Você está na página 1de 13

EM TRINTA ANOS DE CÓDIGO DO CONSUMIDOR CERTOS DIREITOS QUE O

CONSUMIDOR TEM AINDA SÃO DESCONHECIDOS.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA ADVOGADO,


MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR
COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E
PROCESSO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE
DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA
VIDA MARKETING.

O tema é muito amplo. Há vários nichos de


mercado de consumo (vivemos, enfim, na sociedade de consumo como pontuado por
propriedade pelo saudoso Zigmut Bauman), mas temos uma Código do Consumidor
que impede vários tipos de práticas abusivas que são praticadas rotineiramente no
comércio em geral, a despeito de uma vigência de cerca de trinta anos.

Infelizmente, isso ocorre porque há, em primeiro


lugar, falta de informação a respeito do tema (embora os estabelecimentos comerciais
tenham que ter cópias do Código do Consumidor em suas dependências para
consulta, fato é que isso implica em garantia ineficaz, eis que o consumidor, sobretudo
de baixa escolaridade não sabe onde procurar na lei e não compreende o pesado
“juridiquês” utilizado em linguagem técnica).

O déficit é informacional e pessoas sobretudo o


grande contingente que habita periferias e regiões mais pobres do país, mal sabe que
pode estar sendo vítima de engodos. Outro problema, a morosidade da máquina
judiciária em lidar com o problema muitas vezes é um fator de estímulo ao
descumprimento.
Não se desconhece que exista grande empenho de
juízes e serventuários do sistema judicial, mas a grande falta de estrutura judicial,
cortes orçamentários, excesso de serviços, levam a um quadro de dificuldade de
respostas rápidas e satisfativas por parte do Poder Judiciário em relação aos lesados
– isso estimula os maus fornecedores a fazerem contas.

Ou seja, se eu sou um mau fornecedor, por


exemplo um operador de plano de saúde, posso ser tentado a recusar tratamentos de
saúde que seriam cobertos, apenas e tão somente partindo da perspectiva de que, se
atender a todos gastarei, digamos, um milhão de reais, mas se não atender nenhum,
gastarei nada, ao menos neste momento.

Estatisticamente, se metade dos não atendidos se


conformar, já economizei meio milhão que será muito mais que a sucumbência devida
à outra metade que for judicializar a questão, o mesmo vale para aqueles que irão
pedir danos morais.

Isso não leva em conta que, dos que irão


judicializar, muitos irão com advogados que não são especialistas no tema e que
poderão perder as demandas, outros irão aceitar acordos em valores pífios ou muito
desvantajosos por falta de segurança no sistema (segurança jurídica) ou por simples
premência (preciso de dinheiro HOJE, ou mais vale um pássaro na mão que dois
voando e por aí vai), muitos irão ganhar, mas serão vítimas de recursos que
demorarão a ser julgados (o que fará com que aumente o número de pessoas que
aceitará acordos desvantajosos na execução).

De igual modo, tem-se ai um percentual que não


ganhará indenizações por danos morais, afinal embora não se reconheça mais ser
indecente cobrar pelo pretium doloris (Súmula 37 STJ) ainda se fala em indústria do
dano moral e enriquecimento sem causa em casos de mero aborrecimento e,
indenizações, quando vem, o vem em patamar pífio – não se aplica com vigor o fator
de desestímulo – a exemplary damages theory do sistema jurídico da Common Law,
do direito anglo-saxão em que a jurisprudência se preocupa com aspectos de
prevenção geral no direito indenizatório.

Haveria que se tomar o cuidado de aprimorar a


legislação, sobretudo em situações de massa (contratação por adesão) no sentido de
responsabilizar automaticamente os gestores – isso porque, pense-se no setor de
transporte público – indenizações por danos morais que se fixem no decorrer do ano,
por lesões ocasionadas a consumidores, são repassadas como custo do serviço ao
final daquele período e isso impacta o custo do serviço sendo transferido ao usuário e
não ao gestor – não há fator pedagógico nisso – há que se pensar em formas de
responsabilizar diretamente os sócios para que estes determinem causas que
eliminem os problemas tornando menos tentador ganhar tempo para ficar esperando
sanções pífias.

Isso sem que sequer se entre na discussão de


teorias exógenas, realmente estranhas, que visam, a todo custo, conferir subjetividade
aos honorários sucumbenciais (haveria aí uma tentativa de manter clientelismo entre
juízes e advogados a despeito da autonomia funcional do artigo 6º EOAB ? Tenho que
ser muito cordado e subserviente sob pena de ganhar honorários pífios ? Seria disso
que se trata ? Esperemos que não – andou bem o Conselho Federal ao ingressar com
a ADC 71 junto ao STF para garantir a constitucionalidade do artigo 85 CPC e manter
balizas objetivas da fixação da sucumbência).

Além disso, há grande número de barreiras que


estimulam o fornecedor de produtos e serviços a descumprir a lei – a fiscalização é
ineficiente, grande parte dos consumidores não procura nem o Procon para autuar
com multa, nem o Poder Judiciário para impor sanções, e quando procura, a resposta
é por demais lenta (por falhas estruturais do sistema) e nem sempre é a desejada pelo
consumidor.

E não é só. O Código do Consumidor traz direitos


básicos, que não esgotam direitos que possam ser adquiridos por contrato (por
exemplo, descontos em promoções etc). Vamos analisar apenas alguns direitos
básicos:

1 - Produto com defeito (há apenas que se tomar


cuidado pois se o vício for de fácil constatação o prazo de reclamação é muito curto
nos termos do artigo 26 CDC) – o consumidor tem as seguintes opções: A) desfazer o
negócio e receber de volta o que pagou, incluindo despesas que teve; B) A reparação
do produto; C) Abatimento proporcional do preço (um carro com peças trocadas não
originais perde valor, por exemplo) e D) obter um novo produto, sem o defeito.

Isso resta expresso no advento da norma contida


no artigo 18 e seus consectários CDC, de modo ipsis literae:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não


duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou
quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que
se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles
decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente,
da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária respeitadas as
variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a
substituição das partes viciadas.
§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o
consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas
condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem
prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.
§ 2º Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo
previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem
superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de
prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação
expressa do consumidor.
§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º
deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição
das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do
produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.
§ 4º Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1º deste
artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver
substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante
complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem
prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1º deste artigo.
§ 5º No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável
perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado
claramente seu produtor.
§ 6º São impróprios ao uso e consumo:
I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados,
falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos
ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de
fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim
a que se destinam.

2 – Não se pode exigir valor mínimo para compra


com cartão de crédito. Isso porque o consumidor não pode ser obrigado a comprar o
que não quer só para atingir um limite imaginado pelo comerciante – isso é vantagem
abusiva – artigo 39, V CDC. Pelas mesmas razões, não se exigir uma consumação
mínima (artigo 39, I CDC) – isso gera a chamada “venda casada”.

3 – Planos de Saúde não podem limitar dias de


internação em hospital ou em UTI (Súmula 302 STJ), nem a Resolução da ANS pode
prevalecer sobre o tema. Vale apenas lembrar que no último ano o STJ restringiu o
âmbito de contratos de plano de saúde que poderiam ser objeto de reconhecimento
como relação de consumo ao revogar a Súmula nº 469 pela Súmula 609 (são
excluídas do âmbito das relações de consumo os contratos de auto-gestão).
4 – Não se pode cobrar por perda de comanda em
estabelecimento presumindo-se que o consumidor perdeu de má-fé. Isso é ato de
abuso de direito do fornecedor.

Algumas cidades como se dá, por exemplo, no caso


da cidade de Goiânia, existem leis municipais prevendo imposição de multas para
estabelecimentos que cobrem multas de consumidores que percam suas comandas
(LEI MUNICIPAL Nº 9.714, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2015). Sobre a questão, de
se pedir vênia para destacar o sempre lembrado exemplo da jurisprudência:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CASA NOTURNA. EXTRAVIO/FURTO DO


CARTÃO DE CONSUMAÇÃO. RETENÇÃO DO CLIENTE NO INTERIOR
DA CASA NOTURNA. ILEGALIDADE CONFIGURADA. DANOS
MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO.
1. Não há dúvidas quanto à ilegalidade da conduta adotada por casas
noturnas, no que se refere à retenção do cliente no interior do
estabelecimento, em caso de extravio ou furto da comanda, até que seja
encontrado o cartão de consumação ou até o final da festa- o que ocorrer
primeiro. Como dificilmente o cartão da consumação é encontrado até o
fim da festa, o mais comum é a retenção das pessoas até esse momento.
Tal conduta é flagrantemente abusiva, ilegal e não pode passar incólume,
como se legal fosse. Trata-se de evidente abuso de direito das casas
noturnas, na tentativa de não sofrerem prejuízos em caso de extravio ou
furto do cartão de consumação. 2. No caso, a prova testemunhal
produzida é suficiente para comprovar o fato alegado pela autora, que
atendeu ao que dispõe o art. 333, I, do CPC, não tendo a ré produzido
prova suficiente em sentido contrário, desatendendo ao que dispõe o
art. 333, II, do CPC. 3. Restou evidenciado que a autora teve cerceado o
seu direito de liberdade de ir e vir quando bem lhe aprouvesse, na
medida em que ficou retida na casa noturna demandada até o
esgotamento de todas as possibilidades de encontrar a comanda, o que
ocorreu no final da festa, ao amanhecer. 4. Assim, configurado o dano
moral diante da privação da liberdade da autora, do desgaste e da
exposição a que foi submetida pela ré. 5. Quantum indenizatório reduzido
para R$ 4.000,00, considerando os critérios da razoabilidade e
proporcionalidade. Sentença parcialmente confirmada pelos próprios
fundamentos. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº
71004120481, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais,
Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 13/06/2013)(TJ-RS , Relator:
Luís Francisco Franco, Data de Julgamento: 13/06/2013, Terceira Turma
Recursal Cível).

5 – Embora o garçom não tenha culpa por isso e


bons atendimentos devam ser estimulados, o fato é que a cobrança da taxa de gorjeta
(10%) não é obrigatória para o consumidor – é devida pelo empregador ao
profissional, não podendo seu custo ser repassado ao consumidor, sem seu
consentimento. Isso se extrai como vantagem abusiva prevista no artigo 39 CDC e não
encontra previsão legal (ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer qualquer
coisa a não ser mediante previsão legal – artigo 5º, inciso II CF). Sobre a questão já
decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu:

CONSTITUCIONAL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO


CIVIL PÚBLICA. ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS. PRESTAÇÃO
DE SERVIÇOS. COBRANÇA DE ACRÉSCIMO PECUNIÁRIO
(GORJETA). PORTARIA Nº. 4/94 (SUNAB). VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
DA LEGALIDADE E AO  CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. I - O
pagamento de acréscimo pecuniário (gorjeta), em virtude da prestação
de serviço, possui natureza facultativa, a caracterizar a ilegitimidade de
sua imposição, por mero ato normativo (Portaria nº. 4/94, editada pela
extinta SUNAB), e decorrente de convenção coletiva do trabalho, cuja
eficácia abrange, tão-somente, as partes convenientes, não alcançando a
terceiros, como no caso, em que se pretende transferir ao consumidor,
compulsoriamente, a sua cobrança, em manifesta violação ao princípio
da legalidade, insculpido em nossa  Carta Magna  (CF, art.  5º,  II) e
ao  Código de Defesa do Consumidor  (Lei nº.  8.078/90, arts.  6º,  IV,
e  37,  § 1º), por veicular informação incorreta, no sentido de que a
referida cobrança estaria legalmente respaldada (Apelação Cível AC
2001. 1.00.037891-8/DF, rel. Desembargador Federal Souza Prudente.
Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Publicado em 13/10/2008).
6 – Existe a possibilidade de desistir de negócio em
compras on line (artigo 49 CDC), no prazo de sete dias da entrega. Nas compras
físicas, alguns contratos podem ser feitas como compra ad gustum (“se não ficar
satisfeito com o produto, devolvemos seu dinheiro”) nos termos da previsão lançada
no Código Civil – mas deve haver cláusula expressa para que isso ocorra nas compras
em estabelecimentos físicos – isso seria decorrência de eticidade (conceito caro a
doutrinadores como Karl Larenz) eis que o consumidor pode ver a mercadoria
diretamente, o que não se deu no caso da compra on line em um estabelecimento
virtual.

7 – há garantias legais que surgem a partir do


aparecimento do defeito, não havendo necessidade de contratar seguro ou garantia
estendida. O mesmo vale para aqueles vendedores que ladram o mantra no sentido
de que a garantia seria de 24 horas na loja e depois somente junto ao fabricante, isso
porque, como sabido, a responsabilidade de todos os engajados na relação de
consumo é solidária e objetiva (aplica-se aqui o princípio ubi commoda ibi incommoda
– quem aufere vantagem arca com a desvantagem do negócio numa tradução literal e
livre).

8 – Não se pode cobrar preços diferenciados de


homens e mulheres em bares e espetáculos – mulheres não são mercadorias, não são
estratégia de marketing – isso viola princípios do Código do Consumidor (artigo 4º) e a
própria Constituição. Vivem-se em tempos politicamente corretos – e esse tipo de
publicidade pode ser visto como algo sexista ou misógino.

Estabelecimentos que repetirem esse ato estão


sujeitos às sanções previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor, a
serem aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor.

A prática coloca a mulher em patamar de


inferioridade de forma indigna, em afronta ao artigo 4º do CDC e ao artigo 1º da 
Constituição Federal como apontado por nota técnica, assinada pelo secretário
nacional do consumidor, Arthur Rollo, e pela diretora do Departamento de Proteção e
Defesa do Consumidor, Ana Carolina Pinto Caram, no ano de 2017.

9 – Não se podem efetuar vendas casadas –


emprestar dinheiro e exigir seguro do mesmo banco para garantir o contrato. Não se
pode vender um produto condicionado à venda de outro.

10 – Couvert artístico somente pode ser cobrado se


houver placa e indicação clara de sua cobrança na entrada do estabelecimento e
desde que seu valor seja fixo (não pode ser porcentagem da conta, por exemplo). Se
não houver aviso prévio – isso pode ser entendido como disponibilidade gratuita pelo
fornecedor.

11 – Serviços não solicitados são considerados


amostras grátis, não podendo ser cobrados (artigo 39, inciso III CDC) e isso tem sido
estendido aos serviços que são cancelados e continuam sendo prestados mesmo
depois disso. Inclusive no silêncio da cobrança de valores congêneres, interessante o
precedente:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. COMPETÊNCIA


DO PROCON ESTADUAL PARA FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DA
LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA NO QUE TANGE AO SERVIÇO DE
TELEFONIA MÓVEL. APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA. LEGALIDADE.
INEXISTÊNCIA DE PLURALIDADE DE VÍTIMAS. IRRELEVÂNCIA.
OFERECIMENTO GRATUITO DE INTERNET. COBRANÇA DE TARIFA
EM ROAMING INTERNACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO
DO SERVIÇO À AMOSTRA GRÁTIS. PRÁTICA INFRATIVA À
LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 6º,
VI, C/C ART. 39, III E PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DO CDC. VALOR
DA MULTA. MANUTENÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E
NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do caput do art. 127 da Constituição da
República, dentre as funções institucionais do Ministério Público, mostra-se
elencada a tutela dos interesses sociais - como é o caso do direito dos
consumidores -, cuja defesa foi alçada pelo Constituinte Originário à
categoria de direito fundamental e princípio fundante da ordem econômica
(art. 5º, XXXII, c/c art. 170, V, ambos da CR). 2. Em densificação ao
desígnio constitucional, a Lei nº 8.078/90, em seu art. 4º, buscou
estabelecer diretrizes para a implementação de uma política nacional de
relações de consumo e, com a finalidade de criar instrumentos para sua
efetivação, franqueou a instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do
Consumidor, no âmbito do Ministério Público (art. 5º, II). 3. Além disso, o
Ministério Público ficou expressamente autorizado a promover a defesa
dos interesses coletivos dos consumidores não só em juízo (arts. 81,
parágrafo único, c/c art. 82, I, da Lei nº 8.078/90), como também
administrativamente, mediante a aplicação das sanções previstas no art.
56 do diploma legal em caso de infração das normas consumeristas, a
exemplo da multa (inciso I). 4. Diante desse panorama normativo, é indene
de dúvida a competência do Ministério Público para, por intermédio do
PROCON Estadual, exercer o poder de polícia no desiderato de apurar
eventuais violações às normas consumeristas e, após instauração do
devido processo administrativo, proceder à imposição das penalidades
previstas no art. 56 da Lei nº 8.078/90, de acordo com as explicitações do
Decreto nº 2.181/1997. 5. Não há falar-se em incompetência do PROCON
para aplicação de multa em decorrência de reclamação individual,
porquanto a sanção administrativa prevista no art. 57 do CDC tem arrimo
no poder de polícia, cujo exercício se legitima mesmo que inexistente
pluralidade de vítimas. 6. Conforme salientado pelo Superior Tribunal de
Justiça, há nesse raciocínio clara confusão entre legitimação para agir na
Ação Civil Pública e Poder de Polícia da Administração. Este se justifica
tanto nas hipóteses de violações individuais quanto nas massificadas,
considerando-se a repetição simultânea ou sucessiva de ilícitos
administrativos, ou o número maior ou menor de vítimas, apenas na
dosimetria da pena, nunca como pressuposto para o exercício do Poder de
Polícia do Estado (REsp 1523117/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN,
SEGUNDA TURMA, DJe 04/08/2015). 7. Ainda que a atividade de telefonia
móvel se insira na órbita de competência federal, sujeitando-se à atividade
fiscalizadora e normativa da ANATEL, tal fato não tem o condão de excluir
a atuação do PROCON quando constatada lesão a direito dos
consumidores, na medida em que às agências reguladoras cabe apenas
zelar, em sentido amplo, pela regular execução do serviço público
prestado. 8. O oferecimento do serviço de internet via mini-modem,
sem a prévia solicitação do consumidor, configura, per si, prática
abusiva. Ademais, uma vez anunciado como amostra grátis, não pode
o fornecedor criar hipótese de obrigação de pagamento por parte do
consumidor, ainda que constante do termo submetido à assinatura
deste, sob pena de ofensa à norma inserta no art. 39, III e parágrafo
único, do CDC. 9. A previsão de cobrança de tarifa, ainda que em
hipótese restrita, desnatura a oferta grátis anunciada ostensiv (TJ-MG -
Apelação Cível 1.0024.14.255505-1/001, Relator(a): Des.(a) Maria das
Graças Rocha Santos (JD Convocada), julgamento em 11/09/2019,
publicação da súmula em 12/09/2019).

12 – Multas por atraso somente podem atingir 2%


(artigo 52 CDC). Isso vale para multas moratórias não para compensatórias que
também não podem superar os limites da chamada Lei da Usura – DL 22.696 de 1.933
ainda em vigor.

13 – Cobranças indevidas devem ser devolvidas em


dobro em favor do consumidor (artigo 42 CDC). Observe que esta multa não se
confunde com a do artigo 940 CC que se refere a propor demanda, demandar, para os
efeitos do artigo 42 CDC basta que haja cobrança, ainda que não seja judicial.

A priori não seria o caso de se exigir o dolo como


ocorre com o caso do artigo 940 CC por conta da Súmula 159 STF, mas do ponto de
vista prático, a jurisprudência não tem reconhecido a incidência desta multa sem o
dolo da parte contrária. Nesse sentido, por exemplo:

TJ-MS - Apelacao Civel AC 10511 MS 2001.010511-0 (TJ-MS) Data de


publicação: 04/02/2002 APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO -
CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA - SECURITIZAÇÃO - LEI 9.138 /95 -
FALTA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS - NULIDADE DA
EXECUÇÃO AFASTADA - MULTA CONTRATUAL ESTIPULADA EM 10%
- REDUÇÃO PARA 2% - CONTRATO CELEBRADO ANTES DA LEI
9.298 /96 - REDUÇÃO ADMITIDA - RESSALVA DO PONTO DE VISTA
DO RELATOR - APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 1.531 DO CC
E 42 DO CDC - IMPOSSIBILIDADE - FALTA DE COMPROVAÇÃO DA
MÁ-FÉ OU DOLO DO CREDOR - RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.

TJ-MG - 200000035696510001 MG 2.0000.00.356965-1/000(1) (TJ-MG)


Data de publicação: 11/05/2002 DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE
INDÉBITO - COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL - RELAÇÃO DE
CONSUMO CONFIGURADA - MULTA DE MORA POR
INADIMPLEMENTO - INCIDÊNCIA DA LEI 9.298 /96 - PENALIDADE
PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC -
INAPLICABILIDADE. As multas de mora pelo inadimplemento de
obrigações não poderão ser superiores a dois por cento do valor da
prestação (artigo 52 , parágrafo primeiro, da Lei 8.078 /90, CDC , em
redação conferida pela Lei 9.298 /1996). Se a prestação inadimplida vem a
ser paga na vigência da nova disposição, deve o cálculo da dívida
adequar-se aos ditames desta. Inexistindo nos autos qualquer
demonstração de que a cobrança efetuada tenha sido de modo diverso do
que fora contratado e inicialmente aceito pelo devedor, ou ainda, que tenha
a credora agido com dolo ou culpa. Tal fato desobriga a fornecedora da
repetição prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do
Consumidor.
TJ-PR - Apelação Cível AC 4859792 PR 0485979-2 (TJ-PR) Data de
publicação: 20/08/2008 ARTIGO 192 § 3º DA CF REVOGADO PELA
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 40 , DE 29/05/2003. APLICABILIDADE
DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS
BANCÁRIOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APLICABILIDADE DA
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA DESDE QUE NÃO CUMULADA COM
CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS REMUNERATÓRIOS, JUROS
MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO
ART. 42 DO CDC , ANTE O DOLO NA COBRANÇA INDEVIDA.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
EXPRESSA PACTUAÇÃO. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS.
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DE APELAÇÃO E
DESPROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO.

Convém forçar a parte contrária a se comportar


com dolo ? Como ? Apontar na demanda que a parte contrária está orientada por
advogado está ciente de que a cobrança é indevida e que, se insistir nisso, em
contestação ou em réplica, conforme o caso, passará a atuar, no mínimo, com dolo
eventual.

Você também pode gostar