande pormenor cenográfico os rituais dos diversos graus e
os respectivos segredos e fórmulas de reconhecimento entre os membros.

O Rei Frederico II o Grande da Prússia, protector nacional da Maçonaria e figura mítica


de fundação litúrgica, terá apoiado a criação deste Rito, o qual se ocupava eminentemente
de investigação académico-pedagógica esotérica, histórica e científica. Neste sentido, o
monarca patrocinara mesmo a edificação na Silésia de uma magnífica sede arquitectónica
do Grande Capítulo, contendo uma riquíssima biblioteca, um Museu de História Natural e
um laboratório químico e alquímico, além de premiar ainda anualmente com uma medalha
de ouro conferida numa assembleia magna o melhor ensaio científico-literário concorrente
sobre a génese da Ordem.

Professando uma doutrina eminentemente cristã, hermética e alquímica, este Regime ou


sistema filosófico-ritualístico compunha-se de cinco altos graus: Discípulo, Arquitecto ou
Aprendiz dos Segredos Egípcios; Iniciado dos Mistérios Egeicos; Irmão Cosmopolita,
Amigo da Verdade ou Mestre dos Segredos Egípcios; Filósofo Cristão; Tribuno ou
Cavaleiro do Perfeito ou Eterno Silêncio (além das três eventuais dignidades honoríficas de
Escudeiro, Soldado e Cavaleiro da Ordem, apenas conferidas por excepcional prestação de
serviços) Ŕ envoltos em alguma nebulosa confusão quanto às respectivas fontes
documentais.

Reunindo-se as suas assembleias litúrgicas em capítulos e decorrendo os rituais em


latim, a Ordem era governada por um Grande Capítulo constituído de 12 dignitários
supremos e um Grão-Mestre geral. Tratando-se, contudo, de um Rito marcadamente elitista
e impopular, quanto à elevada exigência da sua filiação académica, justifica-se a sua
escassa duração apenas até ao início do séc. XIX e parca expansão na Alemanha (onde
expirou entre 1786 e 1806) e França 4 Ŕ por falecimento dos seus patronos ou eventual
ingresso dos seus mentores noutros Ritos ou Obediências, ou ainda realizando os seus
objectivos herméticos fora de qualquer enquadramento maçónico.

Assim, o Rito fora efectivamente introduzido em França pelo empresário itinerante


estrasburguês Johann Friedrich Kuhn, maçom da Estrita Observância Templária do Barão
Karl von Hund, Réau+Croix do Templo teúrgico-martinezista de Bordéus da Ordem dos
Cavaleiros Maçons Eleitos Sacerdotes do Universo e membro da Loja parisiense ŖOs
Amigos Reunidosŗ do Rito egípcio dos Filaletos, encontrando-se ainda em contacto com a
maioria dos maçons ocultistas franceses e alemães da sua época.

Graças a Kuhn, o seu funcionamento francês verificava-se através de uma Loja


parisiense inicial e da sua sucessora ŖEstrela Flamejante dos Três Lizesŗ de Bordéus,
fundada em 1773 e posteriormente absorvida pelo Grande Oriente de França em 1875 5,
participando ainda alguns dos seus membros na fundação consequente de outros posteriores
Ritos maçónicos herméticos, como o dos Filaletos, igualmente egípcio 6.

Conclusão

Sinteticamente e conforme verificámos ao longo desta comunicação, o Iluminismo é um


movimento cultural e filosófico de profundos contrastes dinâmicos. Na sua transição entre a
Modernidade e a Contemporaneidade, não só opera o conflito secularizante entre uma
estagnação confessional e um progressismo laico, mas também a ponte epistemológica
entre a Ciência racional e a Tradição iniciática.

Apesar da já mencionada escassez de suportes informativos, é possível evidenciar a clara


inserção do caso da Ordem dos Arquitectos Africanos aqui em estudo no contexto pioneiro
transdisciplinar da Cultura iluminista científico-hermética. A sua idiossincrasia estrutural,
litúrgica e doutrinal reflecte a pluralidade esotérica ocidental da época.

Por outro lado, este Rito constitui uma emanação do Hermetismo egípcio, emergente e
patente na sua identidade ritualística e simbólica, de onde se destaca de imediato a
operatividade alquímica num enquadramento académico-científico não meramente
racionalista. Tal facto constata-se pela sua inerente confidencialidade documental e por um
explícito elitismo demográfico de cooptação selectiva.
ALQUIMIA E
PROCESSO PICTÓRICO

CARLOS DUGOS

....Os temas consagrados no corpo doutrinário, simbólico e técnico da Alquimia são


praticados no dia a dia por todos nós, incluindo aqueles que ignoram completamente a
existência da arte hermética.

Dado que ela se estrutura sobre as coisas da natureza e a natureza das coisas, de um
modo universal e absoluto, quaisquer pensamentos ou actos humanos, quaisquer factos
biológicos ou astronómicos expressam dados que, por analogia, coincidem com princípios
alquímicos.

Dado que ela se estrutura sobre as coisas da natureza e a natureza das coisas, de um
modo universal e absoluto, quaisquer pensamentos ou actos humanos, quaisquer factos
biológicos ou astronómicos expressam dados que, por analogia, coincidem com princípios
alquímicos.

Não têm aqui lugar exemplos detalhados, limitando-nos a convidar quem tiver da Arte
Real um conhecimento genérico, a experimentar traduzir para símbolos ou conceitos
herméticos as questões mais banais ou mais relevantes da realidade. Será essa a forma
privilegiada de demonstrar o que acima se afirmou.

No presente caso, o nosso objectivo consiste em estabelecer algumas analogias entre o


exercício da Arte pictórica e os temas alquímicos correspondentes.
Carlos Dugos: Pedra Cúbica Hermética
óleo s/ tela 116x81 - 1994

Por origem, a pintura é uma Arte tradicional. As técnicas gráficas e cromáticas de


representação, produzindo como que Ŗduplosŗ das entidades envolvidas num tema, foram
arcaicamente associadas à magia operativa, especialmente no que respeita à Ŗevocaçãoŗ.
Com efeito, representar é evocar; e, se em certos casos tal prática produz Ŗduplosŗ de
duração efémera - exemplo das modalidades sonoras e mímicas - na pintura, tal como em
outras Artes com suporte plástico, a durabilidade da evocação prolonga-se pela vida, mais
ou menos longa, desse suporte. Entra-se assim no domínio da iconologia ou seja, o
conhecimento da Arte de Ŗespelharŗ, em que a reprodução reflecte o original.

O ícone é, pois, o espelho de algo; no entanto, para que a representação alcance as


propriedades reconhecidas no modelo, há que manter a fidelidade às características deste,
não só na semelhança visual mas, sobretudo, na simbologia gráfica e cromática que lhe é
própria, de modo a que, nos planos mais sensíveis da realidade, a coincidência entre
original e cópia, atinja um elevado grau de analogia.
Por exemplo, a Arte do ícone, tal como permanece na tradição católica ortodoxa,
obriga a cuidados especiais na pintura sagrada, particularmente na obtenção e preparação
de pigmentos, técnica que se mantém em regime de segredo, unicamente transmitida por
via iniciática, de mestre a discípulo. E isto, porque a fidelidade à cor canónica restringe a
paleta a um conjunto de cores imutáveis, somente conseguidas mediante pigmentos únicos
e de origem exclusiva, entendendo-se que só esses e não outros, são susceptíveis de se
identificarem com o fim temático a que se destinam e a produzirem as tonalidades
simbólica e ritualmente actuantes, que mais se aproximam do modelo.

Falando-se de vermelhos e azuis, cores base de todo o cromatismo, a indefinidade de


tonalidades é imensa; e sendo que cada cor corresponde a um princípio, as tonalidades
obtidas pela sua mistura referem-se aos princípios nela participantes, tendo em conta a
proporção em que aí se encontrem.

CORES PIGMENTOS PLANETAS E METAIS

A doutrina tradicional do Ocidente estabelece correspondências analógicas, indicando que


as sete cores correspondem aos sete planetas da Astrologia e aos sete metais da Alquimia.

Convem assinalar que, nestes casos, tal analogia funciona mediante algumas
adaptações. Não se organizando por modelo sistemático - como acontece com os
postulados clássicos da ciência profana - mas constituindo-se de modo sintético, as
doutrinas tradicionais aproximam o que é da mesma natureza arquétipa, sem a preocupação
de um rigor absoluto nas correspondências. Tal preocupação seria de resto vã, na medida
em que nada, na natureza, é perfeitamente coincidente, já que o mesmo princípio, quando
expressado por modalidades diferentes, ou em diversos planos de realidade, apresenta
ligeiras modificações que impedem as transposições literais.

Por exemplo, a Ŗcorŗ negra, atribuída a Saturno e ao chumbo, não existe na paleta
cromática; trata-se mesmo da ausência total de luz e cor, ou seja a sua vibração está para
além da gama cromática perceptível pelo sistema ocular humano.

Quando em Alquimia se fala do nigredo refere-se o produto da uma carbonização,


associada naturalmente à negrura, eventualmente coincidente com os vários negros das
oficinas de pintura, todos eles oriundos de carbonizações, sendo o mais famoso obtido pela
queima do marfim.

Porém usa-se, na terminologia hermética, a designação de asa de corvo para definir a


coloração da substância carbonizada e, aqui, verifica-se uma aproximação à realidade
cromática perceptível, já que como dissemos, o negro não se Ŗvêŗ. Em sua representação,
descobriremos um azul tenebroso, obtido pelo Indigo mais expresso e profundo com
eventuais brilhos onde se manifestam as cores do Arco-Íris. Essa asa de corvo, versão mais
sublime do nigredo, já não é um simples conceito de trevas absolutas, mas a treva
promissora das etapas seguintes, correspondente à radiação próxima do ultra-violeta, com
os seus Ŗnegrosŗ violáceos, tão bem conhecidos dos pintores e que lhes serve para dar
corpo e espaço às zonas mais obscuras da obra.

Igualmente, o branco não existe; também ele fica aquém da percepção visual. Para o
observador mais atento, nem a mais pura neve é Ŗbrancaŗ, no sentido absoluto do termo.
Conhecida como é a capacidade dos cristais para refractarem a luz, transformando-a em
cores, por intervenção da sombra, será pouco convincente que um grande conjunto de
cristais, como é um campo nevado, possa ser, em rigor, considerado branco. Um olhar mais
próximo e atento descobrirá que essa aparente brancura é formada por milhões de partículas
cromáticas, brilhando na cores do Arco-Íris.

De acordo com a analogia tradicional entre o branco, a Lua e a prata, o albedo, ou


obra ao branco, diz respeito, mais propriamente, ao regime da prata. Ora a prata jamais foi
branca, como a Lua o não é, mesmo no máximo esplendor da sua rotundidade. Também
neste caso, como quanto ao negro, a brancura não passa de um conceito.

Correspondendo a um espelho luminoso e liso por fora, tenebroso e grosseiro por


dentro, a prata exalta a exteriorização da luz, mediante a oposição da treva; a luminosidade
extrema de uma gota de mercúrio, manifesta-se devido à densa obscuridade que vive no seu
interior. Neste tipo de corpos a luz não é absorvida, antes reflectida, apresentando por isso
as várias modalidades cromáticas envolventes que nele se vêm espelhadas.
Para o pintor avisado, todo o Ŗbrancoŗ será vivo e vibrante, como o deve ser todo o
arauto da luz e terá de reflectir, embora da forma mais subtil e ténue, as cores envolventes,
de preferência as do Ŕ sempre ele Ŕ Arco-Íris.

Há séculos que os pintores usam os carbonatos de chumbo quando pretendem os


brancos mais luminosos; no entanto os artistas não devem esquecer que, sendo o chumbo
filho metálico de Saturno, a alvura com que aí se assinala a suprema realeza divina, tende
sempre à rápida oxidação, ou não fora aquele deus vítima da sua própria condição temporal,
sobretudo enquanto Cronos, entidade votada à oxidação do tempo, à perda de brilho, à
velhice e ao exílio.

Existem pequenos segredos para conservar, com alguma frescura e durante séculos, a
limpidez dos carbonatos de chumbo, tendo-se sobretudo em atenção o medium interventor.
O erro maior, em que reincidem muitos coloristas, é o de misturarem o branco de chumbo,
vulgarmente chamado de prata, com outros pigmentos, na intenção de aclararem os tons. O
estigma da velhice plúmbea que Saturno suporta razoavelmente na solidão, quando
associado a outros metais ou planetas, revela-se rapidamente destrutivo, produzindo neles
uma corrosão súbita e acentuada.

Os cuidados a ter nestes casos são extensivos aos cromatos de chumbo que,
manifestando o oiro virtualmente existente no metal de Saturno, produzem os inigualáveis
amarelos, ditos de cromo, aptos a transmitirem cromaticamente o esplendor solar. A
mistura de tais aristocratas com pigmentos mais modestos é mutuamente destrutiva,
revelando-se aí a face demoníaca do Sol que tudo queima, sendo de aconselhar o uso do
amarelo de cromo puro como base, protegendo-o após a secagem com um bom isolante
transparente, depois do que, ao modo de velatura, se pode cobrir com ténues véus de outra
cor, obtendo-se pela transparência o que numa mistura directa seria catastrófico.

Ainda sobre os brancos de oficina, pode indicar-se o de zinco, na forma de óxido.


Sendo o zinco da parentela do tradicional estanho, atribuído a Júpiter, não é de estranhar
uma tendência inata para Ŗazularŗ, por coerência com a cor emblemática do Rei dos
deuses. Esta espécie de metamorfose determina uma tonalidade baça. No entanto,
misturado com cores sólidas é relativamente estável.
Modernamente, o dióxido de titânio congrega em si as melhores qualidades dos outros
brancos, sendo aconselhável a sua utilização em qualquer caso ou mistura. Embora
também se trate aqui de um familiar do estanho, o titânio mantem inalteradas as qualidades
reais de Júpiter, apresentando-se, por isso, sereno e estável.



Depois da carbonização mortal do nigredo; depois das purificações sucessivas


conduzindo ao albedo, a matéria alcançada entra num regime de manipulação
particularmente intenso, última fase da obra a caminho do rubedo.

As múltiplas variedades de vermelho, com que os mestres descrevem a coloração da


substância assim produzida, evocam de pronto a presença guerreira de Marte, quer devido
à violência dos processos usados para aí se chegar, quer à natureza que, então, anima a
nova pedra.

Em pintura, estamos, neste caso, perante os óxidos de ferro Ŕ vulgo ferrugem Ŕ


obtidos pela acção húmida do elemento líquido sobre o ardor marcial.

Estes pigmentos revelam-se arrogantes e agressivos, de acordo com a sua origem e


natureza. Ares, o Marte helénico, governa o signo astrológico de Aries, o carneiro
impetuoso, cuja cabeça, em bronze, constituía a peça de percussão do aríete, artefacto
militar com que se arrombavam as portas das fortalezas, durante os assaltos.

Do mesmo modo que o pintor disciplina e conduz o potencial dessa agressividade,


para obter dos vermelhos a docilidade promissora de um Agnus Dei, o alquimista usa a
extrema vitalidade manifestada pelo espírito do ferro e elabora a Obra durante o signo
astrológico do Carneiro, governado por Marte, substituindo as hordas de milicianos prontos
ao combate, pelos rebanhos pacíficos e fecundos.

Do mesmo modo que o ardor militar conduz o herói à vitória, sendo-lhe então imposta
a coroa, o ardor da fé leva o crente à dádiva heróica da vida, em nome da sua crença, sendo-
lhe então conferido o emblema vegetal da palma. O mesmo princípio, representado por
Marte guerreiro, conduz a sua prole, seja a ela a das espadas que ousam, ou a da
espiritualidade irredutível, via esta que é designada por um vocábulo saído directamente do
nome do deus da guerra Ŕ o martírio.

Existem outros vermelhos não ferrosos. Por exemplo, o cádmio, sendo uma espécie de
zinco pertence à casa dos estanhos, governados por Júpiter, Rei dos deuses. Neste caso a
coloração vermelha não vem por via guerreira directa, mas pela sua sublimação na forma
real. Em pintura, os sulfuretos mais ou menos puros, deste metal, produzem belos
vermelhos e amarelos, de grande luminosidade, mas com tendência para Ŗazularemŗ,
tornando-se baços, quando misturados com outros pigmentos, em particular os que
produzem brancos.



Negro, branco e vermelho constituem as cores base da Obra, já que todas as outras
são modalidades específicas ou misturas destas três. Se observarmos a fenomenologia das
cores a partir da doutrina tradicional dualista, em que a realidade absoluta, para manifestar-
se, tem que cindir-se num par de opostos, teremos presente o conceito de Goethe, segundo
o qual, genericamente, a cor provém da síntese entre os efeitos da luz e da treva. Várias
experiências ópticas podem demonstrar esse postulado.

Assim sendo, existem duas Ŗfamíliasŗ cromáticas: a oriunda da treva Ŕ os azuis e a


oriunda da luz Ŕ os vermelhos. Com efeito, a luz vista através da treva apresenta-se
vermelha - como o demonstram certos pôr-de-sol espectaculares - enquanto a treva, vista
através da luz se torna azul, tal como se pode constatar, ao olhar-se o céu, negro por
natureza, como todo o espaço exterior à Terra, tingido de azul pela luminosidade da
atmosfera que aí se interpõe.

Deste modo - e embora pareça estranho Ŕ podem considerar-se certos amarelos,


particularmente os de cádmio, como uma modalidade de vermelho, ou os verdes oriundos
dos ftalocianinos de cobre, como modalidades de azul.

Entre amarelos e vermelhos, passando pelo conceito de laranja, que tanto pode ser um
amarelo mais tinto como um vermelho maios claro, existe uma indefinidade de nuances,
todas elas oriundas do vermelho. Igualmente, entre azuis e verdes, passando pelo tom
chamado turquesa, que tanto pode ser um azul esverdeado como um verde azulado a gama
é vasta, sendo que aí impera, como base, o azul.

No limite extremo dos vermelhos encontraremos um amarelo ácido, muito claro, por
vezes designado por limão Ŕ cádmio, tal como no limite do azul surgirá um tom cerúleo
muito claroŔ ftalocianino de cobre. Do encontro, ou mistura, entre estas duas estirpes
aparece, como síntese, um verde vibrante e particularmente luminoso; dele não se pode
dizer que pertence aos vermelhos ou aos azuis, porque será como um crioulo, em que se
misturam dois sangues, duas expressões diametrais de dois princípios.

E esse verde é, afinal, o meio termo de equilíbrio entre o Céu branco, em pura
luminosidade, correspondendo cromaticamente ao vermelho e a Terra, negra, em completa
treva, representada na manifestação sensível pelo azul. Trata-se, neste caso da cor central
da natureza verdejante e fecunda, vivendo entre o elemento aéreo da atmosfera celeste e o
elemento ctónico da densidade terrestre. Esse verde é a cor emblemática de Vénus, patente
na maçã que a deusa ostenta; nele revive, em permanente recomposição, a vida,
ciclicamente regenerada ou Ŗre-geradaŗ, contendo em si os elementos uranianos e telúricos,
consubstanciados numa nova unidade, representada pela manifestação do ser.

Como ultima nota, sobre este aspecto, não esqueçamos que este verde encontrado pela
síntese entre o princípio das trevas e o da luz, corresponde, de outro modo e noutro grau, à
púrpura, uma modalidade de violeta, obtida a partir da mistura do azul e do vermelho,
respectivamente aludindo à verdade e ao amor, na emblemática iconográfica. Ainda
relativamente ao papel regenerador de Vénus, lembremos que, se o manto da Virgem Maria
é azul, a sua túnica é vermelha.

VOLATILIZAR O FIXO – FIXAR O VOLÁTIL

A dualidade, que anteriormente definimos como sendo o mistério, ou o processo central


da manifestação, continua a servir-nos de condutor, na compreensão dos mecanismos da
Obra de Arte, seja ela pictórica ou alquímica.

Uma manivela simples, em acção, produz um efeito giratório a partir de duas


Ŗviagensŗ complementares. A um movimento circular de cima para baixo, do zénite ao
nadir pela direita, opõe-se um movimento circular, de baixo para cima, do nadir ao zénite,
pela esquerda. Isto, naturalmente, seguindo-se a direcção dos ponteiros do relógio.
Procedendo-se em sentido inverso, sobe-se pela direita e desce-se pela esquerda, sendo o
efeito geral o mesmo. Estas duas Ŗviagensŗ ou ciclos produzem, por movimentos
sequencialmente opostos, um terceiro movimento - síntese dos anteriores Ŕ este, circular
linear e contínuo.

Os sistemas duais, complementados numa síntese, estão patentes em todas as estruturas


do real, com maior ou menor evidência, podendo mesmo avançar-se que o processo da
manifestação é, em todos os casos, marcado por este mecanismo. A acção recíproca,
desencadeada entre um par de opostos, gera a manifestação, apresentando-se esta como a
síntese das polaridades interventoras.

Exemplos constantemente evocados, como negativo-positivo; macho-fêmea; luz-treva;


inspiração expiração - e tantos outros que, por menos evidentes não deixam de ter igual
importância - de pouco valem, quando a sua observação se limita a constatar a dualidade
complementar, ou simplesmente antagónica, que os caracteriza.

A síntese dos contrários corresponde a um imperativo vital. A aparente repulsão pelo


oposto revela-se como uma modalidade de atracção; e a cadeia de reacções permanentes e
universais que essa atracção suscita constitui o modus operandi da realidade. O seco aspira
ao húmido, como a Terra aspira ao Céu. O barro e o ser provêm da consumação dessas
aspirações.

Tendo uma origem celeste e um destino terrestre, o Homem manifestado cumpre-se


plenamente na integração unificada desta duplicidade. Faltando-lhe o espírito, ou faltando-
lhe o corpo, faltar-lhe-ia uma das partes constituintes da sua natureza. Partes diferentes, em
grau e qualidade, mas ambas veneráveis, se cada uma delas ocupar o lugar que lhe é próprio
no conjunto da realidade. Partes opostas, decerto, sujeitas à regra da atracção, atrás referida
e cuja reacção mútua produz como que uma unificação dos opostos, num terceiro termo.

Em simbólica geométrica, o Céu Ŕ assimilado ao espírito Ŕ representa-se pelo círculo


e a Terra Ŕ assimilada ao corpo Ŕ por um quadrado. O produto reactivo destas naturezas
opostas corresponde à figura da quadratura do círculo, imagem em que o quadrado parece
arredondar-se e o círculo ganhar alguma angulosidade. Em Maçonaria, o compasso reporta-
se simbolicamente ao Céu e o esquadro à Terra. A ascese iniciática do maçon tem por
paradigma emblemático o compasso e o esquadro entrelaçados.

Esta mistura de duas naturezas antagónicas toma, alquimicamente, uma indefinidade


de alegorias, símbolos e emblemas como, entre tantos outros, é o caso das bodas e do
andrógino. No entanto, é no apotegma solve et coagula, que se encontra uma indicação
precisa, quanto ao modo de operar sobre cada uma das naturezas opostas, para as afeiçoar
reciprocamente, extraindo-lhes o carácter radical que apresentam em estado Ŗbrutoŗ.

Dissolver e coagular, volatilizar e fixar, expandir e contrair, expirar e inspirar, eis


algumas associações que aproximam a intuição ao tipo de acções opostas - veja-se mesmo
contraditórias Ŕ que a Arte hermética propõe como prática quotidiana e continuada por
parte do adepto diligente.

Volatilizar o fixo será dar asas à pedra; impregnar de leveza o pesado; dar espírito ao
corpo. Fixar o volátil será concentrar o que está disperso concretizar o abstracto; dar corpo
ao espírito.

Estes dois movimentos opostos - recorde-se a manivela Ŕ tornam-se inúteis para a


Obra, se forem realizados sequencialmente. Desde sempre, os mestres - os operativos
como os especulativos - afirmaram que os dois movimentos se operavam num só gesto, ou
seja, que a duplicidade é - aqui como em muitos outros casos Ŕ aparente, já que, ao fixar o
volátil, se está simultaneamente a volatilizar o fixo, ou vice versa.

Também o pintor, quando se serve das tintas, para exprimir um tema, na tela, corporiza,
aprisiona e torna Ŗfixaŗ uma ideia que, por natureza, é incorpórea, livre e volátil.
Simultaneamente e no mesmo gesto, ele subtiliza, liberta e torna volátil o corpo da tinta,
por natureza inerte e pesado, no cárcere da sua condição substancial.

Nesta dupla acção, executada pelo artista num único movimento, invertem-se as
polaridades conflituais, espiritualizando-se a matéria e materializando-se o espírito. Como
síntese, fica a Obra, na qual pensamento e substância se encontram já indissoluvelmente
integrados, numa verdadeira quadratura do círculo, bodas sagradas entre o Céu e a Terra,
lugar de confluência entre as duas Jerusalém.

ENXOFRE, MERCÚRIO E SAL

Acerca do ternário alquímico Enxofre, Mercúrio e Sal podem indicar-se, muito


sumariamente, algumas particularidades que estão presentes no acto de Ŗcriaçãoŗ artística.

Existem modalidades indefinidas de ternários, cada uma delas especificando um dos


múltiplos dispositivos oriundos da triplicidade. Infelizmente tornou-se prática comum, por
parte de estudantes de simbólica mais precipitados, assimilarem, entre si, ternários que
exprimem realidades completamente diferentes. É frequente deparar-se, por exemplo, com
a identificação do ternário alquímico que aqui tratamos, com o ternário teológico Pai, Filho
e Espírito Santo. Tais confusões, como sempre acontece nestes casos, impedem uma
consciência efectiva e profunda dos temas tratados, pelo que vale a pena expor,
brevemente, a diferença entre os ternários propostos a exemplo.

Com efeito, enquanto no primeiro caso temos dois termos opostos que se estabilizam
num terceiro, numa fórmula que graficamente se pode representar por um triângulo com o
vértice virado para baixo, no segundo, Ŗ um só Deus em três pessoas distintasŗ teremos
uma triunidade essencial e formal, em que todos os termos se equivalem, nenhum se
opondo, nenhum estabilizando nada e, neste caso, teremos um símbolo gráfico na forma do
triângulo equilátero, ele próprio estabilizado na tríplice unidade e, logo, assente num dos
lados.

Continuando numa exemplificação geométrica, a acção do Enxofre, princípio ígneo,


activo, central, celeste, pode representar-se por um traço vertical e a reacção do Mercúrio,
princípio húmido, passivo, periférico e, de certo modo, terrestre, pode representar-se por
uma linha horizontal. O ponto de encontro entre as duas direcções corresponderá à posição
do Sal.

No entanto, para melhor elucidação do aspecto que aqui nos interessa particularmente,
entenda-se uma circunferência com o ponto central marcado, sendo que, neste caso, o ponto
corresponde ao Enxofre e a circunferência ao Mercúrio. O Sal estará, neste caso, num
círculo intermédio entre o centro e a periferia.

A acção do Enxofre dirige-se ao Mercúrio, ou seja, do ponto central à linha periférica,


ficando assim expresso o seu carácter centrífugo. A reacção do Mercúrio suscita um
movimento da periferia para o centro, de acordo com o seu carácter centrípeto. A
propriedade centrífuga do Enxofre prende-se com o sentido expansivo deste princípio, na
sua qualidade de Ŗsuscitador activoŗ e viril espalhando à sua volta centelhas ou estímulos
Ŗespermáticosŗ. Por seu lado, o Mercúrio reage a tais estímulos do um modo centrípeto,
aprisionando o seu conteúdo, encerrando em si e centralizando, de forma dir-se-ía uterina,
feminil e fecunda a centelha suscitadora.

Com efeito o Ŗtempoŗ solve é próprio do Enxofre, tal como o Ŗtempoŗ coagula o é do
Mercúrio. O Ŗtempoŗ em que ambos se unificam, em simultaneidade, é o fluir da
manifestação, representada aqui pelo Sal, produto das complementaridades em interacção.

Devido às limitações próprias da manifestação e ao grau secundário que lhe cabe, no


conjunto da realidade, não existem nela condições para sofrer directamente a acção do
Enxofre Ŕ princípio eminentemente espiritual. Neste caso, o Mercúrio desempenha uma das
suas funções principais, como elemento mediador entre dois mundos, qualidade esta que
lhe valeu, nas culturas clássicas, a designação de Ŗmensageiro dos deusesŗ. Receber o
estímulo ígneo, dissolvente e incorpóreo do Enxofre, dar-lhe humidade e comprimi-lo,
preparando-lhe um Ŗcorpoŗ - Sal - susceptível de ser manifestado, eis o papel do Mercúrio,
enquanto plano em que se reflecte a vontade do Céu.

Por outro lado, o Enxofre corresponde ao aspecto mais interior do ser, aquele que, no
Homem, é habitado pela partícula divina, enquanto o Mercúrio corresponde ao exterior, ao
meio envolvente, seja ele um meio anímico ou corporal.

O mecanismo da chamada Ŗinspiraçãoŗ artística é análogo ao processo acima descrito.


Associado à acção do Enxofre, o estímulo inspirador, pela sua natureza ininteligível e pelo
modo paradoxal como se exerce Ŕ recôndito e expansivo; particular e universal Ŕ necessita
de um plano de reflexão que o apreenda e lhe outorgue forma perceptível, não propriamente
ao modo de uma ideia mas de um sentimento nítido e específico. Essa definição, em termos
humanos, da mensagem divina, que corresponde ao segredo sussurrado das musas, provém
da acção cristalizadora e plasmante do Mercúrio, como entidade psíquica por excelência,
preparando a mais pura abstracção, no seu caminho descendente, para o concreto e o
corporal.

A ideia consequente a este processo inspirador, será o tema da Obra, seja ele
conceptual ou simplesmente estético; e, se sob um certo aspecto o Sal se apresenta
centralmente, como o produto da relação entre o Enxofre e o Mercúrio, sob outro ponto de
vista, tão oportuno quanto o primeiro, é o Mercúrio que marca, pela sua natureza
mediadora, o centro do percurso que vai do Enxofre ao Sal.

Finalmente, a Obra de Arte está acabada e o seu nome é Sal. O pintor revê-a
longamente, encontrando sob o véu cristalino da sua aparência física, quanto nela há da
acção original do Enxofre, simples sensação carecendo ainda de uma ideia que a
expressasse. Descobrirá também os traços da reacção mercurial, a Ŗsubstancializarŗ
psiquicamente o conteúdo da mensagem celeste, decifrando-a em sentimento e ideia,
proporcionando-lhe uma alma, para que pudesse tornar-se corpo.



Na Alquimia como na pintura representa-se, embora em modalidades diferentes, a


operatividade da Arte. E aqui o, conceito de arte distancia-se muito das definições que,
sobre a matéria, disciplinas teóricas como a história e a crítica de arte contemporâneas
convencionam.

Na verdade, a ideia de Arte para que apelamos, não se restringe a qualquer


modalidade específica; antes corresponde à percepção de um mistério universal cuja
expressão consiste em alterar a morfologia dos corpos em estado nativo, para os
Ŗresubstancializarŗ idealmente. Em conformidade, o conjunto da actos manipuladores,
executados sobre a matéria da obra, constitui, a despeito de toda a divulgação, um segredo
de magistério, oriundo no mistério sob a égide do qual se actua.

Sendo por definição tradicional uma criatura, o Homem não pode ser,
simultaneamente, um criador. Tal condição permite-lhe unicamente recriar, a partir dos
procedimentos canónicos de um magistério, ou seja: operar de acordo com um código
magistral, inscrito no próprio mistério da Criação.

Esta unicidade original das artes manipuladoras permite-nos aproximar a prática


alquímica de qualquer outra prática operativa, dentro do contexto geral da Arte Real, nas
suas múltiplas vertentes e aplicações. Pelo seu carácter extremamente sumário, o presente
trabalho procura constituir um estimulo ao estudo mais aprofundado da questão, tendo em
conta que o mais importante não é a multiplicidade das artes, mas a raiz primordial que as
suscita a todas.

Carcavelos, Maio de 2000


LES LUMIÈRES
MAÇONNIQUES
entre naturalisme et illuminisme (1)

Jérôme Rousse-Lacordaire

Introduction
L’ambivalence des lumières

Le mot « lumière » reçoit dans la franc-maçonnerie plusieurs sens[1] : lumière


transmise à lřimpétrant lors de son initiation ; petites et grandes lumières (respectivement :
soleil, lune et Maître de la loge ; Volume de la Loi sacrée, équerre et compas) qui éclairent
le maçon sur son chemin ; lumières de lřatelier (Vénérable, les deux Surveillants, lřOrateur
et le Secrétaire) ; et, selon les rites et systèmes, encore bien dřautres choses et personnes.

La lumière qui dřabord nous intéressera est celle transmise lors de la réception dřun
nouveau maçon, puisque, dřune certaine façon, les autres nřen sont que des traductions ou
des aides.

En un siècle où le passage des ténèbres à la lumière est un topos omniprésent,


lřambivalence des lumières et de lřillumination maçonniques nous renvoie à un sens plus
large du mot « lumière », celui du Siècle des lumières français, de lřAufklärung
germanique, de lřEnlightenment britannique, de lřilustración espagnole, de lřilluminismo
italien, de lřiluminismo et du século das luzes portugais -, notion que lřon ne peut réduire
uniment, à la seule promotion dřune rationalité déliée de toute attache religieuse. En effet,
les lumières du xviiie siècle sont porteuses de la même ambivalence que les lumières
maçonniques, qui y participent ; elles renvoient autant à la lumière de la raison naturelle
quřà une illumination qui donne accès à un ordre supérieur de réalité. Aussi, lorsque
Léon XIII sřest attaqué à la maçonnerie en expliquant que « les principes fondamentaux et
les lois [quřelle promeut] sont empruntés au naturalisme [ductis et medio Naturalismo
fundamentis et legibus][2] », il visait essentiellement, même sřil renvoyait aux premières
condamnations pontificales de la maçonnerie (1738 et 1751), la maçonnerie de la deuxième
moitié du xixe siècle qui sřétait progressivement émancipée de toute référence officielle au
surnaturel. De fait, Léon XIII évoquait la décision du Grand Orient de France, en 1877, de
supprimer de ses constitutions lřobligation dite « dogmatique », introduite en 1849, de la
croyance en Dieu et en lřimmortalité de lřâme, afin de rester, comme le pouvoir civil « au-
dessus de tous les cultes et de toutes les religions[3] ».

Audacieusement engagés dans la voie de lřerreur sur les plus importantes questions,
ils sont comme entraînés et comme précipités par la logique jusquřaux conséquences les
plus extrêmes de leurs principes, soit à cause de la faiblesse humaine, soit par le juste
châtiment dont Dieu frappe leur orgueil. Il suit de là quřils ne gardent même plus dans leur
intégrité et dans leur certitude les vérités accessibles à la seule lumière de la raison
naturelle, telles que sont assurément lřexistence de Dieu, la spiritualité et lřimmortalité de
lřâme[4].

In maximis enim rebus tota errere via audaciter ingressi, praecipti cursu ad extrema
delabuntur, sive humanae imbecillitate naturae, sive consilio iustas superbiae poenas
repetentis Dei. Ita fit, ut illis ne ea quidem certa et fixa permaneant, quae naturali lumine
rationis perspiciuntur, qualia profecto illa sunt, Deum esse, animos hominum ab omni esse
materiae concretione segregatos, eosdemque immortale[5].

Or, le Concile de Vatican I avait enseigné que « Dieu, principe et fin de toutes choses,
peut être connu avec certitude par la lumière naturelle de la raison humaine, à partir des
choses créées [Deum, rerum omnium principium et finem, naturali humanae rationis lumine
e rebus creatis certo cognosci posse][6]. » Dans la décision de 1877, Léon XIII lisait lřaveu
explicite du ralliement complet de la franc-maçonnerie à ce naturalisme si délétère quřil
sapait les fondements communs de lřÉglise et de la société civile en niant lřautorité
spirituelle et temporelle de lřÉglise catholique.
Cependant, constater que la condamnation de Léon XIII visait dřabord le naturalisme
de certaines loges continentales à la fin du xixe siècle, nřest pas dire que des prémices de ce
naturalisme nřexistaient pas dès les débuts de la maçonnerie moderne ; seulement la
rationalité quřils mettaient alors en œuvre était intimement liée à des spéculations
métaphysico-religieuses qui nourrirent lřilluminisme. La critique de Léon XIII porte donc
sur le terme dřun processus beaucoup plus vaste que la seule franc-maçonnerie : celui dřune
sécularisation qui accomplit le divorce entre rationalité et métaphysique en entendant
demeurer au-dessus de cette dernière.

Nous voulons donc montrer ici comment, dans la maçonnerie anglaise régie par les
Constitutions dřAnderson, se met en place une rationalité expérimentale dřinspiration
newtonienne dont les avatars successifs conduiront ensuite à lřadoption de ce que
Léon XIII appelle « naturalisme ». Nous retracerons donc à grands traits les grands axes de
la philosophie naturelle de Newton pour voir ensuite sa transposition dans lřinstitution
maçonnique anglaise naissante, voire sřen passer.

Un théiste expérimentateur et philosophe naturel : Newton

Il nous faut dřabord souligner que le Dieu de Newton nřest pas un Dieu éloigné de
lřhomme et de la création :

[…] Dieu est un seul & même Dieu partout & toujours. Il est présent partout, non
seulement virtuellement, mais substantiellement, car on ne peut agir où l’on n’est pas. Tout
est mû & contenu dans lui […][7].
Deus est unus et idem deus semper et ubique. Omnipræsens est non per virtutem solam, sed
etiam per substantiam ; nam virtus sine substantiâ subsistere non potest. In ipso
continentur et moventur universa […][8].

Newton sřoppose ainsi à un système mécanique[9] de type cartésien où Dieu nřaurait


pas à intervenir dans le monde une fois celui-ci créé et mis en branle, tout se jouant ensuite
dans les tourbillons. Au contraire, la perfection newtonienne du monde se traduit par une
mécanique de lřaction à distance, dans laquelle Dieu est constamment et secrètement
présent dans le monde par son action et sa volonté :

Cet admirable arrangement du soleil, des planètes & des comètes, ne peut être que
l’ouvrage d’un être tout-puissant & intelligent. […] Cet Être infini gouverne tout, non
comme l’ame du monde, mais comme le Seigneur de toutes choses. Et à cause de cet
empire, le Seigneur-Dieu s’appelle pantokratwr, c’est-à-dire, le Seigneur universel. […] Le
Très-haut est un Être infini, éternel, entierement parfait ; mais un Être, quelque parfait
qu’il fût, s’il n’avoit pas de domination, ne seroit pas Dieu[10].

Elegantissima hæcce Solis, planetarum et cometarum compages non nisi consilio et


dominio entis intelligentis et potentis oriri potuit. […] Hic omnia regit non ut anima mundi,
sed ut universorum dominus. Et propter dominium suum, domine deus pantokratwr id est
imperator universalis dici solet. […] Deus summus est ens æternum, infinitum, absolutè
perfectum : sed ens utcumque perfectum sine dominio non est dominus deus[11].

[…] il semble que c’est au moyen de ces principes [de mouvement] que la matière a été
faite, lors de la création, de particules dures, solides, & diversement combinés par la
volonté d’un Être intelligent ; car c’est à celui qui créa ces particules, qu’il appartient de
les mettre en ordre. S’il l’a fait, ce n’est pas se montrer philosophe que de chercher une
autre origine au monde, ou de prétendre que de simples lois de la Nature ont pu le tirer du
chaos ; quoiqu’une fois créé, il puisse s’entretenir plusieurs siècles par le cours de ces
lois[12].

[…] by the help of these Principles [of Motion], all material Things seem to have been
composed of the hard solid Particles […], variously associated in the first Creation by the
Counsel of an intelligent Agent. For it became who created them to set them in order. And
if he did so, it’s unphilosophical to seek for any Other Origin of the World, or to pretend
that it might arise out of a Chaos by the mere Laws of Nature ; though being once form’d,
it may continue by those Laws for many Ages[13].
Lřordonnancement de lřunivers et sa diversité sont donc le fruit de choix, non de
hasards ; dès lors la nature est un livre où peuvent se lire les attributs divins :

Nous avons des idées de ses attributs [de Dieu], mais nous n’en avons aucune de sa
substance [non plus que des corps]. […] Nous le connoissons seulement par ses propriétés
& ses attributs, par la structure très-sage & très-excellente des choses, & par leurs causes
finales ; nous l’admirons à cause de ses perfections ; nous le révérons & nous l’adorons à
cause de son empire ; nous l’adorons comme soumis, car un Dieu sans providence, sans
empire & sans causes finales, n’est autre chose que le destin & la nature ; la nécessité
métaphysique, qui est toujours & partout la même, ne peut produire aucune diversité ; la
diversité qui régne en tout, quant au tems & aux lieux, ne peut venir que de la volonté & de
la sagesse d’un Être qui éxiste nécessairement. […] Voilà ce que j’avois à dire de Dieu,
dont il appartient à la philosophie naturelle d’examiner les ouvrages[14].

Ideas habemus attributorum ejus, sed quid sit rei alicujus substantia minimè cognoscimus.
[…] Hunc cognoscimus solummodo per proprietates ejus et attributa, et per sapientissimas
et optimas rerum structuras et causas finales, et admiramur ob perfectiones ; veneramur
autem et colimus ob dominium. Colimus enim ut servi, et deus sine dominio, providentiâ, et
causis finalibus nihil aliud est quàm fatum et nature. A cæcâ necessitate metaphysicâ, quæ
utique eadem est semper et ubique, nulla oritur rerum variatio. Tota rerum conditarum pro
locis ac temporalibus diversitas, ab ideis, et voluntate entis necessariò existentis
solummodo oriri potuit. […] Et hæc de Deo, de quo utique ex phænomenis dissere, ad
philosopham naturalem pertinet[15].

Dieu nřétant pour nous connaissable que comme le Pantocrator, seuls sa volonté et les
effets de celle-ci sont appréhensibles, grâce aux lois qui les expriment et que la raison
humaine appréhende. Selon cette perspective, la philosophie naturelle est la lecture du
Book of Works de Dieu, et prend place au côté de lřexamen du Book of Word (auquel
Newton sřest longuement adonné) dans le travail que la raison humaine doit effectuer pour
déchiffrer la volonté divine et y correspondre. En effet, la lecture que Newton fait de la
Bible est mue avant tout par une recherche, dans les prophéties, des événements suscités
par la volonté divine ; là comme dans la nature, Dieu nřest connaissable que par les effets
de sa volonté agissante. Lřexégèse des textes prophétiques découvre lřaction et la présence
du Dieu tout-puissant dans lřhistoire humaine, et, parallèlement, la philosophie naturelle
découvre par la méthode expérimentale, lřaction et la présence de Dieu tout-puissant qui
sřexerce par la gravitation dans le monde physique. Il y a donc complémentarité et
enrichissement mutuel de la philosophie naturelle et de la théologie ; mais il nřy a pas
confusion entre les deux :

Que la religion et la philosophie doivent être maintenues distinctes. Nous ne devons pas
introduire de révélations divines en philosophie, ni d’opinions philosophiques en
religion[16].

Cette distinction résulte, dřune part, de ce que le Book of Word ne parle pas du
monde des phénomènes naturels qui sont lřobjet propre de la philosophie expérimentale, et,
dřautre part, de ce que, si le Book of Works pointe vers une cause première, celle-ci, étant
transcendante, nřest pas du ressort de la philosophie expérimentale. Les lois physiques et
les commandements ne se distinguent donc pas par leur auteur, qui est le même, mais par
leur domaine : le monde de la nature pour les premières ; le monde de lřagir humain
volontaire et de lřhistoire pour les seconds Ŕ ces deux mondes, une fois évacuée la
téléologie aristotélicienne, nřétant plus articulés lřun à lřautre que par la volonté divine qui
les surplombe mais ne révèle rien de ce que Dieu est. Par conséquent, il devient difficile
pour lřunique raison naturelle qui explore les deux livres divins de relier lřun à lřautre le
monde de lřexpérience et celui de la transcendance ; ce qui dřailleurs nřest sans doute pas
sans lien, sur un plan théologique, avec lřunitarisme de Newton qui rejette, comme
idolâtrique toute « interface » divino-humaine entre le monde phénoménal et le monde de
Dieu.

En outre, Newton distingue le champ de la religion de celui de la politique :

Que la religion et l’ordre politique, ou encore les lois de Dieu et les lois des hommes,
doivent être maintenus distincts. Nous ne devons pas faire des commandements des
hommes une partie des lois de Dieu[17].
Les lois de Dieu constituent l’Église et définissent la portée et les limites de la communion,
et ces lois sont immuables. Les lois du roi n’ont de portée que sur les choses restées
indifférentes et non fixées par les lois de Dieu […]. Toutes les lois concernant les choses
laissées indifférentes par les lois de Dieu doivent être référées au gouvernement civil[18].

La distinction entre lois divines et lois humaines se redouble dřune autre, sur le même
arrière-plan, entre religion officielle et croyance privée :

Distinguer les Églises les unes des autres par des différences en matière de coutumes ou de
cérémonies, ou selon d’autres lois que les lois de Dieu, est impropre et favorise la
superstition. Et si la distinction provoque une infraction à la communion, la personne qui
insiste pour en faire une question de religion est coupable du schisme. […] Après avoir été
baptisés, nous devons vivre selon les lois de Dieu et les lois du roi et grandir dans la grâce
et la connaissance de notre Seigneur Jésus Christ, en mettant en pratique ce que nous
avons promis avant le baptême, en étudiant les Écritures et en nous exhortant les uns les
autres à la douceur et à la charité, sans imposer nos opinions privées ni nous quereller en
leur nom[19].

Ici sřexprime une volonté, marquée par le socinianisme latitudinaire, de paix civile et
religieuse ; dřailleurs le titre du manuscrit dont nous tirons ces dernières citations est
explicite : Irenicum. Le tout est, dřun point de vue théologique, sous-tendu par une
conception unitaire de la religion primitive, identifiée avec le noachisme :

La religion la plus ancienne et la plus généralement admise par les nations des premiers
âges fut celle des Prytanées ou temples de Vesta[20]. […] cette religion fut celle de Noé et
[…] à partir de lui elle se répandit dans toutes les nations lors du peuplement primitif de la
terre[21]. […] la religion des Juifs n’était autre que celle de Noé propagée en Égypte
jusqu’à l’époque de Moïse, comme cela apparaît également dans l’accord des religions de
Noé et de Moïse[22].

À lřorigine, toutes les nations étaient de la Religion comprise dans les Préceptes des
fils de Noé, dont les principaux étaient dřavoir un seul Dieu, et de ne pas altérer son culte,
ni de profaner son nom, de sřabstenir du meurtre, du vol, de la fornication et de toutes les
mauvaises actions, de ne pas se nourrir de la chair ou boire le sang dřun animal vivant, mais
dřêtre miséricordieux envers les bêtes, et dřinstituer dans toutes les cités et dans toutes les
sociétés humaines des Cours de Justice pour mettre ces lois en exécution[23].

Les Gentils sřétaient détournés de la religion de Noé pour adorer de faux dieux. Et
désormais, grâce à lřÉvangile qui était prêché, ils revinrent, non à la religion de Moïse par
la circoncision, mais à celle de leurs ancêtres, dont ils sřétaient détournés. Et cřest pourquoi
ils devaient sřabstenir du sang des animaux. Car cette religion obligeait les hommes à être
miséricordieux même envers les bêtes[24].

Il nřy a cependant pas de séparation absolue entre religion, philosophie naturelle et


politique, car le souci de Newton est dřharmonie : harmonie des corps régis par les lois
dřattraction ; harmonie des hommes régis par les commandements ; et ces lois sont
analogues dans leur visée puisquřelles tendent à lřétablissement de sociétés idéales : « la
Ŗsociétéŗ des corps célestes[25] » et la société humaine. Toutefois, de même que la cause
première était soustraite du champ de la philosophie expérimentale et de lřappréhension
rationnelle, la révélation divine qui sřexprime en commandements est soustraite du champ
de la volonté humaine dřorganisation civile et religieuse. Aussi, quand la philosophie
expérimentale sřarrête avant la cause première pour se déployer uniquement dans le monde
des phénomènes et des lois de la nature, lřélaboration juridique sřarrête avant le
commandement divin pour se déployer dans la société civile et les lois humaines. Mutatis
mutandis, on pourrait dire que la « religion primitive [qui] était la plus rationnelle de toutes,
[…] car il nřy a pas dřautre moyen (sans la révélation) dřatteindre à la connaissance quřil y
a une Déité que par la composition de la nature[26] », est aux sociétés religieuses ce que la
gravitation est aux corps célestes : le mode de présence de Dieu par sa volonté.
Malheureusement, elle fut corrompue par lřidolâtrie des réalités sensibles, et dřabord des
astres. Ceci place lřexpérimentateur moderne en position quasi sacerdotale : faire œuvre de
philosophie naturelle, cřest faire œuvre religieuse de dévoilement de la volonté divine qui
par la gravitation commande le mouvement des astres ; ce faisant, lorsquřelle éclaire
lřharmonie dřun cosmos garantie par la loi physique universelle directement issue de la
volonté et de lřaction divines, la philosophie naturelle invite à retrouver cette autre
expression de la volonté divine quřest la révélation divine, primitive et pérenne qui se
réduit à quelques articles rationnels de foi : le catéchisme des trois premiers siècles, les
commandements noachiques et surtout le commandement dřamour. La conformité des
sociétés civiles à la religion primitive garantit ainsi leur harmonie et leur concorde : la
société des hommes comme celle des corps célestes gravite grâce à la volonté divine qui
produit lřattraction mutuelle des êtres qui les composent. Mais, ni le monde ni la société ne
gravitent autour de Dieu : lřattraction et la concorde doivent être universelles et
réciproques, la société des hommes et celles des corps célestes ne sont pas strictement
hiérarchisés. Ces perspectives ont bien entendu joué sur la constitution même des sociétés
savantes et sur les buts quřelles se fixaient.

La communauté des expérimentateurs :

Newton et la Royal Society

Les sociétés savantes désiraient entretenir des relations étroites avec lřÉtat (même si
ce ne fut vraiment le cas que pour lřAcadémie royale des sciences de Paris, 1666, qui vivait
des subsides du Trésor[27]) puisque, dans leur esprit, le progrès des connaissances et des
techniques en leur sein contribuait au progrès général des sociétés où elles étaient établies.
Ceci est particulièrement vrai de la Royal Society, car les sociétés construites sur le modèle
français faisaient primer la science pour la science.

Dans le cas de Newton et de ses disciples, lřapproche utilitaire de la société savante


est étroitement liée aux conceptions physiques et chimiques quřils développent autour des
notions dřattraction mutuelle et dřaffinité[28]. En effet, le questionnement newtonien ne
porte pas, à la différence par exemple de celui de Kepler, sur le mouvement des planètes
autour du soleil, mais sur le système que forment, ensemble, les différentes planètes. De
même, la chimie de Newton, a pour « seul véritable sujet […] lřensemble des corps mis en
présence et en attraction réciproques[29]. » De lřinterprétation que lřon donna de ces
notions dřaffinité et dřattraction découlèrent deux significations différentes de la science.
La première, plutôt française, sans dédaigner pratique et technique, tendait à promouvoir la
science et la raison pour elles-mêmes, jugeant que la diversité des affinités sřexplique par
celle des figures des corps entre lesquels sřexerce une force dřattraction simple ; il serait
donc possible de prévoir rationnellement les interactions. La seconde, anglaise, mettait
lřaccent sur les activités pratiques et lřutilité technique, considérant que la complexité des
interactions excède les forces de lřesprit humain. Dans ce cadre, la philosophie naturelle se
devait donc dřêtre socialement utile.

Loup Verlet a souligné combien le passage de Newton comme warden à la Monnaie,


à partir de 1696, sřest accompagné dřune très volontaire (et efficace) rationalisation de la
production :

Ayant quitté son laboratoire pour rejoindre le monde où vivent les hommes, Newton y
transporte sa méthode : réduire la réalité au rationnel, à l’univoque, au mesurable.
Technocrate, il l’est avant la lettre. En même temps qu’il fonde la science, il inaugure
l’alliance de la science et du pouvoir politique qu’il avait dessinée dans ses recherches
théoriques[30].

Ainsi, la Royal Society of London for Improving Natural Knowledge, qui existait à
lřétat plus quřembryonnaire au moins dès 1645 quand se réunissaient hebdomadairement
des philosophes naturels qui entendaient mettre en commun leurs travaux et échanger,
entendait bien devenir le lieu de la convergence, sous lřégide de la raison, des hommes et
des intérêts les plus divers. En ce qui concerne les Membres eux-mêmes qui doivent former
la Société, on doit relever quřils ont librement accepté des Hommes de différents Religions,
Pays et Professions de Vie. Ils étaient obligées de faire cela, sinon ils se seraient vite
éloignés de la largeur de vue de leurs propres Déclarations. En effet, ils professaient
ouvertement, non pas de poser les Fondations dřune Philosophie anglaise, écossaise,
irlandaise, papiste ou protestante, mais dřune Philosophie de lřHumanité.

As for what belongs to the Members themselves that are to constitute the Society : It is to be
noted, that they have freely admitted Men of different Religions, Countries, and Professions
of Life. This they were oblig’d to do, or else they would come far short of the the [sic]
largeness of their own Declarations. For they openly profess, not to lay the Foundation of
an English, Scotch, Irish, Popish, or Protestant Philosophy ; but a Philosophy of
Mankind[31].
T. Sprat faisait équivaloir cette « Philosophie de lřhumanité » à lřanglicanisme dřÉtat :

[…] there is no one Profession, amidst the several denominations of Christians, that can be
expos’d to the search and scrutinity of its adversaries, with so much safety as ours. So
equal it is, above all others, to the general Reason of Mankind : such honorable security it
provides, both for the liberty of Mens Minds, and for the peace of Government […][32].

En effet, il précisait :

Puisque, notre Église [dřAngleterre] a certainement à gagner beaucoup à de


fréquentes controverses et à des rencontres avec les autres dénominations, elle ne peut être
menacée par cette Assemblée qui ne va pas plus loin que de se mêler à ces dernières sans
préjugés.

Seeing therefore, our Church [of England] would be in so fair a probability of gaining very
much, by frequent contention, and encounter, with other Sects : It cannot be indanger’d by
this Assembly ; which proceeds no farther, then to an unprejudic’d mixture with them[33].

La Royal Society pouvait et se devait dřadmettre des membres de toute confession ou


opinion politique, dès lors quřils étaient dřauthentiques savants susceptibles de confronter
rationnellement leurs convictions et de reconnaître ainsi quřau-delà de leurs éventuelles ils
étaient réunis par une commune appartenance à la « Philosophie de lřHumanité » et à la
« Raison générale de lřHumanité », ce qui en garantissait lřinnocuité religieuse et politique.
De là aussi que lřathéisme ne puisse quřêtre « stupide » (ainsi que le diront les premières
constitutions maçonniques) puisquřil ignorait ou méconnaissait le témoignage que rendait à
Dieu lřordonnancement de la nature. Puisque la réflexion philosophique, bien menée, ne
pouvait que conduire à la reconnaissance de la volonté divine, les conceptions politiques
qui entendaient faire dépendre du Prince (ou du Pape) la croyance étaient aussi considérées
comme favorisant lřathéisme. En contrepartie, on soulignait aussi volontiers le danger quřil
y avait à la multiplication des opinions individuelles dès lors quřelles nřétaient plus
régulées par lřautorité politique ou religieuse. Le souci dřordre et dřharmonie qui animait la
Royal Society devait donc se traduire institutionnellement par lřadoption de procédures et
de méthodes à vocation universelle, et avait pour conséquence lřexclusion de toutes
disputes en leur sein et principalement sur les question religieuses et politiques[34].

La philosophie naturelle réformée devait offrir à ses participants un espace de calme


et dřordre au sein duquel il devenait possible de produire un compte-rendu objectif des
phénomènes naturels, et où les scientifiques pouvaient exprimer avec civilité leurs
désaccords sans pour autant mettre à bas tout lřédifice du savoir[35].

Les philosophes naturels de la Royal Society mirent donc en avant les modes de
régulation qui organisaient leurs communautés scientifiques.Dans ce système, la rhétorique
de la tolérance limitée est préférée à celle de la coercition. On obtient une adhésion durable
parce que ceux qui la donnent se sont constitués en une société définie et bien circonscrite
excluant ceux qui refusent les principes fondamentaux de lřordre. La normalisation émerge
alors comme un aboutissement : elle nřa pas à être imposée aux membres de la
communauté[36].

Ainsi se justifiait la création de la communauté des expérimentateurs, communauté


délimitée par lřexclusion des sujets qui conduisent à la querelle : nommément, la religion et
la politique.

Ces domaines étaient exclus aussi parce quřils concernaient autre chose que lřobjet de
la philosophie naturelle, non pas les processus plus ou moins réguliers de la nature, mais le
domaine de lřexpression de lřagir humain et divin. La philosophie naturelle ne pouvait
donc, sans compromettre son bon exercice, prétendre couvrir lřensemble des convictions et
des savoirs : elle devait exclure de ses débats les questions confessionnelles et politiques.
Cependant, de ce fait même, elle sřoffrait comme un modèle idéal pour toute société : une
société où la tyrannie ne saurait régner, où la hiérarchie se devait de nřêtre pas trop pesante,
où la coopération était de mise et où lřon savait faire la part de ce qui revient au Prince et de
ce qui revient au sujet. La concorde des sociétés civiles et des Églises était au prix, dřune
part, de la distinction entre la conviction, qui ne se prête pas à la discussion et est donc
affaire privée, et la raison, qui se prête aux débats et peut donc être publique, et, dřautre
part, du refus que lřautorité puisse sřimposer dans lřun ou lřautre de ces domaines, la
volonté du Tout-Puissant, le seul qui jouisse légitimement dřune autorité plénière,
sřexprimant elle-même par des lois que la raison peut déchiffrer. De là lřautorité des
princes (y compris de lřÉglise) et de leur éventuel droit dit « divin » ne pouvait être le
fondement de lřordre social, puisque cřest la raison de chacun, droitement et
méthodiquement conduite, qui dans le débat, élabore les lois politiques en conformité avec
la morale naturelle.

Dans un poème allégorique de 1728, The Newtonian system of the world, the best
model of government, Jean-Théophile Desaguliers, alors membre de la Royal Society,
explicitait clairement les liens quřil fallait établir entre la philosophie naturelle de Newton
et lřorganisation politique. Il y expliquait en effet que les « Lois des Nations [Laws of
Nations] » doivent être analogues aux « Lois de la Nature qui sont établies dans les Cieux
[Laws of Nature which are establishřd in the Heavens] » et quřelles peuvent être étudiées
« comme phénomène [as a Phænomenon]» [37]. Cette étude lui a ainsi permis de juger que
la « Forme la plus parfaite [de gouvernement] est celle qui sřapproche au plus près du
Gouvernement Naturel de notre Système selon les Lois établies par le Très-Sage et Tout-
Puissant Architecte de lřUnivers [Form of it [Government] to be most perfect, which did
most nearly resemble the Natural Government of our System, according to the Laws settled
by the All-Wise and Almighty Architect of the Universe][38] » et quřelle sřapparente à « la
Monarchie limitée, par laquelle nos Libertés, Droits et Privilèges sont si bien protégés [the
limited Monarchy, whereby our Liberties, Rights, and Privileges are so well secured][39]

La communauté des expérimentateurs, par les réponses techniques quřelle apportait


aux problèmes des autres groupes, devenait le lieu de la convergence dřintérêts multiples,
et, par ses méthodes de régulation, le lieu de la conciliation de ces intérêts, y compris
religieux ; réglée par la raison qui la fondait, elle était la transposition sociale, dans le
monde de lřagir humain, de lřunivers naturel, harmonieux, réglé et gouverné par lřagir
divin.
Le grand maître expérimentateur :
de la Royal Society à la Grande Loge de Londres

Newton appartint dès 1762 à la Royal Society et la présida de 1703 à sa mort (20 mars
1727). En 1714, il fit élire son « disciple » Jean-Théophile Desaguliers (1683-1744) fellow
de la Royal Society, lequel devint curateur des expérimentations. Parallèlement,
Desaguliers était très actif dans la toute récente Grande Loge de Londres (créée en 1717) :
il en fut le grand maître de 1719 à 1721, puis le député grand maître à partir de 1722.
Desaguliers nřétait dřailleurs pas le seul membre de la Royal Society à appartenir à la toute
jeune « obédience » maçonnique : en 1723 au moins vingt-trois membres de la Royal
Society appartenaient aussi à la Grande Loge de Londres, chiffre qui, en 1725, sřéleva à
quarante-sept (pour soixante-quatre loges enregistrées[40] comprenant environ deux cents
membres)[41], parmi lesquels plusieurs eurent des charges importantes au sein de la
Grande Loge ; outre Desaguliers, cřétaient : le Duc John of Montagu (docteur en médecine,
fellow de la Royal Society en 1718), quatrième grand maître de juin 1721 à janvier 1722
(cřest donc sous sa grande maîtrise que commença la rédaction des Constitutions qui furent
publiées sous la grande maîtrise du Duc Philip of Wharton, dont Desaguliers était le député
Ŕ à peu près vice-président) ; John Beale, député grand maître en 1721 (fellow de la Royal
Society la même année) ; Martin Folkes, député grand maître en 1721 (numismate fellow
de la Royal Society en 1714, de laquelle il fut nommé député par Newton le 17 janvier
1723).

La présence de ces expérimentateurs newtoniens dans la Grande Loge fut loin dřêtre
sans conséquence. En effet, les Constitutions que se donna la Grande Loge en 1723 révèlent
de nombreuses affinités avec la pensée newtonienne : souci dřirénisme qui se traduisait par
lřexclusion des questions politiques et religieuses ; recherche de lřaccord sur un plus petit
dénominateur commun reposant, en deçà des opinions personnelles, sur une religion et une
morale naturelles et universelles (le noachisme des Constitutions de 1738[42], qui nřétait
pas sans rappeler celui de Newton encore), cřest-à-dire reconnaissables par la raison
naturelle de tous dès lors que chacun agit droitement ; « tolérance limitée » par lřexclusion
du libertinage et de lřathéisme, comme contraire à la morale et à la raison (lřathée est
stupide et le libertin, immoral[43]) ; volonté de contribuer au bien commun et à la paix
civile par lřentente qui devait régner dans la loge et qui faisait du « Centre de lřUnion
[Center of Union][44] » une anticipation et un modèle de la concorde universelle où les
distances entre les hommes seraient abolies (dans une certaine mesure, le cosmos
maçonnique étant, comme la communauté des expérimentateurs une communauté
dřélus[45]).

Tout ceci ne pourrait encore que traduire une aspiration à la paix assez généralement
partagée par bien des Anglais dřalors, lassés des querelles religieuses et politiques, et en
quête dřune tolérance qui pourrait fonder la paix. Ainsi, avec son ironie coutumière,
Voltaire écrivait :
Entrez dans la Bourse de Londres, cette Place plus respectable que bien des Cours, vous y
voïez rassemblés les députés de toutes les Nations pour l’utilité des hommes ; là le Juif, le
Mahométan & le Chrétien traitent l’un avec l’autre comme s’ils étaient de la même
Religion, & ne donnent le nom d’infidèles qu’à ceux qui font banqueroute ; là le
Presbiterien se fie à l’Anabaptiste & l’Anglican reçoit la promesse du Quaker[46].

Mais lřinfluence du newtonianisme se fait plus nette et précise si lřon remarque avec Pierre
Boutin que la construction des deux premiers articles des Charges obéit au schéma
directeur des Philosophiæ naturalis principia mathematica et à la démonstration
géométrique du De Gravitatione : définition ; axiome ; illustration par lřexpérience ;
proposition. Par exemple[47], pour la première Charge, la définition est :

Un Maçon est obligé, par son engagement, dřobéir à la Loi morale ; lřaxiome est :

et, s’il comprend correctement l’Art, il ne sera jamais un Athée stupide ou un Libertin
irréligieux ;

lřexpérimentation est :

quoique dans les temps anciens les maçons fussent tenus, dans chaque pays d’être de la
religion de ce pays ou nation, quelle qu’elle fût ;

et la proposition est :

aujourd’hui, il a été considéré plus expédient de les astreindre seulement à cette religion
sur laquelle tous les hommes sont d’accord, laissant à chacun ses propres opinions, c’est-
à-dire qu’ils doivent être des hommes de bien et loyaux ou des hommes d’honneur et de
probité, quelles que soient les dénominations ou croyances qui aident à les distinguer, ce
par quoi la Maçonnerie devient le Centre de l’Union et le moyen de ménager une
authentique Amitié entre des Personnes qui seraient restées à une Distance perpétuelle.

En outre, le présupposé de philosophie naturelle qui sous-tend cette élaboration


constitutionnelle est explicité des les premières lignes des Constitutions :

Adam, notre premier Parent, créé d’après l’Image de Dieu, le grand Architecte de
l’Univers, dut avoir les Sciences Libérales, particulièrement la Géométrie, écrites sur son
Cœur, puisque même depuis la Chute nous trouvons ses Principes dans les Cœurs de ses
Descendants, principes qui, au cours des temps, ont été développés en une Méthode
adéquate de Propositions, en observant les Lois de la Proportion prise de la Mécanique, de
telle sorte que les Arts Mécaniques donnèrent l’Occasion aux Savants de réduire les
Éléments de la Géométrie en une méthode ; cette noble Science, ainsi réduite, est la
Fondation de ces Arts (particulièrement la Maçonnerie et l’Architecture) et la Règle par
laquelle ils sont conduits et appliqués.

Adam, our first Parent, created after the Image of God, the great Architect of the Universe,
must have had the Liberal Sciences, particularly Geometry, written on his Heart ; for even
since the Fall we find the Principles of it in the Hearts of his Offspring, and which, in
process of time, have been drawn forth into a convenient Method of Propositions, by
observing the Laws of Proportion taken from Mechanism : So that as the Mechanical Arts
gave Occasion to the Learned to reduce the Elements of Geometry into Method, this noble
Science, tus reduc’d, is the Foundation of all those Arts (particularly Masonry and
Architecture) and the Rule by which they are conducted and perform’d[48].

Le vocabulaire, nettement marqué par la philosophie naturelle ? réduire, méthode,


proposition, principe, mécanique, lois, géométrie… ?, donnait son assise scientifique
newtonnienne au développement juridique des Charges.

De cette manière, les Charges de 1723 fondaient un ordre juridique rationnel inauguré
par lř « engagement [Tenure] » personnel et volontaire du Maçon dans la société
maçonnique sous lřégide de la loi morale, que le maçon sřoblige à respecter et qui lřoblige
à respecter, en retour, les pouvoirs et des lois civils. La société maçonnique acquiert ainsi
une double autonomie grâce à « la relation […] indéfectible [Relation […]
indefeasible][49] » qui lie le maçon à la loge : autonomie par rapport au droit divin, dans la
limite même posée par Newton de la non interférence des lois divines et des lois humaines,
ces dernières résultant de la volonté des hommes (ici le libre engagement du maçon) ;
autonomie par rapport aux gouvernements puisque le maçon « rebelle à lřÉtat [Rebel
against the State] » ne peut être expulsé de la loge[50] (ce qui souligne encore le caractère
consensuel de lřengagement). Cřest donc dans lřélaboration constitutionnelle de la Grande
Loge de Londres par des newtoniens de la Royal Society que sřarticulèrent franc-
maçonnerie et philosophie naturelle et que furent mis en place les prémices de ce que Léon
XIII dénonça plus tard comme naturalisme, ? précisément : lřaffirmation de
lřautosuffisance dřune raison naturelle dégagée de toute référence méta-empirique, et la
soustraction de lřorganisation sociale à la tutelle du droit divin.

Conclusion
Expérimentateurs et francs-maçons
Une question demeure encore : pourquoi des newtoniens anglais se sont-ils ainsi
agrégés à la toute récente Grande Loge de Londres jusquřà en infléchir lřesprit dans le sens
de ce quřils connaissaient à la Royal Society ? Sřil sřagissait seulement dřédifier une
institution sur le modèle idéal des communautés dřexpérimentateurs, pourquoi ne pas se
contenter dřagir sur la Royal Society et les autres sociétés savantes et académies avec
lesquelles elle était en relation étroite ? Nous ne disposons pas dřéléments factuels ou de
documents qui nous permettent de répondre avec certitude sur cette question.
Nous voudrions cependant suggérer une piste de réflexion : celle de lřilluminisme.
David Stevenson, dans sa magistrale étude The origins of freemasonry : Scotlandřs century,
voit dans la maçonnerie spéculative anglaise une institution créée à partir du modèle
écossais mis en place à la fin du xvie siècle par le maître des travaux de Jacques VI
dřÉcosse, William Schaw, et où avaient pénétrés divers éléments de lřésotérisme renaissant
:

[Les maçons anglais] trouvèrent dans des organisations et rituels d’origine renaissante
écossaise, combinés avec une histoire médiévale mythique du métier, de quoi satisfaire leur
goût [du mystère, du rituel, du secret, et leur quête d’une vérité cachée], ainsi que leur
appétit de sociabilité.

[English masons] found a framework for indulging such tastes [mystery, ritual, secrecy,
and the quest for hidden], as well as sociability in organisations and rituals of Scottish
Renaissance origin, combined with Medieval mythical craft history[51].

En effet, quřest-ce qui distingue fondamentalement la maçonnerie des Constitutions


de 1723 de la Royal Society de la même époque sinon, justement, le recours à un appareil
légendaire et rituel, élément que les sociétés savantes nřutilisaient pas ? Cřest certainement
ce qui a attiré des expérimentateurs dans la maçonnerie spéculative naissante (et les y a fait
demeurer quelques années) qui leur procurait ainsi un espace de réalisation plus complet
que celui des académies. Il ne faudrait dřailleurs pas trop sřétonner de cet attrait que
pouvaient exercer des éléments ésotérisants sur des esprits « rationnels », car le partage que
nous faisons aujourdřhui entre rationalité et irrationalité ne sřopéra quřà la fin des
Lumières. Newton lui-même passa des années à scruter des creusets alchimiques. En outre
lřésotérisme, y compris dans la maçonnerie, contribua tout au long du xviiie siècle, à
lřémancipation vis-à-vis des institutions religieuses dominantes ; ainsi la plupart des
grandes figures de la maçonnerie illuministe, au grand regret de lřune dřentre elles, Joseph
de Maistre, faisaient preuve dřune « antipathie naturelle contre lřordre sacerdotal et contre
toute hiérarchie[52]. » De cette manière, lřalliance des deux lumières, celle du naturalisme
et celle de lřilluminisme, celle de la philosophie naturelle et celle de lřillumination
initiatique, dans la franc-maçonnerie a pu perdurer pendant la majeure partie du siècle,
attirant en loge des personnalités en quête dřune auto-réalisation globale. Ce ne fut en effet
que dans le dernier tiers du xviiie siècle que les lumières commencèrent à divorcer,
permettant ainsi à des personnalités comme celle de Voltaire, qui fut un ardent
propagandiste du newtonianisme de rejoindre la fraction éclairée de la maçonnerie
continentale[53], celle qui domina à la fin du siècle suivant, et que Léon XIII condamna
tout particulièrement.

Jérôme Rousse-Lacordaire

______________
[40] Bernard E. Jones, Freemasonsř guide and compendium, Londres : G. G. Harrap, 1950,
p. 172.

[41] Pierre Boutin, Jean-Théophile Desaguliers : un huguenot, philosophe et juriste, en


politique, op. cit., p. 135-136.

[42] James Anderson, The new book of Constitutions of the Antient and Honourable
Fraternity of Free and Accepted Masons, Londres : printed for Brothers Caesar Ward and
Richard Chandler, in the vulgar year of Masonry 5738 [1738], p. 4, 143-144. Ce noachisme
est « une sorte de version talmudique de la religion naturelle ou de la loi morale tenant les
Gentils en tant quřils sont descendants de Noé. » (Douglas Knoop et G. P. Jones,
Freemasonry and the idea of natural religion, printed for private circulation, 1942, p. 11.)

[43] « Un Maçon est obligé, par sa tenure, dřobéir à la Loi morale, et, sřil comprend
correctement lřArt, il ne sera jamais un Athée stupide ou un Libertin irréligieux [A Mason
is obligřd, by his Tenure, to obey the moral Law ; and if he rightly understands the Art, he
will never be a stupid Atheist, nor an irreligious Libertine]. » Andersonřs Constitutions =
Constitutions dřAnderson 1723. Texte anglais de lřédition de 1723. Intro., trad. et notes par
Daniel Ligou, Paris : Édimaf (Scripta ac fontes Ordinis latomorum), 1992, p. 178.

[44] Idem, p. 178.

[45] Les Constitutions se réjouissent visiblement de la présence dans les loges de «


plusieurs Nobles et Gentlemen de meilleur Rang, avec des Ecclésiastiques et des Savants
érudits de la plupart des Confessions et Dénominations [several Noblemen and Gentlemen
of the best Rank, with Clergymen and learned Scholars of most Professions and
Denominations] ». Andersonřs Constitutions, op. cit., p. 174. Rappelons aussi quřelles
nřacceptent « ni Esclaves, ni Femmes, ni Hommes immoraux et scandaleux [no Bondmen,
no Women, no immoral or scandalous Men] ». Idem, p. 180. Pour les limitations du comos
maçonnique, voir : Pierre-Yves Beaurepaire, Lřautre et le frère : lřétranger et la franc-
maçonnerie en France au xviiie siècle, Paris : H. Champion, (Les dix-huitièmes siècles ;
23), 1998 ; Franc-maçonnerie et cosmopolitisme au siècle des Lumières, Paris : Éd.
maçonniques de France (Encyclopédie maçonnique), 1998.

[46] Voltaire, Lettres philosophiques, Paris : É. Cornély, 1909, p. 74.

[47] Voir : Pierre Boutin, Jean-Théophile Desaguliers : un Huguenot, philosophe et juriste,


en politique, op. cit., p. 163-165.

[48] Andersonřs Constitutions, op. cit., p. 80-81.

[49] Idem, p. 178.

[50] Idem, p. 178.


[51] David Stevenson, The origins of freemasonry : Scotlandřs century, 1590-1710,
Cambridge : Cambridge University Press, 1988, p. 233.

[52] Joseph de Maistre, Quatre chapitres sur la Russie, in Œuvres complètes, t. 8, Lyon : E.
Vitte, p. 329.

[53] Cf. Charles Porset, Voltaire franc-maçon, La Rochelle : Rumeur des âges, 1995. Il
écrit, p. 8, à propos de Voltaire : « […] si son initiation fut tardive [7 avril 1778…], cřest
quřalors Ŕ et alors seulement Ŕ une fraction de la maçonnerie (la loge des Neuf Sœurs) se
reconnut dans Voltaire et fit sienne le combat quřil avait mené contre les préjugés,
lřobscurantisme théologique et lřinjustice. »
A GÉNESE DAS SUBSTÂNCIAS
MINERAIS
E O ESSENCIALISMO EM CIENCIA
A.M. Amorim da Costa

......K. A missão alquímica

O principal objectivo dos alquimistas sempre foi a transmutação, a transformação de uma


forma de matéria noutra. A transformação dos metais vis em metais nobres, como a
transformação do homem mortal e efémero em deus imortal e eterno. Do ponto de vista
físico-químico, qualquer transformação de um estado da matéria num outro implica
variação do conteúdo energético do sistema sobre que ocorre essa transformação. Ao longo
da transformação o sistema recebe ou perde energia.

Para operar a transmutação dos metais vis em prata ou ouro, os alquimistas procuravam a
energia necessária num elixir, a Pedra filosófica. Hoje, diríamos que esta seria um pequeno
mas potente embrião de energia criativa que ao juntar-se ao corpo a ser transmutado
funcionaria como uma transfusão de sangue num doente anémico. No caso concreto dos
metais, o serem vis, desprovidos do carácter nobre do ouro e da prata, dever-se-ia ao facto
de estarem impregnados apenas por um pequeno quantum de alma, num estado
verdadeiramente moribundo. Projectar sobre eles o elixir da transmutação seria vivificá-los,
permitindo-lhes crescer e aperfeiçoar-se, podendo atingir um estágio em que se tornem
imunes à deterioração. Este seria atingido quando se transformassem em ouro.
Numa palavra, o metal vil que sob a acção da Pedra filosofal se transformou em ouro
adquiriu a energia criativa que o regenerou do estado anímico em que se encontrava.
Energia criativa, gerador do ouro vivo, o elixir que torna possível uma tal transmutação é
pois, verdadeira semente de metais.

A embriologia dos minerais

Toda a criação era, para o alquimista, valorizada em termos da Vida, com um destino
antropocósmico. Como o Homem, toda a Natureza nasce, vive e morre. Toda ela é,
também, sexuada e fecunda. Nela, por toda a parte, está presente o elemento masculino e o
elemento feminino de cuja união resulta a continuação permanente da Vida. Nascem,
crescem e morrem, em renovação contínua da Vida, o Homem, as plantas e os animais,
como nascem, crescem e morrem, no seio da Terra-mãe, como o feto no útero materno,
resultado duma união fecunda do masculino com o feminino, os minerais, as pedras e os
metais. Interessados, em particular, na preparação do ouro e da prata, os alquimistas
preocupavam-se, muito especialmente, com a sua possível intervenção no processo
generativo e evolutivo destes últimos.

De facto, uma concepção embriológica dos minerais e sua descrição em termos


ginecomorfológicos informa claramente a maioria dos tratados clássicos da alquimia que se
conhecem. Do ponto de vista místico-religioso, uma tal concepção não é sequer um
elemento estritamente característico e próprio da filosofia alquímica. Encontrámo-la, de um
modo ou de outro, no elemento religioso das mais variadas civilizações, em áreas
geográficas inteiramente diferentes, com tradições eruditas também muito diversas, como é
o caso das civilizações Inca e Maya da América Central, as primitivas civilizações da
América do Sul, dos Gregos e dos Semitas da Europa Setentrional, e as civilizações da
África e da Oceania2.

Com diferenças de pormenor mais ou menos acentuadas, é-lhes comum a crença


fundamental de que os minerais se geram no seio da Terra-mãe e aí crescem e amadurecem.
O diferente grau de amadurecimento em que se encontram, traduz-se em diferente grau de
perfeição que, por sua vez, corresponde a diferentes minérios, na utilização do dia a dia.

Concepção muito arcaica por remontar a civilizações muito antigas, esta concepção
embriológica dos minerais resistiu bem a séculos de experiências técnicas e de pensamento
racional3. Plino, na sua História Natural 4 afirmava claramente que as minas precisavam
ser deixadas em repouso, durante longos períodos, para que nelas os minerais se
regenerassem novamente. Outro tanto referia Strabon na sua Geografia5. E, já no século
XVII, o autor espanhol Barba referia que uma mina esgotada é capaz de refazer os seus
filões, contanto que seja devidamente selada e deixada em repouso por cerca de dez a
quinze anos, e "enganam-se grosseiramente aqueles que pensam que os metais foram
criados, no começo do mundo, tal e qual existem; não, os metais nascem e crescem nas
minas"6.

Por sua vez, Glauber é também explícito: "a natureza opera sobre os metais um ciclo de
nascimento e morte igual àquele que opera sobre os vegetais e animais"7.

Embriões formados no seio da Terra, os metais nela crescem lentamente, com seu ritmo
temporal de gestação próprio, num processo em tudo idêntico ao ritmo temporal de
gestação dos organismos vegetais e animais. À medida que crescem, vão atingindo a sua
maturidade própria. O seu ritmo geológico temporal de maturação é diferente de metal para
metal, como, entre os animais ou entre os vegetais, também difere de animal para animal ou
de vegetal para vegetal. Se um dado metal for extraido do seio da Terra-mãe, arrancado
prematuramente das trevas telúricas em que se verificavam as condições adequadas ao seu
amadurecimento correcto, será um metal imperfeito. E assim como o embrião animal ou
vegetal tirado do seio "materno" antes de cumprido o ciclo geológico de amadurecimento
próprio não sobrevive porque não atingiu ainda a formação mínima que lhe permita existir
por si, também o metal que seja extraido do seio da Terra-mãe antes de cumprido o seu
ciclo de maturação não é aquilo que devia ser. É um aborto de metal que é o que são os
metais vis, cujo desenvolvimento embrionário está ainda muito longe de ter atingido o grau
de amadurecimento que lhe confere total perfeição e vida, a perfeição do ouro vivo.

Neste ponto, a crença de quase todos os alquimistas ia muito mais longe: se o ciclo de
crescimento e maturação de qualquer embrião mineral no seio da Terra não fosse
interrompido, por extracção extratemporânea, num entrave forçado do processo natural de
gestação, todos os minerais resultariam, com o tempo, em ouro. A "nobreza" do ouro seria
o resultado da sua "maturidade"; os outros metais são metais "comuns" porque "crus", não
amadurecidos8.

O alquimista acreditava, todavia, que seria possível intervir no processo natural de gestação
dos minerais sem prejudicar o seu correcto crescimento e devida maturação. Mais:
acreditava que o homem poderia intervir nesse processo, modificando o seu ritmo temporal,
no sentido de o apressar. E este era o sentido de muito da sua actuação: colaborar com a
natureza, ajudando-a no processo de formação, crescimento e maturação dos metais que se
efectuava no seio da Terra, substituindo-se ao tempo que ela precisava para o realizar.
Aquilo que a Natureza levava centenas ou milhares de anos a realizar, pretendia o
alquimista realizá-lo no decurso de sua vida, de algumas dezenas de anos, mercê da Pedra-
Filosofal que em si encerraria as condições necessárias para alterar por completo o ritmo
geológico natural.

Deste modo, ele propunha-se retomar e aperfeiçoar a obra da mãe-natureza, afirmando-se


como co-criador e "salvador-fraterno", ao ajudá-la a cumprir a sua finalidade, a atingir o
seu "ideal" que é a realização plena do processo de progenitura - mineral, vegetal, animal e
humama - até à sua maturidade suprema, a concretizar-se na imortalidade e na liberdade
absolutas9.
As razões seminais das pedras e dos metais

Esta crença hilozoista traduzida numa visão organicista de todo o Universo, dominou por
completo o desenvolvimento do pensamento científico do mundo Ocidental até meados do
século XVII. Só a interpretação mecanicista dos fenómenos naturais com origem em
Newton, Descartes, Gassendi e outros, a destronaria paulatinamente. Não nos é de todo
lícito afirmar que a gradual passagem de uma interpretação a outra se tenha
consubstanciado em explicações alternativas mais convincentes dos mesmos fenómenos.
Julgamos ser mais correcto afirmar que houve uma alteração na problemática científica que
interessava aos cultores da ciência.

Na abordagem mecanicista da mineralogia, a atenção dos seus praticantes centra-se quase


exclusivamente no estudo da composição e utilização dos minerais; pouco ou nada
se questiona a sua origem. A questão da sua génese foi relegada para um plano secundário e
votada praticamente a conformado silêncio. Na abordagem organicista, a génese dos
minerais era a questão primordial e determinante, preocupada com a essência ontológica na
própria origem de que decorre a sua constituição. Talvez não seja inadequado afirmar que o
pragmatismo domina a abordagem mecanicista enquanto o essencialismo científico é a
preocupação primeira da abordagem organicista.

Na convicção profunda de que o ciclo de nascimento e morte dos minerais é igual ao dos
vegetais e animais, a sua origem deveria ser, na sua essência, idêntica à deles. Embora com
ciclos temporais muito variados, os processos de nascimento, desenvolvimento e morte de
vegetais e animais são, na sua essência, os mesmos: uns e outros têm a sua origem em
sementes germinais para cuja formação contribui um elemento masculino conjugado com
um elemento feminino. Depositadas no seio Ŗmaternoŗ, o húmus, no caso dos vegetais, o
ovo, no caso animal, aí se desnvolvem, crescem e atingem a perfeição característica da
espécie a que pertencem. Porque não há-de acontecer o mesmo com os minerais, sejam eles
as pedras ou os metais?
Na visão organicista da Natureza, essa era a crença geral. Na filosofia Ocidental, o discurso
que a suporta desenvolveu-se com base nas chamadas Ŗrazões seminaisŗ, o seu princípio
activo. Na teoria das Ideias de Platão encontramos os primeiros traços desse discurso.
Estoicos, discípulos de Zenão (c.490-430 a.C) e neo-platónicos, discípulos de Plotino,
seriam, subsequentemente, os seus mais expressivos fautores.

Para os Estoicos, o Logos, potencialidade creativa, actua através das logoi spermatikoi,
gérmens racionais ou razões generativas, disseminadas por todo o universo. Parte intrinseca
de toda a matéria, a estas razões seminais se deve a capacidade de geração e crescimento
que a mesma possui. Identificado o Logos do Universo com o Pneuma, os logoi
spermatikoi seriam pneumas actuantes em separado sobre os diferentes tipos de matéria10.

No seu Livro sobre as Pedras, Teofrasto fala-nos de pedras masculinas (pedras de tons
escuros) e pedras femininas (pedras de tons mais claros), referindo que das sementes dos
corpos que se formam no interior da terra, umas tem a sua origem no elemento água, outras
no elemento terra. Das primeiras resultam os metais; das segundas, as pedras11.

Nos séculos XV e XVI, o neo-platonismo de Marsilio Ficino (1433-1499), e o ecletismo


místico e cabalista de Paracelso (1493-1541), deram-lhe nova ênfasis. Se considerarmos a
influência deste último, durante todo o século XVI e parte do século XVII na interpretação
científica dos fenómenos naturais, poderemos fazer um juízo sobre a importância da teoria
das Ŗrazões seminaisŗ no domínio da mineralogia antes da aceitação generalizada da
filosofia mecanicista, referindo as ideias que defende, nomeadamente, nos tratados A
Economia dos Minerais e Sua Genealogia12 e Livro dos Minerais13. Neles se sugere que a
formação dos minerais é em muitos aspectos idêntica ao desenvolvimento dos frutos nas
plantas, cujo desenvolvimento se faz a partir de sementes, no seio do elemento terra e no
interior do elemento ar. A terra serve de matriz em que as sementes se desenvolvem e
apropriadamente se alimentam. Os ramos das plantas estendem-se em todas as direcções
totalmente circundados pelo elemento ar. De modo semelhante, a água serve de elemento
matricial às sementes dos minerais que no seio dela se alimentam, desenvolvem e crescem
até se tornarem espécimens amadurecidos. A matriz dos minerais Ŕ o elemento água Ŕ
forma uma Ŗárvoreŗ dentro de seu próprio corpo onde deposita os seus frutos, quando
chegada a estação própria, prontos para serem colhidos pelo homem14.

Na sequência de Paracelso, Bernard Palissy (1510-1590), Miguel Sendigovius (1556-1636),


J. R. Glauber (1603-1670), E. Jorden (1569-1632), João Baptista Van-Helmont (1579-
1644) e seu filho Francisco M. Van-Helmont (1614-1698), J. Webster (1619-1682), J. J.
Becher (1635-1682) e G. E. Stahl (1660-1734), entre muitos outros, foram fieis defensores
da teoria das razões seminais, ao longo dos séculos XVI e XVII, crendo convictamente na
transmutação natural de uns metais em outros, no seio da terra, depois de gerados a partir
delas. Para todos eles, como escrevia Sherley, em 1672, referindo-se à influência de J. B.
Van-Helmont nas concepções mineralógicas da época, Ŗas pedras e todos os corpos
sublunares são feitos de água, condensada por virtude de sementes que nela actuam, com a
assistência de Odores fermentativos, causa e origem de todas as transmutações que na
matéria ocorrem. A matéria de todos os corpos é, na sua origem mera águaŗ. Sob a acção de
Ŗsementesŗ que nela operam, alterando a sua textura e figura, a água coagula, condensa e
assume as diversas formas que caracterizam diferentes corposŗ15.

Os quatro elementos de Empédocles que a filosofia de Aristóteles consagrou serviriam


meramente de matrizes ou lugares de amadurecimento e crescinento dessas sementes
quando neles fossem depositadas. Substâncias corpóreas, finíssimas e subtis,
imperceptíveis para qualquer órgão sensitivo, tais sementes eram, para os mais religiosos,
Ŗideiasŗ dessiminadas por Deus nos elementos, em que se continha o carácter do mineral,
da planta ou do animal a que haveriam de dar origem, governadas por uma força vital, o
archeus; ou, para os mais seduzidos pelo carácter dual masculino-feminino de todas as
coisa, o resultado de um processo copulatório do enxofre e mercúrio filosóficos. Becher
diz-no-lo com toda a clareza: os vapores sulfurosos e mercuriais entrelaçam-se no seio da
terra levando à geração dos metais; o enxofre é o actor masculino; o mercúrio, o feminino.
Por coagulação, no processo copulatório, se forma a semente; por fixação, no seio materno,
a semente cresce, no sentido dum total amadurecimento que determinará a sua perfeição16.
A génese dos metais no quadro duma mineralogia corpuscular-mecanicista

O avanço da filosofia corpuscular dos sistemas de Descartes e, sobretudo, de Gassendi,


procurando a explicação de todas as coisas na matéria e extensão, vai de mão dada com o
crescente apagamento da filosofia organicista. Mais que uma questão de manifesta
incompatibilidade entre os dois tipos de abordagem filosófica da Natureza, o declíneo da
visão antiga face à nova concepção deve atribuir-se, principalmente, ao facto da explicação
dos fenómenos naturais em termos corpusculatres se ter afirmado, pouco a pouco, como
mais convincente, mais elucidativa e, porventura, mais eficaz no campo duma prática cada
vez mais experimentalista. Não surpreende, pois, que alguns dos mais destacados adeptos
das novas teorias corpusculares se tenham mantido fiéis, durante muito tempo, a muitos dos
princípios defendidos pelos organicistas. No caso particular da explicação da génese dos
minerais, podemos dizer que a afirmação das razões seminais dos minerais não foi de
imediato erradicada dos escritos dos novos filósofos.

No desfiar da sua teoria corpuscular, o próprio Gassendi, ao remontar-se à origem dos


minerais, em geral, e dos metais, em particular, subscrevia a teoria dos antigos, afirmando,
embora, que a estrutura destas sementes seminais deveria ser pensada em termos da
composição atómica da matéria17. Também R. Boyle (1627-1691), um dos mais ardentes
defensores da filosofia mecanicista, no fascínio com que o seduziram muitos dos escritos de
J. B. Van-Helmont18-19, confessou-se preparado para considerar, com grande seriedade,
ainda que com alguma cautela, a origem seminal dos minerais. No Sceptical Chymist pode
ler-se: Ŗ parece-nos que as Terras Minerais e as correntes Metálicas contêm no seu âmago
alguns Rudimentos seminais, ou algo semelhanteŗ20. E no seu ensaio Sobre a Origem e
Virtudes das Pedras Preciosas, Boyle relata vários casos de aparente crescimento de metais
em minas que seriam do seu conhecimento21.

Esta situação deve, todavia, ser tida como um período de transição, no quadro da nova
filosofia. De facto, com a crescente aplicação de métodos de análise química ao estudo dos
minerais por Bergman e seus discípulos, e, paralelamente, o desenvolvimento da
cristalografia com Romé de l´Isle e Haüy, nas últimas décadas do século XVIII, a visão
organicista cede por completo à concepção geomorfológica de Descartes explicando todos
os fenómenos minerais em termos de interacções mecânicas entre corpúculos ou fluidos de
várias espécies constituidos corpuscularmente22.

Empenhado em explicar a origem e a história geológica do Globo terrestre, Descartes, nos


seus Principia Philosophiae, partiu de um conjunto de princípios que considerou
ostensivamente evidentes por sua própria natureza, dos quais deduziu uma explicação
coerente do modo como terá sido construido o nosso planeta. Admitindo que com partida
duma mesma origem, teriam sido possíveis diferentes processos de formação do universo
de que poderia ter resultado uma grande variedade de Ŗpossíveisŗ mundos, não o preocupou
especular sobre outros processos que não aquele que realmente terá ocorrido e de que
resultou o mundo em que realmente vivemos. Segundo ele, este mundo que é o nosso
formou-se a partir de um certo número de entidades teóricas em contacto com as quais
vivemos no nosso dia a dia e que são a atmosfera, os mares e a crosta terrestre23. Da
interacção entre aquelas entidades teóricas, resultaram as diferentes camadas ou regiões de
que se compõe o Globo terrestre. Lá bem no interior, uma região formada de partículas
muito subtis, o que resta da matriz elemental da origem; à sua volta, uma camada compacta
e opaca de material resultante de matéria solar; mais exteriormente, em camada
concêntricas, uma região muito irregular composta de corpúsculos muito ramificados,
seguida de uma outra região composta por uma camada liquida de água a partir da qual se
terão formados os oceanos, formada por corpúsculos aquosos à mistura com outras
partículas de geometria variada; circundadndo esta região, aparece a crosta terrestre e a
camada fluida que constitui a atmosfera.

Não entraremos aqui nas considerações de Descartes sobre o modo como os diferentes
corpúsculos que entram na composição de cada uma das diferentes camadas se terão
formado, e consequentemente, no modo como se terão constituido essas mesmas camadas.
Apenas algumas palavras no que se refere à génese e evolução dos minerais no interior da
crosta terrestre.
Segundo Descartes, num processo muito semelhante ao descrito pela teoria das exalações
de Aristóteles explicando a formação das pedras e dos metais a partir da transformação dos
fumos e vapores gerados no seio da terra ao serem exalados para fora dela, no tempo
quente, os corpúsculos de água liquida que entram na composição da camada terrestre mais
interior à sua crosta sólida, libertar-se-iam, através dos muitos poros existentes na interface
de ambas as camadas e combinar-se-iam com partículas da camada gasosa, formando
partículas com tamanho tal que já não conseguiriam voltar para a camada interior de onde
sairam. Num processo longo de muitos anos, os Ŗespaçosŗ vazios deixados na camada mais
interior por ausência das partículas que a deixaram, formariam cavidades subterrâneas que
ao aluirem sob o peso da camada mais exterior levariam à fragmentação desta. Ao dar-se o
colapso, muitos dos fragmentos iriam cair em a meios Ŗpantanososŗ, com uma matriz
liquida de composição diversa de local para local. Da incorporação de porções desta matriz
liquida nos interstícios dos fragmentos nela caidos resultariam os diferentes minerais.

Descartes não era um mineralogista. Conhecia, todavia, as substâncias mais comuns de que
é formada a crosta terrestre, tentando explicar a sua formação em termos da teoria
mecanicista que defendia. Esta sua explicação foi adoptada por quase um século por
mineralogistas e geologistas, particularmente em França. Da sua explicação resulta clara a
tese de que os diferentes minerais não existiram sempre na forma e na composição que os
encontramos hoje. Foram-se formando a partir de diferentes corpúsculos e por processos
variados, não significando que o aparecimento de um dado metal numa determinada região
da crosta terrestre tenha seguido exactamente a mesma tramitação do aparecimento de igual
metal numa outra região, sob condições de formação diferentes. Não pode pois dizer-se que
segundo Descartes, há sementes específicas de cada metal, ou que na transformação de um
metal em outro se verifique um processo reprodutivo do tipo do que se verifica nos animais
e nas plantas. Consequentemente, da filosofia de Descartes não fazia parte a crença de que
todos os metais, num processo intrinseco de aperfeiçoamento, tendem a converter-se,
gradualmente, com o evoluir do tempo, em prata, primeiro, e ouro, depois.
Sem dúvida que para Descartes e para os geólogos e mineralogistas que durante tantos anos
seguiram a sua doutrina, a especificidade de cada mineral ou de cada metal é determinada
pela sua composição que nos dará conta da sua essência. Essa composição não é, todavia,
determinada de modo único a partir das mesmas Ŗsementesŗ, no caso, de idêntico tipo de
corpúsculos. Determinantes são também, os diferentes movimentos e as diferentes
circunstâncias em que operam as forças que levam a essa composição.

A génese dos metais e a ciência contemporânea

No nosso século, a ideia das Ŗrazões seminaisŗ dos minerais continua presente, um pouco
por toda a parte, dentro e fora do campo da ciência. Muito perto de nós, no norte do nosso
país, em Manhouce, são motivo da curiosisdade de todos as chamadas Ŗpedras parideirasŗ;
os cosmógonos falam das Ŗsementes das galáxiasŗ24, como os biólogos falam das
Ŗsementes da vidaŗ. Seduzido já pela Mecânica Quântica, Hopkins teorizou sobre o
embrião gerador do ouro, chamando-lhe o Ios25.

Qual grão lançado à terra que antes de germinar parece conhecer a morte num processo de
aparente apodrecimento e dissolução, o desenvolvimento natural do Ios está condicionado
pelo Ŗseio maternoŗ em que foi lançado e sobre ele têm influência determinante os
diferentes astros. Um e outros ditam o seu ciclo natural de desnvolvimento, à semelhança
do que se passa com o ciclo de germinação, crescimento e amadurecimento das diferentes
espécies de animais e vegetais. Quantum de energia creativa, a sua estabilidade é tão grande
que na nossa escala temporal, o podemos considerar perene. Por isso é também elixir de
vida eterna. Ele consubstancia uma matriz de finas partículas de matéria energicizada,
Ŗmarŗ informe de protões, neutrões e electrões, a partir da qual, por diferente associação e
combinação, todos os elementos naturais podem ser formados. O segredo da sua actuação
como Ŗrazões seminaisŗ de tudo quanto existe, nomeadamente dos diferentes minerais,
talvez deva ser procurado no dinamismo que terá informado os primeiros instantes do
universo e, mais restritamente, nas condições de pressão e temperatura que ainda hoje se
verificam em muitas estrelas, nas quais se inclui o sol. Nelas se formam continuamente
novas e diferentes jazidas metálicas a partir de elementos totalmente diferentes. As recentes
experiências levadas a efeito, em Genebra, por um grupo de Físicos, tentando reproduzir os
primeiros instantes que se seguiram ao big-bang em que se terá originado o Universo
apontam nesse mesmo sentido. Nesses primeiros instantes apenas existia uma matéria ainda
não organizada em átomos, nem núcleos, o quagma, uma Ŗsopaŗ de quarcks e glutões, com
uma energia e uma densidade tão grandes que não permiriam a distância necessária a
qualquer organização elemental. Da Ŗinteracção forteŗ que manteria ligados os quarcks
constitutivos de cada protão e de cada neutrão, sob a acção de glutões, se constituiria a
semente dos diferentes elementos que nos instantes seguintes se foram formando, num
processo de crescimento e amadurecimento que ainda hoje, não está terminado, e não
sabemos se algum dia terminará26.

A chave da transmutação de um qualquer metal noutro está na sua própria origem a partir
dessas Ŗrazões seminaisŗ primitivas que foram e são as partículas elementares constituidas
em Ŗmarŗ informe de protões, neutrões e electrões. No dia em que o homem as saiba
manipular, compreenderá a possível formação e crescimento dos minerais no seio da terra-
mãe, como compreende já a formação de vegetais e animais a partir de um óvulo fecundado
tornado semente que em si contém a formação, crescimento, vida e morte do ser em que se
pode tornar. E a ciência que lhe permite já hoje manipular este óvulo, e lhe perspectiva a
síntese laboratorial do próprio DNA na tentativa de Ŗcriarŗ vida artificial27 abrir-lhe-á as
portas da possível manipulação das Ŗrazões seminaisŗ de que se formam os minerais.

Se há quinze mil milhões de anos não havia tempo, nem espaço; se então, num vazio
inimaginável, apenas existia uma pequena bola de fogo incomensuravelmente quente e
densa; se então, de repente, numa gigantesca explosão de radiações e matéria, nasceu o
universo e com ele o Tempo e o Espaço, porque não nascem também, noutro momento da
história, os minerais, como nasceu a vida vegetal e animal? E uma vez formados, porque
não hão de crescer e morrer com ciclos e mecanismos próprios?
Refira-se, a propósito, a química da formação das pedras, incluindo as pedras preciosas,
sejam elas o rubi, a safira, a esmeralda, ou outras. Elas são, em geral, misturas de sais de
dois ou mais elementos. Quanto mais desfavoráveis forem as condições termodinâmicas da
formação da mistura que caracteriza uma determinada pedra, mais rara ela será. E a
raridade é, por via de regra, sinónimo de preciosidade. É o caso da esmeralda, um
ciclosilicato semelhante à safira [ciclosilicato de berílio e alumínio, Be3 Al2 (Si6O18)] em
que o alumínio é parcialmente substituido por crómio, vanádio e, menos frequentemente,
ferro. As dificuldades destas substituições estão na origem da sua raridade. De facto, o
crómio, o vanádio e o ferro, por um lado, e o berílio e os elementos alcalinos, por outro,
têm, na sua generalidade, jazidas geoquímicas muito diferentes : os primeiros são
constituintes preferenciais do manto terrestre, enquanto os segundos são da crosta
continental, o que não favorece fácil intercâmbio28.

As “razões seminais” e o essencialismo em ciência

De acordo com Aristóteles Ŗsó podemos conhecer uma coisa conhecendo a sua essênciaŗ e
Ŗconhecer uma coisa é conhecer a sua essênciaŗ; esta é a sua definição, o mesmo é dizer, Ŗa
definição é a fórmula da essênciaŗ e, consequentemente, Ŗsó há verdadeiro conhecimento
de qualquer coisa quando conhecemos a sua essênciaŗ29 O nome de uma coisa exprime a
sua essência; a fórmula que o define descreve-a, sendo tanto mais adequada quanto mais
exaustiva for a descrição que comporta. Só se chega à definição cabal de uma coisa depois
de muitas observações experimentais e, posto que nem sempre o conhecimento empírico é
suficiente para atingir a essência universal, a elas se juntam, num processo global da
construção da ciência das coisas, a intuição intelectual que opera sobre premissas básicas de
prova que são também elas definições de outras tantas coisas. Na metodologia construtiva
da definição do objecto científico se faz a ciência. Esta é essencialista porque deduz as
propriedades das coisas a partir das suas essências30.

Defensora das Ŗrazões seminaisŗ geradoras dos minerais, específicas de cada um deles,
como específicas são as razões seminais de cada ser animal e vegetal, sem o conhecimento
das quais não seria possível conhecer a essência do ente que delas se formou, a ciência
holozoista era uma ciência estritamente essencialista.

O mesmo se não pode dizer da ciência mecanicista. De facto, para esta o conhecimento das
Ŗrazões seminaisŗ, quaisquer que sejam, está longe de poder ser tido como conhecimento
cabal dos entes que delas se formam, pois que os mesmos corpúsculos poderão originar
seres muito diferentes. Não é possível deduzir as propriedades das coisas a partir apenas
das Ŗrazões seminaisŗ de que se formaram. Impõe-se conhecer as circunstâncias em que se
desenvolveram. Não surpreende pois, que já se tenha considerado que a concepção
corpuscular que se apropriou da química no século XVII tenha representado o derrube do
essencialismo em química. Conhecer a essência das coisas não constitui só por si possuir a
sua ciência. Saber defini-las, conhecer a sua essência, não é de per si, a Ŗverdadeira maneira
de entrar em contacto com as forças secretas da natureza e manipulá-lasŗ, na expressão
poética de Fernando Pessoa31.

Mecanicistas que somos, sabemos que conhecidas as Ŗrazões seminaisŗ de um qualquer


metal, não importa se concebidas como a ulh, a divina razão criadora de Aristóteles, se as
logoi spermatikoi dos Estoicos, se os corpúsculos dos mecanicistas, ou ainda a matriz de
finas partículas de matéria energicizada da actual Mecânica Quântica, não temos matéria
bastante para caracterizar a essência dos diferentes entes. É necessário conhecer as forças
da natureza que determinam o seu processo evolutivo. A ciência dos nossos dias conhece
muitas dessas forças. Mas quantas há que são para ela, ainda forças desconhecidas e
secretas? Para dominar por completo a génese dos diferentes minerais e metais, tal como
para dominar o processo da génese de animais e plantas, não basta à ciência conhecer todas
as forças da natureza que a determinam, aquelas que são hoje já patentes e aquelas que
sendo hoje secretas possam vir a ser bem conhecidas num àmanhã mais ou menos próximo.
É preciso também saber e ser capaz de manipulá-las.
Referências:

1 - S. Mahdihassan, Elixirs of mineral origin in Greek Alchemy, Ambix, 24 (1977), 133-


142.

2 - M. Eliade, Forgerons et Alchimistes, Flammarion Ed., Paris, 1956, capítulos 3-4.

3 - Idem, pg 48.

4 - Plinio, Historia Natural, XXXIV, 49.

5 - Strabon, Geografia, V, 2.

6 - Citado por P. Sébillot, Les Travaux Publics et les Mines dans les Traditions et les
Superstitions de Tous les Peuples, Paris, 1894, p. 398.

7 - Citado por G. Bachelard , La Terre et les Rêveries de la Volonté, Paris, 1948. p.247.

8 - Mircea Eliade, O. Cit., pg. 55.

9 - W. Theisen, John Dastin, The Alchemist as co-creator in Ambix, 38 (1991), 73-78;


Mircea Eliade, O. cit., pp. 54-56.

10 - J.R Partington, A History of Chemistry, Vol. I, Part.1 : Theoretical Background,


London, MacMillan & Co.Ltd, 1970, pp. 158.

11 - Theophrasti de Lapididus Liber, ab Adriano Turnebo Latinitate donatus, Paris,


Officina F. Morelli, 157.

12 - Paracelsus, A Economia dos Minerais e Sua Genealogia in Paracelsus, Opera Omnia,


Ed. A. E. Waite, London, 1894, vol.I, pp. 89-113.

13 - Livro dos Minerais in Paracelsus, Opera Omnia, Ed. A. E. Waite, London, 1894 vol.I,
pp. 237-56.
14 - Paracelsus, Opera Omnia, Ed. A. E. Waite, London, 1894, vol.I, pp.92-93; 240 Ŕ 241.

15 - T. Sherley, A Philosophical Essay: Declaring the probable causes, whence Stones are
produced in the Greater World, London, 1672.

16 - J. J. Becher, Institutiones Chimicae Prodomae, id est, Oedipus Chimicus Obscuriorum


Terminorum & Principiorum Chimicorum, Mysteria aperiens & resolvens, Amsterdam,
1664.

17 - P. Gassendi, Abrege de la Philosophie de Gassendi en VIII Tomes. Par F. Bernier,


Docteur en Medicine de la faculte de Montpelier, Lyon, 1678, V, 85, 91, 107 and passim,
citado in D. R. Oldroyd, Mechanical Mineralogy, Ambix, 21 (1974), p. 159.

18 - A. G. Debus, The Chemical Philosophy, Vol.II, Science History Publications, N.York,


1977, pp.473-484.

19 - D. R. Oldroyd, Some Neo-platonic and Stoic influences on mineralogy in the sixteenth


and seventeenth centuries, Ambix, 21 (1974), p. 153.

20 - R. Boyle, The Sceptical Chymist, London, 1661, p. 364.

21 - R. Boyle, An Essay about the Origin and Virtues of Gems, London,1672.

22 - D. R. Oldroyd, Mechanical Mineralogy, loc. cit., 157-178.

23 - E. J. Aiton, The Vortix Theory of Planetary Motions, London, 1972.

24 - Teresa Firmino, As sementes das Galáxias in Público, 27 de Abril.2000.

25 - A. J. Hopkins, The kerotakis process of Zozimus, Isis, 29, 1938, 327.

26 - Teresa Firmino e Ana Gerschenfeld, O Big Bang dentro da Televisão, in Público, 27


de Abril.2000.
27 - Cientistas querem criar Vida Artificial in Público, 28. Janeiro. 2000.

28 - La Science au présent, in Encyclopaedia Universalis, 1999, pp.63-64.

29 - Aristóteles, Metaphysica, 1031 b7, 1031 b20 e 996 b20.

30 - K. R. Popper, The Open Society and Its Enemies, vol.II, 4ªEd., Londres, Routledge &
Kegan Paul, 1962, cp.11.

31 - Fragmentos do Espólio de Fernando Pessoa; fragmento 54-97.

Lisboa, 3 de Maio de 2000


INTRODUÇÃO AOS RITOS E RITUAIS
HERMÉTICOS E ALQUÍMICOS
DO SÉCULO XVIII

JOSÉ MANUEL ANES

A Alquimia operativo-laboratorial (1) - a que é praticada em laboratório - é um rito


sacrificial em que o alquimista sacrifica a matéria, constituindo esse rito (2) urna actividade
individual. Apesar disso, os alquimistas reuniam-se por vezes em escolas, mesmo que
reduzidas ao Mestre e ao discípulo, e trocavam opiniões entre si dentro de uma mesma
escola, ou entre alquimistas de diversas escolas (3).

Existiram, no entanto, a partir de meados do século XVIII (e sobretudo nesse século), ritos
e rituais herméticos e alquírnicos que não pretendiam fazer alquimia, mas preparar o
candidato para uma assimilação dos princípios herméticos e da prática alquímica, num
contexto ritual e dentro de um grupo organizado, através de uma cerimónia iniciática onde
seriam revelados - na iniciação, na instrução e no catecismo - os segredos alquímicos.

Grande parte desses ritos e rituais foram criados num contexto maçónico, constituindo
(altos) graus maçónicos, como o ritual (do grau) de Cavaleiro do Sol, ou mesmo um
sistema (rito) maçónico, como o Rito Hermético de Dom Pernety, ou a Estrela Flamejante
do Barão de Tschoudy.

Ocorre, a propósito, referir que alguns destes graus herméticos ou alquímicos ocorreram no
seio da Maçonaria "dos Antigos", ou do universo maçónico por ela influenciado (e que tem
raiz no hermetismo renascentista, nos Rosa-Cruzes do século XVII, etc.), mais aberta (e
mesmo entusiasta) a receber ensinamentos provenientes de correntes esotéricas como a
Cabala, a Teurgia, a Alquimia, etc., e interpretações esotéricas de tradições como a
Cavalaria - como os ritos "escoceses", quer o Antigo e Aceite, quer o Rectificado, mas
também os ritos de York, da Ordem Real da Escócia (Heredom de Kilwining e Cavaleiro
Rosa-Cruz) e do Rito Sueco, proveniente, como o Rito Escoçês Rectificado, da maçonaria
da Estrita Observância Templária alemã, e mesmo, ainda que não "regulares", os ritos
"egípcios" de Cagliostro, de Misraim, etc. -, o que não se passa, de modo algum, na
Maçonaria mais exotérica "dos Modernos" ( como, p.ex., o Rito de Emulação, inglês, e o
Rito Francês) (4).
Vamos analisar, brevemente, alguns desses rituais e ritos - maçónicos ou para-maçónicos -
do séc. XVIII (o último dos quais, o de Misraim, fixado em começos do século XIX, a
partir de materiais do século XVIII).

A) O "Ritual alquímico secreto do grau de verdadeiro maçon académico" (1770) (5)


de Dom Pernety (1716-1796) e dos seus "Iluminados de Avignon".

Antoine Joseph Pernety (Dom Pernety) nasceu em 1716 em Roanne-en-Forez e pronunciou


os votos como beneditino da congregação de Saint-Maur, em 1732, na Abadia de Saint-
Alllire de Clermont. Muito inteligente e culto - versado em Matemáticas, Ciências Naturais
(participa na expedição de Louis de Bouganville às Ilhas Maldivas) e Pintura e Escultura
(6) -ele encontra, na biblioteca da Abadia de Saint-Germain-des-Prés, o livro do abade
Lenglet-Dufresnoy, Histoire de la Philosophie hermétique (Paris, 1742), completado com a
tradução do Véritable Philalète (Entré au Palais fermé du Roi), que desperta nele uma
paixão que perdurará até ao fim da sua vida: a Alquimia. Em 1758 (e 1786) (7), publicará
as Fables égyptiennes et grecques dévoilées et réduites au même principe e em 1758 ( e
1787), o Dictionnaire mytho-hermétique, dans lequel on trouve les allégories fabuleuses
des poètes, les métaphores, les énigmes et les termes barbares des philosophes hermétiques
expliqués (B) . Em ambos os livros (mas particularmente no primeiro, ao qual ele se refere
constantemente no Dictionnaire), Dom Pernety propõe-se dar uma explicação alquímica
das "fábulas" da Antiguidade (Elíada, Odisseia, etc.) e também dos mitos religiosos
egípcios que, segundo ele, conteriam todos os segredos da Grande Obra.

Tendo entrado em conflito com a congregação monástica beneditina de Saint-Germain-des-


Prés, o nosso abade chega a Avignon em 1766, onde propõe desde logo um novo rito
maçónico, o rito hermético, que foi adoptado pela Loja aristocrática dos Sectateurs de la
Vertu (à qual ele parece aderir sem sabermos se ele já era maçon anteriormente ou se nela
foi iniciado).

O rito (ou regime) de Pernety - inteiramente baseado no Hermetismo e destinado a cristãos


discretamente sapientes (9) -era constituido por seis (altos) graus, para além dos três graus
simbólicos (de Aprendiz, de Companheiro e de Mestre):

1 -Verdadeiro Maçon

2 -Verdadeiro Maçon na via recta

3 -Cavaleiro da Chave de Ouro

4- Cavaleiro da Iris

5 -Cavaleiro dos Argonautas

6 -Cavaleiro do Tosão de Ouro.


O ensino hermético era dado pelo Orador da Loja, desde o primeiro alto grau (de
Verdadeiro Maçon): «Ia science à laquelle nous vous initions, est Ia premiere et Ia plus
ancienne de toutes les sciences. Elle émane de Ia nature, ou plutôt c' est Ia nature elle-
même, perfectionnée par I' art et fondée sur I' expérience. Dans tous les siècles, il y a eu des
adeptes de cette science, et si, de nos jours, des chercheurs y consument en vain leurs biens,
leurs travaux et leurs temps, c'est que, loin d'imiter Ia simplicité de Ia nature et de suivre
des voies droites qu' elle trace, ils Ia parent d'un fard qu' elle ne peut souffrir et s' égarent
dans un labyrinthe où leur folle imagination les entraîne.(10)

A partir de 1766-7, Dom Pemety está em Berlin como bibliotecário de Frederico II. Nesta
cidade conhece outros hermetistas, toma contacto com as doutrinas de E. Swedenborg
(relativo aos contactos com entidades celestes) e aperfeiçoa o seu Rito Hermético. Em 1783
recebe a "Santa Palavra" de uma entidade celestial que lhe ordena que abandone a Prússia e
retome a Avignon, para fundar o grupo dos "Iluminados" - na sequência dos "Iluminados de
Berlim", a que pertencera. Em 1787, o Rito tem cerca de uma centena de elementos e em
1789 é já célebre nos meios esotéricos.

A Instrução (ou Catecismo) - do Grau de Verdadeiro Maçon Académico - contém


perguntas e respostas (11) relativas à teoria alquímica e também algumas alusões à sua
prática (tradução é nossa):

P. -Por onde andaste? R. -A percorrer o céu e a terra. P. -O que viste? R. -O caos. P. -


Quem o criou? R. -Deus. P. - Quem o produziu? R. -A Natureza. P. -Quem o aperfeiçoou?
R. -Deus, a natureza e a arte. P. -O que entendes por caos? R. -A matéria universal sem
forma e susceptivel de adquirir toda a forma. P. -Qual é a sua forma? R. -A luz encerrada
nas sementes de toda a espécie. P. - Qual é a sua ligação? R. -O espirito universal cido. P.
- Sabes trabalhar a matéria universal? R. -Sim, Sapientissimo. P. -De que é que te serves
para esse fim? R. -Do fogo interno e externo. P. -O que é que resulta disso? R. -Os quatro
elementos que são os princípios principiantes e mediantes. P. -Como é que eles se
denominam? R. -O fogo, o ar, a água e a terra. P. -Quais são as suas qualidades? R. -0
quente, o seco, o frio e o húmido. Acopuladas duas a duas, dão respectivamente: a terra,
seca e fria; a água, fria e húmida; o ar, húmido e quente; o fogo, quente e seco, o qual se
vem a conjugar com a terra, pois os elementos são circulares como o vento, o nosso pai
Hermes. P. -O que é que produz a mistura dos quatro elementos? E as qualidades de que
tudo é composto? R. -Os trés princípios principiantes mediatos. P. -Que nome Ihes dás? R.
-Mercúrio, enxofre e sal. P. -0 que entendes por mercúrio, enxofre e sal? R. -Eu entendo-os
como mercúrio, enxofre e sal filosóficos e não vulgares. P. - O que é o mercúrio filos6fico?
R. -É uma água e um espírito que dissolve e sublima o sal. P. -E o que é o enxofre? R. -É
um fogo e uma alma que o guia e o colora. P. -O que é o sal? R. -É uma terra e um corpo
que se congela e se fIXa e tudo isso se faz mediante o veiculo do ar. P. -O que decorre
destes três princípios? R. -Os quatro elementos rodopiados como diz Hermes, ou os
grandes elementos como diz Raimundo Lúlio, que são o mercúrio, o enxofre, o sal e o
vidro, dos quais dois voláteis, a saber a água e o ar, que é o óleo, porque toda a substância
liquida pela sua natureza dissipa o fogo, e a terra pura que é o vidro sobre o qual o fogo
não tem acção (...) P. -O que entendem por mixtos? R. -os animais, os vegetais e os
minerais. P. -Quem dá aos mixtos o movimento, o sentimento, o alimento e a substância?
R. - os quatro elementos: o fogo dá o movimento, o ar dá o sentimento, a água, o alimento,
e a terra, a substância. P. - Para que servem os quatro elementos redobrados? R. -Para
engendrar a Pedra Filosofal se se for bastante industrioso para Ihes dar o fogo
conveniente e Ihes dar os pesos da natureza. P. -Qual é o grau de fogo? R. -Trinta e duas
horas para a putrefacção, trinta e seis para a sublimação, quarenta para a putrefacção...

B) Os rituais alquímicos do Barão de Tschoudy (1724 -1769) e os Estatutos dos


"Filósofos Desconhecidos":

O nome desta Sociedade dos "Filósofos Desconhecidos" parece ter sido inspirado pelos
"Estatutos dos Filósofos Desconhecidos", incluidos na obra do Cosmoplita (o alquimista
polaco Michel Sendivogius), Tratados do Cosmopolita novamente descobertos (12).

-A Estrela Flamejante (1766)

Este Rito é "verdadeiramente alquímico" (13), e no seu catecismo (destinado a aprendizes,


companheiros e professos) é feita uma descrição da Grande Obra Alquímica, inspirada nos
textos do alquimista Michel de Sendivogius (1566-1646), o Cosmopolita (que também
influenciou Dom Pernety), particularmente Nova Luz Química e Cartas Filos6ficas.

Da "instrução para o grau de adepto ou aprendiz Filósofo Sublime e Desconhecido",


retiremos a seguinte passagem:

P. -De que mercúrio devemos servirmo-nos para a Obra? R. -De um mercúrio que não se
encontra sobre a terra, mas que é extraído dos corpos, mas nunca mercúrio vulgar... P. -
Como chamas a esse corpo? R. -Pedra bruta ou caos, ou "iliaste'; ou "hylé". P. -É essa
mesma pedra bruta cujo símbolo caracteriza os nossos primeiros graus? R. -Sim, é a
mesma que os maçons trabalham a desbastar e da qual eles querem retirar as
imperfeições; essa pedra bruta é, por assim dizer, uma porção desse mesmo caos, ou
massa confusa desconhecida e desprezada por todos... (14)

-O Cavaleiro do Sol

A Ordem ou "Sociedade dos Filósofos Desconhecidos" possuiu um sistema maçónico


baseado no Hermetismo e na Alquimia, num contexto cristão, cujo 7°, Grau, de "Cavaleiro
do Sol", foi praticamente incluido no 28° Grau do Rito Escocês Antigo e Aceite (codificado
em 1802, em Charleston, E.U.A.) e no 51°, Grau do Rito de Misraim. A sua palavra de
passe é Stibium, Estibina (Sulfureto de Antimónio), uma das matérias primeiras da
Alquimia operativo-laboratorial, e a sua doutrina contém, segundo Michel Monereau (15),
os seguintes temas: 1 - existe um primeiro princípio, incognoscível, que penetra o universo
em todos os seus planos; 2 -a vida humana é apenas um ponto face à eternidade; 3 -a
harmonia universal resulta do equilíbrio engendrado pela analogia dos contrários; 4 -o
absoluto é o espírito que existe por si próprio; 5 -o visível é apenas a mainfestação do
invisível; 6 -o mal é necessário à harmonia universal; 7 -a analogia é a única chave da
natureza.(16)
C) A Ordem dos "Arquitectos Africanos" e o "Crata Repoa" (1770)

A Ordem dos "Arquitectos Africanos", ou dos "Irmãos Africanos" ("africanos" querendo


dizer "egípcios"), foi instituída em 1767, na Prússia, sob os auspícios de Frederico o
Grande (inspirador e protector de outros graus e ritos maçónicos entre os quais o Rito
Escocês Antigo e Aceite) e teve como Grão Mestre von Koppen, ilustre membro da Estrita
Observância Templária (organização maçónico-templária dirigida pelo Barão Carl von
Hund). Estava organizada em 7 classes: 1ª, Pastophoris; 2ª, Néocoris; 3ª, Melanophoris; 4ª,
Chistophoris; 5ª, Balahata; 6ª, Astrónomo da Porta de Deus; 7ª, Profeta ou Saphenath
Pancah.

Este sistema hermético "visava revelar os segredos do antigo Egipto" (17) e estava baseado
no livro do "Crata Repoa" publicado em 1770, na Alemanha, onde figuravam os graus desta
"antiga maçonaria". Após ter passado pelas Trevas (no 3°. Grau, na "Porta da Morte" do
Mestre Osíris), de onde apenas sairia após ter adquirido "verdadeiros conhecimentos", e de
ter atingido a Luz após a "Batalha das Sombras" do 4°. Grau - onde receberia o "escudo de
Isis" -, o iniciado assistia no 5° Grau a uma representação da morte da Serpente - Typhon,
por Horus, finda a qual o Balahata aprendia a "química" (isto é, a Alquimia), "a arte de
decompor as substâncias e de combinar os metais":

D) Cagliostro e o Ritual da Maçonaria Egípcia

Este ritual -mais hermético do que alquímico-laboratorial, visto que ele aponta no sentido
das "alquimias internas" (não psico-espirituais, mas fisiológico-espirituais) -inclui umas
"quarentenas espirituais", durante as quais cada um receberá propriamente o Pentágono
(Estrela Flamejante), quer dizer, essa folha virgem sobre a qual os Anjos primitivos
imprimiram os seus números e selos, e com a qual ele se tornará Mestre (...) e o seu
espírito ficará cheio de um fogo divino e o seu corpo se tornará puro como o da criança
mais inocente (...) com um poder imenso, não aspirando senão ao repouso para atingir a
imortalidade e poder dizer dele próprio: Ego sum qui sum (Eu sou o que é).

O objectivo do seu Rito -a imortalidade conquistada durante a vida física -pode ser
resumido por uma frase extraída do seu catecismo: «Tendo sido criado à imagem e à
semelhança de Deus, eu recebi o poder de me tornar imortal e de ordenar aos seres
espirituais para reinar sobre a terra».

Em 1784, Cagliostro fundou a Loja-mãe do seu Rito, "A Sabedoria Triunfante", mas o Rito
em si parece não ter sobrevivido ao seu criador.

E) Os "Arcana Arcanorum" do Rito de Misraim e de Menfis-Misraim

Os "Arcana Arcanorum" (Mistério dos Mistérios) são os últimos graus do Rito de Misraim
e do Rito de Menfis-Misraim que, embora constituídos nos começos do século XIX, estão
baseados em textos do século XVIII (18), entre os quais provavelmente alguns de
Cagliostro.
No 88° Grau "o iniciado deve... receber os influxos celestes e... sentir bater nele a vida
universal, depois de o «orvalho celeste» ter descido nele para fecundar o germe que ele traz
dentro de si". Após o 89°, Grau, que "permite um contacto com o invisível", vem o 90º.
Onde é dito que: «Toda a vida oscila entre estes dois polos: Matéria e Espírito; Bem e Mal;
Felicidade e Sofrimento. Toda a iniciação deve conduzir-nos da Lua ao Sol, de Isis a Osiris,
da Matéria à essência divina».

Segundo Jean-Pierre Giudicielli (19) "É no grau do Cavaleiro Rosa Cruz que se desenvolve
um Wuei Tan (via exterior) e não um Nei Tan, que é a obra mais avançada. Com efeito, o
18° Grau diz respeito às duas etapas clássicas da via exterior... Mas é sem equívoco
possível, nos últimos graus de Misraim (87°, 88°, 89°, 90°), também chamados Escala de
Nápoles, que residem certas chaves operativas da alquimia interna do Corpo de Glória (nei
Tan), a qual já tinha sido anunciada no 12°. Grau de "Grande Mestre Arquitecto":

A suprema ambição dos Grandes Mestres Arquitectos é de fazer viver em eles a verdade e
de comer o fruto da Árvore do conhecimento, de serem deuses.

Conclusão

Estes ritos e rituais herméticos e alquirnicos aparecem, no século XVIII, num contexto
maçónico ou para-maçónico no ambiente iniciático que se pode denominar, numa
perspectiva generalizada, de "Maçonaria dos Antigos", esotérica e mesmo ocultista.

Por falta de tempo não nos foi possível referir os Ritos da " Rosa Cruz de Ouro"
(Alemanha, 1777) e da "Rosa Cruz de Ouro do Antigo Sistema" (Alemanha, 1781), ambos
de natureza hermética e alquirnica, o que ficará para uma segunda parte desta introdução.

NOTAS

(1) Escolhemos esta denominação para distinguir a alquimia que é praticada em laboratório
-também denominada de "fisica": embora ela pretenda promover a espiritualização da
matéria, e nesse sentido ela é também e essencialmente "espiritual" -das alquimias
denominadas "psicológicas", "espirituais", etc., as quais também apresentam uma
operatividade. Há outras alquimias que são também "operativas", como por exemplo as
"alquimias internas" que se desenrolam no interior do corpo humano (vide a alquimia
taoista). Para uma definição de "alquimia operativo-laboratorial", ver a minha Tese de
Doutoramento em Antropologia (Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas, Lisboa, 2002), intitulada "Hermes redivivo -ressurgimentos da
alquimia operativo-laboratorial na segunda metade do século XX: novos movimentos
alquímicos franceses".

(2) Para uma discussão deste tema, ver a minha Tese Complementar de Doutoramento em
Antropologia, na mesma Faculdade, "A Alquimia operativo- laboratorial, como rito
sacrificial"
(3) Veja-se a tradição de encontros entre alquimistas, na Catedral de Notre-Dame de Paris
referida nos começos do século XX, pelo alquimista (ou alquimistas...) Fulcanelli (in "O
Mistério das Catedrais", Lisboa, 1973, p.54): «Os alquimistas do século XIV encontram-se
aí, no dia de Saturno, no grande portal ou no portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena
Porta Vermelha, toda decorada de salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hábito
se mantinha ainda no ano de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Noel du Fail diz que «o
grande encontro de tais académicos era em Notre-Dame de Paris». Aí (...) cada um expunha
o resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-se
probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no próprio local a alegoria do belo
livro e a exegese abstrusa dos misteriosos símbolos não era a parte menos animada destas
reuniões.»

(4) Para uma sucinta, mas esclarecedora discussão desta diferença entre "antigos" e
"modernos", veja-se o interessante livro de Jean Solis, Guide Pratique de la Franc-
Maçonnerie, Ed. Dervy, Paris, 2001 (livro que contém, no entanto, algumas incorrecções
sobre as Obediências regulares no mundo, mas que o autor se propõe rectificar brevemente,
conforme comunicação pessoal recente).

(5) Dom Pemety, Rituel Alchimique Secret, Viareggio, Ed. Rebis, 1981.

(6) Foi tradutor ( e comentador) de um tratado de matemáticas alemão, colaborou no 8°.


Volume de Gallia Christiana, publicou um comentário da Regra de São Bento, com o título
de Manuel bénédictin e, estando já destacado na Abadia de Saint-Germain des Prés,
também um Dictionnaire portatif de peinture, de sculture et de gravure, procedendo nessa
ocasião a estudos de Botânica ( cf. J. Bricaud, Les Illuminés d'Avignon, pp. 5-7).

(7) Redição em 1971, na Ed. Arché, Milão, e em 1982, nas Ed. La Table d'Emeraude, Paris.

(8) Reedição em 1972, em Milão, na Arché, e no mesmo ano, na Denoel, em Paris.

(9) Ver artigo 2 dos Estatutos a p. 3 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.).

(10) J. Bricaud, op. cit., p. 33.

(11) cf. pp. 19-21 do Rituel Alchimique Secret (op. cit.)

(12) Bernard Roger, "Introdução" a Nouvelle Lumiere Chymique, Paris, Retz , 1976, p. 23.
Ver também Zbigniew Sydlo, Michael Senvivogius and the «Statuts des Philosophes
Inconnus", in "The Hermetic Journal", 1992, pp. 72-91.

(13) Michel Monereau, Les Secretes hermétiques de la Franc-Maçonnerie, Paris, Axis


Mundi, 1989, p.27.

(14) ibid.; a tradução é nossa.

(15) Les Secrets Hermétiques de Ia Franc-Maçonnerie, pp. 26-27.


(16) ibid.; a tradução é nossa.

(17) Michel Monereau, op. cit., pp. 38-39

(18) Michel Monereau, op. cit., pp. 43-44.

(19) In Pour la Rose Rouge et la Croix d'Or, Paris, Axis Mundi, 1988, p. 68.

BIBLIOGRAFIA

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1927 (reeditada em 1995, pela SEPP, Paris).

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Mollier, Pierre -Contribuition à l' étude du grade de Chevalier du Soleil, p. I, II, III, in
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Monereau, Michel- Les Secrets Hermétiques de la Franc-Maçonnerie et les rites de


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Naudon, Pzul -Histoire, Rituels et Tuileur des Hauts Grades Maçonniques, Paris, Ed.
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Solis, Jean J. -Guide pratique de la Franc-Maçonnerie, Paris, Ed. Dervy, 2001.

Tschoudy, Baron de -L'Étoile Flamboyante, ou la Société des Franc-Maçons considérée


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Tshoudy, Baron de- Touts les rituels alchimiques du Baron de Tschoudy, reedição das
Éditions Arma Artis, Paris, s.d.

Ventura, Gastone -Les Rites Maçonniques de Misraim et Memphis, Paris, Eds.


Maisonneuve & Larose, 1986.
A FILOSOFIA POÉTICA
DE ANTÓNIO TELMO
António Cândido Franco

No seu primeiro livro, Arte Poética (1963), livro reconhecidamente dedicado a Álvaro
Ribeiro, deparamos com o propósito duplo de elevar a poesia ao pensamento e de fazer
descer, da esfera raciocinante, a filosofia ao sensível. Se o pensamento actua pela palavra, a
palavra serve de veículo ao pensamento. Esta dupla intenção, servindo de esteio às três
partes do livro, é reconhecível à luz duma tradição anterior, que vai de Guerra Junqueiro a
Teixeira de Pascoaes, que se distingue pelo seu pensamento dramático e a sua seriedade
trágica.

A poesia, diz António Telmo, vive duma sobrecarga imaginativa fora do vulgar, que lhe
permite visionar os universos ínferos e recônditos, onde volitam as almas e os demónios,
seres invisíveis aos olhos do corpo, mas esse premeditado excesso de devaneio, esse jogo
exaltado da imaginação, esse esforço em direcção do invisível, só ganha utilidade e
significado a partir do momento em que não perde de vista as interrogações essenciais do
pensamento.

A poética de António Telmo raspa o verniz estético da poesia como entretenimento e deixa
de lado, para sempre, a crosta sociológica duma poesia entendida como indústria cultural.

O esforço de António Telmo põe assim a descoberto as intenções da poesia clássica, quer
através dos trágicos gregos, quer dos épicos latinos. O que aí encontramos, em estado puro,
é um gosto cósmico e abissal, um sentido da mobilidade do mundo e das suas formas, uma
dramatização relativizadora da verdade, que só adquire o seu alcance na ideia de
metamorfose interior transfiguradora.

Fica de lado, nesta poética, a concepção do poema como forma visível ostensiva, capaz de
receber qualquer conteúdo. Nada mais enganador que confundir a arte poética de António
Telmo com um manual métrico ou um tratado técnico de versificação. Não são as ideias de
ordem e organização que dominam a sua poética, mas antes o teor imaginativo e o impulso
criador, se por criação entendermos a substantivação na linguagem verbal do espírito
incriado. Só esta substantivação, em visões consecutivas ou em sucessivas emergências, é
digna do entusiasmo da poesia, mostrando assim que o poema não é uma questão de
revestimento formal, uma casca técnica, mas o miolo verbal duma revelação formal.

Esta poética propõe-nos, por isso, friamente, no seguimento das cosmogonias antigas,
descer ao encontro dos subterrâneos crípticos e escuros, onde se situam os mundos
invisíveis, ocultos pela opacidade da superfície linear e positiva, num propósito que parece
ter alguma correspondência com as intenções freudianas de indagação das dobras secretas
da alma ou com os intentos rimbaldianos do videntismo surrealista, mas que desvela,
outrossim, pela preocupação do regresso, uma filiação clássica dionisíaca, de sondagem das
ínferas camadas dos mortos ou das sombras, naquilo que são as catábases do mundo antigo
e dos seus mistérios.

***

O propósito do livro de estreia de António Telmo não foi depois esquecido. Alguns outros
trabalhos do autor vieram dar continuidade à sua intenção inicial de entrosar o sensível e o
pensamento, a expressão e o espírito, restituindo à arte em geral e à poesia em particular um
papel iniciático superior de aperfeiçoamento do ser.

Gramática Secreta da Língua Portuguesa (1981) abre com um texto, ŖPara um Organon da
Razão Poéticaŗ, onde deparamos com uma chamada de atenção para as formas de
imaginação artistícas destituídas de dimensão interior transmutativa.

O que se pretende é que a arte poética, ou se quisermos o exercício da metáfora, não decaia
num jogo gratuito de formas, votado à distracção ou ao aproveitamento do comércio. É
preciso, pelo contrário, que a imaginação artística sirva de veículo ao pensamento
filosófico, não confundindo a expressão com a técnica das formas. Expresão poética e
formas do verso podem não coincidir.

A realidade da metáfora deve ser tão viva que transforme e aprofunde a nossa percepção do
real fixo. É pela metáfora, quer dizer, pela observação atenta das coisas e das suas
qualidades que se dizem as essências. Só há pensamento, pelo menos pensamento activo,
através da palavra. A língua portuguesa pode ser refundada através de uma razão poética.
Há que arrancar a linguagem verbal ao estado letárgico da comunicação, restituindo-lhe
uma vitalidade criacionista. o real é, como diria Leonardo Coimbra, ideado, não cousado. A
criação poética é, pela metáfora verbal, a criação do real ideado. A poesia para António
Telmo é criacionista; cria a realidade de que fala.

A metáfora é, segundo Aristóteles, o Ŗtransportar para uma coisa o nome de outraŗ. Mudar
de nome é, assim, mudar de coisa. Depois duma metáfora certeira e inesperada, o ente
deixa de ser o mesmo. A metáfora é uma metamorfose aperfeiçoadora, capaz de melhorar o
real. As metáforas recriam os seres e aperfeiçoam o mundo, levando-o a mudar de plano ou
de grau. Dão-nos a ver o invisível; fazem-nos perceber o que antes ainda não tinha sido
percebido; revelam o que velado estava; passam do físico ao metafísico. São elas que fazem
da arte poética uma arte criadora. Só pela metáfora se descobre a metamorfose interior do
mundo e do ser. Eis a parcela de vidência que toda a verdadeira arte comporta e ainda os
limites de toda a arte naturalista ou figurativa que não saiba alçar-se à abstracção
transfiguradora da metáfora. A metáfora poética altera a natureza; desloca e alarga o seus
atributos; modifica as aparências com que vemos o real: cria a essência invisível do
particular, que é aquilo mesmo que constitui o objectivo do pensamento.

Telmo parece com isto dizer-nos que existe na linguagem verbal uma verdade superior à
vida, à vida dos sentidos. Foi ela permitiu a Leonardo Coimbra soletrar a consigna
magnífica do criacionismo, que foi o seu sistema de pensamento : ŖO homem não é uma
inutilidade num mundo feito, mas o obreiro dum mundo a fazer.ŗ Enquanto a vida material
nos foi dada numa determinação previsível, numa orientação estabelecida, a linguagem
verbal deixa o mundo em aberto, deslocando e alterando formas e eventos. Essa verdade
superior à vida, capaz de superar as determinantes, é a imaginação.

***

Fazer da linguagem verbal o intermediário privilegiado do pensamento, não descurando a


verdade que nela existe de superior à vida dos sentidos, é o intento dum livro como
Filosofia e Kabbalah (1989), que reúne os dispersos sobre poetas e pensadores portugueses
anteriormente publicados pelo autor. Mas uma tal preocupação não pode ser desligada do
intento de trazer a filosofia até às formas sensíveis de expressão dramática ou poética, de
resto o pretexto que o levou a escrever e a publicar em 1963 um livro de filosofia
ferozmente anti-intelectualista.

O trabalho de António Telmo foi, assim, uma vez mais, adequar a verdade transcendental
às formas presentes e locais da vida, procurando, porém, que estas não sufoquem a
harmonia excelsa do pensamento. Para além da tentativa de disciplinar a desordem da
imaginação, vê-se, em António Telmo, o esforço de adaptar a ordem da vida à aventura da
liberdade.

Telmo procura, como qualquer poeta, um equilíbrio de simetria complementar entre a razão
das formas e o excesso da imaginação, entre a tirania dos imperativos formais e a liberdade
da criação. Nenhuma toma verdadeiramente a dianteira; Orfeu zela por uma harmonia entre
os mistérios que se revelam a tremer na escuridão da noite e o senso apolíneo da beleza
estática e da forma diurna. A realização deste equilíbrio leva a que a prosa deste autor se
nos afigure uma supra-realidade, onde as noções de caos e ordem, de estabilidade e ruptura,
de sensível e inteligível, de poesia e filosofia se confundam ou, pelo menos, deixem cair o
seu sentido dicotómico mais vulgar. O movimento transfigurador do mundo não resulta do
transformismo da matéria, mas da visão interior do poeta. É ela que assegura a tendência
unificadora da metáfora e a contemplação luminosa da essência universalizante.

A imaginação volta a ser o agente formativo dum mundo desconhecido, retraído na esfera
do invisível, pela ilusão da repetição das formas estáticas, que constituem a vida aparente
dos sentidos mais imediatos. A metáfora é a expressão da acção criadora e libertadora desta
realidade invisível, que funde antinomias e aproxima distâncias. A catarse ou a libertação
das formas rígidas da realidade, arrancando a natureza ao cárcere onde o hábito a
aprisionou, é o resultado da metáfora, instrumento da imaginação e do pensamento poético
em geral. A metáfora desloca e traslada, mostrando, em sucessivas emergências, que as
imagens são as manifestações duma mesma essência universal.
Trata-se duma operação do espírito, um processo interior, que implica uma alteração da
percepção do mundo ou uma animação imaginativa dessa percepção, em que o espírito se
faz expressão verbal. A metáfora revela sempre dum imaterial, que é o ponto invisível onde
a pluralidade da dispersão material se reúne num universal ou, se quisermos, o ponto em
que a dispersão dos sentidos, sem colocar directamente em causa os seus elementos
sensíveis, encontra a sua unidade psíquica.

Deste modo, o trabalho do poeta parece ser iluminar tudo o que se tornou opaco, mercê da
cousificação da vida, libertando a matéria física da prisão das suas amarras e contemplando
o que doutro modo ficaria para sempre retraído no invisível. É por isso que Telmo, na
introdução ao livro de 1981, nos diz que a cor como manifestação física imediata ou
revestimento material dos corpos não é o produto da decomposição da luz, mas antes o
resultado da progressiva qualificação da sombra. A treva, ascendendo da terra, multiplica-
se, por uma influência involuntária da luz do céu, em cores físicas; as cores, por sua vez,
pela acção humana da visão poética ou metafórica, aperfeiçoam-se na sua essência central
que é a luz.

De qualquer modo, na visão de Telmo, um pensamento universal sem o húmus do concreto


e um conhecimento sem formas sensíveis de expressão são nocivos. Sem a terra fecunda
onde germinam as sementes, o ânimo apaga-se e a transcendência murcha, debilitada e
frouxa; sem um mínimo de dor, o superior é incapaz de se sustentar e desenvolver. O
filósofo aspira à luz e à ordem superior da razão, mas não recusa, ainda que
passageiramente, a experiência aterradora das trevas. É no coração da noite e do caos,
rodeado dos últimos monstros, do cimento sólido e da cinza nocturna, que ele vislumbra a
pura e meridiana luz dum meio-dia celeste.

***

Filosofia e Kabballah é a aspiração da filosofia à vida sensível das formas dramáticas.


Nesse livro, e depois noutros dois, O Bateleur (1992) e Contos (1999), Telmo procurou
directamente os modos de expressão poética, e em particular, entre eles, o narrrativo. É a
reafirmação da arte poética, agora da através da composição, não da explicação. O conto é,
para o autor de ŖA Damas de Oirosŗ, o género vivo, capaz de falar da origem e dizer o
mistério. A tradição órfica preferida por este autor foi a da fábula oral e popular. Com a
narrativa, com o acto de contar, Telmo encontrou o veículo poético que até aí lhe faltara,
dramatizando o conhecimento e sensibilizando a inteligência; através do conto, ele
procurou ligar o conhecimento superior, a verdade do mundo invisível, aos sentidos,
sensibilizando a transcendência imaterial em formas intermédias eficazes. Assumindo a
dramatização concreta dos problemas da filosofia, Telmo talvez nos tenha querido alertar
para algo mais importante que a inteligência, a inteligência abstracta da ciência e da
filosofia especulativa.

Se para ele, há, na linha de Leonardo Coimbra, uma verdade acima dos sentidos mais
imediatos, que justifica o pensamento, também para ele há algo de mais operativo que a
inteligência abstracta, o que, por sua vez, garante o interesse da efabulação poética.
A poesia, com as suas formas e géneros, o seu aspecto sensível e dramático, a máscara e a
expressão, é, pela dimensão material da sua carne, o lado de fora da inteligência, mas é
também, pela operatividade das suas criações superiores, o próprio universal dessa
inteligência.

Isso não implica, todavia, o sacrifício absoluto da ordem humana do entendimento, e em


primeiro lugar da organização linguística tal como ela se perpetua, na comunicação, para
ser entendida. Daí o conto ser a dicção órfica de quem acabando de regressar do coração
inominável do mistério já lá não está. Forma bifronte, análoga ao mito, o conto diz aquilo
que não pode ser dito, fala do céu divino na terra dos homens, vê o invisível na teia do
opaco, narra a substância do sonho e ensina a realidade do mal, está do lado de fora da
inteligência e é, ao mesmo tempo, o seu universal.

***

O itinerário de António Telmo é o seguinte: começa por apresentar, na arte poética, uma
explicação dos seus propósitos, e acaba depois, na parte final, quando escreve O Bateleur e
os Contos, por abandonar qualquer tentativa de explicação, por mais inteligente ou
argumentativa que seja, tornando-se um poeta, que opta por escrever os seus poemas sob a
forma de contos.

Será a obra estritamente poética de António Telmo mais ou menos importante que a sua
obra de pensamento? Será a sua inteligência superior à sua imaginação? São vãs as
perguntas deste teor pois este autor teve desde o início a preocupação de se afastar quer do
intelectualismo rígido, quer da literatura como distracção ou divertimento. Os seus contos
não são, por isso, vazios de inteligência; as suas obras explicativas, como o livro de estreia
ou a Gramática, são, por sua vez, criações.

Não esqueçamos que se para ele há, na linha do criacionismo mental, uma verdade superior
aos sentidos, também para ele há uma verdade mais operativa que a inteligência abstracta.
Dito de outro modo: a mentira, que é a efabulação poética, pode afinal ser mais operativa,
no conhecimento da verdade, que a verdade, que é o conhecimento abstracto do impensado,
sem palavras.

Daí o estudo que Telmo fez sobre a Ilha do Amor de Os Lusíadas, no livro Desembarque
dos Maniqueus na Ilha de Camões (1982), constituir talvez o coração da sua obra, pois
nunca como aí a natureza foi tão bem entendida como imagem, imagem do Jardim, e os
sentidos, os sentidos imediatos e materiais, tão necessários ao voo da imaginação. Nesse
livro, que tanto é o de Camões como o de Telmo, podemos dizer que a linguagem verbal
não formaliza nem conceptualiza, mas, através de sucessivas imagens sensíveis, que se
prendem com o paladar, o olfacto, o tacto, a audição ou a visão, ela realiza, realiza a
realidade, que, no caso, é a Ilha pintada e imaginada ou o Paraíso.
A ALQUIMIA ESPIRITUAL DOS
ROSACRUZES
TRANSMUTAÇÃO MENTAL, TRANSMUTAÇÃO CORDIAL
E A THEMIS AUREA

ANTÓNIO DE MACEDO

Summary

The Rosicrucian Alchemy is essentially spiritual, although some Rosicrucians have


dedicated themselves to the Practice of the Art. This lecture makes an approach to the book
Themis Aurea (1618), by the Count Michael Maier, where we can find important
informations on the ŖVerum Inventumŗ.

Maier makes the firm statement that the Brothers of R.C. actually exist to advance
inspired Arts and Sciences, including Alchemy. He was a scholar very prized by Rudolph
II, Emperor and King of Hungary, and King of Bohemia, who was an amateur alchemist,
too.
Maier was also a practical chemist and associated with many researches in this field.
Emperor Rudolph II ennobled Maier with the title Pfalzgraf (Count Palatine), and
appointed him Private Secretary to His Royal Person.
Quando, pela Alquimia Espiritual, nos tornarmos como Cristo, o Senhor
da Vida, seremos imortais, libertar-nos-emos do nosso pai Samael e da
nossa mãe Eva e a morte não mais terá poder sobre nós.

MAX HEINDEL, Freemasonry and Catholicism, 1919

Em 1614, 1615 e 1616 foram publicados na Alemanha, por esta ordem, três tratados
ou manifestos que desencadearam o movimento Rosacruciano ŕ ou o Iluminismo
Rosacruz, como também tem sido chamado: Fama Fraternitatis («Ecos da Fraternidade, ou
da Confraria»), Confessio Fraternitatis («Confissão da Fraternidade») e Chymische
Hochzeit Christiani Rosencreuz Anno 1459 («Núpcias Químicas de Christian Rosenkreuz
no ano de 1459»).

Publicados anonimamente na Alemanha, os dois primeiros em Kassel e o último em


Estrasburgo, a sua autoria tem sido atribuida a Johann Valentin Andreae (1586-1654),
pastor protestante originário da Suábia e influente figura da ortodoxia luterana dos
princípios do século XVII, e um dos homems mais sábios do seu tempo.

No frontispício do primeiro lê-se a seguinte dedicatória: «Nós, Irmãos da


Fraternidade da Rosacruz, oferecemos a nossa saudação, o nosso amor e as nossas orações
a todos os que lerem a nossa Fama com inspiração cristã». Nele se conta a história do Fr.
R. C. ŕ Frater Rosencreuz1[1], ou Irmão Rosacruz ŕ, um «homem iluminado» que viajou
por muitos países, incluso no Oriente, onde aprendeu a Magia e a Cabala com os Mestres.
Ao regressar à Alemanha decidiu empreender a reforma que haveria de corrigir as
imperfeições do mundo, e fundou a misteriosa Ordem Rosacruz juntamente com alguns
outros Irmãos.

O segundo, Confessio, é um breviário em catorze capítulos contendo «a mais Secreta


Filosofia»; completa o anterior e de certa maneira vem justificá-lo, defendendo-o das vozes
e acusações de que os misteriosos Irmãos da Rosacruz já começavam a ser alvo, pois não
faltava quem os suspeitasse «de heresia, de ardis e de culposas maquinações contra a
autoridade civil» (cap. I). Aqui se esclarece que Christian Rosenkreuz nasceu em 1378 e
viveu 106 anos (cap. VI), e que as suas investigações e pesquisas «suplantam tudo o que,
desde os primeiros dias do mundo, a inteligência humana inventou, produziu, melhorou,
propagou e perpetuou até à época actual, tanto por intermédio da revelação e da iluminação
divinas quanto graças aos ofícios dos anjos e dos espíritos» (cap. IV); já o papa, em
contrapartida, é considerado, pelo luterano autor do texto, um «sedutor romano que
transborda de blasfémias contra Deus e contra o Cristo» (cap. XI).

Finalmente o terceiro, Núpcias Químicas, é um fantástico romance alegórico,


dividido em sete Dias, ou sete Jornadas, tal como o Génesis, e conta o modo como
Christian Rosenkreuz foi convidado a ir a um maravilhoso castelo, ou palácio, repleto de
prodígios para assistir ao Casamento Alquímico do rei e da rainha, ou melhor, do Noivo e
da Noiva, interessando-nos este terceiro livro, particularmente, pelas óbvias conotações
herméticas que comporta.

Estes três manifestos obtiveram um sucesso considerável e deram origem a inúmeras


controvérsias e a imensas obras de inspiração rosacruciana, de que se destacam autores tão
marcantes como Michael Maier na Alemanha ou Robert Fludd e Elias Ashmole na
Inglaterra, além de Theophilus Schweighardt, Gotthardus Arthusius, Julius Sperber,
Henricus Madathanus, Gabriel Naudé, Thomas Vaughan, etc.

Sobre o primeiro destes autores atrás citados, Michael Maier, me irei deter um pouco
mais, chamando entretanto a atenção para a importância de certos precursores, como o
misterioso filósofo e alquimista isabelino John Dee, autor da não menos misteriosa Monas
Hieroglyphica (1564), que influenciou o conceituado filósofo hermético Heinrich
Khunrath, de Hamburgo, autor do Amphitheatrum Sapientiae Aeternae (1609), que por sua
vez terá influenciado, e não pouco, o primeiro manifesto rosacrucisno, a Fama
Fraternitatis. A filosofia alquímica está sempre presente em todos estes autores; com
efeito, o surto rosacruciano deu-se em plena florescência hermética do Renascimento e do
Barroco, portanto não é de surpreender o pendor alquímico das principais obras
rosacrucianas; ou melhor: uma das mais elevadas aspirações dos Irmãos da Rosacruz seria
o renovo da Arte alquímica, já então degradada pelos «assopradores», como claramente se
diz num dos parágrafos iniciais da Fama, em referência à «época feliz em que vivemos»
(início do século XVII): «Deus […] favoreceu o nascimento de espíritos altamente
esclarecidos que tiveram por missão restabelecer nos seus direitos a Arte, em parte
maculada e imperfeita».

Este permanente renovo da «Arte» (alquímica, entenda-se), e o seu desenvolvimento,


sobretudo espiritual e simbólico, foram uma constante dentro do Rosacrucianismo, desde
então até aos nossos dias.

O próprio Isaac Newton (1642-1727), um dos maiores génios da matemática, não foi
insensível ao fascínio da Alquimia, como é sabido; além de possuir exemplares dos mais
notórios tratados alquímicos, tanto do seu tempo como anteriores, que hoje fazem parte do
espólio existente na Biblioteca da Universidade de Yale, deu-se ao trabalho de fazer muitas
cópias manuscritas de obras alquimistas. Uma dessas obras, que ele possuía na sua
colecção, era precisamente a Themis Aurea de Michael Maier, à qual faz referências e tece
comentários numa das suas muitas notas manuscritas sobre a filosofia hermética,
conservadas na dita Biblioteca.

MICHAEL MAIER (1568-1622), um dos grandes eruditos da sua época, nasceu em


Rindsberg, Holstein, e foi doutor em medicina, filósofo e alquimista. Embora nunca tivesse
afirmado pertencer à misteriosa Fraternidade Rosacruciana, foi um dos seus mais acérrimos
apologetas, possuindo informações sobre os Irmãos da Rosacruz ŕ claramente transmitidas
nos seus livros ŕ que deixam supor um conhecimento directo do «círculo interno» da
Ordem. Viveu alguns anos em Praga, onde foi médico do imperador Rudolfo II que lhe
concedeu o título nobiliárquico de Pfalzgraf ŕ Conde palatino ŕ e o nomeou Secretário
Privado Real. Os estudiosos de Maier, após exame atento dos seus escritos, observam que
ele nunca afirmou objectivamente ter fabricado ouro; tão-pouco o afirmaram, de si
próprios, Heinrich Khunrath e outros Rosacrucianos. Os tratados destes autores apontam
para uma Alquimia altamente simbólica e espiritual, sem dúvida, mais do que para uma
Espagíria operativa. Neles detectamos, velada ou desveladamente, quer os nove estágios da
transmutação involutiva-evolutiva do tríplice corpo do ser humano, da tríplice alma e do
tríplice espírito, quer os nove passos ou nove graus da Iniciação dos Mistérios menores da
Escola de Mistérios Rosacruzes, equipolentes aos nove passos fulcrais do ministério de três
anos de Cristo Jesus na Terra:

1. Baptismo; 2. Tentação; 3. Transfiguração; 4. Última Ceia e Lavapés; 5. Agonia no


Horto; 6. Flagelação e Coroa de Espinhos; 7. Crucificação e Estigmas; 8. Morte e
Ressurreição; 9. Ascensão.

A principal obra alquímica de Maier é o famoso tratado Atalanta Fugiens, hoc est
Emblemata Nova de Secretis Naturae Chymica (1617), que é

… um livro de emblemas e notáveis gravuras, com comentários


filosóficos.

Atalanta1[2], logo no frontispício, é submetida à tentação de abandonar a


corrida em busca da verdade espiritual, moral e científica, dando uma lição de
perseverança e de pureza de intenções ao alquimista espiritual.
Maier ensina subtilmente uma filosofia mística, religiosa e alquímica, por
meio dos símbolos e dos emblemas do seu livro, cada um dos quais apresenta
um modo de expressão poético, pictórico e musical (FRANCES A. YATES, The
Rosicrucian Enlightenment, Londres 1972).

Nesse livro se desvenda o significado de vários mitos da Antiguidade clássica, mitos


esses que, segundo Maier e outros alquimistas rosacrucianos, teriam um fundo químico
oculto: por exemplo, o conhecido enigma de Édipo ŕ qual é o animal com quatro pernas
de manhã, duas ao meio-dia e três ao fim da tarde, e uma só voz ŕ, não tem como resposta
«o homem», mas sim a «pedra filosofal». Numa das gravuras da Atatlanta Fugiens vê-se
em primeiro plano um grupo de três seres: um bebé gatinhando com um rectângulo na testa,
ou seja, o princípio da força quadrática fundamental da «pedra» (nigredo), um adulto com
uma meia-lua, também na testa, formada por duas linhas com duas pontas, figurando a
pedra lunar branca (albedo), e um velho encurvado com um triângulo na testa e apoiando-se
a uma bengala ŕ o triângulo do corpo-alma-espírito, ou seja, a pedra filosofal solar, dotada
do poder de tingir e curar (rubedo).

Fundamentalmente, tal como já enunciava Paracelso, os hermetistas rosacrucianos


defendiam a tese de que a Alquimia, mais do que tentar a transmutação dos metais, deveria
antes contribuir para a erradicação das doenças e a mitigação das dores físicas (panaceia
universal). Synesius, um alquimista bizantino do século IV, foi um verdadeiro precursor: já
definia a Alquimia como uma operação mental, independente da ciência da matéria, cujo
objectivo deveria ser a transmutação espiritual e a salvação do ser humano, afirmando, em
consequência, que a constituição do elixir (xêrion, «o pó») é menos importante do que as
incantações que acompanham a sua produção. Esta teoria deu origem a uma nova escola
que minimizou a pesquisa experimental, passando a buscar, no interior do ser humano, os
segredos e os fins últimos da filosofia alquímica.

Assim, o Fogo alquímico, ou melhor, o Fogo Solar, sendo um princípio cósmico e um


elemento básico da Criação, é na verdade um princípio espiritual, e portanto um dos
princípios herméticos fundamentais do Rosacrucianismo. O teósofo e investigador Franz
Hartmann (1838-1912) define o Fogo alquímico rosacruciano da seguinte maneira:

O Fogo é uma actividade interna cujas manifestações externas são calor e


luz. Esta actividade difere em carácter consoante o plano em que se manifesta.
No plano espiritual representa o Amor ou o Ódio; no plano astral, o Desejo e a
Paixão; no plano físico, a Combustão. O Fogo é o elemento purificador, que no
limite se identifica com a essência da Vida.

É porém no livro Themis Aurea, hoc est de legibus Fraternitatis R. C., publicado em
Frankfurt, em latim, em 16181[3] ŕ apenas dois anos após a publicação das Núpcias
Químicas de Christian Rosenkreuz ŕ que Michael Maier investiga sobretudo as grandes
leis1[4] que regem a transmutação espiritual, enunciadas sob a forma de seis sinais de
adesão, ou «compromissos», a que se obrigavam as Irmãos da Rosacruz. «Antes de mais
nada ŕ observa Maier na Themis ŕ é mais do que razoável supor que qualquer sociedade,
para ser boa, deverá ser governada por leis boas […] Por outro lado, é importante que
alguma coisa se diga acerca do seu número, seis, que muito de perfeição contém em si»
(Cap. II). Com efeito, o número seis associa-se de imediato ao hexahemeron bíblico, os seis
dias da criação, o número mediador entre o Princípio e a sua Manifestação, além de
simbolizar, em quanto hexagrama, a misteriosa síntese do fogo [∆] e da água []. Estes
dois triângulos, entrecruzados, formam o conhecido signo ŕ ou selo ŕ de Salomão, uma
estrela de seis pontas que inclui, além do fogo e da água, o ar (triângulo do fogo ∆ truncado
pela base do triângulo da água), e a terra (triângulo da água  truncado pela base do
triângulo do fogo). O todo é uma verdadeira suma do pensamento hermético, representando
o conjunto dos elementos do Universo.

Maier reproduz textualmente aquelas seis leis, tal como vêm listadas no primeiro
manifesto Rosacruz de 1614, a Fama Fraternitatis:

1. Curar os doentes ou cuidar deles gratuitamente; 2. Não usar hábito próprio à


Fraternidade, mas sim e apenas os trajes locais; 3. Apresentar-se todos os anos no dia C. na
morada do Sanctus Spiritus, ou comunicar o motivo da ausência; 4. Designar um digno
sucessor em previsão de morte; 5. As letras R. C. serão o seu selo, insígnia e sigla; 6. A
Fraternidade deve permanecer oculta durante um século.

É interessante notar que a primeira, ou seja, a cura dos enfermos gratuitamente («De
graça recebestes, de graça dai» ŕ Mateus 10, 8) adquire tanto relevo no espírito de Maier,
que este lhe dedica nada menos de nove capítulos de comentários na Themis Aurea
(capítulos IV a XII), ao passo que as restantes merecem apenas um capítulo cada uma.

Assim como os Dez Mandamentos da Antiga Aliança foram sumarizados em dois


pelo Cristo do Novo Testamento («Amarás ao teu Deus com todo o teu coração, alma e
mente […], e amarás ao teu próximo como a ti mesmo» ŕ Mateus 22, 37-39), também
aquelas seis antigas leis foram sumarizadas em duas pela Nova Escola de Mistérios
Rosacruzes: «Curar os enfermos e pregar o Reino de Deus», tal como Cristo ordenou aos
Seus apóstolos.

O alquimista rosacruciano dispõe do Oratório e do Laboratório, no seu Templo do


Espírito, para levar a cabo as operações de transmutação. Por isso se diz, na lei n.º 3, que
deve apresentar-se todos os anos no dia C. na morada do Sanctus Spiritus; ou seja: no dia
do seu Cristo interno, ou do seu íntimo Natal 1[5], deve estar perfeitamente consciente do
seu verdadeiro estar no templo do Espírito Santo, que é o seu próprio corpo mortificado,
acrisolado, e por fim purificado e transfigurado («Não sabeis que o vosso corpo é o templo
do Espírito Santo, que está em vós?» ŕ 1 Coríntios 6, 19).
Do lado do Oratório deve ter a biblioteca, isto é, a teoria e o alimento mental, a
oração oculta, ou a palavra de razão: ŕ o noûs e o logos; do lado do Laboratório deve ter
os instrumentos da prática, o alambique, as retortas, os cadinhos, que é como quem diz, as
obras do coração e do serviço desinteressado, inegoísta e amoroso, ou cordial. E é nesta
dupla vertente, mental e cordial, que a transmutação alquímica do ser humano, no seu todo,
se deve processar.

Como referi há pouco, essa transmutação abrange os nove estágios do percurso


involutivo-evolutivo do tríplice corpo do ser humano, da tríplice alma e do tríplice espírito.
No mundo moderno, cava-se uma distância abissal entre a mente e o coração: a mente
prepondera, altamente evoluída pela ciência, e só se satisfaz com explicações
materialmente demonstráveis, ao passo que o coração nem sempre encontra meios para
manifestar o seu poder: as suas intuições são muitas vezes inseguras e erram ao aventurar-
se nos mistérios do ser, que a mente esquadrinha de forma tão redutora quão aparentemente
sólida e exacta.

Tanto vale dizer que a «pedra filosofal» do Conhecimento e da Verdade será


alcançada quando a mente e o coração se unirem harmoniosamente, aperfeiçoando-se e
cooperando mutuamente até que o ser humano atinja a mais elevada Gnosis e a mais
elevada Sophia, isto é, até que esteja em condições de viver a Vida Religiosa em plenitude.
Esta operação é descrita pelo rosacruciano MAX HEINDEL (1865-1919) no seu livro clássico
The Rosicrucian Cosmo-Conception 1[6]:, e a ênfase que Michael Maier coloca, na Themis
Aurea, na eficácia alquímica das energias «curativas» trabalhadas discreta mas sabiamente
«no oculto»1[7], ensina-nos que a «panaceia»1[8], mais do que um bálsamo físico, ainda
que envolto numa teia de simbolismos, é um Mistério sagrado que o Adepto deverá saber
buscar no mais completo despojamento de si:

Embora os Irmãos [da Rosacruz] possuam as medicinas mais eficazes do


mundo, não se vangloriam disso, antes o escondem; talvez os seus pós
contenham cinábrio ou alguma outra matéria ligeirísima, mas produzem
seguramente mais efeito do que se pode imaginar. Possuem a Phalaia bem
como a Asa de Basílio, o Nepenthes que afasta as mágoas e pesares de Homero
e do Trimegisto, o unguento de ouro, a fonte de Júpiter Hammon, que é quente
de noite, fria ao meio-dia, e tépida ao nascer e ao pôr do Sol. Desdenham
lucros e proveitos e não são seduzidos por altos cargos nem por honrarias; nem
desejam de nenhum modo evidenciar-se […]; submetem-se tranquilamente à
protecção divina, não se exibem nem se escondem, mas exercem a sua
actividade em silêncio (MICHAEL MAIER, Themis Aurea, cap. VI).

Com efeito,

… é pela Alquimia Espiritual que construiremos o templo do Espírito e


conquistaremos o pó donde viemos, qualificando-nos como verdadeiros
Mestres Maçons preparados para trabalhar em esferas mais elevadas (MAX
HEINDEL, Occult Principles of Health and Healing, Oceanside 1938).

Em suma, há-de ser dentro de nós próprios que teremos de descobrir, desbravar e
percorrer o Caminho da Salvação, e não apenas nesta ou naquela prática, neste ou naquele
ritual, neste ou naquele livro por muito sublime e englobante que seja, ainda que se trate do
livro dos livros, porque a letra só brilha para quem já preparou os olhos capazes de suportar
o brilho da Luz «que já existe e que é tão bela».

Como dizia Florentinus de Valentia: «O livro que contém todos os outros está em ti, e
em todos os homens».

António de Macedo
EGIPTO + LOGIA:
ENTRE TRADIÇÃO ESOTÉRICA E
INOVAÇÃO CIENTÍFICA
(texto resultante da comunicação homónima apresentada no I Colóquio
Internacional Discursos e Práticas Alquímicas, em Julho de 1999)

Paulo Mendes Pinto

............Ao apresentar esta investigação pode parecer que se trata de uma temática
relativamente exterior e periférica à proposta por este Colóquio. Na realidade, trazemos
uma abordagem no campo da Teoria da História e das visões historiográficas de que
determinado objecto de estudo foi alvo ao longo dos tempos.

Numa primeira caracterização da investigação, procurámos analisar o que sobre o


Egipto se conhecia e se veiculava no corpus de Ŗsaber correnteŗ do século XIX.

Aprofundando o sentido da análise, chegando ao fulcro da tese que apresentamos,


pretende-se mostrar que a visão (ou as visões) que do Egipto Antigo se foram criando
modificaram a postura da sociedade, do Ŗsenso comumŗ, face ao que genericamente
podemos designar por alquimia.

Isto é, ao longo do século XIX alteram-se radicalmente a natureza e os conteúdos do


que se sabia sobre o Egipto, condicionando o olhar e o espaço mental que a sociedade
prestava ao discurso alquímico.
À medida que o saber científico relativo ao Egipto se cimenta no quadro de saberes
válidos para a sociedade, o espaço discursivo do esoterismo fica minguado e debilitado;
ora, esse espaço discursivo é directo indicador de uma das práticas que as visões
tradicionais sobre o Egipto Antigo validavam: a alquimia.

Assim, analisar o desaparecimento de uma ideia de Egipto esotérico e misterioso, e


o nascimento e crescimento de uma imagem científica desse mesmo objecto historiográfico,
é como que rastrear o fim de um campo de utensilagem mental essencial para o discurso
alquímico, desta forma cada vez mais votado para fora do campo das práticas correntes e
oficiais, cada vez mais fechado e inacessível.

Objectivando, nesta análise pretendemos encontrar elementos de caracterização do


Egipto Antigo que nos facultem as formas de afirmação da moderna egiptologia no campo
dos saberes oficiais no século XIX, em deterimento das visões tradicionais, herdadas da
própria antiguidade e da medievalidade.

Assim, e tendo como base o título que apresentamos (Egipto + Logia), mostraremos
que num mesmo período de tempo, e num mesmo espaço cultural, coexistiram elementos
de racionalidades diferentes, várias Logias, que nos discursos do saber oficial encontramos
par a par.

O nosso objecto é, assim, o conjunto da duplicidade antagónica de visões sobre uma


mesma realidade - por um lado os dados vindos da ŖTradiçãoŗ, por outro as constantes
afirmações do mundo científico, que designamos por ŖInovaçãoŗ Ŕ e o saber oficial, quase
aglutinador e tendencialmente neutro que sobre esse mesmo objecto se criou e se foi
alterando com base na ascensão dos conhecimentos inovadores.

Neste sentido, o estrito enfoque da nossa análise é a busca de elementos e conteúdos


discursivos em que se encontre o confronto ou a coexistência, a permanência ou a
implantação de conteúdos discursivos. Isto é, procurámos os conteúdos e as formas
discursivas do que nos parece ser uma grande ruptura de paradigma numa área do
conhecimento fortemente simbólica nas ciências sociais e humanas.
Sendo o nosso propósito a identificação deste fenómeno no dito discurso do saber
oficial, naturalmente que não tratámos textos que fossem directa ou indirectamente fruto
dos campos mais representativos quer da visão tradicional, quer da visão inovadora.

O campo mais representativo dos conteúdos vindos da tradição seriam os textos


produzidos no âmbito de sociedades e grupos esotéricos ou secretos e fechados, e o campo
mais representativo do discurso inovador será, naturalmente, o científico. Assim, o que nos
interessou não foi a análise dos discursos esotéricos ou científicos, mas sim a verificação da
permeabilidade do saber oficial a esses dois campos.

As fontes que para este efeito decidimos tratar são os manuais escolares de História
Antiga. Os manuais escolares, pela sua natureza, não apresentam nenhuma das matrizes
tratadas. Mas é exactamente devido a esta característica que são as fontes preferenciais para
aceder ao referido saber oficial na medida em que, por um lado, são assumidos pelo sistema
educativo e autorizados e sancionados enquanto manuais Ŗoficialmente aprovadosŗ, e por
outro lado a sua eficácia comercial dependia inevitavelmente do poder consensual dos seus
conteúdos.

O conhecimento divulgado e consolidado através dos manuais escolares não podia


ser excessivamente permeável, nem aos discursos mais extremos veiculados com conteúdos
da Ŗtradiçãoŗ, nem à discursividade inovadora construída pela nascente classe de
orientalistas, os egiptólogos.

Por um lado, os conteúdos relativos ao Egipto que se tinham no início do século


XIX, e que eram especialmente vindos das fontes clássicas, sempre marcados por uma
imagem de um Egipto fabuloso, por vezes esotérico, eram naturalmente depurados de
extremismos mais característicos de grupos iniciáticos. Por outro lado, o nascente discurso
científico nunca é adoptado no momento da sua criação, demorando tempo a implantar-se e
a ser aceite pelo discurso oficial Ŕ mais, no caso da Egiptologia, a morte de Champollion
apenas dez anos após o decifrar da escrita hieroglífica acentuou a dificuldade de afirmação
da área nascente pela impossibilidade de, em tão curto tempo, formar discípulos1[1].
*
* *
Dentro deste campo, não podemos esquecer a génese e o percurso de algumas ideias
esteriotipizadas que eram a base daquilo que se pensava ter sido o Egipto de antes de
Cristo.

Nomeadamente, há que ter em conta as visões construídas e transportadas a partir da


Bíblia, mais concretamente das suas leituras literais. Discurso marcante na criação destas
ideias gerais é o relativo aos acontecimentos que antecedem a saída de Moisés e do povo
hebreu do Egipto: Moisés afronta o Faraó - isto é, o Egipto - através de uma sucessão de
hierofanias do campo da magia1[2]. Este episódio desenvolve, afinal, um contraponto, em
que Moisés é colocado a responder ao Egipto com aquilo que é considerada a sua
característica fundamental: o universo da magia.

Mais, ao longo de todo o Pentateuco é cimentada uma oscilação entre dois pólos
completamente antagónicos, em que o Egipto ora é apresentado como a nação salvadora em
tempos de fome (veja-se, entre outras, a história de José: Ex. 37Ŕ501[3]), ora é apontado
como modelo de opressão e escravatura1[4], imagem usada ao longo de toda a Bíblia para
representar o mal. Assim, e para o mundo da Bíblia, o Egipto oscila drasticamente entre
representações do bem e representações do mal.

Os autores clássicos, nomeadamente Heródoto, reforçaram bastante a imagem de


um Egipto mágico, inacessível1[5] Ŕ tão diferente este se apresentava, nos seus cânones
estéticos, nas suas formas religiosas e na sua organização social, daquilo que a Grécia
consolidou como modelo.

No século XIX, além destes filões provenientes da matriz cultural herdada,


desenvolveu-se, também, um crescente espírito de curiosidade e uma envolvência de
mistério em torno dos signos, quiçá mágicos, da escrita hieroglífica1[6]. A admiração pelas
grandes estruturas em pedra1[7], recentemente (re)descobertas, culminaram a aura de
mistério em que este século envolveu o Antigo Egipto.
*
* *

Ao analisar os ditos manuais escolares de História Antiga tomámos como


expressivo o acervo que encontrámos na Biblioteca Nacional. Desta forma, a análise que
fazemos pressupõe uma procura de manuais sobre a temática que, sendo claramente
representativa, nada indica que tenha a totalidade dos manuais editados em Portugal nas
décadas de trinta do século passado e seguintes.

Em 1838 encontramos o primeiro livro que nos merece menção. É uma tradução do
francês, sem a indicação de autor ou tradutor1[8]. É um manual que circula em Portugal,
mas que é feito no país de Champollion, daí que veicule algumas claras incorporações
vindas do campo científico, nomeadamente a necessidade de apontar a falta de dados para
os tempos mais antigos da história do Egipto, e a impossibilidade de encontrara certezas
documentais.

Neste ponto, é importante ter em conta a afirmação, quase extremada, do autor, que
culmina uma clara postura de incerteza face a datações, e a falta de investigação1[9]: A
História do Egypto só começa a ser hum tanto positiva no anno de 670.

Além desta especificidade, podemos dizer que inovadora e indiciadora do campo da


inovação científica, encontramos neste textos vários elementos que caracterizamos como
claramente indicadores da visão tradicional: a principal fonte continua a ser grega, logo,
indirecta: Heródoto1[10]. Bibliografiacamente, arriscamos a apontar Bossuet como primeira
leitura deste autor1[11]. Estes dois autores, um antigo, o outro com apenas século e meio de
leituras, serão dois dos principais indicadores da proximidade dos diversos manuais à
recente egiptologia, ou às visões mais tradicionais.

Ainda no campo dos conteúdos nada marcados pela egiptologia nascente, é de focar
a indicação de campanhas militares na Índia1[12] … claramente míticas, e a inevitabilidade
discursiva de tratar a questão da ciência egípcia, que passaremos, ao longo deste texto, a
referir como Ŗmito da ciência egípciaŗ. Ilustrando este último ponto, é importante a
explicitação deste mito essencial para a caracterização da imagem do Egipto na sociedade e
cultura de oitocentos:

Só elles cultivavão as sciencias, e porque tinhão presidido á


construção do estado, conservavão sempre huma influencia mui grande
sobre os negocios publicos1[13].
Isto é, não só a sciencia fora inventada no Egipto, como ela participava na, também
mítica, organização e justiças sociais.

Em 1847, José da Motta Pessoa de Amorim publica o seu Compendio de História


Universal1[14]. São vários volumes, sendo que o primeiro trata, entre outras matérias, o
Egipto.

Nesse primeiro volume, além do tratamento dado ao Egipto Antigo, encontramos


ainda dados que são claramente a expresão da necessidade de o autor definir a sua posição
teórica face a algumas inovações que circulariam, e com as quais ele não concordaria.
Assim, o autor define o seu trabalho como uma História Sagrada; afirma haver, também,
uma História Profana, mas a que apresenta tem grandes vantagens face à outra: é
inspirada1[15].

Desta forma, a organização do livro é por temas/cronologia bíblica, apesar de ser


grande a preocupação que apresenta pela cronologia1[16], cada vez mais, um dado de
desconforto na escrita sobre as civilizações antigas1[17].

Da junção da inevitabilidade da organização da obra, baseada na História Sagrada,


com a necessidade de integrar, porque não rejeita, a História Profana, surge um manual
bastante interessante em que, para cada episódio de História Sagrada, o autor tenta conciliar
alguns dados dispersos de História Profana. Naturalmente, na organização capitulada, quem
rege é a história bíblica, seguida, em capítulos separados, pela profana1[18].

Passando aos conteúdos tratados, e não esquecendo que este manual, ao contrário do
anterior, é redigido em Portugal, longe da França de Champollion, podemos afirmar que
eles são bastante ricos para a nossa análise.

Assim, os elementos tradicionais da visão sobre o Egipto polulam ao longo do texto.


Menes, primeiro monarca, fundara Tebas, então a única região fora das águas do Nilo1[19];
Mênfis fora criada por Vulcano, que aí estabeleceu as divinas artes dos metais1[20];
bibliotecas fantásticas existiam pelas cidades1[21]. Aqui, é o mito da ciência egípcia a tomar
forma com alguns dos seus principais componentes.
Também nomes míticos de monarcas1[22] e datações totalmente erradas existem
nesta obra. É de reter a datação das pirâmides de Guiza para o reinado de Amenófis, no
"Século de José e de Prometeu"1[23]. Aqui, o autor dá pleno campo discursivo à mítica
proximidade entre o faraó herético, as pirâmides, e a sua influência no monoteísmo
hebraico.

Em 1850, apenas três anos depois, temos a obra de J. Roquette1[24]. Trata-se


de mais uma obra em que o autor a apresenta como uma História Sagrada - o autor é
eclesiástico, indicando claramente o sentido da sua História Sagrada:

[...] História Sagrada, isto é, a narração fiel dos maiores


successos que virão os seculos, o thesouro das mais relevantes e
sublimes verdades, a fonte puríssima das mais santas inspirações, e o
penhor infallivel da eterna recompensa.1[25].

Bibliograficamente é a Bossuet que o autor vais buscar os dados com que constrói o
seu texto, buscando mesmo nesse autor a justificação para a veracidade histórica dos livros
bíblicos1[26] - o que, pela negativa, nos mostra que o autor sentia a necessidade de buscar
numa autoridade bibliográfica o apoio para a sua posição: importante reflexo dos tempos.

Seis anos depois, em 1856, temos a obra de Joaquim Lopes Carreira de Melo:
Resumo de História Universal Profana.1[27] É exactamente aqui, no título, que esta obra
mostra um dos seus pontos de maior inovação: de manual de História Sagrada passamos a
manual de História Profana1[28].

Este livro é realmente marcante; Como veremos, nesta obra encontramos o maior do
desconforto na junção dos dois paradigmas relativos à visão do Egipto Antigo.

Da tradição, este livro transporta a grande divisão cronológica. São quinze épocas,
em que as primeiras três se nomeam por: Tempos obscuros; Tempos fabulosos; Tempos
históricos. Ao primeiro tempo faz corresponder a Assiria, o Egipto e a China, ao segundo o
dilúvio de Ogiges, os Argonautas, Tróia, entre outros, e ao terceiro os Persas de Ciro.
Como vimos, o Egipto está, significativamente, nos tempos obscuros, antes dos tempos
históricos.
Naturalmente, esta obra tem toda a sua cronologia assente no Dilúvio e nos
descendentes de Noé1[29]. Também encontramos, como natural e inevitável, o indicar do
mito da ciência egípcia Ŕ é um dos últimos pontos da caracterização tradicional a
desaparecer do discurso oficial. Mas o mais interessante do desconforto que ao autor esta
temática transmite é o facto de ele só escrever nove linhas sobre o Egipto !

Vejamos essas nove linhas, nada comprometedoras, escritas com todos os cuidados
possiveis:

O Egypto é um dos mais antigos paizes conhecidos, mui


memorável na história sagrada e profana. Crê-se que foi o berço das
artes e das sciencias do antigo mundo civilizado. Dá-se ao antigo reino
do Egypto uma antiguidade fabulosa, e até ridícula. Eusébio, e Usserio,
tratando da série dos reis d’aquelle paiz, dizem que, antes dos Pharaós,
houveram reis incognitos, e reis pastores.1[30]

Nestas pequenas nove linhas fazemos duas leituras, de natureza diversa, que
confluem para a mesma conclusão: o autor como que não sabe o que escrever sobre o
Egipto, tal é o desconforto da matéria: por um lado o texto está cheio de cuidados, desde os
relativos à cronologia, até à necessidade de recorrer, num texto pequeníssimo, a autoridades
clássicas; por outro, a própria forma do texto, além de pequeno, cheio de vocábulos prenhes
de desresponsabilização perante os conteúdos apontados como crê-se, dá-se, dizem, mostra
exactamente esse mesmo sentido de, em nada, arriscar uma só linha ou expressão sobre esta
matéria.

É o ponto exponencial na ruptura de paradigma, se bem que se mantenham no texto


alguns dados vindos da tradição, nomeadamente o mito da ciência e o enquadramento
cronológico.

Em 1861, cinco anos após a marcante obra de Carreira de Melo, surge o texto de
Luiz Francisco Midosi, Resumo da História Antiga1[31].
Esta obra é como que a consolidação do desconforto dos dados vindos da tradição, e
o cimentar dos dados e posturas encontradas no campo do novo discurso científico,
nomeadamente, na nascente egiptologia.

Em primeiro lugar, o próprio título, tal como na obra de 1856, está cheio de
significado. Nesta obra, como que já não é necessário indicar, em título, se o livro é de
História Sagrada ou História Profana Ŕ ele é de História Antiga, simplesmente - tal como
é realmente simples tudo em ciência.1[32]

Mas, a postura científica deste autor vai mais longe. Mais que sentir-se na redacção
do texto a adopção dos novos dados, o autor especifica, de forma consciente, clara e
propositada, a problematização que os conteúdos estão a gerar. Assim, é fundamental o
parágrafo que transcrevemos:

A historia antiga sobe até á origem do mundo; porém, qual fosse esse
periodo, é parte em que discordam as noticias dos differentes povos, e as
opiniões dos filosofos1[33].

Esta postura metodológica, este cuidado em indicar a incerteza dos dados que se
manuseiam, indiciava já para o texto que viria a ser produzido cinco anos depois, como tese
apresentada à Universidade de Coimbra por Julio Augusto Henriques, Antiguidade do
Homem1[34].

Nesta tese encontramos como que a fase seguinte da afirmação das ideias e
conteúdos científicos: mais do que apontar as dificuldades, incertezas e indefenições, é
indicado o campo fundamental de críticas às novas, e inovadoras, ideias científicas: as
interpretações religiosas. Vejamos melhor:

Bem sabemos que ha contra estas ideias inimigos fortes: uns que,
levados pelo sentimento religioso, as regeitam porque lhes parece que
vão de encontro á Biblia […]1[35].
Voltando ao manual de 1861, verificamos que a genealogia dos monarcas continua a
ter a sua base nos filhos de Noé1[36], e mantém, apesar de todo o campo de inovação que
nesta obra encontramos, o mito da ciência egípcia.

Assim, encontramos, no último parágrafo do texto relativo ao Egipto, como que


remetido para fora do corpo principal do texto, mas ainda não possivel de rejeitar, a
seguinte afirmação:

Os antigos egipcios devem a sua celebridade ás artes e sciencias, vindo


delles a invenção do arado, que é attribuida a Osiris1[37].

Este trecho mostra como, mesmo nesta obra, o mito da ciência egípcia é, nos seus
dados mais simples, mantido. Como já afirmámos, é dos últimos elementos da visão
tradicional a ser posto em causa1[38].

Alguns anos volvidos, em 1878, encontramos a obra de Manuel Francisco de


Medeiros Botelho, Curso de História Universal1[39].

Este autor corresponde a uma outra postura científica. Bastará relembrar a frase com
que abre o seu livro para o verificar:

A historia muda de aspecto segundo o ponto de vista que preocupa o


historiador e a idéa predominante da épocha de que elle é muitas vezes
o interprete1[40].

Nos conteúdos, o mais interessante de verificar é o longo discurso introdutório onde


dá especial realce ao decifrar das línguas e escritas antigas, nomeadamente o egípcio1[41].

Por último, em 1883 é dado à estampa As Grandes épocas da História Universal de


Zófimo Consiglieri Pedroso1[42]. Esta obra e este autor marcam duas rupturas fundamentais
na matéria tratada.

Por um lado, e ao contrário dos primeiros autores tratados, este é um lente de


História Universal do Curso Superior de Letras, e já não um lente de Teologia da
Universidade de Coimbra - a História Antiga, num longo processo que se iniciara no
assumir da História Profana face à História Sagrada, acabara de sair do campo da teologia e
do discurso catequético -; por outro, encontramos aqui a afirmação da ruptura do campo da
autoridade bibliográfica: é citado Bossuet para dele se discordar !1[43]

Recusando as autoridades bibliográficas tradicionais, Consiglieri Pedroso


usa abundantemente os dados vindos da linguística1[44], e chega mesmo a falar de
Champollion1[45].

No que diz respeito à cronologia, assume, explicitamente, datações anteriores a


4004 a. C., o que nenhum dos anteriores autores fizera. Para ele, o Egipto Antigo tem os
seus tempos mais recuados no VI milénio a. C.1[46] - o que é manifestamente exagerado.

Por fim, e rematando a análise com uma indicação que mostra como os dados da
tradição são impossíveis de alterar, encontramos nesta inovadora obra, devedora de outras
inovadoras obras que a antecederam, a continuação discursiva sobre o mito da ciência
egípcia. Foi aí que se inventou o arado, que se iniciou a fundição dos metais ... enfim tantos
dados a que a alquimia foi beber fundamentação.
*
* *

Concluindo, procurámos identificar indicadores que nos mostrassem relevantes


alterações a nível da concepção histórica e historiográfica relativa ao Egipto Antigo.
Tomámos esses indicadores como reveladores da atitude mística e esotérica que o universo
de saberes vigentes teria face ao Egipto Antigo. Assim, esses elementos são também
indicadores do lugar de saber reconhecido a todas as práticas que que neles encontram
conteúdo: deixa de haver lugar para o corrente discurso alquímico quando os seus
conteúdos deixam de fazer parte dos saberes oficiais.

Neste sentido, as visões que do Egipto Antigo se tinham, em pleno século XIX,
sofreram grandes alterações, visíveis na imagem transmitida pelos manuais escolares.

Muito de postura científica encontramos nos manuais analisados. Alguns conteúdos


também sofrem grandes alterações; estamos a falar, nomeadamente, da cronologia, da
relação com a esfera do sagrado bíblico, da crescente incerteza perante todos os dados
vindos das fontes clássicas.

Mas, e como sabemos, as alterações científicas não se efectuam rapidamente e em


todo o bloco de saberes antes consignados. Se, por um lado, encontramos manuais que nos
mostram profundas roturas paradigmáticas, por outro, esses mesmos manuais continuam a
manter um discurso, totalmente vindo da tradição, sobre a ciência egípcia, a sua origem, a
sua transmissão.

Vimos que, para um mesmo objecto de hsitoriografia, podem surgir vários ritmos
ou velocidades de alteração dos seus conteúdos. O novo paradigma científico, a
egiptologia, recentemente criado e em fase de implantação, não se adapta todo ele da
mesma forma ao conjunto de saberes oficiais. Foi o que se passou com a ideia mítica da
invenção da ciência no Egipto, ainda vigente nos manuais escolares do fim de século XIX,
dezenas de anos após Champollion.
SÍMBOLOS GEOMÉTRICOS
E ALGÉBRICOS NA ARTE:
ALMADA E LIMA DE FREITAS
RAQUEL GONÇALVES

SUMMARY

Geometric shapes are probably the most common scientific source for artistic
inspiration. Since Ancient civilisations lines, angles, surfaces and solids (the shapes) are
used in fine arts as symbols and their symbolism has been enriched all over the centuries by
the particular style of each artist. More recently, especially after the arrival of cubism,
geometric shapes are also used as an economic way of expression, associated with light and
dark (white and black) and with the various colours coming from the decomposition of the
natural radiation.

Also Algebra, the branch of mathematics in which letters and symbols are used to
represent quantities (the number) plays an important role in theoretical and plastic arts
research and constitutes a major basis for artistic creation.

Some of the masterpieces of Almada Negreiros and Lima de Freitas are beautiful
examples of the fascination exerted by numerical symbols and geometric shapes in pictorial
Art. We will try to describe them in detail under a unifying and imagery rich look in such a
way as to obtain an accurate picture of the artist message.

Dizia Albert Einstein que:

a mais bela experiência que podemos ter é a do misterioso. É esta a emoção


fundamental que está na origem da verdadeira Arte e da verdadeira Ciência. Quem não a
conhece, quem não pode mais maravilhar-se, é como se estivesse morto, com os olhos
fechados.
Einstein, para além de nos fazer compreender que a experiência do misterioso é a
raiz fundamental, quer da Ciência, quer da Arte, instiga-nos a ter os olhos bem abertos
sobre o mundo. Como o rapaz pintado por Paul Klee (1879-1940) em 1933 que se desenha
na tela denominada «Aluno».

Quem será? Muito provavelmente o próprio Paul Klee. É um quadro de pequeno


formato, 35,0 x 26,5 cm, o que acentua o seu caracter intimista e confidencial. Tem sido
considerado um auto-retrato por muitos analisadores de arte.

Sobre ele escreveu Constance Naubert-Riser:

Uma simples oval repousa sobre uma linha de ombros descaídos. O ponto de
contacto entre a oval e o arco de círculo parece sugerir que a “cabeça” está prestes
a cair a qualquer momento. O contorno simples transmite através dum único gesto
toda a ansiedade por detrás das sobrancelhas franzidas. Com uma notável economia
de meios, Klee transmite na mesma imagem uma profunda insegurança perante os
acontecimentos e uma determinação de, apesar de tudo, vencer.

1. Oval, círculo, 3, 5, 4, 8 e o pássaro azul

As formas geométricas Ŕ linhas, ângulos, superfícies e sólidos - terão sido, ao


longo dos tempos, o aspecto científico de maior influência na inspiração artística. Primeiro,
pelo simbolismo a elas associado desde a Antiguidade, enriquecido através de séculos pelas
metamorfoses inerentes ao estilo de cada artista. Mais tarde, como economia de meios,
especialmente com o surgimento do cubismo, acentuado por jogos de cores onde o preto-e-
branco não tem menor valia.

A oval e o arco de círculo, de que se serviu Klee para expressar o retrato


psicológico do «Aluno», são exemplos imediatos da utilização da Ŗeconomia de meiosŗ;
mas, não exclusivamente.

De forma implícita ou explícita, também a Álgebra Ŕ o alfabeto do número Ŕ tem


desempenhado papel fundamental na pesquisa teórica e plástica subjacente à cultura da
Arte.

A tela «Números Apaixonados», do pintor futurista italiano Giacomo Balla (1871-


1958), é um bom documento do fascínio exercido, em simultâneo, pelo mistério das formas
geométricas e dos números na criação artística.

Três, cinco, quatro e oito …

Três são os elementos da Obra alquímica: o enxofre, o mercúrio e o sal. Três são as
fases da Obra alquímica: a Ŗobra ao negroŗ (o solve ou nigredo), destruturação e separação,
a Ŗobra ao brancoŗ (o albedo), purificação e sublimação e, finalmente, a Ŗobra ao rubroŗ (o
rubedo), a coagulação que desembocará na Pedra Filosofal. Cinco é o sinal da união, do
princípio celeste (3), masculino, e do princípio terrestre (2), feminino. Cinco é o algarismo
da quinta-essência ou éter ou Pedra Filosofal, brilhante, fomentadora de sóis e de estrelas,
alma do mundo uno e múltiplo. Quatro é o símbolo do quadrado e da cruz. Quatro são os
elementos da teoria dos quatros elementos (Ar, Fogo, Água e Terra), aristotélica e
alquímica, da teoria dos quatro humores vitais (mucosidade, atrabílis ou cólera negra,
sangue vermelho e bílis), da teoria dos quatro temperamentos (linfático, sanguíneo, nervoso
e bilioso) ou, ainda, da teoria das quatro portas (Sheriat, Tarikatt, Ariff e Hakikat) que se
abrem a certos iniciados que enveredam pela via mística. E, sobrepondo-se a todos os
outros, o oito, o número revelador do equilíbrio cósmico, infinito Ŗdeitadoŗ da bem-
aventurança da matemática simbólica.

E o que dizer de «Números Imaginários» do surrealista norte-americano de origem


francesa Yves Tanguy (1900-1955)? Num cenário espectral, desolado e fantasmagórico,
formas polidas e regulares dispõem-se em montículos com alguma ordem e não menor
inquietação. Em suma, um cemitério perturbador de pedras sob um céu cinzento de chumbo
igualmente perturbador.

Tudo é disposto de acordo com o Número Ŕ disse Pitágoras (citado pelo filósofo
grego Jâmblico); Os números são os invólucros visíveis dos seres Ŕ disse São Martinho.

Se o número, na sua afirmação simbólica, representar um princípio vital, então, o


número imaginário pode interpretar-se em oposição: fantástico, ilusório, vão, sem
realidade, isto é, sem vida. Por vezes a simbologia associada à forma geométrica ou ao
número é pertença (quase) exclusiva de um artista, não tem (aparentemente) o carácter
universal que antes lhe atribuímos.

O exemplo mais conhecido é, sem dúvida, o do pintor espanhol Joan Miró (1892-
1983). Em «O Ouro do Azul», de 1967, como em várias outras obras do autor, a esfera azul
é eventualmente um pássaro, cuja linha de voo atravessa o quadro na horizontal; uma
mulher grávida - dois círculos negros de diferentes raios, um segmento de recta e uma
pequena curva - observa a cena; a curva negra, pronunciada, representa metaforicamente
um abraço envolvente; e, por fim, a série de estrelas, tão característica em Miró, é
conseguida com intersecções de simples segmentos de recta.

O ineditismo simbólico, tal como o pássaro, atravessa a tela de lado a lado.

Mas o pássaro azul é a ave da felicidade, voa para o outro lado do espelho. É uma
ave de sonho que desperta no homem.

O desejo de pureza e uma sede de sobrenatural Ŕ pela palavra de Wassily


Kandinsky, o famoso pintor nascido russo, depois naturalizado alemão e, finalmente, por
virtude do nazismo, francês como os demais seus amigos.

E o estado fisiológico da mulher, desenvolvendo o produto da concepção, lembra o


forno do alquimista Ŕ o athanor Ŕ onde os metais vis amadurecem, lentamente, e se
transmutam em ouro Ŕ o Ŗouro do azulŗ, como o próprio nome da tela indica. E as estrelas
complementam a transfiguração: todas elas, infalivelmente com oito pontas, encerram o
simbolismo da ressurreição, de Cristo como do homem.
Intitula-se «O Número» um dos cartões para tapeçaria executado por Almada
Negreiros (1893-1970) para o Tribunal de Contas em Lisboa. Nele se conjugam, em forma
de arte, o mito, a alegoria e o símbolo. O mito, greco-romano, liga-se à criação do mundo e
de todos os seres vivos incluindo o homem. Prometeu, o transportador para a Terra do
Ŗfogo vitalŗ (que pode ser entendido como a Ciência), é o herói: dei-lhes o belo achado do
número.

No centro encontra-se o símbolo do homem (e do universo), os braços e as pernas


afastados em cruz, enquadrado e inscrito num círculo, por seu lado inscrito num segundo
quadrado; sempre sobre tela quadriculada. Mas Prometeu não está só. A ele se juntam as
figuras dos matemáticos Euclides e Pitágoras e os pensamentos de Ésquilo, do alquimista
Raimundo Lúllio e de Piero della Francesca. Piero della Francesca foi o pintor e
matemático renascentista que introduziu na pintura a perspectiva geométrica; e escreveu o
livro «De quinque corporibus regularibus (Os cinco corpos regulares)». E eles aí estão, os
cinco poliedros platónicos, alinhados na vertical direita: o cubo para representar o
Ŗelementoŗ terra, o tetraedro para representar o Ŗelementoŗ fogo, o octaedro para o ar, o
icosaedro para a água e, ainda, o dodecaedro para o Universo.

As figuras geométricas Ŕ cerca de 50000! Ŕ ganharam desde os tempos mais


remotos significação simbólica em todas as religiões e raças do planeta. O círculo, o
quadrado e a cruz, o cubo, o tetraedro e o dodecaedro, bem como a pirâmide, a esfera e
tantos outros mais são exemplos da gama riquíssima do simbolismo geométrico. A famosa
gravura denominada «Melancolia I» foi executada pelo pintor e gravador alemão de origem
húngara Albrecht Dürer, no século XVI. Uma esfera e um sólido irregular de grandes
proporções fazem pensar o anjo… O anjo, que em profunda interrogação, congregado com
o seu envolvente, reproduz um eventual nigredo alquímico.

No canto superior esquerdo encontra-se uma pequena vila junto ao mar, Terra e
Água, e o céu (o Ar) resplandece em consequência de um majestoso arco-íris e de um
enorme Fogo, sob a forma de um cometa; e vasos alquímicos discretamente colocados por
detrás do poliedro…
No canto superior direito, Dürer introduziu o quadrado mágico de Júpiter. Um
quadrado mágico é um arranjo de números inteiros, em linhas e em colunas, de tal maneira
que os números em cada linha, em cada coluna e em diagonal têm sempre igual soma, a
chamada soma mágica.

Por exemplo:
- na 1ª linha: 16 + 3 + 2 + 13 = 34
- na 2ª coluna: 3 + 10 + 6 + 15 = 34
- e na diagonal: 16 + 10 + 7 + 1 = 34

O quadrado de Dürer tem ainda a particularidade de, por via simbólica, através do
apontar da asa do anjo, indicar a data em que a gravura foi executada: 1514, o conjunto dos
quatro algarismos centrais da última linha!

Em 1968, Almada Negreiros assina «Começar», o painel do átrio de entrada do


edifício principal da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. É uma construção
geométrica intrincada, onde linhas rectas e linhas curvas se intercruzam na parede calcária
por um processo elaborado e criativo.

Segundo José-Augusto França, o painel pode ser subdividido em quatro leituras.


Numa descrição muito rápida, da esquerda para a direita, encontraremos:

- primeiro, a representação do Ŗnúmero de ouroŗ, através de um pentagrama


estrelado inscrito numa circunferência;

- segue-se uma espécie de estrela de dezasseis pontas, apenas parcialmente visível


e com aparente movimento giratório, o quatro vezes quatro que alimenta o
desenvolvimento do homem e do universo, utilizado na suástica de errada interpretação
nazi;

- a terceira parte é de novo uma estrela pitagórica de cinco pontas, a estrela


flamejante com o seu centro místico bem delineado e as pontas irradiando a luz;

- finalmente, a quarta e última leitura, porventura a mais interessante e rica, refere-


se à tentativa do traçado do Ponto de Bauhütte:

Um ponto que está no círculo


E que se põe no quadrado e no triângulo.
Conheces o ponto? tudo vai bem.
Não o conheces? tudo está perdido.

Este segredo da arquitectura (na Catedral de Estrasburgo, por exemplo) e da


pintura clássica foi imagem obsessiva para Almada que neste painel iniciou tentativamente
o seu cálculo geométrico (e daí provavelmente o nome do próprio painel: «Começar»)(1).

O traçado geométrico deste ponto simbólico vai encontrar a sua plenitude em Lima
de Freitas.
Lima de Freitas, no seu percurso pré-iniciático, estabeleceu contacto com Almada
Negreiros. Também em discurso directo:

(...) foram horas de conversa mas só ele (Almada) falou, com aqueles seus
olhos enormes, que pareciam dois holofotes trespassando-me.

Os temas principais que uniram estes Mestres foram o número e o seu significado
e a geometria (sagrada) e o seu significado. Pitagóricos, que ambos o eram ou se tornaram
na conquista da tranquilidade, usaram a cor, o traço, o desenho e a pintura - a literatura,
também - e a linha, o ângulo, a superfície e o sólido; e o alfabeto precioso da numerologia.

- Explique-me a razão nove sobre dez - inquiriu Lima de Freitas;


- E a importância do triângulo... – inquiriu ainda.
Almada Negreiros explicou e Lima de Freitas nada entendeu. Nada!, o que foi
muitíssimo. Anos após, lido o livro ao contrário, usando uma lógica que não é a Lógica, o
"novo" Mestre ultrapassava o "velho" Mestre e encontrava o traçado correcto do Ponto de
Bauhütte, a fracção (ou razão) 9/10, chave alquímica do Conhecimento.

3. «Quem é Eu» e «que é o quê»? 515

O ponto de partida de Lima de Freitas Ŕ melhor diria o número de partida de Lima de


Freitas Ŕ foi o 515.

«A Aparição de Cristo à Virgem», do retábulo do antigo convento da Madre de


Deus em Xabregas, é um óleo sobre madeira que pode ser actualmente admirado no Museu
Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Embora não se encontre assinado, o que era normal na
época, é correntemente atribuído a Jorge Afonso, pintor do rei D. Manuel I. Sobre a data da
sua feitura, porém, existe alguma polémica.

Na parte central da obra um anjo sustém uma presumível data: 1515. O estilo da
obra, todavia, não acorda com esta data, antes com uma época mais tardia, entre 1530 e
1540. Como se mostra na ampliação de uma parte da tela - Figura 8, o primeiro algarismo é
diferente dos outros, provavelmente apócrifo. Sendo assim, Ŗesconderáŗ, segundo Lima de
Freitas, o 515.

O 515 tem uma história antiga ligada a Dante e à «Divina Comédia» onde surge,
inexplicavelmente, no último canto do Purgatório, quando Beatriz profetiza a vinda do
Messias de Deus (o cinquecento diece cinque) para restabelecer o reino da justiça.

Lima de Freitas descobre o 515 e entende-o, apoiado em construções geométricas,


como o lugar do espelho, o conversor, o número capaz de restituir, a partir do reflexo
invertido e pouco transparente, a imagem da realidade perfeita e divina do Antropos.

É, pois, decididamente, o número da transmutação alquímica de êxito, do mistério


da ressurreição.

O 515 foi número de fixação de Lima de Freitas que a ele dedicou um livro e
muitas telas, uma das quais, «O Achado do 515», apresenta estreita simbiose com o
poliedro da «Melancolia» de Albrecht Dürer.

É o "quem é Eu?" e o "que é o quê?", desejos primordiais de saber, um interior,


outro exterior, que originaram esta arte específica (e universal) do simbólico em Almada e
em Lima, arte que traduz, afinal, as inquirições, as dúvidas e as certezas comuns a todos os
povos, com ou sem interacção no espaço e no tempo. Todos os homens se interrogam sobre
o sentido de Ser envolvente e utilizam o símbolo como forma de mensagem.

A coisa mais difícil do mundo é um homem encontrar-se a si próprio.


Disse Lima de Freitas:
Cada poeta, cada nação, cada modo de sentir terá de traduzir o mito sem
tempo para a inteligência do seu tempo.

BIBLIOGRAFIA
- AMORIM DA COSTA, A. M., Alquimia, Um discurso religioso, Vega, 1999.
- ANES, J. M., Re-Criações Herméticas, Hugin, Lisboa, 1996.
- CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A., Dicionário dos Símbolos, Teorema, Lisboa,
1994.
- DURAND, G., Mitolvsismos de Lima de Freitas, Perspectivas & Realidades, Lisboa,
1987.
- LIMA DE FREITAS, 515, Le Lieu du miroir, Albin Michel, Paris, 1993.
- NAUBERT-RISER, C., Klee, Estampa/Círculo de Leitores, Lisboa, 1994.
- Almada Negreiros. Um percurso possível, coord. Cabral, G.S. e Lopes, F., Imprensa
Nacional Ŕ Casa da Moeda, Lisboa, 1993.
- Dicionário Cultural da Mitologia Greco-Romana, dir. R. Martin, Dom Quixote, Lisboa,
1995.
- Lima de Freitas. 50 anos de pintura, Hugin, Lisboa, 1998.
- Mitos e Figuras Lendárias de Lisboa, texto Lima de Freitas, Hugin, Lisboa, 1997.

NOTAS

(1) Almada Negreiros faleceu em 1970, sem ter explorado o seu traçado na sua total
profundidade.
Obra ao Branco
Fernando Botto Semedo

O dia é um mar passando na minha alma


Com palavras desfocadas das pessoas que passam
Numa distância de ausência,
Porque o meu ser adormeceu num sol
Estranho do esquecimento
Que é silêncio absoluto,
De onde nascem primaveras brancas
E crianças ressurrectas cantando
Com o seu riso de flores do eterno;
E o meu sangue é uma girândola
De lágrimas de alegria para orvalhar
O branco em que tudo se tornou.

Lisboa, 3 de Maio de 2000


A ALQUIMIA
NO FUNDO BIBLIOGRÁFICO
DA ESCOLA POLITÉCNICA

PILAR PEREIRA

.......RÉSUMÉ
Le noyau initial du fond bibliographique de lřÉcole Polytechnique de Lisbonne, en
dépôt dans le Musée de Science de lřUniversité de Lisbonne, a été constitué par la création
de la Maison du Noviciado, dans lřendroit de la Cotovia.
Après avoir appartenu à diverses institutions et souffert des vicissitudes néfastes,
existent encore environ 1 800 livres entre Incunables et Livre Ancien.
De cet amas on a fait un petit échantillon des oeuvres ayant quelque liaison aux
pratiques alchimiques, avec la présentation de gravures et de leurs interprétations.

INTRODUÇÃO
As origens da Química poderão, talvez, remontar à conquista e salvaguarda do fogo
pelo Homem, que desde os tempos mais recuados a aplicava, ignorando-lhe a existência.
Apesar do nome de Química ter aparecido relativamente tarde, esta Ŗciênciaŗ começou nas
oficinas do forjador, do oleiro, do vidraceiro, do ourives, do pintor, do tintureiro, etc.
A Química conheceu durante a sua evolução histórica diversos períodos de
conteúdos científicos muito diferentes. Assim temos um período pré-histórico (dos tempos
pré-históricos até certa do ano 1500 antes de Cristo), um período alquímico (do ano 1500 a.
C. até cerca do ano 1650 da nossa era), um período iatroquímico (de 1500 a 1700), um
período flogístico ( de 1650 a 1750), um período quantitativo-pneumático (de 1750 a 1900)
e um período quântico-mecânico-estatístico (de 1900 até aos nossos dias). São obvias as
sobreposições históricas destes períodos não estanques, pois qualquer mudança demora
sempre vários anos a implementar-se definitivamente. A ciência química, como hoje nos é
apresentada, começa verdadeiramente no séc. XVII, diferenciada da alquimia.
Antes de iniciarmos propriamente o tema que nos propusemos tratar, passamos de
imediato a expor as ideias mais elementares da Alquimia. Assim começamos por perguntar
qual será o seu país de origem? As opiniões dividem-se entre o Egipto e a China.
Desde a mais alta Antiguidade que os chineses fabricavam cerâmicas e metais e
conheciam a pólvora para canhão ; preparavam remédios a partir de produtos e fabricavam
objectos por processos de simples rotina : sal-gema, índigo, açucares, mel, agulhas, carvão
vegetal, enxofre, arsénio, óleos, armas, ...
Os egípcios sabiam extrair o ouro e a prata, um certo número de outros metais e
preparavam pomadas, unguentos, emplastros, pílulas, vermífugos, etc..
Mais perto de nós, os gregos e os romanos exploravam minas de ouro, cobre e
ferro, fabricavam cerâmica, vidros e possuíam uma indústria e um artesanato bastante
consideráveis.
Abordemos agora a etimologia da palavra alquimia.
Como o artigo AL o indica, é árabe (al-kimya) ; a origem do vocábulo Kimya,
segundo algumas hipóteses, viria do egipcio Kemeia (negro), que pode ter dois sentidos:
a) A Ŗterra negraŗ
b) Negro, que era a matéria original da transmutação, isto é, a arte de tratar o
Ŗmetal negroŗ para daí extrair os metais preciosos.
Para outros, a palavra química poderia vir do grego Khymeia Ŗfusãoŗ, isto é, a arte
de fundir o ouro e a prata.
Segundo Plutarco a Alquimia seria a ciência do Egipto, por excelência. Graças à
Escola de Alexandria e à contribuição dos árabes, a Alquimia prosperou e encontrou um
novo sopro durante toda a Idade Média (sécs. VI-XVI).
O centro das preocupações dos alquimistas era a descoberta da PEDRA
FILOSOFAL.
Ela devia permitir fabricar ouro a partir de metais comuns; para uns, esta famosa
pedra poderia ser, tanto sulfurio de mercúrio natural de um belo encarnado vermelhão
como enxofre; outros reconheciam-na no cádmio, que amarelecia o cobre ou branqueava o
arsénio; para alguns iluminados era uma coisa sobrenatural, que não podia ser agarrada
senão em condições excepcionais. Para todos era uma substância que devia transmutar os
metais em ouro e procurar a riqueza. Esta Pedra no estado líquido chamava-se elixir
filosofal ou panaceia universal; ela devia transmitir longa vida, juventude e saúde e, porque
não, conferir a imortalidade!.
A censura que se pode fazer à alquimia é a de ter sido uma prática secreta,
hermética, com ligações à magia e sobretudo de ter ignorado o método científico e o
sentido crítico.
O hermetismo desta prática deixa supor que se conheciam muitas coisas, que se
dissimulavam e que são consideradas, nos nossos dias, como de origem moderna.Um
exemplo é o chamado Ŗbanho-mariaŗ, que permite aquecer uma substância sobre um
recipiente com água que ferve à temperatura máxima de 100º; e da alquimia árabe provém
o alambique, tão útil para as destilações. Não podemos esquecer que este período foi
marcado pela intolerância dogmática e que a alquimia como ciência oculta e secreta era
circunscrita a poucos adeptos, os quais estavam sujeitos a penas muito severas caso fossem
comprovadas as suas práticas de feitiçaria, magia ou contacto com o Demónio.
..Não podemos neste curto intervalo de tempo alongar-nos . Fizemos aqui uma
breve introdução com os traços essenciais do que foi a Alquimia. Apresentamos agora o
plano que vamos seguir:
Na 1ª parte apresentaremos as fontes bibliográficas antigas mais relevantes e
utilizadas pelos alquimistas.
Uma 2ª parte, cronológica, será consagrada aos alquimistas mais célebres durante a
Idade Média.
Finalmente apresentamos a introdução da alquimia na Europa, incluindo Portugal
com a apresentação das obras que versam a alquimia e que fazem parte do Fundo
Bibliográfico da Escola Politécnica.

FONTES BIBLIOGRÁFICAS ANTIGAS

Como primeira obra citaremos a TURBA PHILOSOPHORUM, escrita entre 750 e


1150 e que é atribuída a Archélaos; também lhe é atribuída a VISIO ARISLEI, texto que é
apresentado como continuação da primeira citação. A Turba Philosophorum referencia
entre os seus participantes Pitágoras, atribuindo-lhe fragmentos de textos. O quadragésimo
quinto discurso pertence a Platão, que termina com a frase ŖA natureza acompanha
necessariamente a natureza, a natureza vence a natureza, a natureza corresponde à
naturezaŗ, aforismo citado muitas vezes na literatura alquímica árabe.
Segue-se a SUMMA PLATONIS, atribuída a Platão, da qual só se conhece a
versão latina. Existe um comentário a este livro, cujo texto árabe foi editado por Badawi e
cuja tradução latina é conhecida com o nome de LIBER QUARTORUM. O conteúdo desta
obra é sobretudo alquímico, mas também contém informações sobre geometria, fisiologia e
astrologia. Como autores antigos cita Aristóteles, Ptolomeu, Hiparco, Hermes, Hipócrates,
etc.
PHYSIKA KAI MYSTIKA, obra atribuída a Pseudo-Demócrito.
Expõe os quatro ramos tradicionais da alquimia : ouro, prata, pedras preciosas,
tintas; encontra-se também aqui a célebre fórmula que se propõe resumir a quinta essência
da arte alquímica.
Apareceu entre os sécs. III e IV da nossa era uma enciclopédia em 28 volumes
sobre alquimia, escrita por Zósimo de Panopolis, personagem muito célebre desta época.
Certas secções desta enciclopédia são originais, mas uma grande parte reproduz textos mais
antigos, actualmente perdidos. Dos 28 volumes restam poucos fragmentos, dos quais porém
se pode depreender a maneira como desenvolveu a ideia fundamental da Grande Obra : a
transformação dos metais inferiores em prata e ouro. Acreditava na teoria da geração dos
metais a partir dos Ŗquatro primeirosŗ (cobre, chumbo, estanho e ferro), designados no
conjunto pelo nome de TETRASOMA.
FIHRIST, de Al-Nadim inventaria uma lista de treze obras de Hermes sobre
alquimia, mas algumas são dedicadas à magia.
.........A TABULA SMARAGDINA é um dos documentos mais antigos e mais
importantes, muito conceituado pelos alquimistas e muitas vezes comentado. É considerado
como contendo o dogma da obra alquímica e é atribuído a Hermes ou ao deus egípcio Thot.
Apesar da sua origem árabe, foi conhecida desde a origem da Idade Média em, pelo
menos, duas versões latinas. Por nos parecer bastante interessante, damos uma interpretação
do seu texto misterioso : Há uma correspondência e uma certa interacção entre o mundo
celeste e o mundo em que vivemos ; todas as manifestações da matéria têm a mesma
origem ; o Sol e a Lua representam provavelmente o ouro e a prata ; mais tarde certos
alquimistas, dentro do mesmo contexto, substituíram os primeiros metais por enxofre e
mercúrio.
CODEX NARCIANUS, que atribui a Cleópatra esboços de aparelhos e de
símbolos.
CLAVIS SAPIENTIAE, cujo autor, em latim, tem o nome de Artefius, mas em
árabe ainda não foi possível ser identificado.
ALQUIMISTAS DA IDADE MÉDIA

Torna-se impossível aos historiadores da ciência enumerar todos os alquimistas que


durante os primeiros quinhentos/seiscentos anos do segundo milénio da Era Cristã
declararam ter atingido o objectivo do estudo das mutações, isto é, da fabricação do ouro.
Deste modo enumeramos alguns destes alquimistas:
O egípcio Hermes Trimegistus foi venerado pelos alquimistas como o pai da sua
Arte que, por essa razão, é sinonimicamente chamada Filosofia Hermética. Hermes é aqui
representado na sua tradicional aparência indicando os dois princípios da Obra, Enxofre e
Mercúrio (do erudito), cujo pai e mãe são o Sol e a Lua, articulados pelo impetuoso
amplexo dos dois componentes do Fogo Secreto. Viveu no Egipto, onde se tornou rei.
Escreveu um certo número de livros sobre alquimia.
A primeira personagem árabe a ocupar-se da alquimia foi o príncipe Khalid ibn
Yazid, morto por volta do ano 704. Apaixonado pela ciência, estaria particularmente
interessado em Alquimia. Mandou traduzir do grego e do copta vários tratados de alquimia.
São-lhe atribuídas várias obras sobre este tema.
Passemos a Jabir ibn Hayyan, cujo nome latinizado é Geber. Nascido em Tus em
721 ou 722. Foi enviado à Arábia onde estudou o Corão, as matemáticas e outras ciências;
depois de regressar a Kufa montou um laboratório, encontrado dois séculos depois da sua
morte, onde tinha um morteiro em ouro que pesava duas libras e meia.. Geber admite a
teoria aristotélica da composição da matéria Ŕ terra, água, ar e fogo -, mas desenvolve-a
numa linha diferente. Afirmava que, através das manipulações do mercúrio com o enxofre e
outras substâncias era realmente possível transmutar os metais em ouro; para atingir este
fim, o meio principal era uma substância Ŗmuito enxutaŗ, por consequência próxima do
fogo (enxuto e quente). Enxuto em árabe dizia-se al-icsir, que na Europa foi traduzido por
elixir.
Elabora a teoria da balança apoiada no equilíbrio de Ŗnaturezasŗ.
Geber inova e introduz o uso dos produtos vegetais e animais no arsenal alquímico;
não era somente um teórico, pois conhecia perfeitamente as manipulações de laboratório e
dá indicações muito claras para a fabricação de certos produtos.

Escreveu muitos tratados sobre alquimia . Foi também chamado o Hipócrates da


Química. Foi o primeiro a destilar o vinagre e a obter ácido acético concentrado e a
sintetizar, pela primeira vez, o cloreto de amónio.

Avicena foi o nome latino do famoso doutor persa, nascido perto de Buhkara em
980. Alcunhado pelo Príncipe dos Físicos, foi um dos mais notáveis homens do seu tempo,
cujo génio e conhecimentos abrangiam um extraordinário alcance. Segundo ele, a
Volatização do Estável e a Estabilização do Volátil, constituem a essência de toda a Obra.
Morienus de Roma foi um eremita cristão do séc. VII; é famoso na erudição
alquimista como professor do príncipe Khalid ibn Yazid ibn Muřawijah (673-705. As
dificuldades do investigador não preparado são comparadas, por Morienus como um
homem a ser apunhalado pela desarrumação do seu próprio pensamento, ou como um
homem tentando ascender a uma torre sem uma escada : inevitavelmente cai. Morienus
aponta para a necessidade de lembrar que a terra partilhada com a Terra Filosófica formam
um único símbolo espagírico.

Roger Bacon nasceu em Ilchester, em Somerset, em 1214. Parece ter sido membro de uma
abastada família, arruinada nas lutas entre Henrique III e os seus subditos. Foi então
convencido a entrar na Ordem Franciscana, o que se efectivou em 1247. De 1234 a 1250
estudou e foi leitor em Paris, sob a orientação de Petrus Peregrinus, autor do primeiro
tratado sobre o magnete.
Dedicou-se ao estudo das ciências, alquimia, astronomia e matemática.
Coleccionou livros proibidos em várias línguas e conduziu muitas experiências. Roger
Bacon teve uma acuidade extraordinária, por meio da qual lhe foi fácil rejeitar muitas das
especulações absurdas dos alquimistas, enquanto retém o que na prática é essencial. Viveu,
por muitos anos em Oxford, onde morreu, em 1292.
Ramón Lull, conhecido como Doutor Iluminado, nasceu em Palma de Maiorca
cerca de 1235.
Depois de uma mocidade desregrada, voltou à religião e depressa se convenceu que
a sua missão seria a conversão do muçulmano ao cristianismo.
Demorou nove anos a preparar-se, estudando filosofia, teologia e árabe e entrou na
Ordem Franciscana. Fundou a Escola de Estudos Árabes e escreveu muitos tratados. De
acordo com a tradição alquimista, conquistou o segredo da Arte Hermética de Arnold de
Villa Nova, de quem alegadamente se tornou discípulo. Contudo a sua obsessão pela
missão levou-o por três vezes a Tunes ; duas vezes foi preso e a terceira foi apedrejado.
Recolhido por um mercador genovês, foi levado para o seu barco, mas morreu antes de
chegar a Palma, em 1315.
...........A ALQUIMIA NA EUROPA
Durante muito tempo pensou-se que os europeus conheceram a ciência árabe
graças às cruzadas. Isto só é verdade em parte porque, desde o séc. IX (dois séculos antes
da 1ª cruzada) os sábios ocidentais mantinham relações e conhecimento dos trabalhos dos
seus colegas da Academia de Córdova. Esta universidade possuía uma das mais vastas
bibliotecas do mundo, com mais de 250 000 volumes. Infelizmente, depois da conquista de
Granada, a maior parte destes livros foram queimados pelo fanático inquisidor Ximenes.
Nesta época a Europa ainda estava mergulhada numa ignorância muitas vezes
partilhada entre os monarcas e os seus súbditos. O conhecimento era propriedade do clero,
que também era depositário da religião, das ciências e das letras; daí a existência dos
conflitos entre os poderes temporal e espiritual.
No séc. XII a alquimia desenvolveu-se em França, Alemanha, Inglaterra,
transitando para Espanha e Itália.
Não nos podemos esquecer que, uma parte dos conhecimentos da Antiguidade, foi
transmitida directamente graças aos monges eruditos que, nos conventos recopiavam os
textos clássicos. É a obra do monge Théophilo (séc. X) ŖSchedula diversarum artiumŗ Ŕ O
livro das diferentes artes Ŕ uma das mais preciosas da Idade Média, que passa por ser o
escrito mais antigo do Ocidente cristão contendo uma receita alquímica.
A idade de ouro da alquimia ocidental situa-se nos sécs. XIII e XIV. O séc. XVI é
o período onde começa a transição entre a alquimia e a química, com um rodopio da
alquimia a insinuar-se timidamente nas vias da química. A oposição da razão à autoridade
tradicional, a da experiência à especulação já antes se tinham manifestado, mas nunca se
chegaram a impor como neste século.
A alquimia sofre a influência da revolução que se opera na ordem intelectual
(literária, artística, científica) na Europa Ocidental. Do ponto de vista político, o séc. XVI é
o século das guerras da religião, consequência directa da evolução das ideias e da sua
exploração pelos governantes. O direito do livre exame e a liberdade de consciência
abriram um campo ilimitado à razão e à experiência.
A Idade Média terminou, uma nova era começa, a era do Renascimento.
Durante muito tempo, a química não teve cultores, em Portugal.
Até ao séc. XVIII a história da ciência química não conta com nenhum nome
português. No entanto, Portugal foi, certamente, país desejado e visitado por alguns
alquimistas ambulantes estrangeiros que por cá se terão demorado, deixando atrás de si
alguns discípulos, depositários dos seus ensinamentos, de cujas práticas se podem encontrar
vestígios.
Com a lenta ocultação da arte alquímica, o seu desenvolvimento foi, durante longos
anos, tarefa meritória de grande número de médicos-químicos.
É neste contexto das práticas químicas que alguns nomes de portugueses ilustres
não podem ser esquecidos, pois por mérito próprio ombreiam com os seus mais distintos
colegas da Europa de então. A título de exemplo citaremos Garcia de Orta, Amato
Lusitano, Ribeiro Sanches, etc. todos eles médicos, assim como André Avelar, mestre em
Artes e lente de matemática.
Passemos agora ao fundo bibliográfico da Escola Politécnica.
Para melhor nos situarmos, vou expor sucintamente a sua formação. O seu primeiro
núcleo foi pertença da Livraria da Casa do Noviciado, no sítio da Cotovia, criado pela
Companhia de Jesus em 1603. Quando a Companhia de Jesus foi extinta e expulsa de
Portugal foi dado destino diverso aos seus domínios e bens. Assim nasceu o Colégio de
Nobres, em 1761, no sítio da Cotovia, com os haveres que lhe haviam pertencido, logo a
Livraria. Quando o Colégio de Nobres foi extinto, em 1837, sucedeu-lhe a Escola
Politécnica, ficando instalada no mesmo edifício e fazendo parte do espólio recebido, entre
outros pertences, uma Biblioteca, cujo fundo, tudo leva e crer, que fosse o da antiga
Livraria.
Esta Livraria passou por várias vicissitudes nefastas:
¨ as suas obras fizeram parte do ŖDepósito Geral das Livrarias dos Conventos
Extintosŗ, que em 1841 foram incorporadas na Biblioteca Nacional;
¨ durante o governo de D. Miguel foi, por este rei ordenada a transferência dos
livros que ainda restavam no Colégio de Nobres, para a Livraria da Ajuda;
¨ além dos eventuais e pontuais desaparecimentos.
Como Ŗherdeiraŗ directa deste espólio é a Faculdade de Ciências, altura em que
este fundo foi enriquecido com algumas aquisições que eventualmente apareceram em
alfarrabistas e antiquários. Esta situação manteve-se até à data da transferência desta para a
Cidade Universitária e todo o espólio bibliográfico até 1939, com algumas omissões, ficou
depositado no Museu de Ciência da Universidade de Lisboa, em 1997.
Para vosso conhecimento diremos que o catálogo bibliográfico do Livro Antigo
mais recuado refere 10 400 obras, enquanto o número agora encontrado ronda o milhar.
Será difícil concretizar o número exacto de monografias pois, é sempre possível aparecer
mais uma obra numa colecção factícia ou não, ou até mesmo haver um ou outro exemplar
Ŗfugidosŗ ao levantamento.
Neste trabalho referimo-nos apenas a obras incluídas no Livro Antigo até ao séc.
XVII e que, por sua vez, estejam, de algum modo, ligadas com as práticas alquímicas.
Não podemos deixar de referir autores como Garcia de Orta, nascido cerca de
1499. Estudou e doutorou-se em Filosofia e Medicina, em Salamanca. Regressado a
Portugal, em 1523, só em 1530 conseguiu entrar no corpo docente universitário como
regente da cadeira de Filosofia Natural. Embarcou para a Índia em 1533, fixando-se em
Goa e publicando aí, em 1563 os ŖColóquios dos Simples e das Drogas...ŗ. A versão que
enriquece este fundo é a tradução em latim dos Colóquios, por Carolus Clusius, publicado
em Antuerpia, em 1574, com o título ŖAromatum et simpliciaorum ... medicamentorum...ŗ.
Esta obra trata dos produtos naturais da Índia, de coisas medicinais desta, dissertando sobre
algumas coisas tocantes à medicina prática.

Segue-se, cronologicamente, André de Avelar, nascido em 1546. A sua obra


intitula-se ŖReportório dos tempos o mais copioso que até agora sahiu à luz...ŗ, publicado
em Lisboa, em 1590. Esta obra apresenta uma linguagem clara e correcta; quanto à
doutrina está Ŗsalpicadaŗ de ideias quiméricas, próprias da sua época; no entanto aparecem
nela, de vez em quando, alguns clarões de uma filosofia natural mais luminosa.

Falemos agora de Athanasius Kircher, nascido cerca de 1601 e que, no seu


ŖMundus Subterraneusŗ se revela contrário da Filosofia Hermética, da Medicina de Hermes
e antagonista da Crisopeia.

Ingenuamente admite que o ouro se transforma noutra espécie diferente.


Ao mesmo tempo que aceita a transformação do ouro, nega incoerentemente a
conversão das espécies. Escreve ainda Kircher aceitar a metamorfose ou transformação de
uns metais noutros, a que chama transformação própria. Quando nesta transformação entra
outra espécie diferente, por falta de aptidão para a permutação por parte das espécies
principais, chama-lhe transformação imprópria. Depois de nos expor diversos argumentos,
conclui que não há Pedra Filosofal no Mundo, pois havendo uma diversidade tão grande de
contradições sobre a sua existência, é este argumento suficiente para justificar a sua
falsidade.

Mais uma obra importante, do nosso ponto de vista, é a ŖPyrosophiaŗ, escrita por
Johann Conrad Barchusen. Barchusen, médico alemão nascido em 1666, dedicou-se
especialmente ao estudo da farmácia e química; foi professor na Universidade de Utrecht.
A química é-lhe devedora de várias experiências inovadoras; por exemplo, foi ele que
descobriu o ácido succínico. A sua obra é um manual sistemático e formal, que trata os
princípios da química tanto teóricos como práticos e tenta aplicar as suas demonstrações à
filosofia natural, medicina, metalurgia e alquimia.
A parte principal da obra descreve a iatroquímica preparadora do tipo
convencional, mas o programa do seu curso de laboratório de 1695 a 1697 incluí , como
apêndice ao volume, demonstrações de um aumento tendencial para afirmar a química
como a análise e síntese dos corpos pelo fogo, relegando a iatroquímica preparadora para a
segunda parte do programa. Todo o curso contém secções dedicadas à análise e à alquimia.

..........E assim chegamos à obra monumental sobre a alquimia, dentro deste fundo
bibliográfico: o Museum Hermeticum foi impresso pela 1ª vez em Frankfurt, em 1625.
Ensinou, conscienciosamente, todos os estudantes das Artes Filosófica e
Espagírica, recorrendo à suprema verdade da Medicina, pela qual todos os pensamentos
imperfeitos, de algum modo, podem ser renovados, encontrados e dominados. Continha os
nove mais importantes tratados químicos. As edições seguintes, como é o caso da presente,
foram acrescentadas de doze tratados.
A excelente qualidade da gravação do frontespício por Matthäus Merian é comum
às edições de 1625 e 1678.
O medalhão central, em baixo, mostra a Natureza suportando o símbolo da perfeição
alquímica e os frutos da Abundância ; alquimistas seguem-lhe os passos, iluminando o
escuro caminho do conhecimento com uma pequena lanterna.

.........Ladeando o medalhão estão o Sol, a Lua e os Elementos. Apolo e as Musas, à


cabeça, estão ladeados pela Fénix, pelo Pelicano, por Athenas e Mercúrio. Em cima e em
baixo, nos cantos, os quatro elementos estão unidos. Dentro do círculo à esquerda D Fogo,
à direita a Água. Ao centro o signo de Salomão, ou estrela de David, hieroglifo da Pedra
Filosofal, onde todos os elementos estão concentrados, em perfeito equilíbrio.
Abaixo, Apolo toca a lira da harmonia e as Musas (seis, correspondendo cada uma
a um metal), fazendo o contraponto celestial, sentadas em seu redor.
Esta obra é especialmente notável pela beleza dos seus símbolos. Foi também publicada
pela 1ª vez em 1625.
Nesta página de rosto, a túnica do filósofo ostenta a dupla Águia da mutabilidade mercurial,
confirmada pelo galo, ao centro do escudo (ave de Mercúrio e o mensageiro da Luz). Do
seu cinturão pende uma espada, cujo punho é a cabeça de uma Águia (Fixação do Volátil),
acentuado pelo facto da espada estar embainhada. Na mão segura o duplo ceptro do Fogo
secreto.

O Athanor (o forno filosófico) prova, pela sua tripla estrutura assente num simples arco,
que a Obra é só uma, dividida em três partes. No cimo do telhado agita-se, ao vento, a
bandeira da vitória final.

A obra agora apresentada é composta pela selecção de três tratados de química, a


saber:
I Ŕ Basil Valentine Ŕ ŖPráticaŗ com doze chaves e um apêndice. A sua identidade
permanece num controverso enigma. Sabe-se contudo que Basil Valentine, em 1413 viveu
no Mosteiro de S. Pedro, em Erfurt, encantado com as suas experiências da arte médica e
pensamento natural. As suas obras são altamente respeitadas.
II Ŕ Thomas Norton Ŕ ŖCrê em mimŗ ou ŖOrdinalŗ, escrito há 140 anos e traduzido
em latim do manuscrito inglês, mantendo todas as frases e máximas.
III Ŕ Cremer Ŕ ŖTestamentoŗ, inteiramente inédito até esta época.
Todos eles estão ornamentados com figuras habilmente gravadas em cobre, com o
trabalho e estudo de Michael Maier. Foram impressos pela 1ª vez em Frankfurt, em 1618.
A gravura apresentada, que ilustra a folha de rosto, representa os três autores a
trabalharem no seu laboratório.

.........Na folha de rosto do ŖTestamentoŗ, de Cremer, a gravura ilustra o famoso


comentário de Tomás de Aquino sobre a produção de metais com a mistura de dois
vapores, enxofre e mercúrio : um seca, o outro humedece.
Tomás de Aquino diz que, provavelmente, o alquimista fabrica a verdadeira
produção de metais a partir do Enxofre e Mercúrio por exalação da transpiração de certos
corpos através da aplicação de calor proporcional, o qual é o agente natural. Salienta que a
maior dificuldade enfrentada pelo Artista é a operação oculta da ŖVirtude Celestialŗ.
O anónimo samaritano foi identificado por Daniel Stalcius como Michael Sendivogius
Polonus.
A gravura mostra Saturno regando a Terra coberta de plantas do Sol e Lua.
A substância do Erudito transforma-se primeiro em Enxofre Branco (a Árvore
Lunar), depois em Enxofre Vermelho (a Árvore Solar), e é cautelosamente absorvida ou
embebida gota a gota, com o fim de aperfeiçoar a qualidade e multiplicar a quantidade.
Saturno, o jardineiro, indica a origem da qualidade da Água Mercurial, que é usada por ele.

Explicação alquímica do Mundo.


Do Inferno satânico ascende-se ao caos igneo. Dali, ao Mundo Natural : Terra,
Água, Ar e Céu (considerado como habitação dos deuses) com o Homem entre o Ar e o
Céu.
Mercúrio comunica com o Mundo arquetípico da divindade, bom e infinito.
A sétima chave (do tratado de Basil Valentine) representa o Sal dos Filósofos ou
água eruptiva (Água dentro do triângulo de Fogo), o qual comanda o Caos, para Perfeição
do Erudito. É o seu vaso ou Sigillum Hermetis que dissolve o metal e empresta o Corpo à
Alma, segurando-A num amplexo tão apertado que, se as quatro Estações do Fogo estão
correctamente aplicadas, é impossível fugir-lhe. A balança e a espada de dois gumes
simbolizam respectivamente o peso da Natureza e o Fogo Secreto.
Terminamos esta apresentação com Robert Boyle, nascido em 1627. Estudou no
famoso Colégio de Eton. Em 1641, atraído pelos estudos de Galileu, visita a Itália. De
regresso a Inglaterra, com outros colegas criou a ŖEscola Invisívelŗ.
Era uma escola sem aulas e sem carteiras, uma associação de homens excepcionais,
cuja obra foi extremamente fecunda para o progresso da Humanidade. Entretanto, nos finais
de 1663, por vontade do rei Carlos II, a Escola Invisível foi transformada em Royal
Society.
Boyle definiu a lei fundamental dos gases, mas também lançou as bases da química
dando uma nova e válida definição do conceito de elemento e submeteu as crenças
alquimistas a uma cerrada e inabalável crítica.

O ponto de partida da química como disciplina científica pode fazer-se coincidir


com a publicação do livro mais famoso de Boyle Ŕ ŖChymista Scepticus...ŗ (O Químico
Céptico), (Fig. 19) em 1680 ( 1ª ed. apareceu em 1679, com o título ŖSceptical Chymistŗ).
Foi desde então que o estudo das transformações da matéria deixou de se chamar alquimia,
para passar a chamar-se química. Os elementos químicos foram definidos por Boyle como
Ŗsubstâncias incapazes de se decomporemŗ.
Pensamos ser bem merecida a inscrição tumular que define Boyle como ŖO Pai da
Químicaŗ.
Apesar das suas descobertas e do seu formidável trabalho, Boyle não conseguiu
libertar-se completamente das ideias do seu tempo. Continuou a acreditar na feitiçaria, na
possibilidade de transformar os vários metais, de tal modo que, em 1689 exortou o Governo
Britanico a revogar a lei contra a produção alquimista do ouro.
Na sua enorme boa fé considerava que, conseguindo transformar os metais Ŗvisŗ
em ouro, os químicos teriam podido demonstrar a teoria atómica.
Nesta questão não era suficientemente céptico, pois, para chegar à demonstração da
estrutura atómica, seria necessário muito mais trabalho e outros conhecimentos para além
dos que tinham conseguido adquirir os estudiosos de 1600.

BIBLIOGRAFIA
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Georges Steinheil, 1885.
CENTENO, Y. K. Ŕ A simbologia alquímica no canto da serpente verde de Goethe.
Lisboa, UNL-Ciências Humanas e Sociais, 1976. (Série Investigação).
COSTA, A. M. Amorim da Ŕ Primórdios da ciência química em Portugal. Lisboa,
Instituto de Cultura e Língua Portuguesas (ICALP), 1984. (Biblioteca Breve, 92).
DUMAS, Jean Baptiste André Ŕ Leçons sur la philosophie chimique. Paris,
Gauthier-Villars, 1878. 2ème ed.
GILLISPIE, Charles Coulson-ed. Ŕ Dictionary of scientific biography. New York,
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KLOSSOWSKI DE ROLA, Stanislas Ŕ The Golden game : alchemical engravings
of the seventeenth century. London, Thames and Hudson, 1988.
LAROUSSE, Pierre Ŕ Grand dictionnaire universel du XIX siècle. Paris,
Administration du Grand Dictionnaire Universel, 1866-1870.
MASINI, Giancarlo Ŕ A química. Lisboa, Circulo de Leitores, 1977. (História
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RASHED, Roshdi-dir, Morelon, Régis-col. Ŕ Histoire des sciences arabes:
technologie, alchimie et science de la vie. Paris, Éditions Seuil, 1997. 3º V.
SILVA, A.J. Ferreira da Ŕ Les chimistes portugais et la chimie scientifique en
Portugal, jusquřà la fin du siècle XIX. In : Rev. de Chim. Pura e Ap., Lisboa, VI (12),
1910, p. 397-404.
WOJTKOWIAK, Bruno Ŕ Histoire de la chimie: de lřalchimie à la chimie
moderne. Paris, Technique et Documentation-Lavoisier, 1988. 2ème ed.
PEDRA DE COBRE
MARTINHO DE MELLO E CASTRO
E AS RIQUEZAS NATURAIS

Maria Estela Guedes

Sommaire

Une pierre de cuivre de plus dřune tonne de poids, conservée au Muséum dřHistoire
Naturelle de Lisbonne, fait lřobjet dřun récit collectif de la science maçonnique dont le
langage est celui des oiseaux. Lřinscription sur le cuivre porte la date de mort du Marquis
de Pombal (1782) et donne Cachoeira, Bahia (Brésil) comme lieu de sa provenance.
Toutefois, les rapports se contredisent. Spix & Martius, par exemple, en déclarant ne pas
connaître de formation télurique capable de produire une telle masse, la considèrent
extraterrestre. Les mesures, le poids et le nom dřun juge qui a émis un mandat de sequestre
de la pierre changent aussi. Le changement de noms nous mène en prison, aussi bien que
lřouverture dřun des mémoires de Domingos Vandelli sur la pierre: il nous raconte que dans
la ferme de Pina Manique, Intendant Général de la Police, les plantes de Cannabis sativa
(elles servent à fabriquer des cordes) atteignaient une longueur extraordinaire. Cřest une
époque de persécution des maçons et dřagitation au Brésil. Plusieurs révolutions, les
Inconfidences, se produisent. Les philosophes naturels mêlés à lřaffaire du cuivre étaient
mêlés aussi aux Inconfidences: ils étaient presque tous nés au Brésil et voulaient délivrer la
colonie de lřoppression économique exercée par la Couronne.
On a transcrit des documents inédits sur la découverte de la pierre. Tout cela est
important dans la mesure où parler de mines de cuivre nřest quřun code employé par de très
hauts personnages au règne de D. Maria I, y inclus le ministre Martinho de Mello e Castro,
pour mener à sa fin une affaire politique secrète. Il fallait convaincre les rois du besoin de
laisser partir des philosophes naturels au Brésil pour découvrir des richesses naturelles
telles que la mine dřoù était sortie la magnifique pierre. En effet ils partirent tous lřannée
suivante, mais personne nřa jamais découvert cette mine. Impassible, le ministre continuera
à placer des gens dans des postes importants pour quřils la découvrent. Les plus
importantes pierres que nous rencontrons dans cette affaire ce sont celles que le ministre a
placées en des postes-clef: les philosophales, cřest-à-dire, les naturalistes qui par la suite
ont assuré lřindépendance du Brésil.

O bloco referente e a referida pedra

Porque é que se debate esta peça de museu num colóquio de alquimia? Primeiro,
porque é alquímica. Segundo, porque a sua história pertence à História da Ciência
Maçónica.
Distingamos duas entidades: a referida pedra e o bloco referente. Acerca deste,
conservado no Museu Nacional de História Natural, ignoro quase tudo, pois o acesso ao seu
conhecimento foi bloqueado, a começar pelo modo de exposição: semi-enterrado no
pedestal. Este processo não permite verificar informações que acerca dele a ciência tem
prestado: peso e medidas. Não sendo possível testá-lo, direi apenas que, pelo menos
provisoriamente, é um objecto metafísico.
Alquímica é a referida pedra, isto é, a personagem com que nos regalam as quatro
dezenas de depoimentos que recolhi na bibliografia, e que podem ser lidos como um
romance, na parte de manuscritos e catálogo. É alquímica por se transmutar como o dodó,
as ilhas e as lagartixas das Baleares. Por exemplo, os textos divergem quanto à sua
proveniência, peso e medidas. Vou ignorar Nazaré, Santiago do Iguape, etc., para reduzir a
só duas as origens: a terrestre e a extraterrestre. De facto, Spix & Martius, não conhecendo
nenhuma formação telúrica susceptível de originar tal massa cuprífera, exprimem a opinião
de que se tratava de um meteorito.
O referente, fosse ele alquímico além de metafísico, não podia estar sujeito a mais de
dois pesos e medidas, como acontece com a referida pedra. Vandelli atribui-lhe os
seguintes pesos nas suas diversas memórias: 2666 arráteis, como informa a inscrição latina,
e isto corresponde a mais de uma tonelada; 1666, emendados para 2666; 2616 e 2619. Para
não se enganarem, Spix & Martius dão dois pesos no mesmo texto Ŕ 2666 e 1666 -,
considerando assim 1666 um número certo, apesar de ter sido corrigido. Sendo de mil a
diferença entre 2666 e 1666, parece muito significativa. Porém, o que está carregado de
significado é o que nos dois pesos é comum, o 666, e este, sim, é o verdadeiro peso da
referida pedra na balança da simbologia. Como se nota, o registo maçónico no discurso da
ciência é discreto mas não secreto. Isto é fundamental que todos saibamos, pois quer dizer
que não se trata de código só para iniciados. Não sendo só para iniciados, mas mantendo
certa reserva, então é preciso concluir que ele selecciona leitores, mas não é a nós que
exclui.
O discurso das gralhas, Langue des Oiseaux, como explicou Richard Khaitzine, deseja
cumprir o seu destino como informação. Grito de desespero, ele estrebucha entre comédia e
tragédia para a paródia ser detectada, mas não pode ser mais claro porque pesa sobre ele
uma ameaça. Ora as duas entidades de quem a maçonaria tem tido necessidade de se
ocultar, ao longo dos tempos, são a Inquisição e a Polícia.
Segundo número significativo na inscrição é a data: 1782, ano da morte do Marquês
de Pombal. Se a maçonaria gozara de liberdade de movimentos durante o seu ministério, e
se paralelamente a nobreza foi encarcerada, com a viradeira, a nobreza sai dos calabouços,
para os ceder à maçonaria. Quanto a palavras, fiquemos só com a notícia acerca do
cânhamo, a abrir a apresentação de Vandelli da pedra de cobre na Academia das Ciências.
Na quinta de Pina Manique, estas plantas atingiam extraordinário comprimento, ninguém
diz qual, nem é preciso, sabendo nós que eram tão compridas como o braço do Intendente
Geral da Polícia, e que por isso chegavam do Samouco à Cachoeira, na Bahia. Nesses
tempos, o cânhamo que interessava ao naturalismo era a Cannabis sativa, não a indica.
Com a sativa fabricam-se cordas, e as cordas servem para prender, o que é atributo da
Polícia.
Os ŖInstrumentos em pública forma dos termos de declaração e sequestro de uma
pedra de cobre de 30 arrobas, achada em Nazaréŗ, dão conta de vários factos incríveis,
como a instantânea rapidez da Justiça, na pessoa do juiz de fora, Marcelino da Silva
Pereira: a pedra foi achada no dia 19 de Fevereiro de 1782 em terras do capitão Gonçalves;
o achamento foi declarado à Justiça no dia 20 pelo alferes Trindade; de 19 para 20, os bois
do capitão Gonçalves arrancaram a pedra do ribeiro de achamento, em Santiago do Iguape,
e levaram-na para outro lado; no mesmo dia 20 descobre-se o furto, este é participado à
Justiça, e Marcelino da Silva Pereira emite mandado de sequestro da pedra e ordem de
prisão ao capitão Gonçalves, para averiguações, caso o cobre não estivesse em sua casa;
ainda no dia 20, o alferes Trindade descobre-o em casa do capitão Gonçalves, e neste
mesmo dia a Justiça sequestra a pedra e institui o ladrão em seu fiel depositário, até lha
reclamar.
Entretanto, de 19 para 20, a pedra muta de número, proveniência, peso e medidas.
Mais importante, porém, é reparar que a sua história se articula sobre estes eixos de sentido:
é um objecto sob o signo de Pombal e de ameaça por parte de Pina Manique, objecto que
logo no achamento fica entre Exército e Justiça, e que acusa a Justiça de dois pesos e duas
medidas, ou mesmo mais.
O que também relaciona a pedra com os problemas do Brasil é o uso que se tem feito
da inscrição. Nunca a vi traduzida, mas tem sido muito copiada, e quase sempre na língua
das gralhas. Há quem crocite mais de doze ao transcrevê-la, e com isto a pedra até muda de
século e os reis passam a ser outros (Spix & Martius ou Eschwege). Mais significado tem
no entanto a transcrição de Bettencourt Ferreira, apesar de só albergar três gralhas. Mas as
últimas são mais estridentes que o grito do Ipiranga: em vez de copiar o que daria
ŖPrefeitura da Bahiaŗ, escreve ŖBrasiliensi Praefacturaŗ, ou seja, Ŗprimeira factura
brasileiraŗ.
Porque é que todos copiam mas ainda ninguém traduziu a inscrição? Eu não tenciono
fazê-lo, sei muito pouco latim. Se tivesse de traduzir, cometeria logo à entrada um erro de
666 arráteis históricos: Aos Imperadores Maria I e Pedro III…
Então esta história tem implicações políticas, sociais, económicas e policiais. Pina
Manique encarcerava no Limoeiro todos os que lhe pareciam suspeitos.
Bastava às vezes serem ruivos, como Brotero, para os amarrar com cordas de
Cannabis sativa. Brotero uma vez foi preso por a cor do cabelo ter sido tomada pela de um
estrangeiro; as cores avermelhadas eram muito perigosas, a Polícia confundia-as com a
Revolução Francesa, tudo quanto fosse estrangeiro era francês, tudo o que fosse francês era
maçon, por isso ia para a prisão, o que causava enormes embaraços à diplomacia, incluído
Martinho de Mello, que costumava passar cartas de recomendação a naturalistas franceses
que vinham explorar territórios ávidos de Luzes, caso de dřOrquigny, que fundou uma loja
em Lisboa e outra na Madeira (Loja). Ora sempre que Pina Manique perseguia os
protegidos de Mello e Castro, o Limoeiro transmutava-se em Acácia e as plantas de
Cannabis sativa produziam a pedra da indica.

O ministro e as minas de cobre


Seria Mello e Castro um iniciado, como o Marquês de Pombal? Loja cita cartas de
contemporâneos que o consideram maçon.
O ministro mandou assentar a pedra no Real Gabinete da Ajuda, dirigido por Vandelli.
É então ele o responsável pela dedicatória aos reis, gravada no cobre sob o brasão, e pelo
seu enterro no trono, o que lhe confere dado valor. O valor que a pedra tinha para o
naturalismo é declarado por Vandelli, na carta ao Regente em que dá conta do que Saint-
Hilaire levara para o Museu de Paris e deixara em troca no Gabinete da Ajuda: Instei com o
Geoffroy para deixar o cobre nativo, por ser enorme o seu peso, e dificultoso o transporte
para terra, e porque era o principal ornato deste Museu (Azevedo).
Martinho de Mello e Castro (1716-1795) foi nomeado ministro da Marinha e Ultramar
em 1770, cargo que manteve até morrer. Vindo do governo de Pombal, sobreviveu assim à
viradeira, não tendo pelos vistos levantado suspeitas a D. Maria I. Para quem estuda o
naturalismo, este ministro é muito familiar, pois os assuntos relativos a produtos dos Três
Reinos remetidos para o Real Jardim Botânico da Ajuda caíam sob a sua alçada. Como os
cargos públicos, nas colónias, se atribuíam por vezes a naturalistas, é Mello e Castro quem
os nomeia. Sempre que um governador envia amostras de madeiras ou pássaros vivos, é a
Mello e Castro que escreve. Por isso é a ele que o Marquês de Valença, governador da
Bahia em 1782, envia o cobre achado na Cachoeira. Aproveita para elogiar Marcelino da
Silva Pereira, o juiz de fora que sequestrara a pedra, quando Marcelino da Silva Pereira se
encontrava ele mesmo a braços com a Justiça.
Ignacio Ferreira, ao falar da pedra, crocita uma gralha no nome do juiz de fora: em vez
de Marcelino, escreve Manuel da Silva Pereira. Verá na bibliografia que este Pereira de
Manuel da Silva é outra gralha, agora no nome de um provedor da Casa da Moeda da
Bahia, Manuel da Silva Ferreira, que também estava a braços com a Justiça, desde 1768.
Preso na Cachoeira, depois foi transferido para o Limoeiro. Em 1782, o processo ainda
corria.
Na Casa da Moeda da Bahia, fizeram-se duas análises de um pedaço de cobre, achado
no mesmo lugar da referida pedra. Manuel Galvão da Silva, naturalista enviado de Lisboa
para descobrir a mina, conta que o resultado obtido pelos fundidores da Casa da Moeda foi
de 25% em teor de cobre, ao passo que ele obteve 80%, diferença só explicável por também
ele escrever na língua das gralhas (cartas na bibliografia).
Para que serve uma tão gigantesca pedra de cobre? Manuel Ferreira da Câmara,
engenheiro de minas, responde, em carta de 1799, para outro ministro maçon, nativo do
Brasil, o Conde de Linhares (Mendonça):
Nos sítios em que cresce a cana do açúcar, nos recôncavos da Baía, existem, pode ser,
as minas mais ricas de cobre, que nunca se viram; ao menos assim o devo julgar pelo
pedaço que ali apareceu, o que sendo de um veeiro, não parece ter sido formado para servir
como serve, somente de ornamento no Real Gabinete da Ajuda, e a fixar a nossa
indiferença para objectos de tanta importância como este.
Este engenheiro de minas, cujo irmão não foi perseguido apesar de envolvido na
Inconfidência Mineira, sabendo-se até que fugira para a Bahia, onde se verificou, meses
antes desta carta, a Inconfidência Baiana, devia saber que debaixo dos pés de cana o que
existe é massapé, terra excelente para os canaviais, e que Mello e Castro encarregara várias
pessoas de descobrir as minas, nada tendo elas encontrado. Está a usar a escrita híbrida ou
língua dos pássaros, afinal ele vai ser o Intendente Câmara, facto que os historiadores
entendem mal, por se nomear para o segundo posto mais importante do Brasil, a seguir ao
de vice-rei, o irmão de um companheiro do Tiradentes. A sua intendência incidirá em
jazidas que não eram de cobre, sim de ouro e diamantes. As personagens desta história são
a mais alta liderança da Nação, o que confere à pedra de cobre um valor de representação
de Estado muito superior ao decorativo e ao cuprífero. São pessoas demasiado importantes
para um objecto que se diz ser notável só pelo tamanho e pelo esqueleto de 7% de ferro, e
que, além disso, se dissolve em água fervente, declara Vandelli.
O projecto de enviar naturalistas para as conquistas, a fim de procederem ao
levantamento das riquezas naturais, era muito antigo. Com esse fim ministrava Vandelli em
Coimbra um curso de História Natural Económica, como demonstra o seu livro ŖViagens
Filosóficasŗ, inédito na Academia das Ciências. Mal a pedra chega a Lisboa, logo Vandelli
se apressa a fazer um requerimento ao ministro e à Rainha, para leccionar o mesmo curso
no Jardim Botânico da Ajuda, e a recomendar ao ministro um seu aluno, que poderia
descobrir a mina de cobre da Cachoeira. Mal o bloco é pousado no Gabinete da Ajuda, o
bloqueado projecto de enviar naturalistas para as colónias desbloqueia-se, e eles partem
todos no ano seguinte. Todos são brasileiros, e um deles, Galvão da Silva, vai à sua Bahia
natal de propósito para visitar Ŗo lugar verdadeiroŗ da mina de cobre, antes de seguir para
Goa e Moçambique. Subiu a um monte, caiu três vezes por ele abaixo, mas no vale não
descobriu nada. Mal a pedra é noticiada nas sessões da Academia, eis José da Silva Lisboa,
homem de leis, a declarar não ter descoberto a mina de cobre, por ficar no abismo de uma
alta montanha, mas que voltaria a tentar quando parasse de chover. Galvão da Silva
também sofreu muita chuva no templo, aliás na montanha na qual caiu três vezes e atolou-
se na lama até aos joelhos. Quando, em tempo sem chuva, José da Silva Lisboa volta ao
vale da montanha de declive abrupto, o que relata é dissuasor: na Cachoeira não existiam
minas de cobre.
Em 1787, Mello e Castro nomeia Antonio de Amorim e Castro juiz de fora da
Cachoeira, para poder explorar a mina de cobre. Anos depois, Padre Francisco Agostinho
Gomes também recebe licença para explorar as minas de cobre e ferro da Cachoeira (Carta
régia dirigida a Francisco da Cunha Meneses, s/d, Anais da Biblioteca Nacional, 36, pág.
235) e em dada altura alia-se a Manuel Ferreira da Câmara com o mesmo fim. Eu mesma,
em 1998, também andei à procura da mina. O que descobri foi o recôncavo baiano, região
baixa, alagadiça, na qual só alguns montes suaves abrem alas para o rio Paraguaçu desfilar.
Então qual o papel de Mello e Castro nesta azáfama em busca de minas que todos lhe
garantiram não existirem? Pondo os pés no massapé, convenhamos em que a azáfama não é
mineira; o que mexe é a Administração Pública, a Polícia e o Exército. O ministro envia
filósofos naturais para o Brasil, quando a sua formação era a mais completa da época, daí
que acumulassem a carreira das armas e o cargo de secretários de governos provinciais, e
mesmo superiores, caso de José Bonifácio, um carbonário (Kloppenburg) que viria a ser
ministro do Imperador. Mello e Castro nomeia pessoas, recebe amostras de cobre e com
elas pedidos subreptícios de auxílio para quem está preso ou vai sê-lo em breve, entretém-
se a ler cartas em que as pessoas se queixam de que chove no templo - refiro-me ao templo
da Natureza. E que pessoas são estas? Padre Francisco Agostinho Gomes, que tinha a
melhor biblioteca da Bahia, foi acusado de ter participado num banquete maçónico. No
século XVIII não se publicavam jornais no Brasil e os livros estavam na maior parte
proibidos. O que ele lia de mais perigoso seria Rousseau e as Ŗleis americanasŗ. Ora o
motivo pelo qual a Coroa bloqueava a partida dos filósofos naturais é evidente: gente de
Luzes, eles estavam implicados na independência americana e dariam a mão à Revolução
Francesa.
Francisco Agostinho Gomes e José da Silva Lisboa são das mais destacadas pedras do
templo da independência do Brasil, a seguir a José Bonifácio. Após a história da pedra,
verifica-se a Inconfidência Baiana, com a qual vão ser relacionados, pois se sabe que a
Revolução dos Alfaiates tinha uma liderança intelectual que ficou na sombra, ao contrário
da Inconfidência Mineira, na qual só se prendeu a liderança. Pormenor a reter: nesse Brasil
sem jornais e sem escolas, em que o povão era analfabeto, quase todos os mulatos, alfaiates
e outros artesãos, presos na sequência da Inconfidência Baiana, sabiam ler e escrever.
Quem os terá ensinado, em que vale, e com que pranchas?
Mello e Castro sabia que a imensa pedra de cobre tinha por fim convencer os reis a
autorizarem a partida dos naturalistas. Então se as minas eram imaginárias, que riquezas
naturais buscava ele? Martinho de Mello conseguiu cumprir os objectivos da reforma do
ensino, pelo menos no que toca à Filosofia Natural: preparar competências que pudessem
ocupar altos cargos nas colónias. As maiores riquezas naturais de um país são os seus
Ŗhabitadoresŗ, como então se dizia. Reclamavam-se Ŗnativosŗ os habitadores do Brasil ali
nascidos, filhos ou netos de portugueses. Foram estas pedras nativas e metropolitanas que
conquistaram a independência do Brasil. A pedra de cobre é a sua confissão a Martinho de
Mello e Castro, que era padre. A seguir, os recados serão várias Inconfidências, e por fim a
independência do Brasil, liderada por um imperador carbonário (Kloppenburg), o nosso D.
Pedro IV.
A bibliografia deste trabalho é constituída pelas páginas com referências e textos do
século XVIII:
PEDRA DE COBRE (1)
Mandado de sequestro

Os documentos sobre a pedra de cobre são a bibliografia do trabalho de Maria Estela


Guedes sobre Martinho de Mello e Castro. Não usufrua dela sem mencionar a fonte onde a
bebeu.

PEDRA DE COBRE, MANUSCRITOS

1.1. Instrumento em pública forma com o teor de um termo de declaração que fez o alferes
de Henriques Dias, António Machado da Trindade.

Saibam quantos este público instrumento dado e passado em pública forma do ofício de
mim tabelião virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
setecentos oitenta e dois, aos vinte dias do mês de Fevereiro do dito ano nesta Vila de
Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, pelo Doutor Juiz de Fora Marcelino da
Silva Pereira me foi mandado pusesse em pública forma o termo de declaração que fez o
alferes de Henriques Dias, António Machado da Trindade, ao que satisfiz por reconhecer
por verdadeiro o dito termo cujo teor é da forma seguinte. Aos dezanove dias do mês de
Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois anos nesta Vila de Nossa Senhora do Rosário do
Porto da Cachoeira em pousada do Doutor Juiz de Fora de órfãos e do geral do crime e do
cível, e Provedor da fazenda dos defuntos dos ausentes das capelas e dos resíduos
Marcelino da Silva Pereira donde apareceu o alferes de Henriques Dias, António Machado
Trindade morador nesta mesma vila e o próprio de que se trata, declara que - no lugar
chamado Mamo cabo freguesia de Santiago do termo da Vila e num lugar não cultivado
entre um roçado novo do Padre João Gonçalves na parte do sul e da parte do norte nas
cabeceiras de um sítio de Manuel Lopes Falcão em terras do capitão António Gonçalves
de Aguiar e Sousa em distância desta vila duas léguas e meia mais ou menos em um riacho
que fica no alto do monte e descendo por ele abaixo vai desaguar no rio Paranáossû que é
o mesmo desta vila achara uma pedra grande de cobre que terá o comprimento de cinco
palmos mais ou menos em parte terá dois de largo e em parte um e meio, e bem parece ser
criado naquele lugar, por não ter vestígios alguns de ser fabricado e ali posto, a deixou no
mesmo lugar que não examinou se havia mais alguma outra; e só vem denunciar esta
achada para se fazerem os exames precisos das diligências para averiguar se haverá mais
e sua quantidade o que fazia como fiel vassalo de Sua Majestade Fidelíssima que Deus
guarde […]

[…] Mandado de sequestro em ofício da Justiça para o que nele se declara "o Doutor
Marcelino da Silva Pereira Juiz de Fora do geral do crime do cível de órfãos Provedor dos
ausentes capelas e resíduos nesta Vila da Cachoeira e seu termo com alçada por Sua
Majestade que Deus guarde.

1.2. Instrumento em publica forma com o teor de um mandado de sequestro em oficio da


Justiça e termo de sequestro.

Mando aos oficiais da Justiça diante mim que em observância deste meu mandado por mim
assinado e passado em ofício da Justiça vão acompanhados dos oficiais da milícia capitães
do mato à fazenda da Guaíba do capitão António Gonçalves de Aguiar e Sousa e tanto
nesta como em todas as mais partes onde houver suspeita procurarão e darão busca em
qualquer casa a descobrir uma pedra de cobre com mais de trinta arrobas de peso criada
pela natureza que o dito capitão por si ou por seus escravos a fez extrair e conduzir de
rasto com os seus bois do riacho do Mamocabo onde se havia criado o dito metal, e
achando a referida pedra de cobre a sequestrarão e a depositarão em poder de um fiel
depositário a quem notificarão a não entregue sem ordem de Justiça sob pena da lei, e ao
pé desta farão os termos necessários e não achando trarão debaixo de prisão o dito
capitão António Gonçalves à minha presença para averiguações necessárias, o que assim
cumpram. Passado nesta dita Vila em os vinte de Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois
e eu Manoel Alvares da Fonseca tabelião o subscrevi" Pereira.

Aos vinte dias do mês de Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois anos em cumprimento
do mandado de sequestro e seu despacho supra o ventenário da freguesia de São Gonçalo
João Álvares Ribeiro comigo escrivão ao diante nomeado e assinado fomos acompanhados
do alferes de Henriques Dias, António Machado da Trindade à fazenda da Guaíba
freguesia de Santiago do Iguape onde vive e mora o capitão António Gonçalves de Aguiar
e Sousa e sendo ali achámos a pedra de cobre criada da natureza de que trata o mandado
retro que julga ter a dita pedra pelo seu volume trinta arrobas pouco mais ou menos, e tem
esta três palmos e meio de comprido, dois palmos de largo em uma face e na outra um e
meio mais ou menos, três faces com um palmo de altura em cada uma, e a outra face
esparrada em um dos cantos dum pedaço tirado de duas ou três libras pouco mais ou
menos, e logo na dita pedra fez o ventanário sequestro e apreensão e logo a depositou em
mão e poder do dito capitão António Gonçalves de Aguiar e Sousa, que se obrigou às leis
de depositário e da sua entregada quando pela Justiça lhe for pedida e nessa forma eu
escrivão o notifiquei o contrário não fizesse sob pena da lei e de tudo para constar mandou
o ventanário fazer este termo de sequestro e depósito em que assinou junto com o
depositário e eu Serafim dos Anjos Pacheco escrivão da vara do geral do campo que este
fiz e assinei […]

1.3. Instrumentos em pública forma dos termos de declaração e sequestro de uma pedra de
cobre de 30 arrobas, achada em Nazaré. Cachoeira, 1782. II - 33, 20, 16. Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Secção de manuscritos. Documentos Diversos sobre a Bahia,
Nº 436. Este dactiloscrito acompanha os dois documentos anteriores. Microfilme no
Arquivo Público do Estado da Bahia, de onde foram fotocopiados.

2. Lista das cartas que se remeteram pelo navio da invocação Santíssima Trindade e Santo
António, de que é mestre Basílio de Oliveira Vale, que partiu em 8 de Junho de 1782. Nºs.
1º. Acompanha a remessa que se faz de uma porção de cobre com o peso de 81 arrobas, e
24 arrates, que foi achada no termo da Vila da Cachoeira. Arquivo Público do Estado da
Bahia. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo Colonial e
Provincial. Maço 136, pág. 286/181.

3. Apontamentos sobre um pedaço de cobre virgem. Academia das Ciências de Lisboa,


Memorias Economicas e Physicas, 17, manuscrito azul nº 41: 387-388 (Domingos
Vandelli).

Extractos

Foi apresentada a esta Academia [...] uma planta do cânhamo fêmea nascida na Quinta do
Samouco, do Intendente Geral da Polícia, e que é de um tamanho extraordinário, sendo de
comptº--------------------------------------------------------

E também à mesma Academia apresentou o Director do Real Jardim Botânico a definição,


e a análise química de um pedaço de cobre virgem, ou nativo, que neste ano se achou
longe 2 léguas da Cachoeira[...] Nenhum Naturalista observou até agora pedaço de cobre
nativo que pesasse 2616 arrates, e como peça muito rara vem indicada no Cél. Monnet
uma no Museu de Freyberg que pesa 10 arrates. [...] Pela sua mistura com mina de ferro,
se faz esta peça mais estimável, e rara, formando a dita mina de ferro, por assim dizer, o
esqueleto desse cobre nativo. [...]Este Cobre é maleável, ou dúctil; não contém ouro, nem
prata, e somente quase 7 por cento de ferro, como se conheceu na sua refinação feita no
Laboratório Químico do mesmo Jardim.

5. Ofício do Marquês de Valença para Martinho de Mello e Castro, relativo à descoberta de


cobre e ouro em terrenos pertencentes à comarca da Vila da Cachoeira. Bahia, 4 de junho
de 1783. Arquivo Público do Estado da Bahia. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à
1783. Secção de Arquivo Colonial e Provincial. Maço 136.

Na [?] da ordem de 14 de Fevereiro de 1782 no distrito onde [?] ...cobriu alguma mina
dele, ou de ferro se achou outra porção do mesmo cobre, que o Doutor Juiz de Fora da Vila
da Cachoeira já me entregou, a qual quero eu mesmo ser quem o apresente a Vª Exª com o
mapa tipográfico daquele distrito. Ele foi tirado junto do lugar em que se descobriu o
primeiro, e pesa uma arroba, uma libra e dez onças, e entre algumas pequenas pedras que
também agora se descobriram no dito lugar mandei ensaiar na Casa da Fundição, digo da
Moeda, uma que pesava uma onça, e no ensaio que se fez produziu duas oitavas, e
cinquenta e dois grãos de cobre. [?] um granete tendo de quebra cinco oitavas e vinte grãos:
Também acaso se achou no mencionado lugar uns grãos de ouro em pó de folheta miúda, e
tirando-se nove para se fundirem, ficaram em oito, tendo de toque pelo ensaio que nele fez
vinte e três quilates, e três oitavos.

Todas estas experiências se fizeram na minha presença, e remeto a V. Exª o papel junto do
ensaiador da Moeda, Clemente Álvares de Aguiar em que declara o que eu sobre elas
tenho relatado a V.Exª.

Deus guarde a V.Exª. Bahia a 4 de Junho de 1783. Illº e Exmº Senhor Martinho de Mello e
Castro. Marquês de Valença
PEDRA DE COBRE (2)
Carta de Manuel Galvão da Silva

6. Carta de Manuel Galvão da Silva para o administrador do Real Jardim Botânico da


Ajuda. Bahia, 16 de Junho de 1783. Arquivo histórico do Museu Bocage, CN/S-26.

Senhor Júlio Mattiazzi

Amigo do coração; já Vossa Mercê há-de estar informado da nossa viagem, e com
todas as circunstâncias que não esquecem aos que embarcam a primeira vez, como são a
conta dos dias gastados a chegar a esta ou àquela terra, a bonança dos mares, etc.. José
da Costa e António Gomes tiveram ocasião de lhe escrever primeiro do que eu o pudesse
fazer, que, embaraçado pelas causas que lhe exporei, não tenho até aqui achado descanso;
porque, logo que cheguei, todo meu intento foi ir à Cachoeira, ao lugar onde foi achado o
cobre, para cumprir as ordens do Exmº Senhor Martinho de Mello; para o que falei ao
Senhor Marquês, que já esperava por mim e sabendo, não sei por que via, que eu trazia
esta ordem, recebeu-me afavelmente e ali me demorei desde as três da tarde até às oito da
noite, em companhia do Juiz de Fora da Cachoeira, que foi chamado, para tratarmos da
segunda porção de cobre, que se tirou do mesmo lugar, cavando-se, como dizem, altura de
três palmos; dei o meu parecer; e concluí que, apesar do rigoroso Inverno, e a
impossibilidade de descobrir coisa alguma, por causa das grandes chuvas, devia passar ao
dito lugar; prometeu S.Exª mandar pôr pronto um escaler, para partir logo que me
parecesse; como não eram ainda passados três dias, e a bordo se achava toda minha
roupa de uso, e alguns livros, que me poderiam ser necessários, disse a S.Exª me deixasse
conduzir uma mala de roupa, alguns livros, a rede de conchas, e um cilindro de lata, fosse
revista pelos guardas, que estavam a bordo, mas que não precisasse de andar com
bilhetes; não resolveu nada, e me vi obrigado a fazer petições, tirar bilhetes de um cruzado
a um guarda para ir a bordo, a conduzir estas coisas para terra; em uma palavra, gastei
nestas idas e vindas bons oito dias, porque uma vez não havia Alfândega, em outra não
bastava a petição despachada já pelo Provedor, e havia necessidade de bilhete; passado o
bilhete, era mister ser outra vez rubricado pelo Provedor; acabavam-se as manhãs, e por
conseguinte as tardes, e acabava-se-me a paciência; e creia que, a não ter recebido ordem
do Exmo Senhor Martinho de Mello, para ir à Cachoeira, não tiraria de bordo nem uma
camisa, por me livrar destas fadigas, tão indispensáveis e justas para conservação dos
direitos de Sua Majestade, mas que se me faziam pesadas, pela brevidade que desejava,
não sabendo quando partiria o navio, e se partiria daqui, antes de poder ir ver a mina de
cobre. Não obstante isto, a minha mala e os livros, logo que chegaram à ponte da
Alfândega, foram isentos de qualquer revista, e passaram para onde os mandei
desembarcar.
No intervalo destes oito dias fui ainda ao Palácio do Governador, de onde um dia o
acompanhei para a Casa da Moeda, onde se fez exame do segundo pedaço de mina, que
conserva S.Exª, e que tem de peso uma arroba, três libras, e tantas onças. Constou este
exame de fazerem fundir um pedaço de cobre; e um pedaço que pesava uma onça, tirado
do cascão da mesma mina, que lá, e cá se supunha ferro: ajuntaram-lhe nitro e bórax, e
tiraram do cascão duas oitavas, e tantos grãos de cobre. Ficaram contentes todos os que
presentes estavam, e mais que todos o Juiz de Fora da Cachoeira, que por aqui vive há
muitas semanas; votaram, deram arbítrios, e eu também disse, quando S.Exª me perguntou,
o que me pareceu conveniente, afirmando-lhe ser cobre nativo, e não procedido de alguma
fusão; retirei-me para casa, e entrei a tratar de partir em busca desta mina, e quando
faziam oito dias da minha chegada embarquei em um escaler, que o Intendente da Marinha
mandou aprontar, e parti para a Vila da Cachoeira, onde cheguei às oito horas da noite,
tendo largado da Baía às sete horas da manhã, debaixo de toda chuva; aí me hospedaram
(por carta, que tinha mandado o Juiz de Fora ao Vereador, que faz as suas vezes) em a
mesma casa onde assiste o Ministro, achando uma boa aposentadoria militar, de fogo,
água, sal, panelas, e três asseadas camas, e uma grosa de satisfações, que me deram
aqueles senhores, como se eu fora alguém, terminando tudo em se desculparem de não
terem preparado mais cedo a casa. Logo que se despediram de mim, que passava de onze
horas, me deitei para no outro dia continuar a minha viagem. Apenas amanheceu o dia,
mandei comprar o que era necessário para dar de comer à gente do escaler, e me
embarquei para o Mamocabo, que é um porto pequeno, que serve de desembarque aos que
habitam por aqueles sítios em vizinhança da mina. Logo que desembarquei fui buscando o
caminho de um engenho que está dali um quarto de légua; no meio do caminho encontrei
com dois pretos que traziam três cavalos pelas rédeas, mandados por Manuel Francisco,
dono do dito engenho, e a quem também tinha escrito o Juiz de Fora; como a esse tempo
íamos eu, e António Gomes, e José da Costa, já muito molhados, e atolados de lama até ao
joelho, não tive remédio senão montar, contra o meu primeiro propósito, que era fazer
todo caminho a pé, e ir recolhendo as plantas de Inverno que fosse achando; chegados que
fomos ao engenho, depois de comermos algum doce e requeijão, que nos deu o dito Manuel
Francisco, partimos eram nove horas para a mina, acompanhando-nos um oficial de
justiça, guia do tal sítio, e do lugar verdadeiro onde foi achado o cobre. Não lhe contarei
os terríveis atoleiros que por ali se formam no Inverno, nem a violenta chuva que sofremos
por entre aqueles matos, e enfim sobre o riacho onde se achou o cobre; basta dizer que
choveu desabridamente todo dia, e que não havia quem descesse a montanha sem cair, e eu
só o consegui depois de três boas quedas, sem me valer o bastão da bússola em que me
firmava, nem as próprias unhas com que me segurava. Enfim cheguei ao vale por onde
corre o pequeno rio, e fiz todas as indagações possíveis por descobrir ou a mina, ou ao
menos alguns sinais menos equívocos da sua existência, e não achei nada; não vi senão
quartzos, areia Sabulum e a argila grandoeva de Lineu; só observei que algumas porções
deste quartzo rupestre, que forma a montanha onde passa o rio por elas, estavam tingidas
de um vapor metálico, que parecia ferro, e algumas porções também estavam com alguma
incrustação superficial de ferro. Não me demoro a dizer mais o que observei, que é de
pouca ou nenhuma consequência, tendo além disto feito a descrição total no papel, que
entreguei ao Senhor Marquês de Valença para ser remetido para Lisboa. Como não
achava nada de interessante, deixei o lugar logo que vinha caindo a noite; e tornei a
embarcar para ir dormir à Cachoeira, de donde parti ao terceiro dia para a Baía, que não
pudémos tomar, suposto o escaler era de dez remos, senão ao fim de três dias de viagem,
fazendo duas arribadas: a primeira logo duas léguas abaixo da Cachoeira e ali passámos
dia e noite hospedados em um engenho; a segunda à Ilha dos Frades, onde passámos
também um dia e uma noite, distando da Baía sete léguas, até que enfim no terceiro dia, à
força de vela e remo, depois de muitos bordos, conseguimos tomar o porto pelas cinco
horas da tarde, tendo partido às três horas da noite. Nesta ilha há uma mina grande de
ferro formada em cós.

O que mais me tem afligido nesta viagem é o não poder fazer um herbário destas
poucas plantas de Inverno. Todas que recolhi, além de serem apanhadas molhadas, e não
poderem ser preparadas, vinham em tal estado que se não conheciam; pois creia que vi
algumas que me pareceram espécies novas; vi géneros descritos já, que nunca tinha visto;
mas que hei-de fazer? Se esta mina tem sido a minha consumição, e se esta terra da Baía é
o país das chuvas, e não deixa pôr os pés fora de casa.

Depois que vim da Cachoeira, pedi a S.Exª me permitisse repetir as experiências por
minha mão na Casa da Moeda, e tendo-ma concedido, e dado juntamente duas onças da
parte rubra da mina, que se supunha ferro, ajuntei-lhe as matérias que me pareceram
próprias à fusão, e a fazerem reviver as cais metálicas, e tirei de uma onça seis oitavas e
meia de cobre; donde se vê a diferença das minhas experiências daquela feita pelos
fundidores da moeda, que apenas alcançaram duas oitavas e tantos grãos. Donde concluí
que a Mina é a Mina Espatica de Vallerio a que Lineu chama Cuprum rubrum ochraceum
induratum. O mais que penso acha-se no papel, que como disse fica entregue ao Senhor
Marquês de Valença, que a há-de remeter ao Ill.º Ex.mo Senhor Martinho de Mello.

Em quanto aos peixes, ainda os não tenho procurado, por ter estado, como é
verdade, ocupado a escrever da mina; hei-de fazer toda diligência, se me demorar aqui
mais alguns dias, para mandar o cilindro cheio, pois não o desembarquei para andar com
ele de uma para outra parte, e só por desgraça irá para Moçambique vazio. A respeito de
conchas, como não tenho saído para fora da cidade, as não tenho visto. O Senhor Marquês
disse-me que seria bom deitar a rede na barra pouco longe de terra, onde há areia, e
algumas conchinhas; como a tenho em casa, e agora acabo de falar de todo em minas de
cobre, talvez que a vá deitar em alguma parte.

Estimarei que Vossa Mercê, e quanto lhe diz respeito, tenha felicidades e saúde; eu
vou vivendo, cansado alguma coisa da viagem, e das noites que dormi sem comodidade, na
volta da Cachoeira; precisava vomitar-me, mas o não faço por não ter tempo, e guardar-
me para quando tiver mais descanso pelo mar. António Gomes e José da Costa estão bons;
como eles escrevem, dirão o como passam na terra onde os tenho agasalhado, conforme as
posses de meu pai; é verdade que se ficassem em casa do Comandante seriam tratados com
mais grandeza, mas não teriam talvez achado tanto sossego em uma casa de tanta gente.

Tenha saúde, e dê-me notícias suas, que saberei estimar, e faça-me o favor dizer ao
D.r Vandelli que lhe não posso escrever por este navio, por isso o não faço.

De Sua Mercê
Bahia 16 de Junho de 1783
Manuel Galvão da Silva

PEDRA DE COBRE 3
Memória de Domingos Vandelli
CATÁLOGO DE MANUSCRITOS

1. Officio do Juiz de fóra Marcellino da Silva Pereira para o Governador Marquez de


Valença, sobre a descoberta do cobre. Cachoeira, 11 de março de 1782. Extracto. Anais da
Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.024.
2. Officio do Governador Marquez de Valença para Martinho de Mello e Castro, em
que participa o apparecimento de uma grande porção de cobre nuns terrenos pertencentes
ao termo da Villa da Cachoeira, que remette, juntamente com algumas pedras e terra do
logar em que fôra encontrado para serem devidamente examinados e analysados, pois seria
da maior utilidade a exploração da mina, que por ventura se descobrisse. Bahia, 4 de junho
de 1782. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.023.
3. Carta do notavel naturalista e Director do real Jardim Botanico de Lisboa, Domingos
Vandelli (para Martinho de Mello e Castro), pela qual apresenta e recommenda Antonio
Ramos da Silva Nogueira para proceder ás pesquizas das minas de cobre e ferro, que se
suppunha existirem nas serras da Cachoeira. Extracto. Bahia, 28 de agosto de 1782. Anais
da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.460.
4. Carta de Domingos Vandelli (para Martinho de Mello e Castro), na qual se refere ao
resultado das analyses chimicas que fizera sobre o cobre remettido da Bahia e procedente
da Cachoeira e á creação de um curso de historia natural economica, applicada á
agricultura, ás artes, á medicina e ao commercio que elle pretendia reger todos os annos no
Real Jardim Botanico, e pede a protecção de Martinho de Mello para o bom exito da sua
iniciativa. Lisboa 4 de setembro de 1782. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc.
11.461.
5. Requerimento do Dr. Domingos Vandelli, Director do Real Jardim Botanico de
Lisboa, em que pede á Rainha autorização para reger todos os annos no mesmo Jardim um
curso de Historia Natural Economica. (Anexo ao n. 11.461). Anais da Biblioteca Nacional,
32 (1914), doc. 11.462.
6. Analyse das amostras de cobre e ouro remettidas da Cachoeira e a que se refere o
officio antecedente. Bahia, 26 de maio de 1783 (Annexo ao n. 11.240). Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 11.241.
MEMORIA SOBRE O COBRE VIRGEM OU NATIVO
DA CAPITANIA DA BAHIA
DESCOBERTO NO ANNO DE 1782

Por Domingos Vandelli

A rarissima peça de cobre nativo, que o Exmo. Sr. Martinho de Mello fez pôr neste
Real Museu, merece toda a estimação pelo seu tamanho e pela sua mistura com huma mina
de ferro, o que serve para explicar hum phenomeno particular da natureza. Esta massa de
cobre nativo pesa arrateis 2619; he de figura rhomboidal com a superficie irregular causada
por varias pequenas cavidadedes e protuberancias. A sua altura he de 3 pés e 2 pollegadas
de Paris, a maior largura he de 2 pés e ½ e a grossura ½ pé, 4 pollegadas e 2 linhas.

A côr externa he avermelhada escura, com algumas nodoas e particulas azuladas e


verdes produzidas da ocra ou ferrugem do mesmo cobre. Internamente he de côr vermelha
como o melhor cobre purificado e como elle malleavel e ductil. Não contém ouro, porque a
agua fervente o dissolve perfeitamente e por ter a sua origem no vitriolo de cobre.

Foi descoberta esta massa de cobre nativo na Capitania da Bahia, sepultada em huma
argilla muito fina de côr amarella, misturada com mica talcosa, côr de ouro, disposta em
camadas produzidas das deposições das aguas do rio... que desce da Caxoeira, longe 2
legoas da Bahia--------

------------------------------ differentes paizes da Europa e da Asia, se encontra cobre virgem


cristallisado, granulado, capillar, folliaceo, como tãobem no Brazil, ha alguns annos, na
Capitania de Piauhy se descobriu hum pedaço de 30 e mais arrateis de cobre nativo com
matriz espatosa, o qual se conserva neste museu, além de outro folhaceo, que eu descobri
em grande abundancia no Ducado de Modena, entre estractos ou bancos de argilla, as
cujas montanhas são abundantes de minas de cobre pyriticoso, pelo que he muito provavel
que nos montes superiores á dita Caxoeira, donde se achou esta massa, se encontrem
muitas outras sepultadas na argilla e riquissimas minas de cobre pyriticoso, de cuja
decomposição se formou o vitriolo, que deu origem a esta cementação; além de
riquissimas minas de ferro, que pelas superficies das mesmas, transportadas pelo rio,
claramente vem indicada.

Mas até agora não se descobriu em parte alguma massa tão grande e assim
circumstanciada de ser produzida pela cementação, como he esta da Bahia, a qual serviria
para enriquecer o mais rico museu da Europa...

Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), ms. 11. 463.


8. Carta de José da Silva Lisboa, em que dá conta das pesquizas a que procedeu nas
serras da Cachoeira para a descoberta da supposta mina de cobre, cuja existencia as suas
investigações deixaram muito duvidosa. Bahia, 19 de janeiro de 1784. Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 11. 472.

9. Carta particular de Antonio de Amorim e Castro (para Martinho de Mello e Castro),


em que lhe participa ter chegado á Bahia e que brevemente iria tomar posse do seu logar de
Juiz de fóra da Cachoeira, onde desde logo se occuparia diligentemente da exploração da
mina de cobre. Bahia, 28 de março de 1787. Anais da Biblioteca Nacional, 34 (1912), 1914,
doc. 12.489.

10. Memórias inéditas de Domingos Vandelli. Memória sobre a pedra de cobre.


Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Documentos vindos do Brasil, livros 28, 29 e 30,
Memórias inéditas de Domingos Vandelli, 122 memórias, 598 fls. Estes documentos são
citados por: J.L.Cardos, O Pensamento ecoómico em Portugal, p. 317. J. Serrão, coord,
Roteiros das fontes da História Portuguesa contemporânea; Arquivos do Brasil. Não foi
visto ainda.

PEDRA DE COBRE, TEXTOS PUBLICADOS


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LOJA, António Egídio Fernandes (1986) - A Luta Pelo Poder Contra a Maçonaria.
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Editorial Presença, Lisboa, 3 vols.
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SERRÃO, Joel & OLIVEIRA MARQUES, A.H.: Nova História da Expansão Portuguesa.
Vol. VIII. Editorial Estampa, Lisboa.

CIÊNCIA E HISTÓRIA, MANUSCRITOS E CATÁLOGO

1. Officio do Desembargador Rodrigo Coelho Machado Torres (para Francisco X. de


Mendonça), relativo à devassa sobre o procedimento do Provedor da Casa da Moeda
Manuel da Silva Ferreira. Bahia, 12 de setembro de 1768. Anais da Biblioteca Nacional, 32
(1914), doc. 7930.

2. Officio (de Francisco Xavier de Mendonça) para o Marquez de Lavradio, em que lhe
determina que passe as ordens necessarias para ser enviado ás Cadeias do Limoeiro Manuel
da Silva Pereira, que fôra Provedor da Casa da Moeda da Bahia e se achava preso na Villa
da Cachoeira. Palacio de N.S. da Ajuda, 21 de Abril de 1769. Minuta. Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 8166.

3. Viagens filosóficas ou dissertação sobre as importantes regras que o Filósofo


Naturalista nas suas peregrinações deve principalmente observar, por Domingos Vandelli.
Cópia de Frei Vicente Salgado. Manuscrito vermelho nº 405 (15), Academia das Ciências
de Lisboa.

4. Cartas do Marquês de Valença a Martinho de Melo e Castro sôbre assuntos


administrativos da Bahia e sôbre nomeação de José da Silva Lisboa como ouvidor interino
de Ilhéus. Bahia, 1780. 4 cópias. II - 33, 18, 35. Anais da Biblioteca Nacional, 68, 1950,
doc. 415.

5. Carta do Governador Marquez de Valença para a Rainha, no qual se refere á devassa


a que se procedera sobre as queixas e diversas representações dirigidas ao Real Erario,
contra o Provedor da Casa da Moeda da Bahia Manuel da Silva Ferreira. Bahia, 14 de julho
de 1781. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 10.867.

6. Officio do Marquez de Angeja para Martinho de Mello e Castro, relativo á devassa


contra Manuel da Silva Ferreira. Junqueira, 3 de maio de 1782. Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 10.868, anexo ao 10.867.
7. Carta de Manuel da Costa de Carvalho para Martinho de Mello e Castro em que se
refere desfavoravelmente ao Juiz de fora Marcellino da Silva Pereira. Bahia, 13 de
setembro de 1782. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.141.

8. Requerimento do Bacharel Marcellino da Silva Pereira, Juiz de fóra da Cachoeira,


em que pede a nomeação de um ministro para lhe tirar a sua devassa de residência. S/d.
Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.975.
REFLEXÕES EM TORNO DE UM
BLOCO DE COBRE*
Isabel Cruz
Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de LisboaI

À Maria Estela Guedes,


exemplo vivo da coexistência pacífica
entre teimosia inaudita, trabalho insano e prazer imenso

Introdução

Sendo membro do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da


Universidade de Lisboa, mas não tendo participado efectivamente das actividades
desenvolvidas pelo projecto CulturaNatura, a minha presença numa intervenção do Serviço
Educativo deste projecto torna-se obviamente questionável.

Há, contudo, um conjunto de factores que a podem explicar e viabilizar: em primeiro lugar,
como professora da disciplina de Ciências Físico-Químicas no ensino básico e secundário,
sou naturalmente atenta e interessada nas questões da interdisciplinaridade e da confluência
de saberes das várias disciplinas; em segundo, sendo colega, no CICTSUL, dos elementos
que constituem o SEP, acompanhei por vezes, as dúvidas, reflexões, expectativas e
motivações resultantes da desafiante e difícil tarefa de articular a exposição ŖCulturaNatura.
Preparar o séc. XXIŗ com o mundo das escolas e dos professores; em terceiro lugar, tendo
participado de forma indirecta, pontual e ocasionalmente, no desenvolvimento de uma
questão que considero paradigmática da dialéctica entre Cultura e Natura (refiro-me à
origem e natureza de um bloco de cobre, actualmente no Museu Nacional de História
Natural, declarado objecto natural e possivelmente originário do município da Cachoeira,
Estado da Baía, Brasil), acabei a experimentar o assunto sob várias formas, passando de
observador a executante, de público a apresentador, e sob várias ópticas (da Ciência e da
História, da Educação e da Cultura, do Ensino e da Comunicação).

Solicitada pelos elementos do SEP, a dar conta por escrito, de algumas reflexões a estes
temas associadas, encontrei-me «a braços» com a complexa e discutível tarefa de
transformar experiência pessoal em utilidade colectiva. Os relatos em 1. e 2. foram
necessários para que se entendesse o contexto em relação ao qual estas reflexões se
realizaram.
1. O bloco de cobre

Um dia, após uma das reuniões gerais do CICTSUL, a Maria Estela Guedes abordou-me
com uma questão a respeito da designação «nativo» em relação a um objecto. O objecto era
o bloco de cobre e esta terá sido a primeira vez que me falaram dele.

Algum tempo mais tarde, poderei ser encontrada na biblioteca do Museu Bocage, junto
com a Alice Martins e a Catarina Leal, às voltas com o dito bloco. Bem, na realidade não se
tratou de um verdadeiro manuseamento - a expressão utilizada induz em erro Ŕ procurava-
mos reproduzir, isso sim, a partir dos relatos em documentos, a forma de um bloco de
cobre.

Caneta em riste, leitura atenta, alguma discussão e discordância de conceitos (afinal a


medida também tem as suas ambiguidades), e lá se conseguiu passar da descrição em
termos de palmos de comprido e palmos de largo, para uma visualização convenientemente
acomodada à geometria Euclidiana.

A Maria Estela seguia tudo com muita atenção, procurando compreender o que nós víamos
e tentando fazer-nos compreender o que não víamos. Com habilidades de prestidigitadora,
colocava debaixo dos nossos olhos os vários textos referentes ao achamento do cobre em
terras do Brasil, que retirava do computador como coelhos da cartola. Com o seu tom
tranquilo, ia-nos falando das incongruências - «floresta de enganos», como mais tarde se
lhes referiu o José Augusto Mourão Ŕ neles encontradas.

Este foi o meu segundo contacto com o bloco de cobre. O terceiro serviu definitivamente
para que o tema não mais deixasse de evocar o meu interesse e curiosidade : a indicação
por parte da Estela Guedes de uma possível ligação do bloco de cobre a uma origem pirítica
resultou fatal, e provocou uma sequela de conversas e esclarecimentos mútuos que têm
durado mesmo até agora, na tradição da melhor saga brasileira.

Aos poucos fui-me inteirando de uma história do bloco, guiada pela erudição de quem
sistematicamente procurava esclarecer as questões que em torno deste ainda prevaleciam.
Com tanta coisa porém, o bloco para mim era somente uma construção no abstracto, um
objecto cultural. Um dia decidi-me e fui procurá-lo. A exposição CulturaNatura abrira a
porta que tinha estado fechada; à medida que me aproximava, a luz da jardineta revelava-
me as suas dimensões, a cor, os torneados e as reentrâncias, a forma. Surgiu-me como um
objecto notável. Uma obra de arte.

Fiquei algum tempo parada em frente a ele, ao objecto natural, observando-o e desfrutando
da sensação peculiar que uma mistura de reconhecimento, familiaridade e fascínio me
produzia.

Mais tarde, ao reflectir sobre o sucedido, soube que a eloquência morfológica dos objectos
naturais que já vira não chegara afinal para transformar encontros em acontecimentos. Um
penedo, indeciso na cor e irregular na forma, ao qual nem o inesperado de uma inscrição, a
conferir uma nota de grotesco à sua quase feiura faltara, fizera a diferença Ŕ fora um
acontecimento ir ver o bloco de cobre ao Museu Nacional de História Natural.

2. A experiência

Visualmente, a experiência resulta no aparecimento de uma camada sólida de coloração


avermelhada sobre um artefacto de ferro (geralmente um prego), acompanhada de um
marcante esmorecimento no intenso azul turquesa do líquido onde aquele se submerge.

Os professores de Ciências Físico-Químicas conhecem-na bem. Utilizam-na ao nível dos


ensinos básico e secundário, apostando tanto na simplicidade da sua execução como na
eficácia comunicacional dos seus efeitos.

A Ciência explica-a em termos de uma interacção redox (termo da gíria científica obtido
por contracção das palavras redução e oxidação). O líquido azul intenso é uma solução
aquosa de sulfato de cobre (os iões cobre hidratados são os responsáveis por essa cor). O
objecto de ferro nele mergulhado, permite a troca das espécies: o cobre abandona o meio
aquoso de que era um residente iónico e vai depositar-se na forma metálica , «aninhando-
se» sobre a superfície do objecto, ao mesmo tempo que deste se desprendem iões ferro para
o meio líquido. A alteração da cor da solução tem a ver com este vai-vém iónico: o
esmorecimento do azul, porque perde conteúdo em iões cobre, e o amarelecimento
progressivo, porque ganha em iões ferro. Os químicos abreviam, dizendo que se verificou
uma transferência de electrões entre as duas espécies, sendo o cobre a reduzida e o ferro a
oxidada.

Naquele dia não a reproduzi para uma turma de alunos - nem sequer estava numa sala de
aula ou no laboratório. Apareci com um modesto aparato - alguns pregos, um pequeno copo
de precipitação e um pouco de sulfato de cobre aquoso dentro de um frasco de aspecto não
muito científico - apostando numa intervenção rápida, correcta e discreta. Tinha-me sido
pedido que fizesse esta experiência como demonstração do processo químico subjacente a
parte de um procedimento mineiro, praticado, com maior ou menor maestria e
cientificidade, ao longo de muitos anos.

ŖCementação naturalŗ era o processo (natural, porque copiado da própria Natureza). Eu


entrava na fase final, precisamente a altura em que o cobre é retirado dos tanques cheios
com as águas-mães resultantes da rega prolongada de montões de pirite, por contacto com o
ferro (geralmente sucatas ou lingotes) adicionado. A ideia era demonstrar à assistência
CICTSUL que o fenómeno era verificável, e mais nada, impossibilitados que estavamos de
nos podermos reportar à realidade física de um ambiente mineiro.

Apercebi-me então de alguma expectativa. Fiquei aflita. Receava decepcionar, afinal


tratava-se de uma simples e banal experiência, ainda por cima corria o risco de resultar
pretensiosa: copos de precipitação não são tanques de cementação ou lagoas de S.
Domingos ou Rio Tinto, pregos não são sucatas nem lingotes de ferro, o ligeiro sedimento
de cobre não é uma cáscara ... e as pirites, onde estavam?
Bem longe do contexto real, assim como de um ambiente laboratorial, fiz o que pude para
«defender a causa». No final constatei não só que a mensagem tinha chegado ao receptor -
o processo químico tinha sido entendido - como me apercebi (uma outra vez) da força
comunicacional de uma demonstração experimental. Uma experiência oportuna «agarra»
um público (e quantas vezes convence) ainda que com meios limitados.

3. Um pouco de história

Os professores de Ciências sabem disto há muito. Já no século passado clamavam pela


necessidade urgente do ensino prático (primeiro manipulações pelo lente ou preparador,
depois manipulações pelos próprios alunos) quando o tédio e o estupor das plateias que
seguiam as dissertações lidas como que de um missal se corporizou de forma insustentavel.

Os químicos dizem que um químico «pensa com as mãos»; rapidamente a experiência, de


apoio comunicacional eficaz, passou a elemento fulcral de formação de uma classe
profissional em ascendência social. A prática surgiu assim como parte da disciplina, ou
melhor dizendo, a prática também era disciplina.

Qualidades como destreza manipulativa, coordenação e precisão de movimentos, domínio,


controle, concentração e argúcia, vieram reunir-se, pedagogicamente, ao antigo universo de
saber literário, tanto mais próximo do conceito de «sábio em Química» quanto distanciado
do conceito de «Químico».

Afirmava Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, o primeiro lente da cadeira de Química


Geral e noções das suas aplicações às artes, criada em 1837 na Escola Politécnica de
Lisboa, no livro que elaborou para apoio às lições do dito curso, em 1850, que somente
quando as mãos dos alunos se achavam «habituadas às manipulações químicas e a sua
inteligência à interpretação dos fenómenos», então se encontravam em condições de
«completarem os seus conhecimentos científicos pela leitura dos bons tratados e memórias
de Química, e principalmente pela sua própria reflexão». E rematava: « É só então que se
pode dizer que estes alunos passam a ser químicos».

Os laboratórios escolares proliferaram, forçados pelas necessidades pedagógicas e


reforçados pela imensa credibilidade nos avanços da Ciência e no progresso da Indústria.
Eram verdadeiros locais de culto. Culto da ciência, do espírito, da ascese e do
aperfeiçoamento, (uma herança alquímica?) da excelência e maestria. Nos cursos práticos,
o professor era o mestre que observava as qualidades e acompanhava os percursos. Uma
certa aura de mistério reforçava a respeitabilidade que o envolvia. O mestre detinha sempre
um segredo . Um mestre representava a perfeição. Os laboratórios eram locais de
comunhão.

4. Uma dúvida

Quando o sonho dourado do progresso científico e tecnológico se começou a desfazer, entre


fumos e maus cheiros, bombas atómicas e guerra fria, e os clamores da defesa do equilíbrio
ecológico e da preservação do mundo natural atingiram finalmente as periferias, a Ciência
entrou em crise na opinião pública. Apostou-se então no papel correctivo da mesma em
relação aos estragos que produzia, e para os nossos programas escolares «saltaram» os
temas quentes da Sociedade, como as questões do esgotamento dos recursos naturais e
energéticos, da poluição, da qualidade de vida ambiental, do esclarecimento ao consumidor.
Para tudo isto a Ciência tinha solução - a marcha dos prodígios continuava.

A relativa frieza com que os alunos actualmente encaram o papel da Ciência na resolução
de problemas na Sociedade não deixa de provocar algumas perplexidades a quem foi
educado tomando-a como um valor a defender e a preservar. Em algum momento da
comunicação entre professor e alunos, a mensagem apelativa da Ciência falha, mesmo
podendo ainda explorar-se o anelo do experimental.

A experiência parece assumir então uma função lúdica, que se esgota em si mesma. Não há
dúvida de que é desejada (a insistência com que os alunos solicitam a realização de
demonstrações é disso prova) e apreciada (os aplausos e ovações que por vezes as rematam
assim parecem evidenciar). A dúvida permanece, contudo, ao nível da eficácia da
comunicação - conseguiu-se prender a atenção do receptor, mas será que a mensagem
passou? Porque há uma mensagem. Um professor tem sempre uma mensagem.

A dúvida agudiza-se ainda mais, quando se passa ao domínio das manipulações directas.
Concentração, domínio psicomotor, destreza, correcção e perfeição, responsabilidade e
respeito parecem ter sido erradicadas definitivamente da praxis dos que experimentam.
Porque nestas ocasiões, a maioria não experimenta, brinca, e não compreende tão pouco a
validade destes termos naquele contexto.

5. Uma questão

A questão centra-se no enquadramento do experimental no ensino das Ciências Físico-


Químicas. Os novos currículos flexibilizaram a ortodoxia dos conteúdos programáticos,
criando as vertentes tecnológica e social, de acordo com uma concepção CTS de Ensino da
Ciência actualmente dominante neste âmbito. Os conhecimentos e competências a adquirir,
abarcam por isso, não só o domínio da Ciência, como também o da Tecnologia e o da
Sociedade.

Assumindo, fundamentalmente por experiência e constatação pessoal, que o «chamamento»


para a Ciência atravessa um período difícil, que se reflecte necessariamente na área do seu
ensino, perturbando o processo de ensino/aprendizagem das mais variadas formas, das
quais a propensão para se reduzir o papel do experimental ao seu aspecto lúdico é apenas
um exemplo, pergunto se precisamente as vertentes tecnológica e social não poderão
contribuir para se recuperar a mensagem científica de volta ao seu lugar formativo.

Uma simples experiência de oxidação-redução como a anteriormente descrita, aplicada


normalmente num contexto de aprendizagem das transformações químicas, tem, por outro
lado, possíveis cenários e enquadramentos tecnológico-sociais, dos quais apenas o
processamento mineiro foi um exemplo. Se uma das grandes orientações curriculares é a
formação para a cidadania, então estes enquadramentos assumem sem dúvida papéis de
relevo. Eventualmente até se poderá objectar que não são enquadramentos mas realidades
em si mesmas, abarcando isso sim, por serem mais abrangentes, a própria actividade
científica.

Nesta perspectiva, deverá esperar-se que o ensino de conteúdos científicos solicite sempre o
acompanhamento de uma envolvência cultural, que o enriquece e legitima, revelando o que
eles têm de carácter humano. Sucessos e insucessos, tentativas e erros, interesses e
aspirações, crenças, políticas e ideologias, altruísmos, virtuosidades e sacrifícios, e tudo o
que o Homem é capaz de projectar nas suas realizações, passam a constituir assim uma
parte importante do ensino da Ciência.

Neste sentido, a História e a Ciência tornam-se intimas colaboradoras, porque só com uma
indagação histórica se torna perceptível a dimensão do social na actividade científica. Desta
maneira, poder-se-á esperar, que tal como a experiência do prego de ferro em sulfato de
cobre aquoso, serviu para uma melhor compreensão de factos históricos ligados à origem
de um bloco de cobre, ou seja, a Ciência apoiou a História, também a História possa apoiar
a Ciência ?

Epílogo

A intenção foi apenas lançar no papel temas da Cultura, da Natura, da Experiência e do


Ensino. Utilizando cenários muito pessoais, o texto que a partir daqui se desenvolveu,
procurou discutir questões a eles associadas e interceptá-las numa perspectiva educativa.

Em primeiro lugar, abordou-se a antonímia Cultura - Natura (assim mesmo, como


oponentes irremediavelmente ligados pelo Homem no esforço de apreender o Real): um
«curioso» visita um museu, para observar um artefacto, detendo já, no seu imaginário, a
história dele (ou pelo menos, alguns factos e aspectos históricos com ele relacionados).

Fez, por isso, o oposto ao que sucede à maioria dos «curiosos» - primeiro soube e depois
viu Ŕ que primeiro vão ver, para depois também saber. O efeito foi de impressionar e
deixou o visitante a meditar sobre o alcance da comunicação dos objectos expostos - os
objectos também têm uma linguagem, e «falam-nos» tanto mais quanto mais sobre eles
sabemos.

Um objecto natural, para o qual a Criação não foi generosa, transfigurou-se, ganhou brilho
próprio, como estrela de cinema que dita o seu próprio padrão de beleza, expoente máximo
de sedução. Aqui, onde a Cultura fez a diferença, uma questão se coloca, deixando em
aberto todo um mundo possível de relacionamento entre agentes educativos, como escolas e
museus: - Quando se estudava a Natureza pretendia atingir-se o cultural; conhecendo o
cultural. não poderemos atingir a Natureza?

Em segundo lugar, a Experiência: introduzida como «coisa que se vive» - algo que se
encontra na esfera do individual Ŕ passou por um estado intermédio de «coisa que se
utiliza», para finalmente se estabilizar em «coisa que se comunga», ficando deste modo a
incorporar a esfera do colectivo. Permaneceu a dúvida, em relação à actualidade, sobre o
verdadeiro impacto educacional da mensagem científica.

Reuna-se agora estes temas em torno do acto de Educar. Quem educa? Ŕ um Mestre. Com
base em quê? Ŕ Experiência. O que resulta? Ŕ saber comungado, socialização, ascese.
Educar é cultivar. Revelar o mundo natural , assim como o civilizacional já foi modo de
cultivar.

Comungar com o Natural deixou de ser modelo. Comungar com o Cultural também, onde a
cultura foi civilização, e o civilizar se revelou em domínio e imposição. Ninguém comunga
com base numa imposição. Esta inibe os afectos, elimina a ascese, impede a valorização.
Refaça-se o exercício em torno do acto de Ensinar. Quem ensina? Ŕ professores. Com base
em quê? Ŕ experiências. O que resulta? Ŕ saberes comunicados, apreensão, conhecimento.
Ensinar é cultivar?

O problema do Ensino da Ciência é um problema de Sociedade. Já não somos mestres, mas


ainda queremos educar. Em cada professor persiste o desejo de marcar, transformar,
influenciar, mas passamos a maior parte do tempo a tentar convencer. A experiência
pessoal de alguns anos de docência permitiu constatar a falta de adesão a um «ideal
científico». Já não se comunga com a Ciência. Como vamos resolver este problema?

BIBLIOGRAFIA

BARATA, João Augusto; MONTEIRO, Severiano – Catálogo Descritivo da Secção de


Minas. Grupos I e II. Lisboa, Imprensa Nacional, 1889 (Exposição Nacional das Indústrias
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Lisboa, Instituto Piaget, 1992.
GUEDES, Maria Estela Ŕ Evoé ou Relato da Viagem ao Brasil. Lisboa, 1998.
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Mineral da Escola Politécnica de Lisboa (1884 – 1894). Lisboa, Livraria Escolar Editora,
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cabeça e mãos? Laboratórios de Química em Portugal (1772 – 1955). Lisboa, Livraria
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RUA FIGUEROA, Ramon Ŕ Minas de Rio-Tinto. Estudios sobre la explotacion y el
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1868.
* Texto publicado como Anexo II de COELHO, Adriano Pinto et al Ŕ A exploração dos
recursos naturais brasileiros: intervenções educativas no âmbito do projecto CulturaNatura.
In Maria Fernanda Correia et al (coord.) Ŕ Portugal – Brasil: Memórias e Imaginários.
Congresso Luso-Brasileiro. Actas – Volume II. Lisboa, Grupo de Trabalho do Ministério da
Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, pp. 502 A - 507.
A CIÊNCIA E OS SEUS OBJECTOS -
ISABEL SERRA

O REINO DE DEUS, OS TRÊS DA NATUREZA E O


DE PORTUGAL - ANA LUÍSA JANEIRA [1]
RESUMORESUMO

Talvez surpreenda ou intrigue, mas o Bloco de Cobre Nativo, que enobrece


significativamente as colecções do Museu Nacional de História Natural da Universidade de
Lisboa, vai ser escolhido como motivo primeiro de uma itinerância através de conceitos
pertencentes ao sistema epistémico que envolve o mundo, onde acontece o seu
descarregamento no porto de Lisboa, provindo de Cachoeira, na Bahia, em 1782, e as
condições globais que rodeiam o conteúdo da sua pomposa lápide, ou seja a segunda
metade do século XVIII.
Intinerância que se justifica dentro de um contexto pelo qual se espera servir formas de
reequacionar aspectos da modernidade, com vista ao século XXI. Na verdade, as
metamorfoses que foram acontecendo de então para cá sugerem a necessidade de rever
dicotomias vigentes, reavendo perdas na configuração epistemológica actual.

O REINO DE DEUS [2]

No momento da chegada ao Real Museu do Paço de Nossa Senhora da Ajuda, sua primeira
morada lisboeta, a sala, onde se encontra o Bloco de Cobre Nativo actualmente, a quem já
tinha pertencido e para que servira?

Fizera parte do Noviciado da Cotovia (1603-1759) e ficava nas traseiras de um dos


claustros. As instâncias e os fundamentos, que possibilitam correspondências entre a forma
como o espaço se organizava e o modo como os discursos emergiam no interior desta Casa
da Companhia de Jesus facultam percursos onde surgem situações epistemológicas
complexas, como sejam relações bem determinadas entre os saberes, as ciências e o Reino
de Deus. Situado no alto do Monte Olivete em Lisboa - zona criteriosamente escolhida - o
Noviciado da Cotovia estava rodeado por uma cerca, um pomar e uma horta. Além disso,
olhava sobranceiro quintas e montes (Norte e Oeste), a cidade (Este), o rio e as naus (Sul).
Ao tomar a forma de uma quadra com um pátio espaçoso no centro segundo o projecto
arquitectónico inicial, o edificio reproduzia, com dimensões menores, o Colégio de Jesus
em Coimbra. Organizado a partir de duas partes opostas, estas áreas estavam sujeitas a uma
hierarquia: - a área da acção do Espírito ocupando toda a frontaria; - a área das actividades
do corpo e da alma localizada nas traseiras e corpos intermédios; - os corredores serviriam
para a vigilância (síndico) e permitiriam a circulação entre as partes opostas. O espaço geral
seria geométrico, contínuoe reuniria dois corpos acopulados (parte da frente e traseiras). As
áreas assinaladas mantiveram-se no edifício construído. Porém, como a quarta ala, que o
deveria fechar, nunca foi erguida, a adaptação às carências financeiras nâo evidencia, tanto
quanto seria de esperar, a oposição e a hierarquia desejada e idealizada, desde sempre. O
pólo central e o eixo vertical do edifício situavam-se na Igreja, maior área independente e
maior volume; o equilíbrio, medido na simetria (direita e esquerda), comportava ainda dois
centros geradores secundários: os claustros. A área da acção do Espírito ocupava grande
parte da frontaria e assumia o papel de maior superfície. Na Igreja e claustros, o lado direito
correspondia à abertura ao exterior pela frontaria e o lado esquerdo equivalia ao espaço
comunitário. Nesta área predominava a doutrinação pela palavra de Deus, proclamada na
Igreja, nomeadamente durante o ritual religioso, com destaque para os *Exercícios
Espirituais+. A área das actividades do corpo e da alma comportava os cubículos - os
quartos destinados a velhos ou doentes ficavam no pavimento inferior - e as oficinas, o
refeitório e a cozinha. Nesta zona situava-se o espaço comunitário não-social, onde se
provavam as directrizes da palavra de Deus usando a vontade, liberdade e entendimento, ou
seja, a meditação e oração, misto de silêncio e de meio silêncio. No caso concreto do
refeitório, a prática da virtude incluia momentos destinados à pregação e leituras religiosas,
à educação da modéstia e compostura, à aplicação de disciplinas públicas. Este tipo de
organização espacial traduzia e materializava o perfil antropológico inerente ao pensamento
inaciano: o homem é constituído por um composto - o corpo e a alma - aberto ao Espírito.
Tomando como discurso significativo A Imagem da Virtude - escrita por um antigo noviço
da Cotovia, o Padre António Franco, e publicada em Coimbra no ano de 1717 - são de
destacar os enunciados seguintes: - o período de noviciado correspondia a uma provação de
dois anos; - esta provação consistia no domínio do corpo pela penitência, e no estudo da
doutrina cristã ou domesticação da alma pela pregação e pela arte de bem dizer; - logo,
representava um treino assíduo do espírito moldado pelos *Exercícios Espirituais+.
Exercício espiritual concebido, no seguimento da primeira anotação, como uma realidade
ímpar. O Noviciado estava, pois, programado e orientado para desenvolver vocações de
apóstolos destinados ao serviço da Divina Majestade, por várias missões através do
Império. No que respeita o corpo, os noviços são descritos como pessoas de olhos baixos,
calados nas necessidades e temperantes nos ofícios domésticos. Empenhados em
peregrinarem, visitam presos e doentes, comem com os pobres. Quanto à alma, são-nos
apresentados como jovens pacientes e obedientes na aprendizagem dos bons exemplos e
despertos para o estudo de toda a palavra que possa alimentar o progresso com vista à
*Maior Glória de Deus+. Relativamente ao Espírito, o noviciado é identificado com uma
provisão especial de virtudes, enquanto época especial para aquisição de predisposições. A
correspondência entre as regras que determinam a separação e a circulação entre as áreas do
Noviciado da Cotovia e as regras que valorizam a provação do corpo e da alma, com vista
do corpo à acção do e Espírito, é possibilitada pelo sistema epistémico definido nas
Constituções da Companhia de Jesus de Santo Inácio. Na verdade, o discurso instaurador
das diferentes Casas da Companhia consigna a existência de uma dualidade: - a ordem do
ser (ontológica) e a ordem do devir (gnosiológica); - pelas quais se estabelece um composto
aberto ao Espírito. Segundo a ordem do ser, a acção do Espírito é a razão principal de todas
as actividades do corpo e da alma: - a circulação dá-se do Espírito ao corpo e à alma; -
sendo o Espírito que determinará a origem e o fim da Companhia, pois mostra-se
impulsionador da missão, vivida como abertura para o exterior. Segundo a ordem do devir,
as actividades da alma condicionam a acção posterior do Espírito, enquanto condições
vivenciais essenciais e preambulares: - a circulação dá-se no sentido do corpo e da alma
orientados se necessário incluir o treino do corpo e da alma, nos exercícios espirituais.
Neste contexto, os exercícios espirituais seguem a ordem do conhecer - o corpo e a alma
predispõem para a acção do Espírito - mas retiram o seu fundamento primeiro da ordem
inversa, a ordem do ser, que pretendem tornar actuante. Sendo a saúde e a doença um dom
essencial para o corpo. Sendo a virtude um dom predominante do Espírito. Como se
entende o papel da ciência, dom mais ligado à alma? Embora o estudo das humanidades
(latim, gramática, retórica, artes ou ciências naturais, etc.) só fosse feito depois da
provação, nomeadamente nos colégios, a perspectiva epistemológica exige que se deslinde
quais são e como se fundamentam as relações entre a propedêutica da virtude e o estudo das
humanidades. Propedêutica da virtude: banir as afeições desordenadas sob acção da
vontade e do entendimento (noviciados). Construir uma formação humana e cristã. Pôr à
prova o afectivo e volitivo. Estudo das humanidades:desenvolvimento das actividades
racionais e da especulação, como meios e não como fins (colégios). Informação
humanístico-cristã. Treino intelectual. A virtude ajuda ao desenvolvimento da ciência. E a
ciência só adquire sentido quando serve a virtude

OS REINOS DA NATUREZA [3]


No momento da chegada ao Real Museu do Paço de Nossa Senhora da Ajuda, sua primeira
morada lisboeta, a sala, onde se encontra o Bloco de Cobre Nativo actualmente, a quem
pertencia e para que servia?

Pertencia ao Colégio dos Nobres (1761-1837) e deveria servir para uma aula de escrita. Na
altura em que deixou de ser a primeira e única escola oficial portuguesa habilitada com um
ensino de ciências (extinto em 1772), o Colégio dos Nobres apresentava uma identificação
e distribuição dos espaços onde é nítida a preocupação de disciplinar e de singularizar o
tempo quotidiano de professores e de alunos, segundo uma organização com quatro séries
distintas, embora não hierarquizadas. A série educativa religiosa (andar térreo) visava a
disciplina geral do individuo, através da aquisição de hábitos cristãos. Centrada na Igreja,
maior volume da série, as actividades anuais do Colégio começavam com os Exercícios
Espirituais e prolongavam-se por exames interiores, com destaque para o exame de
consciência em face da Divina Majestade. A série educativa física (andar térreo) visava o
desenvolvimento, o aperfeiçoamento e o embelezamento do corpo, pela cultura física.
Dispunha de um refeitório (maior superfície no edifício central), de um picadeiro (maior
volume total) onde o exame contava às vezes com a presença do Rei, e de aulas de desporto
(esgrima, florete, etc). A série educativa literário-científica (andar térreo e andar superior)
visava a informação e formação preliminar nas letras e ciências. Dispondo de salas para
aulas (Gramática, Retórica, Grego, Filosofia, Línguas, Matemática, Física, Desenho) é
digno de destaque a existência da Sala das Grandes Máquinas da Física e da Biblioteca (21
andar), onde era privilegiada a impressão de livros de Matemática, e da Casa dos Actos
(maior volume), onde os exames contavam, por vezes, com a presença do Rei. A série das
séries (frontaria) visava servir um sistema autosuficiente e autoregulado. O controle e
vigilância exercia-se nos torreões, pela presença da polícia e nos cárceres.O internamento
comportava uma camarata, casas de habitação dos professores, etc. Os espaços vazios
(exemplo, o pátio, maior volume da série) são integrados num sistema fechado. Estas
quatro séries traduzem, pela sua distribuição espacial, um perfil antropológico de tipo
iluminista: o corpo (série educativa fisica), o intelecto (série educativa literário-científica) e
a razão, enquanto prática moral (série educativa religiosa) ou enquanto ordem soberana e
universal (série das séries).
As obras pedagógicas da época, a intervenção consecutiva do Governo através de
legislação e os relatório anuais feitos pelo Director-Geral dos Estudos revelam uma
produção discursiva, onde emergem alguns enunciados sobre a ideia de ciência que
orientava a iniciação feita no Colégio. Ideia que se perfila, quer por aquilo que nega
(perspectiva negativista), quer por aquilo que propõe (perspectiva positiva): - descrédito
face à erudição livresca, - expectativa prestigiante perante as ciências exactas.Para tal
entusiasmo concorrem principalmente o lugar de destaque ocupado pela Física e pela
Geometria e a importância atribuida às novas técnicas e novos aparelhos. Vejamos a
distribuição deste ensino segundo alguns anos lectivos: 1767 - início do ensino de
Matemática e do privilégio de impressão de livros de Matemática; 1768 - início do ensino
de Algebra e de Física Experimental; 1769 -suspenção do ensino da Física, porque não
havia aulas de Geometria; 1772 - abolição do ensino científico. Muito embora fosse este o
contexto, segundo informações colhidas no livro de Rómulo de Carvalho, pode dizer-se, em
síntese, que a Física e a Algebra só funcionaram dois anos; a Geometria e a Aritmética só
funcionaram três anos, entre 1766 e 1772. Para marcar ainda mais e de uma forma mais
incisiva como era a sua situação de crise permanente e de inoperância completa, retiramse
estes dados: dos cinco alunos que frequentaram o curso completo, dois não foram para a
Universidade de Coimbra, dois foram para Direito e um só foi para a Faculdade de
Matemática. Segundo Rómulo de Carvalho, uma das causas que terá motivado
grandemente este insucesso-catástrofe provém da ciência moderna dever conjugar
observação experimental e exploração teórica elementar, havendo poucos professores
preparados para tal. Embora iluminados e obscurecidos pelo fulgor de Locke e de Newton,
interpretados segundo teses experimentalistas, embora defendendo ideias novas, os
mentores desta instituição - fortemente ecléticos e inclinados para sobrevalorizarem a
prática, a experimentação e o a posteriori - contribuiram para que a vida e a morte do
ensino das ciências, pois permaneciam vitimados por um debate de fundo. Escondido, este
debate nunca recebeu deles o aprofundamento que merecia: - qual é o lugar da teoria e da
prática no avanço do método experimental? - qual é a importância dos a priori e dos a
posteriori na teoria do conhecimento? Neste momento, avance-se que, para além de muitas
outras causas e de tantas outras condições (decadência institucional de tipo político-social),
o Colégio dos Nobres, ao ver extinto o seu ensino científico em 1772, nunca poderia ter a
oportunidade de beneficiar do período crítico de Emmanuel Kant (1770-1790),
nomeadamente na definição do juízo sintético a priori, que viria a colocar a questão e o
debate no seu devido lugar. A correspondência entre as regras que organizam o espaço
segundo as quatro séries analisadas e a lógica que preside ao discurso abrindo lugar para o
ensino das ciências só por três anos, é possibilitada pelo sistema epistémico que passo a
definir, a partir dos Estatutos datados de 1761. Este sistema mental funciona segundo
conexões que determinam três níveis, três relações e três pólos privilegiados: - a natureza
educa-se, - para se conseguir uma elite educada e ordenada é preciso capitalizar esforços
pelo internato, - educar pressupõe um léxico disciplinar, que inclui o ensino das ciências e
visa uma normatividade social. Que disciplinas cientificas eram ministradas no Colégio dos
Nobres? As disciplinas científicas previstas pelos títulos 9, 10 e 11 eram a Matemática, a
Arquitectura Militar, Civil e o Desenho, a Física Teórica e Experimental. Todas pertencem
à razão segundo a árvore da Encyclopédie, embora a Arquitectura inclua também a
memória e a imaginação. O estudo da Matemática, reconhecido como importante para a
milícia (Terra e Mar), incluía um ano obrigatório; no caso da carreira das armas, três anos
obrigatórios. Os estudos eram distribuídos em aulas teóricas e aulas teórico-práticas
(problemas). A actividade deste ensino exigiu traduções e impressões de que o Colégio
tinha o privilégio em Portugal. O estudo da Arquitectura implicava a aquisição de
conhecimentos úteis para projectar e edificar fortificações, e a informação pormenorizada
sobre medidas e projecções: de manhã, aulas especulativas, de tarde, prática de desenho. O
estudo da Física (Física Experimental só para os que iam para Medecina) comportava o
valor da História da Física, para instruir e não para ostentar, transmitindo só o que é sólido
e proveitoso. Ultima parte da Filosofia, o estudo da Física deveria limitar-se ao
demonstrado ou experimentado, pela Geometria e o Cálculo. As aulas eram acompanhadas
de experiências e demonstrações. Para o efeito, possuía o melhor Gabinete de Física na
Europa, com aparelhos comprados na Inglaterra ou feitos propositadamente pelo célebre
construtor, Joaquim José Reis. Este equipamento transitou para a Universidade de Coimbra
em 1772. O substrato natural de cada indivíduo, mesmo quando ele é nobre, necessita de
uma intervenção cultural, luz a iluminar a mocidade. Nasce-se nobre. Porém, o verdadeiro
nobre é-o por educação.A disciplina do corpo e do entendimento pressupõe um período de
internamento, isto é, um espaço confinado e um tempo organizado, como acontece no caso
da camarata, aproveitamento do espaço e investimento no tempo. Na verdade, numa
camarata, uma só voz pode e deve controlar todos. A situação de internamento encontrava
tradição em Portugal: bem sucedida (Escola de Sagres), mal sucedida (Colégios de Dom
Manuel e de Dom João III). Qual o contributo que se pode esperar das ciências? Organizam
um país, organizam um exército. Porquê?

Porque se opõem ao ócio e à desordem. Porque defendem o método e os hábitos de


trabalho. O exercício intelectual por meio das ciências impõe regras e pressupõe leis. O
rigor científico serve para organizar, controlar, gerir, capitalizar o espaço e o tempo reque-
ridos pelo Iluminismo. A par disso, a modernidade favorece a necessidade, por vezes
trágica, de colmatar incertezas com artificialismos de segurança, procurados por várias vias,
nomeadamente através de colecções, como se verifica na Universidade de Coimbra
reformada (!772). Este tipo de coleccionismo, com facetas várias, viria a desembocar numa
outra prática da mesma família - o consumismo de mais recente existência. O
coleccionador, seja ele movido por simples amadorismo misturado com prazer lúdico, ou
por interesses de descoberta mais especificamente científicos, insiste em signos concebidos
a partir das coisas e nos seus modos de representação, e persiste no fascínio cumulativo,
reunindo naturalia (produtos dos Três Reinos) ou artificialia (armas, medalhas, relógios,
antiguidades, instrumentos, etc.). Nuns casos, predominam preocupações dirigidas pela
desejo de captar a distribuição lógica que corresponde ao sistema da natura e da cultura,
noutros casos sobressai a descrição enumerativa. Aqui importa inventariar. Ali importa
sintetizar. O ecletismo entre engenho e arte, a síncrese entre arte e natureza, destinam-se a
uma unidade onde se concretiza uma tabela axiológica, mistura de raridades e curiosidades:
o estranho, o insólito primam pela sedução. A inteligibilidade das coisas serve-se de uma
categoria: o espaço. Herbários. Mesas com minerais. Frascos com animalia exótica. Caixas
de medalhas. Séries de retratos. Espacializam-se as coisas. Espacializa-se o mundo.
Enquanto isso, o tempo continua ausente ou pelo menos bastante escondido. O sistema (o
todo obtido através das partes) mais ligado a Aristóteles, ou o inventário (descrição
exaustiva), dependendo da tradição nascida com Plínio, são maneiras de representar que
fazem intervir a ordem dos coexistentes, à margem do que virá a ser, posteriormente, o
predomínio da ordem das sucessões. Pensar é espacializar e espacializar é classificar. Por
um lado, as regras que presidem à colecção decorrem da abundância com que a realidade se
mostra por via dos Novos Mundos. Por outro lado, o choque produzido pela luxúria das
coisas exóticas (exótico = aquilo de que não se ouviu falar, de que se não percebe a fala)
exige um esforço de ordem com foros de mathesis universalis. O sistema epistémico
regulador desta expressão - onde o escasso é valorado, como se valora o diferente -
especifica um articulado muito próprio em termos de universo lógico. Com efeito, se é
verdade que o fascínio pelo outro subjaz, também é verdade que, no limite, a colecção
mede-se pela sua capacidade de albergar quantidades e qualidades definidas pelos
contornos do mesmo. Quem organiza uma colecção procura possuir o maior número de
exemplares significativos, muitas vezes diferentes só em pormenores mínimos, no contexto
de uma pletora remissível a um horizonte de semelhança, porque todos os objectos da
colecção possuem pontos comuns. Assim sendo, estamos perante uma realidade fechada,
contendo um mundo aberto, onde seres naturais ou artificiais (pouco importa) se misturam,
sempre que apresentem características de maravilhoso: do invulgar ao extraordinário. As
provas de capacidade requeridas na escolha (quem selecciona), na manutenção (quem
possue) ou no apreço (quem admira) passam por uma função muito precisa - a capacidade
de olha/ver - complementada, em situações experimentais, pela capacidade de observar.
Embora nem sempre aconteça - porque a actividade do *cole-ctor+ corresponde a uma
função que o *coleccionador+ nem sempre assume - esta componente é particularmente
fundamental quando o espírito do coleccionador coexiste com a tarefa de colector, como se
verifica frequentemente nos saberes em torno dos Três Reinos da Natureza. As regras do
sistema epistémico, que criam condições para a emergência deste espírito setecentista,
possibilitam também espaços concretos para as colecções. Câmaras de Curiosidades.
Câmaras de Maravilhas. Como os Observatórios Astronómicos, os Jardins Botânicos, os
Laboratórios de Química, os Museus de História Natural ou os Gabinetes de Física, estas
espacialidades, por mundanas que sejam, preservam saberes e práticas de conhecimento
onde coabitam poderes e prazeres. Galerias, armários e vitrines acolhem representantes e
representações da Natureza, espalhados por quadros, tabelas e caixas. Espalhados. Mas não
desordenados. Porque a descoberta da ordem dos seres, a taxionomia reguladora e a
sistemática estruturante traduzem o desejo de guardar, o desejo de representar, e um
dinamismo cultural tendendo para a necessidade de evocar. Circunstâncias que mobilizam
gestos em favor do dever de tornar público o acto de expor, a exposição. O gabinete toma
como ideal de realização o imperativo de se constituir como resumo do universo, miniatura
do grande espectáculo que é o mundo da criação: divina ou humana. E porque esta é
ordenável, mesmo a nível do (d)escrever, são precisos catálogos e inventários, destinados a
classificar o material. Ordenando o que foi coligido, porque se vê no mundo ou pelo que se
recebe por tradição, catálogos e inventários servem como exemplos de enumeração e de
organização, ao mesmo tempo que revelam facetas e poderes do coleccionador. Por meio
deles, este tem presente, a qualquer momento, como se desenha a *cartografia+ geral do
seu património, ao mesmo tempo que os utiliza para dar a conhecer as *viagens+ possíveis
nos *territórios+ criados pelas suas representações. Daí que estes lugares, onde se acolhe o
que se vê ou se imagina, vão a par com espaços contendo outros objectos a guardar e
salvaguardar - os livros e documentos - e outros modos de mostrar outras maneiras de
fazer colecção - as bibliotecas e arquivos -. É por isso que os Gabinetes de Curiosidades e
as Bibliotecas de Raridades apresentam tantas semelhanças entre si. De um ponto de vista
exterior: pé direito imponente; à volta, junto das paredes, móveis e vitrines; no meio,
vitrines centrais e mesas. Em relação aos conteúdos: construções destinadas a preservar
materialidades que o Entendimento selecciona entre aquilo que a Sabedoria Divina criou e
os produtos onde a Memória, a Razão e a Imaginação inscrevem as suas melhores marcas.
A colecção encontra a biblioteca... L'Encyclopédie fecha o século.

E O REINO DE PORTUGAL
Apesar de bastante ignorados pela História e Filosofia das Ciências, é indiscutível que os
espaços institucionais, onde foram e so produzidas as ciências modernas, têm tido especial
importância para o processo da sua existência e ajudam a inteligir melhor a
contemporaneidade, no seu passado e presente [4] . Este último aspecto poderá ocorrer
quando se usam modelos teóricos capazes de articular, entre si, termos significativos -
como o são edifícios, objectos, metodologias e estratégias do saber/poder - pertencentes a
configurações epistemológicas individualizadas. Ou seja, quando se dispõe de grelhas
descritivas capazes de estabelecer nexos, por exemplo, entre plantas arquitectónicas,
conhecimentos ensinados e diplomas legislativos, de molde a circunscrever a lógica geral
que lhes preside. Quando se aborda a historiografia portuguesa relativa ao posicionamento
do conhecimento sobre os Três Reinos, devemos ter presente os lugares, onde tais saberes
foram construidos, originalmente. Até 1837, as Ciências Naturais eram cultivadas, no caso
da capital, em sítios dispersos: - Gabinete de História Natural da Ajuda, - Jardim Botânico
da Ajuda, - Instituto Maynense, - Academia Real das Ciências de Lisboa. Depois de 1837,
sobressai, deste conjunto, a Escola Politécnica de Lisboa: O Museu Nacional de Lisboa virá
a ser constituido por 2 secções (10 secção - Mineralogia, 20 secção - Zoologia) e terá a
antecedê-lo um importante acontecimento: 1836 - a Academia Real das Ciências de Lisboa
tomara a seu cargo o Gabinete de História Natural da Ajuda. Acrescente-se que: -1839 - o
Jardim Botânico da Ajuda vai ser anexado à Escola Politécnica de Lisboa; -1858 - o Museu
de História Natural da Academia ser-lhe-á também entregue. Os saberes aplicáveis e
aplicados em torno da classificação requeriam modos de estar e modos de fazer, onde
começavam por se destacar: - a viagem do naturalista, - a missão militar. Ao serviço do
saber e do poder, percorriam-se as entranhas das colónias, por onde se alargavam
espacialidades sem fim. Das actividades referidas resultavam vivências muito especiais,
mas no só. Na verdade, elas possibilitavam a localização e recolha de objectos que iam
enriquecer as colecções, para cuja manutenço concorriam trabalhos de descrição e
comparação. Nestes trabalhos os naturalistas eram apoiados por conservadores,
preparadores e ainda por jardineiros, no caso do Jardim Botânico. O perfil humano e
cognitivo do naturalista de oitocentos, a sua informação polivalente e formação
pluridisciplinar permitiam reunir, numa só pessoa (ex: Domingos Vandelli, Alexandre
Rodriguas Ferreira, José da Silva Feijó, Bernardino António Gomes), actividades que
separam hoje, entre si, os biólogos dos geólogos, os químicos dos antropólogos. Além
disso, estipulava-se ainda quanto o gesto de classificar era importante para múltiplos
sectores profissionais. Classificar, dar nome e coleccionar, descrever e comparar, ou seja, o
reconhecimento do mesmo e do diferente, requer uma ordem e organicidade que se
exprimiram: - primeiro, como espacialização - no espaço geral da Natureza, animais,
plantas e pedras foram dispostos e distribuidos numa ordem baseada na descriço externa, o
fora dos seres; - depois, também como temporalização - no volume da dimenso espacio-
temporal, animais, plantas e pedras assumiram uma nova categoria e foram ramificados
segundo vectores evolutivos. De facto, a necessidade de classificar decorria directamente
de um face-a-face com o mundo, onde surgisse o múltiplo, com semelhanças e diferenças.
Havia necessidade de classificar no âmbito dos Três Reinos da Natureza: os seres vivos
foram objecto de classificaçes e estruturados em escalas da Natureza e depois na árvore da
vida. Havia necessidade de classificar os saberes e ciências no âmbito da História e Teoria
do Conhecimento: os entes científicos foram organizados em árvores do conhecimento, por
Bacon, Enciclopedistas e Comte. Enquanto o raciocínio por analogia foi predominante
podia remeter-se a heterogeneidade entre os seres e os saberes a uma entidade una. A partir
do século XVII, o pensamento ocidental precisou de tentar formas de organizaço mental,
fugindo à unicidade e univocidade, e capazes de exprimir novas ordenaçes sistemas de
nomenclatura (Lavoisier) ou sistemas taxonómicos (Lineu). O sistema em causa
considerava que os fenómenos naturais só se tornavam valiosos quando: - eram úteis
cientificamente; - respondiam a interesses materiais da sociedade que os reclamava. Na
verdade, a História Natural dos Três Reinos propunha-se criar conhecimentos aplicáveis à
Agricultura, Metalurgia e Medicina, etc. Mas no só. Simultaneamente e paralelamente,
assumia-se, de modo inequívoco, a misso de criar saberes que constituissem poder
científico e servissem o poder político, nomeadamente no contexto colonial. Em Portugal: -
no caso da Mineralogia, Geologia e Zoologia, o espólio museológico de natureza exótica
provinha principalmente do Brasil, Cabo Verde, Angola e Moçambique; - no caso da
Botânica, as plantas endémicas vindas do Oriente, Mundo Novo e Africa enriqueciam os
jardins da Ajuda e Coimbra. Aliás a rota das plantas, onde Cabo Verde teve sempre um
lugar muito singular, fizera entrecruzarem-se a palmeira e o coqueiro, a pimenta e a
mandioca. A estratégia final concorre para conservar e mostrar as riquezas de um Império,
e concorre também para criar tácticas, através do conhecimento, para dominar outras terras
e outras gentes.
QUESTÕES
DE VERDADE, REALIDADE E
NOMEAÇÃO EM CIENCIA
Paulo Mendes Pinto

Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma
Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1997, [p. 9].

Começarei por especificar o que é que nos traz a este lugar e a esta mesa.

O objecto que aqui é o centro das nossas reflexões e dos nossos estudos é O Bloco
de Cobre; e começo já por fazer uma distinção que me parece essencial: é O Bloco de
Cobre e não Um Bloco de Cobre. E é O e não Um porque é o Bloco de Cobre Nativo e não
outro bloco de cobre qualquer.

O que de especial este bloco de cobre tem é esse como que epíteto que o qualifica
face à sua origem e que define a sua natureza: foi a natureza que o produziu em grau de
pureza e forma aproximada à actual.

Trata-se de uma peça existente no edifício da Escola Politécnica, Faculdade de


Ciências da Universidade de Lisboa, e que, conforme o folheto que distribuído, foi
descoberto em finais do século XVIII no Brasil, e desde logo qualificado como nativo. Isto
é, não forjado pela tecnologia humana. Foi enviado ao governo do reino com dedicatória a
D. Maria I.

A apresentação do objecto está feita, façamos a apresentação da questão.

A interrogação que agora se coloca é a de saber, mediante o seu enquadramento


histórico e a análise da sua estrutura molecular, se ele é ou não Nativo.

Os argumentos apontados são bastante válidos e resultam na constituição de um


quadro de explicação funcional bastante interessante, com um surpreendente sentido.
Mas a questão é que esta interrogação como que despiu o dito Bloco de Cobre
habituado ao seu revestimento de Nativo. Será que o dito Bloco de Cobre perde o seu
interesse sendo des-rotulado de Nativo?

Ou melhor, será que é efectivamente importante a busca de uma total contradição


entre a um possível quadro de fraude tecnológica e uma aparente qualificação que
supostamente afastaria esse quadro?

Será que é nessa aferição que reside o interesse actual do Bloco de Cobre?

Ora, nesta breve abordagem vou ser, deliberadamente, um pouco provocatório.


Começarei por relançar a questão anterior e que aqui pode encontrar algum desconforto:

Qual é o interesse da peça que aqui nos traz? Ou melhor, o interesse científico da
peça reside na aferição de saber se ela é, ou não, Nativa?

Dois posicionamentos começaremos por distinguir na nossa postura e que são a


condição base do nosso pensamento. Por um lado a peça teve o seu tempo, o seu momento,
enquanto eficácia e funcionalidade em que ela própria foi um discurso que se afirmou
enquanto Bloco de Cobre Nativo; Por outro lado, e neste preciso momento, no ano 2000, a
funcionalidade dela reside apenas no facto de ser o alvo das nossas deambulações teóricas.
Isto é, o Bloco de Cobre Nativo surgiu no tempo e no espaço, que o baptizou dessa forma,
com uma funcionalidade específica que, inevitavelmente, não é a mesma que transporta
dois séculos depois. Isto é, a funcionalidade política, social, etc., de Bloco de Cobre Nativo
com que nasceu já não existe.

Agora, para o nosso actual discurso científico, qual é efectivamente o interesse


deste Bloco de Cobre Nativo?

Ora, para mim, o interesse não reside minimamente na busca da verdade e da


legitimidade da aplicação actual e contemporânea do vocábulo Nativo. O objecto nasceu
discursivamente enquanto tal, de tal forma foi vincada a sua personalidade nesses fonemas
que assim viveram dois séculos. Portanto, este nome é a simples verificação de que a
funcionalidade histórica Bloco de Cobre enquanto Nativo foi a que se efectivou.

Assim, este caso é um perfeito case study sobre a questão da própria validade do
discurso científico, das suas formas, dos seus objectivos e, acima de tudo, das suas
variações e riqueza.

Como se pode ter verificado até este momento, o meu interesse nunca seria o
aplicar a este Bloco de Cobre uma suposta lógica de Verdade.

Talvez esta aferição entre o Verdadeiro e o Falso, que aqui tem um excelente
exemplo, até seja inválida; Talvez seja na sua superação que o discurso científico encontre
a sua riqueza e a sua complexidade cada vez mais desejada.
Desde Galileu e Descartes que nos habituámos à relação directa entre Verdade e
Realidade. Neste sentido, a Ciência sempre tem sido uma busca da Verdade através da
Realidade.

Ora, cada vez menos esta relação é, ela sim, verdadeira, linear e livre de
complexidade. Verdade e Realidade são campos de definição impossível de aferir e de
atingir mediante os pressupostos cartesianos de exclusibilidade.

O campo da pesquisa científica cada vez menos atinge esses pressupostos de


suposta cientificidade. E cada vez menos os atinge porque é a própria pesquisa científica
que os torna obsoletos, incapazes de responder à complexidade que foge ao esquema linear
de causa-efeito.

Nas Ciências Sociais e Humanas esta alteração de pensamento efectua-se


essencialmente a nível da caracterização da noção de representação. No limite, nada é
constatado enquanto si próprio, mas sempre enquanto representação. Logo, nada é, vez
alguma, tomado na sua verdadeira dimensão.

Assim, a suposta identidade que tudo tem ganha um relevo bastante grande. As
formas de conhecimento e de tratamento da identidade das Ŗcoisasŗ são, desta forma,
acesso directo à própria coisa pois a representa e, ao mesmo tempo, a sintetiza.

Mas, mesmo no campo do conhecimento da identidade, talvez pouco se possa


passar da compreensão de enunciados, verificação de fenómenos e aproximações
supostamente reais, quase sempre do campo do virtual.

Enunciar, dar um nome, identificar através de um conjunto de fonemas, nunca foi


apenas um acto e modo de transportar aquilo que é representado para outra dimensão que
não a da sua existência; enunciar reside no campo das representações e das interpretações
que, mesmo sem querer, implicam a marca do fotógrafo e do leitor, do
representador/representante, do actor e do receptor. Enunciar é, realmente, como vocábulo
indica, um enunciado e não uma cópia.

Enunciar é, também, uma forma de comunicação que, recorrendo a um sujeito


representado, apenas dele toma parte para dele partir num sentido cognitivo e
representativo próprio, mais do reprentador que do representado. Mais, quão poucas vezes
o representado foi responsável por qualquer das suas representações.

Identidade é, assim, um labirinto de multiplicidade de representações cénicas


tomadas enquanto realidade, que o não é para o representado, mas que tal assume pelo
sentir do representante, pleno dono, de direito, da imagem que coloca no circuito de
comunicação.

Aqui, na atitude do representante não consta qualquer vínculo à natureza do


representado, nem mesmo a tal subjaz alguma declaração de direitos de autoria ou
procuração, mesmo que pré-datada ou efémera. O representado não sabe do facto de o ser,
nem supõe, e muito menos domina, os mecanismos e sensibilidades que para tal serão
abarcados.

Identidade é uma formulação que raramente parte do representado, que quase


sempre é vontade e estímulo do representante. Tudo o resto é etnografia; isto é, relações
categoriais em que os representados são como que h(i)eraldicamente catalogados e
rotulados de acordo com os acasos dos discursos dos representantes e, mais interessante, a
essas especificidades exteriores passam a ser identificados. Muito vulgarmente, a essas
representações chamamos Realidade, quando dela apenas têm o impulso inicial da
construção mental efectuada pelo dito representante; essas imagens podem mesmo diferir
bastante daquilo que supostamente pretendem transmitir.

Assim, o que é realidade, e o que é nomeação, ou representação? Pelo que antes


Ŗrepresentámosŗ de realidade e de representação, realidade é uma vida exterior do signo ou
da dita realidade, em si mesma tomada, se bem que tal nunca possa suceder.

Realidade são as versões, donde realidades, representadas e que dela são imagem
reconhecida pelo receptor. A imagem, para o ser, necessita mais dos dois interlocutores em
questão que de si própria.

Aqui, o código discursivo é a forma essencial para que o discurso entre


representante e representado mantenha a aparência de realidade, se bem que nunca a tome:
aquilo que é representado não necessita de ser a realidade, desde que os interlocutores
compreendam a mensagem; o representante e o receptor é que de tal necessitam para
conseguir estabelecer diálogo, sem o qual nenhum deles saberia do que falava - quer o
outro, quer ele próprio. Esse código que possibilita a compreensão é a fórmula resolvente
do diálogo.

Enquanto ser amorfo, metálico e sem vida, escusado será dizer que o Bloco de
Cobre nunca pediu para ser Nativo. As representações do dito é que tal afirmam Ŕ ele não é
tido nem achado para a questão.

O diálogo funcionou enquanto o(s) representante(s) e o(s) receptor(es) acharam que


o Bloco era, realmente, de Cobre Nativo; quando tal algum deles o não afirmou … instalou-
se o caos cognitivo.

Ai, se o código não afere os discursos, reza-se à Sacro-Santa-Sciencia para a


interpretação correcta da realidade: exames para prova de veracidade. O que aqui
pretendemos mostrar é que tal questão nada trazia ao sujeito em questão. O Bloco de Cobre
nem muda de cor pelo facto de ser Nativo, ou autóctone de outra qualquer mater
tecnológico-científica eticamente menos correcta.

Mais, ele foi, de facto, um Bloco de Cobre Nativo. Ele foi Bloco de Cobre Nativo e
como tal viveu, funcionou, existiu e teve significado. Só isso lhe possibilitou o simples,
mas essencial, facto de ter chegado até nós. Tal não significa que fiquemos a saber, ou não,
se ele é fruto da natureza ou de hábil manipulação humana; o facto é que ele deve ser Bloco
de Cobre Nativo, seja-o, ou não. É isso que mostra o facto de ter sido esse o nome que
perdurou, que se identificou com ele, que dele passou a ser identidade, ou melhor, que
dessa entidade passou a ser identidade.

Estou a resvalar, como já antes apontado, para um tratamento negativo de um tema


muito querido à nossa cultura ocidental. Como já disse, quando aprendemos matemática, a
alguns princípios nos habituamos. Mas, conhecê-los ajuda-nos a refutá-los e a compreender
parte da sua plasticidade Ŕ afinal, retoricamente, que é onde esses princípios ainda se vão
afirmando, um princípio cognitivo é o que é porque advém da tradição; tal como ele o é,
outro o poderia ser, e desempenhar o seu papel. Esses princípios são o da ŖNão
contradiçãoŗ e o do ŖTerceiro excluídoŗ.

Naturalmente que, se de factologia se falar, há possibilidades de justificação e/ou


compreensão da causalidade do seu nascimento: apalermar/emocionar e convencer um
ministro menos interessado em fomentar pesquisas naturalistas no Brasil Ŕ a decorrência já
ele sabia: Independência ou morte! Era a inevitabilidade do discurso aberto e quase
científico dos naturalistas e da descoberta das potencialidades naturais, ou melhor, proto-
nacionais. É a inevitável relação entre ciência e política que sustenta a nossa actividade e
que só, representativamente, afirmamos não existir.

Acabando, só o facto-discursivo Bloco de Cobre Nativo lhe deu existência, forma e


funcionalidade, um nicho e um enquadramento. Só isso fez com que chegasse a nós e
tivéssemos a possibilidade de colocar a derradeira questão: será que o dito cobre é nativo?
(agora, na nossa discursividade cientificizante, já sem maiúsculas que protejam a sua
existência).

Naturalmente que, duzentos anos depois, o Bloco de Cobre será sempre Nativo,
tenha sido encontrado no Brasil, tal como a Mãe Natureza o formou, ou forjado num
barracão qualquer. Representação após representação, a nomeação passa a fazer mais parte
do objecto que a sua própria estrutura molecular interna. Um nome, mesmo quando esse
nome supostamente representa a natureza do nomeado, é parte integrante do ser Ŕ por vezes
mais que ele próprio.

A nível quase museológico a questão até se pode colocar de outra forma; o que é
que tem mais interesse nesta peça: o seu valor intrinsecamente material, ou a sua vivência
histórica?

Ora, o Bloco de Cobre é uma interessante peça porque é um dos maiores Blocos de
Cobre Nativo ou porque, tendo passado por Bloco de Cobre Nativo, tendo como que
assumido essa personalidade histórica, pode ter iniciado e catalizado um movimento social
e cultural que poderá ter conduzido à independência de um dos maiores países do mundo?

É que, sendo Nativo ou não, ele funcionou como tal. Foi esse o seu nome, foi essa a
sua identificação. Foi enquanto Bloco de Cobre Nativo que este bloco de cobre passou para
a História e, acima de tudo, fez História.
O GAIO MÉTODO
Maria Estela Guedes[1] & Nuno Marques Peiriço[2]

(In: Actas do Congresso Luso-Brasileiro "Portugal-Brasil: Memórias e Imaginários",


volume II, Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses, 489-501, 2000)

MARIA I ET PETRO III


IMPERANTIBUS
CUPRUM NATIVUM MINERAE FERRI MIXTUM
PONDERIS LIB. MMDCLXVI
IN
BAHIENSI PRAEFECTURA
PROPE CAXOEIRAE OPPIDUM
DETECTUM
ET IN
BRASILIENSIS PRINCIPIS
MUSAEO
P.
MDCCLXXXII
Preâmbulo

A pesquisa sobre o bloco de cobre insere-se no projecto de investigação dos dois


autores, Ciência extraordinária: espécies críticas e supercríticas, de que já foram
apresentados resultados (Guedes & Peiriço). O seu objecto é o discurso das gralhas, escrita
híbrida ou gaia ciência, que corresponde a um registo criador no discurso científico,
expresso através de gralhas, incongruências, etc., e não é mais do que a linguagem das aves
alquimista.

Se não existisse esse trabalho anterior, que exigiu o estabelecimento de um método


analítico, a história do bloco de cobre seria para nós apenas um acervo de disparates,
devidos à incompetência e ignorância dos pobres sábios do século XVIII e seguintes.

Eu, Maria Estela, escritora e crítica literária, com base nos resultados obtidos,
concluí que o bloco poderá ser de cobre, mas é tudo menos virgem ou nativo, tratando-se de
uma obra de arte: obteve-se cobre artificialmente a partir de reacção entre sulfato de cobre e
ferro (Vandelli, 1782), e depois pode ter passado pelo forno. De seguida, procedeu-se à
montagem artística, dentro de um pedestal de mármore, com inscrição latina gravada sobre
o cobre. O facto de ter sido montado dentro do pedestal subtrai o objecto à possibilidade de
ser pesado e medido, a menos que se profane a sua sacralidade de obra estética, oriunda e
talvez nativa do Real Gabinete da Ajuda, propriedade do Príncipe do Brasil, então D. José,
filho dos reis mencionados na inscrição, D. Maria I e D. Pedro III.

Eu, Nuno, entendo, como químico, que só me posso pronunciar sobre a identidade
do material, desde que a ciência apresente o resultado da análise químico-estrutural que faz
agora precisamente um ano acedeu a realizar. Por agora, o que sinto sobretudo é
perplexidade. Ora vejamos. Na memória que apresentamos a seguir, diz Vandelli (anexo B)
que o bloco de cobre foi obtido por processo de cementação no leito de um rio. Se assim
for, estamos na presença da maior pepita de cobre alguma vez encontrada em qualquer
parte do mundo. E maior não apenas por uns gramas, sim por umas centenas de quilos.
Além disso, resultaria de um acaso extraordinário, e de um processo mais próprio do ouro.
Neste caso, porém, as pepitas são muito pequenas. Tal pepita de cobre possui assim valor
científico e museológico inestimável, podendo mesmo levar a reconsiderações sobre os
processos de cementação conhecidos, como o próprio Vandelli salienta (anexo B). Neste
contexto, o estudo científico do objecto seria de grande importância e até motivo de glória
para o museu que detém a peça. Nada disto aconteceu desde Vandelli. O bloco é exposto
qual Gioconda que no Louvre atrai milhares de visitantes, mas não tem sido objecto de
nenhum estudo pela Ciência. Como cientista, pergunto a mim mesmo: é o medo ou a
incapacidade que leva os geólogos a ignorarem a existência desta maravilha da Natureza?
Incapacidade, não creio, pois as técnicas de espectroscopia, raios-X e microscopia hoje
existentes permitem determinar com precisão a matriz de cristalização do cobre, as suas
impurezas, e dessa forma concluir acerca da sua génese. Até o conhecimento que hoje se
tem dos meteoritos permitiria testar a hipótese de Spix & Martius de o objecto não ser
compativel com nenhuma formação telúrica conhecida, tratando-se portanto de um objecto
extraterrestre.
Não sendo por incapacidade, pode ser medo, mas medo de quê? De que os
documentos sobre o bloco de cobre não passem de uma gozação, à semelhança de paródias
em outras áreas da ciência. Gozação que só pode compreender quem lê um texto científico
de forma crítica e entrelaçada com outras fontes, mesmo que escritas duzentos anos antes, e
isso as escolas de Ciência não ensinam.

O gaio método
A paródia do bloco de cobre é uma entre as muitas que ocorrem na ciência, na
história e nos estudos literários. É a mais antiga que conhecemos, datando de 1782, não
talvez por coincidência do ano da morte do Marquês de Pombal.

O nosso estudo primário incide nos textos científicos e o gaio método é posto em
acção quando neles detectamos anomalias sobre dado objecto científico. Vamos por etapas.

a. Pesquisa bibliográfica

Gaia ciência ou gaio saber - saber alegre - era a arte dos trovadores, também
chamada linguagem das aves. Daí tirámos o nome do nosso método de trabalho. O gaio
método é comparativo: reunimos o maior número possível de textos sobre o objecto
anómalo, para verificarmos como se comportam os autores perante ele e para vermos se há
erratas, comentários ou qualquer explicação.

A pesquisa não tem fim, pois uns textos levam a outros, e as gralhas são afinal um
fio de Ariadne que os autores nos convidam a seguir. Daqui resulta por vezes um xadrez,
em que todas as peças se encontram ligadas por qualquer motivo, seja familiar, político ou
de irmandade em sociedades iniciáticas. A recolha de documentos permanece até que o
objecto estudado se defina num quadro de inteligibilidade. Mas nem sempre é fácil o acesso
a documentos. Os mais importantes para o bloco de cobre não são só os publicados e os
trazidos do Arquivo Público da Bahia, mas sobretudo os do Arquivo da Biblioteca
Nacional, no Rio de Janeiro. Deles só temos, até agora, notícias, resumos ou citações, nos
catálogos de manuscritos publicados nos Anais da Biblioteca Nacional, como se nota na
bibliografia.

Identificam-se os autores e averigua-se que mais escreveram, mesmo quando as


obras nada em aparência tenham a ver com a investigação. Muitos cientistas e exploradores
são militares, membros de governo, sacerdotes e escritores. É imprescindível estabelecer o
conjunto de interesses de cada um, para se compreender a situação social em que o discurso
científico se exerce. Por vezes aparecem marcas esotéricas, o que exige alargamento da
pesquisa a esse campo. Não fazemos qualquer discriminação entre a origem dos textos:
manuscrito ou publicado, literário ou científico, profano ou sagrado.

No caso do bloco, Maria Estela foi ao Brasil. Além de ter participado numa
exploração no município da Cachoeira, promovida pelo Museu Geológico da Bahia,
destinada a averiguar mais uma vez se havia indícios de jazidas de cobre em locais
mencionados pelas fontes como local de proveniência do bloco - Cachoeira, Santiago do
Iguape, riacho Mamocabo, Santo Amaro, Nazaré (vide anexo C) -, também fez pesquisa no
Arquivo Público da Bahia, de onde trouxe vários manuscritos. Publicamos agora um (anexo
A), dos outros damos notícia na bibliografia.

b. Comparação de textos e análise

Parte-se do princípio de que o objecto científico é estável dentro de certos limites,


ou não seria possível à ciência identificá-lo, descrevê-lo e ainda menos ter a pretensão de
estabelecer as leis da Natureza: a altitude de uma montanha, a menos que haja um
cataclismo, não pode ser agora uma e daqui a nada outra; uma ilha não pode desaparecer do
mapa como se nunca tivesse existido; os caracteres de uma espécie não podem mudar de
colheita para colheita, a menos que se trate de híbridos artificiais, monstros ou quimeras;
um explorador não pode ter dezenas de nomes, várias nacionalidades, morrer várias vezes
vezes e coligir antes de nascido.

O espaço em que trabalhamos é o da veridicção, mas revelem-se os factos


verdadeiros ou falsos, nunca há propriamente mentira e a verdade também não é dado
indiscutível. A tarefa mais árdua para nós é saber quais as margens de erro em cada campo
científico, para separar o lapso da informação deliberadamente fantasista, e para isso há que
estudar o assunto e pedir auxílio a pessoas competentes. Nesta altura raramente ele aparece,
e o mais natural é o especialista, certamente sem querer, iludir o problema com uma série
de interpretações: o bloco pode ser um meteorito, pode ter sido arrastado num glaciar, pode
ser uma pepita, pode provir de um filão, etc.. Também pode ser, nesse caso, um presente
das fadas ou uma bola com que brincam os seres incandescentes que vivem no centro da
Terra, quando vêm à superfície respirar. O pode ser e o parece não ajudam, quando provêm
do sector científico cuja competência é justamente a de dizer o que o bloco é. Por isso há
que agradecer a Isabel Cruz que, sem pestanejar com as incongruências documentais, não
só explicou o processo de cementação como fez uma demonstração pública, tal como narra
na sua comunicação a este Congresso.

O Pico de Santa Isabel, em Fernando Pó, tem várias altitudes, compreendidas entre
1400 e 10000 metros; a Chioglossa lusitanica e o Dodó mudam de tamanho e cor, a sua
terra típica varia, são endemismos mas ao mesmo tempo espécies que aparecem muito
longe do seu habitat. No caso do Dodó, dois autores - Damião Peres e Fontoura da Costa -
declaram que a ilha Rodrigues, um dos seus habitata, só existiu na ardente imaginação dos
navegadores portugueses do século XVI. O naturalista Francisco Newton, antes de nascido
já coligira em Timor, nas Celebes e em Java, é tratado por nomes como Frank, Mewton,
Reesetán, etc., morreu em Matosinhos duas vezes e pela terceira quinze anos mais tarde, em
S. Tomé.

Para que serve então a pesquisa o mais possível exaustiva de documentos? - para
comparar descrições e relatos, a ver se os factos anómalos de discurso são fortuitos ou
sistemáticos. O Pico de Santa Isabel tem cerca de 3300 metros de altitude. Números à roda
disso podem considerar-se erros devidos a falhas de instrumentos, mas os disparatados
1400 e 10000 só existem para comprovar que todos os dados altimétricos fazem parte de
um sistema único de comunicação, a gaia ciência. É este sistema o objecto do nosso estudo:
a dado conto, cada autor acrescenta seu ponto, de modo que o conjunto de textos se revela
por fim uma paródia colectiva, em que nada bate certo excepto a paródia como facto de
comunicação.

Que interesse têm os autores em exibir gralhas espalhafatosas? Foi neste momento
que a distinção de Kuhn entre ciência normal e ciência extraordinária se revelou de grande
utilidade - o discurso da segunda, ou gaia ciência, tem por fim ocultar, revelando, ou vice-
versa. Os disparates enunciados sobre o bloco revelam que ele é falso enquanto cobre
nativo, mas verdadeiro enquanto obra de arte. De modo geral, o próprio discurso fornece as
soluções dos problemas, nós é que nem sempre estamos preparados para as descobrir.

O discurso das gralhas passa pelas mutações ortográficas, que constituem um


sistema, por só incidirem na nomenclatura - nomes de pessoas, de espécies e de lugares;
passa pelos cálculos matemáticos absurdamente errados; pela subversão da historiografia;
pela criação de seres e locais imaginários, etc.. Para exemplo de sistema de anomalias,
apresentamos um mapa com díspares informações sobre o bloco de cobre (anexo C). Não
só se contradizem como Vandelli, nas quatro vezes em que fala dele, nas quatro presta
informações diferentes, quanto ao peso, dimensões e distância a que foi encontrado de São
Salvador da Bahia. O mesmo se diga das dimensões, que variam de texto para texto. Ora a
imagem que passa para o leitor, nestas circunstâncias, não é a de um objecto inanimado. O
que cresce e mingua quando algo o anima é o orgânico.

Um dos pontos de discordância entre os autores é o nome do Juiz de Fora da


Cachoeira. Ora aparece como Marcelino, ora como Manuel da Silva Pereira. O segundo não
é uma personagem, existiu de facto, e em aparência teve acidentes na vida iguais aos de
Marcelino, o que abre um novo campo de pesquisa, que não explorámos.

c. Verificação de factos e reconstituição histórica

Faz parte do gaio método não só o estudo possível do assunto científico como o
teste da veracidade da informação. Quando não verificamos, ou quando não nos ocorre
testar o que julgamos saber, o mais natural é cometermos erros enormes. Verificar a
informação consiste em movimentos simples como ir a um dicionário ou enciclopédia
averiguar o que significa a palavra esparrado - o bloco de cobre estava esparrado em um
dos cantos de um pedaço tirado de uma ou duas libras de peso, reza um dos manuscritos -,
ou identificar um tal capitão Boteler, cujas cartas das ilhas do Golfo da Guiné contêm erros
notáveis. No caso do bloco, fazia parte da verificação saber se na Cachoeira havia minas de
cobre ou qualquer outro tipo de jazida cuprífera. Há minas de cobre no norte e no sul do
Estado da Bahia, não porém na região chamada recôncavo baiano, imediações de São
Salvador, onde se localiza o município da Cachoeira.

Verificar explica por vezes a paródia. Há várias classes de motivos para ela -
chamar a atenção da comunidade científica para experiências que estão em curso e é
necessário proteger com o segredo, ou para problemas políticos, religiosos ou sociais.

Comparar e verificar conduzem a uma terceira fase do método - a tentativa de


reconstituição do cenário, o que exige estudos de História e naturalmente uma exegese. Da
tentativa decorrem acerto e erro. Há erros que vamos corrigindo ao longo do percurso,
outros, nem sempre. Quando acontece divulgar-se um erro, o último passo do gaio método
é a errata.

d. Errata

Maria Estela interpretou o caso do bloco de cobre como chamariz para obrigar o
Poder a enviar naturalistas para as colónias - no lugar onde aparecera uma pepita tão
grande, por força tinham de existir minas fabulosas. Como sugere o Intendente Câmara
(Mendonça), não era boa política a de cultivar cana sacarina no recôncavo baiano, quando,
a avaliar pelo imenso bloco, debaixo dos pés de cana deviam correr inesgotáveis filões de
cobre. Na verdade, debaixo dos pés de cana o que existe é uma terra chamada maçapé,
negra e untuosa, muito rica em húmus, excelente para o cultivo da cana, como a descreve
José da Silva Lisboa.

Basta reparar nos manuscritos inseridos na bibliografia, para se notar que as


nomeações para a exploração da inexistente mina de cobre da Cachoeira só podem
significar que a expressão mina de cobre é um código. Se investigamos os designados, o
que nos aparece são pessoas como José da Silva Lisboa, um dos patriarcas da
independência do Brasil, o Intendente Câmara, irmão de um dos implicados na
Inconfidência Mineira, ou Francisco Agostinho Gomes, conectado com a Inconfidência
Baiana.

Eu, Maria Estela, persisto nesta exegese - era preciso enviar técnicos para o Brasil,
que assegurassem a autonomia fabril, comercial, política, etc. do novo país. Os três
documentos fundamentais para compreender a história são a memória de Vandelli de 1782
e duas cartas anexas, uma para Martinho de Melo e Castro e outra para a Rainha, com o
mesmo conteúdo - solicitar autorização para reger todos os anos no Real Jardim Botânico
da Ajuda um curso de História Natural Económica, aplicado à agricultura, às artes, à
medicina e ao comércio. Foi aqui que os naturalistas se treinaram. Partiram em 1783 para
as colónias, logo após a recepção do bloco, quando o projecto de os enviar para procederem
ao levantamento dos recursos naturais datava da reforma da Universidade, uns dez anos
antes, e sempre fora adiado. Por isso os naturalistas que partiram não eram os indigitados
no primitivo projecto. Um dos que devia ter partido era o próprio Vandelli.

Os naturalistas do século XVIII eram todos brasileiros, todos eles desejosos de


independência. O real interesse na sua partida devia-se à necessidade de os integrar como
peritos nos grupos independentistas, caso de Maciel, aliado de Tiradentes, que devia
fabricar pólvora para a guerra que decerto se travaria com os portugueses da metrópole
(Guedes, 1998a). O engodo da riqueza é ofuscante, e viu-se que funcionou, dobrando quem
tinha os olhos postos na independência dos Estados Unidos da América, sabia que os
naturalistas a tinham fomentado, não tendo por isso interesse em lançar achas à fogueira
que já ardia no Brasil.

Eu, Maria Estela, declaro no entanto mea culpa, por ter deixado escapar nos
panfletos distribuídos aos visitantes da CulturaNatura um erro de interpretação. Consistiu
ele em considerar que a vítima da paródia do bloco de cobre era o ministro da Marinha,
Martinho de Melo e Castro, a cujas ordens vão obedecer os naturalistas - Feijó em Cabo
Verde, Ferreira no Brasil, Galvão da Silva no Brasil e em Moçambique, Donati em Angola.
Com que fundamento o avaliei assim? Nenhum, eis o pior dos erros. A respeito de
Martinho de Melo, julgava eu já saber tudo, quando na minha cabeça não havia conceitos,
só preconceitos. Porque era padre, tinha para mim que era um santo, incapaz de uma
maldade. Porque sucedera a Pombal, tinha para mim que a sua política era oposta à de
Pombal. Porque exercia o seu ministério durante a viradeira, tinha para mim que era o
braço direito de Pina Manique, no ódio deste às Luzes naturalísticas ou maçónicas. Em
resumo, era um reaccionário da pior espécie, donde a necessidade de o convencer, atirando-
lhe à cabeça com nada menos que um bloco de cobre que se diz pesar à volta de uma
tonelada.

Leituras recentes, entre elas o livro de Fernandes Loja e a releitura do Diário de


William Beckford, obrigaram-me a reconhecer a triste figura que fiz: a viradeira está a ser
reavaliada pelos historiadores, que a não pintam como movimento retrógrado, sim como
continuação natural da política pombalina; Martinho de Melo era um admirador de Pombal
e continuou a sua obra, e aqui repita-se que a data do bloco é a da morte de Pombal. O
ministro fora julgado pelos seus crimes, condenado à morte, com pena comutada para
desterro a trinta léguas da Corte. Martinho de Melo era um homem suficientemente
ilustrado e progressista para ter ajudado Beckford, caído em desgraça social por
homossexualidade. Finalmente, referindo-se aos naturalistas ou maçons, escreve o autor de
uma carta da época (Loja): ele é um dos deles. Isto é, Martinho de Melo e Castro não foi
aliado de Pina Manique, pelo contrário.

Feita esta errata, resta que Vandelli não é o principal responsável pelo caso do bloco
de cobre, limitou-se a ser cúmplice de Martinho de Melo e Castro. E então a cabeça à qual
se arremessa o bloco não é a do ministro, sim as duas, coroadas, que vêm mencionadas na
inscrição em latim, de uma forma tão equívoca que se podia ler imperadores onde se
escreve imperantibus. D. Maria I e D. Pedro III não foram imperadores. O primeiro
Imperador do Brasil é o seu neto, D. Pedro I do Brasil, IV de Portugal.
BIBLIOGRAFIA

1. Descrições, Notícias e relatos do achamento do Bloco de Cobre

1.a. Textos publicados

AZEVEDO, P. (1922) - Geoffroy Saint-Hilaire em Lisboa. Boletim da Classe de


Letras, Academia das Ciências de Lisboa, XIV.

CALÓGERAS, João Pandiá (1905) - As Minas do Brasil e Sua Legislação.


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CARVALHO, Wilton (1998) - Fulguritos. A Tarde, 14 de Junho, S. Salvador,


Bahia.

CARVALHO, Wilton (1998) - Cobre de Cachoeira. A Tarde, 15 de Novembro, S.


Salvador, Bahia.

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Janeiro, 1947.

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ESCHWEGE, W.L. von [1944] - Pluto Brasiliensis. Traduzido por Domício de


Figueiredo Murta. Companhia Editora Nacional, São Paulo, s/d.

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GUEDES, Maria Estela (1999) - Natura ou Cultura? Exposição CulturaNatura,


Museu Nacional de História Natural, Lisboa. Folheto oferecido ao público, relativo ao
bloco de cobre.

LEONARDOS, Olivero H. (1938) - Cobre no Estado da Baía. Mineração e


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MAWE, John (1812) - Travels in the interior of Brazil, particularly in the gold and
diamond districts of that country, by authority of the Prince Regent of Portugal. Printed for
Longman, etc., London.

MENDONÇA, M.C. (1958) - O Intendente Camara. Companhia Editora Nacional,


São Paulo, Brasiliana, v. 301, 2ª ed..

MOURÃO, José Augusto; JANEIRA, Ana Luísa & GUEDES, Maria Estela (1997):
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Fronteira e Alorna, Lisboa, 14-16 de Maio.

MOURÃO, José Augusto (1999) - Floresta de enganos. Exposição CulturaNatura,


Museu Nacional de História Natural, Lisboa. Folheto oferecido ao público, relativo ao
bloco de cobre.

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Portugal e Restauração deste Reino. Officina de Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa.

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Brasilien auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I. Königs von Baiern in den Jahren
1817 bis 1820. München. Vol. III, págs: 714; 746.

SPIX, Joh. Bapt. Von & MARTIUS, Carl Friedr. Phil. von [1828] - Viagem pelo
Brasil, 1817-1820. Vol. II, Livro Sétimo. Edições Melhoramentos, 2ª edição. Brasil, s/d.

VANDELLI, Domingos (1789a) - Memoria sobre algumas producções naturaes das


Conquistas, as quaes ou saõ pouco conhecidas, ou naõ se aproveitam. Memorias
Economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, I: 187-206.

VANDELLI, Domingos (1789b) - Memória sobre as produções naturais do reino, e


das conquistas, primeiras matérias de diferentes fábricas, ou manufacturas. Memórias
Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, I: 223-236.

VANDELLI, Domingos (1797) - Cobre nativo do Brazil. Memorias da Academia


Real das Sciencias de Lisboa, I: 261.

VANDELLI, Domingos (1994) - Aritmética Política, Economia e Finanças. Banco


de Portugal, Lisboa. Introdução e direcção de edição de José Vicente Serrão.
VILHENA, Luiz dos Santos (1922) - Cartas de Vilhena - Noticias Soteropolitanas e
Brasilicas. Imprensa Official do Estado. Bahia.

VILHENA, Luís dos Santos (1969) - A Bahia no Século XVIII. Vol. 3 - Carta XX -
Riquezas naturais. Editora Itapuã, 1801.

1.b. Manuscritos

Instrumentos em pública forma dos termos de declaração e sequestro de uma pedra


de cobre de 30 arrobas, achada em Nazaré. Cachoeira, 1782. II - 33, 20, 16. Obs.: Este
dactiloscrito acompanha os dois documentos seguintes. Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro. Secção de manuscritos. Documentos Diversos sobre a Bahia, Nº 436). Anais da
Biblioteca Nacional, 68, 1950, doc. 436.

Instrumento em pública forma com o teor de um termo de declaração que fez o


alferes de Henriques Dias António Machado da Trindade.

Instrumento em pública forma com o teor de um mandado de sequestro em ofício da


Justiça e termo de sequestro.

Lista das cartas que se remeteram pelo navio da invocação Santíssima Trindade e
Santo António, de que é mestre Basílio de Oliveira Vale, que partiu em 8 de Junho de 1782.
Nºs. 1º. Acompanha a remessa que se faz de uma porção de cobre com o peso de 81
arrobas, e 24 arrates, que foi achada no termo da Vila da Cachoeira. Arquivo Público do
Estado da Bahia. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo
Colonial e Provincial. Maço 136, pág. 286/181.

Carta de Manuel Galvão da Silva para Júlio Mattiazzi. Bahia, 16 de Junho de 1783.
Arquivo histórico do Museu Bocage, CN/S-26.

Carta do Marquês de Valença para Martinho de Mello e Castro. Bahia, 31 de


Janeiro de 1783. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo
Colonial e Provincial. Maço 136. Arquivo Público do Estado da Bahia.

História da Cidade da Cachoeira, por Francisco Melo. Dactiloscrito, inédito.


1.c. Resumo de manuscritos publicados em catálogo

Officio do Juiz de fóra Marcellino da Silva Pereira para o Governador Marquez de


Valença, sobre a descoberta do cobre. Cachoeira, 11 de março de 1782. Extracto. Anais da
Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.024.

Officio do Governador Marquez de Valença para Martinho de Mello e Castro, em


que participa o apparecimento de uma grande porção de cobre nuns terrenos pertencentes
ao termo da Villa da Cachoeira, que remette, juntamente com algumas pedras e terra do
logar em que fôra encontrado para serem devidamente examinados e analysados, pois seria
da maior utilidade a exploração da mina, que por ventura se descobrisse. Bahia, 4 de junho
de 1782. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.023.

Carta do notavel naturalista e Director do real Jardim Botanico de Lisboa,


Domingos Vandelli (para Martinho de mello e Castro), pela qual apresenta e recommenda
Antonio Ramos da Silva Nogueira para proceder ás pesquizas das minas de cobre e ferro,
que se suppunha existirem nas serras da Cachoeira. Extracto. Bahia, 28 de agosto de 1782..
Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.460.

Carta de Domingos Vandelli (para Martinho de Mello e Castro), na qual se refere ao


resultado das analyses chimicas que fizera sobre o cobre remettido da Bahia e procedente
da Cachoeira e á creação de um curso de historia natural economica, applicada á
agricultura, ás artes, á medicina e ao commercio que elle pretendia reger todos os annos no
Real Jardim Botanico, e pede a protecção de Martinho de Mello para o bom exito da sua
iniciativa. Lisboa 4 de setembro de 1782. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc.
11.461.

Requerimento do Dr. Domingos Vandelli, Director do Real Jardim Botanico de


Lisboa, em que pede á Rainha autorização para reger todos os annos no mesmo Jardim um
curso de Historia Natural Economica. (Anexo ao n. 11.461). Anais da Biblioteca Nacional,
32 (1914), doc. 11.462.

Officio do Marquez de Valença para Martinho de Mello e Castro, relativamente á


descoberta de cobre e ouro em terrenos pertencentes á comarca da Villa da Cachoeira.
Bahia, 4 de junho de 1783. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.240.

Analyse das amostras de cobre e ouro remettidas da Cachoeira e a que se refere o


officio antecedente. Bahia, 26 de maio de 1783 (Annexo ao n. 11.240). Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 11.241.

Memoria sobre o cobre virgem ou nativo da Capitania da Bahia, descoberto no anno


de 1782 (por Domingos Vandelli). Anais da Biblioteca Nacional, 32, 1914. Extracto. Doc.
11.463.

Carta de José da Silva Lisboa para Martinho de Mello e Castro, na qual relata as
explorações que fizera nas serras da Cachoeira para descobrir a mina de cobre que se
suppunha ali existir. Extracto. Bahia, 15 de junho de 1783.. Anais da Biblioteca Nacional,
32 (1914), doc. 11.247.

Carta de José da Silva Lisboa, em que dá conta das pesquizas a que procedeu nas
serras da Cachoeira para a descoberta da supposta mina de cobre, cuja existencia as suas
investigações deixaram muito duvidosa. Bahia, 19 de janeiro de 1784. Anais da Biblioteca
Nacional, 32 (1914), doc. 11. 472.

Carta particular de Antonio de Amorim e Castro (para Martinho de Mello e Castro),


em que lhe participa ter chegado á Bahia e que brevemente iria tomar posse do seu logar de
Juiz de fóra da Cachoeira, onde desde logo se occuparia diligentemente da exploração da
mina de cobre. Bahia, 28 de março de 1787. Anais da Biblioteca Nacional, 34 (1912), 1914,
doc. 12.489.

2. Linguagem das Aves

ANES, José Manuel (1997) - A Língua dos Pássaros e a Quinta da Regaleira. In:
Vítor Mendanha entrevista José manuel Anes. O esoterismo da Quinta da Regaleira. Hugin,
Lisboa, 1998.

FULCANELLI (1964) - O Mistério das Catedrais. Edições 70, Lisboa.

FULCANELLI (1977) - As Mansões Filosofais. Edições 70, Lisboa.

KHAITZINE, Richard (1996) - La Langue des Oiseaux. Quand ésoterisme et


littérature se rencontrent. Dervy, Paris.

3. História geral e da ciência

3.a. Textos publicados

ALBUQUERQUE, A. Tenório dř (s/d). A Maçonaria e a Inconfidência Mineira.


Gráfica Editora Aurora Limitada, Rio de Janeiro.

AMARAL, Brás do (1940). Pródromos da independência e da República do Brasil.


Publicações do Congresso do Mundo Português, XI (3) II (2), Lisboa.

BECKFORD (1988) - Diário de William Beckford em Portugal e Espanha. Série


Portugal e os Estrangeiros, Biblioteca Nacional, Lisboa.
CABRAL, Alfredo do Valle (1881). Vida e Escriptos de José da Silva Lisboa,
Visconde de Cayrú. Typographia Nacional, Rio de Janeiro.

CALMON, Pedro (s/d). Historia da Bahia. Resumo Didactico. Comp.


Melhoramentos de São Paulo.

CALÓGERAS, J. Pandiá (1945). Formação Histórica do Brasil. Companhia Editora


Nacional, São Paulo, etc..

GOMES, M. (1975). A Maçonaria na História do Brasil. Gráfica Editora Aurora


Limitada, Rio de Janeiro.

GUEDES, Maria Estela (1997). João da Silva Feijó, viagem filosófica a Cabo
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GUEDES, Maria Estela (1998a) - José Álvares Maciel, romântico e naturalista. O


Escritor, Revista da Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 10: 129-139.

LISBOA, José da Silva [1784] - Carta para Domingos Vandelli. Bahia, 19 de


Outubro de 1784. Anais da Biblioteca Nacional, 32, 1914.

LOJA, António Egídio Fernandes (1986) - A Luta Pelo Poder Contra a Maçonaria.
Quatro perseguições no Séc. XVIII. Imprensa Nacuional-Casa da Moeda, Lisboa.

MATTOS, Florisvaldo (1998). A Comunicação Social na Revolução dos Alfaiates.


Assembléia Legislativa do Estado da bahia, Salvador.

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SERRÃO, Joel & OLIVEIRA MARQUES, A.H., Nova História da Expansão Portuguesa.
Vol. VIII. Editorial Estampa, Lisboa.

SCHOBBENHAUS, Carlos & COELHO, Carlos Eduardo Silva (coord.) (1988) -


Principais Depósitos Minerais do Brasil. Departamento Nacional da Produção Mineral,
Ministéria das Minas e Energia, Brasília.

SOUSA, Gabriel Soares (1938) - Tratado Descriptivo do Brasil em 1587. Notas de


Francisco Adolpho Varnhagen. Companhia Editora Nacional, São Paulo, etc..

VIANNA FILHO, Luiz (1938) - A Sabinada (A Republica Bahiana de 1837). Livr.


José Olympio Editora, Rio de Janeiro.
3.b Manuscritos

Carta do Marquês de Valença para Martinho de Mello e Castro. Bahia, 8 de Março


de 1783. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo Colonial e
Provincial. Maço 136. Arquivo Público do Estado da Bahia.

Carta do Marquês de Valença para Martinho de Mello e Castro. Bahia, 4 de Junho


de 1783. Cartas do Governo à Sua Majestade. 1778 à 1783. Secção de Arquivo Colonial e
Provincial. Maço 136. Arquivo Público do Estado da Bahia.

3.c. Resumo de manuscritos publicados em catálogo

Carta de Manuel da Costa de Carvalho para Martinho de Mello e Castro em que se


refere desfavoravelmente ao Juiz de fora Marcellino da Silva Pereira. Bahia, 13 de
setembro de 1782. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.141. Resumo.

Requerimento do Bacharel Marcellino da Silva Pereira, Juiz de fóra da Cachoeira,


em que pede a nomeação de um ministro para lhe tirar a sua devassa de residência. Anais
da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.975.

Requerimento do Padre Manuel da Costa Carvalho no qual pede se lhe conceda


provisão que o autorize a demandar o Dr. Marcellino da Silva Pereira, Juiz de fóra da
Cachoeira. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1914), doc. 11.976.

Carta de José da Silva Lisboa para Martinho de Mello e Castro, na qual relata as
explorações que fizera nas serras da cachoeira para descobrir a mina de cobre que se
suppunha ali existir. Bahia, 15 de Junho de 1783. Anais da Biblioteca Nacional, 32 (1910),
doc. 11.247.

4. O gaio método

GUEDES, Maria Estela (1990) - Memórias do lagarto cabo-verdiano. O Escritor,


segunda série, 1, Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa.

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Germano da Fonseca Sacarrão (1914-1992). Museu Nacional de História Natural, Lisboa.

GUEDES, Maria Estela (1997). Eu sou a Baronesa do Castello de Paiva. In: A Festa
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Novembro de 1998. Relatório enviado à Fundação Para a Ciência e Tecnologia, divulgado
aos membros do Centro Interdiciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade
de Lisboa, bem como a investigadores do Museu Nacional de História Natural e do Museu
Geológico da Bahia.

GUEDES, Maria Estela (1999) - Do Dodó à Fénix - Parte I

III: Transmutação no discurso científico. Comunicação apresentada ao Colóquio


Discursos e Práticas Alquímicas. CICTSUL. Biblioteca D. Dinis, Odivelas, 16-17 de Julho.

GUEDES, Maria Estela (1999) - O naturalista como criador - o enigma da


mensagem na garrafa. Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional Museus, Arte e
Ciência: Que Culturas para o Século XXI? CICTSUL. Museu de Ciência, Lisboa, 11-13 de
Outubro.

GUEDES, Maria Estela (-). A ciência como arma de guerra. Asclepius, Madrid. Em
publicação.

GUEDES, Maria Estela & PEIRIÇO, Nuno Marques (1998a) - Carbonários,


Operação Salamandra - Chioglossa lusitanica Bocage, 1864. Contraponto, Palmela.

GUEDES, Maria Estela & PEIRIÇO, Nuno Marques (1998b) - Ficções da Ciência.
Comunicação apresentada à Reunión Científica Internacional - Ciencia y sanidad en España
y America Latina; RIHECQB; Facultad de Farmacia, Universidad Complutense de Madrid,
14 de Julho. Boca do Inferno, Cascais, 3: 187-191.

NIETSZCHE (1984) - A Gaia Ciência. Guimarães Editores, Lisboa.

PEIRIÇO, Nuno Marques (1999a) - Do Dódó à Fénix - Parte II: Transmutação na


iconografia científica. Comunicação apresentada ao Colóquio Discursos e Práticas
Alquímicas. CICTSUL, Biblioteca D. Dinis, Odivelas, 16-17 de Julho..

PEIRIÇO, Nuno Marques (1999b) - O Fim da Ciência e a creatividade do discurso.


Comunicação apresentada ao Colóquio Internacional Museus, Arte e Ciência: Que Culturas
para o Século XXI? CICTSUL. Museu de Ciência, Lisboa, 11-13 de Outubro.
ANEXOS

Anexo C - Sistema de gralhas sobre o bloco de cobre

Fontes Peso Peso Dimens. Dimens. Dimens. Proveniência Data Outras


original converso
Dactiloscrito 30 arrobas 450 kg Cachoeira: Nazaré 1782
Declaração de Comprime Largo a)1 S. Tiago: Mamo 19- O dador foi o Juiz
nto cabo, nas terras do 20.2.1782 de Fora,
cap. António Marcellino da
António 2 palmos
Gonçalves de Silva Pereira
Machado 5 palmos
Aguiar e Sousa, a 2
Trindade
(44 cm) léguas e meia da
(110 cm) Cachoeira, num
riacho que vai
Largo b) desaguar ao rio
Paranáossú
1,5 palmos

(33 cm)
Mandado de Mais de 30 + de 450 kg Fazenda da Guaíba, 20.2.1782 Marcellino da
arrobas do cap. Gonçalves, Silva Pereira
riacho do
sequestro
Mamocabo
Cumprimento 30 arrobas 590 kg Comprime Largo 3 faces Fazenda da Guaíba, 20.2.1782
do sequestro mais ou nto: maior: 2 com um do cap. Gonçalves,
menos. palmos palmo de em S. Tiago do
altura Iguape
3 palmos e
E uma parra meio (44 cm)
1 kg
de 2 ou 3 (22 cm)
libras
(77 cm) Lrg.
menor:

1,5 palmos

(33 cm)
Marcelino da Terras do cap. 11.3.1782 Marcellino da
Silva Pereira Gonçalves, Silva Pereira
Mamocabo, S.
Tiago do Iguape,
num riacho que
desagua no
Paráassú.
Marquês de Nuns terrenos no 4.6.1782 Marcellino da
termo da vila da Silva Pereira
Cachoeira
Valença
Bloco 81 arrobas e 1225,870 kg Termo da vila da
transportado 24
nos navios
Cachoeira
arrates
Santíssª
Trindade e
Santo António
Inscrição no MMDCLXVI 1207 kg Perto da cidade da 1782
bloco lib.
Cachoeira, Bahia.
Fontes Peso Peso Dimens. Dimens. Dimens. Proveniência Data Outras
original converso
Vandelli, 1782 2619 arráteis 1186,407 kg 3 pés e 2 largura Grossura: No rio… que desce 4.9.1782 Origem no vitríolo
pol. de maior: 2 ½ pé 4 da Cachoeira, a 2 de cobre
Paris pés e ½ pol. e 2 léguas da Bahia
(76,20 cm) linhas
(96,24 cm)
1740 kg:
(26,49
cálculo por
cm)
volume
Marquês de a) 1 arroba, 1 a) 16 kg
libra e 10
onças
Valença, 1783

b) 1 onça
b) 28,35 gr
Galvão da 1 arroba, 3 16,45 kg Mamocabo. Fundidores
libras e tantas obtiveram 25% de
onças cobre puro em
Silva, 1783
análise de uma
onça de material
da parra que ficara
na Bahia.

Galvão da Silva
achou 82%.
Vandelli, 1789 1666 arrates 716 kg Bahia: Cachoeira Achou 82% de
cobre puro em
análise de uma
Errata: 2666 Errata: 1207
onça do bloco de
kg
Lisboa. O bloco é
Encontrado 97% cobre.
um

bloco mais

pequeno no
mesmo local,
que ficou na
Bahia
Vandelli, 1797 2616 arráteis 1185 kg 3 pés e 2 2 pés e ½ ½ pé e 4 A 2 léguas da
pol. de Paris polegadas Cachoeira e a 14 da
(26,04cm Bahia
)
(96,24 cm) (76,20 cm)
Câmara, in Recôncavos, Bahia Origem num
veeiro
Mendonça
Vilhena, 1802 1666 libras 716 kg Entre Cachoeira e
S. Tiago do Iguape
Link, 1805, 2616 libras 1185 kg 3 pieds 2 2 pieds 1 10 pouces A deux legoas de
pouce 6 Cachoeira, et à
lignes quatorze legoas de
citando pouces (27 cm)
Baja
Vandelly
(63,79 cm)
(96,24 cm)
Mawe, 1812 Mais de 2000 Mais de 906 Capitania da Bahia Os mineiros
lib. kg encontraram o
bloco isolado, sem
vestígios de filão
no local.
Casal, 1947 52 arrobas e 2 780,906 kg Cachoeira, 2 milhas
arráteis a leste de Santo
Amaro
Spix & Um bloco com 1207 kg 3ř2ŗ 2ř 6ŗ 10ř Cachoeira 1782 Meteorolito
Martius, 2 pesos: 2666
Pfund e 2616
e 1185 kg (96,24 cm) (77,16 cm) (27 cm) Cópia da inscrição
Pfunde
1828 com 10 erros
Spix & Um bloco com 1207 kg 3ř2ŗ 2ř 6ŗ 10ř A leste, a 1 hora de 1782 Meteorolito, uma
Martius, 2666 libras e vez que não viram
2616 libras vínculo genético
e 1185 (96,24 cm) (77,16 cm) (27 cm) distância da Vila da
entre o bloco e
trad.
qualquer orogenia.
Cachoeira

Eschwege, 2616 Pfund 1185 kg 3 Fufs 2 2 ½ Fufs 10 Zoll A 2 léguas da 1782 Cópia da inscrição
1833 Zoll Cachoeira e a 14 da com 12 erros
Bahia
e 1616 e 732 kg (76,2 cm) (27 cm)
(96,24 cm)
Eschwege, 2616 libras 1185 kg Diâmetro: Larg.: 2,5 Maior A 14 léguas da 1782 Cópia da inscrição
trad. 3 pés e 2 pés altura: 10 Bahia e a 2 da com 12 erros.
pol. pés Cachoeira
e 1616 e 732 kg
(76,2 cm)
(96,24 cm) (27 cm)
F.I.Ferreira, S.Tiago do Iguape 1782 Juiz de Fora,
1885 Manuel da Silva
Pereira
Bett. Ferreira, Grande mole Caxoeira Pedestal de
de mármore. Rico e
notável exemplar.
1893
cobre nativo
Gralhas ao copiar
a inscrição latina:
Petrus; Brasiliensi
Praefactura
Calógeras, MMDCXVI 1185 kg Mamocabo, 1782 Manuel da Silva
1905 margem Pereira
52 arrobas e 2 780,906 kg 1797
esquerda do
Paraguassú
libras ou 1666 1723, 8 libras ou 99
lib.
Leonardos, 2616 libras 1185 kg 3ř2ŗ 2ř 6ŗ 10ŗ Cachoeira: S. Tiago 1782 O ofertante foi o
1938 de juiz-de-fóra,
Manuel da Silva
(96,24 cm) (77,16 cm) (27 cm)
Pereira
Iguape
Rebelo, in 52 arrob. e 2 780,906 kg A 3 quartos de Cobre nativo
lib. légua da Cachoeira, finíssimo ou ouro
Mamocabo muito baixo. O
Leonardos,
bloco rendeu 800
E outro
réis.
pedaço
1938

muito mais

pequeno
Melo, inédito 82 arrob. e 10 1234,53 kg Momocabo, Iguape,
lib. terras do cap.
Antônio Gonçalo
Aguiar e Souza
Anexo A - Instrumento em pública forma com o teor de um termo de declaração
que fez o alferes de Henrique Dias António Machado da Trindade:

Saibam quantos este público instrumento dado e passado em pública forma do


ofício de mim tabelião virem que sendo no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo de mil setecentos oitenta e dois, aos vinte dias do mês de Fevereiro do dito ano
nesta Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, pelo Doutor Juiz de
Fora Marcelino da Silva Pereira me foi mandado pusesse em pública forma o termo de
declaração que fez o alferes de Henriques Dias António Machado da Trindade, ao que
satisfiz por reconhecer por verdadeiro o dito termo cujo teor é da forma seguinte. Aos
dezanove dias do mês de Fevereiro de mil setecentos oitenta e dois anos nesta Vila de
Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira em pousada do Doutor Juiz de Fora de
órfãos e do geral do crime e do cível, e Provedor da fazenda dos defuntos dos ausentes
das capelas e dos resíduos Marcelino da Silva Pereira donde apareceu o alferes de
Henriques Dias António Machado Trindade morador nesta mesma vila e o próprio de
que se trata, declara que - no lugar chamado Mamo cabo freguesia de Santiago do termo
da Vila e num lugar não cultivado entre um roçado novo do Padre João Gonçalves na
parte do sul e da parte do norte nas cabeceiras de um sítio de Manuel Lopes Falcão em
terras do capitão António Gonçalves de Aguiar e Sousa em distância desta vila duas
léguas e meia mais ou menos em um riacho que fica no alto do monte e descendo por
ele abaixo vai desaguar no rio Paranáossû que é o mesmo desta vila achara uma pedra
grande de cobre que terá o comprimento de cinco palmos mais ou menos em parte terá
dois de largo e em parte um e meio, e bem parece ser criado naquele lugar, por não ter
vestígios alguns de ser fabricado e ali posto, a deixou no mesmo lugar que não
examinou se havia mais alguma outra; e só vem denunciar esta achada para se fazerem
os exames precisos das diligências para averiguar se haverá mais e sua quantidade o que
fazia como fiel vassalo de Sua Majestade Fidelíssima que Deus guarde e para constar
mandou o ministro fazer este termo que assinou com o dito e eu Jerónimo José Antunes
Pereira escrivão o escrevi "Pereira" António Machado da Trindade.

O qual instrumento eu Luiz Caetano Moniz Barreto tabelião público do Judicial


e notas nesta Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira fiz tirar bem e
fielmente do próprio termo a que me reporto e com ele e outro oficial da Justiça este
conferi subscrevi concertei e assinei em público esta e os seguintes. Eu Luiz Caetano
Moniz Barreto tabelião subscrevi

Em testemunho da verdade

Cónego Conferido por mim tabelião

Manuel ilegível Luiz Caetano Moniz Barreto

229
Anexo B - Memoria sobre o cobre virgem ou nativo da Capitania da Bahia,
descoberto no anno de 1782, por Domingos Vandelli:

"A rarissima peça de cobre nativo, que o Exmo. Sr. Martinho de Mello fez pôr
neste Real Museu, merece toda a estimação pelo seu tamanho e pela sua mistura com
huma mina de ferro, o que serve para explicar hum phenomeno particular da natureza.
Esta massa de cobre nativo pesa arrateis 2619; he de figura rhomboidal com a superficie
irregular causada por varias pequenas cavidadedes e protuberancias. A sua altura he de
3 pés e 2 pollegadas de Paris, a maior largura he de 2 pés e 1/2 e a grossura 1/2 pé, 4
pollegadas e 2 linhas.

A côr externa he avermelhada escura, com algumas nodoas e particulas azuladas


e verdes produzidas da ocra ou ferrugem do mesmo cobre. Internamente he de côr
vermelha como o melhor cobre purificado e como elle malleavel e ductil. Não contém
ouro, porque a agua fervente o dissolve perfeitamente e por ter a sua origem no vitriolo
de cobre.

Foi descoberta esta massa de cobre nativo na Capitania da Bahia, sepultada em


huma argilla muito fina de côr amarella, misturada com mica talcosa, côr de ouro,
disposta em camadas produzidas das deposições das aguas do rio... que desce da
Caxoeira, longe 2 legoas da Bahia ----------------------------------------------------------------
--------------------------------------------------------------------------------------------------------

Em differentes paizes da Europa e da Asia, se encontra cobre virgem


cristallisado, granulado, capillar, folliaceo, como tãobem no Brazil, ha alguns annos, na
Capitania de Piauhy se descobriu hum pedaço de 30 e mais arrateis de cobre nativo com
matriz espatosa, o qual se conserva neste museu, além de outro folhaceo, que eu
descobri em grande abundancia no Ducado de Modena, entre estractos ou bancos de
argilla, as cujas montanhas são abundantes de minas de cobre pyriticoso, pelo que he
muito provavel que nos montes superiores á dita Caxoeira, donde se achou esta massa,
se encontrem muitas outras sepultadas na argilla e riquissimas minas de cobre
pyriticoso, de cuja decomposição se formou o vitriolo, que deu origem a esta
cementação; além de riquissimas minas de ferro, que pelas superficies das mesmas,
transportadas pelo rio, claramente vem indicada.

Mas até agora não se descobriu em parte alguma massa tão grande e assim
circumstanciada de ser produzida pela cementação, como he esta da Bahia, a qual
serviria para enriquecer o mais rico museu da Europa..."

230

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