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Introdução

Os fenómenos de desvio são fenómenos universais, ainda que variem na forma e


conteúdo, de sociedade para sociedade. No entanto, todas as sociedades, mesmo as
designadas como primitivas verificam fenómenos deste tipo, tanto de desvio como,
obviamente, de controlo social.

No entanto, interessa-nos analisar o desvio e o controlo nas sociedades, quais os seus


efeitos e contornos. Assim, é fundamental considerar que estes fenómenos de desvio e
controlo social não podem ser dissociados.

Chamamos de controlo social os mecanismos materiais e simbólicos, disponíveis em


uma dada sociedade, que visam eliminar ou diminuir as formas de comportamento
desviantes individuais ou colectivas. Fazem parte desses mecanismos as formas de
controlo responsáveis pela introjeção de normas e valores sociais e pela socialização dos
membros de uma sociedade. Já o desvio social, refere se tudo o que se afasta do padrão
social instituído, tudo que é excepcional
Controlo Social

Segundo Oliveira (2001 apud ALCÂNTARA, 2000:1), o Controlo Social corresponde


ao “poder legítimo utilizado pela população para fiscalizar a acção na sociedade, indicar
soluções e criar planos e políticas em todas as áreas de interesse social”.

Os mecanismos de controlo social são uma noção eminentemente sociológica, uma vez
que ela advém da necessidade que as colectividades têm de fazer com que os seus
membros respeitem e reproduzam as normas vigentes e instituídas, para que se
mantenha a ordem social (Giddens, 2000; Durkheim, 1980).

Podemos assim definir o controlo social como as intervenções e as sanções pelas quais
os membros das redes e os grupos de proximidade se encorajam mutuamente a se
conformar com regras do jogo social (Cusson, 2007:201). Deste modo, o controlo social
diz respeito ao conjunto de meios implementados pelos membros de uma colectividade
com o objectivo específico de conter ou reduzir o número e a gravidade dos delitos
(Cusson, 2007:195). Esta noção é bastante ampla, englobando medidas preventivas e
repressivas assim como meios persuasivos. Este conceito permite captar o conjunto de
estratégias e comportamentos de autoprotecção que agentes de controlo social adoptam
com o objectivo explícito de diminuir a probabilidade de ocorrência de comportamentos
desviantes que estejam fora das regras socialmente estabelecidas.

Nenhuma sociedade pode funcionar com êxito se, na maior parte do tempo, o
comportamento das pessoas não puder ser previsto de modo confiável. Chamamos isso
de ordem social, ou seja, um sistema de pessoas, relacionamentos e costumes que opera
para a realização do trabalho de uma sociedade. Tudo o que ocorre em uma cidade,
seja ela de que tamanho for, e que é indispensável para a nossa sobrevivência acontece
porque milhares de pessoas cumprem seu papel social, interagindo constantemente e
mantendo a ordem social. A ordem de uma sociedade apoia-se em uma rede de papéis,
dentro dos quais cada pessoa aceita certos deveres em relação aos outros e deles
reivindica certos direitos. Para que a sociedade funcione com êxito, é necessário que
cada um cumpra seu papel social, que é complementar aos dos outros, interagindo em
uma rede de papéis por todo o tecido social. Como é fundamental para o seu
funcionamento, a sociedade cria um mecanismo para que aqueles que não cumpram seu
papel social sejam coagidos a fazê-lo. A esse mecanismo denomina se controlo social.
O controlo social pode ser formal ou informal. Quando mecanismos de controlo social
são utilizados casualmente pelas pessoas como sorrisos, olhar de reprovação,
advertência verbal, considera-se o controlo informal. Quando o controlo social é levado
a cabo por agentes autorizados, como policiais, médicos, empregadores e militares, é
dito formal.

A expressão controlo social se refere a técnicas, estratégias e esforços para regular o


comportamento humano em qualquer sociedade. A sociedade provoca a aceitação das
normas básicas (sejam elas formais ou informais) por meio do controlo social. Uma
sociedade exerce controlo social sobre seus membros de três modos principais: a
socialização, a pressão do grupo e as sanções. Primeiro, como já vimos, é por meio do
processo de socialização que um grupo ou sociedade faz com que seus membros se
comportem da maneira esperada. O indivíduo aprende durante toda a sua vida a
desempenhar os papéis que lhe serão destinados pela sociedade. Esse é o instrumento
mais poderoso de controlo social, que passa a ser feito pelo próprio indivíduo. Tudo que
lhe foi transmitido pelo processo de socialização atraves de costumes, crenças, valores
constituem-se em diretrizes para a conduta dos membros da sociedade. O domínio que o
indivíduo exerce sobre si mesmo é a forma de coerção social mais eficiente. Uma
segunda maneira importante de controlo é exercida pela pressão do grupo sobre o
indivíduo. Essa pressão grupal é sentida pelo indivíduo como um processo contínuo e,
na maior parte do tempo, inconsciente. A força do grupo promove a adequação do
indivíduo ao papel social que corresponde a seu status. Os grupos que promovem
terapia grupal procuram fazer com que os indivíduos reassumam seu papel social. Os
membros reagem às acções de cada membro de muitos modos. Podem demonstrar seu
desagrado por um olhar de reprovação, do riso, do desprezo, do ridículo, do isolamento
e por uma série de expressões fisionómicas. Do mesmo modo, podem mostrar sua
concordância com uma palavra de elogio.

O Desvio Social

Durkheim formulou um modelo da vida social segundo o qual a sociedade não resultaria
da actuação singular dos indivíduos, mas da actuação da colectividade, entidade dotada
de uma natureza própria, o que permitiu à Sociologia apartar-se da Psicologia para
constituir um domínio autônomo de conhecimento.
A abordagem de Durkheim (1995:2) não se fundamenta assim na interação entre os
indivíduos na condição de agentes isolados, mas supõe uma associação prévia desses
indivíduos na produção de resultados que são sociais na medida em que são exteriores e
superiores a eles mesmos, às consciências particulares. Pelo facto de se encontrarem
condicionados por uma estrutura que os engloba e que determina suas acções, os
indivíduos não são considerados a priori “agentes sociais”, comportando-se como se
estivessem “programados” pela sociedade.

Segundo Durkheim (1995:48), para a sociedade, assim como para os indivíduos, o


estado de saúde seria bom e desejável, enquanto que a doença, o estado de morbidez,
deveria ser a todo custo evitado. Por outro lado, tudo o que se afasta do padrão social
instituído, tudo que é excepcional, é tido como patológico. Em Durkheim, o estado
patológico de uma sociedade é traduzido por meio do conceito de anomia, situação de
instabilidade generalizada, de ruptura da moralidade social, na qual os indivíduos
transgridem com frequência as normas colectivas, como constatado pelo autor no seu
célebre estudo acerca do suicídio (Aron, 2002:474).

Após Durkheim, um dos autores que mais se dedicaram ao estudo do desvio social foi
Robert Merton. A novidade do seu enfoque resultava da suposição de que a própria
estrutura social seria capaz de suscitar o comportamento desviante mediante um
desequilíbrio entre objectivos e meios.

Em oposição às teses de Durkheim e Merton, outros autores trataram de recolocar o


problema do desvio, assinalando as limitações de uma teoria que pretendesse explicar a
sociedade em termos de uma integração ótima, uma vez que a própria idéia de
sociedade como uma entidade global e solidária é uma miragem.

A conceituação de desvio social é detalhada por Caliman (2006), que pontua alguns
elementos chave na sua descrição, evidenciando a construção social do desviante no
seio de conjunturas políticas. Primeiramente, destaca-se que o desvio não é uma
qualidade inerente a um determinado comportamento ou característica, tratando-se de
qualidade atribuída pelos outros, nas relações sociais. Está relacionado à mudança nas
normas sociais, em dimensões espaço-temporais muito flexíveis. Mudam também os
limites de tolerância em torno da norma. Ainda, o fenômeno do desvio se constrói com
os processos de formação e manutenção do poder, coloca-se como alternativa para o
controlo social, exprimindo a necessidade de mudança em contraposição à ordem social.
Por último, expõe-se que o comportamento desviante está em estreita relação com o
processo de socialização, pelos quais se realiza a interiorização das normas. Com isso, o
autor assim conceitua o desvio social:

Um comportamento ou uma qualidade (característica) da pessoa social que, superando


os limites de tolerância em relação à norma, consentidos em um determinado contexto
social-espaço-temporal, é objecto de um processo de sanção e/ou estigmatização, que
exprime a necessidade funcional do sistema social de controlar a mudança cultural
segundo a lógica do poder dominante. (Caliman, 2006:126)

Conforme a concepção do autor, a noção de desvio é complexa, uma vez que não
prescinde das contingências sociais, culturais e societais. Assim como a definição de
desvio social, o conceito de práticas sociais é, também, tomado a partir de uma
perspectiva interacionista, na qual se “salienta o carácter social e negociado explícito e
tácito dos percursos dos indivíduos” (Brazão, 2008:2).
Conclusão

O conceito de desvio refere-se á ausência ou à falta de conformidade face às normas ou


obrigações sociais. Contudo, só podemos estabelecer que um comportamento é
desviante relativamente a uma dada sociedade, à sociedade em que esse comportamento
emerge. Isto porque cada sociedade define os comportamentos socialmente aceitáveis e,
portanto, define automaticamente ou comportamentos desviantes.

Neste sentido, o desvio deve ser, não só, encarado como um atentado à ordem social
vigente, mas também, deve ser perspectivado como uma incapacidade dos grupos e das
sociedades no que se refere à sua função socializadora e de controlo dos seus membros.

Ainda que pareça um absurdo, o desvio pode traduzir-se num fenómeno de


conformidade, isto é, de conformidade em relação a um grupo que não assume como
seu o padrão normativo da sociedade ou do grupo mais em que está integrado. Esta
relação entre desvio e conformidade tem a ver com o facto de que o desvio não significa
necessariamente uma recusa ou incapacidade de participar numa vida social. Mas temos
também que considerar que os comportamentos desviantes, se traduzem, não na recusa
da ordem dominante, mas antes nas estratégias que têm em consideração a matriz social
em que se desenvolvem.

Também o conceito de controlo social pode assumir dois sentidos diferentes. Por um
lado, o controlo, segundo uma visão clássica, é entendido no sentido de vigiar e punir. A
punição traduz-se em sanções positivas e negativas, portanto, alimentam o
comportamento positiva ou negativamente. Por outro lado, mas tendo em consideração
o sentido anterior, o controlo social assume uma dimensão interna e antecipadora. Isto
significa que, os processos sociais importantíssimos como a socialização e respectiva
interiorização de determinadas normas e valores culturais constituem-se em formas de
controlo da sociedade sobre os sujeitos.
Almeida, A. M. O., Santos, M. F. S, & Trindade, Z. A. (2000). Representações e
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Psicologia da SBP, 81(3), 257-267.

Brazão, P. (2008). A prática social, a tecnologia e a construção do currículo. In A.


Mendonça & Bento, A. (Orgs.). Educação em tempo de mudança (pp. 107-113).
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Caliman, G. (2006). Desvio social e delinquência juvenil: teorias e fundamentos da


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Martin-Baró, I. (2009). Desafios e Perspectivas da Psicologia Latino Americana. In R.


S. L. Guzzo & F. Lacerda Jr (Orgs.). Psicologia Social para a América Latina: O resgate
da Psicologia da Libertação (pp. 199-219). Campinas, SP: Alínea.

CUSSON,. Criminologia. Lisboa, Casa das Letras, 2007.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Lisboa, Presença, 1980

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