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H. A.

KIPPER
A HAPPY
HOUSE
IN A BLACK
PLANET:
INTRODUÇÃO
À SUBCULTURA
GÓTICA
H. A. KIPPER
A HAPPY
HOUSE
IN A BLACK
PLANET:
INTRODUÇÃO
À SUBCULTURA
GÓTICA

1ª edição

fûÉ ctâÄÉ
Xw|†ûÉ wÉ TâàÉÜ
2008
Agradecimentos desta obra

Agradecimentos especias a minha amada


esposa Flávia, não só pelo companheirismo,
amor e alegria no dia a dia, mas também por
todos os comentários e sugestões a esta
livro, sem os quais ele seria muito mais
complexo e verborrágico, logo inútil para
o propósito a que se destina.

Agradecimentos ao companheiro Ary pelo


bom humor ao longo de tantos anos e pelo
trabalho gráfico sempre exímio e talentoso.
A luta continua…

Agradeço ainda a toda cena Gótica paulista


e brasileira, que tem sido uma segunda casa
feliz para mim desde 1990, tanto aos que se
foram quanto aos que ficaram, e aos tantos
amigos que prestigiam nosso trabalho com
carinho e gentileza.

São Paulo, outono de 2008


A HAPPY
HOUSE
IN A BLACK
PLANET:
INTRODUÇÃO
À SUBCULTURA
GÓTICA
7

e
Prólogo

Parte I  O que é Subcultura? 9

c
01 Subcultura X Outros Bichos 10
13

i
02 Subcultura Gótica: Algumas Polêmicas

03 A Homologia Subcultural, sua Flexibilidade e Evolução 17

d
04 A Evolução das Estruturas Subculturais Ontem e Hoje 23
Parte II  O que é Subcultura Gótica? 27

n
05 FAQ GOTH- Perguntas Frequentes 29

í
Características e Estrutura da Subcultura Gótica:

06 Estruturas da Subcultura Gótica – Introdução 38


6.1 Indicadores de Consistência Subcultural 41
07 Características da Subcultura Gótica 45
a. o sombrio e o macabro 46
b. o feminino e o ambíguo 49
c. absorção de elementos de estilos relacionados 52
d. a teatralização e o corpo 54
e. apologia à cultura e saudosismo 56
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica: 59
08 Cinco coisas que os Góticos não são! 61
09 “Tipos” de Góticos 62
10 Símbolos Recorrentes na Subcultura Gótica 63
11 O Significado da Androginia e da Maquiagem 65
12 A Temática Mística em uma Subcultura Laica 70
13 Glossário de Estilos Musicais relacionados à Subcultura Gótica 74
14 As Gerações de bandas Góticas e Darkwave 88
15 Livros e Autores que os Góticos Amam 92
16 Curiosidade: Origem dos Nomes de Algumas Bandas 94
17 Cinema: Filmes Referência ou Influenciados 97
18 Cronologia do uso subcultural do termo “Gótico” 104
19 “Arqueologia” dos usos do termo “Gótico” 108
20 Decadence Avec Elegance: Beautiful Losers 117
21 Anfíbios Culturais 120
22 Sobre o Título deste Livro 121
23 Obras Citadas/Bibliografia 124
“Planet Earth is Blue and There’s Nothing I
can Do.”
(David Bowie- “Space Oditty”)

cÜ™ÄÉzÉ
cÜ™ÄÉzÉ “This is the happy house-we're happy here in
the happy house.
To forget ourselves- and pretend all's well
There is no hell.”
(Siouxsie and The Banshees- “Happy House”)

Este livreto se propõe apenas a ser


um guia introdutório das principais
referências, ícones e questões que
permeiam e caracterizam a subcultura
urbana mundial conhecida como
Gótica. Aqui não aprofundaremos cada
questão, mas daremos uma descrição
às vezes sumária de pontos básicos.
Fazemos isso por acreditar que só
conseguimos nos aprofundar em
alguma questão se partimos de
alguns pontos iniciais estruturados. 7
Mais tarde, podemos até vir a
questionar aquela “simplificação”
inicial: isso é possível exatamente
por que ela cumpriu bem sua função
didática.
Estamos conscientes de que não
se pode “vivenciar” todos os aspectos
de uma cultura ou subcultura apenas
através de livros: sugerimos aos
interessados na subcultura Gótica
que busquem também conhecer a
subcultura Gótica e os Góticos em
seu “habitat”. Nesta outra forma de
conhecimento, recomendamos muito
cuidado, pois atualmente muitas coisas
“não-góticas” ou até “anti-góticas”
são apresentadas como Góticas.
Esperamos que este livreto possa

cÜ™ÄÉzÉ
cÜ™ÄÉzÉ
também ajudar o leitor a não comprar
gato preto por lebre preta…
Este livreto é uma organização
de textos originalmente produzidos
isoladamente. Aqui eles foram
revisados e reescritos, e principalmente
reorganizados da forma mais didática
possível. Assim, se em algum momento
eles soarem repetitivos ou repisarem
alguma questão óbvia, pedimos que o
leitor tenha com o autor a paciência
condescendente que os alunos mais
adiantados tem nas aulas de revisão.
Propomos aqui exatamente uma
introdução didática. Não pretendemos
fechar questões. Pelo contrário, a idéia
deste livreto é colocar muitas placas
apontando para informações que não
estão aqui, ou que aqui são apenas
insinuadas ou citadas “en passant”.
A partir destas placas, como guia
inicial, esperamos que o leitor possa
partir nesta jornada e conhecer a
subcultura Gótica e toda sua riqueza
e história, que tendo começado há
quase 30 anos, continua desde então
se desenvolvendo e evoluindo por todo
este “blue planet” – planeta azul/triste.
Mas aqui estamos em uma “happy
house”: somos felizes aqui - “dentro”.
Tenham todos um bom início
de jornada.
9

Parte I  O que é Subcultura?


01  SUBCULTURA X OUTROS BICHOS
Este texto é um dos textos mais chatos do livro. Se você tem familia-
ridade com os termos do título, pode pular e partir para a parte mais diver-
tida. Mas se você cair na besteira de ler esta parte, não desista do livro: o
resto dele é bem mais interessante.
Aqui se pretende apenas definir em linhas gerais alguns termos que
serão usados ao longo deste livro. Não é nossa intenção analisar em pro-
fundidade cada um deles, apenas apresentá-los ao leitor para facilitar sua
leitura nos próximos textos.
O QUE É CULTURA?
Usamos aqui o termo “cultura” no seguinte sentido sociológico: cultu-
ra é “um todo complexo que abarca conhecimentos, crenças, artes, moral,
leis, costumes, e outras capacidades adquiridas pelo homem como inte-
grante de uma sociedade” 1. Importante não entender “cultura” aqui no
sentido limitado de “erudição” ou “cultura letrada”.
Muitas culturas são formadas a partir da fusão das culturas de outros
10 povos, gerando um novo padrão. Muitas culturas possuem no seu interior
“subculturas”.
O QUE É SUBCULTURA TRADICIONAL?
Subcultura pode significar uma “parte de uma cultura” que possui um
conjunto diferenciado de “valores, crenças, normas e padrões de compor-
tamento, portanto um modo de vida compartilhado por parte de uma
população” 2. Podemos dar como exemplo as subculturas regionalistas tra-
dicionais do Brasil, como a nordestina ou a gaúcha. Elas estão inseridas na
sociedade brasileira e em sua cultura, mas, ao mesmo tempo, possuem um
sistema de significação e representação do mundo próprio e único.
O QUE É SUBCULTURA URBANA E TRANSLOCAL?
Com a industrialização, urbanização e globalização das informações, a
situação das culturas mudou bastante. Principalmente na segunda metade
1
definição de Edward B. Taylor, em “Introdução à Sociologia”
2
Sebastião Vila Nova, em “Introdução à Sociologia”
Parte I  O que é Subcultura?
do século XX, com o aparecimento da televisão e outros métodos de radio-
difusão e, mais tarde, com o surgimento da Internet.
Temos um cenário no qual a cultura das zonas urbanas industrializadas
tende a perder características locais e a adotar características de uma cul-
tura global economificada: a cultura da sociedade de consumo contempo-
rânea. Neste contexto, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
começam a surgir algumas subculturas urbanas, como os Beats, Rockers,
Mods, Skinheads, Hippies, Glam-Rockers, Punks, Góticos, etc.
Algumas delas desapareceram em pouco tempo, mas outras permane-
ceram e mantiveram coerência interna por um longo tempo. Hoje estas
subculturas apresentam diversas características, entre elas, não serem limi-
tadas geograficamente: a translocalidade. Essa e outras características da
subcultura Gótica serão analisadas com mais atenção no capítulo 8-
Estrutura da Subcultura Gótica.
Da mesma forma que as subculturas tradicionais ou regionais, o parti-
cipante de uma subcultura translocal continua participando, de alguma
forma, da cultura dominante local.
O QUE É BRICOLAGEM SUBCULTURAL? 11
Levi-Strauss (3) comenta que a bricolagem é a montagem de um novo
“jogo” a partir do campo limitado pelas peças pré-existentes.
Bricolagem é um termo usado para explicar como uma cultura constrói
seu sistema simbólico a partir de elementos pré-existentes e à disposição
naquela cultura ou, eventualmente, herdados ou tomados de alguma outra
cultura. Por isso, um mesmo símbolo vai ter, em culturas diferentes, signi-
ficados diferentes. Mas apesar de diferentes, estes significados atribuídos
não são aleatórios: constituem um sistema de significado que expressa,
simbólica e esteticamente, a visão de mundo e modo de vida de um deter-
minado grupo social. Ao estudarmos os mitos do mundo inteiro vemos
como eles expressam os valores de suas sociedades de origem.
Portanto, para entendermos o que significa “a águia” em determinada
cultura ou subcultura, não adianta apenas estudarmos em profundidade as
“águias” em geral. Devemos, isto sim, olhar para o modo de vida e convi-
3
Claude Levi-Strauss, em “O Pensamento Selvagem”
vência daquele grupo subcultural, e verificar em que posição simbólica ele
colocou a águia em seu sistema simbólico.
Uma subcultura ao se apropriar de algum item de outra cultura ou sub-
cultura vai, provavelmente, ressaltar algum aspecto que, apesar de poder
estar contido nos sentidos gerais daquele item, não é necessariamente o
que se destacava no sistema cultural original. Por exemplo, o Ankh na sub-
cultura Gótica tem significados ressaltados pelos outros elementos do sis-
tema subcultural Gótico, que não são os mesmos elementos ressaltados no
sistema da religião e cultura Egípcia, origem do Ankh. Portanto, a origem
não explica totalmente o uso atual e, às vezes, pode ser diverso.
O QUE É HOMOLOGIA?
Homologia é o estudo das coisas homólogas. Coisas homólogas seriam
aquelas que, apesar de diferentes na forma, guardam uma relação de sig-
nificado, ou, ainda, a relação entre um conceito ou idéia e suas formas e
símbolos.
Alguns exemplos de homologia. A relação homóloga entre a música
punk, suas roupas e a estética de seus fanzines, todos igualmente remeten-
do a idéias de urgência, fragmentariedade e desrespeito a ordem. Ou a rela-
12 ção homóloga entre o visual militar ou proletário de grupos skinheads e sua
ideologia baseada em disciplina e respeito a valores tradicionais.
Muito importante salientar que a homologia em um sistema cultural ou
subcultural não é uma relação nem fechada nem estática. De forma com-
parável à língua de um povo, ela evolui de acordo com a sua utilização pelo
grupo social e também tem um espaço grande de “ruído” que permite a
sua renovação coerente e a criatividade dos indivíduos. No capítulo 9-item
C-Absorção de Elementos de Estilos Relacionados, isso ficará mais claro.
Em um estudo 4 sobre as subculturas urbanas inglesas posteriores a
Segunda Guerra Mundial, o conceito de bricolagem subcultural é usado
para explicar o modo de construção de sistemas simbólicos homólogos nas
subculturas urbanas, como os mods, punks, rastas, skinheads, etc. No capí-
tulo 5- A Homologia Subcultural, sua Flexibilidade e Evolução comentare-
mos mais sobre isso.
4
Resistence Through Rituals- Youth Subcultures in post-war Britain- edited
by Stuart Hall & Tony Jefferson
Parte I  O que é Subcultura?
02  SUBCULTURA GÓTICA:
ALGUMAS POLÊMICAS
SUBCULTURA, TRIBO, MOVIMENTO OU MODA?
Existe uma polêmica entre o uso dos termos “subcultura”, “tribo” ou
“movimento” para certos tipos de grupos sociais contemporâneos. Alguns
autores conceituam tais termos de forma bastante próxima, enquanto
outros autores aplicam estes termos a relações sociais com características
bem diferentes.
Não vamos entrar nesta polêmica aqui, pois, além de ser um debate
extenso e cheio de sutilezas, provavelmente não interessaria à maioria de
nossos leitores. Além disso, cabe salientar que a maioria dos termos oriun-
dos das Ciências Sociais tem, pelo menos, mais de um sentido. Por isso, ao
longo deste livro deixaremos bem claro em que sentido usamos o termo
“subcultura”.
O conceito de "tribo urbana pós-moderna" foi popularizado por Michel
Maffesoli no final dos anos 80. Ele salientava mais características grupais
como fluidez, transitoriedade, o localismo e "espírito de máfia" 1. 13
Mas acreditamos que o conceito de "subcultura" é o mais adequado
para o tipo de grupo social com as características que descrevemos aqui no
capítulo 8-Estrutura da Subcultura Gótica: DIFERENCIAÇÃO CONSISTEN-
TE, TRANSLOCALIDADE, IDENTIDADE, COMPROMETIMENTO e AUTONO-
MIA. Analisamos aqui a subcultura Gótica como uma subcultura por ser um
"grupo social" que possui estas características.
Algumas pessoas ou grupos podem se relacionar com a subcultura
Gótica de formas menos comprometidas ou menos duradouras, conviven-
do com outras pessoas ou grupos que podem ter uma participação subcul-
tural ao longo de décadas, funcionando como um eixo de sustentação. Mas
também as mesmas pessoas podem passar por tipos e níveis de participa-
ção diferente ao longo dos anos.
No Brasil, o termo movimento foi bastante usado no passado, mas mais
recentemente passou a ser questionado na sua adequação, aqui, devido a
1
Michel Mafesolli- “O Tempo das Tribos”, 1987
uma associação do termo apenas a “movimento social para mudar o
mundo”. Todavia este não é o único sentido do termo movimento, que
pode ser usado, por exemplo, também para escolas artísticas. Em outras lín-
guas, todavia, o termo “movimento” 2 é eventualmente usado sem maiores
restrições, com sentido próximo ao que usamos aqui para subcultura, ou
em conjunto com outros termos.
Grupos sociais com outras características e/ou outras estruturas inter-
nas podem receber outras definições.
GÓTICO: PRA SEMPRE “FORA-DE-MODA”
(MAS COM MUITO ESTILO!)
Os estilos das modas comerciais passam, pois não são ligadas a nada de
substancial. Os estilos subculturais permanecem, pois fazem parte de um
sistema (sub)cultural.
Quando alguns jornalistas e bandas usaram pela primeira vez o termo
“Gótico” para comentar um estilo, talvez imaginassem que fosse apenas
mais uma moda passageira. Mas hoje, mais de 25 anos depois, em torno
dos símbolos emitidos inicialmente (talvez inconscientemente) pelos artis-
14 tas e seus trabalhos, se aglutinou todo um sistema simbólico de represen-
tação do mundo que vai muito além da música e do visual.
Desde os anos 80 até hoje temos a consolidação uma subcultura urba-
na não centralizada, com história própria, espalhada por países de todo o
mundo. A subcultura Gótica inclui produção musical, literária, cinemato-
gráfica, moda, comportamento, economia e trabalho (lojas, gravadoras,
editoras, clubes) e entretenimento, etc. E, claro, inclui também relações
afetivas com estes símbolos tão significativos e entre as demais pessoas
ligadas a esta subcultura.
2
Antoine Durafour- em “Le Milieu Gothique”, 2005, como na citação que fazemos no início do
capílulo “D) A TEATRALIZACAO E O CORPO”. Outro exemplo do uso do termo movimento de forma
“apolítica” aparece neste trecho desta entrevista para versão portuguesa da revista Elegy francesa,
especializada no estilo Gótico/ Darkwave/ Pos-Punk: Revista Elegy- “-Fala-me um pouco sobre o
meio underground onde vives, o teu estilo de vida, de música que ouves? Qual é na tua opinião o
futuro deste movimento? (…)”. Ronny Moorings, vocalista da banda gótica/darkwave Clan of
Xymox, na ativa desde 1983 até hoje, responde: “ - O “Gótico” acaba por ser o único movimento
alternativo onde me sinto confortável, também porque considero que é o único movimento
alternativo que resta. (…)”. Revista “Elegy Ibérica”, edicão portuguesa, #02, 2006- entrevista
com Clan Of Xymox
Parte I  O que é Subcultura?
A participação do tipo subcultural acontece em um grupo social que pos-
sui uma visão de mundo diferenciada da sociedade dominante, mas também
diferente de outras subculturas. A visão de mundo diferenciada de cada sub-
cultura é expressa ou vivenciada através de seu sistema de símbolos.
É importante ainda diferenciar os modismos que surgem DENTRO de
uma subcultura X (decorrentes de sua evolução natural ao longo do tempo)
dos modismos passageiros criados no mainstream inspirados em fragmen-
tos de uma subcultura X pré-existente. São dois processos diferentes,
mesmo que eventualmente possam se relacionar.
NASCI GÓTICO OU TENHO ALMA GÓTICA?
Quando nos sentimos atraídos por uma subcultura, muitas vezes intui-
tivamente ou apaixonadamente, isso acontece geralmente porque as repre-
sentações da visão de mundo desta subcultura englobam, combinam par-
cialmente ou produzem uma integração na nossa visão de mundo pessoal.
Por isso, coloquialmente, é comum ouvirmos alguém dizer que ao
conhecer a subcultura Gótica “descobri que sempre fui Gótico(a)” ou “Eu
nasci com alma Gótica”. Obviamente estas são apenas formas coloquiais de
dizer que aconteceu uma identificação com elementos que já existiam em 15
nossa visão de mundo pessoal, em nossa personalidade, ou em nossos inte-
resses pessoais.
OS ADOLESCENTES NAS SUBCULTURAS
Nem subcultura Gótica é um modismo adolescente, nem todos os ado-
lescentes se deixam seduzir por “modismos adolescentes”. Mas muitos ado-
lescentes se aproximam da subcultura Gótica como se esta fosse um modis-
mo adolescente. E, principalmente, nem todo adolescente se aproxima da
subcultura Gótica por modismo.
Alguns adolescentes buscam pertencer a “qualquer rebanho” ou “gan-
gue” que lhe ofereça uma identidade fácil que possa ser uma alternativa à
identidade de “filho” dependente dos pais que tinha até então. Este tipo
de participação subcultural não nos interessa aqui, pois quem se aproxima
de uma subcultura apenas para “ter amigos” ou “uma galera” vai se afas-
tar desta subcultura pouco tempo depois, muitas vezes falando mal dela ou
a ela se referindo como “coisa de adolescente”. De fato, para esta pessoa
foi “coisa de adolescente” pois ela se aproximou por motivos equivocados:
apenas por necessidade de pertencimento a algum grupo, necessidade de
auto-afirmação e/ou uma identidade superficial e fácil.
Claro que uma parte dos que se aproximam cedo de uma subcultura
acabam se identificando de fato com o que ela significa. Mas para que isso
aconteça é preciso que a pessoa descubra quem ela é ou quer ser.
Subculturas não podem ser substitutos de nossa identidade, apenas fazem
parte de nossa identidade, juntamente com outras coisas. Somos Góticos e
ao mesmo tempo somos várias outras coisas não necessariamente relacio-
nadas a subcultura Gótica.
Sem dúvida, a convivência entre pessoas maduras que se percebem
como Góticas inclui também “a proximidade afetuosa" ou “celebração gru-
pal", mas neste caso a participação e pertencimento na subcultura Gótica
não se baseiam apenas nestes dois fatores, pois a percepção de identidade
subcultural permanece mesmo na ausência deles.
O DESAPARECIMENTO SOCIAL DA MORTE (E DA VIDA...)
Os Góticos são muita vezes caricaturizados pela mídia de massa como
16 pessoas mórbidas ou obcecadas pela morte. Esta visão redutora e precon-
ceituosa espelha mais o recalque da cultura dominante em relação aos
temas morte e mortalidade, e não diz nada sobre a subcultura Gótica.
Conseguimos integrar cotidianamente nossa relação com a morte, proces-
sos vitais e de envelhecimento? Como Walter Benjamin 3 nos lembra, duran-
te o século XX vivenciamos na sociedade urbana industrializada do ocidente
o “desaparecimento” da morte e de outros processos que costumavam gerar
historicidade e sentido em nossas vidas. Os nascimentos e os moribundos
foram escondidos nos hospitais. Os velórios foram retirados das habitações e
cada vez mais existem espaços públicos ou empresas privadas que tem espa-
ços para o velório. Também os processos de preparação do morto para o
enterro cada vez mais passam longe de seus familiares, lar e amigos.
Assim, nossos “lares” e nossas vidas perderam muito de sua historicida-
de e sentido, e nossa percepção do processo vital natural foi brutalmente
distorcida. Pior, ao perdermos a noção da perecibilidade e do ciclo vital,
3
Walter Benjamin - “Magia e Técnica, Arte e Política” cap. 10.
Parte I  O que é Subcultura?
perdemos a noção de valor da vida que só o contato com a morte e os nas-
cimentos nos traziam.
Nesse contexto, não é nenhuma surpresa a existência de um subcultu-
ra que faz questão de “se” lembrar da morte e do “carpe diem”, valorizar a
vida constantemente. Neste aspecto, podemos considerar a subcultura
Gótica mais saudável e integrada do que a cultura economificada dominan-
te, visto que esta última se aliena e até cinde com realidades vitais e vita-
lizantes.
Não se trata de apologia ao pessimismo ou negativismo, mas, isto sim, de
uma reintegração de aspectos da vida e da realidade humana. Principalmente
daqueles aspectos hoje mais rejeitados e negados socialmente. Quem fre-
qüentar a cena Gótica, em pouco tempo vai perceber que ela é bastante
divertida e vivaz, como se alguém tivesse colocado conhaque demais no café
de um velório e estivesse contando boas piadas…

03  A HOMOLOGIA SUBCULTURAL,
SUA FLEXIBILIDADE E EVOLUÇÃO 17
“...as civilizações antigas não tinham arte nem cultura, tal como as
entendemos hoje. Isso quer dizer que a estrutura moderna, feita de esferas
separadas e independentes, é totalmente estranha às sociedades antigas.
(...) as sociedades pré-modernas... não tinham uma cultura, eram uma cul-
tura. (...) a produção era estética, a estética era religiosa, a religião era polí-
tica, a política era cultural, a cultura era social, e assim por diante. (...) Em
uma sociedade como cultura - que tinha que integrar também a morte- a
arte passava a ser necessariamente um componente da vida diária.” (Robert
Kurz, 1998)
POR QUE DIABOS UM ESTILO ME ATRAI?
Por que gosto mais de um poema do que de outros?
Perguntas como “o que mantém a coesão de uma subcultura” ou “o que
faz com que uma determinada subcultura atraia algumas pessoas e não
outras” geralmente são difíceis de responder. Para entender melhor estas e
outras questões que envolvem as relações entre estilo e significado nas
subculturas, neste texto abordamos o conceito de “homologia subcultural”
desenvolvido no livro “Subculture: the meaning of style” de Dick Hebdige,
1979.
Observando o funcionamento da homologia em outras subculturas,
podemos apreender instrumentos que nos ajudam a entender a relação
entre estilo, estética, valores e significados na subcultura Gótica ou em
qualquer outra.
“Paul Willis (1978) aplicou a palavra “homologia” a uma subcultura no
seu estudo dos hippies e motociclistas, usando o termo para descrever a
relação simbólica (symbolic fit) entre os valores e o estilo de vida de um
grupo, sua experiência subjetiva e as formas musicais que este grupo usa
para expressar ou reforçar o que considera importante. No texto “Profane
Culture”, Willis mostra como (...) a estrutura interna de qualquer subcultu-
ra é caracterizada por uma extrema ordenação: cada parte é organicamen-
te relacionada a outras partes e é através da adequação entre elas que os
membros de uma subcultura entendem o sentido do mundo.” (Dick
Hebdige, 1979)
Sem dúvida essa ordenação é flexível e acontece uma evolução ao longo
18 do tempo, caso a subcultura não deixe de existir. O próprio Hebdige
comenta que essa relação homológica entre as partes simbólicas do estilo
subcultural e seu significado não é fechada e fixa para cada membro de
uma subcultura.
UM “NÃO” ESPECÍFICO E CRIATIVO
Pelo contrário, os significados subculturais se constituem muitas vezes
como uma “recusa específica” que não dita uma regra de comportamento.
Mas, ao recusar alguns aspectos do mundo, acaba por salientar outros. E
esta escolha, como veremos adiante, pode ser feita de formas bem diver-
sas. Patrice Bollon, em “A Moral da Máscara”, também aborda a questão da
recusa ao comentar sistemas estéticos:
“Mais do que sistemas de normas, são sistemas de tabus. Podemos dizer
o que absolutamente não seriam; mais difícil seria dizer o que são. (...) Seu
código... não estabelece uma sensibilidade, um significado, ou uma ideo-
logia; ele delimita um espaço de sensibilidade, uma área de significados,
um feixe de atitudes, uma constelação de idéias no interior dos quais todas
Parte I  O que é Subcultura?
as modulações são permitidas, ou até requisitadas. (…) A meta foi atingi-
da: criar uma concepção do mundo, circunscrever uma visão passível de
evoluções que permitam a expressão pessoal. (…) Com efeito, o que as
(modas e culturas) aproxima é que nenhuma delas oferece “respostas” às
perguntas: elas se contentam em delimitar espaços onde simplesmente
essas perguntas não são mais feitas.” (Patrice Bollon, 1990)
Essa concepção poderia ser aplicada também ao estilo em uma subcul-
tura ou de uma cultura tradicional (ex: estilo das vestimentas egípcias em
relação à sua cultura, etc).
Este “espaço de sensibilidade, uma área de significados, um feixe de ati-
tudes, uma constelação de idéias” são uns, e não quaisquer: diferente em cada
subcultura, e é esta “concepção de mundo” que define cada subcultura.
CONSTRUÇÃO DE UMA MITOLOGIA:
MEU REINO POR UM SENTIDO!
Ao mesmo tempo, os símbolos, rituais, objetos, comportamentos, voca-
bulário, etc, constroem um tipo de mito ou sistema através do qual o mem-
bro da subcultura se vê no mundo e vê o mundo como o imagina. Através
da escolha desta ou daquela subcultura, o indivíduo escolhe um sentido e 19
significados através dos quais ele olhará e vivenciará, pelo menos em
alguns momentos, o mundo.
Hebdige explica como os objetos de estilo de uma subcultura são em
grande parte equivalentes das questões centrais, auto-imagem coletiva e
estrutura social desse grupo subcultural.
Nos objetos os membros podem ver seus valores centrais refletidos. O
autor exemplifica comentando os Skin-Heads: “As botas, os suspensórios e
o cabelo raspado só foram considerados apropriados e conseqüentemente
significativos porque eles comunicavam as qualidades desejadas: dureza,
masculinidade e a classe trabalhadora local. Desta forma, os objetos sim-
bólicos - roupa, aparência, linguagem, ocasiões de ritual, estilos de intera-
ção, música- foram feitos para formar uma unidade com as relações, situa-
ções e experiência do grupo” (Hall, 1976).
Já ao comentar os Punks, o autor comenta que eles se vestem como
xingam, e sua música se parece com sua roupa e sua visão de mundo:
urgente, fragmentada, uma colagem agressiva de pedaços de símbolos de
um mundo sem sentido. “Havia uma relação homológica entre as roupas
toscamente remendadas, o cuspir, o vomitar, o formato dos fanzines, as
poses insurgentes e a música conduzida freneticamente.”
“EU FALO ATRAVÉS DE MINHAS ROUPAS”
O “discurso” não é apenas aquilo que é dito através de palavras enun-
ciadas ou escritas. “Discurso” é também o que um objeto quer dizer, seu
“sub-texto” não dito. E este objeto pode ser uma roupa, um comportamen-
to, um acessório, uma foto, um quadro, uma peça, etc.
Hebdige nos explica que há dois tipos de apropriação subcultural dos
objetos. Um tipo que se concentra no ato de transformação do objeto sim-
bólico (roupa, cabelo, música, literatura, ícones religiosos ou ideológicos,
etc). O outro tipo se concentra na reverência do significado literal do obje-
to simbólico.
“A suástica estava sendo usada para significar o quê? (…)
Convencionalmente, no que interessava aos ingleses, a suástica signifi-
cava “inimigo”. Além disso, no uso dos punks, a suástica perdeu o seu sig-
nificado histórico “natural” no século XX: nazi-fascismo. (...) a suástica era
usada (pelos punks) por que era garantia de chocar. Um punk entrevistado
20 pela Time Out (1977) por que ele usava suástica respondeu:- “os punks
apenas gostam de ser odiados”.
Ao contrário dos punks, no caso de um Neo-Nazista, a suástica é usada
no sentido tradicional e literal: respeitosamente.
Assim, vemos que um mesmo símbolo ou tema pode ser adotado com
significados diferentes, ou até opostos, por grupos sociais diferentes.
Tomarmos como referência o sentido original da suástica usado pelas reli-
giões antigas seria um total equívoco no entendimento do uso feito dela
pelos grupos que comentamos acima.
CUIDADO! DESLIZAMENTO DE SIGNIFICANTE NA PISTA…
“…quando aquele objeto é colocado dentro de um conjunto totalmen-
te diferente, um novo discurso é constituído, uma nova mensagem é vei-
culada.” (Clarcke, 1976, em Hebdige, 1979)
Por exemplo, os Góticos, desde os anos 1980, adotam a cruz e outros
símbolos com um deslizamento de sentido desses objetos, inserido-os em
Parte I  O que é Subcultura?
um novo sistema simbólico: o sistema da subcultura Gótica. Podemos dizer
que os Góticos fizeram o mesmo até com elementos de estilos literários e
musicais, vestuário, maquiagem, etc.
No sistema Gótico, a cruz vai servir de símbolo que remete a todas as
coisas socialmente relacionadas à cruz: sofrimento do inocente, paixão de
cristo (“stigmata martir”), morte, cemitérios urbanos, etc. Da mesma forma
que punks não são nazistas ao usar uma suástica, Góticos não usam cru-
zes por que são cristãos (apesar de alguns serem) nem usam ankhs por que
pretendem ser egípcios…
Assim, vemos que o que define a atitude e o significado de uma sub-
cultura não é apenas o objeto, símbolo ou tema cultural do qual ela se
apropria.
O mesmo tema ou objeto pode gerar significados e visões de mundo
muito diferentes e até opostas, dependendo da forma como uma subcul-
tura se apropria deles, se de forma “respeitosa e literal” ou de forma “trans-
formadora e recontextualizada”. O significado geral vai ser definido pelo
todo do sistema simbólico.
DE PROFUNDIS NA SUPERFÍCIE: 21
Assim, divisões artificiais entre “superficial” e “profundo” aqui não
fazem muito sentido. Sem o seu estilo, tanto uma subcultura como uma
escola artística deixa de ter significado. O que seria da pintura
Expressionista sem as pinceladas largas e a proporção emocional? O que
significaria a poesia cubista se escrita em sonetos? A arquitetura Bauhaus
não seria Bauhaus se usasse ornamento Barroco. E assim por diante.
Como já vimos, um mesmo significado pode ser aplicado a vários sím-
bolos, ou o mesmo símbolo, por apropriação, ser utilizado para outros sig-
nificados. Em uma subcultura, o significado de cada objeto apropriado por
ela é recriado pelo conjunto dos objetos de seu sistema.
Cada item de um sistema subcultural muda e reforça o significado dos
outros itens, e o conjunto forma um estilo significante e coerente como um
todo, apesar do “ruído” e espaço “em aberto” que existe em qualquer “dis-
curso poético” no qual cada indivíduo pode interagir individualmente com
o significado, acrescentando elementos pessoais.
A COZINHA GÓTICA NUM RESTAURANTE PERTO DE VOCÊ…
Paul Hodkinson, em seu livro “Goth: Identity, Style and Subculture”,
2002, depois de rejeitar um conceito mais rígido e mecânico de homolo-
gia, escreve:
“Muitos integrantes sentiam que havia algum tipo de ligação entre seu
estilo e certas qualidades gerais que eles compartilhavam com os demais
góticos, incluindo criatividade, individualidade, liberalismo e compromisso…”
Em outros capítulos Hodkinson faz uma extensa descrição das caracte-
rísticas recorrentes e perenes que registrou na cena Gótica inglesa. Outros
autores comentando a cena Gótica francesa (Antoine Durafour), norte-
americana, inglesa ou mundial (Nancy Kilpatrick, Gavin Baddelley, Mick
Mercer, etc) ressaltam as mesmas características centrais e estruturantes que
encontramos entre Góticos brasileiros.
Cozinheiras diferentes preparam a mesma receita com um toque espe-
cial e adapta-se aos condimentos mais fáceis de achar na sua região. Da
mesma forma, as diferenças locais entre as diversas cenas Góticas mundiais
se limitam a ressaltar algum ponto que faz mais sentido devido à história,
geografia e condições sócio-econômicas de cada uma delas. Mas sem des-
22 caracterizar os significados essenciais que as definem como parte da sub-
cultura Gótica.
Ressaltamos que não existe homologia “fechada” ou “imutável”.
ABÓBORAS NÃO FRAGMENTADAS
“Quantos mais grupamentos subculturais em uma sociedade, maior a
liberdade potencial do indivíduo.”, escreveu Alvin Tofler em “O Choque do
Futuro”, há mais de 30 anos.
Sem dúvida alguém pode se fantasiar de gótico ou de abóbora no hal-
loween, e isto não ter muito significado para aquela pessoa. Os significa-
dos só se tornam aparentes em um determinado contexto.
Assim, no contexto da subcultura Gótica, é perceptível uma relação de
homologia entre a estética do estilo e o discurso que verificamos na pro-
dução de canções, textos, imagens, pinturas, esculturas, comportamentos
humanos em relações sociais, linguagem, mitos, etc, e uma certa visão de
mundo expressa abertamente e de forma recorrente nos últimos 25 anos.
Parte I  O que é Subcultura?
Sem dúvida estes significados não são fechados, da mesma forma que
as imagens de um poema não são. Cada poema tem um feixe de significa-
dos interligados. Mas apesar de vasto, este feixe não é infinito.
No caso de um poema, seus significados só são separáveis de sua forma
e estilo com a sua destruição. No caso de uma subcultura que continua ao
longo de muito tempo, parece que novos versos são possíveis e alguns
vocábulos atualizáveis, sempre variando sobre o sentido original. E às vezes
uma estrofe gera um novo poema, mesmo que o texto original siga um
rumo paralelo…
Finalmente, respondendo à pergunta do começo deste texto, podemos
dizer que um estilo nos atrai por que de alguma forma – provavelmente
não consciente - reconhecemos afetivamente em seus símbolos algo que
buscamos, talvez a simulação ou a realização de um dos artigos mais raros
atualmente: o sentido.
Quando nos sentimos atraídos por uma subcultura, muitas vezes intui-
tivamente ou apaixonadamente, isso acontece geralmente porque as repre-
sentações da visão de mundo desta subcultura englobam, combinam par-
cialmente ou produzem uma integração na nossa visão de mundo pessoal.
23
04  A EVOLUÇÃO DAS ESTRUTURAS
SUBCULTURAIS ONTEM E HOJE
Algumas características diferenciam as subculturas do passado das
atuais, entre elas:
1. LONGEVIDADE
Até o final dos anos 1970 poderíamos ter a impressão que todas sub-
culturas eram “juvenis” e fadadas a serem fenômenos passageiros substi-
tuídos por outros ao final de alguns anos. Mesmo os duradouros “Beats”
haviam desaparecido. Mas hoje vemos que algumas subculturas possuido-
ras de sistemas de significação mais ricos permanecem ativas, organizadas
e, principalmente, em atualização. E não se tratam de meros “revivals”.
Estas subculturas permaneceram organizadas mesmo depois que a
mídia de massa as “deixou” de lado, e sobreviveram a inúmeras modas que
nas últimas duas ou três décadas surgiram e desapareceram. Alguns exem-
plos significativos são a subcultura Gótica, e as subculturas ligadas ao Hip-
Hop ou ao Metal. A subcultura Gótica, por exemplo, permanece em atua-
lização por mais de 20 anos, apresentando redes atualizadas de relações
humanas e produção cultural. Nada indica que estas subculturas venham a
desaparecer.
2. DESTERRITORIALIZAÇÃO
Algumas subculturas dos anos 1950, 60 e até 70 dependiam fortemen-
te da proximidade física e geográfica dos seus membros para manter um
vínculo que muitas vezes se tornava realmente um tipo de “gangue” ou de
base hierárquica, ou “ainda círculo de informação” fechado. Mas aos pou-
cos temos uma transição para outro modelo mais sustentável e durável. Se
Teds, Rockers, Mods e Skin-Heads dependiam nas suas épocas de sua rela-
ção grupal e territorial, hoje temos subculturas urbanas que são até trans-
nacionais ou “translocais”.
A popularização da Internet no final dos anos 1990 levou a uma disse-
minação da informação sem dependência nem da mídia de massa mains-
tream, nem da “gangue”, grupo ou fanzine underground. Com isso o aces-
24 so subcultural deixou de ser mediado por grupos que mantinham a infor-
mação como capital de controle ao acesso subcultural. Assim, vemos que a
relação dos indivíduos de uma subcultura como a Gótica, em 2007, se dá
muito mais com os conceitos e informações da subcultura e que estes são
bastante homogêneos de país para país: um gótico italiano vai ter mais
assunto com um gótico brasileiro do que com seu vizinho da frente não-
gótico.
Em outras subculturas, todavia, a relação grupal e de hierarquia perma-
nece até hoje, devido exatamente ao sistema de características dessas sub-
culturas.
3. PARTICIPAÇÃO FEMININA
Se entre Teds e Rockers a participação feminina permanece muito pró-
xima do papel tradicional da mulher na sociedade daquela época
(1950/60), já com os Mods iniciais (aprox. 1964) temos uma estética e ati-
tude que permite que as mulheres participem de várias formas, e não ape-
nas como “acompanhante”. A participação feminina pode ser com outras
Parte I  O que é Subcultura?
mulheres ou até sozinha. Paralelamente, subculturas mais “machistas” vão
manter a mulher em uma posição mais tradicional.
No final da década de 1960 temos o surgimento dos SkinHeads e dos
Hippies, que tem posições bem diversas em relação a participação femini-
na. Mesmo que existisse uma certa participação feminina, até hoje os
Skinheads permanecem com uma estrutura basicamente masculina. Já os
Hippies, surgidos em uma época em que as mulheres jovens conseguem
mais espaço na classe média, apresentam modelos de mulher Hippie da
mesma forma que a mulher Mod (e não mera acompanhante) em quanti-
dades “normais”.
Nos anos 70 cresce este movimento de participação feminina no Glam
o New Romantic e o Gótico, a participação feminina chega a um ponto
quase de igualdade, principalmente no Gótico, que apresenta de 1984 até
hoje uma dominância de valores socialmente considerados femininos. Nos
anos 90 vamos ver algumas subculturas de afirmação feminina em que as
mulheres tomam papel de destaque, como as Riot-Grrrls.

4. ACESSIBILIDADE E PARTICIPAÇÃO
25
O acesso a uma subcultura depende de uma combinação de disponibi-
lidade de condições sócio-econômicas do indivíduo e da abertura da estru-
tura da subcultura. No passado a acessibilidade dependia de um contato
com “grupos na rua” (o que, por exemplo, nos anos 50 condenava a par-
ticipação feminina a ser periférica) ou mesmo rituais de passagem, ou pac-
tos de irmandade.
Por outro lado, algumas das subculturas que sobreviveram mais tempo
têm hoje uma alta acessibilidade, sendo que a participação e o começo do
processo de conhecimento pode se dar até mesmo sem um contato direto.
Isso torna os indivíduos menos dependentes de estruturas grupais limita-
das pelo tempo e espaço. Isso evita que uma subcultura desapareça em
uma região se um grupo de referência desaparece. A descentralização da
informação oferecida pela comunicação via Internet nos últimos 10 anos
ou mais permitiu que algumas subculturas chegassem a um nível de esta-
bilidade e segurança que não tinham no passado.
Como desenvolveram tanto uma micro-mídia ou sistemas de comuni-
cação subculturais, estas subculturas não são mais dependentes da mídia
de massa (para a qual tudo é passageiro) nem apenas de grupos de contro-
le e organização locais (que podem acabar).
5. DESJUVENILIZAÇÃO E DESCRIMINALIZAÇÃO
O fato de algumas subculturas como a Skinhead, a Metal ou a Gótica
já durarem mais de 20 ou até 30 anos faz com que a participação deixe de
ser um fenômeno “juvenil de transição ou adaptação” como nas subcultu-
ras dos anos 50 ou 60, ou de consumo de modas passageiras que são ainda
hoje vendidas pela mídia de massa como “movimentos”. Por exemplo, na
subcultura Metal, encontramos muitos indivíduos de mais de 40 anos, com
todas as idades intermediárias, o mesmo acontecendo com a subcultura
Gótica, na qual encontramos indivíduos dos 15 até mais de 40 anos.
Interessante notar que muitas vezes observamos em subculturas como a
Gótica e a Metal, o fenômeno transgeracional, ou seja, pais e filhos parti-
cipando juntos de Shows e Eventos e compartilhando gostos subculturais
semelhantes. A proporção parece menor entre os mais velhos, mas é preci-
so notar que muitas vezes após os 30 anos muitos se tornam membros
26 subculturais “indoor” ou menos visíveis.
Também vemos que a relação de subculturas com grupos juvenis liga-
dos ao crime deixa de ser algo comum para se tornar exceção ou inexisten-
te, exatamente pelos fatores citados nos itens 2 e 4, entre outros motivos.
Todos estes fatores somados mostram claramente que as estruturas
subculturais são fenômenos em constante atualização, e que se diferen-
ciam tanto das modas passageiras atuais, quanto de modelos de subcultu-
ras do passado que se mostraram fadados ao desaparecimento.
27

Parte II  O que é Subcultura Gótica?


Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
05  F.A.Q. GÓTICO
55 PERGUNTAS FREQÜENTES
SOBRE A SUBCULTURA GÓTICA

por YÄöä|t YÄtÇá{t|w e ^|ÑÑxÜ


Este FAQ busca apenas passar as informações mais básicas de forma
bem-humorada e informal. Várias destas questões são aprofundadas em outros
capítulos.
Uma dica importante: não procure tentar entender ou aprender tudo sobre o que
quer que seja de uma vez só ou em pouco tempo: ninguém jamais aprendeu ou
aprende assim, pois qualquer aprendizado é um processo afetivo, que exige pausas
e retomadas.

01. O que significa a palavra “Gótico”?


A palavra “Gótico” já teve inúmeros significados nos últimos 2000 anos, alguns
destes significados relacionados entre si, outros não. Neste FAQ estamos
abordando apenas a subcultura urbana que surgiu na Inglaterra no começo dos
anos 1980 e se desenvolveu e se espalhou pelo mundo todo até hoje.
02. Por que essa subcultura recebeu o nome “Gótico”
Na passagem dos anos 70 para os anos 80 este rótulo foi usado inicialmente
29
como adjetivo, ironia ou brincadeira para definir um estilo (música, visual,
comportamento) que surgiu na Inglaterra. Após 1983 o nome pegou
completamente, e denomina até hoje a subcultura mundial que aí se originou.
03. Mas o nome Gótico não foi dado por causa daqueles bárbaros
(Góticos, Visigóticos, Ostrogóticos, etc) que invadiram o Império
Romano até os séculos IV e V?
Não. Ao longo dos séculos as palavras Goth e Gothic, em Inglês, desenvolveram
vários outros significados.
04. Já sei: Então o nome Gótico foi dado a esse movimento por causa
das catedrais Góticas do século XI a XIV?
Não diretamente. Nem essas catedrais eram chamadas de Góticas quando
foram construídas. Elas foram chamadas de “Góticas” muito tempo depois, pelos
Renascentistas e Iluministas, pejorativamente, para criticar a ideologia católica
da Idade Média, a qual se opunham.
05. Então as Catedrais Góticas não foram construídas pelos Godos (Góticos)?
Não. Elas foram contruídas muitos séculos depois que os Godos já tinham se
diluído na cultura Européia. Essas catedrais expressam a ideologia e a estética
da Igreja Católica e da nascente burguesia urbana da época de sua construção.
06. Qual o significado de “Gothic” em Inglês?
O adjetivo “Gothic” em Inglês carrega sentidos que lembram: vitoriano, sombrio,
misterioso, fantasmal, onírico, macabro, amedrontador, etc.
07. Então tudo que é vitoriano, sombrio, misterioso, fantasmal,
onírico, etc é Gótico?
Sim, mas não no sentido exato que foi usado para designar o movimento
estético e a subcultura que surgiu em 1980. Lembre-se que o uso foi metafórico
e também irônico.
08. Como a palavra Goth adquiriu este sentido em Inglês?
Entre o século XVIII e o XIX existiu um movimento literário chamado Romantismo,
ligado ao chamado Romance Gótico. Eles ajudaram a estabelecer a imagem de
Gótico como sombrio, fantasmagórico, misterioso.
09. Isso aconteceu por que as Catedrais Góticas são sombrias?
As catedrais góticas não são sombrias. Arquitetonicamente, elas são
caracterizadas por grandes janelas cobertas de vitrais coloridos. As paredes se
resumem quase que a molduras das janelas. A estrutura geral é leve.
10. Por que diabos elas foram então chamadas de “Góticas”?
Intriga da oposição...Pela “oposição” dos movimentos filosóficos e artísticos
que vieram depois, para criticá-las.
11. Então por que os Românticos usaram “Gótico” como algo bom?
Por que já tinha se passado mais de um século, e os Românticos resolveram cri-
30 ticar aqueles que tinham criticado o fim da Idade Média. Assim, o que era um
nome pejorativo passou a ser o nome “legal” de uma estética.
12. Caraca! Isso tudo influenciou o movimento que surgiu nos anos 1980?
Não diretamente. Ainda estamos falando do sentido da palavra! Muitas outras
coisas influenciaram também. Existem as influências diretas, as influências do
contexto, as referências indiretas, a reapropriação de conceitos...
13. Quais são as influências diretas?
Musicalmente, vamos considerar influências diretas aquelas desde meados dos
anos 60 em diante. Levando em conta os estilos musicais e entrevistas podemos
citar os seguintes movimentos: o Krautrock, o Glam, o Proto-Punk, e o Beat.
Entre os artistas que influenciaram diretamente, de 1965 a 1975 temos: David
Bowie, Nico, Velvet Underground, The Doors, Lou Reed, Iggy Pop & The
Stooges, John Cale, Roxy Music, Brian Eno, Cabaret Voltaire, Patty Smith,
T-Rex, New York Dolls, Kraftwerk, Throbbing Gristle, Pere Ubu, Suicide,
Leonard Cohen etc.
14. Mas o Gótico é apenas um estilo musical?
Não. O Gótico é uma subcultura completa. Sem dúvida a música é um eixo
importante. Mas, como em qualquer cultura, outros elementos são constituintes
também.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
15. O que é uma Subcultura?
… uma cultura paralela à Cultura Oficial, que não combate a cultura oficial, mas
também não a aceita. Uma subcultura busca construir um universo a parte, que
faça sentido para seus membros, integrando música, pintura, literatura, roupas,
eventos, festas, lojas, trabalho, relações humanas, comportamento, etc. Para
saber mais leia a parte I deste livro – O que é Subcultura?
16. E como é a Literatura da subcultura Gótica?
Não existe Literatura “da” subcultura Gótica, existem vários estilos literários mais
apreciados nesta subcultura, entre eles, o Romance Gótico (Walpole, Mary
Shelley, etc), Romantismo (W.Blake, Keats, Byron, E.A.Poe, etc), a poesia
Simbolista/Decadentista (Baudelaire, T.S.Elliot, Rimbaud, Oscar Wilde, etc), o
romance Existencialista (Camus, Sartre, etc), Literatura Beat (Ginsberg,
Burroughs), etc.
17. Mas meu professor de Literatura disse que existe Literatura Gótica,
ele não sabe disso?
Ele está certo, apenas está se referindo a uma tendência ou movimento
específicos dentro da Literatura, e não especificamente a subcultura Gótica
de que falamos aqui.
18. A Literatura Gótica influenciou o movimento dos anos 1980?
Não diretamente, mas sem dúvida o movimento dos anos 1980 fez releituras
ou sátiras da Literatura Gótica. Essa Literatura também serviu de tema para
movimentos artísticos anteriores, que influenciaram o movimento estético dos
anos 1980, como, por exemplo, o Expressionismo. 31
19. E como posso saber que estes movimentos artísticos influenciaram
diretamente a subcultura Gótica?
Por que eles são citados diretamente pelas bandas ou tem suas estéticas usa-
das por elas. Encontramos citações tanto diretas quanto de estilo nas
capas de álbuns, nas músicas e nas letras.
Alguns exemplos:
• o nome e o logotipo da banda Bauhaus são os mesmos da escola artística
(pintura e arquitetura) Bauhaus. Ilustrações e fotos dos primeiros álbuns da
banda traziam imagens de filmes expressionistas ou de terror antigos.
• A música “Killing an Arab” do The Cure é baseada no romance
“O Estrangeiro” (do existencialista francês Albert Camus). O Bauhaus tem
uma música com o nome do teatrólogo surrealista francês Antonin Artaud
(“teatro da crueldade”) e outra com o nome do ator do cinema expressionista
Bela Lugosi.
• A banda Siouxsie & The Banshees tem uma música chamada Premature
Burial baseada no conto de mesmo nome de Edgar Allan Poe.
• musicalmente, temos muita influência da música desenvolvida pelo
modernismo, com conceitos como o minimalismo, música étnica, musica
eletrônica, não–música, etc, etc. Se você procurar, encontrará muitos
outros exemplos.
20 Quem foi Bela Lugosi?
Bela Lugosi (1882-1956) foi um famoso ator de origem húngara que participou
de inúmeros filmes, mas foi imortalizado (hmmm....) como o Drácula canastrão
produzido por Tod Browning (“Dracula”, 1932). A música “Bela Lugosi is Dead”
(1979) da banda gótica Inglesa Bauhaus se refere a ele, e é considerada por mui-
tos como o “hino gótico”.
21 O Expressionismo e o Cinema Expressionista tem a ver com o Gótico?
Tanto a estética dos filmes como da pintura Expressionista tem sido bastante
usada pelos Góticos desde os anos 1980. Ex: filmes como “O Gabinete do
Dr. Caligari”, “Metrópolis” “Nosferatu” e “Drácula” entre muitos outros.
O cinema de terror “B” também é uma fonte inesgotável de inspiração para
o humor Gótico.
22 Os Goticos só vestem preto? Eu tenho que vestir preto para ser Gótico?
Você não precisa vestir só preto e nem os Góticos vestem apenas preto.
Mas buscam um grande contraste e superposição de estilos diversos.
O importante é o efeito dramático. Geralmente isto é conseguido usando
alguma peça de tom escuro.
23 O Gótico verdadeiro é apenas o dos anos 80?
Não. A subcultura e o gênero musical surgiram e se caracterizaram nos
anos 80, mas continuaram a crescer e a se desenvolver mundialmente nos
anos 90 e continuam até hoje.
24 Então por que dizem que o Gótico dos anos 80 acabou nos anos 90?
32 Porque em 1º de janeiro de 1991, os anos 80 acabaram e começaram os anos
90!!!! Assim, os álbuns lançados a partir desta data não poderiam jamais ser
considerados como anos 80 por uma questão cronológica...rs. Logo, nos anos
90, temos o Gótico dos anos 90 e hoje o Gótico dos anos 00...J.
Muitas bandas góticas dos anos 80 continuaram em atividade nos anos 90 e
algumas continuam até hoje. Também muitas outras bandas surgiram nos anos
90, tanto com novas propostas, quanto inspiradas nas bandas dos anos 80.
E depois do ano 2000 isso continua acontecendo até os dias de hoje. Logo, o
Gótico não só nunca acabou como não houve nenhum período no qual ele tenha
deixado de existir. Apenas a informação das cenas Góticas dos Estados Unidos
e da Europa deixou de chegar atualizada até o público brasileiro, como chegava
até o começo dos anos 90.
25 Quais são as principais bandas dos anos 80?
Bauhaus, Siouxsie and The Banshees, Cocteau Twins, Dead Can dance, The
Cure, Joy Division, The Damned, X-Mal Deutschland, Echo and The Bunnymen,
The Smiths, Sisters of Mercy, The Mission, Einsturzende Neubauten, Alien Sex
Fiend, Nick Cave, Opera Multi Steel, Poesie Noire, Clan of Xymox, The Fields Of
The Nephillin, The Jesus and Mary Chain, Depeche Mode, Mecano, Front 242,
Trisomie 21, Malaria, Christian Death, Sex Gang Children, Mephisto Walz, UK
Decay, Killing Joke, Black Tape For a Blue Girl, Kirlian Camera, etc.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
26 Quais são as principais bandas dos anos 90?
Switchblade Simphony, London After Midnight, Wolfsheim, Nosferatu, Inkubus
Sukkubus, Faith and The Muse, Sopor Aeternus, The Cruxshadows, Love Spirals
Downwards, Ikon, Bella Morte, Cranes, Miranda Sex Garden, La Floa Maldita,
Rosetta Stone, Lycia, Sunshine Blind, Project Pitchfork, The Merry Thoughts,
Das Ich, Shadow Project, Diary of Dreams, Collection D’Arnell Andrea, L’Ame
Imortelle, In Strict Confidence, The House of Usher, Paralysed Age, Manuskript,
Libitina, Two Witches, Spahn Rach, De/Vision, Beborn Beton, Wumpscut,
Apoptygma Berzerk, VNV Nation, QNTAL, etc.
27 Quais as principais bandas recentes (século 21)?
Diva Destruction, BlutEngel, The Vanishing, The Ghost of Lemora, Collide,
Ego Likeness, Audra, Hatesex, Frank The Baptist, Elusive, Dresden Dolls, Cinema
Strange, The Last Days of Jesus, Rasputina, The Screaming Banshees Aircrew,
Scary Bitches, Zombina & The Skeletones, Darvoset, Black Ice, The Birthday
Massacre, Diorama, Helium Vola, Katzenjammer Kabaret, Cauda Pavonis,
Elusive, Welle Erdball, Tragic Black, Devilish Presley, Human Disease, Scarlet
Remains, Carfax Abbey, Anders Manga, Shadow Reichenstein, Eisbrecher,
Android Lust, Voltaire, etc.
28 Existem bandas brasileiras em atividade hoje?
Sim. Exemplos: Elegia, Plastique Noir, Tears of Blood, Scarlet Leaves, Zigurate,
Strangeways, Banda Invisível, Dead Roses Garden, Vesúvia, Necrópolis,
Downward Path, Pecadores, Bells of Soul, Escarlatina Obsessiva e muitas outras.
29 Mas então o Gothic Metal não foi a evolução do gótico nos anos 1990? 33
Nããaãããããaãão!!!! Não mesmo. Com certeza não foi. De jeito nenhum,
nein, niet, non.
A falta de informação ocorrida na cena Gótica brasileira nos anos 90 gerou um
espaço propício para a proliferação da idéia de que o Gótico havia acabado e
que o “Gothic Metal” seria a “evolução” do Gótico. Idéia essa muito interessante
para as gravadoras e produtoras interessadas em comercializar esse “rótulo”. A
partir daí, qualquer banda de “Metal” que tivesse vocal feminino lírico ou teclado
ou letras “trevosas-du-maaal” passou a ser comercializada sob o rótulo “Gothic
Metal”, sendo que muitas vezes isso era até imposto às bandas pelas gravadoras
como condição para a gravação.
30 Góticos são deprimidos?
Não. Depressão é uma doença, um distúrbio bio-químico do organismo que
pode ser gerado ou não por distúrbios emocionais e, como qualquer doença,
deve receber tratamento médico e psicológico. Góticos apenas não fogem dos
aspectos e momentos doloridos ou mais tristes da vida, pois consideram que
estes são partes integrantes da vida, assim como o ano tem tanto inverno como
verão. Você pode dizer que os Góticos são mais “melancólicos” e “saudosistas”,
esses termos são mais apropriados (não que saibamos exatamente do que
temos saudade, mas devemos ter perdido algo muito legal...)
31. Melancolia é tristeza?
Não. Tristeza é algo muito chato, apesar de fazer parte da vida. Já melancolia é
algo mais interessante! Posso ser melancolicamente triste, ou melancolicamente
alegre, ter prazeres melancolicamente, rir melancolicamente ou chorar
melancolicamente. A base da melancolia é a presença constante da consciência
de que a vida e cada experiência vivida está fadada ao fim (mas não é por isso
que vamos deixar de aproveitar todos os bons momentos, não é mesmo?)
32 Góticos cometem o suicídio?
Claro que não, senão não existiriam mais Góticos...rs... nem eu estaria
escrevendo isso aqui…
33 Góticos tem religião?
Só aos domingos!!!
Brincadeira. Os Góticos podem ter a religião que eles bem entenderem, ou
nenhuma, mas essa é uma escolha pessoal, não tendo nada a ver com a subcul-
tura Gótica. Evidentemente, pessoas ligadas a religiões muito conservadoras e
que seguem suas regras ao pé da letra podem ter problemas com alguns ele-
mentos da poesia, da música, do comportamento, do visual, e do discurso da
subcultura gótica que sejam contra algumas regras tradicionais ou conservado-
ras.
34 Góticos são etnicamente brancos?
Não! Góticos costumam usar maquiagem de teatro, cinema antigo, cabaret
ou circo, para expressar dramaticidade e/ou androginia.
34 35 Mas por que querem expressar isso?
Como a subcultura Gótica/Darkwave existe em um contexto de “fuga e crítica”
à sociedade Industrial-Positivista, essa subcultura adotou vários elementos
estéticos considerados “antigos” de grupos considerados “underground” ou
“decadentes” ou “pervertidos” ou ”artísticos” no passado. Ex: a estética de
teatro, cinema expressionista ou noir, circo, vaudeville, etc.
36 O Gótico surgiu do Punk?
Não apenas do Punk. O Punk teve o efeito de dar notoriedade a muitos artistas,
mas muitas influências diretas do Gótico e da Darkwave são anteriores ao Punk
1976- 77. Se o Gótico tivesse simplesmente surgido do Punk, a maioria de suas
características principais teriam surgido do nada. O Glam-Rock, o New-Romantic
e o KrautRock, por exemplo, também tiveram grande influência na formação do
Gótico, sem falar das influências não musicais.
37 Que outros estilos musicais e subculturas influenciaram e influenciam
de alguma forma a música da subcultura Gótica?
Algumas dúvidas sobre isso podem ser esclarecidas no capítulo 15- Glossário
de Estilos Musicais relacionados à Subcultura Gótica.
38 O que é Pós-Punk?
Não vamos entrar em detalhes da historia do Pos-Punk aqui. Do ponto de vista
do Gótico, basta saber que de 1979 a 1983, entre as muitas bandas que eram
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
consideradas Pos-Punk apenas algumas eram ao mesmo tempo consideradas
Góticas. Assim, nem tudo o que é Pos-Punk é Gótico!!!
39 Ah! Entendi! Então nem tudo o que é Pos-Punk é Gótico! Mas tudo o
que é Gótico é Pós-Punk?
Nâãããããão!!! Talvez apenas bem no começo, quando, afinal, praticamente TUDO
era Pos-Punk e a subculttura Gótica ainda não havia se definido totalmente.
Hoje a subcultura Gótica se expressa através de vários outros estilos.
40 Qual a diferença entre Gótico e DeathRock?
Sabe aqueles casais que vivem resmungando e brigando o dia inteiro por déca-
das a fio, mas que não tem coragem para se separar, nem para admitir
que se amam? … um caso desses. A diferença é de grau, alguns elementos são
mais explorados no Deathrock e outros mais no Gótico. Musicalmente o
DeathRock costuma trabalhar com tendências mais próximas ao punk, apesar
de algumas bandas trabalharem com rock e eletrônico, mas sempre de forma
mais minimalista. Tematicamente, o Death-Rock tende mais para o humor, horror
e ironia. Não que o Gótico não trabalhe também com estes traços, mas de forma
menos acentuada. A temática Gótica costuma ser um pouco mais “trágica”, mas
ao mesmo tempo irônica. O DeathRock pode tanto participar de uma cena
Gótica quanto se organizar em uma cena paralela.
41 Góticos têm que gostar de frequentar cemitérios?
Não, não existe nenhuma lei que diga que você tem que ir ao cemitério ou gostar
de cemitérios para ser Gótico. Mas na subcultura e na música Gótica/Darkwave
estão muito presentes as temáticas da fugacidade da vida, da morte como algo 35
que está presente o tempo inteiro dando significado à existência, do carpe diem,
etc, então a atração pelos cemitérios acontece muitas vezes, seja para refletir
sobre o sentido da vida ou para zombar da morte. Enquanto podemos…
Além disso, muitos Góticos (e não-Góticos também) apreciam a Arte Tumular
(esculturas, pinturas e arquiteturas características dos cemitérios). Maiores
informações sobre Arte Tumular em cemitérios de São Paulo:
http://portal.prefeitura.sp.gov.br/empresas_autarquias/servico_funerario/
arte_tumular/0001
42 O que é Carpe Diem?
Ditado e estilo de vida: em Latin: “aproveita o dia” (de hoje) pois a morte pode
chegar já amanhã. A versão mais usada pelos Góticos é “Carpe Noctem” (apro-
veita a noite) no mesmo sentido que a outra expressão.
43 Porque os góticos usam crucifixo?
O uso de um crucifixo por alguém vestido e maquiado como um gótico já é algo
de deixar as velhinhas da missa das 6 da manhã com os cabelos mais em pé
que os nossos (e sem laquê, nem sabonete seco...rs). O uso de crucifixos surgiu
em parte pela temática de sofrimento (paixão) e sacrifício do cristianismo e em
parte pela intenção herética de colocar símbolos religiosos em contextos
mundanos ou esdrúxulos.
44 Porque os góticos usam Ankh?
Este símbolo se tornou popular entre os Góticos sendo relacionado ao
Vampirismo depois do filme “The Hunger” (Fome de Viver, 1983). Neste filme,
David Bowie e Catherine Deneuve representam um casal de vampiros. No início
há uma cena em que a dupla está à espreita de suas presas numa casa noturna
ao som de “Bela Lugosis’s Dead”, tocada pelo próprio Bauhaus, com seu
vocalista Peter Murphy cantando atrás de grades. O detalhe é que este casal
de vampiros não tem caninos proeminentes: usam colares cujos pingentes são
Ankhs egípcios com pontas afiadas que servem para cortar as veias de suas
vítimas. A vampira ancestral está viva desde o antigo Egito, o que justifica no
roteiro a apropriação deste antigo símbolo religioso egípcio (o Ankh) em um
novo contexto. O filme discute questões existenciais sobre a vida e a morte.
Posteriormente, em 1989, Neil Gaiman usou o visual da subcultura Gótica para
seus personagens da premiada série de quadrinhos “SandMan”. A personagem
Morte (Death), por exemplo, é uma simpática e irônica garota Gótica que usa um
grande Ankh. Esta série de quadrinhos popularizou ainda mais o uso do Ankh.
45 Os góticos são satanistas?
A subcultura Gótica/Darkwave não tem ligação com nenhuma religião ou anti-reli-
gião organizada. Aliás, no Gótico, quase tudo é desorganizado, he-he…
Aliás, é exatamente por isso que estamos fazendo esse FAQ.
46 Os góticos cultuam a morte?
Só aquela da HQ Sandman, que é a maior gatinha! Rss… Mas falando sério,
36 essa HQ é bem legal e tem a ver com a questão da Morte na subcultura
Gótica e Darkwave. Afinal, “a morte é o alto preço da vida”.
47 Os góticos e góticas são homossexuais ou bissexuais?
Só os que são. Mas não podemos esquecer que quando a subcultura
Gótica surgiu, ainda nos anos 1980, a sociedade era muito mais conservadora
e machista do que hoje. Imagine um bando de rapazes usando maquiagem e
esmalte e pregando que homens podem ter sentimentos históricamente
definidos como femininos? Fomos imediatamente rotulados de “viados”.
O fato da estética Gótica/Darkwave/Death-Rocker ter adotado a Androginia ou
a maquiagem teatral fez com que ela acabasse sendo inicialmente um refúgio
para indivíduos de todas as 2.328 opções sexuais existentes, até mesmo para
as mais depravadas de todas, como a castidade.
Então, se você vai frequentar a subcultura e a cena Gótica, precisa saber que
vai encontrar pessoas de todas as orientações sexuais e que tolerância faz parte
de nossa história e tradição. Mas evidentemente, seria um absurdo alguém ser
obrigado a ter uma orientação sexual ou outra para fazer parte dessa cena.
48 Vejo muito visual S&M na cena Gótica. Os Góticos são sadomasoquistas?
Novamente, somente os que são. Os Góticos são fetichistas, gostam de insinuar,
de brincar de faz-de-conta, porém apenas alguns Góticos são realmente S&M,
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
sendo isso uma opção sexual pessoal. Quanto ao estilo S&M de visual, o mesmo
está presente na cena Gótica desde o início, nos anos 80.
49 O que significa androginia?
Androginia significa ter uma determinada aparência tal que seu sexo não possa
ser definido a primeira vista. Assim, você pode encontrar uma mulher que você
não consegue identificar se é homem ou mulher, ou um homem que você não
consegue identificar o sexo. Androginia é uma opcão estética, e não uma opção
sexual. E é muito difícil conseguir parecer totalmente andrógino (poucos nascem
naturalmente assim). A maioria se contenta em adotar elementos estéticos
do sexo oposto por diversão e/ou fetichismo.
50 Para ser um gótico verdadeiro eu preciso usar o visual gótico
o tempo todo???
Não. Não mesmo. Sim, tenho certeza. Pois é...
Além disso, precisamos entender que qualquer cultura e subcultura tem sua
indumentária cotidiana e outra indumentária “de festa”. Como em qualquer
evento social, nas festas as pessoas usam a “indumentária cultural” mais
completa e especial. Em outras palavras, você não precisa usar sobretudo de
lã e maquiagem teatral sob um sol de 40 graus e nem pedir demissão do seu
trabalho porque lá as pessoas não entendem muito bem o seu visual...rs.
Todavia a indumentária é um elemento cultural importante em qualquer
subcultura ou cultura.
51 Para ser Gótico eu preciso ser fã de “Vampiros”? Se eu sou fã
de “Vampiros” eu sou Gótico? 37
Nem uma coisa nem outra. Existe a subcultura Gótica/Darkwave que aborda,
às vezes, temas vampíricos entre muitos outros. Existem, paralelamente, fãs
de “Vampiros”. Assim:
a. você pode ser Gótico e fã de “Vampiros” (vários Góticos usam visual
“vampírico”)
b. você pode ser Gótico e não ser fã de “Vampiros”
c. você pode ser fã de “Vampiros” e não ser Gótico.
52 O que é ser “Mixirica”?
Mixirica é uma gíria já antiga na cena Gótica brasileira, que pode ser usada
tanto de forma carinhosa como pejorativa. “Mixirica” significa “exagerar” ou ser
“afetado” no comportamento, linguajar ou visual Gótico. Pode querer dizer que
algo é “estereotipadamente gótico”, tanto para o bem como para o mal. Afinal
todo mundo tem seu momento mais “mixiricoso” e isso sempre é muito divertido.
53 O que é Wannabe?
Wannabe singnifica “querer ser” em Inglês. Significa alguém novo em uma cena,
que ainda está aprendendo sobre ela mas ainda não sabe muito. Dependendo
da pessoa que usa o termo, pode ser usado no sentido positivo ou como crítica
(o que, inflizmente, é mais comum).
54 Quais os símbolos mais recorrentes na subcultura Gótica?
Observando a produção artística relacionada a subcultura Gótica desde seu
começo até hoje, alguns símbolos e imagens são recorrentes. Veja a lista de
símbolos importantes no Capítulo 12- Símbolos Recorrentes na
Subcultura Gótica.
55 Agora que eu já li tudo isso eu sei tudo sobre o que é Gótico?
Não, seus problemas acabaram de começar..he-he. Aprender é aumentar a
complexidade de nossas dúvidas e torná-las mais interessantes e menos banais.
De qualquer forma, seja bem vindo ao clube das incertezas!!!
Se depois de beber uma boa taça de vinho com gelo sob o refrescante luar
você já tiver relaxado e desejar pesquisar mais sobre algumas das questões aqui
citadas, talvez você encontre algo do seu interesse no restante do livro.

Kipper, freqüenta a cena Gótica paulista desde 1990;


Flávia Flanshaid, freqüenta a cena Gótica paulista desde 1995.

06  ESTRUTURA DA SUBCULTURA GÓTICA


INTRODUÇÃO: SUBCULTURAS TRANSLOCAIS HOJE
38 Abaixo, entre outras obviedades e lugares comuns, consideraremos que
o diferencial entre remédio e o veneno é a dosagem, não a substância.
Ou tentaremos imaginar alguma metáfora mais criativa, caso merecer-
mos a simpatia das musas. Também mostraremos como somos inteligentes
e modestos, e que não somos uma fase da adolescência.
Da mesma forma que os dois reis de Alice no País das Maravilhas, pen-
sadores de diversos matizes ideológicos discordam em quase tudo, mas
concordam em um ponto: que a mídia e o comércio impedem a formação
de grupos culturais (e, logicamente, também os subculturais) com substân-
cia, consistência e significado. Apenas uns repudiam e lamentam esta fata-
lidade, enquanto outros a celebram.
Não é nosso objetivo aqui avaliar a procedência daquela lamentação ou
desta celebração.
Mas naquilo que interessa a descrição da subcultura Gótica, precisamos
questionar o pressuposto inicial da incompatibilidade total entre mídia-
comércio e cultura significativa.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
Aqui pouparemos nosso querido leitor deixando para manifestar todo
nosso desprezo por certas tendências ideológicas em um próximo livro,
fazendo-o então da forma mais pedante, impiedosa e sarcástica possível.
Ora, alguém esperaria menos de um Gótico?
Mas seguindo com o féretro: neste livro usamos o termo subcultura no
sentido de um grupamento social relativamente independente, dentro de
um outro grupamento cultural dominante.
E, muito importante: partimos da constatação que a cultura dominan-
te e estas subculturas adjacentes não são mais delimitadas regional ou geo-
graficamente. Temos grupamentos subculturais com números variáveis e
integrantes delimitados geograficamente, mas estes grupamentos localiza-
dos estão ao mesmo tempo ligados por identidade, consistência e em
comunicação com outros grupamentos locais ou com indivíduos isolados
em locais em que não existem grupamentos subculturais.
Mas mesmo um indivíduo em uma região em que exista seu grupo sub-
cultural pode não depender apenas deste, e estar mais ou apenas ligado a
outros grupamentos subculturais em outros locais.
O motivo de ressaltarmos este ponto é desestimular qualquer confusão 39
da subcultura Gótica com grupos ou gangues urbanas limitadas regional-
mente, que dependem de um comprometimento local e, muitas vezes, de
uma hierarquia. Uma subcultura translocal funciona de forma diferente.
a) TENDÊNCIA À INTEGRAÇÃO
O que diferencia uma subcultura da cultura hegemônica de uma época
e região não é apenas quais elementos apresenta. Mas, isto sim, a forma
pela qual uma dada subcultura se apropria desses elementos, em que sis-
tema os insere e, principalmente, a estrutura interna desta subcultura.
Subculturas, hoje, tendem a integrar as diversas esferas de conhecimen-
to e relação social através dos quais o estilo subcultural é expresso. A cul-
tura hegemônica, pelo contrário, hoje tende a fragmentar estas esferas, tra-
tando artes, trabalho, cultura, diversão, educação, entretenimento, comér-
cio, religiosidade, etc como universos separados.
Há várias hipóteses sobre os motivos pelos quais a sociedade hegemô-
nica atual se organiza desta forma. Dentre eles, o filósofo Robert Kurz
comenta que a fragmentação de todas as áreas de atuação humana em
esferas separadas serve à hipertrofia da esfera econômica, a qual, hoje, seria
a única esfera que atribuiria “valor” às outras esferas. Evidentemente esta
valoração apenas a partir da esfera econômica gera nos indivíduos uma
falta de sentido que pode ser medida pelos ascendentes gráficos de vendas
dos prozacs, viagras e reguladores de apetite…
Caso esta interpretação esteja correta, ela explicaria porque a falta de
“sentido” e “significado” da vida é uma reclamação constante de nossa
época. Ao mesmo tempo, poderíamos entender porque uma das grandes
justificativas dos participantes de subculturas é que elas “fazem sentido”.
De fato, as subculturas, em seu microcosmo mais integrado, reprodu-
zem de uma forma mais flexível as estruturas de culturas tradicionais das
sociedades integradas do passado, mas com a vantagem de você poder
entrar e sair dela e questioná-la ou construir criativamente comportamen-
tos desviantes.
b) TRANSLOCALIDADE E LIBERDADE INDIVIDUAL
Diferentemente de subculturas do passado, “práticas, identidades e
40 comunidades culturais cara-a-cara e localizadas” não são mais “o único
exemplo possível de agrupamentos culturais substantivos em pequena
escala…”.
As subculturas hoje se estendem pelo mundo todo, sem que necessa-
riamente um indivíduo dependa de uma “liderança” ou “grupo” local para
mediar sua participação subcultural. Esse processo se torna mais notável
nas subculturas substanciais e de longa duração, como a Gótica.
Subculturas hoje, e já há algum tempo, são fenômenos que não estão
restritos no espaço. Góticos de países diferentes provavelmente encontra-
rão mais em comum entre si do que com seus vizinhos nos seus respecti-
vos bairros.
c) MÍDIA E MERCADO
“Uma subcultura -no sentido usado neste livro- indica um agrupamen-
to relativamente independente dentro de uma sociedade diferente.”
(Hodkinson, 2002)
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
Não existem nem bancos, nem escolas, nem hospitais Góticos, nem uma
estrutura política oficial. Por isso nos referimos a uma subcultura como
algo “dentro” de uma sociedade diferente.
Consideramos que esta subcultura se organiza de uma forma que
desenvolve sua mídia própria e seu sistema micro-econômico, e que estas
estruturas só são subculturais enquanto estão integradas e servem a outras
estruturas subculturais, como o significado, a diferenciação cultural e a
integração deste grupo.
A esfera econômica permanece presente, mas ela é apenas um meio,
não é a única esfera que dá sentido ao todo, como acontece na cultura
economificada hegemônica hoje. “Conseqüentemente não é necessário um
isolamento ou oposição a nenhuma “cultura dominante” unificada nem,
sem dúvida, ao sistema capitalista que permeia todos os elementos das
sociedades Ocidentais.”
No mundo inteiro, e também no Brasil, parte dos Góticos trabalha e vive
em empreendimentos comerciais, lojas, revistas, clubes, confecções especia-
lizadas e centrados na subcultura gótica. A existência desta rede de micro-
mídia e micro-comércio não descaracteriza a coesão dos quatro elementos
de “unidade” subcultural que, segundo a classificação de Hodkinson, des-
41
crevemos no ítem a seguir.

6.1  INDICADORES DE CONSISTÊNCIA


SUBCULTURAL:
As citações entre aspas deste capítulo “Estrutura da Subcultura Gótica”
são de Paul Hodkinson.
“O estilo encapsula importantes elementos de diversidade e dinamismo,
suas fronteiras não são absolutas, e os níveis de comprometimento variam
de um indivíduo para outro.Além disso, mais do que se basear inteiramen-
te na gravitação automática de seus participantes, as construções iniciais e
sua subseqüente sobrevivência se baseou em redes de informação e orga-
nização internas e externas, freqüentemente na forma de mídia e comér-
cio." (Hodkinson, 2002)
Podemos listar na subcultura Gótica, quatro fatores interligados e com-
plementares de consistência subcultural:
• DIFERENCIAÇÃO CONSISTENTE
• IDENTIDADE
• COMPROMETIMENTO
• AUTONOMIA

a) DIFERENCIAÇÃO CONSISTENTE e TRANSLOCALIDADE


Apesar das naturais evoluções e variações ao longo do tempo, a subcul-
tura gótica apresenta uma coerência estética, simbólica e de significado
nestas duas décadas e mais alguns anos. Se tomarmos os desenvolvimen-
tos desde 1984, quando os padrões ficam mais definidos e conscientes, até
hoje, essa variação mantém sua consistência interna.
Góticos de todo o mundo e das diversas variantes da subcultura Gótica
se reconhecem com facilidade. E provavelmente eu terei uma visão de
mundo e mais assuntos em comum com um Gótico da "Xland" a milhares
de quilômetros de minha casa do que com meu vizinho da porta da fren-
te. Por isso podemos dizer que a subcultura Gótica é "translocal": é um
grupo social que não é definido nem limitado por uma unidade espacial ou
42 territorial. Evidentemente as cenas de cada país tem suas peculiaridades,
mas elas não chegam a desfazer o nexo subcultural nem de significados em
comum.
Mas ao mesmo tempo não acontece uma uniformização ou constitui-
ção de um exército de clones: como em qualquer cultura, mesmo compar-
tilhando de um background subcultural em comum, os indivíduos conti-
nuam indivíduos e expressam suas visões individuais. Também, dentro do
rico leque estético e cultural da subcultura Gótica, existe um incentivo à
criatividade e à individualidade.
b) IDENTIDADE:
“(...) um claro e sustentado senso de identidade grupal, por si só, come-
ça a estabelecer um agrupamento como substantivo em vez de efêmero. No
caso da cena Gótica, enquanto a precisa importância da identidade subcul-
tural relativa a outros aspectos da vida diferia entre os góticos, podemos
observar que um senso de semelhança de pensamento (NT: “like-minded-
ness") com outros góticos- sem importar sua localização geográfica- era
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
freqüentemente considerado pelos participantes como a mais importante
parte de sua identidade." (Hodkinson, 2002).
Essa “semelhança de pensamento" não se configura como uma “ideo-
logia" no sentido político do termo nem com uma "filosofia" no sentido
acadêmico do termo, mas sim como uma “visão de mundo" compartilhada
e expressa esteticamente, o que pode ser verificado de forma estável nessa
produção subcultural nos últimos 20 anos.

c) COMPROMETIMENTO:
Lamentamos informar a pais e parentes (e filhos…) que a participação
na subcultura Gótica não é uma fase da adolescência. Hoje temos Góticos
dos 13 aos 45 anos, no mínimo. Para muitas pessoas, ser Gótico é algo para
a vida toda, mesmo que para alguns destes a forma de participação e
expressão, com o passar do tempo, se torne mais reservada ou discreta.
Góticos constituem família, tem filhos e netos. Trabalham e desenvol-
vem carreiras nas mais diversas profissões, sem nunca perder o bom humor
e a ironia pelo fato de o resto da humanidade ter menos senso de humor
mórbido ou ser limitada esteticamente. 43
Evidentemente, para aqueles adolescentes que se aproximam de algu-
ma subcultura ou grupo modista apenas para, por algum tempo, “perten-
cer a um grupo", essa participação vai ser uma fase adolescente pelo sim-
ples fato de que este é um comportamento típico da adolescência. Mas
estes não nos interessam aqui, pois abandonarão a subcultura em um
período curto, tendo em geral a reação típica de desprezar o grupo ao qual
havia se filiado, considerando-o como “bobagem adolescente", que não
interessa a alguém agora tão “adulto". Hm. Bem, Freud explica…
Mas o que nos interessa aqui são aqueles indivíduos que permanecem,
pois realmente aconteceu uma identificação entre sua visão de mundo pes-
soal e pelo menos parte da visão de mundo expressa pela subcultura
Gótica. Provavelmente alguns destes tenham se aproximado por motivos
totalmente aleatórios, “de gaiato", ou levados por amigos ou até por aci-
dente. Isto não importa. O que importa é que permaneceram porque ocor-
reu uma identificação.
Identificação inicial que na maioria das vezes não é racional, mas, como
uma paixão, nem por isso é menos significativa.
Com o passar dos anos, a pessoa vai aos poucos entendendo as razões
desta atração inicial. Não é sábio esperar que alguém que participa há
pouco tempo já tenha uma visão consciente dos motivos de sua participa-
ção, pois provavelmente isso seria forçado. Isso é algo que acontece natu-
ralmente com o tempo.
Ninguém aqui tem pressa, não é mesmo?
Também não é incomum indivíduos participarem ativamente por um
período, depois passarem por um período mais reservado ou isolado, depois
voltando a participar de atividades coletivas. Muitas vezes estas fases se
intercalam. Outras vezes um Gótico se torna, depois de alguns anos, um
gótico “indoor" (caseiro), e nem mesmo seus vizinhos desconfiam.
Portanto, cuidado a quem você empresta açúcar: sua xícara pode vol-
tar decorada com morcegos adesivos.
d) AUTONOMIA:
Paul Hodkinson publicou em 2002 uma aprofundada pesquisa sobre a
44 subcultura Gótica na Inglaterra até o final dos anos 90. Sobre a questão do
comércio e mídia, ele comenta:
“(...) eu tenho consistentemente levantado dúvidas sobre as várias pers-
pectivas que assumem que a mídia e o comércio atuam como catalisado-
res para o colapso de agrupamentos substantivos. Em contraste, minha
noção retrabalhada de subcultura considera ambos ( NT: mídia e comércio)
elementos cruciais das sociedades ocidentais contemporâneas como essen-
ciais para a construção e facilitação de subculturas. Logo, por detrás das
identidades, práticas e valores da cena gótica, jaz uma complexa infra-
estrutura de eventos, bens de consumo e comunicação, todos completa-
mente implicados em mídia e comércio."
E logo a seguir:
“(...) precisamos diferenciar entre diferentes níveis e escalas de mídia e
comércio e, conseqüentemente, diferentes tipos de agrupamentos. (...)
Devemos reconhecer que o envolvimento de um agrupamento com certas
atividades lucrativas de forma alguma retira o significado de quaisquer ati-
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
vidades voluntárias que também contribuem para sua sobrevivência e
desenvolvimento. (...)"
O comércio e a economia já existiam milênios antes do capitalismo.
O problema é o capitalismo selvagem, não a economia. Importante não
confundir as duas coisas. As sociedades de cultura integrada usavam uma
economia pra funcionar, mas a diferença é que o valor e o significado
naquelas culturas integradas não provinha apenas da esfera econômica,
sendo a esfera econômica apenas um elo na cadeia, um meio. E não um
fim em si mesmo nem a origem de todo valor e sentido, como acontece em
nossa querida pós-modernidade capitalista.
Assim, o que diferencia o remédio do veneno é a dosagem, não a subs-
tância:
“(...) nosso interesse específico aqui é distinguir entre formas internas
ou subculturais de comércio e mídia - que operam quase exclusivamente
dentro das redes dos agrupamentos específicos- e os produtos e serviços
externos e não-subculturais, produzidos por interesses comerciais de larga
escala interessados em uma base de consumidores mais ampla."
Assim, é importante notar que, ao invés de “desvalorizar" ou “viciar" o 45
seu caráter subcultural, é exatamente a existência de uma rede de micro-
comércio e micro-mídia dentro e a serviço da cena Gótica que viabiliza sua
existência enquanto subcultura. E, como subcultura, também é esta estru-
tura que coloca a mídia e o comércio a serviço de um sistema cultural e de
um grupo social- e não o contrário.
OBS: As citações entre aspas deste capítulo são de Paul Hodkinson.

07  CARACTERÍSTICAS DA SUBCULTURA GÓTICA


“É preciso enfatizar que os indivíduos montavam seu próprio estilo
selecionando dentre os elementos que eu descrevo e que, como conse-
qüência, poucos, senão nenhum, adotavam todos eles. O valor destas cate-
gorias é que elas permitem a demonstração da consistência estilística geral
da cena Gótica, sem deixar de lado os elementos de diversidade e dinamis-
mo.” (Hodkinson, 2002)
Como toda subcultura (e cultura) moderna, a subcultura Gótica “rou-
bou” quase todos seus artefatos e símbolos de outros sistemas estéticos e
simbólicos, montando um novo sistema seu, no qual estes elementos rea-
propriados são resignificados.
Portanto, buscar o “significado do Gótico” analisando em detalhe seus
elementos isoladamente pode, às vezes, mais nos confundir do que escla-
recer. Isso pode acontecer porque somente em relação ao sistema de repre-
sentações da subcultura Gótica é que estes elementos produzem o sentido
desta. É preciso observar o sistema como um todo para entender os ele-
mentos e, então, se pode perceber por que algumas características destes
elementos são ressaltadas na subcultura Gótica, e outras não.
Também seria muito extenso listar e analisar ícone por ícone, tótem por
tótem, tabu por tabu. Em vez disso, vamos aqui desenvolver a descrição
feita na pesquisa sobre a subcultura Gótica Inglesa realizada pelo cientista
social Paul Hodkinson.
Hodkinson dividiu didaticamente as características principais em três
grandes grupos: (a) o obscuro e o macabro, (b) o feminino e o ambíguo e
(c) elementos de outras subculturas. Depois faz comparações ao longo dos
46 20 anos de história da subcultura Gótica até o final da sua pesquisa (apro-
ximadamente 1980-2000).
Aqui acrescentaremos mais dois grupos de características que são
baseados na pesquisa sobre a cena Francesa realizada pelo cientista social
Antoine Durafour: (d) a teatralização e o corpo e (e) apologia a cultura e
saudosismo.
Observando características da subcultura Gótica no Brasil, notamos que
os processos são similares, apenas com uma média de alguns anos de atra-
so. Comparativamente a relatos de outros autores que fizeram descrições
recentes sobre a subcultura Gótica e Darkwave em outros países, chegamos
a mesma conclusão, apesar das peculiaridades de tendência e nomeclatura
de cada cena local.
a. O SOMBRIO E O MACABRO
Nem tudo que é obscuro e/ou macabro se insere no repertório e sensi-
bilidade da subcultura Gótica mas, em relação com os demais elementos
subculturais, o obscuro e o macabro são elementos essencias nesta subcul-
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
tura. Todavia a forma como Góticos e Darkwavers abordam o obscuro e o
macabro obviamente difere da forma como outras subculturas e o mains-
tream desenvolvem estes temas.
Observando os Góticos desde a década de 80 até 2007, percebemos,
apesar das atualizações de visual e repertório, e variações de ênfase, que
alguns elementos estéticos permanecem quase imutáveis: a preferência por
uma estética roubada de filmes ou peças expressionistas, misturada a ele-
mentos circenses, de cabaret, vitorianos, glam e de filmes noir, sejam, poli-
ciais ou ficção científica. Temos também a recorrência de faces maquiadas
de forma semelhante ao cinema expressionista ou teatro butoh, com faces
esbranquiçadas e traços de preto alongados ao longo dos olhos.
Costumamos ter uma attitude “camp” (ou “teatral auto-irônica”) condizen-
te com esta estética.
Na área da música, percebemos na subcultura Gótica uma variedade de
estilos musicais que raras vezes encontramos em outras subculturas (geral-
mente organizadas em torno de um estilo musical e suas variações, das
quais deriva seu nome, como o metal, o hip-hop, etc). No caso do Gótico
o que unifica esta variedade é o uso de recursos que buscam causar efei-
tos normalmente adjetivados como “escura”, “profunda” e “sombria”, 47
mesmo que os estilos musicais mais comuns na subcultura Gótica sejam
dançantes ou agitados, como o Rock, o Synth-Pop, a Darkwave, Eletro,
“Indie”, etc.
Os vocais masculinos tendem a ter voz profunda e grave, ou entrecor-
tada e sussurante. Os vocais femininos variam de fortes e mais agressivos
(como no pos-punk) a etéricos ou sussurantes (como na Darkwave e ethe-
real). Se no começo dos anos 80 tínhamos o som Gótico mais baseado em
guitarras, ao longo dos anos 90 se popularizam as tendências eletrônicas
ligadas aos estilos genericamente chamados de “Darkwave” (um termo que
tem várias interpretações). O fato é que hoje temos uma grande variedade
de estilos musicais relacionados coerentemente ao Gótico. Mesmo bandas
com sonoridade mais “dance” mantiveram algum tipo de tema obscuro,
vocais profundos, letras sombrias e metafóricas e “poderosos acordes
atmosféricos”.
A forma como nos vestimos também é uma forma de discurso e comu-
nicação públicos. Historicamente, a base do vestuário Gótico é preta, acei-
tando algumas cores como sobreposição. Quais cores e a quantidade delas
é uma tendência interna que varia ao longo das décadas dentro da própria
subcultura Gótica e em cada cena local. Por exemplo, no começo dos anos
80 temos uma variedade de cores devido à ainda recente força da estética
New-Romantic e New Wave. Na passagem dos anos 80 para os 90 temos
um predomínio do preto, e, no final dos anos 90, temos a volta de algu-
mas cores antes até proibidas, como o verde limão e o rosa, usados em
detalhes sobre o preto (devido a influência cyber goth, mas as tendências
ligadas aos estilos batcave e deathrock também voltaram com força na sua
sobreposição infernal de texturas, cores e materiais rasgados).
Claro que estes elementos decorativos são usados em conjunto com
outros elementos historicamente usados e claramente “obscuros e sinis-
tros”, como forma de manter a identificação subcultural.
Se no começo dos anos 80 a herança punk e new-romantic já legara
aos góticos alguns cabides com roupas de estilo vitoriano e seus babados,
a moda cinematográfica dos anos 90 focada no imaginário de horror góti-
co vitoriano exacerbou esta característica, se tornando uma tendência forte
a partir desta época. Se antes a temática vampírica já estava presente na
48 estética da subcultura Gótica como um dos diversos cabides de seu armá-
rio, a exacerbação destes elementos levou a uma reação dentro da própria
subcultura, contra o exagero no uso destes elementos, rejeitando quem
levava tal temática muito a sério.
Se na música e na roupa as manifestações do sombrio e do macabro
são “claras” (sic), também no comportamento os Góticos tendem a ser bas-
tante específicos na sua abordagem. Excessivo amuo ou declarações exa-
geradas de “depressão” passaram a ser vistas de forma negativa por boa
parte dos Góticos, como algo que seria uma invasão de comportamentos
vindos da forma caricatural e preconceituosa como a sociedade vê os
Góticos. A seriedade passou a ser vista como algo negativo dentro da sub-
cultura Gótica, historicamente ligada ao humo-negro e atitude camp/ tea-
tral, apesar da efetiva tragicidade lírica de muitas bandas.
Como qualquer outra subcultura ou a própria cultura dominante, tam-
bém a subcultura Gótica possui uma linguagem comportamental e gestual
específica.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
b. O FEMININO E O AMBÍGUO
“Para esta ética de estética, eles (nt: Góticos) se distanciam de todo
imaginário brutal que poderíamos encontrar entre certos grupos de metal
extremo. No seio do meio Gótico, valoriza-se mais a feminilidade, a andro-
ginia e o espírito dandy.” (Durafour)
Inicialmente é preciso advertir que aqui nos referimos ao “feminino”
como manifestações comportamentais, e não como gênero biológico ou
opção sexual. E isso só pode ser compreendido se considerarmos que a
divisão das características humanas em papéis “femininos” e “masculinos”
é, em grande parte, construída histórica e ideologicamente.
“Embora sem a paródia, ou sem fins políticos explícitos, o meio-ambien-
te padrão característico da cena Gótica afrouxou consistentemente os elos
entre as facetas estilísticas dos gêneros e as categorias sexuais fixas de
homem e mulher. Mais especificamente, sem realmente considerar estas cate-
gorias insignificantes, o gótico, desde o seu começo, se caracterizou pela pre-
dominância, tanto nos homens quanto nas mulheres, de tipos de estilos
específicos que seriam normalmente associados com feminilidade.”
(Hodkinson, 2002).
Se observarmos a estética, temas líricos e atitudes góticas desde os anos 49
80, é difícil não perceber que esta subcultura teve um papel de consolida-
ção e ruptura na “segunda fase da revolução sexual” do século XX. Se nos
anos 60 as mulheres saíram as ruas lutando por ter direito a comportamen-
tos considerados historicamente “dos homens”, na passagem dos anos 70
para os 80 temos o começo de um movimento masculino pela reintegra-
ção de partes do comportamento humano que eram tabus para os homens
dos séculos anteriores por serem considerados “femininos”.
Obviamente a subcultura Gótica não é militante neste sentido, mas ela
surge e se desenvolve neste contexto. Especialmente no Brasil do final dos
anos 80, um país conservador e predominantemente católico saindo de
uma ditadura militar de direita. Lembremos que uma “cena” GLS autôno-
ma só vai se estruturar abertamente no Brasil nos anos 90.
Desde os anos 80, estilos específicos de maquiagem, que tem sido
lugar-comum desde os tempos da banda Bauhaus (1979-1983), permane-
ceram populares tanto para os homens quanto para as mulheres durante o
final dos anos 1990 e ainda hoje em pleno século XXI.
A quantidade de jóias prateadas espalhadas pelo corpo e roupas tam-
bém permanece, tendo apenas aumentado em quantidade e variedade
durante os anos 90, especialmente com a popularização dos piercings. Mas
isso é um sintoma do aumento da tolerância dos costumes: se nos anos 80
bastavam dois brincos para um rapaz sofrer preconceito na rua e ser olha-
do com estranheza, ao longo dos anos 90 os brincos masculinos deixaram
de ser sinônimo de homossexualidade e/ou ligações ilegais. Assim, Góticos
e alternativos passaram a se esbaldar na quantidade de brincos, piercings e
cores de cabelo, especialmente nas zonas urbanas e metrópoles, historica-
mente centros que irradiam mudanças de comportamento.
Dentro desse contexto, se nos anos 80 o elemento de feminilidade era
expresso de forma relativamente mais “discreta” no seio da subcultura Gótica,
ao longo dos anos 90 ele passou a ser expresso sem nenhum pudor. Se antes
o uso de meias arrastão por todo o corpo era restrito às bandas e aos mais
ousados, nos anos 90 e até hoje se tornaram um lugar comum para ambos
os sexos, assim como proliferou o uso de saias longas ou curtas para os
homens, juntamente com o fetiche por adereços Sado-Masoquistas.
No Brasil, é facil compreender essas mudanças também no contexto das
ruas: entre 1988-1992 (ou até o final dos anos 90 em alguns casos)
50 Góticos saiam de casa “disfarçados de normal”, deixando para fazer sua
maquiagem e vestir roupas mais ousadas apenas nos banheiros ou calçadas
de seus clubes, pelo simples motivo de que era muito perigoso usar um
visual fora dos padrões nas ruas naquelas épocas. Era comum o preconcei-
to, ameaças ou agressões de fato, provindas tanto de populares como de
outros grupos subculturais que tem a homofobia e comportamentos rígi-
dos em sua cartilha de comportamentos. Hoje isso ainda acontece, mas
com menor freqüência.
“Em um movimento que remonta a algumas das influências punks ori-
ginais, aspectos da cena fetichista dos anos 1990, e, indubitavelmente, a
indústria do sexo, se tornaram largamente populares. Era cada vez mais
fácil ver Góticos de ambos os sexos vestindo calças, camisas, saias, corsets,
tops e coleiras de borracha ou PVC preto e, às vezes, colorido (...)
Importantíssimo, no contexto da cena Gótica, do mais simples ao mais
radical exemplo destas vestimentas foram sempre valorados mais em ter-
mos de suas qualidades estéticas subculturais do que por suas conotações
sexuais.” (Hodkinson, 2002).
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
Desde os anos 80 até hoje os tipos físicos mais “desejados” no seio da
subcultura Gótica tendem a borrar os limites do “masculino” e “feminino”,
principalmente no visual masculino. Historicamente, rostos e corpos finos,
esguios ou alongados são valorizados tanto para homens quanto para
mulheres. Já no estilo de corpo mais “cheio” a capacidade de apresentar
um vasto decote de seios abundantes (mesmo que impulsionados por cor-
sets ultra apertados…) é valorizado entre as mulheres. Entre os homens,
Robert Smith e Frank The Baptist são bos exemplos de “gordinhos fofos”
que representam outro padrão estético comum.
Um homem considerado “efeminado” pelo padrão estético da cultura
dominante ou mesmo em outras subculturas, provavelmente teria vanta-
gens na cena Gótica. Mas se no passado a cena Gótica teria sido sua única
opção de esconderijo, desde os anos 90 existem algumas outras cenas além
da Gótica onde os andróginos podem se sentir confortáveis, notadamente
a cena chamada no Brasil de “Indie”, entre outras.
“… ser “um pouco emotivo as vezes”, em adição a sua aparência esguia,
indica claramente que a demonstração pelos homens de certas característi-
cas comportamentais e atitudes associadas com a feminilidade era também
mais comum na cena Gótica do que na maioria dos elementos da socieda- 51
de fora dela. Isso certamente se reflete fortemente em alguns exemplos da
música gótica, nos quais os estereótipos de temas emocionais, auto-indul-
gentes e angustiados- todos os quais tendem a ser mais associados com a
feminilidade do que com a masculinidade- são uma generalização, mas
não de toda imprecisa.” (Hodkinson, 2002)
Esta aceitação de que homens tenham comportamentos e expressem
emoções historiamente consideradas femininas não significa que exista um
padrão de homossexualidade na cena. A grande questão é que existe uma
dissociação entre o “papel social/comportamental” e a opção sexual. Isso
quer dizer que um homem pode ser “feminino” e heterossexual. Esta tole-
rância comportamental levou a que várias coisas deixassem de ser tabu na
cena Gótica, como o contato físico fraternal entre pessoas do mesmo sexo,
algo ainda problemático em outros grupos culturais.
Ao mesmo tempo, a cena Gótica se manteve como um ambiente segu-
ro e hospitaleiro para comportamentos homossexuais e bissexuais, até
mesmo valorizando tais coportamentos no nível simbólico. Podemos levan-
tar a hipótese de que se tenha desenvolvido entre Góticos um tipo subcul-
tural de feminilidade, adotada por ambos os sexos. Mas esta é uma ques-
tão complexa demais para ser desenvolvida aqui, onde buscamos delinear
traços comportamentais gerais da subcultura Gótica.
O fato é que a subcultura Gótica tolera uma grande variedade de com-
portamentos, visuais e estéticas. Aqui estamos descrevendo apenas os
padrões mais estáveis nos últimos 25 anos, aproximadamente.
Toda essa observação nos leva a ponderar que a subcultura Gótica
tende mais para a Feminilidade do que para a Androginia, visto que hoje é
comum vermos tanto homens como mulheres com visuais femininos, mas
é bem menos comum verificar mulheres com visual masculinizado (algo
mais comum em outras subculturas, como a Indie, Punk, etc).
C. ABSORÇÃO DE ELEMENTOS DE ESTILOS RELACIONADOS
Primeiro é preciso salientar que a criatividade, e um certo nível de “con-
travenção” em relação ao que é considerado o “visual padrão” de certa
época na cena Gótica, é algo geralmente visto como positivo. A herança de
princípios do “faça você mesmo” ainda perdura, apesar da proliferação
atual de grifes especializadas na estética Gótica.
52 A “colagem” com elementos estéticos de outras subculturas relaciona-
das indica exatamente uma forte consciência dos padrões estéticos de cada
uma dessas subculturas, pois estes elementos de “outras” subculturas são
usados freqüentemente como “detalhes” sobre uma base mais “consisten-
temente gótica”. Muitas vezes como um comentário visual característico do
senso de humor auto-irônico comum na cena Gótica.
Segundo, é importante esclarecer o que significa “estilos relacionados”.
Geralmente são absorvidos pelos góticos alguns elementos de grupos con-
siderados “alternativos”. Alternativo se tornou nos últimos anos um termo
guarda-chuva que genericamente se define por oposição a “mainstream”
(moda dominante).
Isso vale tanto para o visual quanto para a música ou outros elementos.
Se na fase pos-punk dos anos 80 já podíamos perceber elementos feti-
chistas, esta tendência estética cresceu dentro da cena Gótica/Darkwave ao
longo dos anos 90 até hoje, com Sex-Shops e lojas de roupas Sado-
Masoquistas se tornando mais um destino de “shopping” subcultural.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
Outro destino de “shopping” são os brechós, lojas de roupas, sapatos e
utensílios usados ou antigos que oferecem uma enorme variedade de ele-
mentos para composição, tanto de um estilo Gótico clássico, como de um
composto de elementos “relacionados”.
No Brasil, especialmente em S.Paulo, desde os anos 80 tivemos a cena
Gótica convivendo com diversas outras cenas, logo, absorvendo elemen-
tos considerados aceitáveis destas. Começando pelos Darks, com sua mis-
tura de elementos punk, new wave e new romantic, ainda nos anos 80
temos uma convivência do Gótico com o que passou a ser chamado de
Indie, Rockabillies, etc. O caso do Indie é curioso pois Góticos paulistas
compartilharam clubes com Indies pelo menos de 1988 a 1997, sendo
que, porém, mais no final deste período, os dois grupos se diferenciam
no visual e nas bandas preferidas, principalmente ao sucesso comercial do
chamado “brit-pop” (aprox. 1994/95).
Passados mais de dez anos, em 2007 um revival de estética 80’s e
“goth” no mainstream leva as duas cenas a ter algumas tendências em
comum novamente.
Mas a tendência mais forte no final dos anos 90 é a incorporação de
alguns elementos de música eletrônica mais popular como trance, tecno e
53
electro, revitalizando tendências da Darkwave, Darkeletro e EBM. Isso levou
a tendências estéticas complementares, com a estética “cyber” e elementos
visuais absorvidos das cenas “rave” ou dance-club: tops, vestidos e calças
apresentando desenhos brilhantes ou sensíveis a raios ultra-violeta, cabelos
coloridos ou com apliques em cores vivas como pink, laranja, verde, azul.
“Os últimos anos do século XX assistiram ao advento do cibergótico. A
música industrial deu ânimo masculino à feminilidade espiritual da subcul-
tura Gótica, de forma que o casamento arranjado entre o gótico e o metal
nunca foi consumado. “Eu vejo o industrial e o gótico como dois lados da
mesma moeda- o yin e o yang- o masculino e o feminino, escreve Alicia
Porter em sua pesquisa “Study of Gothic Subculture”, divulgada pela
Internet. “O gótico expressa o emocional, a beleza, o sobrenatural, o femi-
nino, o poético, o teatral; e o industrial incorpora o masculino, a raiva, a
agressividade, o barulhento, o científico, o tecnológico, o político. (…)”
(“Goth Chic”, de Gavin Baddeley, pag 281, trad. de Amanda Orlando).
Sobre essa mistura de estilos, Hodkinson comenta:
“apesar de consistir de numerosos elementos agrupados de diferentes
fontes e em diferenetes estágios, existia um estilo gótico diferenciado bem
discernível, o qual se manifestava consistentemente de um indivíduo para
o outro, de um lugar para o outro e de um ano para o seguinte.”
Na passagem para o século XXI, além do revival pos-punk no mains-
tream, se popularizam bandas e os estilos oriundos do Japão conhecidos
como Gothic-Lolita e Visual K. Elementos soltos desta tendência acabam
por ser usados por Góticos de todo o mundo. Como uma certa reação aos
estilos “ultra-dance” da virada do século, temos acompanhado também um
movimento de resgate de “visuais tradicionais” e “bandas acústicas” com a
valorização de visuais extremos e bricolados, ligados a tendências próximas
ao DeathRock, Cyber-Goth e Gothic-Lolita. Ao lado destas temos as ten-
dências mais tradicionais, gerando misturas de visuais e sonoridades bas-
tante criativas neste final da primeira década do século XXI.
d. A TEATRALIZAÇÃO E O CORPO
“Devemos ou ser uma obra de arte, ou vestir uma obra de arte”
54 (“One should either be a work of art, or wear a work of art”)
Oscar Wilde, circa 1900
“No seio do movimento1 gótico, o visual, a dança, as atitudes e as pos-
turas formam uma linguagem estética codificada que concorda com uma
nova percepção da corporeidade (conjunto dos traços concretos do corpo
como ser social): perceber os corpos como “obra de arte” é reconsiderar seu
valor em um mundo onde nossos corpos não nos pertencem mais verda-
deiramente.” (Durafour, 2005)
No meio Gótico, temos uma teatralização do ambiente e dos compor-
tamentos, e a trasformação de nós mesmos e de nosso corpo:
Uma “visão de si mesmo em uma sociedade percebida como desencan-
tada, um culto da evasão e de irracionalidade permitindo, paradoxalmente,

1
No meio Gótico brasileiro, a palavra “movimento” foi bastante usada até o começo dos anos 90
para definir esse meio. Porém depois passou a ser considerada “out”, devido a conotação
fortemente política que muitos consideraram ser o único significado deste termo. Mas a palavra
“movimento” tem diversos significados, não apenas “ação para alterar a sociedade”. No caso do
autor que citamos, ele usa o termo em francês de forma bastante livre, em conjunto com outros.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
se reencontrar a si mesmo pela reapropriação do corpo, … (… graças a uma
certa ética da estética.)” (Durafour, 2005).
Todo grupo social tem seus códigos comportamentais. Os códigos da
subcultura Gótica são de um tipo específico, coerente com outros aspectos
de seu sistema. O tipo de teatralização ou “exagero” no comportamento
típico da interação entre góticos em seu ambiente faz com que o indivíduo
se reaproprie de seu corpo, fazendo dele um certo discurso.
Podemos perceber essa teatralização e uso discursivo do corpo e do
visual como semelhante aos outros elementos simbólicos da subcultura
Gótica.
Esse discurso é facilmente perceptível pelos outros góticos ou por pes-
soas que vivenciaram ambientes góticos. Sua falta também serve para que
os Góticos percebam “outsiders” em seu ambiente, ou se comuniquem na
presença de “estrangeiros culturais”, ou fora de ambientes que aceitem
Góticos. Ou simplesmente se reconheçam nas ruas, às vezes por um deta-
lhe sutil.
Assim, a expressão corporal se torna um produto social e cultural.
55
Mas quais as características desta teatralização na subcultura Gótica?
Outros grupos sociais também teatralizam, mas com significados e intensida-
des diferentes. Observemos características da dança, da música e de relação:
“A música gótica (…) joga com os registros de amargura, melancolia, obs-
curidade, do contraste entre doçura e violência; apta a veicular uma gama de
emoções das mais diversas. Os sons inquietantes…(…) atmosfera inabitual,
(…)cinematográfica, (…) música teatral, que busca sempre a expressão do belo
no sofrimento, na melancolia e na morte.” (Durafour, 2005)
Temos assim uma trilha sonora ideal que nos lembra a letra de “She’s
in Parties” do Bauhaus. Estamos atuando em alguma peça ou filme som-
brio e melodramático. Criamos um espaço separado do mundo, fantástico
e fantásmático, que comenta o terrível mundo “lá fora”. A happy house in
a black planet.
Os comportamentos e coreografias mais comuns nas pistas de eventos
Góticos típicos nos dão mais indícios:
“O estilo de dança gótico (…) como outras características oscila entre o
teatral e o dramático. Nas músicas de tempo baixo é comum o estilo “eté-
rico” ou ondulatório, com coreografias simples mas que simulam ou bus-
cam uma imagem de “transe” e “sublime”. Algumas destas coreografias
improvisadas permanecem nos tempos acelerados, que incorporam gestos
rápidos e dramáticos em que a agilidade do dançarino é ressaltada, parecen-
do expressar uma sucessão de emoções fortes teatralizadas. Assim temos um
contraste com outros estilos musicais que não possuem tipos de dança com
tanta improvisação nem com tanta simbolização”. (Durafour, 2005)
O autor está comentando a cena Gótica francesa, mas os mesmos tipos
de estilização comportamental e de dança podem ser observados entre
Góticos brasileiros ou norte americanos, etc.
"Assim, o universo Gótico é fortemente teatralizado. Tudo é questão de
representação e de manipulação estética, incluindo a expressão da violên-
cia, quando ela existe. Neste assunto, convém separar o universo Gótico do
universo Black Metal, que é musicalmente muito violento" (Durafour,
2006, La Presse)
Às vezes a atitude teatral acaba causando um mal estar exatamente por
56 funcionar como um espelho de comportamentos “escondidos” ou “dissi-
mulados” de nossa civilização atual:
“o mundo gótico torna-se horripilante a medida que (outras pessoas)
perdem a profundidade psicológica. A vida em geral torna-se “teatral”, uma
“morte em vida”, e os eus corporificados tornam-se meros atores ou cari-
caturas, ou em alguns casos mais severos, coisas insensatas que estão jun-
tas, como autômatos ou cadáveres ambulantes” 2
Talvez por isso a subcultura Gótica continue após tanto tempo: ela é
um espelho cada vez mais atual, ou uma resposta lúdica a um conjunto de
questões de nossa sociedade que possivelmente não terão solução nas pró-
ximas décadas. Ou séculos, se não formos otimistas…
e. APOLOGIA À CULTURA E SAUDOSISMO
É difícil dizer se os Góticos são um grupo social mais culto que outros,
mas algo que se pode dizer com segurança é que Góticos são “cultófilos”,
2
A. Henderson, “Romantic Identities” 1996, p.54, em “Visões Perigosas”, de Adriana Amaral, 2006, p.59.
Parte II  O Que é Subcultura Gótica?
ou seja: colocam a “cultura” como um valor importante, geralmente em
oposição a um mundo considerado “materialista”, que rejeitam. Mas qual
“cultura” e qual “arte” é valorizada no seio da subcultura Gótica?
Góticos costumam fazer uma sacralização da cultura, considerando a
poesia e outras artes como um símbolo importante. A diferença não está
em valorizar a “cultura”, mas considerar que esta é um valor mais impor-
tante do que outras coisas “utilitárias” ou “mundanas”. Na poesia, não por
coincidência, escolas românticas e simbolistas costumam ter a preferência.
Também na vestimenta vemos uma grande tendência à fuga ao utilita-
rismo e rejeição ao pragmatismo: as peças de vestuário mais típicas dos
góticos primam pelo excesso, por adereços “inúteis”, seja na sobreposicão
de um visual pos-punk ou no rococó de um visual neo-vitoriano. Em
ambos os casos temos um afastamento do “funcional”, do “prático” e do
“natural”. E uma busca do artifício, do artificial e do artístico.
Mesmo bebendo da cultura geral, os Góticos sacralizam alguns aspec-
tos desta como estandartes de diferenciação em relação ao “gosto popu-
lar” e “mundano”. Aparentemente estes gostos dos Góticos procuram exa-
tamente demarcar uma fronteira em relação a uma sociedade dominante 57
em que o lírico e tudo que não é prático ficam em último lugar.
As mesmas referências culturais que são tão valorizadas no seio da sub-
cultura Gótica podem ser encontradas no conjunto cultural “normal”, mas no
sistema Gótico estas obras recebem outros significados por serem considera-
das relacionadas a todo um sistema de valores, comportamentos, músicas,
etc. A grosso modo, podemos dizer que um poema de Allan Poe (ou outro
autor importante) na subcultura Gótica não é mais um “ítem de cultura” mas,
além disso, se transforma em algo como um “avatar” que remete a todos os
demais elementos do sistema de símbolos da subcultura Gótica:
“O que explica essa sacralização de um tipo de obra de arte é seu cará-
ter durável, (…) estas obras cristalizam os valores e as idéias centrais do
movimento Gótico”. (Durafour, 2005)
Assim, os Góticos não parecem estar interessados em “qualquer” cultu-
ra, mas em obras duráveis e/ou de significado perene. E que sirvam para
referendar sua visão de mundo específica.
Complementar a essa busca pelo perene e durável, o “saudosismo” é,
previsivelmente, uma outra forma de rejeição ao utilitarismo do mundo
atual, que valoriza mais o novo e o descartável.
Esse saudosismo se manifesta por uma “síndrome de Paraíso Perdido”, que
pode ser tanto um “passado em que éramos mais humanos”, um “presente
decadente” ou “um futuro que vai ser apenas um passado tecnologizado”.
Não sabemos exatamente o que perdemos, mas deve ter sido melhor…
Qualquer uma dessas idéias coloca o conceito de “progresso”, no míni-
mo, como questionável.
Aqui é difícil não traçar um paralelo com o aspecto “anti-positivista” do
Romantismo e movimentos relacionados a este. Paralelo enriquecido por
todo um repertório rico de referências herdadas de movimentos de caráter
semelhante desde o final do século XIX e por todo século XX. Não é a toa
que algumas das grandes fontes de referências dos Góticos desde os anos
1980 são o cinema Expressionista, autores Românticos e o Romance Gótico.
Mas “o movimento Gótico não é verdadeiramente contestatório. Ele se
concentra mais em se mostrar, num jogo de papéis permanente (no qual se
olha no olhar do outro).” (Durafour, 2005)
58 Mas apesar desse aspecto saudosista, o meio Gótico é bastante “cele-
brativo”, pois a resposta dos Góticos ao “Memento Mori” (lembra-te que
morrerás) geralmente é “carpe noctem” (aproveita a noite, uma variante
notívaga do tradicional conselho latino “carpe diem”- aproveita o dia).
Afinal, não existe solução para este “Black Planet” dentro do limiar de
nossas existências. Mas não esquecemos do que tem sido perdido, e o cele-
bramos na privacidade e segurança de nossas “Happy Houses”.
O inferno, como diz essa nossa querida canção “é lá fora”.
59

Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica


Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
08  CINCO COISAS QUE OS GÓTICOS NÃO SÃO!
Não somos apenas “uma fase difícil”.
A mídia tem divulgado alguns estereótipos e caricaturas a tal ponto
que isto faz com que pessoas acabem se sentindo atraídas ou rejeitando
a Subcultura Gótica por motivos errados. Se você vai rejeitar e criticar, ou
se vai se sentir atraído e querer conhecer, é melhor que seja pelos motivos
corretos.
Não somos:
1-DEPRIMIDOS - Depressão é uma doença, que pode ter origem atra-
vés de um desequilíbrio biológico ou ser causada por fatos de sua vida. Em
qualquer um dos dois casos você precisa de um psicólogo e/ou psiquiatra,
não se tornar Gótico. Você pode até se aproximar da cena Gótica em um
destes momentos, mas precisa saber que nós Góticos gostamos muito de
nos divertir, rir e que a música em nossos eventos é dançante. Muitos
Góticos podem ser melancólicos e saudosistas, mas isto é algo totalmente
diferente de depressão.
2-MAU-HUMORADOS - Sem dúvida nenhum de nós compartilha do
clima “fozzy-comédia-histérico” da sociedade de consumo. Inclusive nosso 61
humor-negro, ironia e cinismo é exercido contra esta sociedade. O humor
é uma característica essencial na cena Gótica, principalmente o humor
negro e o humor camp. E a ironia. E um certo cinismo viperino. E… bem,
creio que vocês já entenderam.
3-SUICIDAS - Claro que Góticos não são suicidas. Se fossem, não exis-
tiriam mais Góticos Ok, existe todo aquele apreço ao “herói ultra-românti-
co” por um lado, e, por outro, a exploração limite entre sexo/morte.
Stigmata Martir.
4-VÂNDALOS DE CEMITÉRIO - A vida tem tanto valor e deve ser apro-
veitada ao máximo exatamente por que ela tem fim. Neste sentido a cons-
ciência de nossa finitude nos faz refletir e valorizar mais cada momento de
nossa vida, ao mesmo tempo que este prazer é atravessado por uma certa
melancolia inerente à condição humana. Assim, os cemitérios além de óti-
mos lugares para um passeio tranqüilo ao apreciar a beleza dos jardins e
esculturas, são também ótimos lugares para a reflexão e poesia. Seria total-
mente incoerente para um Gótico depredar ou vandalizar um Cemitério.
5- PESSOAS QUE SÓ GOSTAM DE SOFRER - Ninguém gosta de sofrer,
a questão é que o sofrimento e as perdas fazem parte da vida, e vivemos
em uma cultura que esconde ou não se relaciona muito bem com isso. A
condição humana é trágica: precisamos saber rir disso. Então, não existe
uma apologia ao sofrimento: apenas não douramos a pílula. (literal e meta-
foricamente falando, he-he).

09  TIPOS DE GÓTICOS
Os tipos abaixo são quase “abstrações puras” que praticamente não
existem isoladas. Estão ordenadas assim apenas para finalidade didática.
Afinal duas das grandes diversões na cena Gótica são: primeiro, misturar
elementos de tendências diferentes e segundo, ficar identificando as com-
binações que os outros fazem. As variantes misturando os tipos abaixo dão
margem a uma infinidade de tipos diversos.
Os tipos básicos:
a) Gótico Clássico ou Pos-Punk - O visual é inspirado pelo do it your-
self do pos-punk e new wave, tendo como modelos variantes do visual
62 usado ao longo dos anos 80 por bandas como The Cure, Bauhaus, Siouxsie
and The Banshees e similares. Os itens mais característicos são as maquia-
gens marcadas e os cabelos armados, e os visuais com sobreposições e com
influência em parte New Romantic, em parte Pos-Punk/New Wave.
b) Victorian Gothic ou Gótico Romântico - Apesar do visual do Gótico
Pos-Punk/New Wave incluir alguns ítens pseudo-vitorianos herdados dos
new-românticos, o Gótico Vitoriano se concentra em visuais que de algu-
ma forma buscam fazer um estilo de época, seja uma época passada ou um
futuro "neo-vitoriano". Pode ser, portanto, uma reconstrução de um visual
novecentista, ou um visual misturando elementos pseudo-vitorianos a ele-
mentos e materiais futuristas como latex e couro ou itens S/M.
c) Coldwave/Darkwave Gothic - Geralmente um visual quase todo preto,
mas bem mais discreto, com menos maquiagem ou sem nenhuma.
d) Cyber Góticos: É um visual baseado em restos industriais, que podem
incluir elementos de neon, pseudo implantes cibernéticos e máscaras de
gás. Se parece às vezes com um visual deathrock com elementos futuristas.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
São comuns os appliqués e extensões nos cabelos em cor, mas a cor de base
ainda é o preto.
e) Deathrock Góticos - Alguns consideram hoje o Deathrock uma subcul-
tura a parte, mas no mínimo temos muitas bandas e Góticos de tendência
próxima ao Deathrock. O visual seria o Gótico Clássico ou Pos-Punk levado
aos extremos de sobreposição de texturas e exageros, com sobreposição de
tecidos e meias rasgadas ou reutilizados, maquiagens mais agressivas ou sur-
reais. O clima circense/teatral é levado às últimas conseqüências.
f) Medieval ou Ethereal - É um visual mais usado pelas mulheres, sendo
uma variante romântica mas que escapa do clima de luto do estilo Vitoriano.
Podemos ter visuais medievais recriados ou simulações de ninfa ou fadas que
incluem elementos de várias cores e geralmente longos vestidos.
g) Circus-Cabaret-Vaudeville - Um tipo de visual apreciado por death-
rockers, mas também presente nas outras tendências. Temos o uso de indu-
mentária e maquiagem de Cabaret ou Circo estilizada, como se estivésse-
mos em um teatro de Vaudeville.
Poderíamos citar uma lista infindável de subtipos, mas não roubaremos
ao leitor a diversão e experiência de aprender a reconhecer as sutilezas des-
tes tipos e suas misturas na realidade da cena Gótica mais próxima. 63

10  SÍMBOLOS RECORRENTES
NA SUBCULTURA GÓTICA
"Eu vejo o industrial e o gótico como dois lados da mesma moeda- o
yin e o yang- o masculino e o feminino, escreve Alicia Porter em sua pes-
quisa Study of Gothic Subculture,(...) O gótico expressa o emocional, a
beleza, o sobrenatural, o feminino, o poético, o teatral;..."
(Goth Chic, Gavin Baddeley, 2003)

Por que nos atraímos inicialmente por uma subcultura com caracterís-
ticas X, Y ou Z, e não por uma subcultura com características A, B ou C?
Isso acontece pois algumas características nossas que não encontravam
um modelo de expressão e identificação em outros lugares acabaram por
encontrá-lo na subcultura Gótica e em sua Estética, Cena e História.
A identificação inicial é sempre Intuitiva e Estética: como uma paixão.
Porém, se o indivíduo em questão nunca entrar em contato com a sub-
cultura Gótica esta identificação se torna impossível.
Mas quais seriam estas características que nos atraem na subcultura
Gótica? Podemos dizer que a subcultura Gótica vem exatamente suprir
deficiências da cultura oficial industrial do ocidente. Por isso muitas vezes
elabora características opostas a ela.
A cultura oficial nos dita comportamentos despersonalizados, impede a
individualidade, nega a morte enquanto experiência vital, e é apolínea,
mecanicista, positivista e predominantemente “Yang” (masculino como
referência de humano).
Nela não há mais espaço para aquele Individualismo que o Oscar Wilde
define no seu livro "a alma do homem sob o socialismo". Assim, buscamos
“espaço” ou “algo que nos falta” em alguma subcultura.
Podemos dizer que outro elemento que caracteriza o Gótico é um cará-
ter compensatório Ying, pois a sociedade oficial é hoje predominantemen-
te Yang. Assim, buscamos um equilíbrio ou compensação.
64
Podemos observar o caráter Ying de todo sistema estético e simbólico do
Gótico (e também em grande parte da Darkwave). O conjunto destes símbo-
los é repetido em grande quantidade e freqüência em letras, músicas, roupas,
imagens, comportamentos, discursos, etc ligados a subcultura gótica:

• Lua • Onírico • Ennui, spleen


• Prata • Surrealismo • Horror com humor
• Água/Mar • Dionisíaco • Obscuridade
• Noite • Intuição • Paixão
• Outono e inverno • Androginia • Anjos caídos
• Sensualidade • Drama • Urbanidade
• Mistério • Anti-racionalismo problemática/
• Decadência • Expressão da cidades vazias
• Expressionismo Emotividade • Romantismo
• Feminilidade (no caso • Lirismo • Seasonal, cíclico
das mulheres) e • Serpente • Hedonismo
Anima (parte feminina • Vampiro
no homem) • Bruxa, feiticeira, magia
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Claro que nenhum Gótico ou obra de arte da subcultura Gótica possui
todos estes elementos no grau máximo, nem isso é necessário, pois como
verificamos em qualquer sistema cultural (como o brasileiro ou nordestino,
por exemplo) ou subcultural, nenhum indivíduo ou obra possui a totalida-
de do sistema, mas ambos fazem parte do sistema simbólico, se relacionan-
do e se ligando a outros elementos e símbolos que aumentam o sentido do
conjunto e formam um tipo de “ambiente”.
Assim, algumas pessoas desenvolvem mais alguns elementos do que
outros. Isso que nos faz permanecer Indivíduos mesmo dentro de uma sub-
cultura.
Depois, em um segundo momento, começamos a compreentender o
significado da atração que estes símbolos estéticos e esses sentimentos
exercem sobre nós.
Isso nos faz entender e nos interessarmos também pela história e teoria
da subcultura Gótica. Sem deixar de senti-las. Sentir e Saber não são coisas
excludentes, é falso o dualismo que opõe sentimento e conhecimento.
Mas isso é um processo que se dá com a vivência na subcultura. Pois o
aprendizado é um processo afetivo de sucessivos ciclos de aproximações e
estagnações ao longo do tempo. 65
Afinal, Cultura sem sentimento é Erudição estéril, e Sentimento sem
Cultura, cai no lugar comum.

11  A ANDROGINIA E A MAQUIAGEM
NA SUBCULTURA GÓTICA
Toda Cultura expressa e comunica seus valores através de um sistema
de símbolos estéticos. Não é diferente com a subcultura Gótica e a tendên-
cia Darkwave.
Evidentemente ninguém é obrigado a usar maquiagem ou a ser andró-
gino. Mas desde o seu estabelecimento, na virada dos anos 1970 para os
80, a subcultura chamada de Gótica teve, entre as suas características dife-
renciais, o gosto pelo jogo de cena da androginia e da maquiagem teatral.
Estes dois elementos não são gratuitos: estão ligados às demais influências
e referências culturais dessa subcultura.
AS INFLUÊNCIAS E A MAQUIAGEM
Insatisfeita com o mundo atual, a subcultura Gótica vai buscar equivalen-
tes simbólicos desta insatisfação na cultura do passado recente. Ou em um pas-
sado idealizado ou “alterado” que usamos para comentar o nosso presente.
O contrário de uma sociedade amena e pasteurizada é a busca pelo
drama, expressão e catarse. Os elementos estéticos adotados pela subcul-
tura Gótica são buscados exatamente no teatro, no cinema expressionista
e no cinema da nouvelle-vague francesa, no teatro popular ou vaudeville,
na cabaret culture dos anos 1930 e na estética da geração beat e glam, mas
também em uma estética romântica e vitoriana, adequadas a um poema de
Baudelaire ou a um conto de Poe ou de Oscar Wilde.
O TEATRO DA VIDA: LUZ FORTE
GERANDO SOMBRAS INTENSAS
O teatro e o cinema expressionista usam a maquiagem de grande con-
traste entre o branco e o negro por dois motivos básicos e convergentes:
1) a intenção de amplificar a expressão dos traços e expressões e o cará-
ter dramático das relações e
66 2) permitir a visualização a distância (no caso do teatro) e em condi-
ções de filmagens precárias (iluminação, tipo de película primitiva, etc) ou
com opções estéticas minimalista de alto contraste de luz e sombra.
Também o teatro oriental carrega muito nas maquiagens. Ainda hoje,
como era feito no passado no teatro ocidental, são permitidos apenas
homens como atores, mesmo para os papéis femininos. É quase certeza que
nas primeiras apresentações das peças de Shakespeare, Julieta fosse um
menino ou rapaz…
O conceito essencial do Expressionismo, seja na pintura ou no cinema,
é o grande contraste e a amplificação e expressão das emoções e sentimen-
tos. Por isso, o uso de luz forte para produzir uma grande sombra e con-
traste é um elemento estético que expressa um significado intencional.
A ANDROGINIA COMO REPRESENTAÇÃO
DA CRISE DOS PAPÉIS SOCIAIS
Apenas na década de 60 do século XX a questão da posição do homem
e da mulher na sociedade sofreu uma crise. Saímos de uma posição mile-
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
nar que privilegiava o homem para uma posição de crítica a este modelo,
em busca de uma igualdade que ainda estamos longe de alcançar, apesar
dos avanços. Não podemos esperar que um desequilíbrio de milênios seja
corrigido em apenas poucas décadas.
Mas desde 1960 homens e mulheres começaram a conquistar o direito
de expressar e desenvolver partes de suas psiques que antes lhes eram veda-
das. Por exemplo, as mulheres conquistaram o direito a se desenvolver inte-
lectual e profissionalmente, e os homens, emocional e parentalmente.
Agora as meninas já podem ser mais independentes e os meninos já
podem chorar. As mulheres podem ter a satisfação profissional enquanto os
homens vêm conquistando o direito de serem pais, e não apenas provedo-
res de suas famílias. Foi apenas o começo do caminho para que ambos os
gêneros se tornem um dia seres humanos mais completos.
Mas o que nos interessa aqui é que vários movimentos de vanguarda
desenvolveram estéticas exageradas ("expressionistas") para expressar essas
mudanças. Ou para lutar por elas.
A ANDROGINIA ESTÉTICA
As cenas culturais de vanguarda ou underground de várias épocas ante- 67
ciparam as questões do futuro, ao mesmo tempo que abrigavam aqueles
que não tinham lugar na sociedade oficial por estarem em desajuste com
o pensamento de sua época.
Nos anos 1970, a questão da bissexualidade psicológica do ser huma-
no foi expressa de forma radical pelo movimento Glam-Rock. O uso da
maquiagem neste movimento é largamente difundido, tanto para homens
quanto para mulheres.
Foi realmente um choque radical para criar a ruptura com uma socie-
dade que ainda preservava modelos tradicionais do que é ser homem e o
que é ser mulher.
Com o tempo, o choque se diluiu e foi absorvido, e algumas mudan-
ças, que são hoje consideradas normais, foram estabelecidas.
Oficialmente o Glam acaba em 1975, mas boa parte de seus conceitos
vai, a seguir, ser absorvida por novos movimentos que estão surgindo: a
new-wave, o pos-punk inicial, o new-romantic e o gótico.
ANDROGINIA X HOMOSSEXUALIDADE
Androginia e homossexualidade não são a mesma coisa. Androginia é
uma opção estética e a homosexualidade é uma opção sexual.
Assim, um homem ou uma mulher pode optar por uma estética
Andrógina e ao mesmo tempo ter qualquer opção sexual: heterossexual,
homossexual, bissexual ou nenhuma das anteriores…
Além disso, a maioria dos Homossexuais não usa visual andrógino,
sendo bastante comum visuais totalmente masculinos e alguns visuais até
com certo exagero das características masculinas (barba, bigode, cavanha-
que, músculos trabalhados, costeletas, etc). E as homossexuais femininas
freqüentemente usam visuais socialmente aceitos como femininos.
Evidentemente que no passado, em uma sociedade conservadora, pre-
conceituosa e homofóbica, uma subcultura como a Gótica, que usa a
androginia como símbolo estético, sofria do mesmo preconceito que a
homossexualidade sofria.
Ao mesmo tempo, antes da organização dos movimentos pelos direi-
tos homossexuais nos anos 90 e da formação de uma cena e subcultura
68 GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), fica fácil entender por que a subcul-
tura Gótica era uma opção de abrigo para homossexuais de ambos os
sexos. Em qualquer outra cena alternativa sofreriam mais preconceito. Não
que não sofressem também nesta, mas ao menos na cena Gótica isso era
uma incoerência.
Essa "licenciosidade" simbólica na esfera sexual acabou agregando
vários elementos fetichistas à estética da subcultura Gótica e Darkwave,
como os elementos estéticos Sado-Masoquistas. Mas, na maioria dos casos,
estes elementos são usados apenas como fetiches estéticos.
Cabe ressaltar que hoje na subcultura Gótica é mais comum um visual
feminino tanto para as mulheres como para os homens. Hoje, vemos um
número muito menor mulheres com visual andrógino do que em outras
cenas. Talvez fosse mais apropriado dizer que a subcultura Gótica valoriza
um certo tipo de “feminilidade estética” tanto para homens como para
mulheres.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
A ANDROGINIA E O VAMPIRO:
A FACE BRANCA DO IMPURO
Ao longo dos anos 1990 o Vampiro se tornou um ícone pop ainda
maior do que nos anos 1980. Como sabemos, o Vampiro é considerado um
símbolo da expressão de impulsos tidos como impuros ou pecaminosos
pela sociedade oficial. Este uso simbólico do mito do Vampiro é coerente
com os demais elementos estéticos do Gótico que abordamos aqui. Assim,
um Gótico pode usar um visual de Vampiro ou não. Esta é uma das diver-
sas opções de visual.
MAQUIAGEM BRANCA E A QUESTÃO ÉTNICA
Como vimos nos itens anteriores, a maquiagem branca do Gótico não
tem nenhuma ligação com a intenção de parecer ou ser mais “branco” do
ponto de vista étnico. Pelo contrário, o branco na maquiagem Gótica sim-
boliza uma expressão dramática ou catártica, ou ainda o caráter do Impuro
do Vampiro ou ainda da palidez da morte como questão existencial.
Ao mesmo tempo, a inclusão de diversos elementos estéticos de cultu-
ras não-européias modernas no universo Gótico e Darkwave (asiáticos, afri-
canos, orientais, pagãos) caracterizam nossa subcultura como multi-cultu- 69
ralista. Ao mesmo tempo, elementos estéticos da cultura Européia antiga
são integrados nesta "salada-de-frutas".
Por isso temos Góticos de todas as etnias: brancos, negros, amarelos,
mulatos, vermelhos, verdes…(bem, se levarmos em conta a maquiagem, a
lista não tem fim…).
A INDIVIDUALIDADE DENTRO DE UMA CULTURA
Toda Cultura expressa e comunica seus valores através de um sistema
de símbolos estéticos. Não é diferente com a subcultura Gótica. Da mesma
forma, há pessoas que usam de formas diferentes ou em quantidades dife-
rentes o repertório estético da cultura a qual pertencem. Também, existe
um uso estético diferente para cada ocasião: existe uma estética para o tra-
balho, uma para a festa, outra para o casamento, uma para o dia, outra
para a noite, e assim por diante.
Assim, uma pessoa pode construir uma individualidade dentro de uma
cultura. Quanto mais informação estética uma pessoa tiver, maior o reper-
tório que ela tem para escolher elementos estéticos coerentes com a sua
personalidade e intenções.
O mesmo vale para as características simbólicas, artísticas e psicológi-
cas em uma subcultura. Esta questão é mais desenvolvida na parte “c” do
capítulo “9- Características da Subcultura Gótica”.
MODA OUTONO-INVERNO… E O ANO INTEIRO.
A subcultura Gótica foi influenciada e herdou elementos de movimen-
tos contra-culturais, e já surge com a desilusão de que "não adianta per-
der tempo com a sociedade oficial, vamos criar nosso mundo à parte,
incluindo o que falta no outro".
Neste aspecto, podemos dizer que a subcultura Gótica é mais “comple-
ta” que a cultura oficial, pois inclui todos os elementos desta e mais os
aspectos "obscuros" e dramáticos que ela nega. Se a cultura oficial é a pri-
mavera e o verão, a subcultura Gótica é o ano completo.
Evidentemente, por efeito compensatório da alienação da sociedade
oficial, a subcultura Gótica enfoca mais o outono e o inverno. Mas de
forma alguma deixa de "dançar saltitante nas paixões da primavera e de
70 sucumbir à lassidão e ludicidade luxuriosa dos verões escaldantes".( rsss....)
Enquanto o outono e o inverno não chegam, é claro…

12  A TEMÁTICA MÍSTICA
EM UMA SUBCULTURA LAICA
“Following the footsteps, of a rag doll dance, we are entranced.
Spellbound”
“Speelbound”- Siouxsie & The Banshees
A Subcultura Gótica é laica, isto é, não tem religião. E muito menos se
constitui ela mesma uma doutrina religiosa ou mística.
A ligação da subcultura Gótica com o ocultismo é meramente simbólica:
ela se apropriou de alguns símbolos ligados historicamente a alguns misticis-
mos e os usou de outra forma, da mesma forma que se apropriou de símbo-
los das mais diversas simbologias para construir seu sistema simbólico próprio.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Evidentemente isto muitas vezes fez com que pessoas que, em suas
vidas pessoais, adotassem cultos pagãos europeus, ameríndios, africanos,
asiáticos -ou de outras religiões não judaico-cristãs- se sentissem confor-
táveis ou atraídos pela subcultura Gótica.
Paralelamente a subcultura Gótica, desenvolveu-se um circuito de ban-
das e pessoas que levam alguns destes cultos mais a sério, mas isto é uma
opção pessoal e complementar de cada um.
A subcultura Gótica apenas é tolerante o bastante para não disseminar
nenhuma espécie de restrição a escolhas religiosas pessoais. Apenas, como
já comentamos acima, é comum na subcultura Gótica e Darkwave (e talvez
ainda mais no Death-Rock) encontrar letras e músicas que façam um uso
de símbolos religiosos que pode ser considerado herético por alguém que
seja religioso de forma dogmática. Também não são incomuns citações
ateístas (mas isso é uma escolha pessoal de algumas bandas).
CITAÇÕES EM BANDAS E MÚSICAS
Alguns exemplos são:
• Ian Astbury, da banda Southern Death Cult (depois “Death Cult” e, finalmente
“The Cult” a partir de 1983) tinha uma temática muito ligada ao paganismo
e xamanismo dos índios da américa do norte. Além da adoção de 71
percussões tribais, a influência é de Jim Morrisson, que representava transes
xamanísticos em seus shows. Músicas como “Apache”, “Moya” e “Ghost
Dance” são literais. A temática da banda The Doors parece ter influenciado
outras bandas góticas também.
• A música "Pagan Love Song" do Virgin Prunes,
• o album "Juju" do Siouxsie and The Banshees, (Juju é uma palavra africana
para "Karma", e a capa traz uma escultura africana). Ao lado das percussões
tribais o nome “Siouxsie Sioux” também é auto-explicativo: Sioux é uma tribo
norte-americana.
• a banda Cristian Death trabalhou ostensivamente com a temática cristã,
geralmente de forma chocante ou herética.
• A música “Inkubus Sukubus” do X-Mal Deutschland
• o nome da banda Dead Can Dance e a capa do primeiro álbum referem-se a
uma máscara ritual da Nova Guiné e seu significado simbólico.
• a temática de halloween, vodoo e bruxaria é comum, mas geralmente em
tom de brincadeira.
• bandas com nomes como “Two Wiches” e “Inkkubus Sukubus” dispensam
maiores explicações. Esta segunda banda tem uma militância Pagã-Celta
explícita.
• a banda “The Jesus and Mary Chain”, além do nome considerado herético
por alguns, também usa metáforas cristãs e o nome de Jesus de forma total-
mente descompromissada.

Os exemplos são muitos mais, mas a abordagem é artística e poética, e


não-religiosa. Ao mesmo tempo temos canções como “Gottes Tod” (a
morte de deus) da banda Das Ich, que relata os sentimentos humanos na
ausência de qualquer deus.
SÍMBOLOS RELIGIOSOS
RECONTEXTUALIZADOS PELOS GÓTICOS:
Assim, quando encontramos alguém na subcultura Gótica usando um
determinado símbolo (cruz, ankh, pentagrama, etc) isso não quer dizer que
esta pessoa seja adepta das respectivas doutrinas místicas ou religiosas.
Ao mesmo tempo a subcultura Gótica, desde sua origem, aborda seus
temas de uma forma que pode questionar valores sociais e religiosos vigen-
tes, muitas vezes usando de símbolos de forma herética ou questionando
o sentido da vida. Isto pode causar algum choque ou incômodo a alguém
que leve alguma religião mais a sério.
72 Mas ao mesmo tempo, são comuns símbolos como almas, anjos caídos,
espíritos, ao lado de músicas com conteúdo não religioso. Dentro da sub-
cultura Gótica, estes símbolos devem ser tomados da mesma forma que na
poesia: como metáforas de sentimentos humanos.
VAMPIROS NA SUBCULTURA GÓTICA:
Os Vampiros são um dos diversos símbolos metafóricos na subcultura
Gótica, entre muitos outros.
Um exemplo é o caso daquele que é considerado o hino não oficial da
subcultura Gótica: a música “Bela Lugosi is Dead", (1979) da banda
Bauhaus. A letra é uma sátira baseada no filme Drácula de 1932, cujo ator
principal é Bela Lugosi, considerado por muitos uma referência de ator-
canastrão.
A associação entre subcultura Gótica, Vampiros, música Gótica e Pos-
Punk, Ankhs e Egiptologia se tornou “Pop" e consagrada a partir do filme
“Hunger" (Fome de Viver, 1983). Nele, a mesma banda Bauhaus aparece na
abertura tocando "Bela Lugosi is Dead" em um clube noturno no qual um
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
casal de vampiros new-romantic (representados por David Bowie e
Catherine Deneuve ) entram para caçar suas presas da noite. Esses elegan-
tes vampiros em crise existencial usam amuletos Ankhs com pontas afiadas
para cortar a jugular de suas vítimas. A vampira deste filme está viva desde
o antigo Egito.
Em 1994 o livro de Anne Rice “Interview with the Vampire", escrito em
1976, é transformado em filme, trazendo às telas vampiros humanizados
que colocam em cheque questões existenciais e morais. Bem, pelo menos
para alguns deles…
Novamente, no filme “A Rainha dos Condenados”, (também baseado no
livro de mesmo título de Anne Rice) somos remetidos ao antigo Egito como
origem do vampirismo através da personagem principal, Akasha.
Estes filmes e outros geram um “boom" da temática vampírica nos anos
90, tanto dentro da cena Gótica como fora dela. Apesar do tema do vam-
piro estar presente na subcultura Gótica desde os anos 80, aconteceu uma
hipertrofia deste tema durante os anos 90 em detrimento de outros.
Mas o vampiro continua sendo um símbolo tradicional na subcultura
Gótica. Junto a outros como os zumbis, Frankenstein e fantasmas, também
73
o Vampiro não está nem morto nem vivo, levando a um questionamento
do que exatamente significa estar vivo e viver.

SATANISMO E CRISTIANISMO:
A subcultura Gótica é laica, ou seja, não tem religião, mas também não
é anti-religiosa por definição.
Não existe nenhuma ligação direta e literal da subcultura Gótica e
Darkwave nem com Satanismo nem com Cristianismo.
Qualquer citação neste sentido é encontrada no sentido metafórico ou
poético. Por exemplo: o crucificado como símbolo de sofrimento sentimen-
tal, ou o demônio como símbolo das tentações, o anjo caído como símbo-
lo da perda das ilusões ou utopias, etc.
Um gótico pode ter qualquer religião ou nenhuma religião. Religião ou
crença mística é uma questão privada e pessoal de cada um.
13  GLOSSÁRIO DE ESTILOS MUSICAIS
RELACIONADOS À SUBCULTURA GÓTICA
Obs1: O foco deste glossário é a formação dos estilos gothic/darkwa-
ve/post-punk e "parentes" mais próximos. Obviamente, se o foco fosse a
formação de outros estilos, estes estariam mais detalhados.
Obs2: Importante ressaltar que:
a) Uma banda não tem um rótulo único. Geralmente existe mais de um
rótulo aplicável à mesma banda.
b) Na mesma época, o mesmo estilo pode receber nomes diferentes em
países diferentes.
c) Em épocas diferentes o mesmo estilo pode receber nomes diferentes
no mesmo país.
d) A mesma banda pode ir mudando de estilo ao longo do tempo ou
trafegar por vários estilos na mesma época.
Abaixo, comentamos, alguns mais longamente que outros, os seguintes
rótulos/estilos (a ordem não é cronológica):
74
INFLUÊNCIAS (1965-1977):
01 Os 60’s e Glam Rock
02 KrautRock
03 Punk
NEW WAVE/ POS-PUNK/ WAVEs (1978 em diante):
04 New Wave
05 Cold Wave e French New Wave
06 Neue Deutsche Welle (NDW) ou New Wave Alemã
07 Pos-Punk
08 Industrial
09 E.B.M.
10 DarkWave
11 Gothic
12 New Romantic
13 Death-Rock
14 Ethereal e Ethno
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
15 Synth-Pop
16 Trip-Hop
17 "80's"

INFLUÊNCIAS
01. 60’s e GLAM ROCK:
Acid-Rock, Rock Psicodélico, Folk-Rock, os restos do movimento Beat:
alguns artistas da segunda metade dos anos 1960 inauguraram elementos
que influenciariam tanto o punk como continuariam referências no pos-
punk e no Gótico.
The Doors e Velvet Underground praticamente na mesma época, em
extremos opostos dos Estados Unidos, trouxeram algo novo para o univer-
so do rock e da música alternativa. O estilo de poesia de suas letras, de ima-
ginários explorados nos textos Beat tardios de Jim Morrisson e Lou Reed
se tornam referências essenciais.
A quantidade de "hinos" que essas duas bandas produziram nos seus
primeiros álbuns entre 1967 e 1969 marcou profundamente a geração que
estaria fazendo música no começo dos anos 80. Também é curioso notar 75
a quantidade de covers das bandas The Doors e Velvet Underground que
foram realizados por bandas Góticas e Darkwave. Sem falar na influência
óbvia de estilo e estética.
Já o Glam-Rock existiu oficialmente de 1970 a 1975. O estilo se carac-
teriza por uma temática hedonista-decadentista, (algo que já víramos no
Doors e no Velvet antes) androginia, e um Rock básico ou recheado de
experimentalismo, muitas vezes considerado proto-Punk. Mas também
havia lugar para muito lirismo, folk, cabaret e poesia.
Ex: T-Rex, New York Dolls, Iggy Pop (& Stooges), David Bowie, Lou
Reed, Roxy Music, Sweet, Slade, Gary Glitter, etc. (Obviamente muitos des-
tes artistas tiveram carreiras antes e depois da fase Glam-Rock).
O Glam-Rock influenciou diretamente o Pos-Punk e o Gótico, tanto na
musicalidade como em suas temáticas e abordagens, sendo que muitas das
primeiras bandas Góticas pareciam e soavam muito como bandas Glam-
Rock. Ex: Bauhaus e Specimen.
Por exemplo, para reagir ironicamente às críticas de que era “apenas um
revival glam”, o Bauhaus lançou um compacto com um cover quase idên-
tico de “Ziggy Stardust” de David Bowie e com o símbolo facial de Bowie
na capa sobre o logotipo do Bauhaus.
Não poderíamos deixar de citar a influência transversal do “country
obscuro” e da “chanson” francesa tardia. Pelo primeiro grupo temos, por
exemplo, Johnny Cash, que além das letras voltadas para o “dark side”
ficou conhecido no final dos anos 60 como “the man in black” pois popu-
larizou um estilo incomum no country na época: roupa preta, longos
sobretudos negros e chapéus da mesma cor.
O poeta e escritor canadense Leonard Cohen desde seu primeiro álbum
em 1967 também se tornou um ícone para a geração seguinte de compo-
sitores. Por exemplo, o nome da banda The Sisters of Mercy e o famoso
verso “some girls wander by mistake” saíram deste primeiro álbum.
Do lado da chanson francesa, com seu estilo decadentista de “crooners
dramáticos” temos que citar os trabalhos mais tardios de Jacques Brel,
principalmente seu álbum de despedida quando soube que iria morrer. Liza
Minelli não é uma cantora francesa e sim Americana, mas ela encarnou
76 com perfeição o estereótipo da “decadence” dos cabarets no musical e no
filme “Cabaret” de 1972, que marcou a geração que se seguiria.
02. KRAUTROCK:
Krautrock é o nome que se dá ao experimentalismo no Rock alemão do
final dos anos 60 e ao longo dos anos 70. Este experimentalismo mistura
rock, psicodelia, música experimental eletrônica, música concreta, eletroa-
cústica, minimalismo, proto-industrial, música erudita moderna experimen-
tal, jazz e quase tudo que se possa imaginar…
O Krautrock foi influente tanto no pos-punk como na música Industrial
e as tendências eletrônicas, assim como as várias tendências pos-punk, new
wave, além do synth e EBM.
EX: Kraftwerk (que influenciou quase tudo que se conhece em termos
de música eletrónica), Can, Neue, Tangerine Dream, Faust, Popol Vuh (res-
ponsável pela trilha sonora da refilmagem em 1979 do clássico “Nosferatu”
por Werner Herzog), Cluster, Amon Düül II, etc.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
03. PUNK:
Punk é um rótulo polêmico. A primeira polêmica é se é um estilo norte
americano ou britânico. Outra polêmica é se começou em 77 ou terminou
em 77…
A hipótese mais plausível é que tanto o som punk quanto o nome tenha
surgido em território norte-americano. O som, a partir de bandas do final
dos anos 60 como MC5 e The Stooges (de Iggy Pop). O nome a partir de
uma revista/zine do começo dos anos 70. Ainda nos Estados Unidos temos
a banda New York Dolls (1970-1974) que trazia uma mistura de rock bási-
co e estilo que seria base para o Glam também. Em seguida temos uma
segunda geração, ligada ao clube CBGB, que contava com grupos como
Richard Hell and The Voidoids, Television, Patty Smith Group, Talking
Heads, Blondie e The Ramones. Isso tudo até 1975.
Mas esse punk norte-americano era bem mais variado, com temáticas
poéticas e ao mesmo tempo agressivas, líricas e suaves intercaladas com
arroubos sônicos. Diferente do que ficaria conhecido como punk a partir
de 1977 com os ingleses do Sex Pistols: desenvolvido por Malcoln McLarem
este “punk” tem uma temática mais extrospectiva e política.
77
Testemunhas e relatos deixam claro que depois de não conseguir levar
Richard Hell e remanescentes do New York Dolls para a Inglaterra, McLaren
resolveu montar uma banda cópia deles para promover sua loja de roupas.
Assim acaba um "punk" e começa "outro punk".
Obviamente muita gente levou a farsa situacionista dos Pistols a sério
e criou-se algo maior que o esperado. A ética "faça você mesmo" (do it
yourself, ou DIY) teve pelo menos um efeito benéfico: fazer com que muita
gente que jamais ousaria tocar em um instrumento saísse de casa e conse-
guisse transmitir sua mensagem e, em alguns casos, se desenvolvessem
como artistas. Depois o punk se dubdividiu em uma infinidade de sub-esti-
los que precisariam de um dicionário para serem descritos.
Mas o que nos interessa aqui é que as primeiras bandas Góticas surgi-
ram no furor do "pos-punk", sendo que muitos dos membros da primeira
geração de bandas estiveram em bandas punk anteriormente. Assim, por
um período, de 1978 a 1982 aproximadamente, o Gótico é mais relaciona-
do com o cenário Punk/Pos-Punk. Depois de 1983/1984 se constitui clara-
mente como uma subcultura separada e autônoma, com outras influências
se destacando (Krautrock, Glam, Acid-Rock, estilos Eletrônicos, New-wave,
etc), e vem evoluindo e se desenvolvendo até hoje.
OBS: dica de leitura: Mate-me Por Favor, de Legs McNeil e Gillian
McCain (vol I e II)
NEW WAVE/ POS-PUNK/ GOTHIC/ WAVEs:
04. NEW-WAVE:
Um dos rótulos mais incompreedidos que existe, coitado, é "New
Wave". Talvez porque o rótulo acabou se tornando abrangente demais.
“WAVE”, em geral, acaba sendo um termo usado para as diversas
“ondas” e novos estilos que surgiram e se propagaram depois do punk e de
todo o experimentalismo dos anos 70, influenciados pela rejeição de for-
mas consideradas “velhas” de fazer música. Às vezes podemos encontrar a
expressão “as waves” se referindo às várias correntes que comentamos
abaixo, new wave, ndw, coldwave, gothic-wave e depois darkwave.
A versão mais reproduzida sobre a origem do nome “new wave” é que
ele vem de "French-New-Wave", um movimento de renovação do Cinema
78 Francês da década de 60, representados por cineastas como Jean Luck
Godard, François Truffaut, etc. Esse movimento é chamado em francês de
"Nouvelle Vague" (nova onda, new wave). Os filmes costumam ser mais
sombrios, “noir”, às vezes existencialistas e irônicos, usando de muito sim-
bolismo e abordando a alienação social e psicológica do indivíduo. Como
estes filmes eram muitas vezes “independentes”, as bandas “independen-
tes” teriam sido assim chamadas por associação. Depois o termo New-Wave
adquiriu outros sentidos.
Na musica-pop, no final dos anos 70 para o começo dos 80, o termo
New-Wave começou a ser usado para designar as bandas que haviam
começado em 1974/75 como Punk, mas depois seguiram um caminho
experimental. Ex: Talking Heads, Patty Smith, Television, Blondie e outros
da cena de Nova York.
Ícones new-romantic também podem ser classificados como new-wave
(ex: Duran Duran, Visage, Culture Club), assim como fases menos “punk”
de bandas do “pos-punk” (The Cure, Siouxsie and The Banshees, etc).
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Alguns artistas se tornaram estereótipos New Wave exatamente por
explorarem também a questão do visual e aproveitarem o surgimento do
vídeo e da MTV: The Buggles, Devo, Cindy Lauper, PIL, B-52’s, Culture
Club, etc.
Temos ainda a versão francesa do Movimento musical New-Wave a
"French-New-Wave" (algumas bandas sendo chamadas também de
ColdWave) e a NDW alemã (Neue Deutsche Welle).
O movimento New-Wave, assim, de forma alguma se resumia a apenas
“um povo com roupa colorida que dançava para sintetizadores".
05. COLDWAVE e FRENCH NEW WAVE:
“A falta de perspectivas e o isolamento “entre quatro paredes” fez a
dupla Bowie/Eno criar – sobretudo em Low – texturas sonoras que eram
descritas como um “deserto futurista congelado por sintetizadores”. Nascia
ali o embrião do gênero que viria a ser conhecido por cold wave ou a fac-
ção mais fria, robótica e apocalíptica do pós-punk. Não por acaso, o Joy
Division tiraria seu primeiro batismo (Warsaw) da faixa de abertura do Lado
B de Low” (texto online de Abonico R. Smith).
Eventualmente chamado também de “Cold New Wave”, ou ainda um 79
estilo tardio de pos-punk ou de “pré-darkwave”, o termo Coldwave é apli-
cado ao trabalho de linha eletrônica minimalista e “frio”, mas sem deixar
de ser dançante, usado especialmente para bandas francesas do final dos
anos 70 e anos 80. EX: Opera Multi Steel, Trisomie 21, Collection
D’Arnell~Andrea, Guerre Froide, Clair Obscur, Kas Product, Asylum Party,
Barroque Bordello, Little Nemo, Norma Loy, etc.
Além de Gary Numan, também Cabaret Voltaire, a fase "Faith" do The
Cure, Cocteau Twins, Dead Can Dance e algumas fases de Siouxsie and The
Banshees são citados como ColdWave.
Mais tarde o termo Darkwave foi aplicado retroativamente a muitas
destas bandas, sendo que por associação o termo Gótico e Darkwave aca-
bam sendo usados paralelamente.
Cuidado: existe um segundo sentido de Coldwave, totalmente diferen-
te deste, usado principalmente nos EUA e que se refere a um ramo de
Industrial-Rock.
06. NEUE DEUTSCHE WELLE (NDW):
Na Alemanha temos a Neue Deutsch Welle (NDW - Nova Onda Alemã,
German New-Wave), que ia desde um lado mais experimental até outro
mais comercial. Do lado mais experimental é comum listar bandas que
encontramos também catalogadas como Industriais ou Góticas: Malaria, X-
Mal Deutschland, Einsturzende Neubauten, etc. Temos bandas como o
Liaisons Dangereuses que podem ser consideradas o “elo perdido” entre o
pos-punk, eletro e o que viria a ser chamado de EBM/Industrial. Do lado
mais comercial: Falco, Trio, Spyder Murphy Gang, Nena, etc.
Definitivamente, uma música de temáticas noir, mas com abordagem
pos-punk usada com elementos eletrônicos. Podemos traçar um paralelo
com a Cold Wave francesa, mas em um país que foi o berço do experimen-
talismo do Krautrock, tendo uma influência mais forte deste.
Obs:Assim, considerando todas as variantes do uso desses rótulos, fica
mais fácil entender a mistura desde os anos 80 entre o público e som
Gótico, DarkWave e NewWave nas casas noturnas paulistanas chamadas de
"góticas”.
07. POS (T)-PUNK:
80
Positive-Punk (ou Posi-Punk) e Pos-Punk não são a mesma coisa.
Não vamos entrar em detalhes em um glossário, apenas basta saber que
o rótulo Positive Punk (ou Posi-Punk, com “i”) foi usado pela imprensa
inglesa por um período durante 1983, mas este rótulo foi abandonado com
o “boom” “Goth” logo a seguir. (mas positive punk não é também sinôni-
mo de Goth).
Pos-Punk (ou Post-punk, com “T”) é um termo que abrange bandas de
diversos estilos e tendências, sendo às vezes difícil estabelecer a fronteira
com outro termo genérico, a New Wave. Assim o essencial é saber que o
“Pos-Punk” é um conjunto maior que continha várias tendências, e o Gótico
foi apenas uma delas no período de 1978 a 1983 aproximadamente. Assim,
nem toda banda Gótica é pos-punk, e nem toda banda pos-punk é Gótica.
A abordagem do pos-punk já era diferente do punk: mais introspectiva,
onírica, sensível e irônica, mas sem perder o humor-negro. As temáticas
eram variadas, usando de todo repertório Pop como metáfora para comen-
tar questões cotidianas. O Pos-Punk, como termo genérico, definia um
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
leque grande de estilos, com base comum nos princípios do minimalismo,
experimentalismo e outros comuns ao punk, o glam-rock, new-wave, NDW,
Industrial, synth e o punk-glam, misturando ainda ritmos latinos, tribais e
da black-music. Ou simplesmente tudo que soasse minimamente “novo”
depois do punk.
Exemplos de Bandas consideradas tanto Góticas como Pos-Punk:
Bauhaus, Alien Sex Fiend, The Damned, Sex Gang Children, Malaria, The
Cure, X-Mal Deutschland, Siouxsie and The Banshees, Birthday Party, Nick
Cave, Specimen, Joy Division, etc.
Obviamente muitos dos fans das bandas Góticas pos-punk não eram
Góticos, da mesma forma que muitos Góticos gostavam (e gostam) de ban-
das pos-punk que não são Góticas. O que explica porque bandas novas do
revival pos-punk que acontece no começo do século XXI são bem recebi-
das pelo público Gótico.
Resumindo, podemos dizer que a partir de 1983 o termo Gothic se fixa,
sendo aplicado também retroativamente.
08. INDUSTRIAL:
81
O Termo “Industrial” teria sido sugerido pelo músico e performer Monte
Cazazza: “música industrial para pessoas industriais”. A idéia era uma “não-
música” que satirizasse o mundo Industrializado. Influenciados por expe-
riências feitas na música erudita experimental ao longo do século XX, um
dos resultados foi o Industrial que surgiu em meados dos anos 70, princi-
palmente ligado ao selo Industrial Records.
No final dos anos 70, na Inglaterra, os mesmos conceitos eram desen-
volvidos pelos pioneiros do Throbbing Gristle, do Cabaret Voltaire e do
Clock DVA.
Industrial constituía em buscar fazer algo “musical” sem melodia ou
mesmo sem instrumentos, usando de objetos cotidianos e/ou industrializa-
dos. As sonoridades podiam ser tanto extremamente delicadas quanto
totalmente perturbadoras e agressivas.
Em 1980, surge um dos Ícones do Industrial, a banda alemã Einsturzende
Neubauten. Com o tempo, algumas bandas vão mesclando o estilo com
outros, e surge o Industrial-Rock, como o caso da banda Nine Inch Nails, mas
inicialmente ainda guarda ligação com o estilo original.
Logo cedo bandas de Industrial incorporaram os novos experimentalis-
mos eletrônicos, sendo que é comum encontrarmos grupos que transitam
nas misturas Industrial/EBM/ Synth-Pop/ Electro. O Industrial tem origens
bastante próximas ao EBM, e às vezes os estilos se confundem.
Bandas importantes: Das Ich, Skinny Puppy, Front Line Assembly, The
Young Gods, etc.
Mais recentemente, ao longo dos anos 90, se popularizou um outro
estilo chamado “Industrial”, com muitos elementos de Metal, mas que não
tem mais quase nada da experimentação do Industrial original. Tais ban-
das são chamadas de Industrial-Metal.
Mas ainda podemos encontrar bandas que fazem hoje um som
Industrial mais tradicional.
09. E.B.M. (Eletronic Body Music):
EBM é outro dos estilos surgidos do experimentalismo eletrônico dos
anos 70, guardando sempre grande intercâmbio com o Industrial e geran-
82 do sub-gêneros. O maior Ícone é a banda FRONT 242. Outras são Nitzer
Ebb, Klinik, Neon Judgement, Skynny Puppy, Front Line Assembly, Leather
Strip, Wumpscut, Hocico, etc.
Como pode ser visto no ítem sobre Industrial, não é fácil estabelecer
uma fronteira clara entre os estilos. Também ao longo dos anos 80 e 90 a
“EBM” incorporou experências com vários outros estilos, incluindo elemen-
tos electro, breakbeat, synth e até mesmo trance e techno, gerando desde
sonoridades altamente experimentais quanto, por outro lado, estilos que
fazem a felicidade de clubbers pelo mundo todo.
Da mistura de EBM, Synth-pop e elementos de Trance (ou outros esti-
los bastante eletrônicos, dançantes e pops) surgiu no final dos anos 90 o
chamado “Future Pop”.
10. DARKWAVE:
Este é um dos rótulos mais controversos. Existem pelo menos três sig-
nificados mais difundidos para DarkWave:
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
a) DarkWave foi o rótulo utilizado para bandas principalmente alemãs
do começo da decada de 90, mesmo que depois algumas delas tenham
enveredado por estilos que hoje recebem outras classificações. Ex: Project
Pitchfork e Das Ich. O termo acaba sendo usado hoje para grupos que tra-
fegam do synth-pop ao EBM/Industrial, mas abusando de temáticas, climas
e vocais que os aproximam do Gótico e da Coldwave. EX: Deine Lakaien,
Diary of Dreams, Wolfsheim, Diorama, Clan of Xymox (depois de 2.000,
principalmente), etc.
b) No Começo dos anos 90 a gravadora norte-americana Projekt come-
çou a usar o termo DarkWave para definir seu catálogo. Como esse catálo-
go incluía muitas bandas similares a Cocteau Twins, Dead Can Dance e
sonoridades Ethereal, estes estilos passaram a ser chamados também de
Darkwave. Por extensão, passou-se a chamar de DarkWave retroativamen-
te a bandas dos anos 80 que tinham estilo semelhante a Coldwave e que
na verdade influenciaram a DarkWave dos anos 90. Ex: bandas francesas
como Opera Multi Steel, Collection D’arnel Andrea e as duas bandas
Inglesas já citadas. Bandas que começaram fazendo uma New-Wave mais
alternativa ou “obscura” passaram a ser incluidas neste rótulo. Muitas ban-
das do estilo Ethereal também acabam sendo colocadas nesta classificação:
83
Ex: Black Tape for a Blue Girl, Love Spirals Downward, Lycia, Bel Am.
etc, Reclassificadas retroativamente: Cocteau Twins, Dead Can Dance,
Opera Multi Steel, etc.
c) Se bandas como Cocteau Twins e This Mortal Coil foram lançadas
pelo mesmo selo que Bauhaus (4ad), também acabou se usando o termo
Darkwave para todo o Gótico que não fosse muito “Rock”. Algo como uma
“New-Wave mais obscura”. Assim, em alguns casos, Darkwave é usada
quase como sinônimo de Gothic. Além disso, bandas como The Cure (prin-
cipalmente de 81 a 83) e Cocteau Twins, só para dar dois exemplos, na
mesma época trabalhavam com sonoridades muito próximas (Coldwave ou
“góticas” na opinião de alguns).
Esses 3 sentidos às vezes se complementam, às vezes se confundem…
Às vezes, também, em vários países, o termo “Darkwaver” é usado pelas
pessoas como auto-definição para se classificarem como “verdadeiros
Góticos” em oposição aos “góticos comerciais da MTV”, dos fãs de Marylin
Manson, Nu-Metal ou dos Gothic-Metallers…
11. GOTHIC
“GOTH”, Gothic, ou Gótico não é exatamente um estilo musical, mas
uma abordagem e conjunto de características que podem ser aplicados a
vários estilos musicais “wave” ou “pos-punk”. Assim podemos ter bandas
Góticas fazendo Eletro-Goth, Synth-Goth, Gothic-Rock, Pos-Punk-Goth,
“Gothic” Darkwave (apesar desta ser quase uma redundância….), Ethereal
Gothic, etc.
Também nem toda música “gótica” é rock. O Rock’n’Roll é apenas um
dos inúmeros gêneros musicais usados como veículo do estilo e subcultu-
ra Gótica.
O Goth/Gothic se tornou muito mais que um gênero musical: uma sub-
cultura e um estilo de vida que acabam caracterizando até outros gêneros
musicais (desde que estes não sejam estéticamente – musical e liricamente
- incoerentes com o que significa Gótico no nosso contexto). EX: Electro-
Goth, Darkwave, Deathrock (apesar deste existir também como cena em
separado), Ethereal, Ethno, Gothic-Industrial, Pos-Punk, etc
Alguns exemplos de bandas Góticas de vários estilos musicais:
Switchblade Symphony, Clan of Xymox, Bauhaus, Faith and The Muse,
84 Siouxsie and The Banshees, Nosferatu, London After Midnight, Opera Multi
Steel, The Ghost of Lemora, Cruxshadows, Blutengel, Paralysed Age, Diva
Destruction, Ikon, Corpus Delicti, Sisters of Mercy, Poesie Noire, etc..
Apesar de usos anteriores entre 1967 e 74, os primeiros usos “oficiais”
do adjetivo “Gothic” foram no final da década de 70 para bandas como
Bauhaus, Joy Division e Siouxsie and The Banshees, que eram tambem cha-
madas nessa época de pos-punk.
O Gótico continuou seu desenvolvimento ao longo dos anos 90 e no
seculo 21, desenvolvendo cenas em todas as latidudes e longitudes.
12. NEW ROMANTIC:
Tudo começou no Blitz Club…
No começo dos anos 1980 o estilo New-Romantic foi uma tendência
ligada a New-Wave baseado inicialmente no clube londrino Blitz (desde
1979) e muitos outros. O estilo New-Romantic que conviveu e influenciou
muitas bandas chamadas Góticas ou Death-Rock, sendo que características
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
do New-Romantic foram incorporadas à estética Gótica, ou, vendo de
outro ponto de vista, se desenvolveram juntas.
Musicalmente, a principal diferença entre o New Romantic e o Glam-Rock
(cuja influência é óbvia) é que enquanto o Glam-Rock tinha uma sonorida-
de mais orientada para a guitarra e o rock, o New Romantic era mais orien-
tado para bases electropop, sintetizadores e para as pistas de dança.
O New-Romantic se caracterizava por uma espécie de ultra-individua-
lismo dândi, expressado por roupas super “chiques” (mas geralmente
modernizadas), maquiagens ultra radicais e por uma música hedonista e
dançante. Os ícones eram David Bowie e Duran Duran. Lembram do visual
e do som destes dois no começo dos 80’s ?
Outras bandas importantes: Classic Noveaux, Visage, Depeche Mode
(principalmente no começo), Soft Cell, Gary Numan, Culture Club, Adam
and The Ants, Spandau Ballet, Japan, Ultravox. etc
13. DEATH-ROCK:
O termo “Death-Rock” surge nos Estados Unidos aproximadamente em
1981 com a banda Christian Death. Depois, quando o termo Goth se firma
na Inglaterra, “Death-Rock” passa a ser usado também lá para as bandas 85
“pos-punk/Góticas” mais “punk-góticas”. Enfim, os Góticos tendem a con-
siderar a maioria delas Góticas também, apesar de muitos deathrockers
rejeitarem a associação.
O Death-Rock pode ser visto tanto como uma cena à parte ou como
uma parte do Gótico. Historicamente, seria o lado do Gótico mais ligado
ao Punk-Rock, mais escrachado, irônico, decadente, circense e ligado a um
clima de cabaré dadaísta. Não que estas referências não estejam no Gótico
em geral, mas no Death-Rock elas são muitas vezes exageradas e levadas
ao extremo. Mas sem perder um certo tom existencial ou nihilista.
Ex: Alien Sex Fiend, Sex Gang Children, Cristian Death, Cinema Strange,
The Last Days of Jesus, Bloody Dead and Sexy, Tragic Black, etc.
Dentro do Death-Rock existem várias subdivisões e variantes. Algumas
se aproximam mais do Gótico, se tornando difícil distinguí-los enquanto
outras se afastam do Gótico, chegando até a um punk-hardcore de temá-
tica de Horror.
Considerada como cena à parte, o Death-Rock pode incluir tendências
que não são aceitas na cena Gótica, da mesma forma que várias tendên-
cias Góticas são paradoxalmente repudiadas por deathrockers como “não-
góticas”. Realmente é um casamento complicado…
Aqui abordamos apenas o Death-Rock do ponto de vista da cena
Gótica.
14. ETHEREAL e ETHNO:
Nas subdivisões da Darkwave, temos o Ethereal, conhecido por suas
melodias lentas e delicadas e seu clima onírico. Pode ter base eletrônica ou
acústica, confundindo-se com o Ethno, se explorar ritmos ou melodias
Ethnicas, ou seja, rítmos e instrumentos músicas tradicionais de outras cul-
turas (não-européias).
Exemplos: Cocteau Twins, Dead Can Dance, Lycia, Theodor Bastard, Bel
Am, Bel Canto, Collection D’Arnell Andrea, Love Spirals Downward, Love is
Colder Than Death, This Ascension, Black Tape for a Blue Girl, etc.
É importante lembrar que Ethereal e Ethno não são simplesmente músi-
ca folclórica, nem apenas “música clássica ou suave” e também não são
sinônimos. Apesar de ser comum encontrarmos elementos de Ethno no
86 estilo Ethereal e vice-versa, existem inúmeros trabalhos que são puramen-
te Ethno ou Ethereal. Existem ainda trabalhos que misturam qualquer um
destes dois estilos com outros estilos diferentes, como por exemplo, Synth-
Pop, Electro, New-Wave e etc.
Muitas bandas deste estilo são classificadas também, em outros contex-
tos ou outras cenas, como Medieval, World Music, New Age, Shoegaze ou
Dark-Ambient.
Como já explicamos no ítem Darkwave, o selo Projekt popularizou o
termo Darkwave como relacionado ao Ethereal. Assim, podemos encontrar
às vezes o termo “ethereal-darkwave” como forma de explicar a qual sen-
tido de Darkwave estamos nos referindo.
15. SYNTH-POP:
A principal influência do Synth-Pop foi a música dos krautrockers ale-
mães do Kraftwerk (desde a década de 70).
Exemplos de Synth-Pop dos anos 80: Soft Cell, Gary Numan, Pet Shop
Boys, New Order, Information Society, Depeche Mode.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
No final dos anos 60 surgiram as primeiras músicas feitas com sinteti-
zadores. As experiências em música eletrônica, que estavam apenas na
música erudita, começam a aparecer na música Pop. Por isso muitos dos
primeiros a produzir música “sintética” (“synth”) eram indivíduos com for-
mação erudita.
O experimentalismo eletrônico se espalha e se mistura com o Jazz e o
Rock, como no caso do KrautRock (ver item 1).
O uso de elementos eletrônicos minimalistas também foi elemento de
constituição da Cold Wave (parte mais “robótica” do pos-punk), da New
Wave e praticamente todos os estilos eletrônicos posteriores, como EBM,
Darkwave, DarkEletro, Eletro-Goth, Futurepop e outros.
16. TRIP-HOP:
A data "oficial" de batismo do Trip-Hop é 1995, quando jornalistas
precisavam de um novo termo para nomear toda uma corrente de música
eletrônica/pop experimental, especialmente da cena local das cidades de
Bristol e Portishead na Inglaterra.
1994 é o ano do emblemático album "Dummy" da banda Portishead,
que traz todos os elementos básicos do estilo de forma bastante clara. Mas 87
mesmo sem nome, o estilo está entre nós desde a virada para os anos 90.
Por que o nome "Trip-Hop"?
A parte "-Hop" vem de "Hip-Hop", pois a maioria das rítmos experimen-
tais deste gênero vinha de alterações ou quebras de bases hip-hop (claro que
há outras influências). A parte "Trip-" vem do termo "viajar" (" trip ", em
inglês) devido a forte influência de sons "viajantes" do Jazz experimental,
Jazz-swing e Darkwave (às vezes, Ethereal). Outra influência é a de trilhas
sonoras de filmes, especialmente os de base jazzística antigos.
Bandas Góticas e Darkwave foram influenciadas pelo gênero. Ex:
Switchblade Symphony, Ego Likeness, Bel Canto, Qntal, O Quam Tristis, etc.
17. “80’s”:
O Gótico começou e teve um “boom” nos anos 80, mas nem tudo o
que foi feito nos anos 80 é Gótico. O rótulo “80’s” não deve ser usado
como sinônimo de “Gótico 80’s” ou “Gótico Old-School” simplesmente por
que o termo “80’s” se refere a toda música pop ou alternativa produzida
As Gerações de bandas Góticas e Darkwave

nos anos 80. Pode incluir bandas Góticas ou não. Por exemplo, é possível
fazer uma festa “80’s” sem tocar nenhuma banda Gótica. Algumas festas
Góticas, por outro lado, costumam incluir “80’s” nas suas programações
devido a similaridade de estilo e sonoridade com o Gótico 80’s.

14  AS GERAÇÕES DE BANDAS
GÓTICAS E DARKWAVE
Estas listagens não buscam ser nem perfeitas nem completas, mas ape-
nas dar um panorama geral da riqueza do cenário musical Gótico/Darkwave
e, principalmente, de sua renovação nas décadas de 1990 e no século XXI.
Optamos por destacar estas fases pois já existe muita informação disponí-
vel sobre o Gótico dos anos 80. Quanto às vertentes EBM/Industrial, que
são bem aceitas na cena Gótica/Darkwave desde os anos 80 até hoje, opta-
mos por não nos aprofundar nelas neste texto (salvo alguns nomes isola-
dos que são citados). A divisão cronológica é intuitiva e o autor não se
incomodaria em mudá-la nem se envolverá em um duelo de espadas até a
morte para defender a estrutura de uma mera representação didática.
88
• 1968-1977- as influências: glam, proto-punk, krautrock
• 1978-1983- pos-punk, synth, industrial, coldwave, batcave…
• 1983-1990- a consolidação
• 1991-1999- darkwave e a renovação:
• 2000-2008 (…?)- a nova geração e as bandas brasileiras recentes

2000-2008 (…?) - A NOVA GERAÇÃO e


as bandas brasileiras recentes
É difícil apontar os destaques de uma década em curso. Mas, além das
bandas dos anos 90 que continuam em grande forma e ativas, já podemos
apontar algumas surgidas desde 99 e que se destacam: The Ghost Of
Lemora, Scary Bitches, Blutengel, Diva Destruction, Katscan, Helium Vola,
L’Ame Imortelle, Diorama, ASP, Unto Ashes, Darvoset, O Quam Tristis, The
Vanishing, Frank The Baptist, Black Ice, Tragic Black, All Gone Dead, Anders
Manga, Ego Likeness, Carfax Abbey, The Last Days of Jesus, Zombie Girl,
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Faun, Unheilig, Android Lust, Tristesse de la Lune, Audra, Voltaire, The
Birthday Massacre, Bloody Dead and Sexy, The Chants of Maldoror, Joy
Disaster, Hatesex, Scarlet Remains, Autumn’s Grey Solace, Cinema Strange,
New Days Delay, Cauda Pavonis, Irfan e tantas outras...
Também muitas bandas que começaram na fase anterior (ver abaixo
1991-1998) continuam em atividade e se renovando. Algumas bandas sur-
gidas nos anos 80 também tem surpreendido com o som renovado, como
são os exemplos do Clan of Xymox e Mephisto Walz, entre outras.
Enquanto isso, no Brasil, temos presenciado um florescimento de novas
bandas com trabalho próprio no cenário Goth/Darkwave dos anos 00’s:
Plastique Noir, A Banda Invisível, The Downward Path, Scarlet Leaves, Bells
of Soul, Almas Mortas, Escarlatina Obsessiva, Discotronike, Pecadores,
Zigurate, In Auroram, Dead Roses Garden, Days are Nights, Ismália,
Anorexic Juliet, Orquídeas Francesas, Deadjump, Knutz, Zigurate, Mundo
da Mente, Jardin do Silêncio, Pianuts, Lumen, etc . Além de bandas dos
anos 90 que continuam em atividade e se aprimorando como Elegia e Tears
of Blood.
Ou bandas que lançaram material, atuaram neste período ou não estão
mais em atividade como Back Long Arch, Der Kalte Stern, Das Projekt 89
Krummen Mauern, Vesúvia, Mercyland, Strangeways, etc.
1991-1999- DARKWAVE E A RENOVAÇÃO
Neste período as cenas da Alemanha e dos EUA se fortificam. A
Alemanha passa a sediar o maior evento Gótico mundial, o Wave Gotik
Treffen, e estrutura uma micro-mídia subcultural especializada, o que vai
acontecer depois também em outros países. O som eletrônico se refina com
a Darkwave alemã. Nos EUA, o selo Projekt vai dar um sentido um pouco
diferente ao termo Darkwave, mas o importante é que em ambos os lados do
Atlântico, temos uma proliferação de bandas que fazem a felicidade de
Góticos de todo o mundo, renovando e atualizando as sonoridades Gothic e
Darkwave: Calva Y Nada, In Mitra Medusa Inri, Ikon, Rosetta Stone,
Nosferatu, Inkubus Sukkubus, Libitina, Manuskript, Das Ich, Project
Pitchfork, Bel Canto, Diary of Dreams, Hocico, The House of Usher, Sopor
Aeternus, Love Is Colder Than Death, Paralysed Age, The Merry Thoughts,
Still Patient, Melotron, De/Vision, In Strict Confidence, Corpus Delicti, The
Last Dance, Rhea’s Obsessions, Switchblade Symphony, London After
Midnight, Sunshine Blind, Ex-Voto, Trance to The Sun, Lycia, The
Cruxshadows, Collide, Faith and The Muse, Shadow Project, Bella Morte,
Qntal, Malaise, Miranda Sex Garden, Abney Park, Beborn Beton, Absurd
Minds, Fear Cult, Sanguis et Cinis, Love Spirals Downward, Children on Stun,
Suspiria, La Floa Maldita, Frozen Autumn, The Eternal Afflict, Killing Ophelia,
Rasputina, Love Like Blood, Faith and Disease, Girls Under Glass, etc.
Bandas que começaram no final dos anos 80, como Cranes e Wolsheim
se destacam nesta década, sendo que esta última permanece um ícone até
o presente, arrastando multidões a seus shows. Theatre of Tragedy causa
polêmica ao introduzir elementos operísticos ou metal em suas composi-
ções, em doses toleráveis aos ouvidos goth/darkwavers, um equilíbrio mui-
tas vezes alcançado pela também polêmica banda Lacrimosa.

1983-1990- A CONSOLIDAÇÃO
O nome Gótico vinha sendo aplicado a um segmento de bandas do pos-
punk há anos, mas podemos dizer que ele se fixa como um nome definiti-
90 vo do meio para o final de 1983. Neste período a sonoridade pos-punk se
dilui em outras influências como um rock mais acessível e sonoridades
influenciadas pelo synth, coldwave e EBM. A Inglaterra foi o berço do
Gótico na fase anterior, mas nesta fase já temos bandas de destaque tam-
bém na França, Bélgica, Holanda, Alemanha e EUA.
Mesmo que alguns tenham surgido um pouco antes, fazem seus primei-
ros lançamentos nesta época: The Sisters of Mercy, The Fields of The
Nephillin, All About Eve, Clan of Xymox, Dead Can Dance, The Jesus and
Mary Chain, In The Nursery, This Mortal Coil, Love And Rockets, Black Tape
For A Blue Girl, Nick Cave and The Bad Seeds, Ministry, Deine Lakaien,
Calling Dead Roses, Marquee Moon, Invisible Limits, Trisomie 21, Poesie
Noire, Collection D’Arnell Andrea, Opera Multi Steel, Kas Product,
MephistoWalz, Eva O., Two Witches, Gitane Demone, This Ascension, The
Creatures, Front Line Assembly, Delerium, Skinny Puppy, The Wake, Red
Lorry Yellow Lorry, etc. Nesta época bandas que surgiram na fase anterior
já tinham vários álbuns e faziam sucesso.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
1978-1983- POS-PUNK, SYNTH, INDUSTRIAL,
COLDWAVE E BATCAVE…
O nome desta fase poderia ser “tudo ao mesmo tempo agora”. Todo
experimentalismo produzido desde o final da década de 1960 em várias
áreas da música pop e underground parece convergir para um momento de
criação de “novos estilos”. As bandas: Bauhaus, Specimen, Joy Division, The
Cure, Siouxsie and The Banshees, Cocteau Twins, Sex Gang Children, Kirlian
Camera, Alien Sex Fiend, Attrition, U.K.Decay, X-Mal Deutschland, The
Damned, Einsturzende Neubauten, Malaria, Mecano, Die Form, Christian
Death, Tuxedomoon, Southern Death Cult, Birthday Party, Grauzone, Kas
Product, Gary Numan, Anne Clarck, Virgin Prunes, Danse Society, Play
Dead, New Order, etc
1968-1977- AS INFLUÊNCIAS: glam, proto-punk, krautrock
Em 1976/77 a banda Nova-Iorquina Suicide já fazia o que hoje chama-
ríamos de Electro-Punk, Pére Ubu já usava suas batidas tribais no seu “art-
rock” e os alemães do Kraftwerk já tinham vários álbuns revolucionários no
currículo. A geração Glam-Rock (1970-1975) influenciou diretamente as
bandas Góticas mas, na segunda metade dos anos 70, ícones do Glam 91
como David Bowie e Brian Eno absorveram influência do experimentalismo
alemão do Krautrock (1968-1979 aprox. proto-industrial, serialismo, músi-
ca cósmica, etc).
Glam Rock: David Bowie, T-Rex, Gary Glitter, Roxy Music, Brian Eno,
New York Dolls, etc.
Krautrock e Proto-Industrial: Cabatet Voltaire, Kraftwerk, Tangerine
Dream, Can, Neue, Throbbing Gristle, Monte Cazaaza.
Outras influências importantes do final dos anos 60: The Doors, Velvet
Underground (provavelmente, ao lado de T-Rex, as duas que foram alvo de
mais covers por bandas Góticas) e The Stooges. Bandas da cena punk Nova
Iorquina (1975-1977) são também importantes para entender o que foi feito
a seguir: Patty Smith, Richard Hell and The Voidoids, Talking Heads, Blondie,
etc. E Lou Reed e Iggy Pop em carreira solo. Sem esquecer o nosso querido
The Cramps. Algumas referências de “crooners” e “cantores de cabaré” são
importantes, senão pelo estilo de vocal, pela temática das letras: Leonard
Cohen, Jacques Brel, Edith Piaf e Johnny Cash, the man in black.
15  LIVROS E AUTORES QUE OS GÓTICOS AMAM
Não existe uma Literatura "DA" subcultura Gótica. Mas existe um certo
conjunto de obras e autores que -no conjunto ou em parte - tem sido cita-
do, adotado e amado sistematicamente por Góticos de todo o mundo
desde que se começou a falar em Gótico nos anos 1980 até hoje. Não acre-
ditamos que esta permanência de padrão seja mera coincidência e sim um
flexível, mas bem articulado, “discurso de gosto” grupal, homólogo aos
demais elementos da subcultura Gótica.
Existe uma lista evidente de correntes literárias de cuja estética e con-
ceitos a subcultura Gótica tem sistematicamente se reapropriado, feito
releituras ou citações. Às vezes isso é feito como forma de embasar sua
visão de mundo, por analogia ou homologia estética. Ou mesmo como ins-
piração direta.
Ou, colocado de outra forma, obras em que os góticos encontram
expressos elementos estéticos e conceitos que espelham o seu "ser gótico"
e os valores e conceitos estéticos que consideram "da subcultura Gótica".
Várias correntes costumam ser citadas ou sofrerem reapropriação pelos
92 Góticos. Romantismo, Romance Gótico, Simbolismo, Esteticismo,
Decadentismo, Expressionismo, Literatura Fantástica, Roman Noir,
Literatura Beat, etc...
Vários autores costumam ser associados ou sofrer reapropriação pelos
Góticos do mundo todo desde o final dos anos 1970 e começo dos 1980
até hoje. A seguir, apresentamos uma lista que não pretende ser completa
ou perfeita, mas apenas uma amostra que permita um entendimento do
"clima" geral das obras literárias mais citadas e apreciadas entre as pessoas
associadas a subcultura Gótica.
• Edgar Allan Poe- contos e poemas
• Charles Baudelaire- As Flores do Mal
• Mary Shelley- Frankenstein
• Bram Stoker- Drácula
• Lord Byron- obra poética
• Alvares de Azevedo- obra poética
• Augusto dos Anjos- obra poética
• Cruz e Sousa- obra poética
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
• Oscar Wilde- O Retrato de Dorian Gray e outros contos e poemas
• Lautreamont (Isidore Ducasse)- Os Cantos de Maldoror
• Kafka- Metamorfose
• Camus- O Estrangeiro
• John Keats- obra poética
• Sheridan Le Fanu- Carmilla (ou “o Vampiro de Karstein”)
• H.G.Wells- O Homen Invisível
• Arthur Rimbaud- obra poética
• Horace Walpole- O Castelo de Otranto
• Christopher Marlowe- Dr. Faustus
• Goethe- Faust e Werther (ou As tristezas do jovem Werther)
• R.L.Stevenson- O Médico e o Monstro (The Strange case of
Dr.Jekyll and Mr.Hyde)
• Anne Radcliffe- Os Mistérios de Udolpho, O Italiano e outros romances
• Anne Rice- Entrevista com o Vampiro, O Vampiro Lestat e sequências
• H.P.Lovecraft- contos e histórias
• Lewis Carrol- Alice no País das Maravilhas e Alice no País dos Espelhos
• Marion Z.Bradley- série As Brumas de Avalon
• Dante Alighieri –A Divina Comédia
• John Milton- Paraíso Perdido 93
• William Blake- obra poética
• Dostoyevsky- Notas do Submundo e contos
• T.S.Elliot- obra poética
• Emily Dickinson- obra poética
• Florbela Espanca- obra poética
• Machado de Assis- Memórias Póstumas de Brás Cubas
• Erico Veríssimo- Incidente em Antares
• George Orwell- 1984

As obras listadas acima são classificadas em diversas escolas literárias.


Observação Importante:
Existe uma corrente literária chamada “Romance Gótico”, todavia, ape-
sar de parte das obras das quais os Góticos costumam se reapropriar fazer
parte desta corrente, estas não são as únicas. Tampouco podemos reduzir
os conceitos desenvolvidos pela subcultura Gótica desde a década de 1980
a um sinônimo do “Literary Gothicism”. Mas apesar de ser apenas uma
parte e não o todo, sua importância é grande na formação do imaginário
Gótico, tanto no senso comum como na subcultura Gótica.

16  CURIOSIDADE: ORIGEM DOS


NOMES DE ALGUMAS BANDAS
Por curiosidade e passatempo, comentamos aqui a origem do nome
de algumas bandas conhecidas e apreciadas pelos Góticos, apenas como
forma de dar alguns exemplos do tipo de referências e citações comuns
em nosso meio.
SIOUXSIE AND THE BANSHEES:
Banshees- do filme- “Cry of the Banshee”- 1970, inspirado em conto de
Edgar Alan Poe. Na Inglaterra Elizabetana, um Lord maldoso (representado
por Vincet Price) massacra quase todos os membros de um coven de bru-
xas. Siouxsie: diminutivo de Sioux, tipo de índio norte-americano.
94 Banshees são um tipo de espíritos “gritadores" do folclore irlandês, que
anunciam a chegada da morte.
A banda também tem uma música inspirada em outro conto de Poe:
Premature Burial.
THIS MORTAL COIL:
Expressão do monólogo de Hamlet de Shakespeare - significa “este
pedúnculo mortal", referência ao nosso corpo físico e sua mortalidade.
BAUHAUS:
Movimento artístico modernista fundado em 1919 na Alemanha, como
um desenvolvimento do expressionismo. Por isso o nome da banda origi-
nalmente era “Bauhaus 1919”.
LOVE IS COLDER THAN DEATH:
(German: Liebe ist kälter als der Tod/ o amor é mais frio que a morte)
– filme do Cineasta Rainer Werner Fassbinder, 1969.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Foi também nome de um álbum e música da banda belga Poesie Noire,
em 1989.

LONDON AFTER MIDNIGHT:


Baseado no filme perdido de terror vampírico com este mesmo nome,
“London After Midnight” de 1927, com o carismático ator Lon Chaney e
dirgido pelo emblemático (pelo bem e pelo mal…) diretor Tod Browning,
responsável também pelos filmes Drácula (1931) e Marca do Vampiro
(1935) com Bela Lugosi, entre outros clássicos do cinema de Horrror B.

THE SISTERS OF MERCY:


Considerando que os álbuns de coletâneas da banda levam o nome de
um verso da música “Teachers” do primeiro álbum (1967) músico canaden-
se Leonard Cohen (‘Some Girls wander by Mistake…into the Mess Those
Scalpels Make”) é bem provável que o nome da banda se refira também a
outra música do mesmo álbum de Cohen chamada exatamente “The Sisters
of Mercy”, que faz exatamente a analogia entre as religiosas “Irmãs da
Misericórdia” e aquelas outras “misericordiosas” damas da noite que são
igualmente o último recurso das almas e corpos no fim da linha… O estilo
95
de letras de Leonard Cohen sombrio e irônico provavelmente também é
uma influência. O The Sisters of Mercy também fez alguns covers de Cohen
que podem ser encontrados em gravações ao vivo.

DEAD CAN DANCE


Referência a danças rituais de tribos da Oceania (a vocalista é
Australiana) em que os dançarinos envergam mascaras que representam os
mortos. O primeiro álbum da banda traz uma destas mascaras ritualísticas
reproduzidas na capa.

SKELETAL FAMILY:
Referência à música “chant of the evercicling dance of the skeletal
family" do álbum “Diamond Dogs" (1974) de David Bowie. O mesmo álbum
cita o cineasta Tod Browning entre outras referências de horror e
Halloween em suas outras letras.
CAVARET VOLTAIRE:
Inspirado no cabaré suíço fundado em 1916, no qual surge o movimen-
to artístico modernista Dadaísmo. Coerente com a orientação artística
musical original dessa banda, baseada na desconstrução musical.
COCTEAU TWINS:
Provavelmente referência transversal ao francês Jean Cocteau, cineasta,
escritor, poeta, etc. Jean Cocteau é autor do classico Les Enfants Terribles,
a história de dois irmãos e uma irmã—curiosamente de nome Elizabeth
como a vocalista da banda. Autor também de “Sangue de Poeta", “Orfeu"
e a “Bela e a Fera". Jean Cocteau realizava filmes com um clima noir oní-
rico e surrealista.
SEX GANG CHILDREN:
Nome retirado de um romance do escritor beat William Burroughs.

THE GHOST OF LEMORA:


Referência ao filme de horror e suspense da década de 1970 chamado
“Lemora – A Child’s Tale of The Supernatural”.
96
DALI'S CAR:
Referência ao “carro” ovóide inventado pelo artista surrealista Salvador Dali.
TRISTESSE DE LA LUNE:
Nome de um poema de Baudelaire
THE HOUSE OF USHER:
Citação do conto de Edgar Allan Poe, “A queda da casa de Usher”.
THE CHANTS OF MALDOROR:
Referente ao poema de Lautreamont “The Chants of Maldoror”

MEPHISTO WALZ:
“As Valsas de Mephisto” são quatro valsas do compositor clássico Franz
List (1811-1876) inspiradas na lenda de Fausto. “Mephisto Waltz” é tam-
bém um filme de suspense e horror (1971) sobre um pianista moribundo
que negocia com satã.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
17  CINEMA: FILMES REFERÊNCIA
OU INFLUENCIADOS
ASAS DO DESEJO
(1987, De Himmel Ubber Berlim/ Les Ailes du Desir, de Win Wenders)
A curiosidade de sentir a vida, significado da mortalidade e de poder
escolher o errado ou o certo atormenta os anjos-da-guarda que sobrevoam
a Berlim dividida do pós-guerra. Mas os anjos podem escolher deixar de ser
perfeitos e eternos e conhecer o que é ser humano... se ousarem.
Curiosidade: durante o filme, o anjo “caído" vai procurar a trapezista de
circo que o encantara exatamente em clube noturno em que está aconte-
cendo um show de Nick Cave and The Bad Seeds, que apresenta a música
“From Her to Eternity" completa. A trilha sonora do filme é marcada por
expoentes do pos-punk e no-wave Europeus e Norte Americanos. Win
Wenders ainda realizou uma “continuação" deste filme, chamada “Tão
Longe Tão Perto" (So Far So Close) que é igualmente imperdível.
BLADE RUNNER, O Caçador de Andróides
(1982, Blade Runner, de Ridley Scott) 97
Quanto tempo viveremos e se vale a pena arriscar viver até lá é a res-
posta que os andróides Replicantes deste filme buscam. Estes andróides
têm um “prazo de vida" estipulado, mas só o seu “criador" sabe. Durante
o filme o detetive que caça os Replicantes tem que se perguntar se suas
lembranças são suas mesmo e o que realmente caracteriza um ser huma-
no... O cenário do filme é extremamente bem cuidado com a criação de um
futuro ao mesmo tempo obscuro, decadente e barroco. A maquiagem da
Replicante representada por Daryl Hannah é famosa entre Góticos até hoje.
Existem duas versões do filme: uma lançada na época, com narração e
algumas cenas diferentes, e uma versão lançada posteriormente pelo dire-
tor, sem narração e com cenas extras.
THE HUNGER
(1983, The Hunger, de Tony Scott, com Bauhaus, David Bowie
e Catherine Deneuve)
Bastaria a cena de abertura em que vemos intercaladas cenas de uma
apresentação da banda Bauhaus (tocando o seu "hino Gótico" Bela Lugosi
is Dead) com algumas das melhores cenas de Vampirismo já filmadas, para
este filme se tornar um clássico da cena Gótica. Mas, além disso, os vampi-
ros desta história são representados por David Bowie e Catherine Deneuve, e
são vampiros que apresentam alguns questionamentos existenciais sobre a
vida eterna e a morte. Também pela primeira vez no cinema vemos o símbo-
lo Ankh ser diretamente associado com Vampiros e Egiptologia, ao som de
uma banda Gótica apresentando uma música que é uma piada sobre outro
ator que representou um vampiro décadas antes: Bela Lugosi.
CABARET
(1972, Cabaret, de Bob Fosse, com Liza Minelli)
"Divine Decadence, darling!"...é a frase que marca a protagonista. A atriz
Liza Minelli compõe um figurino inesquecível no papel de uma cantora de
cabaré (Sally Bowles) que sonha em ser uma estrela e é apaixonada por um
rapaz bissexual. Mas logo o destino começa a lhes pregar peças…
Baseado na obra do escritor Christopher Isherwood (nos musicais deri-
vados deste) e sua descrição sobre a ebulição cultural da "Cabaret Culture"
durante a República de Weimar (período democrático mas conturbado por
crises econômicas no entre guerras 1919- 1938) na Alemanha obscurecida
98 pela ameaça representada pela ascensão do Nazismo.
Segundo o escritor Patrice Bollon, o visual deste filme musical teria
influenciado o Bromley Contingent (do qual emergiu, entre outros, Siouxsie
Sioux). Coincidindo com o imaginario "glam-decadent" da época Glam dos
anos 70, a estética e temática do filme teria virado moda em certos círculos
londrinos e influenciado o grupo Bromley Contingent, ligados à loja de rou-
pas Sex de Malcoln Maclarem e da estilista Vivienne Westwood, que na época
organizaram e vestiram os Sex Pistols. Do Bromley Contingent emergiram
várias estrelas do Pos-Punk e Goth. O fato de um dos integrantes deste grupo
ter adotado o codinome "Berlim" e os demais, como os futuros integrantes
do Siouxsie and The Banshees adotarem na época (1976-77) uma estética
tipicamente de cabaret e vaudeville, atestam a influência direta.
THE ROCKY HORROR PICTURE SHOW
(1975, dirigido por Jim Sharman)
Difícil dizer se este é o ultimo fime Glam ou o primeiro filme Gótico.
Ou o elo perdido? 1975 é ao mesmo tempo o auge e o fim do Glam-Rock.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
É preciso lembrar disto, e este filme se tornou um cult de varias gerações
por misturar horror-B, musical glam, humor camp. Um musical comédia-
horror de visual alucinante. O carro de um casal de noivos quebra no meio
do nada e eles vão pedir ajuda exatamente em um castelo próximo, habi-
tado pelos alienígenas do planeta Transexual e que naquela noite vão tra-
zer à vida um “Frankenstein” muito diferente. Imperdível!
O GABINETE DO DR. CALIGARI
(1919, Das Kabinett des Doktor Caligari dirigido por Robert Wiene)
Se um filme precisa ser visto para entender o que é "cinema expressio-
nista" este é o mais indicado e completo. Tanto na caracterização e atua-
ção dos personagens como no design dos cenários temos a estética expres-
sionista usada na sua plenitude. Conrad Veidt representa um sonâmbulo
que vive em uma caixa, apresentado pelo Dr.Caligari como alguém capaz
de dizer o futuro do público nos raros momentos em que acorda. Mas
estranhos assassinatos começam a ocorrer, há suspeitas sobre um asilo de
loucos, ou será que...
EDWARD MÃOS DE TESOURA
(1990, Edward Scissorhands. Dirigido por Tim Burton) 99
Com Johhny Deep no papel principal, Wynona Ryder e Vincent Price no
papel do cientista criador de Edward. Edward é um tipo de Frankenstein
romântico e sensível que vive escondido em uma torre abandonada desde
que seu criador morreu antes de “completá-lo”: faltavam as mãos, o que
fez com que Edward tivesse que usar tesouras para fazer mãos, com a qual
realiza belas obras de arte mas…que podem causar muitos problemas se ele
for levado a conviver na “civilização”. O visual do protagonista é fortemen-
te inspirado nas bandas Góticas dos anos 80, algo que o diretor Tim Burton
não esconde também em outros de seus filmes e em seus próprios visuais.
NOSFERATU
(1922, Nosferatu, eine Symphonie des Grauens, dirigido
por F.W.Murnau, com Max Schreck ).
Esta é a primeira versão da história do conde Drácula no cinema. Como
o escritor Bram Stoker não autorizou o uso do nome “Dracula”, o diretor
F.W.Murnau usou “Nosferatu”. Um dos mais clássicos filmes de vampiro,
devido à atuação e aparência única de Max Schreck como o vampiro e
conde Graf Orlock, e pela direção de F.W.Murnau que cria um clássico do
expressionismo alemão. A historia é a clássica do Vampiro que se muda
para uma cidade e começa a aterrorizá-la…
O ESTRANHO MUNDO DE JACK
(1993, The Nightmare Before Christmas, de Tim Burton)
Jack Skelington, protagonista desta animação, se tornou um ícone para
os Góticos bem humorados de todo o mundo. Ele é o lider da cidade de
Halloween, que vive para isso o ano inteiro. Jack, porém, começa a se ente-
diar e vai buscar outras aventuras, como tentar organizar o natal em seu
estilo no mundo inteiro. Claro que as coisas não dão muito certo… A ani-
mação é realizada com uma qualidade poucas vezes vista com bonecos
pelo método stop-motion. O estilo expressionista e sombrio de Tim Burton
nos cenários e personagens também pode ser visto em outras animações
do diretor, como “A Noiva Cadáver” (Corpse Bride, 2005). Destaque para o
par romântico que Jack faz com a zombina-boneca Sally, imortalizada na
canção “Sally Song”, de Danny Elfman, que a banda Gótica London After
Midnight regravou em 1998. Elfman, que geralmente faz as trilhas sonoras
de Burton, colaborou também com os Siouxsie and The Banshees na músi-
100 ca “Face to Face”, em 1992, trilha do filme “Batman Returns”.).
ENTREVISTA COM O VAMPIRO
(1994, Interview with the Vampire, dirigido por Neil Jordan)
Baseado no livro “Interview with the Vampire” de Anne Rice publicado
em 1976, o filme traz os dramas existenciais do vampiro Louis (Brad Pitt)
em choque com cinismo do vampiro Lestat (Tom Cruise), além dos clássi-
cos vampiros Armand (Antonio Banderas) na direção do “Theatre des
Vampires” e a doce Claudia, a menina vampira.O destaque do filme é o
mesmo do livro: trazer vampiros que não são apenas caricaturas de terror,
mas indivíduos que se debatem com questões morais e existenciais.
BEETLEJUICE (OS FANTASMAS SE DIVERTEM)
(1988, dirigido por Tim Burton)
Com o típico humor-negro Burtoniano, o filme fez tanto sucesso que
deu origem ao popular desenho animado de mesmo nome. Um casal morre
e se torna fantasma em sua casa de campo, mas começam a ter trabalho
para espantar os novos moradores. Para isso pedem ajuda para outro fan-
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
tasma, o zumbificado Beetlejuice (Michael Keaton), que popularizou mais
ainda os ternos e camisas listrados em preto e branco (e outros) na cena
gótica, assim como o grito “BeetleJuice” (“Besouro-suco” ou suco de
besouro, em português). A única alegria dos fantasmas acaba sendo a filha
gótica do casal de novos moradores, Lydia, interpretada por Winona Ryder
em interpretação e visuais góticos imperdíveis. Figurinos, cenários e
maquiagem merecem destaque. Depois, na série de desenhos animados,
Lydia e Beetlejuice se tornam os personagens principais.
METRÓPOLIS
(1927, dirigido por Fritz Lang)
Considerado por muitos o primeiro filme de ficção científica. O filme
tem um roteiro e efeitos especiais inovadores para a época: em um futuro
distante na época (2026) a industrialização e a tecnologia se desenvolve-
ram tanto que os seres humanos passaram a ser vítimas deste processo,
sendo a sociedade dividida entre trabalhadores explorados e tecnocratas
que vivem no “paraíso”. Um clássico de Fritz Lang, considerado referência
do expressionismo alemão tardio.
DRÁCULA
101
(1931, dirigido por Tod Browning, com Bela Lugosi)
Imperdível por vários motivos, tanto pela atuação do ator Bela Lugosi,
considerado um canastrão para muitos, mas que se estabeleceu como sinô-
nimo de vampiro no cinema por muito tempo como por ter sido dirigido
pelo “melhor pior cineasta da historia”, Tod Browning. A história é a que
todos conhecemos … Destaque para os rudimentares efeitos de luz nos
olhos de Drácula para aumentar a aparência sobrenatural.
NOSFERATU
(1979, Nosferatu, Phanton der Nacht, de Werner Herzog)
Com Klaus Kinski e Isabelle Adjani nos papéis principais, Bruno Ganz no
papel de Jonathan Harker, seguindo a obra de Bran Stoker. Klaus Kinski
consegue compor um vampiro que compete em estranheza com o
Nosferatu de Max Schreck(1922). A intenção do diretor Wener Herzog era
exatamente retomar o cinema alemão do ponto em que ele havia sido
interrrompido, refilmando um clássico do expressionismo alemão. Com
uma sombria trilha sonora da banda krautrock alemã Popol Vuh.
A NOIVA CADÁVER
(2005, The Corpse Bride, de Tim Burton)
Comédia romântica filmada com o estilo animação stop-motion, conta
a história de uma noiva morta que busca um noivo…vivo ou morto. Com
deliciosas cenas musicais no reino dos mortos, o filme explora com bom
humor todos os clichês do horror gótico.
O ANJO AZUL
(Der Blaue Engel, 1930, de Josef von Sternberg, com Marlene Dietrich)
Marlene Dietrich interpreta Lola, o protótipo da femme-fatale: a estre-
la de um cabaré nômade que visita as cidades por algum tempo e logo
parte. Em uma destas cidades enfeitiça um proeminente burguês e profes-
sor (interpretado pelo excelente Emil Jannings), levando-o a degradar-se
progressivamente.
BRAM’S STOCKER DRÁCULA
(1992, dirigido por Francis Ford Coppola)
Versão moderna mas bastante fiel ao livro de Bram Stoker, bem dirigi-
da e com um casting de estrelas: Gary Oldman (príncipe Drácula), Keanu
102 Reeves (Jonathan Harker), Anthony Hopkins (Van Helsing) e Winona Ryder
(Mina) nos clássicos papéis principais e o músico Tom Waits no papel de
Renfield. O filme começa com a suposta origem de Drácula como Vlad
Tepes no século XV e o surgimento da maldição do vampiro e segue o enre-
do clássico. Imperdível.
O CORVO
(The Crow, 1994, com Brandon Lee, dirigido por Alex Proyas)
Eric Draven (Brandon Lee) e sua noiva são brutalmente assassinados,
mas, segundo uma lenda, quando um homem é morto tão injustamente
um corvo pode trazer sua alma de volta para buscar vingança. E é o que
acontece com o protagonista, que passa a ter um corvo como guia ente o
mundo dos vivos e dos mortos enquanto realiza sua vendetta. O detalhe é
que quando está quase morrendo o personagem consegue ver sua amada.
Para aumentar a aura misteriosa do filme, o ator Brandon Lee morreu
durante as filmagens ao ser atingido por uma bala verdadeira que estava
por engano em uma arma cenográfica. A trilha Sonora traz vários clássicos.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
A maquiagem de Eric Draven se tornou popular entre Góticos do mundo
todo, mas tão popular que acabou se tornando repetitiva, por isso, às vezes
sofre certa rejeição. Além disso, é bem difícil de fazer…
A FAMÍLIA ADDAMS
(The Addams Family, 1991, dirigido por Barry Sonnenfield)
A Família Adams criada pelo cartunista Charles Addams gerou várias séries
e filmes. Esta versão de 1991 é baseada na série televisa tradicional em que
personagens de terror constituem uma atrapalhada e mórbida família.
Formada pelos patriarcas Gomez (Raul Julia) e Mortícia (Anjelica Huston, ins-
pirada na Vampira de Maila Nurmi), seus filhos Pugsley, Wednesday (a “malé-
fica menininha” Christina Ricci), Tio Fester, and Grandmama, o mordomo
Lurch de estilo Frankenstein e o seu ajudantede Thing (coisa), uma mão sem
corpo… Existe uma continuação de 1993, “Addams Family Values”, com os
mesmos atores. Procure conhecer também a antiga série de TV “Addams
Family”.
PLAN 9 FROM OUTER SPACE
(1959, dirigido Edward Davis Wood, Jr.)
Só assista este filme naquele humor de rir de algum filme antigo muito 103
mal feito, com efeitos especiais ruins, atores totalmente canastrões e um
roteiro absurdo. Neste tipo de ruindade, Plan 9 é o melhor. Além disso,
conta com Bela Lugosi no seu último papel (de fato ele morre durante a
filmagem), Maila Nurmi como qualquer coisa zumbi do espaço que parece
a Vampira de sempre. No roteiro, Aliens do espaço exterior buscam imple-
mentar um plano em que ressussitam mortos recentes…O que seria do
deathrock sem este filme?
O SÉTIMO SELO
(1957, Det Sjunde Inseglet, de Ingmar Bergman)
Filme alegórico em preto e branco. Um cavaleiro medieval volta à sua
aldeia, mas a encontra devastada pela peste. A Morte quer levá-lo também,
mas o cavaleiro quer entender o sentido da vida e para ganhar tempo desa-
fia a Morte para uma partida de Xadrez… e o jogo começa. Várias questões
existenciais e religiosas são abordadas em cenas antológicas e até engraça-
das pra quem tem uma boa dose de humor negro.
18  CRONOLOGIA DO USO
SUBCULTURAL DO TERMO “GÓTICO”
Aqui falaremos apenas sobre o uso do termo “GOTH” (Gótico) aplicado
inicialmente a um estilo musical e depois à subcultura de mesmo nome,
nos últimos 40 anos.
1967: em um artigo pouco conhecido, John Stickney define a banda
The Doors como “Gothic Rock". Curiosamente a descrição das característi-
cas “góticas" da banda nesse texto coincide com o que seria definido como
Gótico dez a quinze anos depois.
Essa referência é citada no site Scathe e aceita como fonte nos livros
Goth Bible e Goth Chic. Não é possível confirmar se esta citação influen-
ciou outras citações posteriores, mas algo facilmente observável é a
influência da banda The Doors já sobre a primeira geracão de bandas
Góticas, tanto nas letras, vocais, estilo, quanto nos covers. Citações nos
anos 70 parecem comprovar que esta influência era um lugar comum (ver
citação de Kent em 29/7/1978, alguns itens abaixo).
1972: Lançado o filme “Cabaret”, com Liza Minelli, baseado na obra
104 “GoodBye Berlim” de Chistopher Isherwood, sobre os cabarets e a “divina
decadência” da Berlim dos anos 1930. Patrice Bollon em “A Moral Da
Máscara” relata que este filme teria gerado uma moda em Londres que
influenciou o Bromley Contingent, do qual emergiram várias pessoas que
se tornaram referência no pos-punk e no Gótico. Os mais conhecidos são
Siouxsie Sioux e Steven Severin, da banda Siouxsie and The Banshees.
1972-1974: "Diamond Dogs" - Em 1974 David Bowie em uma entre-
vista a respeito do seu álbum “Diamond Dogs” teria comentado que este
era “gótico” no estilo. Podemos encontrar neste álbum elementos que
foram adotados por punks e góticos. No figurino de sua tournée de 1972,
encontramos o uso de meias arrastão como camisa e as maquiagens expres-
sionistas dos performers do show.
“Diamond Dogs” é baseado nas distopias dos livros “1984” de George
Orwell , na ficção científica “A Boy and His Dog” de Harlan Ellison e em
The Wild Boys de William Burroughs. Algumas canções, como “the everci-
cling dance of the skeletal family” e outras, falam de uma “Metrópolis”
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
decadente e imunda habitada por seres de Halloween (halloween jack, etc)
e personagens de Tod Browning (em "Diamond Dogs"). Tod Browning foi
o cineasta que dirigiu Drácula, com Bela Lugosi (1931). A faixa "We are the
Dead" é auto-explicativa, além de "1984" e "Big Brother".
1975: É lançado o filme “The Rocky Horror Picture Show”, no qual o Glam-
Rock encontra a “Família Addams” em um filme de terror B dos anos 50…
29/7/1978: Nick Kent na revista NME diz de Siouxsie: "Paralelos e com-
parações podem ser agora traçadas com arquitetos do gothic rock como The
Doors e, certamente, Velvet Underground do começo”. Siouxsie and The
Banshees lançaram em 1978 seu álbum “The Scream”. (fonte: scathe).
1979: Martin Hannett, empresário do Joy Division, descreve o álbum
Closer do Joy Division como “Música dançante, com tonalidades góticas”.
23/6/1979: Nick Kent chama o The Cramps de “American Gothick” em
uma resenha da revista NME. The Cramps já tinha então alguns anos de
carreira.
15/9/79: No programa “Something Else” da BBC TV, Tony Wilson (pro-
dutor da banda) descreve o Joy Division como "Gótico comparado com o
pop comercial". Na mesma entrevista Bernard Albrecht, guitarrista da 105
banda, reforçou essa noção comparando a música da banda ao seu amor
ao clássico filme expressionista Nosferatu (1922), dizendo: “a atmosfera
(era) realmente maligna, mas você se sente confortável nela”.
2/10/79: Penny Kiley escreve em uma resenha "'Gótico se tornou uma
definição algo supertrabalhada do gênero, mas o efeito do Joy Division é
o mesmo (para pegar um exemplo óbvio) que dos Siouxsie and The
Banshees”.
1979: Bauhaus lança o single de “Bela Lugosi is Dead”. As artes dos
álbuns e material gráfico da banda trazem imagens de filmes expressionis-
tas e do Drácula de Bela Lugosi. A temática estava na moda…
Fev/81: Em entrevista com Steve Keaton da Sounds, Abbo do UK Decay
diz: “… nós estamos nesta coisa toda de Gótico”...
1981: Os comentários abaixo são tirados de "Siouxsie And The Banshees:
The Authorised Biography", de Mark Paytress, e se referem especialmente ao
álbum “Juju”, lançado em 1981.
Steve Severin (da banda Siouxsie and The Banshees): “Nós realmente
descrevemos “Join Hands” (1979) como “gothic" na época do seu lança-
mento, mas os jornalistas não se prenderam muito a isso. Com certeza,
naquela época nós estávamos lendo muito Edgar Allan Poe e escritores
similares. Uma música como “Premature Burial" daquele álbum é certa-
mente Gótica no sentido apropriado”.
1982/começo de 83: O clube Batcave é aberto em Londres. Ian Astbury
(Southern Death Cult, The Cult) usa o termo “goths" para descrever os fans
do Sex Gang Children, o que é divulgado pelo redator da NME, Stephen
Dorrell.
“Goth” se torna finalmente aceito como um movimento de direito.
Andi (do Sex Gang Children) relata a respeito da época: “- chamaram
meu apartamento de Visigoth Towers pelas minhas costas como piada. Dois
músicos que eu conhecia que viviam por perto - Ian Astbury and Billy
Duffy (ambos dos primórdios Goth do Southern Death Cult) inventaram o
apelido “Gothic Goblin” ou “Count Visigoth”. Acho que alguém mencionou
isso para um jornalista chamado Dave Dorrell, que então começou a divul-
gar o termo “Goth". Mas "Gothic" já vinha sendo usado por algum tempo
106 (antes) para descrever vários estilos de música, especialmente Joy Division.
Para mim, especialmente, o termo Gothic se refere a algo um pouco mais
elaborado e clássico do que o Gótico comercial que temos visto."
Out/1983: O jornalista Tom Vague se refere a “Hordes of Goths" na
revista Zig Zag, (cujo diretor era Mick Mercer). Nessa época tanto o
termo Gótico como a Subcultura relacionada já estavam estabelecidos...
Anos depois de ter sido usado pela primeira vez, o termo se torna acei-
to e definido.
Aparentemente o termo positive punk foi uma tentativa de alguns jor-
nalistas de mudar o nome daquela tendência, por alguns meses (feverei-
ro/1983), mas o termo não pegou. Mick Mercer comentou: “As pessoas
precisam se lembrar que Richard (Richard North da NME que divulgou o
termo Positive Punk) não estava falando de nada mais que uma certa ati-
tude de uma poucas bandas no seu artigo sobre o Positive Punk (aprox.
Fev/1983) e ele não tinha intenções extras de proclamar um movimento.
Ele ficou tão surpreso quanto qualquer um quando o artigo foi para a capa
da revista…(..). Foram os subeditores, provavelmente em uma semana fraca,
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
que inventaram tudo. Ele só estava interessado em procurar uma linha de
pensamento Punk mais imaginativa, não um movimento."
Em uma entrevista com Dave Thompson e Jo-Anne Green da revista
Alternative Press em Novembro de 1994, Ian Astbury, o ex-vocalista do
Southern Death Cult, declara que ele inventou o termo gótico:
“O termo “goth” era um pouco uma piada, insiste Ian Astbury. “Um dos
grupos que estava se destacando ao mesmo tempo que nós era o Sex Gang
Children, e (o vocalista) Andi – costumava se vestir como um dos fans do
Siouxsie and The Banshees, e eu costumava chamá-lo de “Gothic Goblin”
porque ele é um cara pequeno e moreno. Ele gostava de Edith Piaf e essas
músicas macabras, e ele vivia em um prédio em Brixton chamado “Visigoth
Towers”. Assim, ele era o “Gothic Goblin”, e seus seguidores eram os
“Goths”. Daí que o Gótico veio.”
Todavia, devido aos outros usos anteriores ou similares fica difícil con-
siderar este o primeiro uso.
1983: Marc Almond (Soft Cell) relata sobre 1983: “a moda daquele ano
era o gótico-roupas pretas, batom preto, renda preta, cabelo preto - você
podia incluir qualquer coisa desde que fosse preta. Rostos pálidos, bijute-
rias imitando ossos, qualquer coisa que lembrasse morte estava na ordem 107
do dia”. Com o crescimento da cena, a imprensa inglesa aceita o nome que
se tornou popular: Goth.
Ainda em 1983 é lançado o filme “Fome de Viver” com o Bauhaus
tocando “Bela Lugosi is Dead” na abertura, em um clube noturno em que
os vampiros representados por David Bowie e Catherine Deneuve vão para
buscar suas vítimas… Talvez pela primeira vez no cinema os vampiros são
representados de forma mais “sensível”.
Em 1984 o gótico já estava “fora de moda” para a imprensa comercial,
mas se tornara algo muito maior que uma moda passageira… até hoje.
Felizmente, no mundo real, as coisas não desaparecem quando a imprensa
comercial deixa de falar delas…
DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES
Aqui comentamos sobre o termo gótico na primeira geração do Gótico
(1978-1983). Sobre os desenvolvimentos posteriores nos aprofundaremos
em outra oportunidade. Mas a seguir algumas linhas gerais:
Na Alemanha, desde o começo dos anos 90, floresceu uma cena
“Darkwave-Goth” com uma imprensa própria especializada tanto na área
musical como comportamental. Também existe na Alemanha desde 1992 o
maior festival mundial de música Gótica que cresce a cada ano, o Wave
Gotik Treffen . Temos desenvolvimentos igualmente importantes em outros
países da Europa.
Também nos Estados Unidos, onde tanto o lado mais Deathrock quan-
to o mais Darkwave e Ethereal, ou a mistura com Industrial, florescem até
hoje associados a subcultura Gótica.
Da mesma forma que a Europa, os EUA também possuem selos impor-
tantes lançando artistas de qualidade desde o Gothic-Rock, DeathRock,
Ethereal, Synth-Goth, Electro-Goth, Industrial, etc, que representam muito
bem a tradição Gótica.
Tanto nos EUA como na Europa e até no Brasil novas bandas com
novas sonoridades continuam surgindo durante os anos 90 e até hoje.
Importante lembrar sempre que cada continente ou mesmo país usa
rótulos ligeiramente diferentes para as mesmas bandas, ou usa um mesmo
rótulo em sentido diferente. Comentamos mais essa questão no capítulo
108 15- Glossário de Estilos Musicais.

19  “ARQUEOLOGIA” DOS USOS


DO TERMO “GÓTICO”.
Abaixo, vamos comentar um pouco as transformações de significado
que o termo “Gótico” foi sofrendo ao longo dos séculos, até chegar ao
século XX e ser usado como jargão pelos… Góticos.
1- DO SÉCULO V AO XIV:
Os povos que invadiram as diversas fronteiras do Império Romano, for-
çando o bloqueio econômico da Europa e a economia Feudal, tinham
várias origens: vândalos, germanos, anglo-saxões, otomanos, ostrogodos,
francos, visigodos, mongóis. Mas essas invasões haviam acontecido de seis
até dez séculos antes da construção das imensas catedrais verticais e lumi-
nosas da baixa idade média.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
A cultura expressa na “ideologia” da arquitetura da baixa Idade Média
era Escolástica, Católica e Teocêntrica, mas, estando na transição para o
Renascimento, sua forma resultava também do emprego de técnicas resga-
tadas da antiguidade clássica e do oriente, somados a valores da urbaniza-
ção e da burguesia comercial com seu poder emergente.
Logo, não há ligação direta e causal entre as “culturas bárbaras ou
pagãs” e a arquitetura dessas catedrais católicas da baixa Idade Média que,
mais tarde, seriam conhecidas como “Góticas”, pois naquela época estas
não eram chamadas de Góticas.
Quando foram construídas (séculos XII a XV) aquelas catedrais verticais,
com amplos arcos ogivais, com grande quantidade de enormes janelas
recobertas de vitrais multi-coloridos era chamadas de “obra-francesa”, ou
“arte francesa”, expressando a maestria técnica do renascimento urbano no
final da Idade Média nas terras francesas.
Foi muito tempo depois que os detratores da Idade Média resolveram
achar um "bode expiatório" para a Idade Média, e escolheram os Godos
(que eram os Bárbaros mais conhecidos pelos italianos renascentistas). No
século XVI os Renascentistas também cunharam a expressão “idade das tre-
vas”, outra idéia preconceituosa para designar a Idade Média. 109
Afinal, segundo os Renascentistas, o berço “greco-romano” da Europa
não poderia ter produzido um período de 1000 anos de tamanho “obscu-
rantismo cultural e mau-gosto”. Mas isso era parte da propaganda ideoló-
gica deles e depois dos Iluministas para vender seu peixe anti-eclesiástico
e anti- teocentrista.
2- PRIMEIRA METÁFORA:
Assim, o adjetivo “Gótico” foi pela primeira vez aplicado a algo que não
tinha ligação com os Godos.
Aqueles novos pensadores e artistas rejeitavam a Idade Média, para,
assim, desprezar a arquitetura e toda cultura medieval teocêntrica contra a
qual se insurgiam em defesa da Razão da Ciência e do Humanismo. Após
o século XVI, o conceito de Idade Média como "idade das trevas" intelec-
tual foi difundido em oposição ao conceito de "luzes" e "esclarecimento"
do Renascimento e, depois, do Iluminismo. O Antropocentrismo vem subs-
tituir o Teocentrismo e as doutrinas Escolástica Medieval e Católica.
3- VOLTANDO À BAIXA IDADE MÉDIA…
Todavia este preconceito dos renascentistas era exagerado, pois essas
“obras francesas” (depois chamadas de “Góticas”) só foram possíveis graças a
uma retomada do comércio, do desenvolvimento técnico e urbano e do estu-
do da matemática clássica grega, como a do matemático Euclides, tendo sido
a geometria Euclidiana fundamental para o seu desenvolvimento.
Assim, a cultura Greco-romana não desapareceu totalmente durante a
Idade Média. Paradoxalmente, séculos antes, ao dominar militarmente a
Grécia, o Império Romano havia sido “derrotado” culturalmente pela cul-
tura Helênica (Grega). Depois, essa cultura Greco-Romana-Cristã dominou
exatamente aos que derrubaram o Império Romano.
Então, essas catedrais Góticas da baixa Idade Média, banhadas de luz e
cor de suas imensas janelas, eram o ponto de encontro da sociedade que
se reurbanizava. Nelas, os burgueses realizavam assembléias civis e também
eram usadas como bibliotecas.
Podemos considerá-las um momento de tensão e passagem do homem
da sociedade teocêntrica para a sociedade antropocêntrica, transição que
se completa gradualmente até o século XVII, com o progressivo crescimen-
110 to dos valores e conceitos racionais e iluministas.
4- SÉCULO XVIII: REAÇÕES AO SÉCULO DAS LUZES
Mas então como “Gótico” e as catedrais medievais chegaram a ter um
sentido “romanticamente obscuro” como conhecemos hoje?
O século XVIII foi o chamado “século das luzes”, apogeu do pensamen-
to Iluminista e Racionalista, e do “cogito ergo sum” de Descartes, que
deram a tônica geral. Newton depois descreve as leis gerais da Física e o
Mecanicismo se estabelece. O tempo passa a ser dividido em unidades
iguais e vazias. A percepção de mundo como o conhecemos hoje é esboça-
da neste período.
Tanto que na segunda metade do século XVIII temos a explosão da pri-
meira Revolução Industrial e das Revoluções sociais que derrubariam os pri-
meiros absolutismos: a Independência dos Estados Unidos e a Revolução
Francesa. Obviamente o Racionalismo e o Cientificismo geraram reações
contra sua excessiva tentativa de “desmistificar”, mensurar e controlar
totalmente a realidade.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Como reação, já no final do século XVIII e início do XIX temos a origem
do romance Gótico, com sua temática fantástica e misteriosa. (ex: O
Castelo de Otranto de Horace Walpole, e Frankenstein de Mary Shelley).
Da mesma forma que o Romantismo, também era uma reação contra o
Racionalismo e o Iluminismo. Foi chamado de Gótico por recriar elementos
da Idade Média de forma idealizada, logo ocorre a mesma associação que
ocorreu no Romantismo.
Na poesia Inglesa da passagem do século XVIII e começo do XIX temos
vates, místicos e românticos: William Blake, Coleridge, Keats, Percy Shelley,
Byron e etc...
5- SÉCULO XIX, QUANDO AS “LUZES” BRUXULEIAM…
No começo do século XIX, na França, a Revolução Francesa e o Império
Napoleônico “deram errado”, frustrando os projetos modernizadores e a
“Razão”. Neste contexto surgiu a Moda Romântica, que buscava exatamen-
te resgatar as raízes nacionais, os sentimentos, paixões e mistérios. Por isso
criavam uma versão idealizada de seu passado, buscando as "glórias" da
monarquia francesa, da época da Idade Média e do “Gótico”. Aqui o termo
“Gótico” já é considerado um adjetivo comum para a Idade Média. 111
Uma boa comparação para entender esse processo foi o que se passou
com os românticos brasileiros. Livros como Iracema, O Guarani, Ubirajara,
O Gaúcho... na falta de uma idade média e cavaleiros, foram idealizados os
índios e outros nativos, criando representações que não tinham muito a ver
com a realidade destes. Da mesma forma a idealização Romântica de ele-
mentos da Idade Média associada ao conceito de Gótico (aqui já relaciona-
do às catedrais) tem mais a ver com as necessidades estéticas e ideológicas
da época do Romantismo do que com os fatos históricos da Idade Média e
dos “Godos”.
Mas esta “ficção” e romantização de uma época imaginária e fantásti-
ca foi o que embebeu a palavra “Gótico” de boa parte dos sentidos com os
quais a recebemos. E a estes sentidos acrescentamos outros…
6- NEO-GÓTICO DO SÉCULO XIX: REVIVAL VITORIANO
Até o final do século XIX ainda temos um revival Neo-Gótico ou
“Vitorian Gothic” também na Inglaterra Vitoriana, notoriamente na
Arquitetura (Novas Casas do Parlamento, de 1837, o Big Ben e Tower
Bridge 1866-94). Mas por que esse nome "neo-gótico"? Era um estilo que
se referia, no século XIX, a um suposto estilo Gótico original que nem era,
na sua época, chamado de Gótico. Também a Rainha Vitória envergando
luto (vestimentas pretas) por décadas influenciou a moda da época (ela
ficou viúva muito cedo e não se casou novamente).
Assim, nova associação importante: os conceitos de “Vitoriano” e
“Gótico” se contaminam e confundem em nosso imaginário e no repertó-
rio cultural que recebemos.
Como Frankenstein antes, no final do século XIX o tipo de romance
“Gótico” se torna mais psicológico do que de terror material (ex: Mr.Jeckyl
& Dr. Hide, O Homem Invisível, Drácula, o Retrato de Dorian Gray, etc). Os
recursos da ciência e da razão são apresentados como fonte de horror e
perigo, se usados sem critérios morais e/ou sem levar em conta o lado
humano. Ao mesmo tempo a nobreza já é mostrada como decadente, inú-
til e ridícula.
A urbanização paralela à Industrialização do final do século XIX, pro-
duz um novo tipo de cidade em que as relações humanas se esvaziam e
112 deterioram. Este novo tipo de “inferno” foi explorado em obras literárias
por autores simbolistas como Baudelaire e Rimbaud.
O século XIX viu o florescimento das ciências, da tecnologia e da filo-
sofia positivista, o Iluminismo degenera em uma Religião de Cientistas
Racionalistas... até que tropeçam, novo século, em Freud e na Primeira
Guerra mundial. Depois dela, o “horror” terá que tomar novas proporções…
7- SÉCULO XX: OS DÂNDIS ELÉTRICOS
Depois do Decadentismo “anti-social” e dândi 1 de Baudelaire e Oscar
Wilde, depois de T.S Elliot e de Leopold Bloom (o não-Herói e não-anti-

1
No século XIX “a triunfante supremacia da Grâ-Bretanha fez do nobre Inglês o padrão da cultura,
ou melhor, da incultura aristocrática internacional, pois os interesses do dândi- bem barbeado,
impassível e refulgente- deviam ser limitados a cavalos, cães, carruagens, pugilistas profissionais,
caça, jogo, diversões de cavaleiros e sua própria pessoa. Tal extremismo heróico incendiou até
mesmo os românticos, que também apreciavam o “dandismo” (Eric Hobsbawn- 1789-1848,
A Era das Revolucões (1978)). Neste contexto podemos entender o significado do título do último
álbum da banda ícone do Glam-Rock. T-Rex, pouco antes da morte de Marc Boland em 1977:
“Dandy in The Underworld”. O conceito de “dandy” decadente, assim, foi recuperado pelo
Glam nos anos1970 e chegou até so Góticos e New-Romantics nos anos 1980.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
herói “homem-feminino”) de James Joyce, em meio a Cabaret Culture de
Brecht e Weil, do teatro da crueldade de Artaud e do Manifesto Bauhaus
de 1919... luz, câmera... ação!
O Cinema Expressionista, no século XX, vai se inspirar nos romances
"NeoGóticos" do século XIX que satirizavam a vida racional ao mesmo
tempo que usavam para isso figuras caricatas de uma aristocracia decaden-
te, com condes ou lordes ridículos e "do mal" em seus castelos empobre-
cidos ou metrópoles obscuras.
O Expressionismo buscava retratar a realidade com as proporções senti-
das, não apenas reproduzir a realidade: nisto não haveria arte alguma. Em
1919, o manifesto da escola Bauhaus busca estabelecer uma nova arte, na
qual a criatividade seja devolvida ao trabalho, e a artisticidade, ao dia a dia.
Os Surrealistas buscavam expressar os símbolos do Inconsciente livremente.
Os Cubistas pretendiam, por suas vez, mostrar uma imagem de vários
pontos de vista e em vários tempos ao “mesmo tempo”, rompendo com as
noções de tempo-espaço criadas pela Ciência Newtoniana. Logo depois,
Einstein atacaria a Ciência “por dentro” com a Teoria da Relatividade.
Bergson também já havia feito sua desconstrução da Ilusão Mecanicista na
Filosofia, voilá: século XX.
113
Freud, no começo do século XX, rompe definitivamente com o que
ainda restava de Racionalismo propondo que o ser humano possuía instân-
cias não conscientes (conceito de Inconsciente) que determinavam suas
ações e comportamentos. Posteriormente a Literatura e a Filosofia existen-
cialistas vão abordar os dramas existenciais mais extremos do ser humano,
abandonado em meio ao vazio sem bóias de salvação racionais ou morais,
como nos romances “A Náusea” de Sartre e “O Estrangeiro” de Camus.
Após o Situacionismo e o Existencialismo (1950 aprox.) e Pop-Art e
Nouvelle-Vague (1960 em diante), nos anos 1970 (Glam-Punk) e dos 1980
até hoje, tudo que citamos vai direta ou indiretamente, sofrer uma nova
apropriação e releitura. Por exemplo: a apropriação de Frankenstein ou
Drácula pode tanto se dar através da releitura expressionista quanto por
uma releitura do romance do século XIX, ou ainda através da releitura POP,
ou tudo isso junto, adaptados à linguagem contemporânea e como símbo-
los e metáforas de questões atuais.
8- 1970’s: BOMBAS NUCLEARES, GLAM,
PUNK, GOTHIC E NEW-ROMANTIC:
Nos anos 70, a “era de ouro econômica” e seu otimismo que perdura-
vam desde o pós-guerra encontram seu fim. O novo mundo da Guerra se
aproxima dos anos 80 ameaçado pela aniquilação nuclear a qualquer
momento, ao mesmo tempo que a situação econômica mundial começa a
se deteriorar. A terceira Guerra mundial parece eminente, e um revival da
República de Weimar pré-segunda Guerra mundial e de seu expressionismo
e “decadence” parece fazer todo o sentido. As perspectivas são sombrias,
até mesmo… “góticas”.
Em 1970 já temos o Glam-Rock na Inglaterra e o Glam-Punk Nova
Iorquino que desembocam, na Inglaterra, no Punk 77 e no Gótico. O nome
Gótico é aplicado a este movimento no sentido que o adjetivo "Gothic"
havia adquirido na língua inglesa durante todo este processo que descre-
vemos. No sentido de algo ligado ao “lado não racional” e não-positivista,
imaginativo e que ousa mergulhar nas “trevas” da psique e da terrível “con-
dição humana” mas também no “maravilhoso e misterioso”.
Em 1972 o filme "Cabaret" (baseado na obra de Christopher Isherwood
114 sobre o período da Alemanha anterior a Segunda Guerra Mundial) com Liza
Minelli, acaba criando uma moda "retrô-glamour-niilista-cabaret" em
Londres, que vai desembocar no Punk e no Gótico. Ao mesmo tempo
(1969-1975) está rolando o Glam e o Punk USA e o que vai ser chamado
de New Wave já engatinha. Tudo isso vai influenciar a cena proto-Gótica
que surgirá a seguir.
O New-Romantic dos anos 1980 não tem a ver “diretamente” com o
Romantismo dos movimentos literários e revivals anteriores, mas ele vai
influenciar muito o Gótico em formação. Era um movimento que visava a
criatividade e a busca da individualidade, com um grande enfoque no uso
glamoroso das roupas e cabelos e claro, na dança. Os maiores ícones eram
David Bowie e Duran Duran, sem esquecer Visage, Ultravox, Classix
Noveaux, Depeche Mode e outros.
Isso tudo se dá no contexto da Guerra Fria e da continuidade da revo-
lução Sexual, na qual os papéis sociais dos gêneros, fixos há séculos, são
rompidos, questionados… e satirizados.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
9- POP 1980’s: UM MOMENTO CATALIZADOR
Em 1978 o Punk já dera lugar à New Wave, e parte da New Wave veste
preto, na roupa e na alma.
Em 1982/1983, temos uma catálise de elementos: no filme Hunger
(Fome de Viver) David Bowie e Caterine Deneuve representam vampiros que
caçam suas presas extamente em um clube "gótico/new-wave” no qual está
acontecendo um show do ...Bauhaus com Peter Murphy cantado “Bela
Lugosi is Dead”. Não por acaso a vampira Deneuve é uma "antiga" do Egito
e ambos usam Ankhs (!) com pontas afiadas no pescoço para cortar a jugu-
lar de suas vítimas.
Aí temos o resgate de vários símbolos de várias épocas atualizados e
recontextulizados. O nome usado acaba sendo Gótico, mas a palavra é
usada no sentido adjetivo e metafórico. Quando a subcultura define seus
padrões, aproximadamente entre 1983/84, o termo que predomina acaba
sendo Goth/Gothic. (mais detalhes no capítulo 20- Cronologia do uso sub-
cultural do termo Gótico).

10- NO SÉCULO XXI: “PLANET EARTH IS BLUE...” 115


Há pelo menos dois tipos de Modas: aquelas que encontram um eco em
uma fase histórica, expressando um significado cultural e psicológico
importante, e aquelas outras que são apenas um sucedâneo das primeiras.
As do segundo tipo passam em pouco tempo.
Com quase 30 anos de estrada, o Gótico já provou ser uma “Moda” do
primeiro tipo, e mais: se configurou como uma subcultura em constante
atualização de seus elementos. Também sua música se tornou um gênero
em constante atualização, não podendo ser reduzida “a fase pos-punk”. Ao
contrário de várias outras “modas” (do segundo tipo) musicais que desapa-
receram neste mesmo período.
Não há ligação causal entre as “culturas bárbaras ou pagãs” e a arqui-
tetura das catedrais católicas na Europa da baixa Idade Média que mais
tarde seriam conhecidas como “Góticas”, mas que na época que foram
construídas eram chamadas de “obra francesa”. Assim, não temos nenhu-
ma ligação com os "Godos".
Mas nos identificamos com a reapropriação idealizada que o
Romantismo fez da "Arte Gótica" das catedrais do final da Idade Média.
Nos anos 1980 nos reapropriamos desta reapropriação… e acrescentamos
mais temperos. Logo nossa ligação é apenas com as recriações feitas pelo
Romantismo e não com o Catolicismo.
As reapropriações de elementos do Romantismo e Romance Fantástico
do século XIX que o Gótico do século XX faz, também são releituras media-
das pelo contexto histórico do século XX e traduzidas pelas releituras e
movimentos artísticos que aconteceram entre um e outro.
Temos releituras: os livros e temas (Drácula, Frankenstein, Mr.Hide, etc...)
já tinham sofrido releituras pelo cinema expressionista na década de 1930.
Portanto a releitura que foi feita no final dos 1970’s e 1980’s já é uma relei-
tura que inclui várias outras releituras. Além disso, isso está acontecendo no
contexto do Modernismo, da pós-Pop-Art e do Situacionismo, etc.
Ora, uma releitura é a reapropriação e resignificação de um significa-
do/símbolo para um novo contexto. (Mais informações sobre processos de
reapropriação de símbolos no Capítulo 5- A Homologia Subcultural, sua
Flexibilidade e Evolução)
116 É a Sociedade Industrial, com suas filosofias, ideologias e, principalmen-
te, resultados na realidade, que dá esse contexto. Nele, a subcultura Gótica
vai encontrar significados em comum com uma série de movimentos artísit-
cos e de pensamento desde o começo do século XIX. Isso não quer dizer que
ela descenda diretamente deles ou de algum deles especificamente.
Nos anos 1990’s, após a queda do Muro de Berlim, aconteceu uma ten-
tativa “Fukuiâmica” de instalar um “neo-otimismo-mundial” made in USA,
como no pós-guerra dos anos 1950. Aparentemente, não deu muito certo, e
um novo “mal-estar” se espalha pelo nosso “blue planet”. Ou “Black Planet”?
A história continua. E todas essas referências estão hoje sofrendo relei-
turas pelo Gótico atual do século XXI, um século que começa tão ameaça-
dor e conturbado como o final dos anos 1970. Talvez apenas o Apocalipse
não seja nuclear e com exércitos em luta, mas ecológico ou financeiro e
com ataques terroristas…
De qualquer forma, um tom expressionista ou a fuga para um espaço
imaginário mais etérico e menos utilitário continuam atuais como nunca.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Dândis elétricos e uma cyber-decadência neo-vitoriana. Frankenstein con-
tinua sem lar pra voltar. Dorian Gray continua sem opção. Goth is Undead,
again and again.

20  DECADENCE AVEC ELEGANCE:


BEAUTIFUL LOSERS
“Próximo de Bauhaus, provavelmente o artefato mais celebrado da repú-
blica de Weimar1 foi um filme exibido em Berlim em fevereiro de 1920, O
Gabinete do Dr.Caligari 2. Willy Haas escreveu mais tarde: “Aí estava a
Alemanha “gótica”, sinistra, demoníaca, cruel” 3. Com seu enredo de pesade-
lo, sua tendência expressionista, sua atmosfera obscura, Caligari continua a
personificar o espírito de Weimar para a posteridade tanto quanto as cons-
truções de Gropius 4, as abstrações de Kandinsky 5, os cartazes de Grosz 6 e as
pernas de Marlene Dietrich 7.”
(Peter Gay, Os Anos do Expressionismo, em seu livro “A Cultura de
Weimar”)
A primeira exposição de Toulouse Lautrec acontece no famoso cabaré
117
Moulin Rouge 8, no boêmio bairro Parisiense de Montmartre que na virada
do século XIX para o XX recebe os artistas e intelectuais “alternativos” da
época. Em 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, o quartel general dos
artistas, escritores, políticos, pensadores e Dadaístas-proto-Surrealistas 9 de
André Breton é no Cabatet Voltaire em Zurique. Em 1924 Breton escreve o
Manifesto Surrealista.

1
República de Weimar - O período que a historiografia classifica como a “cabaret culture”
oficial: o entre guerras (1919-1938) na Alemanha, com todo a crise social e hiperinflação da
República de Weimar.
2
“O Gabinete do Dr.Caligari” (Das Cabinet des Dr.Caligari, 1920). Dirigido por Robert Wiene,
é o filme seminal e modelo do cinema expressionista Alemão.
3
Willy Haas - "Die Literature Welt"- citado pelo autor Peter Gay.
4
Walter Gropius - artista que escreveu o Manifesto Bauhaus, em 1919.
5
Kandinsky – pintor inicialmente Expressionista que em fase posterior desenvolveu um trabalho
abstrato. Lecionou na escola Bauhaus.
6
George Grosz - pintor Expressionista alemão de caráter fortemente caricatural e politizado.
7
Marlene Dietrich interpreta a cantora de cabaré “Lola” no emblemático filme “O Anjo Azul”
(Der Blaue Angel, 1930).
8
“Toulouse Lautrec et le Paris de Cabarets”- Jacques Lassaigne, (1967) reedit:1976.
Em 1928, W.H.Auden, um dos principais nomes da poesia de língua
inglesa do século XX, se interessou por Berlim talvez menos pelo fato de
ser “um centro de ativismo político de esquerda e de experimentação musi-
cal” e mais pela “tolerância com que a cidade na época costumava encarar
a sexualidade não-ortodoxa” 10. Além de desfrutar destas liberdades, Auden
também trabalhou com Christopher Isherwood.
Os cabarés não eram apenas centros de comércio sexual e de drogas
legais ou ilegais. Foram, desde o século XIX, também centros catalizadores
e irradiadores de cultura avant-garde. Reuniam discussões vanguardistas
nas artes, na filosofia e até na política.
Ao pronunciarmos a palavra “cabaré”, as imagens mais comuns são as
cenas imortalizadas por Toulouse Lautrec em suas pinturas. E a Lola de
Marlene Dietrich em “Anjo Azul” com seu realismo fantástico e atmosfera
nebulosa e barroca. Ou, na releitura de Liza Minelli em "Cabaret" baseado
na obra de Christopher Isherwood relatando a liberdade e a criatividade da
Berlim de Weimar enquanto o pesadelo Nazista já ameaçava desabar sobre
todos. Lembramos também da boemia dos artistas e pensadores modernis-
tas no Quartier Latin e outros bairros então pobres de Paris, a outra capi-
tal cultural daqueles anos conturbados. E uma dose de absinto, claro.
118 Antigos cabarés, o teatro burlesco, os “scketches” populares do “Teatro
de Vaudeville” com suas maquiagens exageradas e circenses, as canções,
como os trabalhos de Kurt Weil e Bertold Brecht, e outros que falam de
forma simples dos sentimentos das pessoas, com shows vistosos, dramáti-
cos e populares. Também no começo do século XX, quando o Cinema
nasce, sua estética vai beber destas fontes e de outras comuns ao
Expressionismo.
9
Dadaísmo: “Por volta de 1916, o poeta alemão Hugo Ball e a cantora Emmy Hennings, abriram
em Zurique o Cabaret Voltaire, espaço semelhante aos bares e cafés que havia antes da Primeira
Guerra em Munique, incluindo em seu programa, leitura de poemas, execução de performances
musicais e exibições de pinturas, atraindo dezenas de artistas e pessoas ligadas à arte que esta-
vam na Suíça para fugir dos horrores da guerra. Entre esses artistas estavam Tristan Tzara, Hans
Harp e Marcel Janko, que se envolveram na fundação do movimento Dadá.” Dirce Guarda - “Corpo
e Obra, Reflexões sobre o Corpo Na Linguagem Performática”.
Surrealismo: “A palavra surrealismo foi usada pela primeira vez pelo poeta Guillaume Apollinaire
em 1912 na apresentação de um balé de Jean Cocteau e Erik Satie, intitulado Parade, referindo-se
a uma arte que ultrapassava as aparências, desobrigada de fidelidade para com o real.”
Florisvaldo Mattos em http://www.revista.agulha.nom.br/fmatos01.html
10
W.H.Auden- José Paulo Paes e João Moura JR., 1986.
Chritopher Isherwood – “Goodbye to Berlim” 1939
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
O musical “Cabaret” (1972) inspirado na obra de Chritopher Isherwood
resgata e glamoriza o tema, mas a corista vamp interpretada por Liza
Minelli agora usa botas combinando com a meia arrastão, o corpete, a
cinta-liga e chapéu coco, uma Louise Brooks atualizada. Patrice Bollon 11
comenta que este musical e o filme geraram uma moda em Londres que
influenciou um novo grupo: O Bromley Contingent, do qual emergiria,
entre artistas do pos-punk, a diva Siouxsie Sioux. Siouxsie aparece como
uma Liza Minelli pós-punk, atualizando o espírito decadentista dos caba-
rés da Belle Èpoque, dos anos 20 e da Cabaret Culture alemã. De fato as
cenas glam, punk e wave e pos-punk beberam sequiosamente de toda essa
tradição “vaudevillesca” e “decadentista”, sintetizando seus significados em
estéticas para o fim-de-século e milênio.
Os anos 1980, com a iminente ameaça de apocalipse nuclear e a falên-
cia dos sonhos americanos e de paz e amor, se pareceram muito com vários
outros períodos anteriores desde a revolução industrial, principalmente a
Berlim de Weimar pressentindo o horror que viria de 1939 a 1945, ou
antes, a Belle Èpoque da Paris do Moulin Rouge que sucumbe ao horror da
Primeira Guerra Mundial.
Antes de Weimar, os artistas que pegaram em armas no primeiro con-
flito mundial que se estendeu de 1914 a 1919 voltaram das trincheiras com 119
uma noção ainda mais clara de que “havia algo de podre no reino da
Dinamarca”. Ou melhor, algo de extremamente errado na cultura européia
recente. O Positivismo e o Racionalismo não haviam entregado o “bem”
que prometeram: pelo contrário, durante a Primeira Guerra Mundial entre-
garam ainda mais horror, agora tecnológico e em escala industrial.
O cabaré foi o lugar daqueles que não tem o “poder” ou o “phallus” no
apolíneo mundo da sociedade industrial e positivista. O lugar dos “belos
perdedores” 12 e dos “comedores de lótus” 13. O lugar de coisas “improduti-
vas” e “pouco práticas” não mensuráveis nos gráficos dos noticiários.
11
Patrice Bollon - “A Moral da Mácara- Marveilleux, Zazous, Dandis, Punks, etc.” 1993
(Morale du Masque, 1990)
12
"Beautiful Losers” é o título de um romance experimental de Leonard Cohen lançado em 1966
que foi sucesso na época.
“Decadence avec Elegance” é a versão afrancesada que o rockeiro brasileiro Lobão fez do verso
famoso do Kraftwerk em “Europe Endless” (1977): “Promenades and avenues / Europe endless /
Real life and postcard views / Europe endless / Elegance and decadence”
13
Comedores de Lótus - se refere aos “comedores de lótus” da ilha do Ciclope como relatado na
obra “Odisséia” de Homero. A expressão é usada para se referir a pessoas que vivem para o dia,
sem astúcias e sem ambições.
Coisas que, aos poucos, fazem a sociedade aceitar padrões de compor-
tamento, antes considerados malditos. O cabaré nesta época foi a casa e
refúgio para os fugitivos de um mundo que se tornava cada vez menos
feito para seres humanos. Por alguns momentos de congraçamento nos
esquecemos do mundo lá fora, e cantamos: “This is a Happy House, we’re
happy IN here.” 14
A face branca é a face do ator expressionista em seu personagem tra-
gicômico, visceral e impuro, e não a face branca da pureza moral ou étni-
ca. Infelizmente, faces deste segundo tipo enterraram a República de
Weimar.
Mas enquanto isso o melhor que a corista pode fazer é mostrar suas
glamorosas unhas verdes e exclamar - “Divina decadência!”. 15

21  ANFÍBIOS CULTURAIS
Evidentemente os Góticos não vivem em uma ilha isolada no meio do
Mar Negro ou do Mar Morto. Também nos servimos do sistema comercial
e de toda estrutura da sociedade oficial. “Todavia, o consumo seletivo de
120 fontes não-subculturais não é inconsistente com a conceituação da cena
gótica como uma subcultura”. (Hodkinson, 2002)
A subcultura Gótica não está conspirando-sorrateira e pacientemente-
pela destruição ou conversão da cultura dominante. Não existe um confli-
to: existe a definição de um espaço de diferença. Um espaço que às vezes
é físico, mas sempre é mental: mesmo mergulhado no dia a dia de seus afa-
zeres na sociedade dominante, o gótico preserva sua visão de mundo dife-
renciada.
As contraculturas dos anos 1960 foram movimentos que realizaram
uma atualização da sociedade ocidental para uma nova moralidade ade-
quada aos novos padrões de trabalho, comércio e produção da segunda
metade do século XX. Realizada esta função, se desestruturaram ou foram
incorporadas no maistream, remanescendo apenas como grupos revivalis-
tas. (ver Stuart Hall e Tony Jefferson, 1975).

14
Estribilho da canção “Happy House” da banda Siouxsie and The Banshees
15
Frase repetida pela personagem Sally Bowles, interpretada no filme Cabaret por Liza Minelli.
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
De forma diferente, as subculturas atuais não visam alterações na socie-
dade hegemônica. Simplesmente existem paralelas a esta, compartilhando
o espaço físico, mas em um espaço “separado” no aspecto cultural.
Assim, apesar da popularidade das teorias em contrário, podemos con-
cluir que grupos sociais alternativos, significativos, substantivos e coeren-
tes e com comprometimento dos indivíduos continuam a existir e a ter
vitalidade. Há mais de duas décadas a subcultura Gótica é um bom exem-
plo disso.
“Através de uma redefinição do conceito de subcultura, baseada em
indicadores de relativa diferenciação, identidade, comprometimento e
autonomia, este livro procura prover meios para a conceitualização da cena
gótica - e outros agrupamentos que escolhermos- caracterizados mais por
sua substância do que pela sua fluidez. Fazendo isso, evitamos a super-
generalização de superficialidade, ausência de significado e colapso de
agrupamentos substantivos que, de maneiras diferentes, caracteriza tanto
as teorias da cultura de massa quanto as pós-modernistas e, às vezes, até
as de coletividade fluida.” (Hodkinson, 2002)

22  SOBRE O TÍTULO DESTE LIVRO 121


“A happy house in a black planet”, ou em bom português: “uma casa
feliz em um planeta negro”. O título deste livro é uma brincadeira com o
nome de duas das mais famosas e- não sem razão- emblemáticas canções
que embalam a cena Gótica desde os anos 80:“Happy House” e “Black
Planet”. Unimos os dois nomes montando uma frase que acreditamos ter
muito a ver com o espírito geral da subcultura Gótica. Abaixo, nas tradu-
ções das letras dessas duas canções, podemos ver o que mais estas canções
têm em comum.

HAPPY HOUSE (Casa Feliz)


Música da banda Siouxsie and The Banshees, 1980
Tradução:

Esta é a Casa Feliz


A gente é feliz aqui na Casa Feliz
Ah, é o maior barato
A gente vem pra brincar na Casa Feliz
E gastamos o dia inteiro na Casa Feliz
Onde nunca chove.

A gente vem pra gritar na Casa Feliz


Estamos num sonho
Na casa feliz
Nós somos todos bem lúcidos

Esta é a Casa Feliz


A gente é feliz aqui
Tem lugar pra você se você disser
“sim”
mas não diga não, ou você vai ter que ir embora
nós não fizemos nada de errado
usando nossas viseiras na cara,
é seguro e calmo
se você canta junto.

Esta é a Casa Feliz


A gente é feliz aqui na Casa Feliz
Para esquecer de nós mesmos
-fingir que está tudo bem-
não existe inferno.
122

BLACK PLANET (Planeta Negro)


Música da Banda The Sisters of Mercy, 1985
Tradução:

(pelos céus do oeste)


(meu reino vem)

Tão quieto, tão escuro por toda Europa


E eu sigo toda autoestrada 101 (1)
Pela costa do oceano virada para o por-do-sol (2)
Para que o Reino venha (3)
Sobre
O Negro
Planeta Negro
Negro
Mundo Negro
Dando voltas na radiação
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
Dando voltas sob a chuva ácida
Sobre um
Negro
Planeta Negro

Planeta Negro suspenso sobre a autoestrada


Fora da minha imaginação
Fora da memória
Mundo negro fora da minha mente

Ainda tão escuro por toda Europa


E o arco-íris aqui
Nos céus do oeste
O golpe fatal a aparecer
No final do grande atracadouro branco
Eu vejo um

Negro
Planeta Negro
Negro
Mundo Negro

Dando voltas sob a radiação


se ligue, sintonize, se consuma (4) sob a chuva ácida em um…
Planeta Negro 123

(1) Highway 101- é uma autoestrada que percorre a costa oeste dos Estados Unidos, frente ao
Pacífico, passando pela Califórnia.
(2) oeste
(3) “thy kingdom come” Ou “kingdom come” é uma citação direta ao “Pai nosso” (Lord’s Prayer) em
Inglês. Equivale em português à parte “venha a nós o vosso reino” dessa prece. Em Inglês, geral-
mente usado em citações para significar a vida após a morte, o “outro mundo” (o além).
(4) no original, “Tune in turn on burn out in the acid rain”. A frase "Turn on, tune in, drop out" (algo
vagamente como “se ligue, sintonize, desencane”) cunhada pelo líder da contra-cultura Timothy
Leary, nos anos 60, teve inúmeras interpretações. Nesta música, o autor Andrew Eldritch substitui
o “drop out”, por “burn out” (queime totalmente), mudando sensivelmente o sentido da frase ori-
ginal.
23  Obras Citadas/Bibliografia
Bibliografia, Fontes e Leituras Sugeridas
Subcultura Gótica e Geral
Livros específicos sobre a subcultura Gótica:
• Le Milieu Gothique- Antoine Durafour- 2005
• The Goth Bible- Nancy Kilpatrick- 2004
• Goth Chic- Gavin Baddeley- 2002
• Goth: Identity, Style and Subculture- Paul Hodkinson- 2002
• Hex Files:the goth bible- Mick Mercer-1997

Livros que citam a questão subcultural em geral,


mas não são específicos sobre a subcultura Gótica:
• Subculture: The Meaning of Style- Dick Hebdige-1979
• Resistence Through Rituals, youth subcultures in post-war Britain-
ed.Stuart Hall and Tony Jefferson-1975
• Post-Punk Diary 1980-1982- GeorgeGimarc-1997
• Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano- H.W.Abramo- 1994

124 •

Mate-me Por Favor- Legs MacNeil e Gilliam McCain-1997
Industrial Evolution-through the 80's with Cabaret Voltaire- Mick Fish- 2002
• Visões Perigosas: uma arque- genealogia do Cyber-Punk- Adriana
Amaral- 2006
• A Moral da Máscara-Patrice Bollon-1990
• The Gothic- David Punter and Glennis Byron- 2004
• Siouxsie and the Banshees: The Authorised Biography- Mark Paytress, 2003

Livros de cultura geral citados ou


comentados indiretamente:
• O Pensamento Selvagem- Claude Levi-Strauss-1962
• O Tempo das Tribos- Michel Maffesoli- 1987
• Sebastião Vila Nova- Introdução a Sociologia- 1985
• Magia e Técnica, Arte e Política- Walter Benjamin-
obras escolhidas, vol 1. 1994
• A Cultura de Weimar- Peter Gay- 1968
• Expressionismo- Dietmar Elger- 1998
• W.H.Auden- José Paulo Paes e João Moura JR., 1986
Parte III  Repertório e Referências da Subcultura Gótica
• Toulouse Lautrec et le Paris de Cabarets- Jacques
Lassaigne (1967) reedit: 1976
• Eric Hobsbawn- 1789-1848, A Era das Revolucões- 1978
• História Geral- Cláudio Vicentino- 2000
• Development and Character of Gothic Architecture- Charles
Herbert Moore- 2003
• Medieval Architecture (Oxford History of Art) -Nicola Coldstream- 2002
• O Choque do Futuro- Alvin Tofler- 1970

Sites e Revistas citados:


• revista Elegy Ibérica, edicão portuguesa, #02, 2006- entrevista
com Clan Of Xymox
• site Scathe: An Early History of Goth:
http://www.scathe.demon.co.uk/histgoth.htm
• revista Veredas- artigo “Estética da Modernização-da cisão à
integração negativa da arte”, Robert Kurz, 1998”
• Revista “NME”, Inglaterra, fevereiro 1983
• Revista “The Face”, Inglaterra, fevereiro 1983
• Jornal “La Presse”, Canadá, 15 de setembro de 2006

125
SOBRE O AUTOR

H.A.Kipper nasceu no inverno de 1970, freqüenta a cena Gótica Paulista


desde 1990 e organiza eventos e páginas informativas na web sobre esta desde
2004. Além de Gótico, amante de Darkwave e da subcultura Gótica, é, entre
outras coisas, Gaúcho, Gremista, Brasileiro, Pai, Filho e Marido, Ilustrador,
Cartunista e Quadrinhista profissional, DJ amador, Democrata Xiita, Belletrista
bissexto e estudante de Ciências Sociais.
Sim, podemos ser muitas coisas, mas ser é como amar: “um longo trabalho,
para os quais todos os outros são apenas preparação”…(depois de Rilke)

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