Você está na página 1de 38

Aspectos clínicos da leishmaniose

visceral humana e desenvolvimento de


formas graves

Dorcas Lamounier
Universidade Federal do Piauí
Intituto de Doenças Tropicais Natan Portela
Florianópolis, 30 de setembro de 2015
Distribuição do calazar no Brasil. 1978 Distribuição do calazar no Brasil. 2009
O calazar está fora de controle no Brasil:
• está se expandindo para novas áreas
• acomete populações vulneráveis
• tem curso clínico agudo ou subagudo
• Tem alto índice de complicações
• Tem alta letalidade

Crianças com calazar internada em


Teresina

Criança com calazar no Sudão


LV associada à aids

3,7% dos indivíduos


notificados no Brasil
Leishmaniose Visceral Humana no Brasil

 Fatores de risco para a doença


◦ Idade e sexo
◦ Nutrição
◦ Imunocompetência
◦ Condições de habitação e de saneamento
◦ Constituição genética
◦ Co-habitação com indivíduos com LV

(Bern e cols, 2005; Bern e cols, 2007; Werneck e cols, 2007; Caldas e
cols, 2002; Blackwel e cols, 2009; Maciel e cols, 2008; Romagnani, 1996)
5
Distribuição de idade em pessoas com LV em Gedaref (Centro_Sudão), Alto
Nilo (Sul-Sudão), Pokot (Kenia), Nepal, Índia, Brasil

Males and Females combined


Gedaref Upper Nile / Southern Sudan Pokot
.2
.1
0

Nepal India Brazil


.2
.1
0

0 20 40 60 0 20 40 60 0 20 40 60

Harhay,MO et al. Am. J. Trop. Med. Hyg., 84(4), 2011, pp. 543–550
30
>60

>55 a 60

>50 a 55

20
>45 a 50

Letalidade (%)
>40 a 45

>35 a 40

>30 a 35

>25 a 30

10
>20 a 25

>15 a 20

>10 a 15

> 5 a 10

até 5

0
40 20 0 20 40 0 <1 1-2 2-3 3-4 4-5 5-10 10-20 20-30 30-40 40-50 50-60 >60
>70
Porcentagem dos pacientes Idade (anos)
Homens Mulheres Letalidade
Valores da regressão

Distribuição populacional dos Distribuição da letalidade por


pacientes com leishmaniose visceral idade entre 883 pacientes com
por idade e sexo. Teresina. 2005- leishmaniose visceral. Teresina,
2008. 2005-2008.

Costa, CL: Fatores de prognóstico na leishmaniose visceral:


Alterações clínicas e laboratoriais,2009.
7
A apresentação da doença é (quase sempre) típica

 Febre, esplenomegalia,
anemia (85,6%)
 Astenia, aumento volume
abdominal, hepatomegalia,
irritabilidade, vômitos,
diarréia, calafrios,
linfonodomegalias

 Costa DL. Fatores de prognóstico na leishmaniose UFMG, 2009.


A doença pode não estar
evidente
Tambem acomete adultos

Emagrecimento...

Baço que cresce em direção


à cicatriz umbilical

Baço maior que o fígado


Irritabilidade, apatia, palidez
Sangramentos, icterícia, edema
indicam mau prognóstico
Há diferentes apresentações clínicas da LV em
indivíduos semelhantes

13
O desfecho letal
pode ser evitado
pelo diagnóstico e
tratamento
precoces
Prevenção: diagnóstico precoce
 A suspeita de calazar depende de apenas três
elementos :
 História clínica, inspeção e palpação do baço.

Todas as pessoas procedentes


de áreas endêmicas ou de
áreas vizinhas com febre e
esplenomegalia devem ser
investigados para
leishmaniose visceral.
Ministério da Saúde. Manual de vigilância e
controle da leishmaniose visceral.
Complicações do calazar
• Anemia • Icterícia

• Desnutrição • Hepatite

• Infecções • Hemorragias

• Diarréia • Insuficiência renal

• Desidratação • Edema

• Iatrogenia

• Variável, de 5 a 20%
Letalidade • Relacionada à hospitalização? (Berhe et al, 2001)
Complicações do calazar
• Anemia • Icterícia

• Desnutrição • Hepatite

• Infecções • Hemorragias

• Diarréia • Insuficiência renal

• Desidratação • Edema

• Iatrogenia

• Variável, de 5 a 20%
Letalidade • Relacionada à hospitalização? (Berhe et al, 2001)
Complicações do calazar
• Anemia • Icterícia

• Desnutrição • Hepatite

• Infecções • Hemorragias

• Diarréia • Insuficiência renal

• Desidratação • Edema

• Iatrogenia

• Variável, de 5 a 20%
Letalidade • Relacionada à hospitalização? (Berhe et al, 2001)
Fatores de risco para a morte

• Seaman et al, 1996


Idade, sangramentos, infecções bacterianas
Desnutrição, edema, icterícia, diarreia, vômitos.
Hipoalbuminemia, plaquetopenia, icterícia
Tempo de doença> 3 meses

• Werneck et al, 2003:


Anemia, febre < 60 dias, diarreia, icterícia

• Abdelmoula et al, 2003:


Duração da doença, desnutrição, edema, icterícia, diarreia, vômitos

• (;

1
Fatores de risco para a morte

• Braga et al, 2013:


• Idade < 12 meses, sangramentos, icterícia, edema
• Collin et al, 2004
• Adultos: idade> 45 , desnutrição, anemia, duração da doença >5 meses.
• Crianças e adolescentes: desnutrição, anemia , espelenomegalia.
• Todos: diarreia, vômitos, sangramentos.
• Sampaio et al, 2010:
• Sangramento de mucosa, icterícia, dispneia, infecção bacteriana,
neutropenia, plaquetopenia
• Vital Coura et al, 2014
• Sangramento, esplenomegalia, icterícia, edema, fraqueza,
extremos de idade
Icterícia, sangramentos,
anasarca, infecção, idade
Causas de morte atribuídas a 76
pacientes com leishmaniose visceral
Causa da morte N (5)
Infecção bacteriana 31 (40,0)
Sangramento 29 (38,0)
Infecção bacteriana e Sangramento 3 (4,0)
Insuficiência respiratória 4 (5,0)
Insuficiência hepática 2 (3,0)
Insuficiência renal 1 (1,0)
Não Identificada 6 (8,0)
Total 76 (100) Costa et al, 2010

Existe uma polaridade entre a manifestação de sangramento e as


infecções bacterianas que sugere que estes dois fenômenos
tenham mecanismos patogenéticos diferentes
Estudos Clínico, Teresina:
◦ 883 pacientes com LV
◦ 817 sobreviventes, 66 não sobreviventes
◦ Letalidade: 7,5%

Sangramentos : 227 (25,7%) pacientes


◦ Petéquias, equimoses
◦ Epistaxe
◦ Gengivorragia, sangramento digestivo

Infecções bacterianas: 147 (16,6%)


◦ Sepse
◦ Infecção da pele e TCSC
◦ Pneumonia
◦ ITU
23
Fatores de risco para a morte na LV

 Idade
< 2 anos de idade [RR=5,4 (IC:1,3-22,8)]
> 40 de idade [RR=3,0 (IC:1,5-5,6)]
 Infecção pelo HIV [RR=4,4 (IC: 2,0-9,5)]
 Sangramento [RR= 2,6 (IC: 2,0-6,4)]
 Infecção bacteriana [RR=2,3 (IC: 1,4-3,8)]
 Insuficiência renal [RR=3,9 (IC 2,4-5,5)]
 Vômitos, diarreia, edema, icterícia, sonolência,
inapetência, tosse, dispneia, temperatura corporal
baixa

24
Fatores de risco para a morte na LV

 Anemia [RR=2,1 (IC 1,3-3,1)]


 Leucopenia [RR=2,5 (IC 1,5-4,1)]
 Plaquetopenia [RR=8,7 (IC 5,7-13,3)]
 Aminotransferases [RR=2,3 (IC 1,4-3,8)]
 Fosfatase alcalina [RR=1,9 (IC 1,1-3,3)]
 Bilirrubina [RR=2,4 (IC 1,4-4,3)]
 Opacidade pulmonar intersticial
[RR=8,9 (IC 3,0-24,3)]

25
Resistência a L. chagasi
• Imunidade duradoura, provavelmente por toda a vida
• Menor susceptibilidade em adultos e mulheres em
idade fértil
• Imunidade não esterilizadora (sujeita a reativações em
pessoas imunocomprometidas)
• Pequena proporção de infecções sintomáticas [1:18,5
(5%) por soroconversão, ou 1:>200 por leishmanina-
conversão]

Manson-Bahr, 1960; Badaró et al, 1986; Evans et al, 1990;


Werneck et al, 2002.
Resistência a L. chagasi
• Resposta Th1 inibida na evolução para doença.
• Níveis baixos de interferon gama aumentam o risco de
desenvolvimento de doença em pessoas com infecção
oligossintomática.
• Antígenos parasitários induzem resposta Th1 ou Th2.
• IL-2 e interferon gama  proliferação de linfócitos T.
• Resposta mista de Th1/Th2 na doença:
• Baixos níveis de citocinas do tipo 1 no soro e in vitro.
• IL-2
• IL-12
• Níveis variáveis de interferon gama no soro, mas baixos em
ensaios in vitro.

Ansari et al, 2006; Carvalho et al, 2003; Gama et al, 2004;


Peruhybe-Magalhães et al, 2006; Razziudin et al, 1994.
INF-gama IL-1beta IL-6 IL-8
4,000 2,000 2,000
IL-1beta (pg/mL)

1,000
1,000

IL-6 (pg/mL)

IL-8 (pg/mL)
1,000 500 1,000
500 500

Discharge Death Discharge Death


Discharge Death Discharge Death
Outcome Outcome Outcome Outcome
p = 0.03 p>0.05 p=0,03 p = 0.05

IL-10 IL-12 TNF-alpha


TNF- alpha (pg/mL)
300 200 800
IL-10 (pg/mL)

IL-12 (pg/mL)

200 400
100
100 200
50

Discharge Death Discharge Death Discharge Death


Outcome Outcome Outcome
p > 0.05 p > 0.05 p > 0.05

Imunidade e inflamação explicam a doença e a morte


por leishmaniose visceral
Correlação entre a concentração sérica de citocinas,
as plaquetas e o Dímero-D

D-dimer vs. INF-gama Platelets vs. INF-gama Platelets vs. IL-1beta


300 600 600

Platelets/mm3

Platelets/mm3
250
400 400
200

150 200 200

100
0 0
0 2 4 6 8 -2 0 2 4 6 8 0 2 4 6 8
Log INF-gama (pg/mL) Log INF-gama (pg/mL) Log IL-1beta (pg/mL)
rho = 0.42; p < 0.001 rho = -0.22; p = 0.01 rho = -0.25; p = 0.003

D-dimer vs. IL-6 Platelets vs. IL-6 Platelets vs. IL-8


300 600 600
Platelets/mm3

Platelets/mm3
250
400 400
200

150 200 200

100
0 0
1 2 3 4 5 6 0 2 4 6 8 2 4 6 8
Log IL-6 (pg/mL) Log IL-6 (pg/mL) Log IL-8 (pg/mL)
rho = -0.35; p < 0.001 rho = -0.23; p = 0.002 rho = -0.23; p < 0.001
Níveis medianos de citocinas séricas em relação à
idade do paciente

<= 2 anos 2 a 5 anos 5 a 20 anos


200 400 600 800
0

20 a 40 anos 40 a 60 anos > 60 anos


200 400 600 800
0

IL-1beta IL-6 CXCL-8 IL-10 IL-12 INF gama TNF alfa


Sobreviventes Óbitos

200
* *
Níveis séricos medianos de

150
Citocinas (pg/mL)
citocinas séricas em relação

100
*
ao desfecho letal

50
0
IL-1b IL_6 CXCL-8 IL-10 IL-12 INF gama TNF alfa

Valor de p < 0,05


*
1Citocina Pacientes sobreviventes: 126 Pacientes não sobreviventes: 8

Mediana Min-Max Mediana Min-Max Valor de p

IL-1b 11,4 3,0-1122,1 22,1 4,9-54,8 0,15

IL-6 22,2 3,7-1695,8 80,0 28,1-274,9 0,03


CXCL-8 57,0 11,5-898,0 169,7 14,7-1862,6 0,05
IL-10 35,3 4,5-298,6 44,1 23,9-107,1 0,34
IL-12 9,3 2,9-203,8 12,4 3,6-59,3 0,26
INF g 25,8 0,1-1908,9 164,0 3,5-3408,2 0,03
TNF a 5,9 2,3-823,2 7,8 2,5-34,2 0,41
Sem sangramento Com sangramento

150
Níveis medianos de citocinas
em relação à presença de *

100
Citocinas (pg/mL)
sangramento *
*

50
*

0
IL-1b IL-6 CXCL-8 IL-10 IL-12 INF gama TNF alfa

* Valor de p < 0,05


Sangramento

1Citocina Pacientes com sangramento: 41 Pacientes sem sangramento: 93

Mediana mínimo-máximo Mediana minimo-máximo Valor de p

IL-1b 17,7 3,9-1122,1 10,0 3,0-106,2 0,03


IL-6 70,4 5,2-1695,8 19,2 3,7-638,5 0,002
CXCL-8 150,4 11,5-1682,6 42,9 11,6-767,6 <0,001
IL-10 42,9 7,3-214,2 29,1 4,5-298,6 0,06
IL-12 10,5 3,0-163,4 9,3 2,9-203,8 0,29
INF g 93,6 0,1-3408,2 18,2 0,1-855,3 <0,001
TNF a 6,3 2,5-823,2 5,2 2,3-37,6 0,08
Síntese da resistência a L. chagasi

• Fatores do hospedeiro, do parasita e do vetor


determinam o destino da infecção.
• Interferon-g, IL-2, IL-12 determinam destruição do
parasitas e controle da infecção em >95% das
infecções.
• IL-10 determina evolução para doença em <5% das
infecções.
Silva et al. (2014) sugerem que a quantidade de parasitas presentes na medula
óssea está associada com a presença de manifestações clínicas graves
(epistaxis, dor abdominal, edema, icterícia, desnutrição) e, portanto, com a
gravidade da doença e a morte.
Conclusões: teoria e prática
• A leishmaniose visceral é uma doença de resposta inflamatória
sistêmica sustentada e assim deve ser tratada.
• Parece ser uma doença bipolar: imunidade adquirida
imunossuprimida via IL-10 e defesa mantida via imunidade
inata: TNF e IL-6.
• Devem ser priorizadas pesquisas que analisem as relações entre
resposta imune inata e lesões de órgãos e sistemas: anemia,
leucopenia, trombocitopenia, alterações da coagulação/CID,
hepatite, diarréia, edema, insuficiência renal, pneumonia/SARA
e infecções.
• Estudos com drogas antiinflamatórias podem ser úteis: anti-
proteína C ativada, anti-trombina, pentoxifilina, talidomida e
etil-piruvato, s-RAGE, fenantridinonas.
Laboratório de Leishmanioses - Universidade Federal do Piauí

Instituições participantes: Universidade Federal do Piauí


Instituto de Doenças Tropicais Natan Portella

Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- CNPq


Fundação de Amparo à Pesquisa no Piauí - FAPEPI
Perguntas?
dorcas.lc@gmail.com
(86) 99403 97 65

Você também pode gostar