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1. Inlrodurilo; I.

INTRODUÇÃO
2. SoIários pro/~;dos. dislOIfÕt!Snos
preços dos 10I0I't!S e dualismo de Repetidamente criticada. a noção do dualismo sobre-
mercado; -vive na bibliografia recente sobre mercados de traba-
3. Formos de organiZIIÇão da produção f! lho urbano no contexto latino-americano. surgindo e
o seto« informa/urbano; 'ressurgindo com qualifICativos diversos. Aparente-
4. Eslrlllura de men:ado e segmenlação mente todos os enfoques csaariam em referência a um
de trabalho; uni~ similare. em geral. todos eles sito coinciden-
5. Comentários finais. tes ao enfatizarem a relaçio que existe com os padrões
de desenvolvimento da regiio. Entretanto, sito poucos
os estudos que desenvolvem uma formulaçio teórica
do conceito e os que o utitizam como variávd empíri-
ca. via de regra. nIo dlulllllCDte dermida, o iDterpre-
tamde maneira arbitriniL
'

Em parte por isso. a resolução de algumas das prin-


cipais controvérsias em tomo da quêstio do dualismo
situa-se. ainda. no plano teórico e escapa do âmbito do
confronto empírico. Nesse sentido. o propósito destes
comentários que. se bem nio seja o de resenhar as con-
tribuições teóricas mais recentes.2 procura explorar a
consistência interna ~ argumentações. caracteri-
zadas como dualista; isto é. identifICar possims pro-
bleinas conceituais que antecederiam aquelas
difK:Ukladesde ínstrumentaçio empírica.

O presente artÍlO procura. antes de tudo. delinear e


criticar o conceito de dualismo nasituaçio específICa
do processo de industrializaçio da rcgilo. Desta for-
ma. examinam-se nos itens seguintes três formas do
pensamento dualista ou aparentemente dualista: a).
aquela que Iocatiza o probImIa do enfJKf!gO nas dis- -
torções dos preços dos fatores de produçlo. que sur-
gem em parte das restrições institucionais sobre o mer-
cado, criando um setor de SIII6rios prot~idos; b) a m-
terpl'etações que. a partir da bet~ na estru-
tura de produçio. buscam salientar a coerência entre
os setores formal e informal. do inplo da acumu-
• As discussões em torno desse trabalho Iaçio capitalista; c) finalmente, as indagações a respei-
tiveram início no Seminário sobre o to das transformações no processo de trabalho dentro
Setor Informal Urbano organizado por do que seria o setor mais avançado do capital. e que
ClACSO/PREALC em agosto de 1977. conduziriam ao ressurgimento de segmentações no
A presente versão é uma tradução mercado de trabalho.
substancialmente revisada e ampliada de
um texto anterior que circulou sob o
título Proteeted wages. tbe urban Sugerimos. à guisa de condusio. que, por apoiar-se
informal sector and market em suposições duvidosas e desconsiderar a coexistên-
segmentation: a theoretical commeÍlt e -cia e modo de articulação entre formas distintas de or-
foi apresentada no VI Encontro !anizaçio da produçio, o primeiro enfoque conduz a
Nacional de Economia organizado pela interpretações inconsistentes que mais se prestam para
ANPEC. Agradecemos a colaboração de justifICaI intervenções p<)Iític:astendenciosas e desne-
Raul Ekerman, os comentários de Ari cessariamente repressivu. As abordagens ahemativas
Anabuki, Carlos Nascimento Gonçalves. procuram superar essas deficiências. Sobram, entre-
MaT!im SmoIka e Paulo Paíva, bem tanto. certas lacuna e impasses ao nÍVelda compreen-
como o estímulo dado pelos sio teórica dos entaces entre os setores formal e infor-
participantes do Seminário de Santiago e - mal. É importante. por um lado. distin!uir o aparente
pelos colegas do Inpes. O trabalho dualismo que surge da incapacidade de um sistema de
reflete exclusivamente as opiniões produção. calcado no trabalho assalariado, absorver a
pessoais do autor. oferta total de mão-de-obra, o que deixa em aberto a
pOssibilidade de se reconstituir a pequena produção, a
•• Do Instituto de Pesquisas. partir do excedente de força de trabalho. E, por outro,
INPES/IPEA e do Departamento de formular uma distinção baseada em diferenças no âm-
Economia da UFRJ. bito mesmo do trabalho assalariado.

R. AdID. Emp., Rio de J__ o, 19(1): 29-46,

A organização dos mercados de trabalho três conceitos alternativos


2: SALÁRIOSPROTEGIDOS, DISTORÇÕES NOS Sob esta perspectiva, o chamado problema de em-
prego teria umasolução simples. Bastaria que os mer-'
PREÇOS DOS FATORES E DUALISMO DE'
MERCADO cados operassem competitivamente e sem coações le-
gislativas; a queda dos salários reais que resultaria da
Nas pesquisas empíricas e nos estudos teóricos sobre o eliminação dos entraves institucionais faria com que os
novo dualismo urbano, a abordagem mais freqüente empregadores substituíssem 'o trabalho por capital, in-
fundamenta-se na suposição de que, mesmo nas con- duzindo uma expansão no emprego urbano global. Ao
dições do subdesenvolvimento com excesso de oferta mesmo tempo, a redução no diferencial entre renda ur-
de mão-de-obra, o pleno emprego é um objetivo bana e rural levaria alguns trabalhadores de volta à
atingível, coerente com o funcionamento de um siste- agricultura, eliminando a oferta excedente. Qualquer
ma de preços naturais que retratem fielmente os custos migração posterior ocorreria apenas em resposta à
de oportunidades dos fatores de produção. Neste con- criação de novos trabalhos urbanos. S Ainda que essa
texto, o dualismo é uma ineficiência, um epifenôme- solução não fosse politicamente viável, poder-se-ia,
no, resultante da incapacidade dos mercados de faze- sempre seguindo a lógica da teoria, pelo menos, impe-
rem coincidir os preços com seus verdadeiros valores. dir um maior agravo do problema, tentando reprimir
qualquer tentativa de aumento nos salários reais do se-
Estes modelos podem ser reduzidos a três propo- tor protegido." Por outro lado, as medidas governa-
sições simples. Em primeiro lugar, argumenta-se que mentais referentes à situação precária da população do
uma barreira salarial, imposta pela ação do Estado setor desprotegido deveriam, segundo os adeptos dessa
e/ou resultante de fatores exógenos vinculados à tec- abordagem, orientar-se para programas educacionais
nologia moderna, induz, à substituição de capital por mais amplos, visando aumentar o capital humano dos
trabalho. Ou seja, faz que empresas para operar lucra- trabalhadores.
tivamente usem técnicas que combinam capital e tra-
Essas proposições têm, entretanto, recebido uma
balho em razão mais elevada. Assim, como em um
ampla crítica espalhada por uma igualmente farta lite-
exercício de estática comparativa onde os preços são
-ratura desenvolvida em torno de três linhas de ra-
fixos, o equilíbrio no mercado só é restabelecido
ciocínio. Destas, as duas primeiras tendem a aceitar as
mediante ajustes nas quantidades. O volume de empre-
premissas gerais do modelo (ou, pelo menos, não as
go no setor de salários protegidos seria, conseqüente-
contradizem), mas apontam para algumas difículdades
mente, menor enquanto que no setor desprotegido se-
fundamentais nos mecanismos econômicos implícitos
ria maior. Por outro lado, aos mesmos níveis de pro-
na análise.. Já a terceira crítica coloca em questão a
dução, a produtividade do trabalhador no setor prote-
consistência e a lógica do modelo, buscando questio-
30 gido aumentaria e, pressupondo-se que os preços dos
produtos não sofram alterações, isso levaria a um au- nar as próprias categorias empregadas.
mento no valor do produto marginal do trabalho. O Convém, contudo, aceitar, no momento, a seqüên-
equilíbrio nos mercados de fatores implicaria, portan- cia de proposições apresentada, segundo a qual o pro-
to, que esse valor mais uma vez se igualasse à taxa sala- blema do emprego convergiria, como já se observou,
rial, desta feita estabelecida exogenamente e não me- para a questão da intensidade de capital: esta seria ex-
diante mecanismos concorrenciais. Ocorre, então, e' cessivamente alta nas empresas do setor protegido.
esta é a segunda proposição do modelo, que os traba- Define-se, assim, um grupo de empresas para as quais
lhadores do setor protegido seriam apenas aqueles cu- o preço do capital é mais baixo e o do trabalho mais al-
jas qualificações fossem compatíveis com o maior to que os verdadeiros preços que prevaleceriam na au-
nível de produtividade, supondo, é claro, que a produ- sência do dualismo. Esse grupo integraria o setor pro-
tividade seja um atributo do trabalhador e não das tegido da economia e continuaria a existir enquanto
máquinas." Em outras palavras, a densidade de capi- fosse mantida a desigualdade nos preços - é ela por-
'tal, tanto humano, quanto físico, seria mais alta do tanto que define o dualismo." A própria definição su-
que na ausência de barreiras ao mercado e, de qual- gere duas perguntas iniciais: seria o dualismo uma con-
quer forma, mais alta no setor protegido do que no se- seqüência de decisões e interferências institucionais in-
tor.desprotegido. felizes, que levariam a distorções nos preços de fato-
res? Se este é o caso, uma política de correção de
Àté aqui, os argumentos pouco diferem daqueles le- preços resolveria o problema? Isto é, bastaria uma mu-
vantados por Stigler" há mais de 30 anos. A propo- dança no preço relativo dos fatores para a economia
sição final e inovadora refere-se ao enlace entre o dua- atingir o pleno emprego sem dualismo? Sem dúvida,
lismo e os mecanismos de ajuste na .quantidade de éssa seria uma situação por demais atraente, e que não
mão-de-obra urbana. Sustenta-se que o salário míni- deixa de ser explorada na defesa ideológica da teoria.
mo, determinado para o setor protegido, cria uma bre- Essas questões podem ser, entretanto, contra-
cha salarial (em termos reais) entre o trabalho urbano argumentadas, e é isso que procuraremos fazer nos
,e rural, que supera a barreira do espaço e, portanto, próximos parágrafos.
alimenta um fluxo de emigração baseado na maximi-
zação da renda futura esperada. Vale dizer, há uma 2. J., Dualismo e distorções nos preços dos fatores
mobilidade na mão-de-obra entre os setores da econo-
mia urbana que é suficiente para tornar positiva a dife- Saber se o uso dos fatores no setor protegido é ou não
rença entre o salário urbano e rural, mesmo depois de conseqüência de distorções em seus preços constitui
descontar da renda urbana esperada os períodos de de- um problema que diz respeito a pelo menos três aspec-
semprego ou subemprego no setor desprotegido. tos da microeconomia das empresas, a saber: a) a esco-

Revista de Administração de Empresas


lha técnica, dentro do espectro de tecnologias efetiva- ao serem adotadas, imobilizariam uma maior massa de
mente disponíveis; b) os processos microeconômicos capital, no que dizem respeito a produtos. Pergunta-
regularizadores do fluxo de novas técnicas; c) o ritmo se, então, se seria possível que a escolha certa dos pro-
de reposição e substituição de equipamentos. dutos a ser ofertados levaria a uma escolha eficiente de
técnicas. Talvez sim; mas a escolha de produtos - em-
No que diz respeito ao primeiro aspecto, pode-se bora influenciada pela política econômica - não é
afirmar que há poucas dúvidas sobre a origem última simples conseqüência de preços de fatores.
das práticas tecnológicas adotadas pelas empresas que,
segundo a definição, comporiam o setor protegido. Essa discussão sugere uma recolocação do problema
São processos, máquinas e equipamentos direta ou in- microeconômico atrás do dualismo. Interessa-nos,
diretamente importados das economias mais avança- agora, saber quais são os mecanismos que orientam a
das, onde foram produzidas (pelo menos originalmen- introdução de novos produtos (e processos) e, por
te) para o consumo doméstico. Evidentemente, isso meio deles, as alterações técnicas. E necessário, por-
significa que certas técnicas, antes disponíveis, já fo- tanto, dar alguma especificidade ao contexto econômi-
ram substituídas por outras mais eficientes. Isso pode- co em que operam as empresas.
ria criar certa .rigidez nas alternativas técnicas. Ainda
assim, há quem argumente que o leque de técnicas no- Comecemos por relembrar que o assim chamado
vas e quase novas seria suficientemente extenso para processo de substituição de importação na verdade im-
permitir que, a uma dada relação de preços, exista ao plicou muito mais do que o próprio nome indica. Foi,
menos uma que seja adequada. Isto é, desde que a antes de tudo, um período de mudança contínua no
substituição técnica nas economias avançadas fosse o volume e na composição dos bens produzidos domesti-
resultado de aumentos no preço relativo do trabalho camente. Um processo influenciado, particularmente
(tendência crescente dos salários), com aumentos na em sua etapa mais recente, pelos interesses de um
relação capital/trabalho nas técnicas mais recentes. número limitado de corporações multinacionais agin-
Nesse caso, seria de se esperar que as técnicas mais an-· do através de investimentos diretos que buscaram
tigas incorporassem efetivamente uma composição de complementar a comercialização em escala internacio-
fatores mais próxima da dotação de recursos carac- nal de seus produtos .." Caracteristicamente, esses gi-
terística das economias subdesenvolvidas. gantes internacionais reproduziram nos demais países .
sua estrutura domésticade concorrência; em alguns
É, contudo, possível- na verdade, bem provável - casos, absorveram os produtores já existentes, e, em
que as empresas das economias industriais avançadas outros, forçaram os remanescentes a adaptarem-se às
procurem novas alternativas tecnológicas, não apenas novas formas de competição. 31
em resposta a modificações nos preços dos fatores,
mas também para explorar economias de escala resul- Essas forças, ao ratificarem e reforçarem os padrões
tantes do crescimento da demanda global.s Ainda nes- distributivos, deixaram suas marcas na estrutura de
se caso, que é apenas uma das múltiplas situações em oferta. O ímpeto ao progresso técnico não se limitou à
que a mudança tecnológica resulta da própria dinâmi- procura de uma maior eficiência na produção de uma
ca do processo de concorrência entre os capitais, um determinada cesta de bens. Sua força motriz, pelo
aumento dos salários permanece como uma condição contrário, tem sido a procura de sobrelucros: como
suficiente para o desaparecimento de tecnologias de instrumento da acumulação, a estrutura de produção
safra mais antiga, Não é, no entanto, uma condição deveria ser vista como conseqüência e não causa do
necessária. De fato, a evidência empírica indica que progresso técnico. O movimento dos preços dos fato-
nas economias avançadas, o efeito escala tem pre~- res ratifica mais do que cria a estrutura produtiva vi-
minado sobre o efeito preço," portanto, além das téc- gente. Certamente, em alguns casos, a escolha da téc-
nicas vigentes, grande parte do estoque de técnicas nica precede a escolha do produto. Todavia, em tais si-
quase novas também seria ineficiente do ponto de vista tuações, o problemaeconômico relevante tende a ser
da disponibilidade de fatores nos países importadores a exploração de quase-rendas geradas por um mo-
de tecnologia. Vale dizer: há uma rigidez no uso dos nopólio sobre alguma parte do processo de produção.
fatores, implícita na disponibilidade efetiva de técnicas Nos demais casos, dada a escolha de produtos e a sua
de produção. Tal fato, mais do que as distorções de escala de produção, a disponibilidade de técnicas tende
preços, responderia pelas práticas tecnológicas das em- a ser bastante rígida e certamente insensível aos preços
presas do setor protegido. relativos dos fatores.

As idéias apresentadas estão incompletas em um as- Hã ainda um outro elemento que contribui para o
pecto importante. Uma única técnica é composta de descrédito do raciocínio dualista sobre preços distorci-
muitas partes heterogêneas, algumas delas adaptáveis dos. Como o progresso técnico (salvo como resultado
a qualquer relação de fatores. 10 Observe-se, entretan- histórico) independe de alterações nos preços dos fato-
to, que esta colocação deixa em aberto a questão do res, sua reaplicação em outros países tampouco deve
que constitui uma técnica; certamente uma linha de corresponder à relação de preços vigente. Uma vez
montagem é um único processo, se após a produção o mais, é importante considerar a escala de produção; a
chão for varrido manualmente ou por máquinas. Ob- disponibilidade de técnicas alternativas não implica
jetivamente, questiona-se a relevância de um ra- que a escolha seja sempre sensível a eventuais reduções
ciocínio fundamentado em fragmentações do processo no custo relativo da mão-de-obra. Para que haja. efeti-
técnico quanto à maior parte das inovações e às que, vamente um problema de substituição técnica, atrela-

Organizaç40 dos mercados de trabalho


do ao objetivo de minimizaçio de custos, é necessário minada dccisIo de substituiçlo que 010 pode ser ava-
que as várias técnicas possíYm sejam todas praticáveis liada independentemente das drcunstIncias sob as
aos níveis de produçlo desejados e que a produçio sob quais ocorreu. Com o passar do tempo. estas decisões
a técnica mais intensiva de capital seja também a de isoladas estarlo coqcIadas em uma dada composiçlo
maior custo total (1MIIiIIdo,é claro. 1105 preços viacn- de equipamento; em qualquer momento esta compo-
tes).12 A eYidâIcia empírica disponível sugere, entre- siçlo é. portanto, um dado histórico.
tanto, que, dada a escala, a variaçio de custos de pro-
duçio entre as técnicas usualmente acessíveis é peque-
na. Isso ocorre, por exemplo, na produçIo de bens in-
o custo da mão-de-obra poderia ter sido reconheci-
damente um .dos elementos nas decisões de substi-
tennediirios e de COIISUIDO padronizados,a MSim eo- tuiçIo de equipamentos. Mas DIo ncccssariamcnte o
mo nas iDdústrias de Jll'(lft'SWmcnto14 - dois setores fator decisivo e, em todo caso, nunca o único: o ritmo
industriais que, ao JIlCD05 no caso brasileiro, tendo em e a rapidez da reposiçIo dependeri da cvoluçlo da de--
vista seu lf8DCIediMmismo, seriam indubitavelmente . manda. variando conforme o poder que cada firma
lideres do setor proI~ido. Uma comparaçio sis- detêm sobre sua cvoluçlo; a decislo dependerá da ve-
temática entre as plantas matrizes e as das. subsidiárias Iocidade com que se desenvolvam novas técnicas e
brasileiras mostrou que '~a intensidade de capital das equipamentos. do grau de acesso às novas máquinas.
multinacionais no BnsiI'nIo resultou da poIiric:a 10-
vemamental ••. as finDas se inclinavam a copiar plan-
tas que produziam na mesma escala em outro ·••• ar, Se a taxa de substituiçio é uma função da durabili-
sendo duvidoso que lDOdiftcassem ..-ojetos de'pIantas dade média do estoque, um modelo de repos.içlo. peça
como mera resposta a mo conjunto diferente de preços por peça, pressupõe uma distribuiçio de máquinas de
de fatores". U difereutes tipos. Fundamenta, assim, a caractcrizaçio
da estrutura de produçio comoessenclalmcnte herero-
Argumcntou-se até agora que a escolha de IfOWlS gâlca, com diferenças técnicas. e no ritmo de depre-
técnicas está sujeita, em alcuns casos decisivamente, a ciaçIo do estoque de máquinas. inclusive na produção
outros critérios que liIo o custo relativo da micHIe- do mesmo Ifupo de bens. 17Uma estrutura que seria in-o
obnl. Mas o que dizer acerca da dec:isIo empresarial de capaz. de se produzir, a menos que fosse abandonado o
substituir parte do processo de produçIo existente ou. pressuposto básico dessa abordqan teórica ao dualis-
mais simplesmente, uma máqUina velha por moa 80- .mo. Dado um aumento no preço relativo da força de
va? trat.lbo. os movimentos c:onc:orrenciaisviSlUldoà ma-
nutençlo da taxa de lucro suscitariam nlo apenas al-
gUIINIS reposições de equipamentos. mas a substituiçio
32 A resposta a esta pequnta (o terceiro aspecto do
da totalidade do arsenal tec:nolÕliCO'existente no setor
comportamento empresarial que ~ discutir)
protegido. Cada aumento nos salários reais seria
depende de forma crucial da vdocldade e da direçio
acompMhado por uma nova gc:raçIo de processos,
da mudaoç;úécnica em questão. Entretanto, tendo em
máquinas e equiJ*Dentos relevantes para o exercício
vista que na maioria das vezes a reposiçio de equipa- da escolha técnica.
mentos implica alguma reduçio na quantidade de tra-
balho por umcs.de de produto, condui-se que as
maqumas de safras JnaIS recentes teriam uma rdaçio Por outro lado. mesmo considerando a posiçio pe-
trabalho/produto sempre mais baixa no intervalo rele- rifêrica das economias subdesenvolvidas. seria cair nu-
vante. O que signif"lca. na· ausência de outras alte-- ma visio extrema (e historicamente errônea) dos meca-
rações. N que. quanto maior o 8IlIIM!Dto no preço re1ati- nismos de transferencia de tecnologia e internacionali-
vo da mão-de-obra, mais rápida seria a vdocidade de zação do capital vinculá-los apenas ao preço relativo
substituição do equipamento. e maior a reduçio na re- da mIo-cIe--obra. Esse fator pode pesar na localização
lação marginal trabalho/produto. Em que pese a pe-- de algumas plantas produtoras de componentes para-
quena influência das variações nos preços relativos so- reexportação. pode também influenciar a composição
bre a escolha da técnica ótílfUl para a produção. quan- setorial dos investimentos externos - mas em nenhum
to maiores fossem os aumentos nos custos salariais, caso esgota as razões do deslocamento internacional
mais vantajoso seria substituir moa parte maior do es- do capital. Tampouco explica a permanência externa
toque já existente de máquinas. do capital multi nacional nas economias em que houve
efetivamente aumentos substanciais nos niveis de
Assim. deve--sereconhecer que, de alguma maneira, salário.
o vohune e o tipo de empRBO no setor protegido de-
penderiam da relaçio entre os preços dos fatores. É de A seqüência de inov8ÇÕc:stecnológicas durante e
se observar, entretanto, que. havendo reposição, o vo-, após a revolução industrial revela a trajetória. do ma-
lume de emprego em um dado momento dependerá da quinismo e da automação, da subordinaçio crescente
composiçio de equipamentos existentes, isto é. da im- do homem à máquina. São poucas e inconseqüentes as
portância relativa de equipamentos de diferentes sa- reversões nesse processo, que é também o registro dos
fras no estoque total. O raciocínio subjacente é bem miquados; porém inquestionáveis. avanços materiais
diferente da simples hipótese de preços dislOlTidos. nas condições de vida de pelo menos uma parcela da
Abandona-se uma discusslo geaérica acerca da eseo- classe trabalhadora. Seria fútil negar essa associaçIQ
lha de novas técnicaS para tratar de uma série de pro- histórica - quc:stionam-se tio-somente os mecanis-
bIeJnas·específICOS,cada qual associado a uma deter- mos que se escondem atrás dessa reIaçio.
2.2 Modelos de produção e substituição dos fatores como no outro, como, exceto pela existência de barrei-
ras institucionais, custos de informação e imperfeições
Como bem se sabe, o pressuposto que acabamos de de mercado, poderiam suas remunerações variar de se-
questionar (relativo às repercussões macroeconômicas tor para setor? Seriadificil encontrar um erro de lógica
de mudanças na relação entre os preços dos fatores) é a em um raciocínio tão bem formulado; todas as peças
base na qual se apóiam os mecanismos de' ajuste que, se sucedem e se encaixam com precisão mecânica. An-
no contexto dessa teoria, reconduziriam a economia tes, as limitações são encontradas no tipo de pergunta
ao equilíbrio. No raciocínio sobre a suposta dualidade a que o modelo procura responder e, extensivamente,
'entre os setores da ecoriomia urbana, o pressuposto nas categorias analíticas que utiliza. .
desempenha dois papéis importantes. Identifica o
preço da força de trabalho, arbitrário e artificialmente 2.3 Capital, trabalho e formas de organização da pro-
alto, como a causa de toda mudança para técnicas dução
mais intensivas de capital; sustenta, por outro lado, a
noção pela qual, ao se eliminarem as barreiras de mer- Apesar das divergências, há no raciocínio acima des-
cado (ou seja, ao se reduzir o preço relativo da força crito uma identidade central entre os dois setores. Eles
do trabalho), recuperar-se-ia a utilização de técnicas compartilham os mesmos atributos qualitativos: um
mais intensivas no uso de trabalho, o que levaria à ex- conjunto comum de regras para combinar racional-
pansão do nível de emprego e à redução do dualismo. mente os fatores de produção, auferir rendas e procu-
rar a. maximização dos lucros. Nessa concepção, os se-
Não obstante sua importância, o pressuposto em tores divergem apenas quanto à dotação relativa dos
questão é, no mínimo, controverso. Afinal, é também fatores (e isso responderia pelá segregação da pro-
do conhecimento geral -porém convenientemente es- dução em esferas de grandes versus pequenos produto-
quecido na maioria das discussões sobre preços distor- res, empresas tradicionais versus empresas modernas,
cidos - que, dado um estoque de capital (equipamen- trabalhadores protegidos versus trabalhadores não-
tos) heterogêneo e não-maleável, é ilegítimo fazer uma protegidos) e nos retornos que podem obter de tais fa-
especificação apriori da relação entre a razão capi- tores (fato que, quando relacionado à distribuição ini-
tal/trabalho agregada e os movimentos nos preços dos ciai de fatores, responderia pelos diferenciais de renda
fatores." Além disso, e ainda mais importante, é observados). Contudo, eles participam do mesmo regi-
ilegítimo fazer as mesmas especificações a priori em me de mercado.
qualquer setor ou parte da economia.
Deve-se reconhecer, entretanto, que esta é apenas
A possibilidade empírica da reversão de técnicas (is- uma das formas de estruturar-se uma análise sobre as' 33
to é, um aumento na relação salários/lucros que leve a formações econômicas do subdesenvolvimento; por si-
uma intensificação no uso do trabalho a um mesmo nal, uma que é especialmente desinteressante. Ela re-
nível de produção) tem sido questionada. Mas, mesmo duz a noção decapitai a um mero aglomerado de ins-
assim, e deve-se salientar que este não parece ser o ca- trumentos de produção que existe independentemente
so, 19 permanece a objeção: aumentos nos salários reais das características da organização social. Ela ignora as
não levariam necessariamente a uma substituição para diferenças entre trabalho, em geral, e trabalho assala-
técnicas mais intensivas de capital; apesar disso, o riado em particular. Sob sua perspectiva, um trabalha-
contrário dessa afirmação tem sido aceito como uma dor por conta própria não seria, teoricamente, diferen-
inexorável lei econômica. As previsões sobre os efeitos te de uma empresa: ele também 'combina trabalho e ca-
adversos das distorções nos preços dos fatores têm-se pital para a produção de algum produto, cuja venda
baseado, freqüentemente, em um empirismo casual produz um retorno aditivo para cada fator. Além dis-
elevado ao nível de prova irrefutável com algo mais do so, todas as empresas se parecem entre si. A não ser
que um simples auxílio deste falso truísmo. Mas, com por diferenças momentâneas devidas à fricção encon-
efeito, este tipo de raciocínio econômico é incapaz de trada no deslocamento dos recursos, e por -barreiras
predizer sequer a direção - para não falar na magni- institucionais,' supõe-se que todas possuem igual aces-
tude - das mudanças totais decorrentes de uma alte- so'aos fatores de produção.
ração na relação entre os preços dos fatores.
Entretanto, entre a produção doméstica e uma firma
Seria importante salientar que o que está em discus- capitalista há uma diferença fundamental. O capital é
são não é a evidência empírica a respeito da teoria (se fundamentalmente uma relação social que dá identi-
ao menos ela pudesse ser coligida objetivamente), mas dade ao processo de produção, ou seja, a subordi-
a interpretação dos fatos empíricos que apontam para nação do trabalho ao objetivo da valorização: a ge-
o dualismo. É nesse sentido que se questiona o ra- ração de um excedente de valor e, previsivelmente, lu-
ciocínio sobre preços distorcidos: as tendências obser- cros. Qualquer conjunto de instrumentos de produção
vadas não são necessariamente respostas ao conjunto não é capital a menos que seja de posse de não-
depreçosdosfatores. Pergunta-se, então, sobre os ele- trabalhadores e utilizado para a produção de valor ex-
mentos que, no contexto da teoria, explicariam a ori- cedente. Se as firmas de hoje fossem as desprotegidas
gem e a permanência do setor protegido nas circuns- de ontem ou, o que é mais importante, se na ausência
tâncias históricas específicas. Dada a dualidade, a teo- de barreiras de mercado, as empresas desprotegidas de
ria prevê a desigualdade setorial nos preços de fatores. hoje se tornassem nas firmas de amanhã, então po-
Entretanto, se o capital e o trabalho são potencialmen- deríamos concordar que essa diferença qualitativa se-
te móveis, acessíveis e tão úteis e eficazes em um setor ria, talvez, irrelevante. Como este não é o caso, uma

Organização dos mercados de trabalho


análise das relações entre as esferas da produção urba- xo e maleável que frustraria qualquer tentativa a uma
na que a priori exclui esta diferença é inadequada, se taxionomia geral. A descrição, nessas circunstâncias,
não errada - uma vez que se baseia na execução e não não seria sequer possível: o problema teórico consiste
nos acontecimentos convencionais e corriqueiros. em saber como o sistema heterogêneo se reproduz,
recriando a teia de relações entre os setores. Quais
Em suma, esta visão do dualismo como conseqüên- são as relações entre os setores que são necessárias
cia de distorções no preço dos fatores é falaciosa. Ao para a manutenção de sua posição desigual?
analisar as decisões empresariais, seus argumentos
conduzem a proposições gerais relativas à introdução Limitaremos a discussão dessa temática a dois as-
de novas técnicas e à velocidade de substituição de pectos inter-relacionados, introduzidos na seguinte
equipamento, que não são necessariamente, nem mes- ordem: quais seriam as condições necessárias para a
mo provavelmente, influenciadas pela presença ou au- formação do setor informal, determinando-o como
sência de dualismo. Além disso, suas implicações ma- uma esfera subordinada de produção; que carac-
croeconômicas são suspeitas; deve-se, portanto, ter terísticas deveria assumir tal produção para que pu-
cuidado ao aceitar suas contribuições de política eco- desse reproduzir-se, juntamente com o setor formal,
nômica. As críticas a essa posição não se limitam ao mas mantendo sua subordinação. Dessa discussão
fato de suas proposições estarem assentadas em uma desprende-se uma definição conceitual do que seria o
definição dúbia do que seja o setor desprotegido (e, setor informal, mas que não necessariamente corres-
por isso, em dados que, ao referirem-se a uma classi~- ponde às categorias empíricas usuais. Procura-se en-
cação errônea seriam igualmente suspeitos). Ao enfati- tão explorar as dificuldades no uso empírico da defi-
zar, injustificadamente o elo entre aumentos na re- nição.
lação salário/lucros e o surgimento de um dualismo,
que seria prejudicial aos interesses da camada mais po- 3.1 Formação do excedente de mão-de-obra e criação
bre da população..a teoria presta-se a argumentações (reprodução) do setor informal
ideológicas que procuram desvincular a tragédia social
da ação do capital, a campanhas contra o direito da Com relação à primeira destas questões, caberia re-
classe operária de lutar por uma maior participação na cordar que o movimento manifesto através dos deslo-
renda nacional.» camentos setoriais, da adoção de novas técnicas e da
penetração em esferas arcaicas de produção, pode
3. FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRO- ter, e historicamente teve, um impacto decisivo na
DUÇÃO E O SETOR INFORMAL URBANO configuração do mercado de trabalho. Essa ação res-
34 ponde, em parte, pelo desemprego de parcelas ante-
Hoje em dia, passados alguns anos do início da polê- riormenteassalariadas ao mesmo tempo que força o
mica sobre marginalidade urbana na América Lati- abandono de atividades artesanais e induz o desloca-
na, seria supérfluo - caso não fosse essencial - en- mento geográfico de populações rurais .. Em suma,
fatizar que o desenvolvimento capitalista da região age na criação de um excedente de mão-de-obra; e is-
compreende uma série de processos que incluem tan- so se dá de forma crescente, tendo em vista a tendên-
to a concentração do capital - em termos empresa- cia permanente de elevação na parcela constante na
riais modernos - em algumas áreas, como a re- composição do capital. É nesse sentido a observação
criação, em outras, de formas precárias de produção de Marx que a acumulação de capital determina tan-
baseadas no trabalho familiar. Esse ponto de vista, to a demanda comoa oferta de trabalho: dado o ex-
que concebe a coexistência e recriação de formas cedente de mão-de-obra, a oferta e a procura de tra-
adiantadas e atrasadas de produção como resultado balho deixam de ser movimentos que partem de lados
de um único processo de desenvolvimento capitalista, opostos, o do capital e o da força de trabalho. O ca-
distingue-se da posição dualista anterior, segundo a pital age dos dois lados ao mesmo tempo. Se sua acu-
qual a dinâmica econômica seria caracterizada pela mulação aumenta a demanda de mão-de-obra, au-
presença de dois universos de produção paralelos e menta também a oferta ao destruir posições de traba-
independentes. lho preexistentes. 21
Por isso mesmo, para caracterizar um segmento in-
formal dentro de uma estrutura produtiva heterogê- Este excedente, excetuando-se a parcela engajada
nea, dominada pelo setor formal, não seria suficiente na autoprodução para subsistência, é integrado por
apontar para algumas características (tais como su- uma população que poderá reproduzir-se apenas sob
bemprego, baixas rendas, concentração de mão-de- duas circunstâncias: recebendo transferências diretas
obra não-qualificada) que, talvez, descreveriam, mas do excedente econômico gerado na economia como
não explicariam, uma situação de produção. Seria um todo (tais como auxílio desemprego, caridades
igualmente insatisfatório limitar o setor informal a etc.) ou criando e recriando novas oportunidades pa-
formações arcaicas ou da agricultura de subsistência ra a produção informal de bens e serviços comercia-
- como se elas pudessem sobreviver independente- lizáveis no mercado.
mente do que acontece nas demais esferas da pro-
dução. Por ser um fenômeno urbano, o setor infor- Esse último processo adquire maior importância
mal está necessariamente envolvido em relações mer- nas economias urbanas dos países subdesenvolvidos
cantis. Conseqüentemente, o labirinto de articu- que, em parte por isso, caracterizam-se como for-
lações entre as diversas atividades produtivas. for- mações socíais nas quais, mediante a produção infor-
mais ou informais, seria potencialmente tão comple- mal, uma grande reserva de mão-de-obra pode ser

Revista de Administraç60 de Empresos


mantida.: no mercado, em regime de pequena pro- zações ou outros tipos de produtos. Seus produtores
dução e sem comprometer uma porção substancial não se encontram em condições de impedir o acesso
do excedente." Observe-se que, sob esta ótica, é a de novos concorrentes e nem têm força econômica
própria dominância do capital que impõe o aparente para controlar a comercialização da produção. O fa-
dualismo: o número de trabalhadores na produção to de participarem nos mecanismos de mercado im-
informal é uma função, não da demanda do próprio plica, portanto, um regime de competição violenta,
setor, mas do excesso de oferta no setor. 23 Este é o elo no qual - nos períodos de crise - não é incomum
estrutural que reduz a suposta dualidade a um só pro- . valer-se de reduções de preços para realizar o pro-
cesso de desenvolvimento: o próprio ressurgimento duto.
das atividades do setor informal já está subordinado
aos movimentos do capital, tanto no que se refere à Até aqui concorda-se que a produção informal ten-
mobilização da força de trabalho quanto no que con- derá a ocorrer em atividades que subsistem, em geral,
cerne ao ritmo da expansão da produção. Por outro mediante: a) pequena escala de!produção, associada
lado, as atividades do setor informal, por serem a a um impedimento tecnológico no avanço da mecani-
parte mais fraca de uma estrutura produtiva em zação e/ou no aumento da divisão do trabalho ao
transformação, é também a parte mais propensa a nível de escala mínima de produção; b) minúsculas,
contínuas e radicais mudanças em sua organização, porém efetivas, barreiras de mercado comumente as- .
mantendo as relações de subordinação mas, ainda as- sociadas à fragmentação geográfica da demanda, co-
sim, alterando a composição da oferta de mercado- mo no caso de estabelecimentos de pequeno varejo e
rias e serviços. de serviços; c) rebaixas no custo mínimo de produção
que resultam da prática de sub-remunerar os meios
de produção (ao não se contabilizarem nos preços os
3.2 O setor informal na estrutura de produção custos dos aluguéis, a desvalorização dos equipamen-
tos etc.) e o trabalho - o do próprio produtor é,
O setor informal é, entretanto, algo mais que um re- principalmente o dos trabalhadores domésticos. Em
servatório de mão-de-obra. Suas atividades com- suma, é uma produção que tende a concentrar-se em
põem uma esfera de produção associada ao setor for- atividades que inibem qualquer processo sistemático
mai; suas relações mercantis são, nessa medida, par- de acumulação de capital. 24
tes do circuito do capital. Pergunta-se então, através
de que mecanismos esta simbiose formal/informal Ocasionalmente, podem surgir oportunidades que,
reproduz-se a si mesma, e com o mesmo conjunto de se bem aptas para a penetração do capital, deixam de
relações entre dominante e subordinado. Surpreen- ser exploradas. Talvez, devido à miopia dos investi- 35
dentemente, a despeito do crescente volume da litera- dores ou, quem sabe, porque são acidentes de súbitas
tura empírica relevante, este tem sido um aspecto reviravoltas cíclicas. Em qualquer caso, criam vazios
pouco investigado. Do ponto de vista teórico há, en- para qua algum empreendedor informal obtenha um
tretanto, uma condição determinante: as atividades amplo retorno ao seu esforço; sua produção poderia
do setor informal devem inclinar-se a preencher ape- transformar-se numa incipiente empresa capitalista.
nas os espaços deixados vagos pelo setor formal. Em Entretanto, estes acontecimentos - vicissitudes dos
outras palavras, ocupar vazios (em termos de ativida- mecanismos de mercado e não da estrutura de pro-
des econõmicas) antes preenchidos mas depois aban- dução - são as exceções que dão significado à re-
donados - ou espaços que ainda não foram ocupa- lação de dominância: podem ocorrer, mas somente
dos pelo setor formal. A razão disso é simples: ao em casos isolados. 25
controlar maiores recursos o capital tenderá, via de
regra, a explorar todas as atividades cuja rentabilida-
de seja igualou superior à taxa de lucro prevalescen- 3.3 Formação de preços de produção - o setor infor-
te. Ao setor informal sobrariam, portanto, as ativi- maI e a determinação da taxa de lucro
dades que,dado o nível de desenvolvimento das for-
ças produtivas ainda não foram completamente re- Já neste esboço das condições necessárias para a re-
gulamentadas pelo capital, ou então, que sobrevivem produção da estrutura formal/informal é possível
em função de características dos mercados que as tor- antever uma dificuldade fundamental na aplicação
nam menos rentáveis para a exploração plenamente empírica das categorias adotadas. Segundo o critério
capitalista. Em suma, aquelas que não criam con- anteriormente estabelecido, seriam excluídas do setor
dições para o desenvolvimento de um processo, não informal todas as explorações econômicas que usam
meramente conjuntural, mas sistemático na acumu- regularmente o trabalho assalariado, sujeitando-se
lação de capital. ao regime concorrencial de determinação da taxa de
lucros. Ainda assim, o. termo mais freqüentemente
Há, enquanto aceitemos esta perspectiva, um im- inclui, além dos produtores autônomos e domésticos,
pedimento estrutural ao desenvolvimento (que deve os trabalhadores assalariados em firmas pequenas
ser diferenciado de crescimento numérico) do setor (geralmente até 5, 10 ou 15 trabalhadores). 26 E há, in-
informal. Conseqüentemente, sua capacidade para discutivelmente, uma boa justificativa empírica para
gerar rendas não só é pequena, como também limita- isso. Pergunta-se, entretanto: é possível aplicar o
da: suas atividades mais vantajosas são sistematica- mesmo conjunto de relações (necessário para a repro-
mente usurpadas, e as restantes, sujeitas a transferên- dução do sistema heterogêneo) a essa definição mais
cias contínuas e custosas, seja para outras locali- ampla do setor informal?

OrganizaçiJo dos mercados de trabalho


E por que não? Para tanto seria apenas necessário gue limita-se a um rápido relance sobre as propo-
ampliar o conceito de taxa competitiva de lucro. Bas- sições principais.
taria reconhecer que a taxa varia - que há uma es-
trutura de taxas de lucro. Com diferentes taxas po- Note-se que a questão 1 refere-se ao capital circu-
deríamos facilmente incluir as firmas pequenas ou lante (comercial ou financeiro). Até que os lucros se-
marginais no setor informal. Na verdade, po- jam reinvestidos, eles não penetram na esfera do ca-
deríamos definir não um, mas uma hierarquia de se- pital produtivo; isto é, os sobrelucros não dependem
tores informais - um dado conjunto de firmas ~de- de novas alterações no processo de trabalho. A distiii~
ria ser simultaneamente o setor informal de um se- ção é importante para o problema em questão, pois
gundo conjunto, e o setor formal de ainda um tercei- no ato da troca não importa se as mercadorias são
ro. produtos de uma empresa doméstica, de um traba-
lhador autônomo ou de uma firma capitalista peque-
Esta ímagem pode ser uma descrição mais apurada na. Adefinição mais ou menos ampla do setor infor-
dos fatos observáveis. Ainda assim, ela é incom- mal aplica-se igualmente bem.
patível com os mecanismos de reprodução do setor
Destaque-se, adicionalmente, que em alguns casos
informal; ou seja, com a concepção do setor infor-
o empresário intermediador pode ser eliminado pela
mal como um elemento estrutural do sistema econô-
interferência direta do consumidor final, que, então,
mico. Para verificar por que, consideremos dois tipos
tirará proveito dos ganhos. (Parece que as subcontra-
de relações que deveriam ser possíveis entre empresas
tações industriais entre os setores formal e informal,
formais e informais caso a definição mais abrangente especialmente as relativas a serviços ancilares, po-
(isto é, aquela que inclui as pequenas empresas) seja'
dem ser exemplos específicos envolvendo esta forma
mantida. de relação exploradora. 28 Por outro lado, a possibili-
1. É fato notório que uma redução no preço de dade de os trabalhadores do setor formal ganharem
qualquer mercadoria que serve como meio de pro- com tal negociação é bem menos verossímil. Em ca-
dução reduzirá a estrutura de custo de toda a linha de sos isolados, um punhado de trabalhadores pode as-
mercadorias para cuja produção ela é necessária. sumir um papel paralelo de pequenos comerciantes.
Sabe-se também que, na presença de rigidez de De modo geral, entretanto, é improvável que o prole-
preços, algumas firmas (04 setores) privilegiadas po- tariado como um todo seja beneficiado. Na verdade,
dem tirar vantagem da redução no custo. Ao não re- se os salários nominais são ajustados de acordo com
duzirem os preços, terminam com lucros mais altos, os preços dos bens de consumo popular - e se a pau-
dando origem à estrutura de taxas de lucro diferen- ta do comércio intersetorial incluir alguns desses bens
36 ciadas. Dada a última definição do setor informal, que são, na hipótese de não haver sobrelucros na in-
seria correto 'conceber esse tipo de relação de preços termediação, colocados à venda por preços mais bai-
entre os setores? xos - ao reduzir o custo real dos salários a troca au-
mentará o excedente disponível no setor formal. 29 Só
2. Por outro lado, na presença de movimentos de haverá vantagem para os trabalhadores se, a preços
concorrência, e na ausência de novas mudanças téc- correntes, o maior excedente do setor formal não
nicas e/ou na organização dos mercados, deve haver possa ser transformado em lucros. Nesse caso, uma
uma tendência para o nivelamento das taxas de lucro. combinação de salários reais estáveis e preços reais
Entretanto, se há apenas uma taxa de lucro (com decrescentes para os produtos do setor formal, que
preços positivos, quantidades produzidas e nível sala- fazem parte das necessidades de consumo da classe
rial conhecidos a priori e uma dada estrutura técnica) trabalhadora, produziria uma melhoria no padrão de
a solução para o sistema de equações de preços de vida do trabalhador. No entanto, esta é uma situação
produção implica a transferência intersetorial dos ex- genérica que pode surgir independentemente do setor
cedentes. Em particular, mercadorias com compo- informal.
sições orgânicas abaixo da média terão preços abaixo
do valor. Supondo-se que as firmas se especializem Contrariamente ao que foi dito acima, o circuito
, na produção de apenas algumas mercadorias. relati- de capital produtivo está fundamentado na produção
vamente homogêneas, dir-se-ia o mesmo ao afir- capitalista fabril. É possível, portanto, descrever o
mar que as empresas com maior volume de capital fi- sistema produtivo por meio de um conjunto de
xo e/ou maior consumo de insumos que não o traba- equaçõe~ de preços de produção, uma para cada mer-
lho na produção aplicariam um mark-up maior sobre cadoria; Caso haja qualquer tipo de dúvida, lembre-
os custos variáveis do que firmas (setores) produtoras mos que este circuito não prevê trocas desiguais. 30 Es-
de mercadorias com composições orgânicas mais bai- ta não é, todavia, a forma de troca que nos interessa
xas.f Em outras palavras, em uma economia capita- no momento. O que procuramos averiguar é se o sis-
lista o sistema de preços relativos age como um meca- tema de preços de produção pode estender-se ao caso
nismo para a transferência do excedente das firmas especial das mercadorias do setor informal, produzi-
(setores) menos capitalizadas para as mais capitaliza- das com uma estrutura tecnológica primitiva e supor-
das. Dada a última definição, pergunta-se: isso tada por um regime de salários baixos.
também se aplicaria à relação entre os setores formal Não haveria qualquer dificuldade em demonstrar o
e informal? que aconteceria mecanicamente. Ao tratar o setor in-
As respostas a essas perguntas são controversas e formal como um departamento de produção sujeito à
sujeitas a considerável polêmica. Adiscussão que se- lei tendencial de nivelamento dos lucros, nesse caso,

Revista de Adminístração de Empresas


supondo que os salários no setor informal aumentas- lho assalariado parcial, aumentando o excedente de
sem até o nível do setor formal, o vetor de preços re- mão-de-obra, quanto porque seus produtos podem,
sultante endossaria uma condição de troca entre as eventualmente, ser negociados a preços que permi-
mercadorias formais e as informais mais favorável às tem um rebaixamento no nível real de salários; b) po-
últimas. Em outras palavras, poder-se-ia, então, de- de reduzir, mediante subcontratações, os custos de
terminar que, ao comparar esta situação hipotética produção de algumas firmas no setor formal. O que
com uma situação real. a produção do setor informal caracteriza tais relações é o fato de serem exploradas.
permite ao setor formal usufruir de lucros mais altos, Todavia, a transferência de excedente de um para ou-
transferindo, através do sistema de preços de pro- tro setor ocorre ou por meio de operações de capital
ducão, valores de uma para outra esfera. comercial (circulante) ou diretamente por meio da
determinação do nível de salários, nunca pelo circui-
to de capital produtivo propriamente dito.
Isto é evidentemente um disparate. Contém uma
contradição em termos. O conjunto de preços de pro- Nesta área, o tipo de pesquisa predominante, até
dução só pode ser obtido depois que a taxa geral de agora, tem sido aquele que, a partir de uma definição
lucros tenha sido determinada ou, em se aceitando a do que é o setor informal, busca quantificá-lo e
análise de Emmanuel," simultaneamente com a taxa contrastá-lo perante o setor formal. Tendo em vista
de lucros. O que significa que ou há uma tendência as dificuldades anteriormente assinaladas, não é sur-
de as taxas de lucro equilibrarem-se, ou há um setor preendente que esse esforço - apesar das importan-
informal - as duas coisas não podem existir ao mes- tes contribuições individuais - não tem resultado em
mo tempo. um acúmulo sistemático de informações sobre quais
A intuição de que a justaposição formal/informal são, especificamente, as características das atividades
é útil ao capital, e não uma barreira que resulta de do setor informal. Para isso, seria indispensável
distorções de preços, é correta. Entretanto, colocá-Ia orientar as pesquisas empíricas para, primeiro, exa-
como um elemento estrutural de uma formação so- minar as situações de produção e suas articulações
cial capitalista implica analisá-Ia em termos da dinâ- entre si, particularmente, sob a ótica da utilização do
mica do capital. É certo que cada modificação no trabalho; depois, classificá-Ias. Em um outro contex-
nível real de salários (isto é, na distribuição funcional to, essa foi a base que deu origem à problemática que
da renda) traria consigo alterações no preço relativo será analisada a seguir.
das mercadorias e, portanto, novos padrões de redis-
tribuição do excedente social. Mas isso não é tudo. A
modificação repercutirá sobre a composição física do 4. ESTRUTURA DE MERCADO E SEGMEN- 37
produto; o próprio aumento de preços serve de sinal TAÇÃO DE TRABALHO
para o redirecionamento do capital, ampliando a
produção e restabelecendo a taxa de lucro. O fato é No item anterior, anotamos algumas observações
que esta maneira de colocar a questão não apenas rápidas sobre firmas ou setores privilegiados. As re-
destrói a definição dada anteriormente para o setor percussões econômicas desta distinção são exploradas
informal; ela também assume o que depois prova. is- mais sistematicamente em ainda uma terceira perspec-
to é, que, se há um sistema de salários desiguais. os tiva, algumas vezes erroneamente caracterizada como
resultados são ou uma estrutura de lucros desiguais dualista, a que esta parte do ensaio é dedicada.
ou um índice de lucros agregado mais alto (mais bai-
xo). Se quisermos escolher esta segunda opção, esta- As formações dualistas (ou aparentemente dualista)
mos de volta ao ponto de ter que especificar, a priori, que foram analisadas, até agora, estavam condiciona-
que, devido a alguma imobilidade inerente e/ou aci- das a imperfeições de mercado ou, mais realisticamen-
dente histórico. os custos de trabalho são mais baixos te, ao desenvolvimento parcial e heterogêneo das re-
em apenas um dos setores. lações de produção capitalistas. Esta nova concepção
baseia-se, entretanto, em análises do próprio processo
Isto significa que, por trás da aparentemente de valorização do capital e, por isso, limita-se a priori
inócua combinação de firmas marginais com produ- às esferas de produção organizadas empresarialmente.
tores autônomos e domésticos, há um grave proble- Mais precisamente, ela pressupõe uma determinada
ma teórico. É verdade que esta objeção pode ser, no distribuição de firmas (setores) na qual há uma cúpula
terreno empírico, facilmente rejeitada, uma vez que de empresas oligopolistas que detêm o controle efetivo
não está nada claro em que medida uma exploração de, pelo menos, certas áreas da produção, desdobran-
doméstica é diferente de uma firma familiar. A in- do esse poder para manter ou expandir sua posição de
consistência é, todavia, perturbadora, especialmente liderança. Por isso, embora em alguns aspectos rema-
se há uma preocupação em achar bases teóricas mais nescentes da distinção entre os setores formal e infor-
firmes para uma identificação empírica do setor in- mal, esta perspectiva do dualismo pertence a uma ou-
formal. 32 Além disso, esta distinção é importante no tra espécie de dualidade.
entendimento das funções do setor informal, estrita-
mente definido. Pelo que foi dito, deveria estar claro A discussão a seguir organiza-se da seguinte manei-
que, visto como uma esfera de produção subordina- ra: os raciocínios que associam o mecanismo oligopo-
da e qualitativamente diferente, o setor informal: a) lista ao desenvolvimento de setores privilegiados e à
tende a reduzir o volume de salários pago no setor conseqüente diferenciação na estrutura de produção
formal, tanto porque confirma um regime de traba- são investigados em primeiro lugar; estas mudanças

Organização dos mercados de trabalho


são então examinadas sob a perspectiva da utilização força e coerção, mas também pela capacidade desse
da força de trabalho; finalmente, apresentamos alguns núcleo empresarial e, em sentido mais amplo, da classe
breves comentários sobre os possíveis impactos dessas capitalista de transformar restrições momentâneas em
transformações na organização dos mercados de tra- bases duradouras para acumulação.
balho. São transformações que podem ser identificadas nas
relações entre a cúpula de firmas privilegiadas e qual-
4.1 Concorrência oligopolista e estrutura de quer dos outros agentes. Aqui, todavia, concentrare-:
produção'" mos apenas aquelas relativas às suas forças de traba-
lho, atendo-nos primeiramente à bibliografia sobre as
A partir de Ricardo, tem-se afirmado repetidas vezes economias avançadas, especialmente os EUA, para in-
que, enquanto o mecanismo competitivo funcione, os cluir depois alguns breves comentários sob a perspecti-
preços devem diminuir aproximadamente em propor- va do processo de industrialização na América Latina
ção ao aumento na produtividade .do trabalho. Isto, e no Brasil em particular.
se os frutos do progresso técnico fossem distribuídos
através de rebaixamentos nos preços, com rendas no- 4.2 Estrutura de produção e segmentação de mercado
minais fixas; uma hipótese que, como sabemos agora, de trabalho»
não é necessariamente correta. Se algumas firmas utili-
zassem seu poder de monopólio para impedir a queda Ao analisar o vínculo entre as transformações na es-
nos preços, o resultado seria uma combinação de trutura de produção eas novas formas de organização
preços fixos e rendas nominais mais altas. do mercado é conveniente introduzir, de imediato, um
conceito-chave; qual seja, o mercado interno de traba-
Escapa aos propósitos deste trabalho examinar as lho: uma unidade administrativa (uma seção de uma
diversas maneiras pelas quais algumas firmas (setores) empresa, por exemplo) na qual o controle, a remune-
Obtêm o poder econômico de controlar preços. É sufi- ração e distribuição do trabalho são regulados por um
ciente anotar que, estabelecido o controle, estes encla- conjunto de regras e procedimentos que, em certo sen-
ves privilegiados seriam' capazes de obter lucros acima tido, isolam a força de trabalho das pressões gerais do
do normal; seja mediante a transferência dos ganhos mercado. Depreende-se da própria definição que o
de produtividade obtidos por suas firmas fornecedo- conceito não é, em si, uma categoria de análise. 36 Con-
ras; ou por introduzirem, eles mesmos, inovações ori- tudo, ele se refere a todo um processo histórico segun-
ginais e de acesso limitado. do o qual, na medida em que as empresas aumentavam
em tamanho, complexidade e sofisticação tecnológica
38 Destaque-se, outrossim, que pelo menos nas últimas - e enquanto a concentração do capital moldava o
três décadas essas firmas - que controlam os proces- mercado em esferas de influência monopólicas - tor-
sos de inovação - também têm tido sucesso em pro- nou-se tanto necessário como lucrativo para as em-
longar a duração das rendas de monopólio (aumentan- presas maiores desenvolver seus próprios mecanismos
do, desta forma, seu volume total). Isso, por meio da internos para controlar, distribuir e remunerar o tra-
expansão dos mercados nos quais seus produtos são balho. Em parte porque, com o aprofundamento da
comercializados; mais precisamente, deslocando-se de divisão do trabalho o processo de produção assumiu
mercados nacionais para internacionais. Como obser- formas cada vez mais descontínuas e fragmentadas,
vou P. Sylos Labini, "o capitalismo moderno é carac- composto por um grande número de tarefas inter-
terizado em muitos ramos importantes por um proces- relacionadas. Assim o tipo de trabalho em cada um
so de aumento no tamanho de um número de firmas dos elos acabaria sendo cada vez mais específico, exi-
relativamente decrescente, o que determina um proces- gindo habilidades especiais, se não complexas, para o
so de concentração; o principal fator condicionante de seu desempenho.PAlém do que, a criação de mercados
tal processo é o progresso técnico. Tal processo, com o internos teria respondido a uma exigência técnica do
auxílio do progresso que tem lugar nos maios de trans- processo (implícito no anterior) de qualificação ocupa-
porte, ultrapassou as fronteiras (locais) para primeira- cional. Dada a crescente especificidade do treinamen-
mente engolir países inteiros e, em certos ramos, uma to, ter-se-ia generalizado a prática de desenvolver no-
boa parte do mundo" 34 vos métodos de trabalho, não em salas de aula e me-
diante a aprendizagem tradicional, mas no próprio
Historicamente, essa situação, na qual um volume
correr da produção. De fato, argumenta-se que em
de lucros crescente provém de um número limitado de
muitas situações, treinamento e produção ter-se-iam
firmas privilegiadas, não poderia, como não pode,
transformado em resultados conjuntos do mesmo ca-
subsistir sem gerar contradições e sem vencer desafios. pital. Portanto, uma vez designado a uma dessas tare-
Em épocas e por meios diferentes outras empresas, o
fas, o trabalhador seria automaticamente submetido
Estado e principalmente as organizações sindicais ten-
ao treinamento, a um custo indivisível, porém não me-
taram neutralizar o domínio da cúpula econômica rei-
nos real para a empresa.
nante. Nesse contexto, se por um lado a sobrevivência,
mais do que isso, a consolidização e ampliação do po- Conjuntamente, essas características teriam provo-
der econômico dos grandes conglomerados é prova in- cado um aumento no custo salarial das empresas. E
conteste de suas vitórias sobre os movimentos de resis- não seriam as únicas. Haveria também outros requeri-
tência, por outro, o fato em si enaltece o peso da perda mentos, que não o treinamento, mas ainda assim rela-
de muitas batalhas. A hegemonia foi obtida e se cionados ao uso da força de trabalho; necessariamen-
mantém por intermédio da aplicação implacável da te, a grande empresa teria de enfrentar despesas de re-

Revista de Admintstraçõo de Empresas


crutamento e seleção. Em parte porque, no contexto controlado, objetivamente, pelas próprias máquinas.
de um processo de produção minuciosamente parcela- Isso, entretanto, não é o suficiente. Até nas firmas tec-
do, poucas tarefas seriam independentes das demais. nologicamente mais avançadas é comum encontrar fa-
Uma das conseqüências da integração crescente da ses cruciais do processo de produção ainda sob o
produção seria a integração crescente da força de tra- domínio do trabalho - e do conhecimento- indivi-
balho; o que significa que, ao tentar satisfazer suas de- dual. Nesses casos, é necessário que o trabalhador seja
mandas, as empresas teriam de considerar, afora as subjetivamente controlado e seu conhecimento apro-
exigências independentes de cada serviço, os requeri- priado pelo capital. Para tanto, os esquemas de disci-
mentos que mutuamente um tipo de trabalho estaria plina,cooptação e/ou coerção do trabalho, o tayloris-
impondo ao outro. Mesmo supondo que os operários mo, o fordismo e os outros métodos de controle e divi-
fossem contratados individualmente, e para uma de- são do trabalho têm demonstrado ser mais eficazes de
terminada tarefa, ainda assim, o empregador deveria coordenar as partes altamente complexas e interdepen-
preocupar-se (dada essa perspectiva do processo de dentes de sistemas produtivos com grandes dimensões.
produção) com outros elementos além da adequação Por outro lado, são formas que permitem o desenvol-
do trabalhador às funções imediatamente planejadas. vimento de critérios objetivos (alguns diriam científi-
Deveria, por exemplo, considerar o desempenho po- cos) de avaliar o desempenho do trabalhador no con-
tencial do trabalhador nas outras posições do setor in- texto de um esforço coletivo de produção no qual seria
terno de produção e, extensivamente, a competência impossível identificar, sistematicamente, a contri-
de todos os trabalhadores daquele setor. Dessa manei- buição de cada indivíduo. Critérios esses que são im-
ra, a compatibilidade técnica entre os membros de um portantes para a legitimização das regras, inclusive as
mesmo grupo de trabalho teria uma função central, se de diferenciação salarial, impostas pela empresa. 38
bem que enganosa, na determinação da produtividade
do trabalho. o mercado interno de trabalho impõe, entretanto,
uma série de limitações à ação da empresa. No que diz
É forçoso reconhecer, entretanto, que apesar de sua respeito à utilização da força de trabalho, a grande
importância, estas características não constituiriam corporação moderna deve agir mais prudente e menos
por si sós, razão suficiente para o estabelecimento de arbitrariamente do que sua predecessora histórica.
mercados internos de trabalho. Elas seriam apenas os
elementos técnicos condicionantes. O impulso decisivo Ao considerar a operação de um mercado interno,
deveria partir de mudanças nas relações sociais (e não fica claro que no balanço da empresa uma alta rotati-
apenas, técnicas) de produção - da maneira pela vidade entre seus membros pesaria muito mais do que
qual, de acordo com um único propósito, todos os ele- o simples custo de reposição. Faz parte dos interesses 39
mentos humanos envolvidos no processo de trabalho da administração reter e promover periodicamente a
são reconciliados. É certo que a operação desses mer- mobilidade (e a promoção salarial) das forças de tra-
cados apoiou-se, desde o início, nas práticas tec- balho vinculadas a esses mercados. Ou seja, desenvol-
nológicas e nos requerimentos de qualificação do tra- ver mecanismos de atração e cooptação, que além do
balho próprios de cada setor. Entretanto, ao rever o mais, poderiam ser o resultado de vitórias sindicais e
período de formação dessas novas segmentações do não unicamente a conseqüência de uma política de re-
mercado, o que mais sobressai é que o progresso téc- lações industriais esclarecidas. Por outro lado, a
nico de então caracterizou-se - talvez como em ne- própria transformação dos atributos do trabalho ao
nhum outro período - pela introdução acelerada de longo do processo de produção faz que, para extrair o
processos automatizados de produção; isto é, provo- seu maior valor de uso, ele deve ser mobilizado entre
cou uma radical simplificação das tarefas na produção diferentes tarefas. Na medida em que se gere, ao longo
e, portanto, tornou repentinamente obsoleto um gran- do processo de produção, conhecimentos úteis ao capi-
de número de qualificações incorporadas à força de tal mas, ainda assim, retidos pelo trabalhador até ele
trabalho. Em suma, provocou, de certa forma, sua ho- encontrar uma posição mais vantajosa, nesse sentido,
mogeneização, nivelando-a por baixo. a mobilidade e a promoção salarial tornam-se instru-
mentos da valorização do capital.
Nessas circunstâncias não se justificaria a argumen-
tação de que as transformações na organização do tra- O que não quer dizer que muitos desses objetivos
balho (implícitas na noção de mercados internos) te- não sejam, também, aqueles pelos quais as organi-
nham resultado somente do avanço técnico na pro- zações síndíçais têm historicamente lutado: por melho-
dução. Pelo contrário, elas teriam surgido a partir do res salários, oportunidades. de treinamento, pro-
momento em que, em algumas frações do capital, o moções, estabilidade no emprego e direitos a tempo de
seu domínio sobre o processo de trabalho foi seria- serviço. Estes não eram, e em geral ainda não sõo, os
mente ameaçado; mais precisamente, diminuído por interesses dos empregadores. A experiência norte-
movimentos de resistência que despontavam à revelia americana, entre outras, exemplifica este conflito. No
do controle já exercido através das próprias máquinas. mesmo momento em que as empresas líderes da nova
era do capital monopolista voltaram-se para a conquista
Uma vantagem adicional e igualmente importante do controle estratégico sobre mercados de produtos e
de um mercado interno de trabalho é que ele permite fatores, elas foram frontalmente ameaçadas pelo po-
- realmente, incentiva - o controle hierárquico- der do trabalho organizado. Salienta um estudo recen-
burocrático da força de trabalho. Mencionávamos an- te que, para fazer frente a tais ameaças, "os emprega-
teriormente que, em parte, o processo de trabalho é dores voltaram-se para estratégias que dividissem e

Organizaçilo dos mercados de trabalho


conquistassem a força de trabalho. A tática principal pelo engajamento dos sindicatos locais, especialmente
consistia em minar os interesses comuns dos trabalha- durante os períodos de apoio governamental manifes-
dores, cada vez mais unidos tanto pela proletarização to. Por outro lado, acentuadas pela escassez momentâ-
do trabalho como pela concentração nas áreas urba- nea de mão-de-obra especializada, que surgiu espora-
nas. Essa iniciativa objetivava dividir a força de traba- dicamente durante a implantação de muitos desses
lho em vários segmentos, de forma que as experiências projetos.
reais dos trabalhadores fossem diferentes e que a base
de sua oposição comum contra os capitalistas fosse so-
lapada" .39 Mesmo assim, a operação de mercados internos de
trabalho, no contexto das economias periféricas, é ain-
da um assunto pouco pesquisado. Com efeito, a medir
Na medida em que esse conflito evoluía, demandan- pelo caso brasileiro, diríamos que quase nada se co-
do soluções, surgiam novas (ou se reforçavam antigas) nhece a respeito das circunstâncias históricas atrás de
divisões nas forças de trabalho, espelhadas no proces- suas origens. 41
so de trabalho e no próprio comportamento adminis-
trativo das empresas. No decorrer, ter-se-iam agrupa-
do, de um lado, os vários conjuntos de posições inter- É possível, entretanto, identificar no nível da teoria
nas - relativamente isolados e, por isso, privilegiados: alguns mecanismos que atuariam em um sistema onde
esses mercados compartilhariam as vantagens de terem a segmentação já seria, por assim dizer, um dado do
escalas promocionais, padrões de promoção, níveis e problema.
mecanismos de acesso preestabelecidos, inclusive com
o parecer dos síndícatos.v Do outro lado, se encontra-
riam os trabalhadores externos e portanto inelegíveis Destaque-se de início que as principais transfor-
para as posições de carreira; geralmente, relegados a mações na organização dos mercados de trabalho assa-
tarefas de menor importância, com baixa remuneração lariado teriam de ser analisadas em termos de um du-
e estruturadas em torno das atividades mais simples plo processo de mudanças correlatas: a) na estrutura
(freqüentemente servis às demais ou às máquinas auto- produção e de competição; e b) nas relações sociais
matizadas). Empregos que, contrariamente aos do de produção dentro das firmas dominantes. Por outro
mercado interno de trabalho, ofereceriam ocupação ir-
lado, se o processo de acumulação está, por hipótese,
regular, tanto por estarem propensos a flutuações apoiado na crescente mecanização e automação da
cíclicas e sazonais, quanto por prescindirem de normas produção, conclui-se que, dada a heterogeneidade da
estabelecidas para atenuar a arbitrariedade do relacio- estrutura de produção, essas transformações ex-
40 namento empregatício. hipóteses processar-se-iam a um ritmo mais acelerado
na cúpula de empresas oligopolistas do que nos outros
setores da economia. A produtividade média do traba-
lho nessas empresas deveria, portanto, ser mais alta. E
4.3 Internacionalização de capital, transferência de também aumentaria a uma proporção mais rápida.
tecnologia e de padrões de organização do trabalho

Apesar da quase total falta de conhecimento sobre os Entretanto, pelo mesmo fato de estarem apoiadas
em alterações no processo de trabalho, as variações de
elementos históricos específicos, não seria de todo des-
produtividade implicariam modificações no desenho e
propositado supor que algumas dessas transformações
organização das tarefas, obedecendo,é claro, aos
fossem generalizáveis para além dos limites territoriais
métodos preestabelecidos de controle, distribuição,
das economias capitalistas mais avançadas. Dado o
treinamento e remuneração do trabalho. Dadas as ins-
grau de internacionalização da produção, poder-se-ia
tituições do mercado interno de trabalho, justificar-se-
especular que (observadas as devidas variações), uma
única matriz tecnológico-organizacional tenha estado ia assim a hipótese de que essas alterações teriam lugar
originalmente nas posições internas das grandes em-
associada ao crescimento econômico nos países cen-
presas. Ou seja, expressar-se-iam em novos padrões
trais e à recente fase de industrialização da América
para o desempenho das funções, assim como na pro-
Latina.
moção seletiva de trabalhadores dentro da hierarquia.
Nessa suposição seríamos, portanto, levados à sur-
Como se sugeriu anteriormente, uma técnica de pro- preendente conclusão de que, nestes segmentos do
dução é mais que um conjunto de máquinas; é. antes mercado de trabalho, o processo contínuo de aumento
de tudo, uma forma de organização do processo de de produtividade poderia levar a um aumento no leque
trabalho - um instrumento para a valorização do ca- salarial mesmo na ausência de conflito trabalhista ma-
pital pelo uso controlado de força de trabalho. Nessa nifesto. Embora desvestidas de qualquer compulsão a
medida, tanto a degradação das tarefas, quanto a corresponder com os aumentos na produtividade, as
adoção de práticas administrativas que contraditoria- mudanças na remuneração do trabalho resultariam
mente hierarquizam e descoletivizam o trabalho, são das exigências impostas pelos procedimentos estabele-
características. até certo ponto, incorporadas na cidos para o controle e cooptação do trabalho; refleti-
própria tecnologia de produção que se dissemina a riam o poder historicamente alcançado por alguns seg-
partir dos países centrais. Adicione-se que essas ten- mentos da força de trabalho, além, é claro, do interes-
dências teriam sido quase que certamente refor:~das se das empresas em retê-las, apesar disso. 42
". + •

Revista de Administração de Empresas


Teríamos ainda que mencionar dois outros aspectos. controle coercivo direto sobre o processo de
Pelo que foi considerado até agora, depreende-se que, produção." Não se justificaria, tampouco a adoção de
em cada segmento (ocupacional, industrial ou seto- exigências de admissão rigorosas. Os empregadores
rial), o volume de emprego, a natureza e estrutura das poderiam tratar a força de trabalho como um insumo
tarefas dependerão da escala e técnica de produção, do não-diferenciado. As características pessoais (com a
método de organização do trabalho; que, entretanto, possível exceção de sexo e saúde física) seriam de pou-
as mudanças nessas características não ocorrem no ca importância para o desempenho do serviço: não ha-
mesmo sentido, ou ritmo, em toda a economia. Assim, veria razões pelas quais seria vantajoso para a empresa
enquanto a expansão da escala de produção tenderia a correlacioná-las sistematicamente com a facilidade de
aumentar o volume de emprego, o progresso técnico, admissão ou com o nível diferencial de remuneração
pelo contrário, faria diminuí-lo. no trabalho. Entretanto, pelo próprio fato de estarem
inseridas num processo de trabalho que dispensa
É provável, porém, que o crescimento da produção mecanismos mais sofisticados de controle, estas po-
seja maior nos setores tecnologicamente mais dinâmi- sições ofereceriam, em tese, poucas oportunidades de
cos (pelo menos durante algum período) - de forma mobilidade para os mercados internos. Com efeito,
que a demanda por certas ocupações poderia aumentar sustenta-se que longe de ajudar, os traços pessoais ad-
conjuntamente com suas produtividades. Nesse caso, quiridos na produção secundária diminuiriam a proba-
mesmo ao se tratar de mercados internos, o volume de bilidade do trabalhador ser aceito nas melhores po-
emprego tenderia acrescer, mas nunca tanto quanto sições.
naquelas ocupações menos afetadas pelo progresso
técnico; isto é, com menor aumento de produtividade. Não seria apenas, nem principalmente, um proble-
Portanto, a demanda de trabalho para os segmentos ma de qualificação - no sentido que o trabalho prévio
predominantemente externos do mercado estaria (na o tornasse inútil para o desempenho de outros cargos.
ausência de mudanças na estrutura do mercado) cres- Antes, o que essa bibliografia enfatiza é que a mobili-
cendo. ao menos em relação aos internos. Daí a im- dade entre as posições na base da hierarquia de traba-
portância política do controle sobre o piso salarial; lho e qualquer um dos mercados internos envolve ele-
daí, também, a margem para a ação estrutural do exce- mentos adicionais às medidas usuais de habilidade, in-
dente de mão-de-obra parcialmente assalariada. teligência ou aptidão. O problema seria as qualifi-
cações e atitudes adquiridas fora de um mercado inter-
Por outro lado, é de se supor que, dado o impacto no, por se desenvolverem no contexto de formas es-
desigual do progresso técnico (ou melhor, o relativo pecíficas de controle do processo de trabalho, que dão
atraso tecnológico de algumas esferas da produção, in- ênfase à disciplina coerciva, ao mesmo tempo que tole- 41
clusive nos setores mais dinâmicos), os mercados ex- ram, e até encorajam, um padrão irregular de compor-
ternos estariam concentrados, não apenas nas ocu- tamento - são prejudiciais à operação dos mercados
pações relativamente menos produtivas, mas também internos de trabalho. A inclusão de trabalhadores
nas empresas de menor produtividade média." A eles acostumados a um referencial distinto de relações de
corresponderia uma estrutura produtiva dominada por trabalho e a processos disciplinários bem mais ar-
firmas menores, organizadas em função de técnicas bitrários perturbaria os já alusivos elementos da cha-
padronizadas mas, ainda assim, dependentes do uso mada paz industrial. Sua contração justificar-se-ia,
extensivo do trabalho não qualificado. Ou então, portanto, apenas no caso de não haver outras alterna-
usando processos antiquados e que paradoxalmente tivas disponíveis a igual, oumenor, custo total. Conse-
requerem uma mão-de-obra mais qualificada - con- qüentemente, haveria pouca mobilidade entre os pólos
tudo, já sem o equivalente retorno salarial. Firmas es- do mercado.
tas que, devido à sua débil posição no mercado,
encontrar-se-iam nas franjas menos favoráveis, onde a
demanda é estagnada e instável. Não haveria nem as
necessidades disciplinárias, nem as bases organizacio- 4.4 Segmentação, mobilidade e qualificação
nais, para a criação de mercados internos de trabalho.
Pelo contrário, a ênfase em processos padronizados, Essa interpretação, ao traçar as conseqüências de seg-
fundamentados em operações simples e rotinizadas, mentações no mercado de trabalho, acentua a impor-
efetivamente eliminaria quaisquer reqüisitos de treina- tância das origens ocupacionais. Entretanto, a reati-
mento ou condicionamento especial da força de traba- vação das relações sociais de produção requer necessa-
lho. Adicione-se que nas esferas de produção manufa- riamente outros elementos além daqueles circunscritos
tureira, com técnicas arcaicas e ineficientes, a pressão à esfera do trabalho. Se não fosse assim, os trabalha-
da concorrência desencorajaria a formação de uma dores mais jovens teriam pouco que diferir particular-
nova força de trabalho. Com efeito, é de se supor que mente no que tange a suas experiências ocupacionais.
a produção subsistiria em parte porque a mão-de-obra Se aceitamos a hipótese da imobilidade parcial, ao
não é remunerada a um nível salarial compatível com a analisar a reprodução dos segmentos, o que realmente
reprodução de suas qualificações. deveríamos salientar é a influência de traços-socioeco-
nômicos imputados, assim como o impacto da distri-
Predominariam, portanto, formas elementares de buição inicial de características adquiridas durante o
organização da.produção, construídas com unidade de processo educacional. Estes, por outro lado, depen-
trabalho homogêneo e com compartimentos hierár- dem criticamente das instituições da família e do siste-
quicos claramente diferenciados, que facilitariam o ma educacional.

Organização dos mercados de trabalho


o que é importante reconhecer são as funções es- oligopolista grande não possa operar simultaneamente
pecíficas dessas instituições. Em particular, além de em diversos segmentos de mercado.
transmitir parcelas do conhecimento cognitivo (e assim
diferenciar o trabalho por níveis de habilidade), o sis- Deve-se enfatizar que a segmentação não é uma teo-
tema escolar, de acordo com essa interpretação, ria da estrutura de salários ou do padrão de mobilida-
também deveria contribuir para outro objetivo igual- de. De fato, o próprio tratamento empírico do concei-
mente fundamental: a reprodução dos padrões de sub- to remeter-nos-ia, necessariamente, à análise dos pro-
missão de diferentes tipos de trabalho às regras da or- cessos de trabalho e da forma em que eles se organi-
dem social preestabelecida. Ou seja, faria parte das zam em cada esfera de produção. O que é claro porém
responsabilidades do sistema escolar atuar (embora é que não se pode relegar o avanço nas condições de
nem sempre manifestamente) como um instrumento emprego e remuneração da força de trabalho ao desen-
(inclusive ideológico) para a diferenciação e legitima- volvimento da estrutura de produção. A expansão do
ção da estrutura social. capitalismo pode se dar pela criação de estruturas do-
minadas por ocupações de baixa qualificação e produ-
A esfera do trabalho acolhe - e se desenvolve - a tividade, nas quais a parcela de força de trabalho en-
partir dessas diferenças preexistentes. Dentro de um volvida diretamente nas indústrias mais produtivas es-
teja, provavelmente, declinando. 46 O efeito dessas ten-
mercado interno de trabalho, outras seriam introduzi-
dências sobre a situação de cada, segmento da classe
das de forma a resguardar o comportamento cons-
trabalhadora dependerá crucial mente das suas respec-
ciencioso dos trabalhadores nas suas tarefas; de ma-
neira a internalizar os padrões de disciplina e legitimar tivas forças de resistência. ~7 A introdução de novas
técnicas, ao forçar a mobilidade e desarticular momen-
as regras distributivas. Por isso, a presença de elemen-
taneamente o processo de produção, tende a romper as
tos estranhos que não conhecessem (e portanto não
bases da organização do trabalho. Entretanto, esse
acatassem) essas diferenças poderia prejudicar seria-
mesmo movimento induz à resistência: os resultados
mente a reprodução contínua de todo o conjunto de
distinções hierárquicas, cuidadosamente planejadas e certamente não configurarão uma simples feição dua-
lista imposta pelo capital.
ferozmente vigiadas. Adicione-se que, na proteção dos
interesses da força interna de trabalho, elas jogariam
um papel igualmente importante - muito embora an- 5. COMENTÁRIOS FINAIS
tagônico. Para os trabalhadores, a defesa contra as for-
cas destrutivas do mercado está no controle da oferta. Ao longo deste ensaio destacou-se que as dificuldades
É comum, portanto, o interesse em selecionar novos comumente encontradas ao se tentar definir, no plano
42 elementos, em resguardar os privilégios conquistados, empírico, o dualismo urbano surgem de diferenças -
em estabelecer, enfim, requisitos que limitem o acesso e inconsistências - nos modelos conceituais utilizados
a certas ocupações. É evidente que nem todos os maus na análise do problema.
elementos podem ser extirpados, e eventualmente até
os bons elementos se rebelam contra a ordem herdada. Na primeira parte, indicou-se que a perspectiva do
Permaneceria, no entanto, o fato que, do ponto de vis-
dualismo com distorções nos preços está fundamenta-
ta da firma e das organizações trabalhistas, os traba-
da em um conjunto de suposições questionável - se
lhadores que sabidamente não possuíssem as carac-
não inteiramente errado - a respeito do processo de
terísticas desejáveis estariam melhor despedidos. mudança tecnológica em países subdesenvolvidos.
Além disso, essa abordagem, ao concentrar-se no pro-
Nessa medida, os segmentos do mercado de traba- blema da escolha da técnica sem, no entanto, conse-
lho, embora tornados interdependentes pelo fluxo de guir especificar satisfatoriamente esse processo, levan-
transações interindustriais, operariam com conjuntos, ta argumentos que se reduzem a proposições gerais que
diferentes de mecanismos institucionais, em estruturas não são necessárias, ou mesmo provavelmente, in-
produtivas diferenciadas. Em um extremo, os cargos fluenciadas pela presença do dualismo.
externos e secundários seriam segregados de partes dos
processos de trabalho típicos das empresas dominan- Depois de rejeitar a noção de dualismo, retomou-se,
tes. A imobilidade (que poderia confundir-se, mas não na segunda parte do trabalho, a discussão sobre setori-
seria um dualismo) surgiria da incapacidade de os tra- zações da economia urbana mas, agora, como mani-
balhadores nesses cargos saírem para posições relativa- festações de uma estrutura única e heterogênea, que se
mente mais privilegiadas nos diversos segmentos inter- expande criando e recriando formas arcaicas de orga-
nos. Haveria, assim, implicações setoriais também nização da produção. Destacou-se que" a articulação'
nessa forma de organização dos mercados de trabalho. do setor informal com o formal, como esfera subordi-
Contudo, é importante reconhecer que, enquanto pos- nada de produção, dá-se por intermédio do capital co-
sa haver uma associação entre o processo de acumu- mercial, visto que - embora gerada sob condições não
lação das indústrias do núcleo oligopolista e a criação propriamente capitalistas - a produção do setor in-
de mercados internos de trabalho, isto não quer dizer formal é uma produção mercantil. Isto é, a análise da
que o mercado de trabalho seja igualmente segmenta- artici.lação entre os dois setores deve repousar sobre o
do entre esferas de produção. Algumas dessas formas movii lento de circulação de mercadorias, inclusive a
de mercado podem associar grupos ocupacionais que força de trabalho - mas não sobre vínculos na pro-
trabalham tanto em firmas grandes quanto em peque- dução, Embora a maioria das firmas pequenas com-
nas. Além do mais, não há motivos por que uma firma partilhem de algumas das características do setor in-

Revista de Administraç40 de Empresas


formal - inclusive subordinação ao grupo de firmas 3 Inelasticidades na provisão de mão-de-obra qualificada apenas re-

dominantes - sua expansão pode não estar em confli- forçaria, evidentemente, as diferenças salariais entre os dois setores.
to com a acumulação de capital ou mesmo com sua 4 Stigler, G. The economies of the minimum wage legislation. In:
crescente concentração. A produção informal, por ou- Burton, Jr., J. F. et alii (ed.) Readings in labor market analysis. No-
tro lado, está sendo continuamente substituída pelo va York,1971,p. 501-7.
capital; subsiste porque há um excedente de mão-de- S Veja Harris, J. & Todaro, M. Urban unemployment in East Afri-
obra no mercado, e não devido a sua própria capacida- ca: an economic analysis of policy a1ternatives. East African Econo-
de de acumulação. mie Review, 4 (2):30, 1968. Não obstante as elaborações posterior-
mente anexadas, este continua a ser o paradigma para os modelos
O mesmo tema foi desenvolvido na parte final. Ao dualistas. Veja, por exemplo, Corden W. & Findlay, R. Urban em-
se considerar o surgimento de segmentações de merca- ployment, intersectoral capital rnobility and development policy.
do dentro de uma economia cada vez mais oligopoliza- Economica, 42(1): 59-78,1975.
da, foram salientados .doís problemas: a) a importân- 6 De acordo com essa teoria, uma redução nos salârios seria justa,
cia de localizar as mudanças não apenas nas relações uma vez que ajudaria os menos favorecidos, isto é, os trabalhadores
técnicas de produção, como também nas relações so- do setor desprotegido. Justamente por isso, ao avaliar os investi-
ciais; b) a falta de estudos concretos sobre esse proces- mentos no setor protegido, a diferença entre os dois níveis salariais
deveria ser calculada como uma parte dos beneficios do projeto. Ve-
so de transformação nas relações de produção, no caso ja, Harberger, A. On measuring the social opportunity cost of la-
das economias latino-americanas. Mesmo' assim, a bor. In: Wohlmuth K. (ed.) Employment creation in developing so-
partir da hipótese de que essas transformações pode- cieties. Nova York, 1973, p. 70. Esta aproximação não consegue,
riam ter sido, ao menos parcialmente, incorporadas entretanto, prever as conseqüências macroeconômicas de tais
políticas: dada uma redução salarial no setor protegido, ele estaria
.nos padrões tecnológicos e administrativos dissemina- capacitado a reduzir a produção desprotegida destruindo empregos.
dos pela internacionalização do capital, sugeriu-se que
uma de suas repercussões seria sobre o processo de 7 O fato de esta não ser uma definição clara do que seria o setor pro-

mobilidade ocupacional. Este, com efeito, tornar-se-ia tegido não parece incomodar a maioria dos autores: "Os cargos do
setor protegido podem ser prontamente identificados pelo fato de
descontínuo - truncado pelas possibilidades de acesso muitas pessoas os desejarem" (Harberger, A. op. cit., p. 68); "el
aos mercados internos de trabalho. concepto dei sector informal es, necessariamente, confuso y sus limi-
tes poco distinguibles, pero normalmente hay pocas dudas para deci-
Conseqüentemente, haveria não um, mas uma série dir en la pratica cuando una empresa debe ser incluida en el sector
de mercados de trabalho. Alguns estariam em fluxo informal" (Lubell, H. apud Villavicencio,J. op. cit., p. 31).
contínuo, e por isso em competição direta, como seria
8 Veja Felix, F. D. Technological dualism in late industrializes:
o caso, por excelência, dos mercados por mão-de-obra on theory, history and policy. Journal of Economic History, 34 (1):
menos qualificada, das categorias menos organizadas 194-238, 1974. Consultem-se, também, os comentârios de F. Ste-
sindicalmente e daqueles associados às pequenas em- ward em Technology and undervelopment, Londres, 1977, especial- 43
presas na esfera mais competitiva do mercado. Outros, mente capítulo I.
no entanto, estariam efetivamente compartimentaliza-
9 Pratten, C. Economies of scale in manufacturing industries, De-
dos. O acesso a esses mercados requereria, então, partment of Applied Economies Occasional Papers, n? 28. Cam-
uma série de pré-requisitos pouco acessíveis, além de bridge, 1971. Também a esse respeito, cabe recordar que, a presença
normas de admissão formalizadas. Nessa medida, a de economias de escala é apenas uma manifestação de crescente divi-
passagem de uma ocupação informal para um empre- são e especialização do trabalho, do fato que "a mudança (em um
processo de produção) acaba progredindo e propagando-se de for-
go formal não necessariamente implicaria, para o tra- ma cumulativa" (Young, A. Increasing returns and economic pro-
balhador, uma perspectiva salarial mais vantajosa. Ele gress. Economic Journal, 38 (4): 533, ,1928). Dessa forma, como ar-
ganharia apenas no caso em que pudesse ter acesso às gumenta Kaldor, a acumulação e intensificaçlo do capital teriam
posições de um mercado interno de trabalho - seja es- pouco a ver com o papel de preços relativos mas "acaba sendo um
subproduto e não a causa de expansão de produção" (Kaldor, N.
te organizado empresarialmente ou em torno de algu- What is wrong with economic theory. Quarterly Journal of Econo-
ma categoria sindical. mies, v. 89, p. 347-57,1975).
10 Ou, alternativamente, que enquanto os processos centrais pos-
suem tecnologia rígida, os serviços ancilares não os têm. Veja, por
exemplo, Ranis, G. La absorción de fuerza de trabajo en el sector in-
dustrial. Demografia y Economia, 6 (3): 319-40, 1972.

11 Os trabalhos recentes sobre esse assunto, inclusive estudos de ca-


sos, silo numerosos. Pode-se encontrar uma exposição concisa da
teoria em Caves, R. International corporations: the industrial eco-
nomics of foreign investment. Economica, 38 (149): 1-27. 1971.
Veja também Hymer, S. The multinational corporation and the law
of uneven development. In: Bhagwati, J. (ed.) Economtcs and world
order. Nova York, 1972~p. 113-40 e Merhav, M. Technological de-
pendence, monopo(y and growth. Oxford, 1969.
I Com efeito, fomos tentados a acrescentar ao ensaio a seguinte
máxima: "O setor informal é como uma girafa: difícil de descrever 12 Tais raciocínios 510 desenvolvidos em Morley, S. e Smith, G.:
mas fácil de reconhecer" , atribuído a H. Singer. The choíce of technology: multinational firms in Brazil. Economic
Development and Cultural Change, 25 (2): 239-64, 1977.
2Veja, especialmente, Villavicencio, J. Sector informal y población
marginal; também Raczynski, D. EI sector informal urbano: contro- 13 Veja Boon, G. La selección de la tecnologia apropriada para los
versias e interrogantes; Tokman, V. An exploration into the nature paises subdesarrolades. In: Wionczek, M. (ed.) Comercio de tecno-
ofinformal-formal sector interrelation-shipes; Muiloz, O. Dualismo logiaysubdesarroloeconomico. México, D. F., 1973, p. 59.
y mercados laborales: antiguos y nuevos enfoques, todos reunidos
em Clacso. Seminário sobre el sector informal urbano. Caracas, 14 Morley S.&: Smith, G. op. cit., p. 261. Aplica-se, aparentemente,
maio 1976 e Santiago, agosto 1977. também' indústria de construção de grandes obras. Um estudo re-

Organização dos mercados de trabalho


cente sobre o caso argentino conclui que: "Em essência, a corrente trial de reserva situada no meio urbano reproduz-se no interior deste
tecnológica esteve associada à necessidade de incorporar novas téc- setor informal, permanecendo, assim, sempre uma matéria dis-
nicas ou processos que permitissem enfrentar volumes crescentes de ponível à valorização do capital, a qual se recorre sempre que o rit-
obra" Vitelli, G. Cambio tecnológico, estrutura de mercado y ocu- mo de acumulação exigir" (Comentários, texto apresentado na VI
pación en la industria de la construcción argentina. EI Trimestre Reunião Anual da ANPEC, 1978).
Econômico, v. 45, p. 1.004, 1978.
23 Assim, o excedente de mão-de-obra exerce uma influência na di-
IS Ibid., p. 260. Ver as outras refe'rências neste sentido também em reção do progresso técnico sem, contudo, justificar o raciocínio sim-
Steward, F. op. cit., p. 46-7. plista segundo o qual, em todos os casos, as técnicas mais mecaniza-
das seriam as mais úteis ao capital. Como observa G. Kay, "mesmo
16 Isto supondo que: a) iodo'o equipamento opera com igual efi- nas condições de desemprego em larga escala, é a própria lógica da
ciência durante toda sua vida útil; b) a durabilidade esperada de to- acumulação que faz com que a adoção de técnicas de produção ap-
do o equipamento novo é igual; c) a mudança tecnológica influi ape- tas a oferecerem emprego apenas a uma parcela limitada do proleta-
nas na produtividade do trabalho e nos custos unitários. de investi- riado disponível seja um curso de ação racional. O capital não tem
mento; d) o valor de revenda do equipamento usado é desprezível. imperativos econômicos, e muito menos morais, que o obriguem a
Veja, Versiani, F. Industrialização e emprego: o problema da repo- criar pleno emprego" (Development and underdevelopment. Lon-
sição de equipamentos. Pesquisa e Planejamento Econômico, 2 (I): dres, 1975, p. 153.)
3-54, 1972, também, Salter, W. Productivity and technical change.
Londres, 1966, cap.IV. 24 Destaque-se que os itens b) e c) "ocorrem basicamente ao nível
de mercado e portanto já supõe uma estrutura produtiva de corte ca-
17 Os leitores familiarizados com a bibliografia latino-americana
pitalista como pano-de-fundo". O item a), entretanto, "está direta-
não deixarão de observar que esta perspectiva de estrutura de pro- mente ligado ao desenvolvimento das forças produtivas" (Camargo,
dução heterogênea já foi há muito formulada, principalmente por J. Comentários, texto apresentado na VI Reunião Anual da AN-
A. Pinto. Veja seu Concentración dei progresso tecnico y sua frutos PEC, 1978).
'en el desarrollo latinoamericano. EI Trimestre Economico, n. 125,
p. 3-69,1965.
2S Isso nã~ quer dizer, no entanto, que o crescimento de uma econo-
IRHoje, esta já é uma conclusão, geralmente aceitável, do assim mia (onde o setor informal é quantitativamente importante em ter-
chamado debate de Cambridge. A referência-padrão é Harcourt, G. mos de própria produção) não seja afetado - ao nível do desenvol-
Some Cambridgecontroversies in the theory of capital. Cambridge, vimento das forças produtivas - pela presença e reprodução das ati-
1972, especialmente o capítulo 4. Pode encontrar-se uma clara e vidades informais. Recorda-nos J. Camargo que "o segmento pro-
competente exposição da crítica em Pasinetti, L. Lectures in the dutivo gerador do setor informal tem uma dinâmica própria ... po-
theory of production. Nova York, 1977, especialmente capítulo 6. dendo inclusive, dependendo das condições objetivas da economia,
oferecer séria resistência ao desenvolvimento do capital", em certas
esferas da produção (lbid.).
19 Deve-se esclarecer que este é um problema teórico a respeito da
consistência do raciocínio marginalista. Se o capital só pode ser me-
dido por meio de uma redução a unidades de trabalho datado, como 26 Por ser uma das contribuições que enfocaram mais claramente o
segundo Sraffa, a reversão é, na verdade, uma possibilidade exe- problema do trabalho informal do ponto de vista da estrutura de
qüível no conjunto de resultados possíveis. É esta possibilidade que competição, o texto faz especial referência ao trabalho de P. Souza
& V. Tokman, EI sector informal urbano. In: Clacso (ed.). EI em-
44 traz consigo a impossibilidade de interpretar-se inequivocamente o
efeito dos preços relativos na substituição entre capital e trabalho, pleo en America Latina. México, O. F., 1976, p. 61-83.
em qualquer situação. Veja Pasinetti, L. op, cit., p.173. De fato, no
contexto de modelos de produção não se justifica falar de substi- 27 Como foi levantado por Ekerman, R. esta é uma conseqüência
tuição entre insumos em resposta aos preços dos fatores. Como, de- direta da suposição de uma taxa única '(competitiva) de lucros com
monstra Pasinetti: "se a quantidade física de qualquer insumo au- processos de produção heterogêneos. Suponha-se a seguinte identi-
menta, em relação a quantidade física de outro insumo, não há ab- dade contábil:
solutamente nenhuma razão para se esperar, na nova situação tde
equilíbrio, uma queda no preço do primeiro insumo em relação ao P=K+W+S
segundo insumo", (On non-substitution in production models. onde: P é o preço total; K é o valor do estoque de capital fixo e das
Cambridge Journal of Economics, v. I, p. 392, 1977). matérias-primas usadas na produção (para simplificar, presume-se
que o capital desvaloriza-se completamente em um período de pro-
dução); W é a folha salarial e O são lucros brutos. Definindo a
20 Outra objeção levantada contra esta interpretação é que ela pres-
supõe, erradamente, que os salários podem ser alterados sem afetar (P/C), onde C = (K + W), tem-se que: a = I + (O/C) ou, O
a eficiência do trabalho, 'ou o que é algumas vezes chamado de (a - I) c. O índice de lucros é dado por r = (O/K). Ou, r
"eflcíêncía-X". Como coloca Steward, F. "a taxa de salários ne- (a - I )/(K/C). Mas, por defínicão (K/CJ = K/(K + W) = I/I -r
cessária para a obtenção de preços de fatores 'não-distorcidos' está (W/I\). Portanto, r = (a - I) (1 + W/K). Conclui-se que se r é fi-
freqüentemente abaixo do que é necessário para a manutenção do xo, os setores com uma razão W / K baixa terão que contrabalançá-Ia
nível de eficiência - e, portanto, é incompatível com a tecnologia com um mais alto, isto é, um mark-up mais alto sobre os custos. Ve-
moderna" (Steward, F.op. cit., p. 47.) ja Ekerman, R. Parcela salarial e tamanho de firma. Pesquisa e Pla-
nejamento Econômtco, v. 8,1978, p, 231-240.

21 Apud Gaudemar, J. Mobilidade do trabalho e acumulação do ca- 28 Esse resultado foi documentado em Almeida, A. Labor market
pital. Lisboa, 1977, p. 289. Essa tendência materializa-se de maneira dualism and industrial subcontracting of low skill service workers in
especialmente dramática na transformação de formas econômicas Brazil.Dissertação de Ph. Dinão-publicada, Universidade de Stan-
pré-capitalistas, como é geralmente o caso .da modemização da agri- ford,1976.
cultura. Nesse respeito, essas deslocações freqüentemente envolvem
decisões migratórias, que podem, então, ser compreendidas não
29 O mesmo aconteceria se os produtos fossem comercializados a
apenas como o resultado de um processo de maximização individual
(ou familiar), mas, fundamentalmente, como a expressão de trans- preços mais altos, mas os lucros comerciais apropriados por capita-
formações históricas na estrutura de sistemas socíaís localizados. listas. Entretanto, se a produção de alguma mercadoria for domina-
da por produtores informais - e se para estimular sua produção se
estabelece uma política de preços mínimos - surgiriam, então, con-
22 Isto é, a folha salarial total no setor formal (o cu~to da parte ativa dições para a coexistência de produtores formais e informais em
da força de trabalho e das transferências para os desempregados que uma mesma atividade. Mais do que isso, estimular-se-ia a expansão
formam sua reserva) será comparativamente menor. Em parte, por- do capital mercantil engajado na comercialização do produto infor-
que uma parte da força de trabalho relevante pode ser mantida sem mai, produzido a menor custo, mas vendido a igual preço. Essa si-
receber salários ou transferências semelhantes. Mas, também, por- tuação parece caracterizar algumas áreas da produção agrícola.
que a presença da massa de trabalhadores excedentes, influi negati-' Difere-se, outrossim, de mecanismo por trás do surgimento das ren-
vamente nas possibilidades de ganhos salariais pelos empregados. das (fundiárias) diferenciais. Nesse caso, o maior preço do mercado
Com efeito, como observa Ari Anabuki, "a parte do exército índus- viabiliza os maiores custos de produção nas terras marginais (tipica-

Revista de Administração de Empresas


mente ocupadas por mini fundiários) dando origem a sobrelucros cognitivas. Em uma análise recente,H. Braverman (Labor and mo-
nas produções mais eficientes, parte das quais assumirão a forma de nopoly capital, Nova York, 1974) ressalienta a inclinação, já detec-
rendas fundiárias. tada por Marx, para a redução do trabalho humano a séries pro-
gramáveis de atividades repetitivas, isto é, à desqualificação do tra-
30 As transferências intersetoriais estão no fundo tanto do assim balho. É importante ressaltar, entretanto, que essa tendência (a des-
chamado problema de transformação, quanto do sistema de truição de habilidades devida à crescente divisão de trabalho) não é
equilíbrio sraffiano. Embora os dois não sejam iguais (Veja Pasinet- incompativel com as exigências de treinamento especifico para al-
ti, L. op. cit., p. 127-128), ambas implicain - dada a unicidade da guns grupos de atividades. Embora o .trabalho semiqualificado seja
taxa de lucro - transferências ou de valor (em proporção ao capital extremamente - em alguns casos, horrivelmente - simples, sua
variável, no sistema marxista), ou de lucros (em proporção ao capi- execução requer a aprendizagem rotineira de um certo número de
tal total, no sistema sraffiano). Surgem trocas desiguais toda vez que procedimentos, do contato geral com as regras e disposições regula-
mercadorias produzidas com um custo de' trabalho relativamente mentares da empresa. Veja, a esse respeito, Ehrenreich, J. & B.
baixo são trocadas por mercadorias nas quais a proporção de custos Work and consciousness. Monthly Labor Review, 28 (3): p. 10-8,
do trabalho no custo total é mais alta. 1976.

31 Emmanuel, A. A troca desigual, Lisboa, 1973, especialmente v. 38 Marglin, S. What do bosses do? Department of Economics,
I, capitulo 4. Ao fazer essa afirmação, o autor, seguindo o exemplo Harvard University, 1971.
de C. Benetti (Valeur et repartition, Paris 1974, capo 4-3) refere-se
ao que tornou conhecido como o erro na análise de Marx do proble- 39 Edwards, R. et alii, op. cit., p. XIII.
ma de transformação. Ele raciocina, corretamente, que, no esquema
original, as mercadorias produzidas são avaliadas em seus preços de 40 Com efeito, tendo em vista que o avanço do maquinismo e da ho-
produção, mas as mercadorias utilizadas como meio de produção mogeneização do trabalho encontrou, nas novas práticas adminis-
são medidas em termos de valor. Estas, todavia, também deveriam trativas (cf. taylorismo,fordismo etc.), um método adequado de
ser avaliadas em termos de preços. Mas,nesse caso, a taxa de lucros organizar as relações sociais de produção e que, de certa forma,
seria uma relação entre preços e não poderia ser conhecida antes dos prescindia desses privilégios, a própria criação de mercados internos
outros preços, mas, simultaneamente com eles. O fato que Emma- seria uma indicação, não do poder unilateral do capital, mas da re-
nuel esteja certo neste aspecto não quer dizer absolutamente que sua sistência oferecida por alguns movimentos sindicais. A defesa dos
interpretação em particular esteja correta. Sobre isso, ver o debate trabalhadores contra a competição no mercado esteve sempre cen-
com C. Bettlheim reproduzido como o segundo volume da edição ci- trada na organização de áreas da oferta de trabalho. Certas asso-
tada. ciações profissionais tradicionalmente controlaram a entrada de no-
vos trabalhadores em algumas ocupações, fábricas ou localidades.
32 Ainda que, em qualquer momento, algumas explorações econô- , Por meio desse mecanismo, os trabalhadores organizados não ape-
micas podem estar temporariamente auferindo retornos inferiores à nas aumentavam seu poder de barganha, mas diminuiam o poder
taxa de lucros prevalecente (adaptada para sua classe de tamanho de dos demais trabalhadores externos. Pelo menos essa parece ter sido
categoria de risco etc.), a reprodução do sistema garantiria que, a experiência inglesa. Veja Rubery, J. Structured labour markets,
com o passar do tempo, ou essas firmas desapareceriam, ou se reabi- worker organization and low pay. Cambridge Journal of Econo-
litariam. O que é intrinseco ao setor informal é que, contrariamente 'mies, v. 2, p. 17-36, 1978.
a este mecanismo de competição, suas empresas estão sempre no
contingente sub-remunerado. E, o que é mais, a reprodução do siste- 41 Podem-se encontrar algumas notas sobre a operação de mercados
ma perpetua esta conseqüência. internos de trabalho no Brasil em Morley, S.; Barbosa, M. & Sou-
45
za, M. Evidence on the internai labor market during a processof ra-
33 Nossa análise acompanha os argumentos encontrados em Sylos- pid economic growth. Brasília, IPEA/CNRH/PNUD, 1977; Moura'
Labini, P. Oligopoly and technical progresso Cambridge, 1969 e Castro, C. & Mello e Souza, A. MiJo-de~obra industrial no Brasil.
I' Technical progress, prices and growth: an introduction. Trabalho Rio de Janeiro, 1974; Macedo, R. Uma interpretação alternativa da
apresentado no Seminário sobre Progresso Técnico e Teoria Econô- correlação entre emprego e salário nos estudos de demanda de mão-
mica, Campinas, 1974. de-obra. Pesquisa e Planejamento Econômico, 16 (1): p. 241-66,
1976.
34 Sylos-Labini, P. op, cit., p. 10. Por outro lado, o processo de in-
ternacionalização dos mercados domésticos, que ocorreu diferen- 42 Mesmo em situações de repressão ostensiva dos direitos dos tra-
cialmente nos paises latino-americanos, dependeu, da mesma for- balhadores, como foi a experiência brasileira mais recente, alguns
ma, das forças econômicas preexistentes nessas economias e de pe- segmentos da força de trabalho conseguem resistir - nesse caso,
culiares combinações políticas de interesses locais e estrangeiros. perder menos que os demais. Os dados apresentados, pelo Dieese (en-
Dez anos depois da publicação do trabalho de F. H. Cardoso e E. tre outros) reforçam as conclusões de que, entre 19'61 e 1976 "as
Falleto há poucos que contestariam seriamente a importância dos maiores quedas de salários reais aconteceram nos, agrupamentos de
problemas lá levantados, mesmo que alguns possam discordar de al- trabalhadores'de salários mais baixos" (p. 31). Por outro lado, "a
guns aspectos dos argumentos específicos, comparação da distribuição de 1956 com' a de 1961 demonstra ...
Que os ganhos (de uma categoria profissional mais forte como é a
35 Acompanhamos a bibliografia norte-americana recente sobre o dos metalúrgicos) em uma época de relativa liberdade das campa-
assunto. Veja, especialmente, Edwards, R. et alii (ed.). Labor mar- nhas salariais vão se refletir na distribuição de salários" (p. 15),
ket segmentation. Lexington, 1975. Mais recentemente, S. Bowles e (Distribuição ealarial em São Paulo, segundo guias de contribuiçãO
H. Gintis tentaram, alguns diriam que sem sucesso, integrar formal- salarial. São Paulo, dezembro de 1977).
mente a noção de mercados segmentados no contexto da teoria do
valor-trabalho. Veja: The marxian theory of value and heteroge- 43 A complexidade das situações concretas anularia qualquer esfor-
neous labour. Cambridge Journal of Economics, v. I, p. 173-92, ço na direção de idealizar novas dicotomias. Assim, a tendência de
1977. os mercados externos se concentrarem nas empresas menores não
36 Apesar disso, vários autores - inclusive aqueles que difundiram impossibilita o fato dessas empresas terem ou, eventualmente, parti"
o uso corrente do termo - tratam o conceito como um addendum à ciparem de mercados internos. Inclusive, é provável (e esse ponto,
teoria neoclássica. Por meio dele pretendem adequar essa teoria à ri- eu devo à observação de Carlos Nascimento Gonçalves) que essas
gidez observada na contratação e treinamento de mão-de-obra; nes- posições sirvam de aprendizado inicial para os mercados internos
sa medida, os mercados internos seriam apenas a aparência institu- das empresas maiores.
cional que assume o fator trabalho quando ele se torna um fator
-14 É irônico que, aquilo que foi uma vez revolucionário, seja agora
quase fixo e não variável de produção. Mais adiante voltaremos a
tratar essa questão. arcaico e marginal. Num extremo, essas formas elementares de orga-
nização do trabalho viriam a corroborar a advocacia satânica do Dr.
37 No livro Internai labor markets and manpower analysis, P. Doe- Ure, que afirmava: "A principal dificuldade (na implantação do sis-
ringer e M. Piore Lexington (1971) apresentam e desenvolvem essas tema industrial de produção) não consistia tanto na invenção de um
idéias baseando-se em detalhadas pesquisas nas indústrias norte- mecanismo automático ... a dificuldade consistia antes na disciplina
americanas. Por habilidades queremos dizer um conjunto de atri- necessária para fazer renunciar os homens aos seus hábitos irregula-

I
buições bastante genérico, nem todas das quais são necessariamente res no trabalho e identificá-los com a regularidade invariável do

1-
Organização dos mercados de trabalho
grande autômato ... essa foi 'a sobre-realização de Arkwright!" tion to generation. Journal of Political Economy, Supplement v. 80,
Mark. K. Capital. Nova York, 1977, p. 348-349. v.1. p. S. 219-S. 251,1972.
46 Braveman, por exemplo, sugere que o período de capítalismo mo-
~5 A esse respeito, é pertinente recordar a seguinte observação de nopólico tem-se caracterizado, entre outras coisas, pela redução
Althusser: "Além de ... técnicas e conhecimentos ... a escola (ensi- progressiva das qualificações na massa de trabalhadores e pela redis-
na) as 'regras' do bom comportamento; isto é, a atitude que deveria tribuição do emprego para aquelas ocupações onde os aumentos de
ser observada por todo agente na divisão do trabalho, de acordo produtividade têm sido menores. Veja Labor and monopoly capi-
com o cargo que a ele é 'destinado': regras de moralidade, consciên- tal... também, Rubery, J. Structured labor markets, worker organi-
cia profissional e civica, o que na verdade significa regras de respeito zation and low pay, p. 23-8.
pela divisão sociotécnica do trabalho e, enfim, as regras da ordem
estabelecida pela dominação de classe" (Ideology and ideologica1 47 Além, é claro, da força política do poder sindical. A esse respeito

state apparatuses - notes towards an investigation. In: Cosin, B. veja Crouch, C. Class conflict and the industrial relations crisis.
(ed.) Education: structure and society, Harmondsworth, 1972, p. Londres, 1977, também Dieese, op, cito
245. Veja também Bowles, S. Schooling and inequality from genera- 48 Beneficiamo-nos. aqui, dos comentários de A. Anabuki, op. cit.


46

Crescem os políticas,
apelos para a econômicas e
adoção do voto sociais da sua adoção?
distrital no Brasil. A quem interessa?
Mas o que é o voto Leia o livro e tire você
distrital? Ele é viável? mesmo suas 381 pp,
Quais as repercussões conclusões. Cr$ 75

Mais um bom livro da

FUNDACAO GETULIO VARGAS/EDITORA


Caixa Postal 9.052 - CEP 20.000 - Rio de Janeiro.

Revista de Adminlstração de Empresas

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