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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO ACADÊMICO

APRESENTAÇÃO DE SEMINÁRIO – 01/04/2020


DISCIPLINA DIREITO POLÍTICO – PROF. FELIPE BRAGA

ALUNOS: EUCLIDES CÉSAR


OTON FERNANDES

Obra analisada: Capítulo 02 – A crise da política e a busca da


linguagem da sensibilidade do livro “Cegueira Moral – A
perda da Sensibilidade na Modernidade Liquida”
Nome original: Moral Blindness (The Loss of Sensitivity in
Liquid Modernity)
Autores: Zygmunt Bauman e Leonidas Donskis
Quem foi Zygmunt Bauman?

Bauman foi um sociólogo de origem polonesa e que, ainda muito jovem migrou para
URSS em 1939 fugindo da invasão alemã e russa na Polônia. Estudou sociologia na
Universidade de Varsóvia; escreveu cerca de 70 livros, alcançando notoriedade internacional
quando cunhou a expressão “modernidade líquida” para caracterizar a atual sociedade pós-
moderna, ou sociedade de consumo, ou sociedade pós-industrial.
Bauman é, portanto, o pai do pensamento filosófico baseado na modernidade líquida, a
partir disso construiu uma linha filosófica calcada na ideia de liquidez das relações sociais,
amorosas, políticas, enfim, tudo passa a ser líquido:
Algumas obras de Bauman:

“No mapa do pensamento de Bauman encontramos não apenas as ideias filosóficas e


sociológicas de Gramsci e Simmel, mas também os insights éticos de seu amado filósofo
Emmanuel Levinas, nascido e criado em Kaunas e também, segundo Bauman, o maior
filósofo ético do século XX.”
Especificamente no texto apresentado ele trabalha com bastante intertextualidade, trazendo
para dentro da sua obra ideias e pensamentos de diversos outros autores, não apenas outros
filósofos ou sociólogos, também escritores de literatura, entre eles temos menção as obras
1984 – George Orwell; Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley; A Imortalidade de Milan
Kundera; A possibilidade de uma ilha – Michel Houellebecq

CRÍTICA DE DOMENICO DE MASI


Recentemente foi lançado o livro “O mundo ainda é jovem –
conversas sobre o futuro próximo com Maria Serena Palieri, de
Domenico de Masi, e ele critica Bauman e sua teoria sobre a
modernidade líquida:

“O líquido é algo que assume a forma do recipiente. Mas, como não se sabe qual é o
recipiente, também não se conhece a forma, mesmo se líquida, que nossa sociedade assumirá
de tempos em tempos. Dizer “sociedade líquida” não significa nada. O sucesso dessa
fórmula, repetida mecanicamente e não sem complacência, deriva do fato de que oferece um
slogan, uma escamoteação só aparentemente decisiva para quem gostaria de dizer algo agudo
sem ter nada a dizer.” ... “O fato de dizer que a sociedade é líquida não me permite saber
como comportar-me. Líquido – mas poderíamos igualmente dizer gasoso – é um adjetivo
que descreve de maneira evasiva, mas não explica nem orienta. Desorienta.” (MASI,
Domenico de, pg. 33, 2019)

Selecionei algumas entrevistas interessantes de Bauman


https://www.youtube.com/watch?v=IyhOBYoBnsU (47 min)
https://www.youtube.com/watch?v=SqnmwlawhWM (50 min)

Quem foi Leonidas Donskis?


Leonidas Donskis (13 de agosto de 1962 - 21 de setembro de 2016) foi um filósofo judaico-
lituano, teórico político, historiador de ideias, analista social e comentarista político, professor
de política e chefe do "VDU Academia Cum Laude" na Universidade Vytautas Magnus,
honorário Cônsul da Finlândia em Kaunas e vice-presidente da Comunidade Judaica da
Lituânia. Ele também foi membro do Parlamento Europeu (MEP) de 2009 a 2014. (fonte
Wikipédia)
Como figura pública na Lituânia, ele atuou como defensor dos direitos humanos e das
liberdades civis. Em 2004, Donskis recebeu da Comissão Europeia o título de Embaixador da
Tolerância e Diversidade na Lituânia. Político de centro-direita, ele sempre se opôs a todas as
atitudes e formas extremas ou excludentes de política violenta e, em vez disso, inclinou-se ao
liberalismo com sua defesa da razão e consciência individuais, capacidade de coexistir com
programas democráticos de outras organizações não-políticas. ideologias -exclusivas e
moderação. Ele morreu em 21 de setembro de 2016, no aeroporto de Vilnius, de um aparente
ataque cardíaco.

O livro é um diálogo entre Donskis e Bauman. No capítulo 2 objeto do nosso estudo, eles
tratam de política, cada qual dando sua opinião sobre o tema, convergindo em muitos pontos
Antes de adentrar na leitura do livro, trago um depoimento de Donskis sobre Bauman, que
está na Introdução do livro e achei pertinente trazer pois resume um pouco o pensamento de
Bauman e sua filosofia:
“Não admira, a sociologia de Bauman é acima de tudo uma sociologia da imaginação, dos
sentimentos, das relações humanas – amor, amizade, desespero, indiferença, insensibilidade –
e da experiência íntima. Passar facilmente de um discurso para outro tornou-se traço
característico de seu pensamento.
Talvez ele seja o único sociólogo do mundo (e Bauman é um dos grandes sociólogos vivos,
ao lado de Anthony Giddens e Ulrich Beck) e simplesmente um dos maiores pensadores (com
Umberto Eco, Giorgio Agamben, Michel Serres e Jürgen Habermas) que não apenas usa
ativamente a linguagem da alta teoria. Ele salta com habilidade dessa linguagem para a da
publicidade, dos comerciais, mensagens de texto, mantras dos oradores motivacionais e dos
gurus do mundo empresarial, clichês e comentários no Facebook; e depois retorna à
linguagem (e aos temas) da teoria social, da literatura moderna e dos clássicos filosóficos.
Sua sociologia busca reconstruir todas as camadas da realidade e tornar sua linguagem
universal acessível a todos os tipos de leitor, não apenas ao especialista acadêmico. Seu poder
discursivo e sua capacidade de decifrar a realidade realizam essa função da filosofia que
André Glucksmann compara aos entretítulos do cinema mudo, os quais ajudavam tanto a
construir quanto a revelar a realidade retratada.
Bauman é reconhecidamente eclético do ponto de vista metodológico. A empatia e a
sensibilidade são para ele muito mais importantes que a pureza teórica ou metodológica.
Determinado a andar na corda bamba para atravessar o abismo que separa a alta teoria dos
reality shows, a filosofia dos discursos políticos e o pensamento religioso dos comerciais, ele
sabe muito bem como ficaria comicamente isolado e unilateral se tentasse explicar nosso
mundo com as palavras da elite política e financeira, ou usando apenas textos acadêmicos
herméticos e esotéricos. (pg. 5-6)”

1ª PARTE DO TEXTO: LEONIDAS DONSKIS

Donskis começa o diálogo afirmando que os intelectuais a moda antiga correm perigo de
serem esquecidos, se não se apresentarem nas redes sociais
“Em geral, a tecnologia ultrapassou a política, ou você se envolve ativamente no mundo da TI
ou não existe mais. Você pode, logo deve. Você pode estar on-line, logo, deve estar on-line.”
pg. 64
“É um segredo público portanto, que nossa época seja aquela em que a política sai de cena.
Veja os numerosos palhaços políticos que estão se tornando mais populares agora que
qualquer político à moda antiga” pg. 65

O autor afirma: “De outro modo, os partidos políticos serão extirpados da face da Terra por
esses movimentos” (pg. 65)
Quem movimentos são esses? Os movimentos sociais virtuais, e as organizações não
governamentais
Vivemos uma sociedade de consumo: “Compro, logo existo” – parafraseando a frase famosa
de Descartes: Penso, logo existo! Cogito, ergo sum
Antigamente, há cerca de 20 anos ou mais, os países para ingressarem no clube dos países
ricos, tinham que apresentar “credenciais” democráticas, hoje em dia você precisa demonstrar
disciplina financeira e aptidão para participar de uma política aduaneira e uma boa política
econômica (pg. 66)
Os políticos devem ter muita cautela quando falarem ao público, pois suas palavras podem
causar “um efeito dominó global, desapontando assim tanto seus inimigos quantos seus
aliados [....] trata-se deu uma nova linguagem de poder. “Comporte-se do contrário vai
atrapalhar o jogo e nos deixar na mão.” Tudo tem repercussões e implicações globais. (pg. 67)
“A modernidade líquida transformou-nos numa comunidade global de consumidores”
(pg. 68)
... as nações estão se tornando unidades extraterritoriais com uma língua e uma cultura
comuns (pg. 68)
Como era na modernidade sólida: a nação era constituída de um território, uma língua, e uma
cultura comuns, com a moderna divisão do trabalho, mobilidade social e alfabetização (pg.
68)
Como é hoje: é uma questão de estarmos on-line ou off-line. Na modernidade líquida, esse
plebiscito é diário (pg. 68)
2ª PARTE: ZYGMUNT BAUMAN
Concorda com Donskis quanto ao termo: A tecnologia ultrapassou a política
A expropriação dos meios de comunicação continua sendo a ser condição do jogo, sobretudo
no caso de ditaduras, como a chinesa e birmanesa por exemplo, retirando do ar sites, redes
sociais, controlando tudo
Pergunta de Bauman: Será que a tecnologia, então indisponível, mas agora comum e de
fácil acesso, seria o presságio da expropriação dos expropriadores? Pg. 69
Ele aponta uma contradição ou nas palavras dele dois pesos e duas medidas, quando países
liberais, como os EUA elogiam movimentos políticos e sociais divulgados nas redes sociais,
em busca de mais liberdade, no entanto, quando Julian Assange, dono do Wikileaks vazou
informações privilegiadas desses mesmos países, foi perseguido e preso. (Pg. 70)

Bauman cita um autor chamado Evgeny Morozov, autor do livro


“The Net Delusion: How Not to Liberate the World”, Londres,
Allen Lane, 2011; a versão americana se chama “The Net
Delusion: The Dark Side of Internet Freedom”. (p. 70)

Fazer um breve parêntese para falar do livro de Morozov:


De acordo com esse autor, os países autoritários encontram maior facilidade para encontrar
dentro das redes sociais pessoas contrárias ao regime, agitadores da opinião pública, pessoas
engajadas politicamente, ameaças ao poder central.
No livro dele, tem o capítulo 6 chamado: Why the KGB wants you to join Facebook – Por
que a KGB quer que você se junte ao Facebook?
Destaco alguns pontos para fortalecer o debate:

“Governments, of course, are quite happy “Os governos, é claro, ficam muito
to overstate their actual capabilities, for felizes em exagerar suas capacidades
such boasting works to their advantage. reais, pois esses trabalhos se vangloriam
Thus, in January 2010, when Ahmadi dessa vantagem. Assim, em janeiro de
Moghaddam, Iran’s police chief, boasted 2010, quando Ahmadi Moghaddam,
that “the new technologies allow us to chefe de polícia do Irã, se gabou de que
identify conspirators and those who are "as novas tecnologias nos permitem
violating the law, without having to identificar conspiradores e aqueles que
control all people individually,” he must estão violando a lei, sem ter que controlar
have known that his words would have todas as pessoas individualmente", ele
an effect even if he had greatly deve saber que suas palavras ter um
exaggerated his capability” efeito mesmo que ele tenha exagerado
bastante sua capacidade "
Faz um relato sobre a vigilância na época “analógica” inclusive com relato de um ex-oficial
de alta patente da KGB sobre como eram feitas as “escutas” vigilância sobre pessoas alvo,
depois o autor compara com a situação atual:

“Digital surveillance is much cheaper: “A vigilância digital é muito mais barata:


Storage space is infinite, equipment o espaço de armazenamento é infinito, o
retails for next to nothing, and digital equipamento usado é vendido quase sem
technology allows doing more with less. valor e a tecnologia digital permite fazer
Moreover, there is no need to read every mais com menos. Além disso, não é
single word in an email to identify its necessário ler todas as palavras de um e-
most interesting parts; one can simply mail para identificar suas partes mais
search for certain keywords interessantes; pode-se simplesmente
—“democracy,” “opposition,” “human procurar determinadas palavras-chave -
rights,” or simply the names of the "democracia", "oposição", "direitos
country’s opposition leaders—and focus humanos" ou simplesmente os nomes dos
only on particular segments of the líderes da oposição do país - e focar
conversation” apenas em segmentos específicos da
conversa "

Então as redes sociais funcionam tanto para o bem como para o mal, essas ferramentas
digitais encontram utilidade tanto para aqueles que desejam mudanças sociais, mais liberdade,
que lutam por democracia, quanto para aqueles países autoritários que sabidamente
desrespeitam direitos e garantias fundamentais de seus cidadãos. Serve como forma de
monitorar seus adversários políticos.
A internet tanto serve como ambiente democrático, quanto pode ser utilizado para localizar
dissidentes políticos, adversários, servindo para neutralizá-los, prende-los ou dificultar sua
atividade política.
Fazer um parêntese para mostrar o texto de Yuval Noah Harari no Financial Times que trata
dessa questão da vigilância em tempos de Coronavirus:
Fonte: https://www.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75

Texto original Tradução livre


Under-the-skin surveillance Vigilância sob a pele
In order to stop the epidemic, entire Para interromper a epidemia, populações
populations need to comply with certain inteiras precisam obedecer a certas diretrizes.
guidelines. There are two main ways of Existem duas maneiras principais de
achieving this. One method is for the conseguir isso. Um método é o governo
government to monitor people, and punish monitorar as pessoas e punir aqueles que
those who break the rules. Today, for the first violarem as regras. Hoje, pela primeira
time in human history, technology makes it vez na história da humanidade, a
possible to monitor everyone all the time. tecnologia torna possível monitorar todos
Fifty years ago, the KGB couldn’t follow o tempo todo. Há cinquenta anos, a KGB
240m Soviet citizens 24 hours a day, nor não podia seguir 240 milhões de cidadãos
could the KGB hope to effectively process all soviéticos 24 horas por dia, nem poderia
the information gathered. The KGB relied on esperar processar efetivamente todas as
human agents and analysts, and it just informações coletadas. A KGB contava com
couldn’t place a human agent to follow every agentes humanos e analistas, e simplesmente
citizen. But now governments can rely on não podia colocar um agente humano para
ubiquitous sensors and powerful algorithms seguir todos os cidadãos. Mas agora os
instead of flesh-and-blood spooks. governos podem confiar em sensores
In their battle against the coronavirus onipresentes e algoritmos poderosos, em vez
epidemic several governments have already de fantasmas de carne e osso.
deployed the new surveillance tools. The Em sua batalha contra a epidemia de
most notable case is China. By closely coronavírus, vários governos já
monitoring people’s smartphones, making implantaram as novas ferramentas de
use of hundreds of millions of face- vigilância. O caso mais notável é a China.
recognising cameras, and obliging people to Ao monitorar de perto os smartphones das
check and report their body temperature and pessoas, usar centenas de milhões de câmeras
medical condition, the Chinese authorities que reconhecem o rosto e obrigar as pessoas
can not only quickly identify suspected a verificar e relatar sua temperatura corporal
coronavirus carriers, but also track their e condição médica, as autoridades chinesas
movements and identify anyone they came podem não apenas identificar rapidamente os
into contact with. A range of mobile apps portadores suspeitos de coronavírus, mas
warn citizens about their proximity to também rastrear seus movimentos e
infected patients. movimentos e identificar qualquer pessoa
This kind of technology is not limited to east com quem eles entraram em contato. Uma
Asia. Prime Minister Benjamin Netanyahu of variedade de aplicativos móveis avisa os
Israel recently authorised the Israel Security cidadãos sobre sua proximidade com
Agency to deploy surveillance technology pacientes infectados. Esse tipo de tecnologia
normally reserved for battling terrorists to não se limita ao leste da Ásia. O primeiro-
track coronavirus patients. When the relevant ministro Benjamin Netanyahu, de Israel,
parliamentary subcommittee refused to autorizou recentemente a Agência de
authorise the measure, Netanyahu rammed it Segurança de Israel a implantar a tecnologia
through with an “emergency decree”. de vigilância normalmente reservada aos
You might argue that there is nothing new terroristas em combate para rastrear pacientes
about all this. In recent years both com coronavírus. Quando o subcomitê
governments and corporations have been parlamentar relevante se recusou a autorizar
using ever more sophisticated technologies to a medida, Netanyahu a aplaudiu com um
track, monitor and manipulate people. Yet if "decreto de emergência".
we are not careful, the epidemic might Você pode argumentar que não há nada de
nevertheless mark an important watershed in novo nisso tudo. Nos últimos anos,
the history of surveillance. Not only because governos e empresas vêm usando
it might normalise the deployment of mass tecnologias cada vez mais sofisticadas para
surveillance tools in countries that have so rastrear, monitorar e manipular pessoas.
far rejected them, but even more so because No entanto, se não tomarmos cuidado, a
it signifies a dramatic transition from “over epidemia pode, no entanto, marcar um
the skin” to “under the skin” surveillance. importante divisor de águas na história da
[…] vigilância. Não apenas porque pode
It is crucial to remember that anger, joy, normalizar a implantação de ferramentas
boredom and love are biological phenomena de vigilância em massa nos países que até
just like fever and a cough. The same agora as rejeitaram, mas ainda mais
technology that identifies coughs could also porque significa uma transição dramática
identify laughs. If corporations and da vigilância "sobre a pele" para a
governments start harvesting our biometric vigilância "sob a pele".
data en masse, they can get to know us far [....]
better than we know ourselves, and they can É crucial lembrar que raiva, alegria, tédio e
then not just predict our feelings but also amor são fenômenos biológicos, como febre
manipulate our feelings and sell us anything e tosse. A mesma tecnologia que identifica
they want — be it a product or a politician. tosse também pode identificar risos. Se as
Biometric monitoring would make empresas e os governos começarem a
Cambridge Analytica’s data hacking tactics coletar nossos dados biométricos em
look like something from the Stone Age. massa, eles podem nos conhecer muito
Imagine North Korea in 2030, when every melhor do que nós mesmos, e podem não
citizen has to wear a biometric bracelet 24 apenas prever nossos sentimentos, mas
hours a day. If you listen to a speech by the também manipular nossos sentimentos e
Great Leader and the bracelet picks up the nos vender o que quiserem - seja um
tell-tale signs of anger, you are done for. produto ou um político. O monitoramento
biométrico faria as táticas de hackers de
dados da Cambridge Analytica parecerem
algo da Idade da Pedra. Imagine a Coréia do
Norte em 2030, quando todo cidadão deve
usar uma pulseira biométrica 24 horas por
dia. Se você ouvir um discurso do Grande
Líder e a pulseira captar os sinais reveladores
de raiva, você estará pronto.

Cita outro autor, David Lyon, que escreveu com o próprio Bauman
o livro Vigilância Líquida. David Lyon é especialista em vigilância e
é Professor na Universidade do Queen em Kingston – Canadá
Vivemos numa sociedade confessional, promovendo auto exposição
pública
O trecho abaixo foi retirado da introdução da obra “Vigilância
Líquida, e foi escrito por Lyon:
“Assim, até que ponto a noção de modernidade líquida – e, aqui, de
vigilância líquida – nos ajuda a entender o que está ocorrendo no
mundo de monitoramento, rastreamento, localização, classificação e
observação sistemática que é a vigilância? A resposta simples, em uma só palavra, é
“contexto”. É fácil interpretar a difusão da vigilância como fenômeno tecnológico ou como
algo que lida simplesmente com “controle social” e “Grande Irmão”. Mas isso é colocar toda
a ênfase em instrumentos e tiranos, e ignorar o espírito que anima a vigilância; as ideologias
que a impulsionam; os eventos que a possibilitam; e as pessoas comuns que concordam com
ela, a questionam ou decidem que, se não podem vencê-la, é melhor juntarem-se a ela (p. 11)
[...]
E quanto à questão do controle social, do Grande Irmão de George Orwell? Se a vigilância
não diz respeito unicamente ao poder crescente das novas tecnologias, será que ela não se
refere à forma como esse poder é distribuído? A metáfora-chave para a vigilância, pelo menos
no mundo ocidental, sem dúvida é o Grande Irmão. Quando a administração governamental se
concentra nas mãos de uma só pessoa ou partido que usa o aparato administrativo, com seus
registros e arquivos, como forma de controle total, estamos falando do Grande Irmão. Em
1984, de Orwell, “imaginado” – como já o descrevi – “como uma advertência pós-Segunda
Guerra Mundial sobre o potencial totalitário das democracias ocidentais, o Estado tornou-se
patologicamente absorto pelo próprio poder e está intimamente envolvido no controle
cotidiano das vidas de seus cidadãos” (p. 13)

Voltando a Morozov, este afirma: “a internet tem fornecido tantas doses de diversão barata e
acessível aos que vivem sob o autoritarismo que se tornou bem mais difícil fazer com que as
pessoas se preocupem com a política”
O texto traz uma expressão bem interessante: SLACKTIVISTA essa expressão vem da junção
das palavras slack (preguiçoso em inglês) + ativista (ativista), seria aquela pessoa que
promove ações na internet, petições online, utiliza as redes sociais para compartilhar
campanhas, com apoio a determinadas causas políticas e/ou sociais, mas que não apresenta
um engajamento direto, restringindo-se a ficar apenas atrás das telas do celular ou do
computador.
https://foreignpolicy.com/2009/09/05/from-slacktivism-to-activism/

Recentemente aqui no Brasil surgiu uma campanha para colher assinaturas para destinar o
fundo partidário para o combate ao Coronavirus, retirei do site Catraca Livre a informação:

“Um abaixo-assinado circula na internet pedindo que o dinheiro que seria destinado ao fundo
partidário e eleitoral seja repassado a ações de enfrentamento ao novo coronavírus. A petição,
que recebeu o apoio de mais de 200 mil pessoas em apenas três dias, visa pressionar a
aprovação de propostas já apresentadas por parlamentares para somar os R$ 2,03 bilhões do
fundo eleitoral e o R$ 1 bilhão do partidário aos R$ 5,09 bilhões que foram liberados a
medidas de combate ao Covid-19 por meio da Medida Provisória (MP) 924/2020.” (site
catraca livre)

Fonte: https://catracalivre.com.br/cidadania/200-mil-querem-r-3-bi-do-fundao-da-vergonha-
contra-coronavirus/

Site da petição eletrônica pra quem quiser aderir à petição: https://www.change.org/p/ativistas-


que-tal-os-fundos-partid%C3%A1rio-e-eleitoral-serem-destinados-j%C3%A1-p-o-combate-ao-
corona?utm_source=catraca&utm_campaign=comunicacao&utm_term=&utm_medium=noticia

O autor faz a seguinte comparação, bem interessante por sinal: “machados podem ser
usados para cortar lenha, ou decepar cabeças” no contexto, a comparação significa que
não são as novas tecnologias, ou as redes sociais, os são responsáveis pelo mal uso, e sim as
pessoas que operam e utilizam as redes sociais que são responsáveis.
A progressiva separação, destinada ao divórcio, entre o poder (a capacidade de fazer com que
as coisas sejam feitas) e a política (a capacidade de decidir que coisa devem ser feitas); e a
resultante incapacidade manifesta, ridícula e degradante da política do Estado-nação de
realizar sua função.
Sobre esse assunto de poder, eu recomendo a leitura do livro “O
fim do poder” de Moises Naim. “Em poucas palavras, o poder não
é mais o que era. No século XXI, o poder é mais fácil de obter,
mais difícil de utilizar e mais fácil de perder.” (mostrar um trecho
da obra em destaque)
Referência: O fim do poder: nas salas da diretoria ou nos campos
de batalha, em Igrejas ou Estados, por que estar no poder não é
mais o que costumava ser? / Moisés Naím; tradução Luis Reyes
Gil. – São Paulo: LeYa, 2013

Trecho do livro:

“[...] Insurgentes, novos partidos políticos com propostas alternativas, jovens empresas
inovadoras, hackers, ativistas sociais, novas mídias, massas sem líderes ou organização
aparente que de repente tomam praças e avenidas para protestar contra seu governo ou contra
personagens, carismáticos que parecem ter “surgido do nada” e conseguem entusiasmar
milhões de seguidores ou crentes são apenas alguns dos exemplos dos muitos novos atores
que estão fazendo tremer a velha ordem. Nem todos eles são respeitáveis ou dignos de
elogios; mas cada um está contribuindo para a degradação do poder daqueles que até agora o
detinham de maneira mais ou menos assegurada: os grandes exércitos, partidos políticos,
sindicatos, conglomerados empresariais, igrejas ou canais de televisão.

São os micropoderes: atores pequenos, desconhecidos ou até então insignificantes, que


encontraram modos de minar, encurralar ou frustrar as megapotências, essas grandes
organizações burocráticas que antes controlavam seus âmbitos de ação. Examinados pelos
princípios do passado, os micropoderes deveriam ser apenas irritantes fenômenos transitórios
sem maiores consequências. O fato de lhes faltar escala, coordenação, recursos ou um
prestígio prévio leva a crer que não deveriam nem poder participar, ou pelo menos que só
poderiam fazê-lo por pouco tempo, antes de terminarem esmagados ou absorvidos por algum
dos rivais dominantes. Mas não é assim. Na realidade, em muitos casos está acontecendo o
oposto. Os micropoderes estão negando aos atores estabelecidos muitas opções que eles antes
davam como certas. Às vezes, os micropoderes chegam até a ganhar a concorrência com
atores estabelecidos há muito tempo.” (p. 74-75)

A presença marcante de políticos na TV, falando e pensando na repercussão de sua fala na


bolsa de valores no dia seguinte
Poder e Política vivem e se movem separadamente, e seu divórcio está prestes a ocorrer. Pg.
74
Deixa a pergunta: que força (se é que existe alguma) poderá preencher o lugar e o papel
vagos de agente de mudança social?
Bauman entende que o PRECARIADO é uma dessas forças que pode exercer o papel de
agente de transformação social, todavia, ele coloca que esse grupamento ainda encontra
problemas de se reconhecer como tal
Vamos para a definição do que seja PRECARIADO: essa
terminologia foi criada pelo economista Guy Standing, no seu
livro “O Precariado – a nova classe perigosa”:

Proletariado + Classe média = Precariado

Referência: STANDING, Guy; O Precariado – a nova classe


perigosa; tradução Cristina Antunes, 1 ed., 1 reimp., Belo
Horizonte, Ed. Autêntica, 2014
Trecho do livro “O Precariado”
“Um dos temas era que os países deveriam aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho, o
que passou a significar uma agenda para a transferência de riscos e insegurança para os
trabalhadores e suas famílias. O resultado tem sido a criação de um “precariado” global, que
consiste em muitos milhões de pessoas ao redor do mundo sem uma âncora de estabilidade.
Eles estão se tornando uma nova classe perigosa. São propensos a ouvir vozes desagradáveis e
a usar seus votos e seu dinheiro para dar a essas vozes uma plataforma política de crescente
influência. O verdadeiro sucesso da agenda “neoliberal”, aceita em maior ou menor grau por
todos os tipos de governos, criou um monstro político incipiente. E necessário agir antes que
o monstro ganhe vida.” (pg. 15)
[...]
“No entanto, as mudanças políticas e as respostas das corporações aos ditames da economia
do mercado globalizante geraram em todo o mundo uma tendência que jamais havia sido
prevista pelos neoliberais ou pelos líderes políticos que estavam pondo em prática suas
políticas. Milhões de pessoas, em economias de mercado abastadas ou emergentes, passaram
a fazer parte do precariado, um novo fenômeno, ainda que tivesse nuances do passado. O
precariado não fazia parte da “classe trabalhadora” ou do “proletariado”. Estes termos
sugerem uma sociedade composta, em sua maioria, de trabalhadores de longo prazo, em
empregos estáveis de horas fixas, com rotas de promoção estabelecidas, sujeitos a acordos de
sindicalização e coletivos, com cargos que seus pais e mães teriam entendido, defrontando-se
com empregadores locais com cujos nomes e características eles estavam familiarizados.” (pg.
22)
[...]
Ha duas maneiras de definir o que queremos dizer com precariado. Uma delas e dizer que se
trata de um grupo socioeconômico distinto, de modo que, por definição, uma pessoa faz parte
dele ou não. Isso e útil em termos de imagens e análises e nos permite usar o que Max Weber
chamou de “tipo ideal”. Nesse espírito, o precariado poderia ser descrito como um
neologismo que combina o adjetivo “precário” e o substantivo relacionado
“proletariado”. Neste livro, o termo e frequentemente usado nesse sentido, embora tenha
limitações. Podemos afirmar que o precariado e uma classe-em-formação, se não ainda uma
classe-para-si, no sentido marxista do termo. (grifos nossos) (pg.23)
[...]
“O precariado tem características de classe. Consiste em pessoas que tem relações de
confiança mínima com o capital e o Estado, o que as torna completamente diferentes do
assalariado. E ela não tem nenhuma das relações de contrato social do proletariado, por meio
das quais as garantias de trabalho são fornecidas em troca de subordinação e eventual
lealdade, o acordo tácito que serve de base para os Estados de bem-estar social. Sem um
poder de barganha baseado em relações de confiança e sem poder usufruir de garantias em
troca de subordinação, o precariado é sui generis em termos de classe. Ele também tem uma
posição de status peculiar, não se encaixando em alto status profissional ou em atividades
artesanais de médio status. Uma forma de exemplificar isso e dizendo que o precariado tem
“status truncado”. E, como veremos, a sua estrutura de “renda social” não se mapeia
perfeitamente conforme velhas noções de classe ou ocupação.” (pg. 25-26)

De volta a Bauman, para este o que une o precariado é a desintegração + pulverização +


atomização
“Os precários têm bons motivos para recusar o respeito a outros precários e, por sua vez, não
esperam ser respeitados por eles. Sua condição dolorosa e miserável é marca indelével e nítida
evidência de inferioridade e indignidade. Essa condição, muito visível, embora mantida sob o
tapete, é testemunha de que as pessoas dotadas de autoridade, aquelas que têm o poder de
permitir ou recusar direitos, negaram-se a lhes garantir os direitos concedidos a outros seres
humanos “normais” e, portanto, respeitáveis. Assim, ela é testemunha indireta da humilhação
e do autodesprezo que acompanham de forma inevitável o endosso social da incapacidade e
da ignomínia pessoais.” (pg. 80)

Fala da origem do termos precariedade naqueles que serviam às elites, eram “parasitas” de
reis, príncipes e nobres, senhores feudais
Para Bauman existia uma relação de dependência entre a burguesia, sobretudo os grandes
industriais e a classe proletariada na modernidade passada, modernidade sólida; havia uma
espécie de limite natural à desigualdade, barreira natural à exclusão social
“Ambos os lados do conflito haviam investido em evitar que a desigualdade saísse de
controle. E cada lado tinha um interesse em manter o outro no jogo” pg 82
Foi nesse contexto que o Estado promoveu salário mínimo, limites a jornada de trabalho,
proteção jurídica aos sindicatos, e instrumentos de autodefesa ao trabalhador.
Hoje em dia não é mais assim
A pergunta que Bauman se faz é: se o “precariado” pode ser reclassificado como agente
histórico, tal como o proletariado foi?
Para Bauman, é improvável ou impossível que o precariado assuma esse papel de protagonista
Volta a reforçar a ideia de que os partidos políticos serão extirpados da face da Terra
Interessante que nesse contexto, aqui no Brasil temos ações judiciais que contestam a
obrigatoriedade de filiação partidária para disputa de eleições, uma dessas ações chegou no
STF sob a relatoria do Ministro Barroso, Recurso Extraordinário nº 1238853 que está
tratando justamente da possibilidade das candidaturas avulsas
Regimes tirânicos são mais sensíveis ou vulneráveis ao povo nas ruas, em comparação com as
democracias que estariam acostumadas com essas manifestações nas ruas
Bauman fala da mudança linguística que marcou um momento de transição na Europa quando
as elites deixaram de chamar a população de patuléia, plebe e passaram a chamar de povo
Concorda com Donskis e afirma que existem muitos palhaços na política

3ª parte do texto: LEONIDAS DONSKIS

CITA diversas obras do gênero distopias: Admirável mundo novo, Aldous Huxley; 1984
George Orwell, Escuridão ao meio-dia de Arthur Koestler, Jean Baudrillard, A imortalidade
de Milan Kundera, todas essas obras apresentam cenários de países autoritários, Estado
onipresente, com controle dos cidadãos, vigilância, fim da privacidade, coisas que hoje, na
vida real, está existindo também ao seu modo
Para Donskis: “só duas coisas têm valor no mundo da sociedade tecnológica e consumista,
como mostrou Houllebecq: o entretenimento da política e a política do entretenimento”
“O humor político e a comunidade do entretenimento podem entrar na política, enquanto
políticos se tornam prazerosamente astros de TV, preocupados com o entretenimento político
ou pelo menos por ele afetados”
Não apenas na TV, vemos isso muito mais nas redes sociais, com declarações polêmicas,
declarações absurdas, quebra de decoro, desrespeitosas enfim, uma gama de declarações e
opiniões que em nada contribuem para o cenário político, incendeiam as redes sociais e
aumentam a polarização e o ódio entre a população.
O mundo todo se tornou político
O problema é que a política é uma questão de empoderamento, motivo pelo qual ela não pode
tolerar fraqueza
Compartilhem ou irão perecer. Esse é o novo nome do jogo
Crise do liberalismo
“antigos astros do liberalismo europeu tornam-se conservadores quase que da noite par
o dia e degeneram em menestréis do populismo de extrema direita. (Pg. 91)
Lista de atuais líderes da extrema direita no mundo:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/05/03/quem-sao-os-lideres-por-tras-do-avanco-da-
direita-radical-na-europa.ghtml
essa matéria do site G1, informa quem são os líderes da atual extrema direita mundial:
Santiago Abascal – Partido Vox – Espanha
Matteo Salvini – Partido La Liga – Itália
Viktor Órban – Partido Fideisz – Hungria
Alexander Gauland e Alice Weidel – AfD – Alemanha
Marine Le Pen – Agrupamento Nacional – França

“ninguém tem o monopólio da verdade em política, e o mesmo se aplica à virtude e à ética em


geral” pg 93
“E nossa época de tecnocracia disfarçada de democracia, os liberais traem um ser humano
cada vez que o tratam apenas em termos de trabalho, unidade estatística ou parte de uma
maioria do eleitorado. Esse é um tema crucial e que ele ainda devem abordar” pg 93

TOTALITARISMO LÍQUIDO
Donskis afirma que métodos de controle social, vigilância que existiam nos regimes
totalitários, por exemplo na URSS pós 2ª Guerra Mundial ainda hoje são cultivados em países
dito democráticos. A privacidade de hoje está morta. O autor imaginou ingenuamente que a
violação da dignidade humana só ocorria na antiga URSS.
Na modernidade sólida do passado, o totalitarismo era claro, discernível, óbvio e malévolo
Na modernidade líquida, a vigilância em massa e a colonização do privado estão presentes
hoje
“O ponto de partida do totalitarismo líquido, em oposição ao totalitarismo sólido e real, pode
ser percebido no Ocidente cada vez que vemos pessoas ansiando por reality shows e
obcecadas com a ideia de perderem de livre e espontânea vontade sua privacidade, ao expô-la
nas telas de TV – com orgulho e satisfação.” Pg 95
“De fato, há uma grande distância entre as novas formas de vigilância em massa e de controle
social no Ocidente e o divórcio aberto e explícito entre capitalismo e liberdade na China e na
Rússia. Mais que qualquer coisa, o totalitarismo líquido manifesta-se no padrão chinês
de modernidade, em oposição ao padrão ocidental, com sua fórmula de capitalismo sem
democracia ou livre mercado sem liberdade política.” (p. 95)
“O divórcio entre poder e política que você descreve desenvolveu uma versão específica
chinesa: o poder financeiro pode existir e prosperar lá, desde que não se associe ao poder
político nem se sobreponha a ele. Fique rico, mas permaneça longe da política.” (p. 95)
Outro exemplo de totalitarismo líquido é a Rússia de Putin, com sua ideia de democracia
gerenciada, equipada com o putinismo, esse vago e estranho amálgama de nostalgia da
grandeza do passado soviético, capitalismo gângster e cúmplice, corrupção endêmica,
cleptocracia, autocensura e remotas ilhas deixadas à opinião e às vozes discordantes na
internet.
4ª parte: ZYGMUNT BAUMAN
Comenta uma obra de Agnes Heller que compara as literaturas do século XIX com a do
século XX
Bauman concorda com Donskis sobre a falta de liderança política e a qualidade desses
políticos atuais
Bauman fala do recente falecimento de Václav Havel
Bauman afirma que Havel foi um grande líder político-espiritual, um líder político que
dificilmente tornaremos a ver novamente
De acordo com Bauman, Havel “deu poder aos impotentes, em vez de privá-los das partículas
de poder que eles ainda poderiam deter” pg. 99
“dando adeus a Havel, a maioria de nós – incluindo nossos atuais líderes nomeados/eleitos
(não importa a relutância com que possam admitir isso) – tem todo o direito e o dever de olhar
para si mesmo como um anão sentado nos ombros de um gigante, e Václav Havel sem dúvida
alguma foi um dos maiores gigantes. Olhamos em torno procurando, em vão, pelos sucessores
desses gigantes – e o fazemos numa época em que precisamos deles ainda mais que antes, até
onde vai nossa memória coletiva.
Václav Havel GColL (Praga, ✡5 de outubro de
1936 — Praga, ✝18 de dezembro de 2011)[1] foi
um escritor, intelectual e dramaturgo checo. Foi o
último presidente da Checoslováquia e o primeiro
presidente da República Checa.
Firme defensor da resistência não-violenta (tendo
passado cinco anos preso por suas convicções),
tornou-se um ícone da Revolução de Veludo em seu
país, em 1989. Em 29 de dezembro de 1989, na
qualidade de chefe do Fórum Cívico, elegeu-se
presidente da Checoslováquia pelo voto unânime da
Assembleia Federal.
A 13 de Dezembro de 1990 recebeu o Grande-Colar
da Ordem da Liberdade de Portugal.[2]
Manteve-se no cargo após as eleições livres de
1990. Apesar das crescentes tensões, Havel apoiou
a preservação da federação entre checos e eslovacos
durante a dissolução da Checoslováquia. Em 3 de
julho de 1992, o parlamento federal não logrou
elegê-lo - o único candidato a presidente - devido à
falta de apoio dos deputados eslovacos. Após a
declaração de independência da Eslováquia, Havel
renunciou à presidência, em 20 de julho. Quando da
criação da República Checa, candidatou-se ao cargo
de presidente e venceu as eleições em 26 de janeiro
de 1993.
Após combater um câncer de pulmão, Havel foi
reeleito presidente em 1998. Seu segundo mandato
presidencial terminou em 2 de fevereiro de 2003,
sucedendo-lhe seu grande adversário, Václav Klaus
Fonte: Wikipédia - https://pt.wikipedia.org/wiki/V
%C3%A1clav_Havel

De acordo com Bauman estamos vivendo o interregno de Antonio Gramsci, termo resgatado
pelo professor Keith Tester, que afirma que as formas de se fazer política no passado não
resolvem mais as coisas, ao passo que novas formas ainda não se consolidaram, ou não estão
à vista, ou são precoces, voláteis e incipientes demais para serem notados ou levados a sério
quando (e se) forem notados
“A impotência e a inaptidão, altamente visíveis, da máquina política atual constituem a
principal força a mover um número sempre crescente de pessoas em movimento e em
contínuo avanço” pg. 102/103
“A deterioração e a crescente decadência e impotência das estruturas políticas os (líderes)
impedem de amadurecer”
Com isso Bauman quer dizer que o cenário político atual inibe o surgimento de líderes
políticos com capacidade para modificar a política, e que Havel é uma inspiração para esse
novos líderes políticos que surgem nesse contexto atual, Havel se utilizava de 3 armas para
mudar a história: esperança + coragem + obstinação
Bauman fala de uma crise da agência
Fala sobre ideologia – “Até por volta de meio século atrás, as ideologias estavam, por assim
dizer, entrelaçadas com o Estado – seus interesses e propósitos eram estabelecidos. As
ideologias de hoje estão entrelaçadas com a ausência do Estado como instrumento eficaz de
ação e mudança” (pg 106)

Recentemente lendo o novo livro do Thomas Piketty –


Capital et Idéologie, ele assim coloca o que seria ideologia:
Referência: PIKETTY, Thomas; Le capital au XXIe siècle,
Paris, Seuil, 2019

Qu’est-ce qu’une idéologie ? O que é uma ideologia?

Une idéologie est une tentative plus ou Uma ideologia é uma tentativa mais ou
moins cohérente d’apporter des réponses menos coerente de trazer respostas a um
à un ensemble de questions extrêmement conjunto extremamente amplo de
vastes portant sur l’organisation perguntas sobre organização desejável ou
souhaitable ou idéale de la société. ideal da sociedade. Dada a complexidade
Compte tenu de la complexité des das questões postas, é permitido dizer
questions posées, il va de soi qu’aucune que nenhuma ideologia pode obter
idéologie ne pourra jamais emporter adesão plena e apoio de todos: o conflito
l’adhésion pleine et entière de tous : le ideológico e desacordo são inerentes à
conflit et le désaccord idéologique sont própria ideologia. No entanto, toda
inhérents à l’idéologie elle-même. sociedade não tem outra escolha senão
Pourtant, chaque société n’a d’autre tentar responder a essas perguntas, muitas
choix que de tenter de répondre à ces vezes baseadas em sua própria
questions, souvent sur la base de sa experiência histórica, e às vezes também
propre expérience historique, et parfois construindo sobre os dos outros. Em
aussi en s’appuyant sur celles des autres. grande medida, cada indivíduo se sente
Dans une large mesure, chaque individu também tentado a ter uma opinião, ainda
se sent également tenu d’avoir une que imprecisa e insatisfatória, sobre estas
opinion, aussi imprécise et insatisfaisante questões fundamentais e existenciais.
soit-elle, sur ces questions fondamentales
et existentielles. (p. 27)

Bauman alerta aos políticos, é mais seguro ser amado que temido
Ele deu o exemplo da URSS que saiu vencedora da 2ª Guerra Mundial e era extremamente
respeitada na comunidade internacional, mas depois perdeu essa admiração devido as suas
práticas autoritárias, sobretudo utilizando-se de métodos violentos, perseguindo inimigos,
espionando pessoas durante o regime soviético
Outro exemplo de perda de prestígio internacional foram os EUA após a Guerra do Iraque,
sob a justificativa de combater a proliferação de armas químicas e biológicas, tomou de
assalto o país e dizimou as forças de resistência.
Ele comenta sobre o autor Joseph Nye Jr., um testado conselheiro de vários presidentes norte-
americanos, que os líderes e detentores de poder busquem se utilizar mais do poder soft, e
menos o poder hard (militar), ou que consigam achar um ponto de equilíbrio entre os poderes
soft e hard, que seria o “smart power” ou poder inteligente:
“Joseph Nye Jr., experimentado e testado conselheiro de presidente e membro de muitos think
tanks do mais alto nível, recomenda a todos os atuais e potenciais detentores do poder que se
baseiem menos no poder hard (seja ele militar ou econômico) e mais em sua alternativa e seu
complemento soft; ou, em resumo, no poder inteligente, a razão áurea dos dois, uma mistura
ótima, até agora difícil demais de se achar, mas urge buscar com atenção e com dose certa de
cada um dos dois ingredientes: uma combinação ideal da ameaça de quebrar o pescoço com
esforços de conquistas os corações” (pg. 109)

Lendo o livro “The future of power”, de Joseph Nye Jr., ele


elaborou uma nova expressão que melhor representasse essa ideia
de equilíbrio entre hard power e soft power, ele chamou de smart
power, ou como ficou dito no texto que estamos analisando, poder
inteligente, e conceituou como se depreende do texto extraído do
livro mencionado
Referência: NYE Jr, Joseph S., The future of power, New York,
Public Affairs, 2011
Texto original Tradução livre
A smart power narrative for the twenty-first Uma narrativa inteligente do poder para o
century is not about maximizing power or século XXI não se trata de maximizar o
preserving hegemony. It is about finding poder ou preservar a hegemonia. Trata-se
ways to combine resources into successful de encontrar maneiras de combinar
strategies in the new context of power recursos em estratégias bem-sucedidas no
diffusion and the “rise of the rest.” As the novo contexto de difusão de poder e na
largest power, American leadership remains “ascensão do resto”. Como maior potência,
important in global affairs, but the old a liderança americana permanece importante
twentieth-century narrative about an nos assuntos globais, mas a velha narrativa
American century and primacy or, do século XX sobre um século e primazia
alternatively, narratives of American decline americanos ou, alternativamente, narrativas
are both misleading about the type of do declínio americano são enganosas sobre
strategy that will be necessary. o tipo de estratégia que será necessária.
A strategy relates means to ends, and that Uma estratégia relaciona meios para fins, e
requires clarity about goals (preferred isso requer clareza sobre objetivos
outcomes), resources, and tactics for their (resultados preferenciais), recursos e táticas
use. (p. 208) para seu uso.
[…] [...]
Because globalization will spread technical Como a globalização espalhará capacidades
capabilities, and information technology will técnicas e a tecnologia da informação
allow broader participation in global permitirá uma participação mais ampla nas
communications, American economic and comunicações globais, a preponderância
cultural preponderance will become less econômica e cultural americana se tornará
dominant than at the start of this century. menos dominante do que no início deste
But that is not a narrative of decline. The século. Mas isso não é uma narrativa de
United States is unlikely to decay like declínio. É improvável que os Estados
ancient Rome or even to be surpassed by Unidos decaiam como a Roma antiga ou
another state, including China. The first half até sejam superados por outro estado,
of the twenty-first century is not likely to be incluindo a China. É provável que a
a “post-American world,” but the United primeira metade do século XXI não seja
States will need a strategy to cope with the um "mundo pós-americano", mas os
“rise of the rest”—among both states and Estados Unidos precisarão de uma
nonstate actors. The United States will need estratégia para lidar com a "ascensão do
a smart power strategy and narrative that resto" - entre estados e não estatais. Os
stress alliances, institutions, and networks Estados Unidos precisarão de uma estratégia
that are responsive to the new context of a e narrativa de poder inteligente que
global information age. In short, for success enfatizem alianças, instituições e redes que
in the twenty-first respondam ao novo contexto de uma era da
century, the United States will need to informação global. Em suma, para obter
rediscover how to be a smart power. (p. 235) sucesso no século XXI, os Estados Unidos
precisarão redescobrir como ser uma
potência inteligente.

Bauman extrai do pensamento de Nye que estamos vivendo o fim de uma era de guerras como
conhecemos, com enfrentamentos diretos entre soldados, entre exércitos.
Os conflitos armados serão travados por meio de mísseis inteligentes, drones, cyber ataques,
Exemplo: ataque americano que matou o líder e general iraniano Qassem Soleimani
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/04/drone-que-matou-lider-iraniano-e-o-mais-
letal-da-frota-dos-eua.ghtml
É um ato de guerra sem, no entanto, haver invasão territorial ou confronto direto
Assim como a retaliação foi através de um ataque por mísseis inteligentes

5ª parte – Leonidas Donskis


Fala do maniqueísmo entre esquerda e direita
Milan Kundera: “tão estúpido quanto insuperável”

IDEAIS DE ESQUERDA X IDEAIS DE


DIREITA
Defesa dos direitos humanos Proteção dos valores cristãos
Proteção às minorias ou vulneráveis Proteção da família
Proteção aos grupos LGBT Proteção de valores conservadores
Igualdade de gênero

Diante de tudo que foi dito, Donskis faz a seguinte pergunta:


“[...] qual o potencial da política para representar a humanidade moderna, e qual serão futuro
dos partidos políticos, esses agentes do poder que falam em nome da relação entre indivíduo e
comunidade, traduzindo seus interesses privados em assuntos públicos, empoderando-os e
conectando-os ao domínio público?” (pg. 113)
Donkis afirma que os partidos políticos só sobreviverão até este século, ou talvez até metade
do século XXI
Correm o risco de se tornarem irrelevantes e inúteis

É como afirma também Moisés Naim em “O fim do poder”:


“Na maioria das democracias, os partidos continuam sendo as principais organizações
políticas e ainda conservam bastante poder. Mas, apesar das aparências, estão
fragmentados, enfraquecidos e polarizados tanto quanto o sistema político a que
pertencem. Na realidade, hoje a maioria dos partidos políticos tradicionais são incapazes de
exercer o poder que tinham antes. Um exemplo ilustrativo foi a aquisição hostil do Partido
Republicano pelo Tea Party e as divisões internas que este último desencadeou naquele que já
foi uma das mais poderosas máquinas políticas do mundo. E podemos ver conflitos similares
de facções nas formações políticas do mundo inteiro.
Sob todos os aspectos, desde a década de 1990 os partidos políticos vêm passando por maus
momentos. Na maioria dos países, as pesquisas de opinião mostram que seu prestígio e valor
aos olhos dos eleitores a quem eles supostamente servem estão declinando e, em alguns casos,
despencaram ao nível mais baixo já registrado” (p. 338)
[...]
“E, enquanto os partidos políticos enfrentaram dificuldades, os movimentos sociais e as
organizações não governamentais (ONGs) floresceram. Até organizações terroristas
criminosas como a Al Qaeda (que sob aspectos muito importantes são também ONGs)
tornaram-se globais e tiveram uma próspera trajetória na década de 1990. À medida que os
vínculos entre os partidos políticos e seus eleitorados se enfraqueciam, fortaleciam-se os
vínculos entre as ONGs e seus seguidores. E enquanto o crédito dos políticos e dos partidos
afundava, cresciam o reconhecimento e a influência das ONGs. A confiança nas ONGs
aumentou com a mesma rapidez com que essa confiança declinou em relação aos partidos. A
capacidade das ONGs de recrutar ativistas jovens e altamente motivados, dispostos a
fazer algum sacrifício pela organização e sua causa, denota uma capacidade
organizacional que se tornou escassa nas formações políticas.” (p. 339)
[...]
“O crescimento das ONGs é, em conjunto, uma tendência positiva. O que é muito menos
bem-vindo, e na realidade deveria ser revertido, é a erosão no apoio aos partidos
políticos, que em muitos países – Itália, Rússia, Venezuela, entre outros – produziu seu
virtual desaparecimento e substituição por máquinas eleitorais ad hoc.
Para que os partidos vivam um renascimento e melhorem sua eficácia, eles têm de
recuperar a capacidade de inspirar, estimular e mobilizar pessoas – especialmente os
jovens. Caso contrário, eles passarão a desprezar de vez a política, ou a canalizar sua
energia política por meio de organizações de propósitos específicos ou mesmo de grupos
radicais e anárquicos que pouco contribuem com as soluções práticas que se fazem
necessárias.
Os partidos políticos devem, portanto, mostrar disposição para adaptar suas estruturas
e métodos ao mundo do século XXI. O mesmo organograma relativamente horizontal e
menos hierarquizado que permite às ONGs maior flexibilidade e sintonia com as necessidades
e expectativas de seus membros poderia ajudar também os partidos políticos a atrair novos
militantes, ganhar agilidade, desenvolver programas mais inovadores, propor ideias mais
inspiradoras e, com um pouco de sorte, impedir que os terríveis simplificadores que medram
dentro e fora de suas estruturas cheguem a ter influência.” (p. 340)

Voltando ao texto: Ou se aproximam dos movimentos sociais ou vão perder terreno


Os partidos correm o risco de serem eliminados no longo prazo por outros grupos politizados,
corporativos ou semirreligiosos
Para finalizar: “Não podemos deixar de lado esses problemas se quisermos evitar o pesadelo
de uma política grotesca, estabelecida para terminar como reality show, se tornar a forma
predominante de vida política; e que os novos quadros políticos sejam recrutados
exclusivamente no show business, no esporte e na indústria de filmes para adultos” (pg. 114)

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