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O DIREITO DOS MILITARES DA UNIÃO, POLICIAIS E BOMBEIROS AO

PERCEBIMENTO DA CONVERSÃO DE LICENÇAS EM PECÚNIA.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA ADVOGADO,


MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR
COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE PÓS
GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA
ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM
CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO
DA VIDA MARKETING.

Muitas vezes existe alusão ao termo direito


castrense para referência aos estatutos próprios dos regimes jurídicos militares – essa
expressa surge no direito romano, em alusão ao modo de se obter a disciplina das
tropas das Legiões Romanas – a alusão seria feita ao acampamento destas tropas do
Exército Romano.

Militares tem peculiaridades no seu regime jurídico


eis que tem o dever legal de por a própria vida em risco a serviço da pátria. Como
sabido, nos termos do Código Penal Militar, a traição e a deserção, ou seja, a fuga
deste dever implicará na imposição possível de pena de morte constitucionalmente
aceita em nossa ordem jurídica.

O objeto de incidência deste ramo diferenciado do


direito (direito militar) alcança tanto aos militares federais, que são os integrantes das
Forças Armadas, Exército Brasileiro, Marinha de Guerra e Força Aérea Brasileira,
como aos militares estaduais, que são os integrantes das Polícias Militares e dos
Corpos de Bombeiros Militares.

Como visto o direito militar trata de uma categoria


de funcionários públicos considerados especiais, com direitos e prerrogativas que na
sua maioria são assegurados a funcionários civis. Militares, inclusive, levam vidas
peculiares face ao funcionalismo civil – muitas vezes são alocados para locais sem
qualquer infraestrutura, por vezes ficam ali, dois ou três meses e tem que levar família,
ou não. Por vezes são deslocados por anos para zonas de guerra (veja-se a questão
das missões de paz em que o Brasil participou auxiliando as Nações Unidas).

Ao mesmo tempo, os militares estaduais ou


federais possuem direitos especiais e obrigações diferenciadas, como por exemplo, o
sacrifício da própria vida no cumprimento de missão constitucional, (o chamado tributo
de sangue ou tributus sanguinis). Não seria lícito ao Estado exigir tal sacrifício em
outras funções – em tempos de pandemia de COVID isso ficou evidente quando
começaram a surgir medidas liminares protetivas de profissionais da saúde expostos
indevidamente a condições de trabalho potencialmente ofensivas à sua integridade
física, vida e saúde.

Vai daí que o regime jurídico dos militares seria


mesmo um regime diferenciado com alguns direitos que não são próprios dos
funcionários públicos civis. No caso, o que se discute seria questão da conversão em
pecúnia da chamada licença especial.

As chamadas licenças especiais, eram um direito


dos militares que, a cada dez anos de serviços prestados, faziam jus as mesmas, na
proporção de 06 (meses) de afastamento total do serviço, conforme Artigo 68 da Lei
nº 6.880 de 09 de Dezembro de 1980.

Dito isso, passa-se a analisar uma questão que se


daria em torno do direito de conversão em pecúnia de licenças não gozadas por
servidores militares que vem experimentando voltas e reviravoltas na legislação e na
jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

O Supremo Tribunal Federal, inclusive, em mais de


uma oportunidade, vem reconhecendo, até mesmo, a existência de uma garantia
constitucional implícita, que seria o princípio da segurança jurídica (há mesmo quem
aponte a necessidade de que os Tribunais validem a justified trust que se confia ao
Poder Judiciário), por trás da preservação da coisa julgada e dos precedentes que são
formados no seu bojo (artigo 926 CPC).

A respeito, as considerações tecidas pelo Ministro


Celso de Mello, em julgamento realizado pelo Pretório Excelso em 26.03.2.010:
“Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da
confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito,
mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico,
projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público, em
ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre
comportamentos de qualquer dos poderes ou órgãos do Estado (os
Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo,
situações administrativas já consolidadas no passado” ... Aponta-se ainda
a “Proteção da Confiança”, segundo a qual “a fluência de longo período de
tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do
administrado (cidadão) e, também, por incutir, nele, a confiança da plena
regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a
aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a
ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até
então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o
Poder Público, de outro”.

Não obstante a segurança jurídica seja um valor


juridicamente ponderável e reconhecido pela ordem constitucional, o fato é que os
operadores do direito sabem o quanto tal segurança tem despontado como verdadeiro
luxo. Operadores do direito por vezes não se sentem aptos a recomendar a seus
clientes o que devem fazer por receio de que, num ajuste político este ou aquele
Tribunal opte por interpretar as normas em seu aspecto pragmático rompendo com
tendências jurisprudenciais estáveis (foi assim, por exemplo, com a questão da
desaposentação – autorizada em todas as instâncias até ser desautorizada, depois de
década, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal).

Convém, até mesmo que associações que


congreguem servidores militares movimentem a máquina judiciária, eis que podem
mover tais demandas, de modo coletivo, como forma de se precaverem contra os
percalços dos ventos da jurisprudência (as questões de sucumbência acabam pondo
certo receio aos servidores na hora de avaliar se tal ou qual ação deve ser movida),
eis que tais entidades, nos termos dos artigos 81, inciso III e 82 IV e parágrafo 1º CDC
podem atuar na defesa de seus associados ou da própria classe se detiverem
representatividade adequada bem como podem, até mesmo, invocar prelados de
gratuidade se não conseguirem, enquanto pessoa jurídica, ter patrimônio apto aos
recolhimentos de custas compatíveis com os valores buscados.

Com o caso da conversão em pecúnia ainda há


medo de algum tipo de reviravolta porque, num primeiro momento, a jurisprudência era
muito tímida, mas agora vem se tornando mais robusta em favor do deferimento do
benefício.

Até meados do ano de 2.018 não havia dúvidas no


sentido de que este direito de pecúnia prescreveria a contar do lapso de cinco anos do
registro da reserva no Tribunal de Contas da União. Sobre a questão decidia o
Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2017:

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1634035 RS 2016/0279805-2 (STJ)


Data de publicação: 09/08/2017 EMENTA MILITAR INATIVO. LICENÇA
ESPECIAL NÃO GOZADA. CONTAGEM DO TEMPO EM DOBRO
INEFICAZ PARA O INGRESSO NA RESERVA REMUNERADA.
CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. TERMO
INICIAL. ATO DA APOSENTADORIA. 1. A Corte Especial do STJ
estabelece que, por se tratar a aposentadoria de ato administrativo
complexo, o prazo prescricional da pretensão de converter em pecúnia a
licença-prêmio não gozada tem início somente com o registro da
aposentadoria no Tribunal de Contas. Precedentes. 2. Consoante a
jurisprudência deste Tribunal Superior, é possível, para o servidor público
aposentado, a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada ou
não contada em dobro para a aposentadoria, sob pena de enriquecimento
ilícito da administração pública. 3. A Segunda Turma, no julgamento do
AgInt no REsp 1.570.813/PR, reafirmou esse entendimento, registrando a
inexistência de locupletamento do militar no caso, porquanto, ao
determinar a conversão em pecúnia do tempo de licença especial, o
Tribunal de origem impôs a exclusão desse período no cálculo do adicional
por tempo de serviço, bem como a compensação dos valores
correspondentes já pagos. 4. Recurso especial a que se nega provimento.

Havia até o entendimento no âmbito das Turmas


Nacionais de Uniformização de Jurisprudência (órgão da Justiça Federal) no sentido
deste prazo.
TRF-4 - RECURSO CÍVEL 50087655820174047200 SC 5008765-
58.2017.4.04.7200 (TRF-4) Data de publicação: 27/06/2019 EMENTA
MILITAR DA RESERVA. FÉRIAS NÃO USUFRUÍDAS. CONVERSÃO
EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. TEMA 162 JULGADO PELA TNU.
PRESCRIÇÃO. INÍCIO. PASSAGEM PARA RESERVA. O início do prazo
prescricional para o ingresso de ação que busca a conversão
em pecúnia de férias não usufruídas é a data da transferência
do militar para a reserva. O Tema 162 foi julgado pela TNU. As férias não
usufruídas pelo militar durante o período de atividade e não contadas em
dobro para a sua aposentadoria devem ser indenizadas.

Mas o acórdão que se refere a este tema 162 é de


março de 2.018 que fixou o prazo prescricional em cinco anos da reserva. Ocorre que,
e aí o pessoal vem conseguindo as vitórias, dois meses depois, veio fato novo, em
24.05.2018, eis que foi editada a Portaria Normativa nº 31 do Ministério da Defesa,
reconhecendo a possibilidade de conversão em pecúnia da Licença Especial não
usufruída e não utilizada em dobro para fins de inatividade, inclusive nos casos em
que os militares das Forças Armadas tivessem auferido vantagens financeiras
decorrentes da permanência em atividade.

Tal portaria já se faz acompanhar de um modelo de


requerimento e confere poderes ao inventariante para assinar o requerimento em caso
de falecimento do militar inativo – pelo óbvio que se cuida de direito que se incorpora
ao rol de posições jurídicas ativas do patrimônio do de cujus sucessiones agitur, não
sendo perdido pelos seus herdeiros nos termos das regras de direito sucessório pelos
parentes até o quarto grau, nos termos do artigo 1.829 e seus incisos do Código Civil.

Outra grande dúvida que se tem é que parece estar


fomentando debates se dá em torno da nova interpretação da prescrição por conta do
reconhecimento do direito pela União. Antes se entendia que quem não tivesse
intentando com pedidos administrativos ou judiciais num quinquênio perderia o direito
– o princípio romano de que dormientibus non sucurrit jus – o direito não socorre
aqueles que dormem em tradução literal e livre.

Ressalte-se que a superveniência da Portaria do


Ministério da Defesa trouxe como consequência a renúncia à prescrição, que se dá
quando se reconhece a existência de um direito após transcorrido o prazo
prescricional.

O efeito prático disso é que o militar que se


encontra na inatividade, seja por reforma ou transferência para a reserva remunerada
há mais de 05 (cinco) anos, poderá receber as remunerações correspondentes as
Licenças Especiais não usufruídas e que não foram utilizadas em dobro para a
inatividade. E esse direito, de fato, já tem sido reconhecido em julgados posteriores do
Superior Tribunal de Justiça:

STJ - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgInt


no AREsp 1497458 PE 2019/0127062-6 (STJ) Data de publicação:
11/10/2019 EMENTA MILITAR. LICENÇA-PRÊMIO NÃO GOZADA.
CONTAGEM EM DOBRO DESINFLUENTE PARA A TRANSFERÊNCIA
À RESERVA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. 1. É
possível a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada ou não
contada em dobro para a aposentadoria, sob pena de enriquecimento
ilícito da administração pública. 2. Muito embora o período da licença
especial do militar tenha sido computado para a majoração do adicional de
tempo de serviço e do adicional de permanência, admite-se o pagamento
da indenização pleiteada quando estabelecida a compensação das
vantagens financeiras já recebidas. Precedentes. 3. Agravo interno a que
se nega provimento.

No mesmo sentido e já com fundamento na Portaria


do Ministério da Defesa, entendimento de 2.020:
TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL AC 50751044220164047100 RS 5075104-
42.2016.4.04.7100 (TRF-4) Data de publicação: 18/02/2020 EMENTA
MILITAR. RESERVA REMUNERADA. LICENÇA ESPECIAL NÃO
GOZADA. CONVERSÃO EM PECÚNIA. COMPENSAÇÃO. CORREÇÃO
MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. Possível a conversão em pecúnia,
com base na remuneração percebida pelo militar na data da sua
passagem para a inatividade, em virtude da edição da Portaria Normativa
n.º 31/GM-MD, de 24/05/2018, que reconheceu o direito dos militares à
conversão em pecúnia dos períodos de licença especial não usufruídos
nem computados em dobro para efeito de inativação. 2. Quando da
execução do julgado, os valores recebidos a maior a título da conversão
da licença especial deverão ser compensados do montante devido. 3.
Afastada a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494 /97, com a redação dada
pela Lei nº 11.960 /09, com relação à correção monetária, determinando-
se a incidência do IPCA-E.

Necessário, no entanto, que os militares não


percam o novo prazo quinquenal desta portaria e assegurem o direito de obter os
desdobramentos patrimoniais deste benefício antes de eventual revogação da Portaria
ou antes que decorra novo lapso de cinco anos de sua edição.

No caso dos policiais militares há que se observar


os estatutos próprios de cada Estado de Federação que dispõem sobre os regimes de
seus policiais. No caso paulista há, por exemplo, possibilidade de conversão de
licença prémio em pecúnia e mesmo policiais afastados dos cargos, que não tenham
gozado férias ou licenças prêmios tem obtido o direito à conversão em pecúnia por
presunção de que não se exerceu diretamente por conta de necessidade presumida
da Administração que não pode ser beneficiada pelo enriquecimento sem causa.

Sobre a questão de se pedir vênia para destacar:

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação : APL 1010609-


89.2015.8.26.0037, j.   6 de abril de 2017. Des. Rel. Heloísa Martins
Mimessi DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR
PÚBLICO ESTADUAL. POLICIAL MILITAR EXPULSO DOS QUADROS
DA CORPORAÇÃO. LICENÇA-PRÊMIO E FÉRIAS NÃO USUFRUÍDAS.
CONVERSÃO EM PECÚNIA. POSSIBILIDADE. Presunção de que os
benefícios não foram usufruídos por interesse da Administração -
necessidade de serviço. Direito ao recebimento da vantagem, a fim de
evitar o enriquecimento sem causa da Fazenda do Estado. Sentença
de procedência reformada em parte. Alteração de ofício quanto
à correção monetária. Recurso da Fazenda e reexame
necessário providos quanto aos juros.

Quanto a este tema em particular aponta-se do


Supremo Tribunal Federal:

EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. LICENÇA-


PRÊMIO NÃO USUFRUÍDA. CONVERSÃO EM PECÚNIA.
POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. ATO
OMISSIVO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA
279/STF. EVENTUAL OFENSA REFLEXA NÃO VIABILIZA O MANEJO
DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 102 DA LEI MAIOR.
ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 10.4.2006. O entendimento
adotado pela Corte de origem não diverge da jurisprudência firmada no
âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido da possibilidade da
conversão de licença-prêmio não gozada em indenização pecuniária
quando os servidores não mais puderem delas usufruir, a fim de
evitar o enriquecimento sem causa da Administração. Entender de
modo diverso demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no
acórdão de origem, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa,
insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso
extraordinário. Desatendida a exigência do art. 102, III, a, da Lei Maior,
nos termos da remansosa jurisprudência desta Corte. As razões do
agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que
lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não
provido. (ARE 832331 AgR / RS, Ministro ROSA WEBER, j. 04.11.2014).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. LICENÇA-PRÊMIO. CONVERSÃO
EM PECÚNIA. DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO QUE VEDA O ENRIQUECIMENTO
ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO. - "É cabível
a conversão em pecúnia da licença-prêmio e/ou férias não
gozadas, independentemente de requerimento administrativo, sob
pena de configuração do enriquecimento ilícito da Administração"
(AgRg no AREsp 434.816/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe
18/02/2014). - Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1167562 /
RS, Ministro Ericson Maranho, j. 07.05.2015, Grifei).

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