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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SP

Maria Eloísa Mota

REDES DE (RE)CONHECIMENTO:
o impacto da introdução das novas tecnologias na gestão escolar

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO E CURRÍCULO

SÃO PAULO
2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC – SP

Maria Eloísa Mota

REDES DE (RE)CONHECIMENTO:
o impacto da introdução das novas tecnologias na gestão escolar

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Programa de Pós-graduação – Doutorado em
Educação: Currículo, como exigência parcial para a
obtenção do título de Doutor em Educação, sob a
orientação do Prof. Dr. Fernando José de Almeida.

SÃO PAULO
2018
FICHA CATALOGRÁFICA

1. Autor: Mota, Maria Eloísa

2. Título: Redes de (re)conhecimento: o impacto da introdução das novas tecnologias na


gestão escolar

3. Programa: Educação: Currículo. PUC-SP. São Paulo: São Paulo, 2018

4. Nº de folhas: 201f

5. Grau: (X) tese (doutorado)

6. Área de Concentração: Educação: Currículo

7. Orientador: Prof. Dr. Fernando José de Almeida

8. Descritores: Educação e Currículo

9. Palavras-Chave: Coordenador pedagógico; Sistema de Gestão do Pedagógico; Gestão do


Conhecimento; Currículo; Rede Digital.
MOTA, M.E.Redes de (re)conhecimento: o impacto da introdução das novas tecnologias na
gestão escolar. Tese (Doutorado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São
Paulo,2018.
BANCA EXAMINADORA

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Esta pesquisa contou com o apoio financeiro da CAPES e do CNPq. Processo
nº. 88887.148135/2017-00.
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, professor Fernando José de Almeida, com quem aprendia


lição de solidariedade entre professor e aluno, com a qual tive o prazer de
contar.

Às professoras Maria da Graça Moreira e Paula Carolei, pela pertinência das


questões levantadas e sugestões para o desenvolvimento desta pesquisa.

À minha família, pelo conforto afetivo nos momentos decisivos desta tese.

Aos meus amigos Ricardo Camargo e Marisa Mascarenhas, pelo


companheirismo e encorajamento.

À Clarice Guedes Botelho e Fátima Bissoto, amigas de longa data que mesmo
distante marcaram importante presença na minha vida profissional e
acadêmica.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação e Currículo da


Pontifícia Universidade Católica da cidade de São Paulo, por direta ou
indiretamente auxiliarem na construção deste estudo.

Às Coordenadoras da Prefeitura de São Paulo, pelo acolhimento, atenção e


informações dadas, assim como por contribuírem com as reflexões sobre o
trabalho do coordenador, tornando suas as minhas questões e apoiando-me
em momentos decisivos deste trabalho.

A CAPES/CNPQ, pelo financiamento desta pesquisa.


Ofereço este estudo:

À minha mãe,

Aos meus irmãos

Aos meus sobrinhos

Aos meus amigos.


RESUMO

O debate sobre a sociedade da informação e a gestão do conhecimento vem


sendo amplamente discutido nas últimas décadas. Esta pesquisa tem como
objetivo investigar o impacto das tecnologias na gestão do pedagógico,
verificando como essa nova modalidade repercute no trabalho do coordenador
pedagógico do município de São Paulo. A metodologia utilizada foi a
abordagem qualitativa, aplicada com entrevistas semiestruturadas, com
questões abertas. Os sujeitos de pesquisa são coordenadores pedagógicos
que atuam em diferentes escolas do município de São Paulo. A interpretação
dos dados ocorreu por meio da análise das narrativas desses coordenadores
cujas experiências, articuladas, evidenciaram elementos de uma ação
pedagógica em processo de mudança sob o impacto de um Sistema em rede
digital. Os entrevistados consideram, na conceituação do Sistema, a
articulação de todas as estruturas para a formação de uma totalidade orgânica.
Os dados analisados mostram que o Sistema de Gestão do Pedagógico
repercutiu no trabalho do coordenador com várias atividades educativas já
consolidadas, entre elas, o uso dos registros de planejamento, notas, faltas,
acesso da comunidade à vida escolar do aluno, informações que dão uma
visão geral do desenvolvimento do ensino e aprendizagem da unidade escolar.
Um Sistema de rede eficiente poderia alavancar outras ações educativas e
implicar em um avanço de qualidade no ensino aprendizagem.

Palavras chaves:
Coordenador Pedagógico; Sistema de Gestão do Pedagógico; Gestão do
Conhecimento; Currículo; Rede Digital.
ABSTRACT

In recent decades, the debate on the information society and knowledge


management has been widely discussed. This research aims at investigating
the impact of technologies on the pedagogical management, investigating how
this new modality affects the work of the pedagogical coordinator in São Paulo
city. A qualitative methodology was applied with semistructured interviews and
open questions. The research subjects are pedagogical coordinators working at
various schools in São Paulo city. The data interpretation occurred through the
narrative analysis of the interviewed coordinators whose experiences, once
articulated, showed elements of a pedagogical action undergoing changes
under the impact of a digital network system. In the conceptualization of the
system, the interviewees consider the articulation of all the structures for the
composition of an organic totality. The data analyzed show that the Pedagogical
Management System had repercussions on the coordinator’s work with several
already consolidated educational activities. An efficient network system could
leverage other educational actions and imply a quality advancement in teaching
learning.

Key-words:
Pedagogical Coordinator; Pedagogical Management System; Knowledge
Management; Curriculum; Digital Network.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
Delineando caminhos: a tese, a escolha do tema e as perguntas que me
instigaram ......................................................................................................... 15
Os caminhos da pesquisa ................................................................................ 17
Meus maiores desafios: Por onde vou e o que vejo ......................................... 20
Profissão: Professora ....................................................................................... 22

CAPÍTULO I
1. METODOLOGIA........................................................................................... 29
1.1 As etapas da pesquisa,objeto e contexto de investigação ......................... 33
1.2 Era uma vez: o tempo das narrativas e os coordenadores pedagógicos....37
1.3 Fazeres da pesquisa ................................................................................ ..38

CAPÍTULO II
2. A HISTÓRIA E O TEMPO ............................................................................ 41
2.1. O tempo das tecnologias ........................................................................... 50
2.2. O tempo de pensar a escola e as tecnologias........................................... 55

CAPÍTULO III
3. ONTEM E HOJE: REATANDO LAÇOS E TECENDO NOVOS SABERES .. 64
3.1 Articulações entre redes e conhecimento................................................... 67
3.2 O sistema de gestão do pedagógico .......................................................... 75
3.3 Articulando profissão e gestão do conhecimento ....................................... 80
3.4 Construindo sujeitos: o lugar que eu ocupo ............................................... 87

CAPÍTULO IV
4. TEMPO E CONHECIMENTO ....................................................................... 91
4.1 A gestão do conhecimento ......................................................................... 97
4.2 O currículo e a construção do conhecimento ........................................... 102
4.3 Entre Bites e bytes ................................................................................... 107

CAPÍTULO V
5. ANÁLISE DE MUDANÇAS: narrativas em foco ......................................... 118
5.1 Articulações entre visões, significados e desejos..................................... 124
5.1.1EIXO 1: contando o que vejo.................................................................. 127
5.1.2 EIXO 2: o que o SGP promete, mas não cumpre.................................. 133
5.1.3 EIXO 3: articulando discursos sobre desejos ........................................ 143
5.2 Entrelaçando histórias .............................................................................. 150

6. CONCLUSÕES ............................................................................ 154

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 160

ANEXOS ........................................................................................................ 169


APÊNDICE ..................................................................................................... 170
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Princípios fundantes do conceito de sistema em Ciências Sociais 68


Quadro 2 - Unidades Educacionais .................................................................. 71
Quadro 3 - Diretoria Regional de Educação – DRE ......................................... 73
Quadro 4 - Diretoria de Orientação Técnica/SME ............................................ 74
Quadro 5 - Elementos conceituais e organizativos do SGP ............................. 78
Quadro 6 - Carga desigual entre informação e conhecimento ......................... 97
Quadro 7 - Conhecimento: elementos mutuamente dependentes ................... 99
Quadro 8 - Respostas às novas demandas para o currículo.......................... 115

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Dado, informação e conhecimento ................................................ 102


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

SGP Sistema de Gestão Pedagógico


EU Unidade Escolar
DRE Diretoria Regional de Educação
SME Secretaria Municipal de Educação
RMESP Rede Municipal de Ensino de São Paulo
DOT-P Diretoria de Orientação Técnica - Pedagógico
PPP Projeto Político Pedagógico
TIC Tecnologia da Informação e Comunicação
NTIC Novas Tecnologias da Informação e Comunicação
RBLA Revista Brasileira de Lingüística Aplicada
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
14

INTRODUÇÃO

Há um tempo
Há um tempo em que é preciso abandonar
as roupas usadas...
Que já têm a forma do nosso corpo...
E esquecer os nossos caminhos que nos
levam sempre aos
mesmos lugares...
É o tempo da travessia...
E se não ousarmos fazê-la...
Teremos ficado...para sempre ...
À margem de nós mesmos...
(Fernando Teixeira de Andrade)

Delineando caminhos: a tese, a escolha do tema e as perguntas que me


instigaram

Escrever uma tese é articular palavras, esquecer do tempo, mergulhar e se


encharcar daquilo que se propôs, ser conduzido por diferentes olhares e saber
que essa experiência, mesmo após ter sido concluída, vai sempre existir em
você. É um tempo diferente, que envolve incertezas e descobertas, paradas e
continuidades, alegrias e medos, vontade de desistir de tudo e de continuar. É
um processo que vai sendo construído, ganhando corpo. Inicia de forma
cambiante, provisória, com palavras emprestadas de diversos autores e de
saberes de outros e que, gradualmente, vai sendo compreendido, incorporado,
auxiliando o autor a acreditar que suas aspirações se tornam maiores que seus
impasses.

Nesse processo, cada vez mais, fui sendo aprisionada pelo desafio da escrita,
do repertório, da explosão de palavras que não vinham, do compromisso e do
prazer de novas descobertas. Nascia, assim, uma nova consciência de que eu
não deveria me ater a algumas abordagens já vastamente exploradas, mas dar
ênfase àquilo que era central na minha investigação: a gestão do pedagógico.
Nessa busca por uma alternativa da não repetição do mesmo, de não ficar
atada a uma abordagem já saturada, voltei no “tempo” e entendi que ele me
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permitia reflexões fundadas na noção de um processo gradual, de


transformações, ressignificado pelas técnicas e tecnologias. Nesse contexto,
era possível fazer um recorte do tempo em alguns clássicos sem retomá-los
em sua íntegra, mas situá-los em linhas gerais, naquilo que poderia ser um
processo de evolução da sociedade em momentos distintos - todos os autores
citados marcam o tempo, dão uma tonalidade diferente, renovada, alterando
aquilo que chamamos de desenvolvimento social por meio de rupturas,
tensões, repetições e avanços.

Esse fio condutor abriu a possibilidade de interlocução com os autores e de


produzir a experiência de transitar no universo social, recuperando alguns
momentos históricos, determinantes, para chegar ao que a escola atual tem de
inovador, nessa experiência no/do tempo que se pressupõe diferença naquilo
que é a sua força motriz: ensino aprendizagem.

A minha ideia inicial era discorrer sobre as tecnologias. Contudo, ao me


aproximar da temática, mudei a trajetória, partindo para novas buscas. Nascia,
assim, o movimento de ajuste daquilo que viria a confirmar significações na
minha produção, desdobramentos, deslocamento de ideias e percepção da
formação de um novo caminho que, apesar de preservar algumas
possibilidades, liberaria outras de sua direcionalidade, sem mudar radicalmente
as noções de implicações das tecnologias no desenvolvimento, estreitando e
aprofundando nos dados do Sistema de Gestão do Pedagógico (SGP) as
transformações que estes poderiam imprimir na educação.

Foi partindo da minha experiência como coordenadora e do desejo de realizar


uma pesquisa sobre as repercussões desse SGP em rede digital no trabalho
do coordenador pedagógico, agora sob outra lógica, que surgiram alguns
questionamentos que me conduziram a outros aspectos nos quais está inserido
o trabalho do coordenador.

Levaram-me a um processo de reflexão, a uma busca para procurar


desvendar, mesmo que um pouco livremente, mas legitimando no processo de
construção da tese, conceitos que se constituem como pilares de sustentação
epistemológicos: Quem são os coordenadores e como estão transformando
informações em conhecimento? O que mudou na ação formadora dos
16

docentes? Quais discursos estão sendo produzidos sobre o SGP? Quais


significados estão articulados nas narrativas dos coordenadores pedagógicos
quanto a como esse SGP em rede digital reflete formas de organização e de
ajustes no processo ensino aprendizagem?

Os caminhos da pesquisa

Em um primeiro momento, dois modos de conceber os registros pedagógicos


nas escolas do município de São Paulo levaram-me a refletir sobre linguagens
distintas: uma que tinha como suporte o registro no papel, o descarte, em uma
tradição escolar de longa data; e outra, o registro digital.

Era fundamental ampliar o conhecimento sobre as mudanças na sociedade


contemporânea e a inserção nas escolas do Sistema de Gestão do Pedagógico
(SGP) em rede digital. Antes de ocorrerem, gerir o processo educacional era
acompanhar o diário de classe, em uma estrutura mais simples, uma relação
corpo a corpo e uma visão mais individualizada da produção docente.
Atualmente, com a utilização de um SGP em rede digital, os registros no papel
foram excluídos, a visão foi ampliada, e novos desafios emergiram. Foi assim
que a questão tempo levou-me ao fio condutor desta pesquisa. Reconstruído
sobre alguns olhares, deu coerência à investigação, possibilitando alcançar a
realidade social em que se inscrevia o SGP que, teoricamente, mudava a ação
coordenadora.

O objetivo da pesquisa impunha uma articulação entre o SGP e o trabalho do


coordenador, ambos imbricados. Articulá-los era, portanto, um pressuposto
básico para evidenciar suas conexões. Considerando-se que os coordenadores
têm como atribuição garantir o currículo e seus desdobramentos no ensino
aprendizagem, procurei, inicialmente, situá-los neste trabalho, esboçando um
panorama de suas atribuições. Inicialmente, isto foi feito sobre o viés de gestão
a partir do olhar de alguns teóricos; e posteriormente, com base na parte legal
de suas atribuições no município de São Paulo.
17

Quanto ao SGP, inserido nas escolas de São Paulo no ano de 2014, não houve
dificuldades em apresentar seu contexto de concepção e as inovações,
motivada pela ideia de qualidade fundada na noção de uma gestão digital.

Procurou-se, então, trabalhar com uma dupla abordagem: 1) buscar no


desenvolvimento histórico a evolução das técnicas e de suas implicações na
educação; e 2) entrevistar coordenadoras de diferentes escolas a fim de se
alcançar elementos que validassem as mudanças em curso.

Com a introdução dessas mudanças, redefinia-se por completo a estrutura do


registro da vida escolar vigente - um material composto de dados dos alunos e
conteúdos que produzem e ou podem produzir campos de diferenças no êxito
escolar, diminuindo as defasagens por meio de uma estrutura com forte
potencial informativo.

Por outro lado, problemas também surgiram nessa fase de transição. Para
compreendê-los, era necessário estabelecer uma aproximação com os
docentes, por meio da qual lidar com a linguagem tecnológica implicava
apropriar-se de suas interfaces que abriam portas de comunicação para
múltiplos conteúdos em diferentes universos. Significava, inicialmente,
aprender a fazer uso e manejo instrumental daquele Sistema, criado
especificamente para as escolas do município de São Paulo e que inspirava
desconfiança, gerando críticas e resistências. Implicava em rever e alterar
formas consolidadas de atuar, de desenvolver novas capacidades para lidar
com os mecanismos digitais que têm uma “complexidade maior”,
principalmente para aqueles que nasceram em uma geração anterior à Era da
informação.

Se as gerações são marcadas por culturas, é nesse entendimento, visto como


natural e como características da sociedade moderna, que Tapscott (2010), em
análise da sociedade americana, cria grupos e apresenta os meios de
comunicação usados por diferentes gerações: a) Geração Baby Boom (1946-
1964): nessa geração, a televisão foi o meio que revolucionou aspráticas
comunicativas e de consumo; b) Geração X (1965-1976): as tecnologias
digitais ganham status nesse novo cenário, “São comunicadores agressivos e
extremamente centrados na mídia” (Tapscott, 2010, p.25); e c) Geração Y ou
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Geração Millenium (1977-1997): nasceu e cresceu com as tecnologias. Por


isso, dominam-nas com facilidade. Destarte, ao contrário das gerações
anteriores, que precisam aprender a lidar com a tecnologia e que costumam
enfrentar dificuldade nesse processo, o oposto ocorre com a geração atual, que
dispõe da tecnologia em seu dia a dia. Conforme aponta Tapscott,

As crianças vêem a tecnologia como apenas mais uma parte de seu


ambiente ea assimilam juntamente com as outras coisas. Para
muitas crianças, usar a tecnologia é tão natural quanto respirar. [...]
Assimilar a mídia digital é fácil em comparação com os outros
desafios da vida. (TAPSCOTT, 1999, p. 38-39)

As resistências quanto as tecnologias e desafios inerentes à introdução de


novos modos de operar criam barreiras sobre a qual o coordenador pedagógico
precisa enfrentar. No início da Era da Informação, os professores, assim como
outros profissionais das mais diversas categorias, sentiram-se desconfortáveis
com mudanças advindas da aplicação da tecnologia. Como argumenta Castells
(2003, p.226), “É um sentimento pessoal de perda de controle, de aceleração
das nossas vidas, de uma corrida interminável rumo a metas desconhecidas –
cujo significado evapora quando são examinadas de perto.”

Com a introdução de diversas mudanças desencadeadas pela tecnologia, o


trabalho do coordenador pedagógico ganha nova tessitura: se ele atuava até
então basicamente no campo individual, agora tem uma visão do todo, da
classe e da Unidade Educacional. Os dados disponibilizados das diferentes
disciplinas oferecem subsídios para intervir no processo ensino aprendizagem,
estreitar as relações com os docentes, possibilitando empregá-los, entrecruzá-
los interdisciplinarmente. O conhecimento em relação ao produzido passa a ser
de inúmeras possibilidades de articulações com os docentes, o currículo, os
resultados, a análise e as tomadas de decisões. Trata-se, de certa forma, de
mudar algo substancial na escola: os procedimentos temporalmente
incorporados na atuação de docentes e gestores.

Nesse contexto, o coordenador precisou assumir um posicionamento, já que


ocupava lugar central dentro da estrutura escolar. Apesar de essa política não
conduzir ao desmonte das orientações curriculares que se ancoram na
tradição, sua base material era outra. O uso do SGP implicava tempo, espaço,
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disponibilidade dos professores que, devido a mudanças, culpabilizavam as


tecnologias por todos os problemas da escola. Em nenhum momento eram
discutidos os avanços tecnológicos, as necessidades contemporâneas ou o
novo tempo da Era da Informação, entre tantas outras questões. Então, o que
ganhava relevo era apenas a alternância, a mudança na forma de registro.

Foi necessário um processo de convencimento do coletivo, cercado de


dificuldades e resistências em um momento de conectividade precária, de
pouca assistência técnica e de falta de informação sobre os dispositivos. Nesse
contexto, os coordenadores eram a referência e, em um universo de tensões,
ajudaram a transformar desconfortos e conflitos em uma formação contínua do
uso das máquinas. Era praticamente impossível ignorar os problemas, mas
entendeu-se que, naquele momento, a inserção de um SGP em rede digital era
parte de uma necessidade, assim como que sua aplicabilidade que definiria
sua repercussão na escola.

O resultado da introdução do SGP logo pôde ser percebido: era um vasto


material de informações que tinha força expressiva para uma dinâmica
transformadora, um campo fértil para a escola recuperar sua capacidade de
introduzir novas experiências e combater a sensação de paralisia e insucesso,
tão discutida na sociedade.

A combinação dessas mudanças corrobora com a tese de que haveria um


impacto, um salto de qualidade no ensino aprendizagem, com a introdução do
SGP, decorrente da vasta quantidade de informações e das possibilidades de
acompanhamento da vida escolar do aluno, dados estes para diagnóstico do
processo de ensino aprendizagem.

Visando a ampliar esse entendimento referente à ação coordenadora, objetivo


desta tese, busquei ouvir de cada entrevistado os limites e as possibilidades
que constituem a problemática de operação desse trabalho, considerando o
pouco tempo de inserção do SGP na Rede Municipal de São Paulo.

Procurei, então, dialogar com autores que me dessem suporte teórico para o
caminho a ser percorrido ao longo da pesquisa. Nesse processo, meu olhar e
experiência pareceram-me fundamentais, visto que me situava nesse contexto
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pedagógico em dois momentos específicos da educação: um da sociedade


sem o aparato tecnológico da Internet; e outro, como alguém mergulhada nos
usos das novas tecnologias. Busquei inspiração nesse movimento histórico,
partindo do pressuposto que tenho marcas de dois momentos, o que me
colocaria frente aos desafios que tantas pessoas, assim como eu, vivem e
experimentam.

Meus maiores desafios:por onde vou e o que vejo

Nas escolhas teóricas, tive que enfrentar diversos conflitos: como e quem
escolher? Como definir um caminho com tantas possibilidades? Por onde
começar com tantos lugares, olhares, teorias e autores? Todo esse percurso foi
muito desafiador, o que me levou, em inúmeras vezes, a me perder, mas,
também, a lutar para continuar a procurar e a me reencontrar, por meio de
buscas, reflexões, experimentações e, até mesmo, de oportunidades de ser
conduzida para experiências que não as minhas.

As leituras foram fundamentais nesse processo da pesquisa, na construção do


repertório. Ao mesmo tempo em que descartava e que achava que o tempo
esvaía-se nas leituras equivocadas, na busca de um fio condutor, tentava
pensar de outra maneira e construir outros caminhos que não aqueles que
haviam me inspirado inicialmente, o que me fez desatar e reatar vários nós,
sob outras perspectivas, a transitar em outros universos e linguagens, a
ampliar o meu conhecimento, desfrutando das produções de outros.

Na condução de todo o processo de escrita desta tese, a perspectiva era que


os coordenadores pedagógicos percebessem, em seu trabalho, ecos que
identificassem um avanço significativo no modo de gerir o currículo, e que isso
ocasionasse melhores resultados do ensino aprendizagem dos alunos com o
SGP. Observei de perto esses desdobramentos, compartilhei, aprendi, explorei
o SGP e aquilo que mobilizava o meu olhar. Na procura de algumas respostas
ou, pelo menos, na tentativa de entender a percepção que os coordenadores
da Rede Municipal de São Paulo construíam, considerei investigar como
estavam gerindo os dados que emergiam do SGP e como os utilizavam.
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Passei, então, a buscar uma metodologia que me ajudasse a delinear o


processo investigativo, e foi nessa busca que pude verificar que a metodologia
qualitativa me parecia a mais coerente de ser utilizada, devido aos
instrumentos que oferece.

A experiência da escrita me leva a muitos lugares, a diferentes atores, a


descobertas, encontros, desencontros e aprendizagens. Cada vez que
mergulhava no texto para escrever este estudo, eu era invadida pela dúvida de
qual caminho escolher. Procurei entender o contexto que me interessava à luz
de diferentes autores para encontrar o meu próprio caminho investigativo,
traçando um panorama que me ajudasse a conduzir as proposições iniciais, até
entender que foi o tempo o meu grande conselheiro. Nele mergulhei,
encharquei-me, e nele, com efeito, tentei atravessar diferentes contextos
sociais, com suas particularidades. Voltei no passado, procurei situar o que de
próprio tinha em cada lugar, em cada momento. Foi na rede de muitos
discursos, autores, palavras ditas e escritas que atei os nós do sentido, dos
traços de interdependência que nos une: passado e presente.

O tempo traz vivências, experiências, atravessa-nos, modifica-nos. Há em cada


tempo uma técnica criada pelo homem, um processo cultural de existência,
algo que surge e desaparece, um processo dialético que evolui, originando
novas formas sociais.

A escrita desta tese trata, de modo especial, do tempo da educação no


município de São Paulo, do tempo da informação e da gestão do conhecimento
em rede digital. O objetivo é identificar nas narrativas do coordenador
pedagógico o impacto dos registros em rede digital na gestão do
conhecimento.

Algumas questões mobilizam esta pesquisa, dentre elas:


• Como o coordenador pedagógico faz uso das informações do SGP?
• Quais as condições concretas de trabalho no SGP?
• O que o SGP promete, mas não cumpre?
• Em que momentos o coordenador pedagógico faz uso (ou não) de sua
autonomia na gestão das informações?
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• Nesse momento de mudanças, o que se constitui como desejo em um


sistema em rede digital?
• O coordenador pedagógico se reconhece em uma rede digital?
• Como ocorrem as corresponsabilidades dentro das diferentes estruturas
do SGP(Escolas, Coordenadoria de Educação, Secretaria Municipal de
Educação)?

Profissão: professora

Meu percurso profissional

Nasci em Guaraciaba (nome indígena: cabelos louros ou cor do sol), uma


pequena cidade situada na zona da mata mineira, em um vale cortado por um
extenso rio e com uma população basicamente rural. É uma vila, com
população urbana em torno de três mil habitantes, composta de pessoas que
se conhecem, se visitam, frequentam a mesma igreja e colégio, vão às
mesmas festas, em um ritmo ainda marcado pela comunidade. Como é uma
cidade muito pequena, as relações de amizade perpetuam-se nos filhos das
gerações que se sucedem e renovam vínculos antigos entre famílias.

Alguém disse, em algum lugar que li, que quando se é marinheiro é impossível
não se pensar em água. Foi o que aconteceu comigo: as crianças e a
aprendizagem são consequências das minhas escolhas, e assim tornei-me
professora. Desde que me formei no magistério, atuei como alfabetizadora e
cheguei a utilizar e articular caminhos próprios para conduzir os processos de
aprendizagem das crianças. Graduei-me em Estudos Sociais e,
posteriormente, em Ciências Sociais/Sociologia (USP) e em Pedagogia
(UNIBAN). Em seguida, cursei o mestrado em Ciências Sociais (PUCSP) e fiz
pós-graduação em Tecnologias na Educação (SENAC). Atualmente, sou
doutoranda do Programa de Educação e Currículo (PUCSP).

Como educadora, atuei no segmento de alfabetização, fui coordenadora


pedagógica e trabalhei com a formação de professores. Participei de
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discussões acaloradas, formulei hipóteses sobre aprendizagem, aprendi com o


debate e com as críticas sempre contundentes à nossa categoria.

Comecei muito jovem. Cursei o magistério e, com apenas três anos de


formação (graduei-me em 1978), iniciei o meu primeiro trabalho como docente.
Andei por diversas estradas, em carrocerias de caminhão, morei em zona rural,
tomei banho de chuveiro de campanha, conheci diferente realidades do Brasil
profundo. Aprendi a lidar com vários desafios, em diferentes universos
educacionais, e nunca parei com o meu trabalho de docência.

Fiz minha primeira faculdade em Estudos Sociais. Naquele momento, fui


movida pelo desafio e pelo desejo de continuar meus estudos: foram três anos
viajando à noite e me fortalecendo como pessoa que acreditava que estudar
poderia tornar a minha vida melhor.

Em 1991, mudei-me para São Paulo e, no mesmo ano, entrei na prefeitura da


cidade, onde estou até hoje. Novas experiências profissionais surgiram como
consequência do meu interesse pela educação básica. O meu trabalho, que até
então era basicamente na sala regular, com minha entrada no curso de
graduação em Ciências sociais, em 1994, resultou, em uma experiência como
bolsista, em auxiliar de pesquisa no NUPES (Núcleo de Pesquisa do Ensino
Superior/USP), onde atuei por um ano e meio.

Posteriormente, inscrevi-me em um grande projeto para coordenar a


capacitação da Rede Municipal de Barueri. Fui aprovada e enfrentei o desafio
de uma experiência nova e ousada, que envolvia, semanalmente, dois mil
professores. Fui contratada pela Fundação Instituto Administração (FIA), sendo
responsável pela definição dos cursos, montagem da equipe pedagógica,
acompanhamento, organização e elaboração do conteúdo didático,
acompanhamento do desenvolvimento e avaliação das modalidades. Nesse
trabalho, tive a oportunidade de utilizar modalidades educacionais
diferenciadas e que atendiam à demanda educacional dos professores naquele
momento específico. Essa atividade, que durou cinco anos, envolveu muita
dedicação e trouxe-me excelentes frutos e grande alegria pelo sucesso do
trabalho, expresso pelos resultados educacionais da rede municipal de Barueri
e avaliação dos professores.
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Em anos posteriores, atuei com a formação docente nas áreas de Ciências


Humanas e suas Tecnologias. Fui tutora EAD em Pedagogia e Sociologia pela
Fundação Padre Anchieta e atuo em 2018 como coordenadora pedagógica na
Rede Municipal de São Paulo desde 2011.

Tais atividades levaram-me ao experimento da pluralidade pedagógica que


embasa os diferentes modos de educar, de alfabetizar, de lidar com o
conhecimento entre os diferentes segmentos.

Nesse percurso profissional, pude conhecer pontos importantes relativos ao


trabalho do professor e sua formação e fui convidada a participar da produção
de livros didáticos do PNLD, em 2008. Arrisquei-me, em trabalho conjunto com
outras professoras, a elaborar três livros para o ensino fundamental:
Alfabetização, Geografia, e Língua Portuguesa. Foram momentos ímpares em
nossas vidas: tínhamos que criar, decidir e assumir posturas pedagógicas e
mergulhar diariamente na efetivação dos livros. Tivemos os livros editados e,
mesmo não sendo escolhidos, passamos a ter outro olhar sobre aqueles com
os quais trabalhamos que estão em nossas mãos, cotidianamente, no exercício
docente.

Nesse sentido, esse processo de elaboração de livros didáticos tornou-nos


mais críticas quanto aos livros que utilizamos no processo de ensino
aprendizagem. Quando escrevemos os nossos livros, pensávamos em incluir
trabalhos que realizávamos no nosso cotidiano e que permitissem uma maior
dinâmica às aulas, pois não queríamos ter apenas a experimentação acabada,
mas o exercício do processo criativo vivido pelos alunos. Entretanto, nossos
desejos mostraram-se como mera pretensão, imersa em um universo de
corrida e mercado editorial. Contudo, foi uma experiência extremamente
produtiva, pois me possibilitou melhorar o olhar reflexivo como profissional que
atua na área da educação.

Iniciei o mestrado em Ciências sociais em 2006. Minha pesquisa tratava de


reflexões sobre a Educação indígena, mais precisamente sobre a legislação
que legitimava os direitos dos indígenas à educação escolar. Interessava-me
acompanhar o processo de criação e, posteriormente, o que era a escola
indígena. Minha pesquisa foi na Aldeia Tekoa Pyau, localizada no Jaraguá,
25

bairro de São Paulo. Por meio dela, tive a oportunidade de conhecer outras
formas de conceber a educação - basicamente aquelas que ainda se
fundamentam nas tradições e na garantia da identidade na língua como
patrimônio cultural.

Evidentemente que nada disso é por acaso, uma vez que acredito que o
aprendizado se dá em muitos e variáveis espaços e níveis. Ao estudar
conceitos que me são novos, eu me aproprio de novos elementos para pensar,
e isso é um eterno aprendizado, que me leva a ser continuamente desafiada e
a refletir sobre essa grande pluralidade que envolve o processo de ensino
aprendizagem.

Nesse percurso, também percebi a importância das tecnologias para o ensino


aprendizagem em relação a todos os envolvidos. Por isso, fiz um curso de pós-
graduação em tecnologias. Naquele momento, pensava que o mundo estava
realmente sendo transformado e que eu, portanto, deveria refletir sobre isso,
instrumentalizar-me, aprender alguns conceitos novos, já que a escola é um
segmento da sociedade e eu uma funcionaria pública, já com um longo
percurso na educação, mas lidando cotidianamente com uma nova geração de
crianças e adolescentes nascidos na Era das tecnologias.

Posteriormente, refletindo sobre as Tecnologias da Informação e Comunicação


(TIC) e a Educação, decidi ingressar em um programa de doutorado. A minha
experiência com formação de professores colaborou para que eu considerasse
como investigado o coordenador, devido ao seu papel fundamental na
formação dos professores em serviço no município de São Paulo, refletindo
sobre o fato de que os dados do SGP teriam efeitos no ensino aprendizagem e
que poderiam contribuir com um salto de qualidade na educação.

Ao iniciar um texto montando um breve histórico da minha vida profissional, o


interesse pela temática do papel de coordenador e das redes digitais não
ocorreu de modo aleatório. Essa escolha me acompanha de diferentes
maneiras pela educação, pela aprendizagem ou pelo momento de inserção das
TICs no sistema educacional, mas, acima de tudo, por novos conceitos, pelo
aprendizado e por meu compromisso com o conhecimento.
26

No doutorado, entrei com a minha experiência em coordenação e com a minha


atuação no SGP, que acompanho desde o início. Passei a perceber que eu
podia fazer outro tipo de interlocução com os professores e que não tinha que
ficar procurando textos no escuro para oferecê-los como algo que mobilizasse
o seu interesse. Entendi que o potencial de informações que passei a ter
estava me levando para outro tipo de formação docente: algo novo e que valia
a pena ser aprofundado.

Ao escolher esse tema, estou ainda bebendo da fonte de que o aprendizado é


um movimento que se realimenta de conhecimentos que são provisórios. A
educação pode até continuar engessada na sua forma física, antiquada,
quadrada, mas o professor precisa ter recursos didáticos, formação, ser
instrumentalizado para a autoria pedagógica.

Estrutura da tese

Este estudo é composto de cinco capítulos. No primeiro, abordamos o método


utilizado e indicamos os teóricos nos quais foram ancorados os princípios da
pesquisa qualitativa. Na sequência, apresentamos os desdobramentos dos
procedimentos de cada etapa, fundamentando os caminhos e as razões do
problema da pesquisa e sua relevância para a investigação.

No segundo capítulo, tratamos da localização do tempo, apresentando uma


breve história na perspectiva de Norbert Elias, Karl Marx e Zygmunt Bauman.
Essa perspectiva do tempo foi utilizada porque ele tem, em suas diferentes
vertentes, elementos do processo de mudanças na sociedade, não sendo
considerado um em oposição ao outro, mas como olhares que se constituem
nas reconfigurações estruturais e, assim, atingem-se a Era da Informação. A
escolha do tempo pareceu-nos ser um bom ponto de partida, decisivo para
aquilo que buscávamos neste estudo.

Quanto à reconstrução histórica, incorporamos ao trabalho a concepção de


mudanças sociais como processos históricos fluídos. O encontro entre os
opostos reconfigura às sociedades, os meios de vida, as sociabilidades e a
solidariedade. O surgimento de algo novo faz desaparecer antigas estruturas e
27

meios de vida, mas inaugura, nesse mesmo processo, uma nova relação entre
o Homem e a natureza do trabalho, interligada em uma mesma realidade
histórica da sociedade. Certamente, quando falamos de confronto entre o novo
e o velho como estruturas que entram em uma relação dialética para renascer
em outros moldes, temos como pressuposto abrir possibilidades de estudar
sociologicamente a introdução de um Sistema digital como extensão do
trabalho do coordenador pedagógico, as transformações do espaço e da forma
de operar. As observações e as trocas se revelaram fecundas do ponto de vista
do estudo, sobretudo como as coordenadoras se (re)conhecem nesse novo
modo de gestar o trabalho em rede. (Re)conhecer-se aqui implica olhar e ver o
já conhecido em uma nova roupagem, agora compartilhado, produzido
coletivamente, registrado e acessado por diferentes segmentos da Rede
Municipal de Educação.

No capítulo três, tratamos da educação na cidade de São Paulo. Nesse


contexto, consideramos fundamental falar de Paulo Freire e de suas
concepções inovadoras, fundadas em uma relação humanística de conceber o
ensino aprendizagem. Sua marca no tempo da educação contemporânea tem
como conceitos básicos a libertação e a emancipação, construídos a partir da
realidade concreta dos alunos das escolas populares e das adversidades que
dali advêm.

Como este estudo trata da administração nas escolas do município de São


Paulo, que já contou com Paulo Freire, desempenhando o papel de Secretário
da Educação, entendemos que sua experiência trouxe elementos para dialogar
com esse novo contexto onde se insere o SGP e seus fundamentos dentro de
um Programa que visa mais educação, qualidade e democracia para a cidade
de São Paulo. Ademais, abordamos alguns olhares sobre a concepção do
coordenador pedagógico e de suas atribuições. Na sequência, apresentamos a
legislação do município de São Paulo que normatiza a atuação pedagógica. A
ênfase nesse terceiro capítulo está na gestão das informações dos dados do
SGP e em algumas pesquisas que abordam as mazelas do cargo. Fazer uma
descrição do que é o papel do coordenador, à luz de alguns autores, pareceu-
nos adequado para este estudo.
28

No capítulo quatro, procuramos definir o que é gestão do conhecimento à luz


de vários autores. Refletimos sobre conceitos e concepções sobre Sistema,
rede e gestão do conhecimento nas instituições presentes na sociedade e
fazemos uma analogia com a gestão do conhecimento em educação.

No quinto capítulo, discorremos sobre as mudanças e apresentamos uma


análise. Tratamos das relações entre os eixos produzidos dentro de temáticas
previamente selecionadas. Algumas teorizações ganham relevância,
destacando limites e possibilidades da ação coordenadora, produzindo efeitos
no seu fazer cotidiano. Por fim, na conclusão, procuramos dialogar com o que
investigamos neste estudo.
29

CAPÍTULO I

1. Metodologia

Conte-me e eu esqueço. Mostre-me e


eu apenas me lembro. Envolva-me e eu
compreendo.
(Confúcio)

Para dar corpo a este estudo, buscamos estabelecer simultaneamente


possibilidades de investigar que impusessem alguns procedimentos e que
dessem uma visão mais ampla do Sistema de Gestão Pedagógico (SGP), mas
que também nos possibilitasse dialogar com as mudanças atuais. Como campo
de investigação, apoiamo-nos nas Ciências Humanas, que podem contribuir
com a pesquisa qualitativa, principalmente no que tange à Epistemologia - o
campo do conhecimento.

Ao discutir sobre metodologia, Santos (2009) observa que a pesquisa se


desenvolve pelos sujeitos imersos em determinadas culturas. Um novo
paradigma demanda soluções e encaminhamentos que levam os
investigadores a outros lugares.

Sendo uma revolução científica que ocorre numa sociedade, ela


própria revolucionada pela ciência, o paradigma a emergir dela não
pode ser apenas um paradigma científico (o paradigma de um
conhecimento prudente), tem de ser também um paradigma social (o
paradigma de uma vida decente). (SANTOS, 2009, p. 60)

As ciências humanas incorporam contribuições das várias ciências. Entre elas,


a sociologia, que pode iluminar as perspectivas desta tese, adequadas aos
estudos das sociedades, particularmente com ênfase no universo escolar e nas
redes comunicativas presentes no mundo contemporâneo. A orientação
sociológica pareceu-nos pertinente, uma vez que a investigação se embasa
nas transformações advindas da sociedade moderna.
30

A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente


catalisador da progressiva fusão das ciências naturais e ciências
sociais coloca a pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, no
centro do conhecimento, mas, ao contrário das humanidades
tradicionais, coloca o que hoje designamos por natureza no centro da
pessoa. Não há natureza humana porque toda natureza é humana. É,
pois, necessário descobrir categorias de inteligibilidade globais,
conceitos quentes que derretam as fronteiras em que a ciência
moderna dividiu e encerrou a realidade.(SANTOS, 2009, p. 71-72).

A antropologia constitui-se também como alicerce para o desenvolvimento do


trabalho de pesquisa. Sua particularidade, entre outras, é o recurso da
investigação qualitativa, principalmente da etnografia, em grupos menores, com
certa “homogeneidade”. Na concepção de Geertz (1989), a pesquisa
participante ocorre pela observação direta do pesquisador, embora não abra
mão dos princípios teóricos e da articulação dos dados colhidos no trabalho de
campo, ou seja, da pesquisa empírica. A observação cuidadosa e sistemática
pode oferecer-nos elementos para a apreensão de particularidades, a captura
de aspectos significativos da cultura, uma visão do todo.

Se a Interpretação antropológica consiste na construção de uma


leitura dos acontecimentos, então divorciá-la do que se passa -
daquilo que em determinado momento, espaço temporal, pessoas
particulares afirmam, fazem ou sofrem, de entre a vastidão de
acontecimentos do mundo – é o mesmo que divorciá-la das suas
aplicações, tornando-a oca. Uma boa interpretação do que quer que
seja - um poema, uma pessoa, uma história, um ritual, uma
instituição, uma sociedade - conduz-nos ao coração daquilo que
pretende interpretar. (GEERTZ, 1989,p.80)

A descrição do ato, da palavra, é significativa dentro de um contexto geral.


Considera-se, nessa perspectiva, duas visões - sociológica e antropológica -
que se coadunam, se completam e ajudam o pesquisador a aprofundar a
investigação e a ultrapassar discussões sobre a mera aparência do objeto
investigado e, assim, localizá-lo como algo que faz parte de um movimento
maior.

A experiência de pesquisa do método qualitativo busca informações na


realidade do investigado. Ouvir os sujeitos de pesquisa – no caso, os
entrevistados - analisar e interpretar o que pensam de sua ação concreta abre
oportunidades para que o investigador adquira dados fundamentais para a sua
31

investigação. Na pesquisa qualitativa, recorre-se à ida a campo, coleta de


dados, busca de significados, contato com a realidade dos entrevistados. A
união de todos esses elementos auxilia o pesquisador a passar da impressão
para a essência do que se busca, isto é, da impressão para a hipótese
propriamente dita. A abordagem qualitativa, segundo Chizzotti (1998).

[…] parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o


mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o
objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de
dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-
observador é parte integrante do processo de conhecimento e
interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. (CHIZZOTTI,
1998, p. 83)

As entrevistas são frequentemente utilizadas em pesquisas qualitativas.


Consiste em uma conversa intencional entre duas ou mais pessoas, conduzida
por uma delas, tendo como objetivo obter informações sobre o(s)
entrevistado(s). No caso do investigador qualitativo, a entrevista surge com um
formato próprio (BOGDAN; BIKLEN, 1994; BURGESS, 1984; MORGAN, 1998).

Em pesquisas qualitativas, o investigador pode optar tanto pela coleta de dados


quanto pela coleta de dados e observação concomitantemente. Ele pode fazer
uso de um ou de diversos tipos de entrevista, a depender do objetivo de sua
investigação. Conforme observam Bogdane Biklen(1994),

Como as entrevistas variam em graus de estruturação, o investigador


não precisa necessariamente optar por um tipo de entrevista, sendo
possível usar diferentes tipos de entrevistas nos diferentes processos
da investigação. Os locais têm de ser compreendidos no contexto da
história das instituições as quais pertencem. (BOGDAN;
BIKLEN,1994,p.136).

Por meio da análise dos dados coletados, o pesquisador pode perceber como o
sujeito da pesquisa percebe o mundo e quais são suas concepções sobre ele.
Entretanto, antes de realizá-la, é necessário que ele procure utilizar uma
entrevista bem elaborada e deixar claro para o entrevistado o motivo de tal
pesquisa ser conduzida, assim como que, no decorrer da entrevista, procure
32

observar bem o entrevistado e ter uma boa comunicação com ele. Nesse
sentido, Bogdan e Biklen (1994) apontam que

Boas entrevistas produzem uma riqueza de dados, recheados de


palavras, que revelam as perspectivas dos correspondentes. As
transcrições estão repletas de detalhes e de exemplos. Um bom
entrevistador comunica ao sujeito o seu interesse pessoal, estando
atento, acenando com a cabeça e utilizando expressões faciais
apropriadas. (BOGDAN; BIKLEN,1994, p. 136).

A coleta de dados pode ocorrer por meio de uma entrevista estruturada (o


entrevistador utiliza um roteiro de questões previamente estabelecidas),
semiestruturada (o entrevistador dirige a entrevista com foco, mas também com
certa flexibilidade) ou não estruturada (o entrevistador tem autonomia para
realizar as perguntas conforme cada situação).

Na entrevista semiestruturada, pela qual optamos por entender ser a mais


adequada para esta pesquisa, o entrevistador deve conduzir a discussão,
intervindo quando necessário e alinhando a fala do entrevistado aos temas de
interesse da investigação. Não há uma ordem rígida das questões propostas.
Com isso, o entrevistado pode discorrer livremente sobre o tema proposto,
aprofundando informações importantes para a coleta de dados e até mesmo
apresentando novos conhecimentos a respeito. As perguntas previamente
definidas devem ser abordadas em um contexto de conversa informal. Como
apontam Lüdke e André (1986),

[...] na entrevista, a relação que se cria é de interação, havendo uma


atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem
responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente
estruturadas, onde não há imposição de uma ordem rígida de
questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base
nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira
razão da entrevista. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34)

Lüdke e André (1986) argumentam que, dentre os diversos tipos de entrevista,


a que mais se adapta aos estudos do ambiente educacional é a entrevista que
apresenta um esquema mais livre, já que esse instrumento permite mais
33

flexibilidade no momento de entrevistar os professores, os alunos, os pais, os


diretores, os coordenadores, os orientadores. Nessa técnica de pesquisa
qualitativa, os investigadores imergem no mundo dos sujeitos observados,
tentando entender o comportamento real dos informantes, suas próprias
situações, e como constroem a realidade em que atuam. Para registro das
informações, os entrevistadores podem utilizar diversos meios, como a
gravação, visto que ela “[...] tem a vantagem de registrar todas as expressões
orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para prestar toda a sua
atenção ao entrevistado” (p. 37).

Em relação à nossa pesquisa, seus objetivos foram pensados em duas


vertentes: conhecer o trabalho com o Sistema de Gestão do Pedagógico (SGP)
das escolas da Rede Municipal de São Paulo; e identificar a repercussão das
informações em rede digital na gestão do coordenador pedagógico.

Os nossos sujeitos de pesquisa (cujo anonimato será mantido, assim como os


nomes das escolas em que atuam) são coordenadores da Rede Municipal de
São Paulo. Como se trata de uma pesquisa qualitativa, nosso interesse foi o de
interpretar as respostas dos coordenadores sobre o Sistema de Gestão do
Pedagógico, assim como o de entender como ele tem utilizado esses dados e
como, por meio destes, estão ressignificando suas práticas cotidianas.

O trabalho do coordenador no SGP vai ganhando corpo. À medida que os


diferentes entrevistados se posicionam, outros olhares emergem, situando,
descrevendo, dando visibilidade, sendo estudados e aprofundados os seus
conceitos e usos, produzindo e sendo produzidos em novos e diferentes
campos de saberes. O “tempo” está no centro dos processos que constituem o
lugar da pesquisa, e é essa questão que abordaremos no próximo capítulo.

1.1 As etapas da pesquisa: objeto e contexto da investigação

Em um percurso como o doutorado, há toda uma dinâmica de idas e vindas, de


fazer e desfazer, de encontros e desencontros, de autores desconhecidos e
descobertos, de se fazer pilhas de livros e artigos desconhecidos e de se ver
34

mergulhado nessa imensidão de informações, que precisam ser percorridas,


selecionadas, analisadas e lapidadas. Nesse processo, surge uma solidão
profunda, mas também a certeza de que a construção do texto – escrito e
reescrito inúmeras vezes – vai ganhar consistência.

As transcrições das narrativas dos entrevistados, ouvidas tantas vezes, foram


abrindo possibilidades de encontrar recorrências ou não, sentidos,
possibilidades de análise, levando-nos a ser iluminados pelo olhar do outro, a
um grande processo de reflexão. Para Chizzoti (2006, p. 26), a pesquisa é
fundada em “[...] uma metodologia de trabalho, ou seja, a lógica subjacente ao
encadeamento de diligências que o pesquisador segue para descobrir ou
comprovar uma verdade”. Essa verdade pode ser outra, que não a inicialmente
considerada para a investigação, reconstruída a partir das indagações, das
perguntas que foram sendo formuladas e reformuladas, muitas vezes levando-
nos a mudar o enfoque no decorrer da investigação.

Ao longo desta pesquisa, que envolve a entrevista e suas inúmeras


possibilidades, muitas interrogações e incertezas foram surgindo. Isto porque
os olhares, as concepções são diferentes, e o pesquisador precisa fazer
escolhas, recortes, aproximações que o ajudam a estruturar o objeto
investigado. Não existe nessa proposta uma ordem rígida de abordagem, uma
vez que o entrevistado pode falar livremente sobre o tema abordado, trazendo
novas informações importantes para a coleta de dados e até mesmo
apresentando outras visões a respeito do tema proposto.

Foram muitas as incertezas, até conseguirmos definir onde buscar as


narrativas sobre o SGP. Inicialmente, fizemos uma observação do
comportamento dos professores em relação ao registro digital, suas
dificuldades, suas rejeições, seus medos e resistências. Este seria um dos
enfoques pensados para a realização desta pesquisa.

Algumas questões surgiram nesse contexto, levando esta pesquisa a ganhar


novos desdobramentos, especialmente à constatação do fato de que várias
escolas, mesmo com a implantação do SGP, continuavam com o registro no
papel. Esse momento foi considerado como um indicativo de que o SGP
deveria ser investigado como um instrumento poderoso que supera o boletim.
35

Foi nesse contexto que surgiu a atuação dos coordenadores pedagógicos


como objeto da pesquisa. Contudo, isso indicava a necessidade de redirecionar
as leituras, com ênfase agora na gestão das informações no SGP sobre ensino
aprendizagem, nos sentidos que estas estavam produzindo ou não nas práticas
escolares.

Nessa nova perspectiva, a limitada bibliografia existente sobre gestão do


conhecimento na educação levou-nos a entrar em um universo paralelo sobre
gestão do conhecimento em outras organizações e a estabelecer parâmetros
com o processo de gestão que ocorre nas escolas. A intenção era ajustar esse
entendimento em uma abordagem que não comprometesse os objetivos
inicialmente propostos.

A leitura de outros autores que não fossem da área de educação colaborou


para dimensionarmos inicialmente o impacto da gestão em organizações
voltadas para o mercado econômico; e posteriormente, o impacto do gestor
pedagógico na educação. Licklider (2001), citado por Damásio (2007, p.45),
observa que a tecnologia deve ser entendida “[…] como a soma de um
dispositivo, das suas aplicações, contextos sociais de uso e arranjos sociais e
organizacionais que se constituem em seu torno”. Salienta que as tecnologias
não estão apenas atreladas às atividades humanas, mas também ligadas por
aquilo que definiu como “[…] uma simbiose entre homem e máquina, em que a
segunda funciona como um elemento cooperante e activo durante os
procedimentos de raciocínio dos sujeitos” (ibidem, p. 45).

Pareceu-nos bastante desafiador problematizar essas construções à luz de


outras experiências de gestão do conhecimento, totalmente assimiladas pelas
organizações sociais, e de buscar entender como as empresas as concebem e
operam visando a uma produtividade. Nossas leituras indicaram a necessidade
de desvincularmos o olhar sobre o que é considerado como produto e como o
conhecimento gerado lhes dá forma, assim como de buscarmos no universo
escolar possibilidades de fazermos leituras similares por meio de dados e
informações em um SGP em rede digital.

Esse deslocamento parece-nos pertinente porque os interesses educacionais


diferem dos interesses de mercado econômico. Observar essas diferenças
36

conduziu-nos à procura de outros sentidos de gestão do conhecimento nas


escolas onde o produto é o conhecimento em si mesmo e é adquirido,
construído, assimilado, com equilíbrios e desequilíbrios, em um processo de
interação com o meio e com os outros sujeitos.

Os dados e informações obtidos quanto às práticas escolarizadas, ao ensino


aprendizagem em uma gestão pedagógica, são a matéria prima de trabalho do
coordenador pedagógico. Nesse contexto, a gestão do conhecimento tem
espaço nos vários âmbitos da educação, visto que gerir pressupõe apropriar-se
do desempenho escolar dos alunos, compartilhar resultados com vistas ao
sucesso da aprendizagem, garantir que o produto da escola tenha visibilidade
como riqueza maior a ser produzida, revista de acordo com o contexto,
principalmente em um momento em que toda a educação pública é confrontada
com baixos índices de aprendizagem.

Foi assim que a pesquisa foi buscar formas para conferir visibilidade ao
trabalho do coordenador, nesse entrelaçamento entre o gestor e o SGP(dados,
informações em rede digital). Se na esfera empresarial o gestor deve fazer com
que cada sujeito aprenda e compartilhe o que se apropriou, fazendo circular o
conhecimento produzido de forma que haja um movimento de completude e
organicidade e crescimento de todos, no universo escolar ser gestor pressupõe
garantir que os saberes cheguem até os alunos, e que estes se tornem
capazes de, por meio da apropriação, construir a sua trajetória como cidadão
pleno.

A pesquisa norteou-se por esse movimento inovador, que tem em seu bojo a
vida escolar, o currículo, o planejamento, os resultados que podem ser
analisados sobre pontos de vista da aprendizagem. A temática ensino
aprendizagem entra em cena, quer como conteúdo específico ou como
estratégia de prática educativa e, assim, ganha espaço no processo de
formação em trabalho.

Coube ao investigador entrar em uma interlocução com os coordenadores,


reunir informações que circulam em documentos oficiais e na prática cotidiana,
fazer uma aproximação curiosa a partir dos usos dos dados do Sistema e de
quão transformador ele poderia ser se explorado. Por outro lado, cabia não
37

abrir mão dos problemas estruturais, não os minimizando no sentido de que


essas questões corroboram para o entendimento das narrativas.

1.2 Era uma vez: o tempo, as narrativas e os coordenadores


pedagógicos

Ao buscarmos as narrativas, a intenção era darmos ênfase à gestão dos dados


sobre ensino aprendizagem, em articulações relativas à organização das
informações que produzem o conhecimento nas escolas e ao lugar ocupado
pelo coordenador pedagógico. Algumas definições de narrativa são adequadas
a essa perspectiva, como relatos de experiências pessoais - definição esta que
pode ser encontrada na RBLA1, ou em autores como Labov e Waletzky (1967),
que a definem como “Um método de recapitulação de experiências passadas,
combinando uma sequência verbal de orações com a seqüência de eventos
realmente acontecida” (p. 21-22) ou como Clandinin e Connelly (2000), que
entendem a narrativa como “[…] uma forma de entender a experiência” (p. 20),
em uma interlocução colaborativa entre pesquisador e pesquisados.

Para Oliveira e Paiva (1979), a pesquisa narrativa mais utilizada é aquela que
ocorre por meio da coleta de histórias sobre um tema em que o investigador
encontra as informações que o leva a compreender determinados fenômenos.
As informações, ou o relato das histórias, podem ser adquiridas por meio de
entrevistas, diários, autobiografias, gravação de narrativas orais, narrativas
escritas e notas de campo.

A análise narrativa é aquela que traz na enunciação recorrências, verdades,


efeitos que permitem criar sentidos e construir uma coerência do objeto
investigado. Deve-se fazer recortes dos investigados que os aproxime e os
distancie, que os revele em sua experiência, vivência, criando eixos
balizadores que ajudem a organizar o sentido e a ordem da narrativa.

Esse é um processo que provoca e desafia; é o início da seleção, da busca nos


recortes por um sentido que não o do autor da tese. Ocorre nesse momento o

1Revista Brasileira de Linguística Aplicada (RBLA). Programa de Pós-Graduação em Estudos


Linguísticos da UFMG. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/rbla.
38

afastamento necessário como princípio que deve pautar o trabalho científico,


mas surge também o medo de que as buscas sejam infrutíferas, mesmo
sabendo-se que o caminho, desde o início, é de incertezas, e que a verdade
não tem de ser a mesma do pesquisador, cuja subjetividade já foi impactada
pelas leituras de vários autores e reflexões a partir das diversas entrevistas
conduzidas, das interações ocorridas entre entrevistador e entrevistado.

Segundo Todorov, citado por Oliveira e Paiva (1979), a narrativa ideal é aquela
que tem um percurso estável, mas este é perturbado por uma força. Surge,
então, “[…] um desequilíbrio; uma força, que age em sentido inverso”. O
equilíbrio é restabelecido e se aproxima do anterior, mas nunca são idênticos.
“Essas mudanças e esses novos equilíbrios sempre são diferentes dos estados
iniciais” (p. 138), e isso pode de ser observado em diferentes e variados artigos
que mostram essas instabilidades.

Embora possa haver divergências a respeito do método narrativo, o que ele


tem de característico e que pode ser de grande valia em uma pesquisa que
envolva coordenadores pedagógicos é a possibilidade de reflexões sobre as
ações, em um grupo nivelado pela mesma atividade, regido pelos mesmos
pressupostos educativos - o que auxilia o pesquisador a identificar consensos e
controvérsias do universo investigado.

1.3 Fazeres da pesquisa

Em nossa pesquisa, optamos pela entrevista individual. Escolhemos os


coordenadores a serem entrevistados objetivando expressar o tempo na
educação e no exercício como coordenador pedagógico.

Como pré-requisito, estipulamos que os coordenadores entrevistados deveriam


fazer uso do SGP há pelo menos 2 anos, visto que a criação do Sistema em
rede digital é de um período muito curto. Além disso, decidimos entrevistar
coordenadores que tivessem a seguinte experiência: por um lado, aqueles que,
por estarem na rede desde período anterior a 2014, tenham vivenciado dois
momentos específicos de uso do registro, isto é, escrito e digital; e por outro,
aqueles que só conhecem o registro digital em função do tempo de exercício
39

na coordenação do pedagógico. A escolha desse critério fundamentou-se em


função do tamanho da amostra e ao fato de que essas diferentes experiências
em relação ao registro poderiam proporcionar-nos elementos mais
diversificados quanto à percepção das relações estabelecidas no uso e gestão
dos conhecimentos produzidos em rede digital.

Portanto, nossa seleção para a entrevista não ocorreu apenas no que diz
respeito aos coordenadores mais antigos da rede, mas também aos mais
novos, pois consideramos que as diferentes vivências e práticas, incluindo as
relações dos coordenadores pedagógicos com as TIC, poderiam ampliar o
entendimento que buscávamos no escopo desta pesquisa.

A fim de conduzirmos os desdobramentos iniciais da entrevista, elaboramos um


protocolo, juntamente com o orientador e alunos da linha de pesquisa de
Educação e Currículo da PUCSP, com questões que abordassem categorias
como: tempo no cargo; experiência de uso do SGP; funcionalidade do sistema
em rede digital; fatores que o SGP promete, mas não cumpre; tipos de ajustes
que seriam feitos; desejos fundados em maior eficiência; e conhecimento sobre
a potencialidade do SGP. Essas categorias deveriam dimensionar o impacto do
ensino aprendizagem nos alunos da Rede Municipal de São Paulo.

Após os critérios elencados para a pesquisa, o próximo passo foi entrarmos em


contato com os coordenadores pedagógicos, objetivando ouvir suas narrativas
sobre o SGP e a respeito do trabalho do coordenador pedagógico, a fim de que
pudéssemos identificar práticas que produzem efeito sobre o ensino
aprendizagem.

Em seguida, marcamos encontros com os coordenadores pedagógicos


selecionados para a produção das narrativas, para que partilhassem conosco
suas experiências e vivências. Das vozes narradas de diversos lugares e de
diferentes maneiras, procuramos problematizar os discursos como categorias
que seriam analisadas.

As entrevistas foram produtivas, entremeadas de falas mais curtas e mais


longas. Por vezes, houve necessidade de intervenções, de argumentações
para evidenciar questões relevantes para a nossa pesquisa. Os encontros
40

ocorreram em diferentes espaços. Neles, procuramos fazer com que o


coordenador se sentisse confortável e tivesse o tempo disponível para que a
entrevista pudesse fluir e fosse rica em informações. Concordando com
Sacristán (2000),

A ilustração dos seres humanos precisa ser feita a partir dos


problemas do presente. Proporcionar as chaves para a compreensão
do presente, do imediato que nos atinge e que mergulha suas raízes
no passado mais ou menos próximo e em âmbitos hoje distanciados
do mundo circundante, será também missão da educação.Para
libertar os indivíduos e fazê-los autônomos, é preciso situá-los como
seres autônomos, é preciso situá-los como seres conscientes das
coordenadas concretas nas quais vivem. Uma compreensão do que
deve aproximar-se não apenas da realidade natural e social, mas
também dos significados que povoam crenças do presente para
depurar os esquemas espontâneos criados, de compreender o
mundo e ir obtendo cotas de racionalidade contrastadas com as
demais. Não se trata de reviver o que outros viveram e pensaram,
mas de ler com eles o tempo e o mundo atuais. (SACRISTÁN, 2000,
p.500)

Nossa expectativa, ao realizarmos as entrevistas, era que os coordenadores


tinham muito a dizer, que podiam contribuir para um novo olhar no que se
refere à gestão, à educação, para fazer reflexões sobre a sociedade do
conhecimento, cuja funcionalidade está ancorada nas tecnologias e na forma
de se apropriar do conhecimento nas escolas.

O tratamento dos dados foi realizado por meio de gravações das entrevistas,
que foram posteriormente transcritas. Nelas, realizamos vários recortes para a
construção de eixos de análise.
41

CAPÍTULO II

2. A HISTÓRIA E O TEMPO

Cada época é definida pelo que representa de novo, de


especificamente seu. Pode não ser um alto pensamento filosófico,
uma grande reforma moral, uma arte requintada, uma ciência
generosa, mas há de ser a dádiva de qualquer uma dessas
manifestações humanas, ou todas, numa concepção inteiramente
inédita, original, inconcebível noutro tempo da história.
(Miguel Torga)

Começar este capítulo pelo tempo e suas concepções é empreender o


caminho sobre o ser humano e as variadas formas de construção de vida
material e social que foram criadas pelas relações estabelecidas com o mundo
em diferentes momentos históricos e suas circunstâncias.

Cada uma dessas épocas tem uma especificidade, cultura e conhecimento que
contribuem com outras culturas em um processo de evolução a partir do já
conhecido. O efeito do tempo sobre o homem vem daquilo que se chama de
sua natureza social, as inter-relações com outros homens, a troca de
experiências, sempre renovadas pelas gerações que sucedem as anteriores,
garantindo o patrimônio cultural da humanidade. A leitura do tempo não é
única, e suas abordagens distinguem-se em função de contextos, posições
teóricas e interesses dos autores. Nesta pesquisa, a atenção está voltada para
a contribuição dos olhares sobre o tempo como aquele que, por meio de
práticas sociais, culturas e processo de evolução das técnicas, estrutura vidas
e a existência no mundo. Para Elias (1988),

Todo indivíduo, por maior que seja a sua contribuição criadora,


constrói a partir de um patrimônio de saber já adquirido, o qual ele
contribui para aumentar. E isso não é diferente no que concerne ao
conhecimento do tempo. (ELIAS, 1988, p.10)
42

Em seu livro “Sobre o Tempo”, Norbert Elias (1988) articula a relação com os
homens como algo não percebido, sentido, tangível. Ele é algo que se vê como
efeito nas diferentes dimensões estruturais da sociedade, mas não a partir de
uma reflexão. A utilização do tempo garantia a sobrevivência nas sociedades
primitivas, sendo fundado nas recorrências dos fenômenos físicos e naturais
como forma de suprir as demandas das coletividades. “O tempo servia aos
homens, essencialmente, como meio de orientação no universo social e como
modo de regulação de sua coexistência” (ELIAS, 1988, p.8).

Eis que surge o relógio, o processo civilizador, e os indivíduos passam a


organizar a vida em função do tempo - tempo corrido, marcado, gerenciado. A
urbanização, as indústrias e o trabalho exigem sincronia dos relógios,
uniformidade, rotinas e previsibilidade. Cria-se nesse contexto uma relação de
dependência determinada pelo tempo e, segundo Elias (ibidem, p. 10), “Dentro
da grande continuidade móvel, natural e social. Numerados, os meses e dias
do calendário, passam então a representar estruturas recorrentes, no interior
de um devir que não se repete”.

O homem é o construtor do tempo. É a partir de experiências anteriores que


ressignifica e recria novos modos de existir. Portanto, constrói sua história à luz
de outras histórias no tempo para coexistir, de modo harmônico, com o seu
grupo social. Elias (1988) leciona que os seres humanos não conseguem
apreender o significado do tempo individualmente, e isso é assimilado nas
relações sociais, exercidas desde a infância, em um processo de familiarização
e de adaptação com “caráter coercitivo”, mas necessário para se viver em uma
sociedade regulada pelo tempo. Há nesse processo um elemento de
comunicação que extrapola a medição e que transforma a natureza humana a
partir de mudanças biológicas, psicológicas e sociais.

Ainda segundo o autor, em uma sociedade cuja ordem de consciência temporal


regula todas as relações existenciais, esse elemento civilizador “tempo” é
pressuposto e condição existencial. Portanto, “Se não aprender a se portar e a
modelar sua sensibilidade em função do tempo, ser-lhe-á muito difícil, se não
impossível, desempenhar o papel de um adulto no seio dessa sociedade.”
(ibidem, p.14).
43

Como a educação está ligada a uma cultura historicamente conhecida, as


épocas e realidades soam diferentes naquilo que se reporta a ambientes de
aprendizagem. As sociedades humanas que viviam em ambientes sem escola
criaram formas para sobreviver dentro das relações de grupo com o meio
natural, em uma exploração de caça, coleta, pesca e agricultura, de criação de
ferramentas necessárias, fabricadas por eles próprios, em uma divisão de
trabalho que marcava o ajustamento dessas ao solo e às relações de grupo. A
linha geral desse processo era de integração da vida e do ambiente com uma
fusão onde a “Natureza era escola”:

[...] Educar-se era viver a vida do dia a dia da comunidade, plantar,


escutar da boca dos velhos as estórias da tradição oral, participar nas
cerimônias coletivas.
A prática educativa consistia na aquisição de ferramentas para o
trabalho e na apropriação de valores e comportamentos, enquanto o
contexto de formação era o ambiente.
Não havia professores. Todo adulto ensinava. Aprendia-se a partir da
própria experiência e da experiência dos outros. Aprendia-se fazendo,
o que tornava inseparáveis o saber, a vida e o trabalho.(IDAC, 1980,
p.23)

Para que os seres humanos pudessem sobreviver era necessário adaptar-se,


ler os ritmos e os sinais da natureza, e isso abrangia criar técnicas de
orientação e defesa para utilizar os recursos do ambiente natural, saber prever
se haveria chuva pelos ventos, conhecer as plantas para a saúde e
alimentação, desenvolver os sentidos e construir com o ecossistema
conhecimentos objetivos, fazendo com que esses se perpetuassem nas
próximas gerações. Contudo, a história do tempo é de movimento, de
experiência humana, do homem em processo de constante transformação.

Essa perspectiva do tempo pode ser compreendida em Marx (1975) como os


modos de produção que encerram em si a base econômica social, a forma
como a pessoa se funde em organizações e a consciência (ou falta dela) de ser
um indivíduo nesse sistema.

Na abordagem de Marx (1975), é possível ver as necessidades de caráter


social e natural reconfigurando-se, transformando-se e ganhando novas
configurações. Teoricamente, a evolução da sociedade é um processo intenso,
de contínuo refazer, que não apenas expressa e comunica novos tempos, mas
44

que também marca um jeito de pensar e ser, de construir o mundo em um


tempo determinado. Há nesses contextos o tempo da história das técnicas:
quanto mais longe as sociedades no tempo, mais se vivia naturalmente em
contato com o mundo natural.

Em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado” (1979), Engels


recua no tempo dos símios para explicar a evolução daquilo que se constituiu
como espécie humana, que desenvolveu novas habilidades a partir do
momento em que deixa a vida arborícola e passa a andar no solo com posição
ereta. O primeiro desenvolvimento foi o das mãos, cuja habilidade foi criada
para a construção da faca primitiva, feita de lasca de pedra. O trabalho e a fala
são corresponsáveis pelo desenvolvimento da humanidade. A partir daí, deu-se
um salto evolutivo nas organizações da vida social. Veio o surgimento do fogo
e das forças produtivas, a construção de lanças, a pesca e o aprimoramento
das ferramentas de pedra lascada. O arco e flecha foram considerados uma
arma decisiva para a sobrevivência, pois transformou a caça em tarefa
cotidiana e a possibilidade de ter uma alimentação regular. “O arco e a flecha,
foram para a época selvagem, o que a espada de ferro foi para a barbárie e a
arma de fogo para a civilização: A arma decisiva (1979, p.24)

As necessidades com caráter social e natural constituem-se a partir das


necessidades. Com a reconfiguração das sociedades, outras necessidades
surgem e ganham uma característica que passa a ser de busca de satisfação
mais social. Nesse contexto, buscar um equilíbrio entre as demandas e as
formas de atendê-las depende dos recursos existentes nas diferentes épocas.
Se existem as necessidades, elas precisam ser satisfeitas para que haja
harmonia do grupo social.

Nessa perspectiva, o tempo de duração social é o tempo histórico do grupo que


traz em si os vários e diferentes tipos de sociabilidade. Espaço e sociedade
coexistem por meio do trabalho e das técnicas, em constante reelaboração, e,
nesse movimento, cada etapa da evolução é reflexo de uma experiência
temporal viva dos indivíduos. Foi a partir do trabalho que “[…] verificaram que
tinham algo a dizer uns aos outros. Surgiu a fala. O trabalho e a fala
45

transformaram o cérebro do macaco no cérebro do ser humano” (GANDY,


1980,p. 20).

A evolução das sociedades está vinculada às necessidades sempre


renovadas, o que pressupõe recursos também renovados para atendê-las. Isso
gera uma mudança constante na relação entre o homem e o meio natural.
Como sublinha Gandy (1980),

Na produção da sua existência, os homens entram em relações


determinadas que são indispensáveis e independentes de sua
vontade, relações de produção que correspondem a determinado
estágio de desenvolvimento das suas forças produtivas
materiais.(GANDY, 1980, p.134).

O tempo em Marx é o tempo histórico das mudanças das forças produtivas, do


trabalho, das trocas, das revoluções de avanços e retrocessos num processo
dialético de movimento, transição e existência momentânea. Segundo Gandy
(1980), Marx aprendeu como discípulo de Hegel a importância de não perder
de vista a constante mudança social e, assim, balizar seus estudos no que
estava surgindo e no que estava desaparecendo. A dialética Hegeliana, se dá
a partir de choque de opostos do qual ocorre a evolução no sentido de novas
formas sociais. A dialética, “[…] ao abranger o estado de coisas existentes,
inclui o reconhecimento da negação desse estado, a sua inevitável dissolução”
(1980, p.28).

Gandy (1980) esclarece que, para Marx, a evolução econômica transformou os


vínculos existentes, cortou o cordão umbilical que unia as pessoas aos
companheiros nas sociedades primitivas. As relações solidárias desaparecem,
dando surgimento à individualização. Nesse contexto emergem conflitos, e o
meio vai se transformando pela ação dos homens. O tempo que marca as
relações sociais é o tempo da história e dos grupos de ocupação dos espaços.

Nas sociedades industriais, o ritmo do cotidiano é marcado pelo tempo da


fábrica, gerando uma nova maneira de usar o tempo: o tempo do relógio, das
horas, regido pelas relações de produção nas fábricas, onde prevalece o tempo
do trabalho, da alimentação e do descanso. É preciso racionalizar para fazer
melhor uso do tempo, sendo este entendido como dinheiro.
46

Manacorda (2002) ressalta quea Revolução Industrial modifica a vida social,


mas também transforma substancialmente a história da humanidade. Muda o
modo de produção por meio da modificação dos processos de trabalho, com a
abolição da manufatura, e traz consigo mudanças significativas nas ideias e na
moral. Em relação à escola, a Revolução Industrial “[...] abre espaço para o
surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábrica e escola nascem
juntas [...]” (p. 248).

A escola surge nesse período, segundo Saviani (1997), como uma alternativa
de instrumento para a difusão de instrução, a transmissão de conhecimentos
acumulados pela humanidade, uma possível aliada para o problema da
marginalidade. Esse pensamento de escola como “direito” teve início na
Revolução Francesa, momento em que a burguesia conquista o poder. A
marginalização social que o homem é colocado justifica-se pela ignorância.
Então, a escola é considerada como uma instituição que apresenta condições
de transformar esse homem.

A constituição dos chamados “sistemas nacionais de ensino” data de


meados do século passado. Sua organização inspirou-se no princípio
de que a educação é direito de todos e dever do Estado. O direito à
educação decorria do tipo de sociedade correspondente aos
interesses da nova classe que consolidara no poder: a burguesia.
Tratava-se, pois, de construir uma sociedade democrática, de
consolidar a democracia burguesa. Para superar a situação de
opressão própria do “Antigo Regime”, e ascender a um tipo de
sociedade fundada no contrato social celebrado “livremente” entre os
indivíduos, era necessário vencer a barreira da ignorância. Só assim
seria possível transformar os súditos em cidadãos, isto é, em
indivíduos livres porque esclarecidos, ilustrados. [...] A escola é
erigida, pois, no grande instrumento para converter os súditos em
cidadãos [...] (SAVIANI, 1997, p. 17-18).

Em sua obra intitulada “Modernidade Líquida”, no capítulo Tempo/Espaço,


Bauman (2001) trata de um tempo de saudosismo utópico, um passado
longínquo sobre viver em harmonia nas comunidades, seguindo regras de bem
viver. Se no passado o controle social garantia uma existência segura e eficaz,
hoje isso ocorre por meio de vigilância, câmeras, seguranças e senhas. Com
isso, há uma mudança no que consiste a comunidade, que o autor considera
ser atualmente “[…] a última relíquia das utopias da boa sociedade de outrora;
é o que sobra dos sonhos de uma vida melhor, compartilhada com vizinhos
melhores, todos seguindo melhores regras de convívio” (2001, p. 118).
47

Bauman (2001) defende que não há tempo de perfeição. Procura demonstrar


esse argumento por meio da psiquiatria, que afirma que em todos os tempos e
lugares, quer seja em comunidades ou em grandes cidades de diferentes
extensões, a infelicidade e o medo sempre rondaram os indivíduos, pois estes
se sentiam sempre como alvos de uma conspiração em curso. Destarte, se em
tempos passados a lógica era buscada na maldade alheia, na inveja e nos
sentimentos persecutórios, na sociedade moderna ganha o nome de
“assaltantes, vagabundos, desocupados”. Coexistir com essas ideias
antagônicas do bem viver e da conspiração desfaz o ideal de comunidade, que
passa a ser algo utópico. Pode-se dizer que a comunidade é um modo de
ocupar espaços, de ter uma convivência harmônica com os outros, seguros e
protegidos, e que não se concretiza.

Bauman (2001) salienta que os encontros entre os indivíduos ocorrem também


nas cidades. A vida urbana é um monte de gente estranha, que se junta por
acasos, sem ter afinidades, “[…] num evento sem passado e sem futuro”
(p.122), sem erros e/ou aprendizagens. É o espaço do consumo, das
interações superficiais e sem compromisso com os outros indivíduos, em uma
relação dentro de uma roupagem que se usa para viver. Na realidade, essa
relação é a essência da civilidade, a marca que carrega e que permite a
participação na vida pública sem, para isso, expor seu Eu verdadeiro. Na
cidade está à expressão da vida. Ninguém é pressionado, e sua roupagem é
sua identidade: não se tira a máscara para se viver nesse espaço. A civilidade,
segundo o autor, é

A atividade que protege as pessoas umas das outras, permitindo,


contudo, que possam estar juntas. Usar uma máscara é a essência
da civilidade. As máscaras permitem a sociabilidade pura, distante
das circunstâncias do poder, do mal-estar e dos sentimentos privados
das pessoas que as usam. A civilidade tem como objetivo proteger os
outros de serem sobrecarregados com nosso peso. (BAUMAN, 2001,
p. 122).

“A história do tempo começou com a modernidade e a modernidade é o tempo


em que o tempo tem história” (ibidem, p. 140). As grandes aventuras dos
homens são retratadas nos livros conforme sua época: os grandes
descobridores e suas façanhas; os filósofos e sua forma de pensar sobre os
48

humanos; as descobertas físicas e os avanços científicos são um pedaço do


infinito e da eternidade, campos epistemológicos e empíricos que ajudaram a
construir verdades existenciais e eternas (BAUMAN, 2001).

Aconteceu, entretanto, alguma coisa para garantir a existência desses homens


e suas histórias, algo que diminuiu a distância no tempo e espaço de modo que
suas obras e descobertas científicas chegassem como acervo histórico aos
outros homens, e isso tem relação com a “revolução” causada por motores e
máquinas. As técnicas mudaram as relações até então existentes, aumentaram
significativamente a velocidade dos veículos-opondo-se aos humanos e
cavalos - e diminuiu a distância que separava as sociedades, estados e
nações. O tempo ganhou novas formas. Diferentemente do espaço, ele tem
plasticidade, não tem forma fixa, pode ser usado, flexibilizado, encurtado,
alongado. A grosso modo, é a parte ressignificada da história dos homens por
meio das tecnologias (BAUMAN, 2001).

Bauman (2001) denomina esse tempo de hardware ou modernidade pesada.


Uma nova dinâmica que invade o tempo da modernidade, com máquinas mais
rápidas, mais velozes, quer sejam mecânicas ou informacionais. Se a
conquista do espaço ocorria em um tempo flexível e sua ocupação
necessariamente demandava administração e controle para as atividades, um
controle de velocidade do tempo, com horário específico definido,
rigorosamente significava a rotina de trabalho fixo no espaço de muros e
fábricas. Isso implicava também em definir e demarcar a posse: “Agarrar tudo o
que se pudesse manter, manter-se nele, marcando-o com todos os sinais
tangíveis da posse e tabuletas de “proibida a entrada” (p.144).

Trabalhadores e capitalistas sequer imaginavam a possibilidade de desapego


ao solo, aos espaços de trabalho, reuniões, organizações, relações com a
fábrica, todos sob o manto do poder e controle e da rotinização do tempo. É na
passagem da era do hardware para o capitalismo do software que a
modernidade leve ganha suas especificidades, que a rigidez da fixação
espacial perde o sentido tradicional e aglutinador, porque são instauradas
novas relações, começando pelas carreiras profissionais, que passam a deixar
de existir. A possibilidade de trabalhar em um mesmo emprego por longos e
49

seguros anos esvai-se entre os dedos, escorrem pelas mãos, e o futuro


cambaleia, tropeça em perspectivas incertas (BAUMAN, 2001).

A velocidade modifica o tempo com a invasão da eletrônica. As informações


espraiam-se, chegam a diferentes universos em um espaço de tempo jamais
imaginado, tamanha a sua rapidez. O tempo cresce, aumenta em extensão,
amplia-se, ganha novas dimensões e em eventos simultâneos, desfaz a
importância do espaço que deixa de ser uma das variáveis estruturantes que
regia a vida cotidiana.

O espaço deixa de ser a referência. Ele é substituído pelo tempo, que passa a
ser o da dominação do espaço. Ganha luz o instantâneo, o imprevisível,
trazendo consigo inseguranças e incertezas. A dominação do tempo, agora
encerrado nas tecnologias, também tira a liberdade, cria novas amarras,
aprisiona, limita, controla, mas também traz a possibilidade de mudar, de
recomeçar. O poder do tempo instaura o líquido, e este tem justamente a
capacidade de poder se “liquefazer”, ou seja, de ser livre e de fazer escolhas,
de ocupar mais e diferentes espaços, movimentando-se nesse vasto universo.
Contudo, nem o tempo nem o espaço desmobilizam o capitalismo: agora, na
modernidade leve, ele consiste em manter a mão de obra longe dos espaços
onde a era do software não mais prende (BAUMAN, 2001).

Quanto ao amanhã, sequer se sabe como existirá, se existirá. Ele é muito


incerto, instantâneo, efêmero, fugaz. Vive-se um presente sem passado e sem
futuro; apenas vive-se, consome-se. As identificações são mais com o tempo
do que com os antepassados e as memórias. Por outro lado, se o passado e a
memória foram pilares e pontes de sustentação da vida e da morte, da
eternização das realizações humanas, isso implica em assumir
responsabilidades de viver o momento, o instantâneo, em seu tempo e em
momentos únicos.

Bauman (2010) argumenta que, nos tempos líquido-modernos, há de se ter


grandes modificações na educação e no próprio significado do conhecimento.
Para lidar com elas, a educação precisa encontrar estratégias para dialogar
com o momento presente. Não existe outro caminho para a escola a não ser
estreitar relações com o mundo vivido, derrubar fronteiras e ser parte de um
50

contexto humano de formação tanto pessoal como de grupos. O autor


argumenta que,

[...] as mudanças presentes são diferentes das que se verificaram no


passado. Em nenhum dos momentos decisivos da história humana os
educadores enfrentaram um desafio comparável ao que representa
este ponto limite. Nunca antes nos deparamos com situação
semelhante. A arte de viver num mundo hipersaturado de informação
ainda não foi aprendida. E o mesmo vale também para a arte ainda
mais difícil de preparar os homens para esse tipo de vida(BAUMAN,
2010,p.60).

Isso posto, cabe expormos algumas considerações sobre o que se segue e que
constituem a matéria central desta tese. A existência das sociedades em todos
os tempos tinha como pressuposto uma sobrevivência à base de buscar no
meio físico os recursos para suprir suas necessidades. Essas necessidades
vão se aprimorando gradualmente, e elas são aquilo que impulsionam as
configurações do grupo, pois, em algum momento, deixam de serem apenas
necessidades naturais e passam a ser também necessidades sociais. Seria
impossível tratar de educação e tecnologias sem falar desse processo evolutivo
das sociedades, mesmo que de forma breve ou modesta, visto que é pelas
necessidades renovadas, multiplicadas, ampliadas, globalizadas que estamos
hoje frente aos recursos renovados. Eles existem porque os sujeitos precisam
deles para viver, e ninguém melhor do que Castells e Levy para apresentar
alguns conceitos e usos das tecnologias no mundo contemporâneo, conforme
veremos a seguir.

2.1 O Tempo das tecnologias

E quem garante que a História


É carroça abandonada
Numa beira da estrada
Ou numa estação inglória

A história é um carro alegre


Cheio de um povo contente
Que atropela indiferente
Todo aquele que a negue

É um trem riscando trilhos


51

Abrindo novos espaços


Acenando muitos abraços
Balançando nossos filhos

Já foi lançada uma estrela


Pra quem souber enxergar
Pra quem quiser alcançar
E andar abraçado nela
(Chico Buarque)

A evolução das tecnologias é basicamente um continuum que reflete o


processo evolutivo das economias das sociedades, e de suas culturas. Além de
procurar retratarem linhas gerais esse movimento, é essencial situá-la nesta
tese como um fenômeno de comunicação no mundo contemporâneo. Em seu
texto “Modelo de Evolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação”,
Damásio (2007) observa que o processo de evolução de uma tecnologia “[...] é
claramente um processo evolutivo, e não um processo revolucionário, que
segue uma sucessão lógica de eventos que é determinada por uma
conjugação de fatores econômicos, sociais e culturais”. (p. 38)

O autor avança nessa concepção quando aborda a entrada em cena do


consumo das medias, que vieram para suprir necessidades/carências dos
sujeitos, por propiciarem uma satisfação que vem, ao mesmo tempo, do uso e
consumo, de suprir necessidades que têm no seu bojo não uma aceitação
passiva, mas uma inter-relação, uma integração entre objeto e sujeito.

A introdução do conceito de necessidades foi uma inovação


significativa no estudo das medias, na medida em que implicou um
afastamento relativamente às concepções de um receptor totalmente
passivo, típica das teorias dos efeitos e introduziu o conceito de um
sujeito ativo, com capacidade de atribuir significados próprios às
mensagens mediáticas e de estruturar a sua forma de concepção de
acordo com um padrão coletivo em que se integrava.(DAMÁSIO,
2007,p.38)

Esta abordagem tornou-se significativa nesse contexto por extrapolar o olhar


sobre as medias como um simples ato entre produtores e consumidores, por
dar ênfase ao compartilhamento das informações, à necessidade que adquire
os sujeitos de se apropriarem dessas medias para fazer parte do mundo por
meio desse elemento facilitador da comunicação. Damásio (2007) sublinha que
52

a importância das tecnologias no ato educativo deve ser considerada apenas


como a alternância no modo de transmissão e comunicação, e não como uma
nova forma do processo de aprendizagem, argumentando que há uma
distinção entre transmitir a informação e adquiri-la.

Para o autor, há três estágios na educação que fazem parte do processo de


aprendizagem: saber, experimentar e criar. No entanto, entre tecnologia e
educação, essas confluências muitas vezes situam-se em diferentes pontos.
Ao refletir sobre o ato educativo, Damásio (2007) busca um modelo
globalizante, com ênfase em mudanças comportamentais e comunicacionais.
Defende em seus estudos que essas mudanças refletem na aprendizagem,
que podem não ocorrer em sua essência, mas que têm lugar em seus estágios
de evolução. Argumenta que a convicção dessa premissa é de que, na análise
de padrões históricos de evolução, podem ser encontradas as transformações
operadas pelas tecnologias na estrutura atual de organização social e como ela
se expande na sociedade em processos sociais - entre eles, o educativo.

É impossível não discutirmos os usos e necessidades atuais das tecnologias,


abordados por diversos autores que as situam no mundo moderno, e que,
discorrem sobre como elas se expandiram e dominaram o mundo com a
informação (LEVY, 1995; PÉREZ GOMES, 2015; CASTELLS, 1999; MORAN,
2000; KENSKI, 2008). Dentre eles, indicamos Castells.

Em um breve panorama histórico, Castells (1999) ressalta um vasto conjunto


de questões que concerne à evolução e disseminação das tecnologias. Aborda
o impacto das duas Revoluções Industriais, sendo a primeira iniciada no final
do século XVII, com a substituição da manufatura pelas máquinas; e a
segunda, um século depois, com a introdução da rede elétrica. Essas
Revoluções são marcadas pelas continuidades fundamentais no plano de
conhecimentos científicos que conduziram o desenvolvimento tecnológico
subsequente, acelerado e sem precedentes na história. Se, por um lado, houve
uma continuidade no processo tecnológico, por outro ocorre uma
descontinuidade histórica, desencadeada pela introdução, na base material da
espécie humana, de atividades que dependiam não mais apenas da força
53

bruta, mas também da ampliação das capacidades e do conhecimento para


operar nos segmentos da maioria dos setores econômicos em rede global.

O que mudou não foi o tipo de atividades em que a humanidade está


envolvida, mas sua capacidade tecnológica de utilizar, como força
produtiva direta, aquilo que caracteriza nossa espécie como uma
singularidade biológica: nossa capacidade superior de processar
símbolos.(CASTELLS, 1999,p.110)

É do nosso conhecimento que o século XX foi marcado pela revolução


tecnológica, mas também por uma nova estruturação dos modos de produção:
no capitalismo, com a apropriação do excedente da produção, que fica em
mãos dos capitalistas privados; e no estadismo, com o excedente da produção,
que fica nas mãos do governo. Ambos têm como princípio aumentar a
concentração do capital, os lucros e o poder. É nesse contexto que surge a
sociedade em rede:

Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era


industrial, em nossa época a Internet poderia ser equiparada tanto a
uma rede elétrica quanto ao motor elétrico em razão de sua
capacidade de distribuir a força da informação por todo domínio da
atividade humana. (CASTELLS, 2003, p.7).

Castells (2003) leciona que todo desenvolvimento cria novas exigências,


transforma e modifica relações e estruturas sociais. A tecnologia da
informação, já assimilada e incorporada em diversos setores sociais, modela
comportamentos, ressignifica a comunicação, dinamiza as atividades
econômicas, políticas e culturais. Essa velocidade implica outra lógica do
conhecimento, sempre renovado, globalizado. A produtividade encontra-se na
tecnologia, que gera “[...] conhecimento, processamento de informação e de
comunicação de símbolos”, sendo o conhecimento e a informação “[...]
elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento” (p.7). Desse
quadro, surge um vasto processo de necessidades. Dentre elas, as redes
sociais: um espaço de nova sociabilidade que se forma com elementos
próprios e determinadas relações entre vários setores da sociedade,em uma
rede, “[...] um conjunto de nós interconectados ”(2003, p. 7), e sua formação é
antiga na humanidade.
54

Historicamente, a organização em rede sempre existiu interligando pessoas,


fios, organizações, de acordo com os objetivos que se pretende alcançar. Para
Castells (2003), as redes, nas últimas décadas, passaram a ser a forma de
comunicação universal das diferentes gerações, das instituições “energizadas
pela Internet.” Em função de suas características de flexibilidade e adaptação,
elas passaram a integrar diferentes setores da economia e da sociedade, “[…]
desbancado corporações verticalmente organizadas” (p. 99). Com efeito, as
relações passaram a se constituir via Internet, em um processo seletivo e
territorialmente ilimitado.

Inicialmente, os usos da Internet “[…] são esmagadoramente instrumentais,


estreitamente ligados ao trabalho, à família e à vida cotidiana” (ibidem, p. 99).
Posteriormente, surgem as comunidades virtuais, que passam a ter
intencionalidades diversas de interação como amizades, namoros, estudos,
gênero. Essa evolução das relações sociais sob o impacto do fenômeno da
Internet deslocou para as redes uma forma de organização e impôs novas
demandas ao mundo do trabalho, que envolve, também, as instituições
educacionais (CASTELLS, 2003).

A sociedade depende dessa correlação entre necessidade e satisfação. Levy


(1999), ao discorrer sobre o ciberespaço - infraestrutura do computador onde
se efetiva a comunicação em rede - sublinha que, diferentemente de outras
formas de comunicação, essa interconexão mundial de computadores abriga
um oceano de informações, e “[...] Quanto mais o ciberespaço se amplia, mais
ele se torna “universal”, e menos o mundo informacional se torna totalizável. O
universal da cibercultura não possui nem centro nem linha diretriz”. (p. 111).

Levy (1999) argumenta ainda que, com o ciberespaço, surge um modo de


operar em dois mundos, o real e o virtual, que apresentam uma dinâmica de
trocas, reelaboração, construção e atualização sem limite espaço/tempo. É
estar e não estar, é projetar, é saber que existe antes de existir. “Na acepção
filosófica, é virtual aquilo que existe apenas em potência, não em ato” (p.37).
Acontece uma desterritorialização, um fenômeno que, pela sua expansão,
possibilitou um sistema de colaboração entre os indivíduos, não mais tendo
como impeditivo a ausência no espaço, já que o ciberespaço os unificava
55

virtualmente por rede. Assim, “Sujeitos e objetos, autores e destinatários


perdem sua bem distinta identidade em favor de redes contínuas de produção
de informações” (idem, 1995, p. 37).

As redes que cruzam fronteiras e inauguram formas diferentes de comunicar-se


se sustentam em uma base material da sociedade: a informação. Por essa
razão, a abordagem de estudos sobre esse tema tem se mostrado um campo
fértil para se pensar o processo educativo.

A Sociedade da Informação moldou a sociedade por meio de uma dinâmica


que transformou substancialmente a vida dos indivíduos. Os pilares de
sustentação dessa dinâmica estão nas tecnologias que passaram a ser um
espaço de articulação de informações; a comunicação ganhou status capaz de
transformar comportamentos, relações, modos de interagir, consumir,
tradicionalmente cristalizados. Sua “penetrabilidade nas redes” rompeu
fronteiras geográficas, classes sociais, gerações, colocando e impondo novos
modos de viver. Invadiram indústrias, empresas, comércio, instituições
educacionais, incidindo em uma reconfiguração dos meios de produção. Sua
flexibilidade tem vínculos com sua versatilidade e potencialidade, o que faz
com que possa ser usadas em diferentes setores, funções, gestões, grupos
sociais e econômicos, além de poder ser recorrentemente reconfigurada, para
diferentes usos e contextos. Em um movimento de convergência, dispõe sobre
um mesmo ponto central as mensagens em vários e diferentes formatos,
abarcando todo tipo de informações (CASTELLS, 1999).

Discorremos neste item sobre o tempo das tecnologias. Trataremos, a seguir,


do tempo de pensar a escola e as tecnologias.

2.2 O Tempo de pensar a escola e as tecnologias

Fiz um acordo de coexistência com o


tempo: nem ele me persegue, nem eu
fujo dele. Um dia a gente se encontra.
(Mário Lago)
56

A reflexão sobre tempo e espaço que ancora este estudo é da articulação que
ressignifica elementos constitutivos da educação, em uma combinação de
traços que as escolas conservaram e características de uma sociedade da
informação, marcada pela conectividade como expressão do mundo capitalista
e globalizado. O que se segue é um breve relato da passagem histórica em
que se inscrevem as tecnologias na sociedade e, consequentemente, na
educação. Alguns olhares sobre esse processo de transição foram
considerados para que se possa compreender e contextualizar melhor o
período de atuação dos coordenadores pedagógicos e, assim, ir inserindo as
discussões naquilo que é o objeto desta pesquisa.

A sociedade que se formou do século XX ao XXI, com períodos de grandes


revoluções, só pode ser compreendida à luz de algumas reflexões que
indicamos sucessivos processos de mudança. Para melhor entender esse
movimento, a história tem a chave do que nesses períodos foi assimilado e do
que conservou como mecanismos que transformaram o mundo e a Educação.
Ao abordar esse tema, Hobsbawm (1994), há mais de duas décadas,
observou que,

[...] o breve século XX que passou acabou em problemas para os


quais ninguém tinha, nem dizia ter, soluções. Enquanto tateavam o
caminho para o terceiro milênio, em meio ao nevoeiro global que os
cercava, os cidadãos fin-de-siècle só sabiam ao certo que acabava
uma era da história, e muito pouco mais [...] (HOBSBAWN, 1994, p.
537)

Segundo Tedesco (2015), durante meados do século XIX e XX, a educação foi
basicamente política, em um sentido social. Os cidadãos tinham uma formação
educacional homogênea, e a elite tinha acesso a uma educação de nível
superior que formava os dirigentes. A educação esteve nesse contexto
comprometida com a formação dos recursos humanos que visavam ao
desenvolvimento econômico e social. Numa perspectiva de futuro, sublinha que
a educação deverá estar voltada para a construção de sociedades mais justas,
sustentadas por dois pilares: “Em termos sociais e políticos, aprender a viver
junto; e em termos cognitivos, aprender a aprender” (DELORS, 1996 apud
TEDESCO, 2015, p. 30). Faz uma síntese a partir desses dois pilares,
57

postulando que há várias análises que indicam a sociedade em rede global


com tendências de fragmentação social. Salienta que a lógica presente é a do
capitalismo e que suas implicações são de desigualdade de renda. Cita,
também, como outra tendência, a demanda do reconhecimento da diversidade.

Tedesco (2015) aponta o modelo apresentado por Castells (1999), composto


de dois eixos: globalização/identificação e individualismo/comunismo, e explica
que “A intersecção desses dois eixos dá lugar aos quatro modelos culturais
básicos da sociedade em rede global: o consumismo, o individualismo em rede,
o cosmopolismo e o multiculturalismo” (p. 30). Salienta que a escola que tem
como fim uma sociedade mais justa não pode ser neutra diante dessas opções,
e que “A centralidade da informação na sociedade em rede está relacionada à
conservação de poder nos que controlam os meios de comunicação.” (ibidem,
p. 31). Assim sendo, esse poder está disseminado em informações que
extrapolam dados da realidade, mas que envolvem outros domínios que
produzem efeitos cognitivos nas experiências dos sujeitos, como “[...] emoções,
valores e representações da cultura em geral”. (TEDESCO, 2015,p. 32).

O autor indica preocupação com essa mídia dominante por entender que ela
cria contradições na vida do cidadão ao reduzir problemas complexos a “[...]
modalidades de infoentretenimento”. Por meio de Castells (1999, p. 38),
sintetiza essa reflexão: “Não há tempo nem formato para nada na política
midiática; é uma questão de obter pontos.” Sua argumentação vem no sentido
de que os fenômenos sociais presentes no mundo contemporâneo - como “[...]
a proteção do meio ambiente, as consequências de manipulação genética, a
distribuição da água potável, a administração da saúde pública e as instituições
políticas globais” (ibidem, p. 32) - não podem ser relegados ao segundo plano e
que a compreensão desse quadro passa pelo entendimento de que há uma
complexidade que precisa ser compreendida nos seus meandros e que não
pode ser neutra diante dos valores éticos.

Ao recorrermos a outros autores para aprofundarmos as concepções que


ensejam olhares sobre a influência das mídias na educação, sob o signo de
uma economia da informação, pensada como uma evolução técnica dentro da
58

sociedade deparamo-nos com Negroponte (1995), para quem as tecnologias


passam a ser vislumbradas como parte da sociedade moderna e globalizada.

Discute-se tanto e há tanto tempo a transição da era industrial para


uma era pós-industrial ou da informação que é possível que não
tenhamos notado que estamos passando para uma era da pós-
informação. A era industrial, fundamentalmente uma era de átomos,
deu-nos o conceito de produção em massa e, com ele, economias
que empregavam operários uniformizados e métodos repetitivos na
fabricação de um produto num determinado espaço ou tempo. A era
da informação e dos computadores mostrou-nos as mesmas
economias de escala, mas menos preocupadas com o espaço e o
tempo. A confecção de bits poderia se dar em qualquer lugar e a
qualquer tempo(NEGROPONTE, 1995, p. 157).

Nessa perspectiva, a tecnologia é vista como algo inerente às transformações


sociais e não se pode ignorá-la; é efeito de um processo culturalmente
assimilado, não sendo localizada em alguns espaços, mas globalizada; não
está vinculada a campos específicos, mas opera definindo as novas relações
da sociedade; não é utilizada por grupos ou gerações específicas, é linguagem;
não é apenas um dispositivo, mas um instrumento necessário para comunicar,
acessar as informações e fazer parte da realidade atual.

Moran(2003) argumenta que a escola conserva a tradição e resiste às


inovações. Problematiza a escola e seu legado tradicional ao observar que “Os
modelos de ensino focados no professor continuam predominando, apesar dos
avanços teóricos em busca de mudanças do foco do ensino para o de
aprendizagem” (p.63).

Vários autores têm ratificado o lugar das tecnologias na educação, bem como
sua contribuição como instrumento de articulação entre informação e
conhecimento. Nessa perspectiva, conforme aponta Tedesco (2002), o papel
da escola, nesse mundo de circulação intensa de informações por meio de
tecnologias, “[...] deve ser definido pela sua capacidade de preparar para o uso
consciente, crítico, ativo dos aparatos que acumulam a informação e o
conhecimento” (p.27). A escola é a instituição por excelência de produção e
circulação de conhecimento, e a chegada da Internet está trazendo novos
desafios tecnológicos e pedagógicos para a docência e processo de ensino
aprendizagem. Entretanto, concordando com Moran, Masetto e Behrens (2003,
59

p.12), “As tecnologias sozinhas não mudam a escola, mas trazem mil
possibilidades de apoio ao professor e de interação com e entre os alunos.”

Kenski (2008) esclarece que os homens, em toda a história da humanidade,


tinham formas próprias de ensinar e aprender. Inicialmente, a relação entre
mestre e aprendizes ocorria com a presença de ambos, mas nem por isso o
processo de comunicação estabelecido era dialógico, visto que “[...] o mestre
encarnava o conhecimento a ser aprendido” (p. 10). Aborda a Maiêutica2 e
como ocorria o ensino aprendizagem na relação entre mestre e alunos. O
mestre encarnava o conhecimento; a estratégia era ouvir e falar, ensinar e
aprender, em uma relação dialógica em que o mestre era o grande detentor do
conhecimento. Contudo, novas experiências foram surgindo no decorrer do
tempo, as formas de comunicação foram se aprimorando, com ampliação
espacial e temporal dos processos interativos e comunicativos de ensino
aprendizagem.

Kenski (2008) defende que a interação extrapola a concepção de presença.


Argumenta que “O livro é tão revolucionário quanto a tecnologia”, uma vez que
deslocou a concepção de interação com a presença física do mestre: “Com o
livro, há a ampliação do número de pessoas em interação com a mesma
informação, ao mesmo tempo ou em múltiplos tempos (ontem, hoje, amanhã –
no passado ou no futuro)” (p. 11). Nessa perspectiva, a aprendizagem apoia-se
em uma relação tempo e espaço em que a interação é limitada, apesar de
transitar em diferentes gerações, e seu conteúdo é imutável. Todavia, essa
concepção perpassa a escola que, a grosso modo, tem em sua dinâmica
programas e currículos que determinam as formas de fazer circular o
conhecimento “[...] por meio de prazos, idades, épocas de ensinar e aprender”
(ibidem, p. 12). Pode-se dizer que não existem mudanças substanciais, dado
que “A escola estabelece o seu próprio processo de interação com a
informação/conhecimento que, em geral, não se diferencia da tripla
temporalidade (ouvir e ler – pensar, discutir - fazer)” (ibidem, p.11).

2 Método Socrático: consiste na multiplicação de perguntas, induzindo o interlocutor na


descoberta de suas próprias verdades e na conceituação geral de um objeto.
60

Pérez Gomes (2015), por sua vez, observa que a inserção das tecnologias na
vida moderna e, consequentemente, nas instituições educacionais incorre em
algumas questões, que abrangem desde um processo de apropriação e uso
dos equipamentos até uma mudança na realização das ações cotidianas do
trabalho. Estabelece um campo de relação do desenvolvimento entre épocas
diversas da sociedade, explicando como esses modos de comunicação
mudaram o cenário social da vida no fim do segundo milênio, da Era cristã até
os nossos dias. Apresenta uma síntese do desenvolvimento da humanidade
que possibilita dimensionar o impacto desse fenômeno na sociedade
contemporânea:

[...] A hominização durou vários milhões de anos; a pré-história


nômade, quase um milhão de anos; a época agrícola e pecuária, já
sedentária, cerca de sete mil anos; a era industrial não chega aos 300
anos; e da era digital ainda temos apenas quatro décadas. (PÉREZ
GOMES, 2015,p.15).

O autor salienta que uma nova estrutura social está se constituindo sobre a
plataforma das redes e, com ela, está sendo composta uma nova sociabilidade
por meio da informação. Para ser parte dessa nova estrutura, entretanto, é
necessário apropriar-se de sua linguagem, passar por uma nova alfabetização,
agora de domínio das telas, não somente para seu uso mecânico, mas também
para fazer parte do mundo e compreender a sua natureza “intrincada e
conectada”. Há no ciberespaço informações valiosas, mas também lixo.
Portanto, os aprendizes precisam aprender a lidar com uma grande gama de
informações e riscos, precisam aprender a selecionar essas informações, a
filtrá-las.

Ademais, devido às diversas mudanças nas relações do mundo


contemporâneo com o uso digital, já consolidado na vida social, novas
exigências nas instituições educacionais são necessárias. Se essas
modificações são construções históricas, sociais e políticas, é na/pela escola
que deve ter lugar a socialização dos cidadãos e seu desenvolvimento. Como
observa Pérez Gomes (2015) ao tratar da educação na era digital,

Neste complexo, inovador e acelerado contexto social e simbólico,


acontece a socialização da maioriados indivíduos das sociedades
61

contemporâneas; e, de acordo com as influências que recebem,


desenvolvem-se as suas competências,conhecimentos, esquemas de
pensamento, atitudes, afetos e formas de comportamento(PÉREZ
GOMES, 2015, p. 28).

Vários autores abordam a questão das tecnologias nas escolas e a


transformação histórica-social (BEHRENS, 2000; FREITAS, 2009; KENSKI,
2008; LEVY, 1999; MORAN, 2003, 2013). Nesse contexto de mudança global
com a sociedade imersa em um contexto virtual, não há como ignorar a
presença das tecnologias digitais, de relacionar com o outro, de ensinar,
aprender, divertir.

Moran e Behrens (2000) destacam que os efeitos e as expressões da ação das


tecnologias digitais são indiscutíveis:

[...] A humanidade tem sido desafiada a testemunhar duas transições


importantes que afetam profundamente a sociedade: o advento da
sociedade do conhecimento e a globalização. A acelerada mudança
em todos os níveis leva a ponderar sobre uma educação planetária,
mundial e globalizante. Educar nesse tempo de mundialização instiga
a refletir sobre o processo de globalização que tem passado a
integrar os sistemas financeiros, econômicos, políticos e sociais das
nações. (MORAN; BEHRENS, 2000, p. 67)

Problematizando a questão das tecnologias na educação, Freire, já em 1992,


defendia a ideia de que era preciso ter cuidado com a sua introdução nas
instituições educacionais, enfatizando que não cabe transformar seu uso em
treinamento técnico de trabalhadores, submetendo-se desse modo aos
interesses de formar de uma classe dominante:

Na perspectiva progressista, naturalmente, a formação técnica é


também uma prioridade, mas, a seu lado, há uma outra prioridade
que não pode ser colocada à margem [...]. Tem o direito de conhecer
as origens históricas da tecnologia, assim como de tomá-la como
objeto de sua curiosidade e refletir sobre o indiscutível avanço que
ela implica, mas também sobre os riscos a que nos expõe[...]. Esta é,
sem dúvida, não apenas uma questão profundamente atual, mas
também vital do nosso tempo. E a classe trabalhadora não deve dela
fazer parte simplesmente como o operário de Tempos Modernos que
se viu às voltas com o ato de apertar parafusos, na produção em
série, que Chaplin genialmente criticou. (FREIRE, 1992,p.132-133).
62

Kenski (2008) ressalta a importância das tecnologias na educação, traçando


uma distinção sobre os seus usos no que tange ao seu poder tanto na guerra
quanto nas relações de desigualdade social. Sublinha que a escola
desempenha o papel fundamental de introduzir os alunos nessa nova
linguagem, e assim instrumentalizá-los para que possam acessar novos
conhecimentos. Mantém que “Esse é também o duplo desafio da educação:
adaptar-se aos avanços das tecnologias e orientar o caminho de todos para o
domínio e apropriação crítica desses novos meios” (p.18).

Kenski (2008) argumenta que as tecnologias e a educação são indissociáveis e


que outros parâmetros incidiram sobre as aprendizagens desde o surgimento
das TIC e das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTIC).
Sustenta que os alunos já dominam as tecnologias, mas que elas não são a
solução para grande parte dos problemas e que seu uso, indiscriminado e
inadequado, trabalhando o conteúdo tradicional, na mesma abordagem dos
livros, pode resultar em desencanto. Observa que a mera repetição do
conteúdo didático no computador pode tornar uma aula online tão tediosa
quanto uma aula presencial, na qual a professora é o centro das atenções.
Ressalta que os alunos cercados por outros tipos de atrativos podem não se
sentir estimulados ao exercício e às atividades propostas. Quanto à formação
de professores com o uso da tecnologia, observa:

A formação de qualidade dos docentes deve ser vista em um amplo


quadro de complementação às tradicionais disciplinas pedagógicas e
que inclui, entre outros, um razoável conhecimento de uso do
computador, das redes e de demais suportes midiáticos [...] em
variadas e diferenciadas atividades de aprendizagem. É preciso saber
utilizá-los adequadamente, identificar quais as melhores maneiras de
usar as tecnologias para abordar um determinado tema ou projeto
específico ou refletir sobre eles, de maneira a aliar as especificidades
do “suporte” pedagógico [...] ao objetivo maior da qualidade
deaprendizagem dos alunos. (KENSKI, 2008, p. 106).

Coerentemente com a abordagem que esta pesquisa se propõe, as teorizações


de Paulo Freire (2000, 2001, 2014) foram consideradas para reflexão, visto que
estão fundamentadas em uma prática educativa que dá visibilidade marcante
para o papel da escola popular. Freire- um educador do tempo presente, com
um discurso progressista marcante, que ainda ecoa na Educação atual-,
63

problematiza a noção política da educação e a corresponsabilidade dos


agentes escolares na construção de uma consciência de classe pelo diálogo.
64

CAPÍTULO III

3. ONTEM E HOJE: Reatando laços e tecendo novos saberes

Não é extraordinário pensar que dos três tempos em que dividimos o tempo
- o passado, o presente e o futuro -, o mais difícil, o mais apreensível, seja
o presente? O presente é tão incompreensível como o ponto, pois, se o
imaginarmos em extensão, não existe; temos que imaginar que o presente
aparente viria a ser um pouco o passado e um pouco o futuro. Ou seja,
sentimos a passagem do tempo. Quando me refiro à passagem do tempo,
falo de uma coisa que todos nós sentimos. Se falo do presente, pelo
contrário, estarei falando de uma entidade abstracta. O presente não é um
dado imediato da consciência. Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é,
podemos pensar que passamos do futuro para o passado, ou do passado
para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao tempo:
«Detém-te! És tão belo...!», como dizia Goethe. O presente não se detém.
Não poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo. O presente contém
sempre uma partícula de passado e uma partícula de futuro, e parece que
isso é necessário ao tempo.(Jorge Luís Borges, in “Ensaio: O Tempo”)
(1954)

As obras de Paulo Freire (2000, 2001, 2014) apresentam profundas reflexões


sobre a educação, abrangendo as escolas voltadas para as classes populares,
cuja pedagogia apoia-se nas condições históricas para o desenvolvimento do
espírito crítico. A conscientização é um conceito que perpassa grande parte de
suas obras, principalmente em sua concepção de escola pública e popular, na
qual defende o diálogo como instrumento pedagógico, fundamental para uma
educação conscientizadora. Para Freire (2001), é impossível ser indiferente ao
tempo, ao espaço e aos desafios impostos pelos contextos sociais. “A
caminhada é sempre feita de ideias a combater ou defender. Nesse tempo
nega-se, afirma-se, cresce e imobiliza-se, envelhece assim ou é sempre novo.”
(p. 72)

A importância de Freire nesta tese está em como ele simboliza uma mudança
educativa, entendendo que o tempo histórico é o “tempo vivido”. Para ele, o
mundo movimenta-se e reorganiza-se em uma relação dialética com a
existência material de onde surgem as ideias, e são estas, senão outras, que
podem “[…] intervir no mundo que as gera” (FREIRE, 2001,p.73).
65

Como significados principais do termo mudança, ou de dar uma cara nova para
a escola, Freire (2001) apresenta um uso articulado de educação, de política
educativa, na gestão das escolas do município de São Paulo. Primeiro, ressalta
que, de acordo com os objetivos que se propõe, “[…] não se permite que ela
seja neutra, mas política sempre”. Nesse ângulo, algumas posições são
marcadas. Dentre elas, a de que Freire chama de politicidade da educação,
isto é, a qualidade de a educação ter de ser política. Argumenta que “[…] a
própria compreensão do que é ensinar, do que é aprender e do que é conhecer
tem conotações, métodos e fins […]” diferentes. “Numa concepção
progressista, não pode minimizar, desprezar o saber de experiência feito” que
os estudantes trazem para a escola. Nessa linha, o autor produziu toda uma
concepção, segundo a qual, “[…] para o educador progressista coerente, o
necessário ensino dos conteúdos estará sempre associadoa uma leitura crítica
da realidade” (FREIRE, 2001, p.29).

Em Freire (2001), não existe apenas uma pedagogia geral, mas uma
perspectiva que se propõe a transformar os oprimidos, por meio de uma prática
educativa que atenda às necessidades de classe. Essa pedagogia é pautada
em relações que educador e educando colocam-se em uma relação horizontal,
constituindo-se em uma apropriação do conhecimento de ambos, em uma
mediação reflexiva com o oprimido, e não para ele. Esse foi um movimento
metodológico que deveria instigar uma consciência crítica por meio de uma
articulação política organizativa nas escolas. Freire (2013), em sua obra
“Extensão ou Comunicação”, aponta que é fundamental articular uma relação
dialógica entre os sujeitos e o contexto em que vivem professores e alunos,
como aprendentes e como construtores do currículo, aqui entendido como um
conhecimento significativo.

O homem como ser histórico, inserido num permanente movimento


de procura, faz e refaz constantemente o seu saber. E é por isso que
todo saber se gera num saber que passou a ser celha, o qual
anteriormente, gerando-se num outro saber que também se tornara
velho, o qual anteriormente gerando-se num outro saber que também
se tornara velho, se havia instalado como saber novo. Um projeto
político tem de ser abraçado, tem de ser executado pelos
agentes.(FREIRE, 2013,p.58)
66

Para Freire, citado por Sevalho (2018, p.184), na realização humana do ser
histórico-social, o passado, o presente e o futuro “[…] não são departamentos
estanques. Sua história, em função de suas mesmas criações, vai se
desenvolvendo em permanente devenir, em que se concretizam suas unidades
epocais” (SEVALHO, 2018,p. 108). Essas se caracterizam “[…] pelo conjunto
de ideias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação
dialética com seus contrários, buscando plenitude” (ibidem. 109). De tal forma,
o ontem, o hoje e o amanhã “[…] não são como se fossem seções fechadas e
intercomunicáveis do tempo, que ficassem petrificadas e nas quais
estivéssemos ‘enclausurados’ […]” (idem, pp. 108-109), pois, assim sendo,
“[…] desapareceria uma condição fundamental da história: sua continuidade”
(idem, p. 109). Pensada como projeto de construção de uma sociedade mais
justa, a escola passa a ser vislumbrada como campo dialético e de lutas de
classe.

Olhando com atenção os deslocamentos de significados e de funções da


escola e de suas práticas, bem como os processos de mudança que estes
carregam, em 2013 chegou-se a um consenso quanto à necessidade de se
formular uma nova definição que tivesse abrangência em todo o corpo escolar
do município de São Paulo - definição essa que abarcasse desde a sua
produção, circulação e apropriação do conhecimento até uma gestão
reelaborada e em consonância com o mundo globalizado.

O programa que abarcava essas premissas, denominado de “Mais Educação


São Paulo” (2014), trazia uma proposta inovadora, começos daquilo que Paulo
Freire acreditava ser o melhor para a Educação. Nosso interesse ao
analisarmos os aspectos a que se referem esse Programa está em
compreendermos o Sistema de Gestão do Pedagógico (SGP), pesquisado a
partir de entrevistas conduzidas em um grupo de coordenadores pedagógicos
que dele se utilizavam – tema este que será posteriormente abordado neste
estudo.
67

3.1 Articulações entre redes e conhecimento

O ponto de partida para compreendermos o que é um Sistema deve ser


buscado na própria natureza de seu conceito, condicionado por um tipo de
ordem determinada pelas funções que competem a cada indivíduo na
sociedade. Em Sociologia, o conceito de Sistema é utilizado no que se chama
de funcionalismo estrutural de Talcott Parsons (entre outros) e se fundamenta
em uma organização do todo pelos subsistemas (estruturas), que são
interdependentes.

Parsons (2002, p.2) tinha muito interesse em determinar “[…] a função que os
indivíduos desempenhavam na estrutura social com vistas à excelência das
coisas”. Em sua visão, “Essa inter-relação entre os subsistemas é que dá
estabilidade e ordem social”, a partir do pressuposto que “Um sistema deve se
adaptar a um ambiente, atingir seus objetivos, integrar seus componentes e
manter seu modelo latente.”

Em uma sociedade, a economia, a política, a família e a educação são


estruturas interdependentes e, portanto,corresponsáveis pelo funcionamento
da sociedade como um todo. Para os funcionalistas, os subsistemas devem ter
a capacidade de se adaptar de acordo com as necessidades que emergem na
sociedade. Se, por um acaso, “[…] o sistema não apresentar a elasticidade
necessária, a qualidade de adaptar-se ao movimento, o sistema tornar-se-ia
disfuncional (expressão adotada por Robert Merton), do mesmo modo que uma
peça desgastada ou defeituosa que põe em perigo o desempenho de um
motor” (PARSONS, 2002, p. 2).

O termo Sistema é um conjunto de elementos interligados e vem do grego


sietemiun. Significa “formar um conjunto”, “combinar”. Todo e qualquer sistema
tem um objetivo a ser atingido. O termo tem grande abrangência, mas sua base
conceitual é aquela de um conjunto de elementos interdependentes, ou um
todo organizado, como, por exemplo, o Sistema de Telecomunicações ou o
Sistema Urbano. Para Bordignon (2009), o termo sistema “[...] compreende um
conjunto de elementos, ideais e ou concretos, que mantêm relação entre si
formando uma estrutura, [...] formando um todo dotado de certo grau de
68

harmonia e autonomia e voltado para uma finalidade” (p.25). Apresenta os


seguintes princípios como fundantes desses conceitos nas Ciências sociais,
observando que eles, porém, não esgotam a diversidade de características de
um sistema:

QUADRO 1 - Princípios fundantes do conceito de sistema em Ciências


Sociais
a) Totalidade –Um sistema se caracteriza como um conjunto de partes
articuladas, organizadas num todo. O sistema estabelece a
interdependência, a conectividade das partes no todo, sem a qual
não adquirem significado. Mesmo quando situado como
subsistema, porque inserido num todo maior, no qual funciona
como parte, não perde a dimensão de totalidade no seu âmbito
próprio.

b) Sinergia – As partes, quando articuladas, assumem novo significado no todo


pela troca de energia, que gera sinergia e transfere a cada uma a
força das demais. Em outras palavras, a sinergia gerada pela
articulação confere a cada parte a força do todo. Neste sentido, a
força do todo torna-se maior do que a soma das forças de suas
partes.

c) Finalidade ou – Na filosofia aristotélica, a finalidade de um ser é a sua “causa


intencionalidade final”, no sentido de que é a sua razão de ser. O fim justifica, dá
significado à existência do ser. Neste ângulo,a finalidade constitui a
razão de ser de uma organização, de um sistema. A finalidade dá
organização à energia que liga as partes no todo.

d) Autonomia – Na Psicologia, autonomia se refere à preservação da integridade


do eu, vale dizer, de uma identidade. Na Filosofia, o termo
autonomia, de autônomos, indica a capacidade de auto regulação.
Em ambas as acepções, o fundamento da autonomia está na
constituição do ser enquanto sujeito. Na dimensão política, a
autonomia é definida pelo espaço próprio de poder de um sujeito,
individual ou coletivo.

Organização – A organização estabelece a articulação, as inter-relações das


partes no todo, em vista da finalidade comum. A organização das
partes no todo estrutura o sistema.

Normatização – A norma é elemento essencial para garantir a efetividade dos


princípios anteriores. O grau de autonomia de um sistema é
determinado por sua finalidade e pelas normas que o instituem.

Fonte: Gestão da Educação no Município; Sistema, Conselho e Plano(BORDIGNON, 2009,p.25).


69

Na educação brasileira, a discussão sobre uma organização educacional


sistêmica aparece pela primeira vez na Constituição de 1934, com o Manifesto
dos Pioneiros. Discutia-se a importância de se ter a educação como um projeto
de cidadania brasileira; portanto, pautada em uma unidade de educação
nacional. A visão de totalidade poderia imprimir outros rumos nos
desdobramentos de uma educação até então fragmentada e caótica.

[...] todos os nossos esforços, sem unidade de plano e sem espírito


de continuidade, não lograram ainda criar um sistema de organização
escolar [...]. Tudo fragmentário e desarticulado. [...] A situação atual,
criada pela sucessão periódica de reformas parciais e
freqüentemente arbitrárias,lançadas sem [...] uma visão global do
problema, em todos os seus aspectos, nos deixa antes a impressão
desoladora de construções isoladas [...]. (AZEVEDO et al, 1932, p. 1).

Pode-se considerar que essa preocupação, já existente no manifesto dos


pioneiros, fez com que se desencadeassem novas reflexões sobre políticas
educacionais, formas renovadas de alcance ou busca de soluções para os
problemas existentes. Segundo Bordignon (2009), o Sistema em rede
apresentava-se como uma alternativa não centralizadora para a organização
de um sistema nacional. Havia uma interdependência e articulação entre os
subsistemas que formavam uma totalidade, “[...] mas sem se constituir em
supersistema e sem interferir na autonomia de cada um”(p. 35).

O pressuposto é que um sistema sozinho não seria capaz de


alcançar esses objetivos ou não os realizaria com a mesma eficiência
e qualidade com que o fariam de forma articulada. O conceito
fundamental da organização em rede está fundado no princípio da
sinergia, ou seja: duas ou mais organiza-
ções em interação trocam energias, sem perdê-las, assumindo cada
uma a força das demais. (BORDIGNON, 2009, p.113).

O Sistema de Gestão do Pedagógico da prefeitura do município de São Paulo,


criado em 2014, ancora-se naquilo que já era preconizado no manifesto dos
pioneiros, ou seja, a necessidade de haver outra dimensão do ensino
aprendizagem no universo das escolas. No SGP, uma nova lógica passa a
organizar a articulação das ações pedagógicas por meio das redes digitais.
Essa estrutura, considerada fundamental na atual conjuntura, consiste em um
70

arcabouço de informações, de práticas cotidianas das atividades docentes, de


resultados, de aprendizagens e de tomadas de decisão com vistas ao sucesso
escolar dos alunos. Nesse sistema, os registros retratam as escolas, que
podem estar perto ou distante entre si, apresentando, grosso modo, o esboço
de sua dinâmica, de tal forma que podem fornecer pistas sobre os intervalos
que separam e, ou unem as escolas em um processo educacional.

O SGP é um recurso tecnológico que potencializa o


acompanhamento pedagógico dos estudantes pelas famílias,
professores, gestores das Unidades Educacionais (UE), Diretorias
Regionais de Educação (DRE) e da própria Secretaria Municipal de
Educação de São Paulo (SME-SP).[...] O SGP realiza a migração de
dados para campos distintos do documento, bem como a produção
de relatórios, atas, tarjetas e gráficos comparativos, atendendo,
assim, no final do percurso, à proposta de fazer chegar às mãos de
pais e responsáveis um documento bimestral, consolidado com dados
da progressão sistemática da aprendizagem de seus
filhos.(SGP,2014,p.6)

Para Whitaker (1993), as estruturas em rede favorecem um novo


comportamento nas relações hierárquicas, que tendem a ser mais
horizontalizadas. Defende que há nessa modalidade um exercício de liberdade,
responsabilidade e democratização da informação que minimizam padrões
incorporados de dominação, competição e autoritarismo. A vivência dessa nova
experiência incide sobre a educação dos sujeitos, que se reeducam nessa
prática, nessa dinâmica que os cercam por todos os lados. O fazer gratuito, o
desinteresse pessoal, são princípios que teoricamente embasam a
solidariedade que, em rede, ocorre nas trocas de informações, na
disponibilidade de compartilhar, de dividir, de ajudar o outro, rompendo com a
cultura do individualismo e da competição, uma vez que essas colocações
permitem que todos ganhem. Whitaker (1993) explica que uma estrutura em
rede, que entende como “uma alternativa à estrutura piramidal”,

[...] corresponde também ao que seu próprio nome indica: seus


integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente
ou através dos que os cercam. O conjunto resultante é como uma
malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para
todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser
considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não
71

há um “chefe”; o que há é uma vontade coletiva de realizar


determinado objetivo. (WHITAKER, 1993, p. 2).

Em síntese, podemos dizer que essa rede que conecta o SGP é composta de
subsistemas ou estruturas. O que organiza e movimenta essa engrenagem são
as interconexões e interdependência entre os subsistemas de cooperação, de
planejamento e de ações próprias a cada sistema de ensino, já dadas pela
Secretaria Municipal de Educação (SME) no Programa Mais Educação São
Paulo (2014). Desse modo, a organização do SGP constitui-se em definição
comum com os sistemas, tendo cada um sua própria competência e estratégias
de ação para efetivar os objetivos da SME de São Paulo.

Parsons (1951, p. 4) entende que um sistema “[…] pode ser composto por
diversos sub-sistemas para facilitar seu entendimento e gerenciamento”, sendo
o subsistema entendido como “[…] um sistema menor, que possui seus
próprios elementos e fazem parte de um sistema maior”. É preciso discriminar
que a estrutura do Sistema dentro das escolas é de uma visão micro, centrado
em suprir com dados e alimentar com informações pedagógicas os resultados
dessa Unidade escolar. Esboça uma estrutura que, inicialmente, não tem
nenhum tipo de contato com outras escolas, pois o objetivo é analisar e estudar
os problemas da Unidade específica na medida em que eles surgem,
apoiando-se na realidade tangível das comunidades e dos problemas que
delas emergem. Nessa perspectiva, cada Unidade Escolar é um subsistema
quando pensado nos elementos que a fazem funcionar, ou seja, os alunos,
professores, coordenadores e diretores.

A implantação e a utilização do SGP implicam um grau de responsabilidade e


compromisso por todos os seus usuários e imprime atribuições aos servidores
da Rede Municipal de Ensino de São Paulo - RMESP(2014) nas Unidades
Educacionais, conforme ilustrado abaixo:
72

QUADRO 2 – Unidades Educacionais

A indicação de uma pessoa responsável para ser o


I – aos Diretores de Escola Administrador do SGP no âmbito de sua Unidade.

Orientar os Professores na utilização do SGP;


II – ao Coordenador acompanhar as informações registradas; registrar,
Pedagógico quando disponível no SGP, as informações pertinentes
a sua atuação e zelar pelo cumprimento dos prazos
para as inserções das informações no Sistema.

O registro de suas aulas, de seus planos de trabalho e


III – aos Professores das frequências, notas/conceitos e acompanhamento
pedagógico dos educandos no SGP, dentro dos prazos
estipulados pelos Gestores.

Fonte: Programa Mais Educação São Paulo - Subsídios Para Implantação (jan./2014).

A partir dos subsistemas supracitados, as atenções voltam-se para outra


instância: as Diretorias Regionais de Ensino, fincadas em 13 de cada regiões
da cidade, nas quais concentram-se o que teoricamente são os pontos de
referência de cada escola. São centros que agregam os resultados das
Unidades Escolares, dispersos em função da amplitude da região.

Com efeito, essas instâncias têm informações que permitem compreender


organicamente a educação de suas regiões, com elementos tanto para
determinar onde se localizam os maiores desafios do ensino aprendizagem
quanto para tornar compreensíveis os problemas que se evidenciam. Essas
instâncias também são uma estrutura do Sistema, mas situam-se em outra
dimensão estrutural em função da amplitude de sua visão. A possibilidade de
conhecer organicamente as regiões e os resultados a partir de outra dimensão
possibilita outro tipo de análise, em função de suas diferentes realidades e de
suas implicações no ensino aprendizagem, bem como a utilização dessas
questões para reflexões e análises.

Podemos observar por meio do que foi anteriormente apresentado, que as


Unidades Escolares, assim como as Diretorias de Ensino, são um subsistema
do Sistema. O que muda é a visão do todo. Ao contrário das escolas isoladas,
suas causas e funcionamento, seus sucessos e fracassos podem ser
analisados sob outra ótica. Entender as escolas e seus resultados dentro de
contextos específicos e como isso interfere na educação é uma visão
73

privilegiada das Coordenadorias de Ensino. Cabe a elas, portanto, fazer essa


classificação e análise, já que têm os fundamentos para isso.

Constata-se que os subsistemas são alimentados por dados e informações;


portanto, há uma dinâmica em curso. O seu funcionamento pressupõe um
intercâmbio entre as estruturas e seus atores. As Diretorias de Ensino, como
estrutura intermediária, desempenham uma função importante no universo
educacional da cidade de São Paulo em função do acesso às Unidades
Escolares, e às comunidades. São elas que desmontam o isolamento por meio
da ação supervisora; acompanham os desdobramentos da vida escolar das
Unidades Educacionais pela apropriação do conhecimento e funcionamento de
cada uma. Por meio de um estreitamento de relações e por seu intermédio às
escolas, podem comunicar-se com outras Unidades e apropriar-se de outros
recursos de modo a superarem o isolamento do meio em que estão
mergulhadas. Cabe a esse subsistema:

QUADRO 3 - Diretoria Regional de Educação – DRE

A indicação de uma pessoa responsável para ser o


Administrador do SGP na sua Unidade.
I Diretores das Diretorias de
Orientação Técnica-Pedagógica
A formação específica da Equipe Gestora e dos
(DOT-P
Administradores do SGP das UEs.

Acompanhar o Calendário de Atividades registrado no


SGP, os Planos de Trabalho dos Professores, o
desenvolvimento do processo pedagógico e demais
II Supervisor Escolar
registros e documentos que compõem o Sistema de
Gestão Pedagógica.

Apoiar os Administradores do SGP e Equipes Gestoras


nas UEs; acompanhar todos os registros efetuados nas
UEs dentro dos prazos estipulados pela SME;
III Administrador do SGP
disponibilizar aos Diretores Regionais e da DOT-P os
relatórios e gráficos de desenvolvimento do processo
pedagógico dos educandos de cada Unidade; participar
de reuniões periódicas junto à equipe da SME
responsável pelo SGP; e coordenar a distribuição de
acesso ao SGP no âmbito das UEs, informando à SME.

Fonte: Programa Mais Educação São Paulo - Subsídios Para Implantação (jan./2014).
74

Combinando esses dois subsistemas, chegamos à Secretaria Municipal de


Educação, que é o órgão central que atua na implementação das políticas
públicas que visam à educação, além de trabalhar para expandir e melhorar
sua qualidade. De modo geral, os subsistemas são subordinados a esse
centro.

Isto posto, o princípio é que o Sistema Geral se aproprie e aprofunde as


reflexões e análises que chegam até ele no sentido de fazer e renovar/recriar
políticas públicas que atendam ao interesse da educação dentro de uma visão
global. Cabe à Secretaria Municipal de Educação:

QUADRO 4 - Diretoria de Orientação Técnica/SME

I Diretor da DOT/SME Indicação do Administrador do SGP.

Cadastramento de todos os parâmetros


variáveis, tais como: os direitos e objetivos de
aprendizagem no Ciclo de Alfabetização; as
III Administrador do SGP
Orientações Curriculares; o Calendário Geral
Anual da SME, dentre outras informações
pertinentes, assegurando que o SGP tenha um
bom funcionamento na Rede Municipal de
Ensino.

DOT/SME A formação específica para utilização do SGP


dos Diretores da DOT-P;a formação específica
para utilização do SGP dos responsáveis pela
formação do SGP; Informática Educativa da
DRE - Supervisores Técnicos das DREs e de
TIC da DRE.

Fonte: Programa Mais Educação São Paulo - Subsídios Para Implantação (jan./2014).
75

3.2 O Sistema de gestão do pedagógico

O ano de 2013 foi um ano histórico para a Rede Municipal de Ensino de São
Paulo por ter ocorrido a implantação e a implementação da Reorganização
Curricular e Administrativa, Ampliação e Fortalecimento da Rede Municipal de
Ensino, com o Programa Mais Educação São Paulo. Com o referido Programa,
a educação da Rede Municipal de Ensino de São Paulo passou por uma
reorganização curricular, em uma proposta ousada que incidia não apenas
sobre o currículo, mas também sobre toda a Unidade Escolar e seus agentes.

O processo de construção dessa proposta considerou múltiplas e variadas


formas de recriar nas escolas uma nova concepção de ensino aprendizagem,
com ênfase nos olhares dos atores que nelas atuavam e da comunidade
escolar. O primeiro passo foi a abertura de consulta pública e colaborativa
sobre as questões que deveriam orientar a criação do novo documento, com
ênfase em princípios de Democracia, Participação e Cidadania. Essa consulta
ocorreu em um período de 30 dias, que abrangeu de agosto a setembro de
2013. Nesse processo, foram utilizadas ferramentas da web para receber
sugestões e propostas e para sanar dúvidas (PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO
SÃO PAULO, DOCUMENTO DE REFERÊNCIA, 2013, p. 6). As respostas a
tais questões resultantes da consulta tiveram três encaminhamentos: inserção
nos textos do currículo, ou rejeição, pois eram apenas comentários
reafirmadores das propostas, ou objeto de respostas complexas por meio de
publicações de Cadernos de Subsídios, que explicitavam aprofundavam as
propostas feitas. Chegou-se a publicar 7 números do Cadernos Subsídios,
entre 2013 e 2017.

Dessa consulta, foram analisadas 3.126 questões, sendo detectados pontos


considerados importantes para a produção do documento. Sua organização foi
norteada pela Legislação Brasileira, que versa sobre o direito à educação
presente na Constituição Federal, em estatutos e dispositivos legais
específicos que regulamentam esses direitos e deveres do Estado para garanti-
lo. A referência para a elaboração do programa foi a aprendizagem como
direito humano. Todos os componentes do Programa da Educação Municipal
tinham como pressuposto melhorar a aprendizagem e o desenvolvimento dos
76

alunos. Teve como princípio o fato de que no Brasil ampliavam-se as


discussões sobre novas orientações curriculares da Educação Básica, em
todas as etapas, e a cidade de São Paulo entendeu que era o momento de
participar e contribuir com esse processo, criando novos referenciais sobre o
assunto (PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO SÃO PAULO, DOCUMENTO DE
REFERÊNCIA, 2013, p. 15).

A proposta desse Programa era que a educação de qualidade social deveria


ser revista no que tange aos seus objetivos de escola enquanto lócus de
produção de conhecimento, mas também de valores, cidadania, direitos,
inclusão, diversidade, respeito e valorização da diferença, autonomia,
participação, envolvimento das famílias, cooperação. Acreditava-se que era
preciso dedicar mais atenção à emergência de algumas necessidades que
precisam ser analisadas e renovadas, o que corresponde a incluir recursos
também renovados para satisfazê-las, dando lugar à incorporação de novas
técnicas.

Como parte importante desse Programa, foi abordada, discutida e revista a


questão da cultura digital na educação, compreendida da seguinte forma:

A cultura digital não é conceituada pelo determinismo tecnológico,


mas emerge como consequência do intenso uso e apropriação social
dessas tecnologias no tecido da vida cotidiana. Prevê infraestrutura e
dispositivos, o suporte para cultura digital e para a comunicação, mas
é seu modo de uso que faz a diferença. A integração das tecnologias
ao fazer pedagógico demanda ir além do acesso aos computadores,
ao domínio operacional das ferramentas tecnológicas e de suas
possibilidades para a educação. Trata-se de democratizar o acesso e
a autoria de professores e alunos por meio das tecnologias, incluindo
as tecnologias assistivas e, a um só tempo, integrá-las ao currículo e
oportunizar o processo de apropriação social da tecnologia e seu uso
crítico e inovador. Importante também é a Educação.(PROGRAMA
MAIS EDUCAÇÃO SÃO PAULO, DOCUMENTO DE REFERÊNCIA,
2013, p. 17)

Organizado em dois grandes eixos, Qualidade e Gestão, as concepções do


Programa Mais Educação São Paulo passaram a ganhar corpo. A primeira
discussão girou em torno do currículo e da qualidade social da educação.
Entendeu-se que o currículo deveria ser aberto e que sempre que necessário
poderia ser revisitado, revisto, modificado a partir de uma perspectiva dialógica,
77

tendo como fim a qualidade social da educação. No eixo Gestão, ficou


centralizada a base de implantação do Programa, que organiza os princípios e
as ações propostas em noções como a interdisciplinaridade, a autoria, a
pedagogia de projetos e a avaliação para a aprendizagem.

Nesse processo, foi criado o Sistema de Gestão do Pedagógico (SGP): um


sistema online, em rede digital, que inseria as Unidades Escolares em um novo
modelo de gestão. A inserção do Sistema em rede digital abolia os registros no
papel e colocava como instância de registro o Sistema digital. Teoricamente,
essa mudança era imprescindível, já que as tecnologias já estão consolidadas
no mundo atual.

O estudo do SGP nesta pesquisa está diretamente relacionado à


reorganização que ele impõe nas escolas, e como o uso desses recursos
“redefine” o papel do coordenador pedagógico, antes alicerçado em uma
dinâmica marcada pelo acompanhamento do trabalho docente nos diários.
Teoricamente, esse trabalho ganha novos contornos, nova forma de atuar, de
conduzir o trabalho. Assim, o que até então era um corpo a corpo passa a ser
um acompanhamento sistemático dos resultados por meio de registros em rede
digital.

Os conteúdos dos diferentes anos e especialidades passam a ser


cotidianamente acompanhados pela gestão. O acesso a esses registros deve
também contar com outros gestores, tais como a direção, a supervisão, os
setores das Diretorias Regionais e a Secretaria Municipal de Educação. Nessa
estrutura, o professor passa a compartilhar com os pares e coordenador o que
está sendo produzido, podendo, em qualquer momento, revisitar, refazer,
modificar o planejamento, incluir novos conteúdos de acordo com as
necessidades do seu grupo/classe.

Esse Sistema, criado como recurso tecnológico, foi concebido para otimizar a
escrituração e a documentação pedagógica. Foi organizado de forma a abarcar
a parte burocrática dos registros, mas também para avançar no sentido de ter
potencialidades de fazer migrar dados e informações. Conforme consta no
SGP (2014),
78

O SGP realiza a migração de dados para campos distintos do


documento, bem como a produção de relatórios, atas, tarjetas e
gráficos comparativos, atendendo assim, no final do percurso, à
proposta de fazer chegar às mãos de pais e responsáveis um
documento bimestral, consolidado com dados da progressão
sistemática da aprendizagem de seus filhos. (PROGRAMA MAIS
EDUCAÇÃO SÃO PAULO, SGP, 2014, p.7)

O SGP insere de sua forma, o corpo docente e os gestores na cultura digital,


possibilitando planejamento, acompanhamento e avaliação do processo
educativo das Unidades Educacionais. Seus elementos conceituais e
organizativos estruturam-se em Planejamento, Diário de classe, Frequência,
Atividades Avaliativas/Fichas Individuais e Boletim, conforme abaixo indicados:

QUADRO 5 – Elementos conceituais e organizativos do SGP

Planejamento Os planos de ensino deverão ser elaborados no início do ano,


bimestralmente, a partir de um diagnóstico inicial de cada turma
de estudantes, e em consonância com a orientação curricular de
SME. Estão previstos, no SGP, campos de livre produção textual
para o registro do planejamento anual (diagnóstico), bimestral e
para o replanejamento das ações didáticas, bem como para a
avaliação de cada aula, buscando assim garantir a flexibilidade e
integração de saberes, de forma a valorizar a condição e o
desenvolvimento dos estudantes e subsidiar a dinâmica que
perpassa a ação educativa.

Diário de classe Como no diário de classe, há muito utilizado pelos professores, o


SGP destina áreas para o registro de todas as atividades do
percurso pedagógico do ano letivo vigente e acumulará dados
salvos eletronicamente ao longo dos anos, agregando valor ao
registro realizado, constituindo uma documentação de memória
pedagógica. Todos os dados alimentados no diário de classe
eletrônico do SGP serão transportados para outros campos, os
quais produzirão relatórios e sínteses de armazenamento e
divulgação, que serão objetos de estudo e análise para o
redimensionamento do processo de ensino aprendizagem.

Frequência O Sistema de Gestão Pedagógica favorece o registro diário da


frequência dos alunos pelos respectivos professores e viabiliza
aos gestores acompanhamento e, consequentemente,
planejamento dos procedimentos necessários para garantia do
direito do aluno a frequentar, além das aulas regulares, as
sessões destinadas a atividades complementares, as aulas de
recuperação paralela e de compensação de ausências no
decorrer do ano letivo. As atividades de compensação de
ausências são as destinadas a sanar as dificuldades de
aprendizagem dos estudantes que apresentaram frequência
irregular às aulas. Serão orientadas, registradas e avaliadas pelo
professor da classe/componente curricular e, no final do bimestre
letivo, se cumpridas, descontadas do número de faltas
registradas, para apuração final da assiduidade, como orienta o
79

Regimento Escolar.

Atividades Avaliativas Trata-se de uma avaliação com caráter formativo e cumulativo,


e Fichas Individuais que se concretiza em atividades diversificadas, elaboradas pelo
professor e em consonância com o planejamento efetivado no
início do ano e ao longo do processo educativo. No Ensino
Fundamental, cada estudante será avaliado individual e
coletivamente e a síntese do processo de aprendizagem será
expressa bimestralmente.

Boletim Ao final dos bimestres, cada Unidade Educacional deverá ter


previsto e cadastrado, em seu calendário de atividades escolares,
o período para a realização do fechamento do bimestre e as
datas para a realização de reuniões de Conselho de Classe,
visando assegurar o acompanhamento sistemático dos avanços e
dificuldades do processo de ensino aprendizagem, bem como o
acompanhamento da frequência e as devidas orientações que
norteiam a intervenção de cada segmento da comunidade
escolar. A síntese do tratado nessas reuniões e as
notas/conceitos serão determinadas de forma coletiva, e
comporão o boletim do estudante.

Fonte: Programa Mais Educação São Paulo - Subsídios Para Implantação (jan./2014).

Com a utilização do Sistema, cria-se também outro grau de responsabilidade e


compromisso dos envolvidos, já que todos os prazos e datas que constam no
Sistema são previamente agendados e devem ser respeitados. Essa pressão
incide sobre o coordenador, pois há aí uma corresponsabilidade de cobrança
de tempo e de registros que depende da disponibilidade do outro. Ao
coordenador cabe acompanhar toda a parte burocrática de registro, que antes
ocorria no diário, mas também o registro de reflexões, análises e tomadas de
decisão quanto às questões de ensino e aprendizagem.

Em uma cidade como São Paulo, que tem como particularidade uma grande
rotatividade de seus profissionais na área educacional da Rede Municipal de
Ensino, essa questão torna-se ainda mais significativa. Com o sistema digital,
as informações relativas ao conhecimento produzido nas Unidades Escolares e
o desempenho dos alunos podem ser acessados tanto quanto o currículo
trabalhado. Teoricamente, esses campos são demarcados por gêneros
literários, recorte das diferentes ciências, percurso escolar do aluno,
planejamentos, entre outros, mas como o Programa Mais Educação São Paulo
dá autonomia de se criar um currículo para as diferentes realidades, pensadas
em seu contexto e nas comunidades onde estão inseridas, essas informações
80

sofrem diversas variações. Portanto, seu registro digital é um elemento


facilitador vital no processo de ensino e aprendizagem.

3.3. Articulando profissão e gestão do conhecimento

A coordenação pedagógica é uma função presente em todas as escolas. Pode


ter nomenclaturas diferentes, mas suas atribuições estão diretamente ligadas à
gestão educacional. Muitos problemas na atualidade relacionados ao trabalho
do coordenador estão associados à falta de definição de suas funções, de seu
espaço de atuação. O próprio conceito de coordenar direciona o tipo de
articulação que deve ter o profissional dessa área. Seu trabalho está
diretamente ligado ao indivíduo e ao coletivo; envolve os sujeitos nos
processos de ensino e aprendizagem a algo que ocorre no universo da escola.
Deve intervir quando necessário para contribuir com a reflexão e o aprendizado
dos alunos, criar uma relação menos burocrática e mais agregadora do grupo e
ter a clareza que a sua atuação é junto ao professor, acompanhando sua
prática e avaliando sistematicamente os resultados, em um processo contínuo
de ação, reflexão e ação.

Ao referir-se ao papel da coordenação pedagógica, Vasconcelos (2007)


sublinha que o coordenador deve:

Acolher o professor em sua realidade, em suas angústias; dar “colo”:


reconhecimento das necessidades e dificuldades. A atitude de
acolhimento é fundamental também como uma aprendizagem do
professor em relação ao trabalho que deve fazer com os alunos; fazer
a crítica dos acontecimentos, ajudando a compreender a própria
participação do professor no problema, a perceber suas contradições
e não acobertá-las; trabalhar em cima da ideia de processo de
transformação; buscar caminhos alternativos; fornecer materiais;
provocar o avanço; acompanhar a caminhada no seu conjunto, nas
suas várias dimensões. (VASCONCELOS, 2007, p. 91)

Salientamos a importância de que, ao assumir posturas junto ao corpo docente,


o coordenador não deve buscar para si uma atitude unilateral nas tomadas de
decisão, assumir responsabilidades, encaminhamentos, conflitos, como alguém
que tenha todas as respostas. Ao contrário, ele deve procurar articular sua
experiência, fazendo que esta caminhe em consonância com a leitura da
realidade dos atores envolvidos.
81

Diferentemente do que temos encontrado nas falas de alguns autores ou, de


modo recorrente, em textos, a Prefeitura de São Paulo define claramente as
atribuições do coordenador pedagógico, com ênfase nos acompanhamentos
dos processos de aprendizagem, nos resultados, na avaliação e no
planejamento, como pode ser observado no Decreto nº 54.453, de 10 de
outubro de 2013:

I - coordenar a elaboração, implementação e avaliação do projeto


político pedagógico;
II - elaborar o plano de trabalho da coordenação pedagógica,
articulado com o plano da direção da escola;
III - coordenar a elaboração, implementação e integração dos planos
de trabalho dos professores;
IV - assegurar a implementação e avaliação dos programas e
projetos que favoreçam a inclusão;
V - promover a análise dos resultados das avaliações internas e
externas, estabelecendo conexões com a elaboração dos planos de
trabalho dos docentes;
VI - analisar os dados referentes às dificuldades nos processos de
ensino aprendizagem;
VII - identificar, em conjunto com a Equipe Docente, casos de alunos
que apresentem dificuldades de aprendizagem;
VIII - planejar ações que promovam o engajamento da Equipe
Escolar na efetivação do trabalho coletivo;
IX - participar da elaboração de critérios de avaliação e
acompanhamento das atividades pedagógicas;
X - acompanhar e avaliar o processo de avaliação, nas diferentes
atividades e componentes curriculares, e assegurar as condições
para os registros do processo pedagógico;
XI - participar, em conjunto com a comunidade educativa, da
definição, implantação e implementação das normas de convívio;
82

XII - organizar e sistematizar, com a Equipe Docente, a comunicação


de informações sobre o trabalho pedagógico, inclusive quanto à
assiduidade e compensação de ausências dos alunos;
XIII - promover o acesso da equipe docente aos diferentes recursos
pedagógicos e tecnológicos;
XIV - participar da elaboração, articulação e implementação de
ações, integrando a unidade educacional à comunidade;
XV - promover e assegurar a implementação dos programas e
projetos da Secretaria Municipal de Educação, por meio da formação
dos professores, e necessidades de adequação;
XVI - participar das diferentes instâncias de discussão para a
tomada de decisão quanto à destinação de recursos materiais,
humanos e financeiros, inclusive a verba - PTRF e do PDDE;
XVII - participar dos diferentes momentos de avaliação dos alunos
com deficiência;
XVIII - orientar, acompanhar e promover ações que integrem
estagiários, cuidadores e outros profissionais nas atividades
curriculares;
XIX - participar das atividades de formação continuada promovidas
pelos órgãos regionais e centrais da Secretaria Municipal de
Educação.

Vitor Paro (2015), a partir de entrevistas com diretores de escolas, procura


apresentar as atribuições e a interligação entre o administrativo e o pedagógico
na gestão escolar. Observa que não há uma linha divisória entre esses dois
segmentos, que um trabalha com atividades meio e o outro, com atividades fim.
Salienta haver uma visão distorcida tanto por diretores e coordenadores quanto
por funcionários, criando, assim, uma dicotomia que sugere uma importância
maior do pedagógico em detrimento do administrativo. Explica que os esforços
desses segmentos devem ser voltados para a educação e a organizaçãodo
cotidiano escolar, visto que são papéis indissociáveis cuja eficiência só é
garantida em uma harmonização do administrativo e pedagógico.
83

Na verdade, se o administrativo é a boa mediação para a realização


do fim, e se o fim é o aluno educado, não há mais administrativo do
que o próprio pedagógico, ou seja,o processo de educá-lo. É,
portanto, o pedagógico que dá a razão de ser ao administrativo,
senão este se reduz à mera burocratização, fazendo-se fim em si
mesmo e negando os fins educativos a que deve servir. (PARO,
2015, p.25).

Nessa perspectiva, Paro (2015) faz uso da racionalidade como propulsora das
ações humanas, pois é essa habilidade que permite que o homem seja um ser
que cria, elabora e projeta seus objetivos e seu alcance. Explica que,
historicamente, as habilidades humanas é que transformaram a natureza e,
com isso, inseriram o homem no mundo do trabalho, colocando-o como sujeito
de suas ações e vontades. Salienta a importância da ação administrativa
mediadora, precisamente porque ela ajuda o trabalho a se desenvolver da
melhor forma, uma vez que “[...] todo trabalho pressupõe um componente
administrativo como mediadora na realização de trabalho” (PARO, 2015,p.29).
Apresenta dois grupos interdependentes de recursos: os objetivos (materiais ou
não) e os subjetivos, que se referem às capacidades de trabalho ou à força de
trabalho dos sujeitos que fazem uso desses recursos. Aponta a coordenação
no uso racional dos recursos subjetivos. Explica que

A racionalização do trabalho, por mais que se atenha à utilização dos


recursos objetivos, não pode desconsiderar que tais recursos são
manipulados por pessoas, e que só funcionam associados aos
recursos subjetivos. De igual modo, a coordenação, por mais que se
ocupe da utilização do esforço humano coletivo, não pode ignorar que
o escopo principal para a realização dos objetivos é a integração
desses recursos aos recursos objetivos de que se dispõe. (PARO,
2015,p.32)

Os trechos das citações acima conduzem ao segundo aspecto da analogia de


Paro (2015), segundo o qual o pedagógico funciona “numa rede de relações”.
Consideramos relevante salientarmos esse entendimento, visto que esta
pesquisa tem como foco aprofundar as reflexões sobre uma nova relação do
coordenador pedagógico com ênfase no trabalho coletivo e participação da
comunidade escolar na construção de projetos e tomada de decisões
pedagógicas e administrativas em outra lógica. Segundo Freire (2001, p. 89),
“É preciso que todos assumam seu tempo e, para fazer isso, é preciso integrar-
se, inserir-se no seu tempo.”
84

A este propósito,Libâneo (2005) aborda importantes referências ao modo como


a noção de pedagogo foi significada e como se expressa na atualidade. Avalia
que há hoje no Brasil um paradoxo no campo de estudos pedagógicos, porque,
ao mesmo tempo em que estão em alta na sociedade, estão em baixa no meio
educacional entre intelectuais e profissionais da área. Sublinha que há um
profundo desinteresse desses profissionais em aprofundar estudos sobre essa
área do conhecimento e sobre o que eles representam. Aponta que “A
sociedade atual é eminentemente pedagógica, a ponto de ser chamada
sociedade do conhecimento” (LIBÂNEO, 2005, p.11).

Isso pode ser visto, segundo o autor, nas formas como a pedagogia se
apresenta disseminada na sociedade, no cotidiano, compartilhando o espaço
educativo pelos meios de comunicação, pelas ações políticas, na criação e
elaboração de jogos, entre outros. Essas vertentes têm em comum o
entendimento de que não há separação entre a educação e o social. A
formação em diferentes âmbitos está fundada em ofertar requisitos para o
enfrentamento da intelectualização do processo produtivo.

Ao discorrer sobre a pedagogia e os pedagogos, Libâneo (2008) sublinha que


mudanças atuais estão gerando alterações no sistema de ensino:

Há uma 3ª Revolução Industrial em curso caracterizadas pela


internacionalização da economia, inovações tecnológicas, em vários
campos como informática, a microeletrônica, a bioenergética. Essas
transformações tecnológicas e científicas levam à introdução, no
processo produtivo, de novos sistemas de organização do trabalho,
mudança no perfil profissional e novas exigências de qualificação dos
trabalhadores, o que acaba afetando o sistema de ensino. (LIBÂNEO,
2001,p.5)

Sublinha que o pedagogo deve criar um compromisso com a razão crítica para
a construção da autonomia, entendida como a ideia de autodeterminação,
racionalidade e liberdade intelectual, que não é construída individualmente,
mas adquirida na cultura, em conhecimentos, na ação e na prática educativa
para todos. Uma escola de qualidade tem implícito uma educação voltada para
a formação cidadã, que oferece conhecimentos significativos capaz de
contribuir para a inserção dos sujeitos no mundo do trabalho, em uma
85

realização da cidadania por meio da aprendizagem, do acesso ao


conhecimento, do desenvolvimento de habilidades técnicas e novas formas de
solidariedade social, em uma “[...] vinculação entre trabalho pedagógico e lutas
sociais pela democratização da sociedade”(LIBÂNEO, 2008, p.19).

A carreira do coordenador pedagógico está ligada à atuação docente. No


âmbito geral, ela é mediadora da implementação das políticas públicas e do
gerenciamento do conhecimento que está sendo produzido. Há uma
responsabilidade de colaboração na formação cotidiana dos docentes e no
compartilhamento de experiências pela gestão nesse processo de interação em
que “[...] são mobilizados meios e procedimentos para atingir os objetivos da
organização, envolvendo, basicamente, os aspectos gerenciais e técnicos
administrativos [...]”, assim como os “[...] processos de chegar a uma decisão e
de fazê-la funcionar” (LIBÂNEO, 2005, p. 318).

Para Libâneo, Oliveira e Toschi (2010), a concepção democrático-participativa


de gestão

[...] Acentua a importância da busca de objetivos comuns assumidos


por todos. Defende uma forma coletiva de tomada de decisões.
Entretanto, uma vez tomadas as decisões coletivamente, advoga que
cada membro da equipe assuma sua parte no trabalho, admitindo a
coordenação e a avaliação sistemática da operacionalização das
deliberações. (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2010, p. 325)

Ao discorrer sobre a terminologia que defende ser utilizada na formação do


coordenador pedagógico, Christov (2010) afirma que a sua atribuição essencial
está associada à “formação continuada” em serviço, visto que “A realidade
muda e o saber que construímos sobre ela precisa ser revisto e ampliado
sempre” (p. 100). Comenta que outras expressões anteriormente utilizadas,
como “capacitação”, “reciclagem” e “treinamento”, foram substituídas por não
contemplarem, em sua essência, a construção intelectual de autonomia do
professor, visto que eram propostas previamente elaboradas, a serem
implantadas nas salas de aula. A expressão “formação continuada” passou a
ganhar visibilidade a partir da década de 90, abrindo espaço para uma
ressignificação do saber e fazer, já que estes passaram a coexistir no processo
de mudanças sociais e culturais.
86

Christov (2010) mantém que diferentes ações devem compor a formação


continuada: cursos, congressos, seminários, horário coletivo e orientações
técnicas individuais. Identifica como necessários os seguintes componentes
para um programa de formação continuada:

a) Um contexto de atuação: um município, um país, uma sociedade.


b) A compreensão de que ela não será a responsável exclusiva pelas
transformações necessárias às escolas, uma vez que isso depende de
um conjunto de relações, mas poderá ser um elemento de grande
contribuição para essas transformações.
c) As condições necessárias para a viabilização de suas ações: vontade
política, por parte dos educadores e governantes; recursos financeiros; e
organização do trabalho escolar, com tempo privilegiado para estudos
coletivos e individuais por parte dos professores.

Defendemos a importância da formação continuada para os professores, os


coordenadores pedagógicos, a qualidade do ensino e o desenvolvimento
educacional do aluno. Diversos autores consideram fundamental a formação
continuada em serviço. Para Fusari e Garrido (2000), a formação continuada
em lócus é pressuposto básico. Segundo Geglio (2009, p. 113), a escola “[…] é
o contexto natural e legítimo para o desenvolvimento dessa prática. Uma ação
que acontece com o coletivo, e no coletivo dos pares, juntamente com a figura
do coordenador pedagógico”.

3.4 Construindo sujeitos: o lugarque ocupo

Neste item, abordaremos a construção dos sujeitos, apresentando algumas


obras que são referência para estudos sobre o coordenador pedagógico.

De modo recorrente, o coordenador é mencionado na literatura como


mediador, formador, responsável por participar e acompanhar a elaboração do
currículo e seu desenvolvimento, coordenar o conselho de classe, planejar e
efetivar as reuniões pedagógicas, orientar estudos formativos, orientar e
acompanhar o planejamento anual, participar da elaboração do Projeto Político
Pedagógico(PPP) e da proposta pedagógica, acompanhar o desenvolvimento
87

das turmas e acionar pais para questões de ensino aprendizagem. As


diferentes atribuições do coordenador no âmbito das escolas foram construídas
em um conjunto de circunstâncias que vão se deslocando, mas o que se
destaca nas pesquisas sobre o tema é o papel formador e multiplicador de
saberes.

Em 2010 e 2011, foi realizada uma pesquisa pela fundação Victor Civita,
intitulada “Coordenador Pedagógico e a formação dos professores: Intenções,
tensões, e contradições”, cuja coordenação geral estava sob a
responsabilidade de Almeida, Placco e Souza. Tinha como objetivo conhecer a
atuação dos coordenadores pedagógicos no Brasil. Propunha-se a delinear os
papéis desses profissionais, identificando quem são, o que fazem, como
atuam, assim como apontar sua importância dentro das Unidades
Educacionais. Essa pesquisa forneceu lnformações relevantes sobre o tema
que têm contribuído com os pesquisadores da área, apesar de ainda ser pouco
investigada.

Para Placco, Almeida e Souza (2011), a atuação do coordenador tem sofrido


uma sobrecarga de trabalho, visto que este tem assumido, voluntária e
involuntariamente, atribuições que nem sempre lhe compete. Ter alguém que
seja atuante junto aos diferentes segmentos pode até ser importante para a
escola. No entanto, a falta de compreensão sobre limites de sua atuação,
considerando-se os eixos articulação, formação e transformação, pode gerar
equívocos e desvios no exercício da função coordenadora. Nessa pesquisa, é
apontado haver

[…] excesso de atribuições, por parte da legislação, do diretor,


professores, órgãos do sistema de ensino, alunos e pais, que
interfere sobremaneira na atuação que seria específica do
coordenador pedagógico.Primeiro, porque ele reconhece que essas
atribuições são importantes e tende a tomá-las para si; e segundo,
porque tem de integrá-las às dimensões históricas da profissão, às
suas dimensões pessoais e mesmo às suas condições
profissionais.(PLACCO; ALMEIDA; SOUZA, 2011, p.766)

A referida pesquisa, cujos autores apontam como maior dificuldade a relação


do coordenador com o docente, gerou alguns dados de atuação dos
coordenadores, revelando-nos que a burocracia e a gestão de outros
88

problemas ocupam grande parte do tempo do coordenador pedagógico, e que


a formação dos professores acaba ficando em segundo plano.

A problematização das atribuições que constituem o papel do coordenador


acaba ganhando diversas abordagens. Pesquisas conduzidas por Placco e
Almeida (2011) e Geglio (2009) apontam que não existe um campo de trabalho
configurado. Mesmo as legislações vigentes no país não indicam claramente
suas atribuições: o coordenador pedagógico é pouco mencionado nas leis
brasileiras, além de receber denominações variadas, e isso gera uma falta de
clareza quanto à sua identidade e à definição de suas competências no
trabalho cotidiano. Consequentemente, essa indefinição alavanca diferentes
comportamentos no exercício da profissão, e as identidades ou posições
assumidas pelos coordenadores pedagógicos no âmbito das escolas ganham
diferentes feições, que variam entre disciplinador, administrador e formador,
constituindo-se nesse processo os pertencimentos que cada profissional
assume ou é levado a assumir.

Essa indefinição quanto ao termo mais adequado que define o coordenador


pedagógico gera um problema de formação identitária, interferindo no papel a
ser desempenhado pelo coordenador pedagógico que atua no país, gerando,
consequentemente, problema não só para o próprio coordenador pedagógico
quanto para todos os envolvidos no processo educacional. Dessa forma, torna-
se muito relevante abordá-la. Dubar (2005), apoiado em Placco, Almeida e
Souza, ao referir-se a esse tema, afirma que

[...] o processo de constituição da identidade ocorre em um


movimento de tensão permanente entre os atos de atribuição (que
correspondem ao que os outrosdizem ao sujeito que ele ée que o
autor denomina de identidades virtuais)e os atos de pertença (em que
o sujeito se identifica com as atribuiçõesrecebidas e adere às
identidades atribuídas). Enquanto a atribuição correspondeà
identidade para o outro, a pertença indica a identidade para si, eo
movimento de tensão se caracteriza, justamente, pela oposição entre
oque esperam que o sujeito assuma e seja e o desejo do próprio
sujeito deser e assumir determinadas formas identitárias. O cerne do
processo de constituição identitária para esse autor, portanto, é a
identificação ou não identificação com as atribuições que são sempre
do outro, visto que esseprocesso sóé possível no âmbito da
socialização, que, no caso do coordenador pedagógico, é o trabalho
no contexto de uma escola.(DUBAR 2005 apud PLACCO; ALMEIDA;
SOUZA,2011, 761)
89

Tardif (2005), por seu turno, considera que trabalhar não é exclusivamente
transformar um objeto ou situação em outra coisa, mas também transformar-se
em e pelo trabalho.

[...]o trabalho modifica a identidade do trabalhador, pois trabalhar não


é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si
mesmo, consigo mesmo:se uma pessoa ensina durante trinta anos,
ela não faz simplesmente alguma coisa, ela faz também alguma coisa
de si mesma: sua identidade carrega as marcas de sua própria
atividade e uma boa parte de sua existência é caracterizada por sua
atuação profissional, como também sua trajetória profissional estará
marcada pela sua identidade e vida social, ou seja, com o passar do
tempo, ela tornou-se – aos seus próprios olhos e aos olhos dosoutros
– um professor, com sua cultura, seu éthos, suas idéias, suas
funções,seus interesses etc. (TARDIF, 2005, p. 57)

Ainda nesta mesma linha de considerações, Pimenta (1991) mantém que o


coordenador trabalha com desafios cotidianos, com realidades diferentes, com
sonhos, com desencantos e sem receitas prontas. Destarte, cada universo,
realidade, subjetividade deve ser considerado. Salienta que a presença e
utilidade do pedagogo é de suma importância, uma vez que, para atuar, é
necessário ter um repertório de conhecimento, de didática, porque é inerente
ao coordenador ajudar a equipe da escola. Esses conhecimentos devem estar
articulados com a proposta político-pedagógica no processo de ensino
aprendizagem voltado para objetivos sociopolíticos. O coordenador
pedagógico, fundamental para as escolas, lida com a problemática de exercer
múltiplas tarefas, desempenhando um papel que vai além de uma questão
administrativa ou de ajudar os professores no ensino aprendizagem, dado que
sua importância está também na “[...] articulação entre os variados conteúdos e
a busca de um projeto pedagógico político coerente” (p. 151).

Placco, Almeida e Souza (2011) questionam quem forma os coordenadores, já


que estes são multiplicadores, e quais instâncias têm assumido essa função.
Apontam que há dificuldades na formação do coordenador, o que compromete
e cria obstáculos para a sua formação. Para defender esse argumento,
apoiam-se em pesquisas conduzidas na área sobre o tema e que revelam a
falta de formação específica para esse profissional, dado que muitos dos
90

cursos ou espaços oferecidos a esse profissional a nível nacional “[...]


envolvem questões da docência e da prática dos professores, o que corrobora
as considerações feitas em relação à constituição da coordenação pedagógica
como profissão específica” (PLACCO, 2011, p. 749).

Segundo Libâneo (2008, p.33), o profissional da área pedagógica atua, direta


ou indiretamente, em diferentes instâncias na prática educativa, em processos
de transmissão de saberes, tendo em vista sua formação humana. Salienta que
há uma dificuldade, no Brasil, de traçar uma distinção entre pedagogia e
formação, ciência e atuação profissional.

Pedagogia é, antes de tudo, um campo científico, não um curso. O


curso que lhe corresponde é o que forma o investigador da educação
e o profissional que realiza tarefas educativas, seja ele docente ou
não diretamente docente. Somente faz sentido um curso de
pedagogia pelo fato de existir um campo investigativo – o da
pedagogia – cuja natureza constitutiva é a teoria e a prática da
educação ou a teoria e a prática da formação humana.(LIBÂNEO,
2002, p.60)

No conjunto das teorizações apresentadas até aqui, que discorrem sobre


questões relativas a tempo, técnicas, tecnologias, educação, currículo e
gestão, acreditamos ser relevante pensarmos sobre o conhecimento, questão
esta que abordaremos no próximo capítulo. Discorreremos sobre o que é o
conhecimento e como ele se constituiu, em um novo contexto histórico, nas
organizações e nas instituições escolares.
91

CAPÍTULO IV

4.TEMPO E CONHECIMENTO

O que torna o momento atual inédito, sob a ótica das


organizações, é o fato de que enquanto terra, trabalho,
matéria-prima e até o capital podem ser considerados
recursos finitos, o conhecimento é inexaurível.
(TOFFLER, 1994, p.51)

O conhecimento espontâneo e prático de cada um pode ser levado por meio da


experiência pela reflexão e pela incorporação dos conhecimentos sistemáticos
elaborados pelos estudos e pesquisas. Conforme aponta Chizzotti (2015c),

O conhecimento é uma paixão humana,pois cada pessoa quer


adquiri-lo para auxílio e ampliação da compreensão de si e da
realidade, propiciando a construção da identidade pessoal e
coletiva.Isto contribui para explorar as possibilidades de viver e de se
comunicar, e, sobretudo, de agir, para transformar-se e transformar a
realidade”(CHIZZOTTI, 2015C, p.3).

O conhecimento é uma questão comum e complexa que faz parte do cotidiano


da vida. No campo do currículo escolar, é um processo educativo que envolve
uma prática consequente, amparada em uma teoria justificadora e, como tal, é
um campo de estudo atravessado por todas as controvérsias epistemológicas
que emergem quando se pretende dar uma definição ao termo. Objetiva levar o
conhecimento científico aos educandos por meio de conteúdos que trazem a
experiência acumulada das sociedades humanas e que, aliados às
experiências pessoais, ampliam as condições de atuação na vida social
(CHIZZOTTI, 2015c).

O currículo tem um caráter subjetivo e objetivo. Enquanto o primeiro almeja


melhorar a qualidade de vida pelo uso dos conhecimentos adquiridos, o
segundo objetiva constituir um conjunto de conhecimentos selecionados,
arbitrados como necessários e obrigatórios, que o Estado deve proporcionar a
todos, indistintamente. (CHIZZOTTI, 2015c)

O conhecimento sempre esteve presente nas sociedades, sendo, em cada


contexto, a mola propulsora de transformações e mudanças sociais. Há com
92

efeito para cada momento histórico uma técnica, uma inovação, uma
exploração de recursos mediante um conhecimento adquirido que eleva a
outros níveis as formas de viver em sociedade. Além disso, esse conhecimento
passa a ser um divisor de águas, abrangendo as organizações, as instituições
e as políticas sociais, em uma sociedade renovada que passa por fusões e
ajustamentos entre o velho e o novo.

Houaiss (2001) define o conhecimento como

[...] ato ou efeito de conhecer, realizado por meio da razão e/ou


experiência; ato ou efeito de aprender intelectualmente, de perceber
um fato ou uma verdade, cognição, percepção etc.; domínio teórico
ou prático de umassunto, uma arte, uma ciência, uma técnica etc.;
competência, experiência, prática, somatório do que se sabe, o
conjunto das informações e princípios armazenados pela
humanidade; procedimento compreensivo por meio do qual o
pensamento captura representativamente um objeto
qualquer,utilizando recursos investigativos dessemelhantes –
intuição, analogia, experimentação, observação, contemplação,
classificação, observaçãoempírica etc. – que, variáveis
historicamente, dependem dos paradigmas filosóficos e científicos,
que em cada caso lhes deram origem; tradição influenciada pela
ciência moderna, tal como o empirismo, criticismo ou positivismo;
representação elaborada pela inteligência exclusivamente a partir de
impressões sensíveis. (HOUAISS, 2001, p. 802)

As ciências deram grande contribuição para a construção de uma nova noção


de conhecimento. De acordo com Folledo e Castro (2000),

As abordagens filosóficas, psicológicas, sociológicas e antropológicas


provocaram uma mudança na maneira como o conhecimento é
entendido. Antigamente, pensava-se que o conhecimento era
descoberto, isto é, que o conteúdo do conhecimento – por exemplo,
as leis da natureza – eram predeterminadas e cabia ao homem,
através de seu esforço, trazê-las à luz do dia, enunciando-as e
ensinando-as a seus semelhantes [...]. Atualmente, considera-se que
o conhecimento é construído, isto é, o homem elabora o conteúdo do
conhecimento de acordo com valores sociais e culturais. O
conhecimento é uma interface entre a mente e o mundo exterior, e
não uma cópia. A nova maneira de encarar o conhecimento está
dando início a profundas transformações, afetando não apenas a
ciência e as humanidades, mas a tecnologia e a administração dos
negócios. (FOLLEDO; CASTRO, 2000, p. 5)
93

Alguns pesquisadores deram contribuições fundamentais para uma


compreensão mais abrangente de como ocorre o conhecimento e a
aprendizagem (PIAGET, 1975; VYGOTSKY, 1991a; BRUNER, 1997;
GARDNER, 1995; entre outros) e de sua implicação no desenvolvimento da
personalidade, já em pauta em meados do século XX.

Na leitura de Vasconcellos (2009), a noção de conhecimento está ligada ao


processo cognitivo (do latim cognitivo, ónis, “ação de conhecer”) e,
consequentemente, a uma tradição educativa, sobretudo a escolar: “A cognição
tem a ver com os processos de pensamento, com o processamento de
informações, com a aquisição de conhecimento, com a construção de saberes”
(p.63).

Em Vygotsky (1991a, 1991b), o entendimento da atividade humana deve ser


buscado na psicologia interacionista. Sua preocupação está em como o ser
humano estabelece relações com a realidade, como ele se orienta por ela e,
simultaneamente, a transforma em formas subjetivas e mentais. O nome
construtivismo em si já pressupõe uma construção da história dos indivíduos
por meio de suas relações, interações com o contexto, com as pessoas de seu
grupo social.

Para Vygotsky (1991b, p. 64), as atividades dos indivíduos não estão divididas
em dois polos. Há entre o objeto e a ação outro ponto que os interligam:
ferramentas, instrumentos socialmente construídos, que trazem em seu bojo as
experiências e o conhecimento de outros tempos/gerações. Esses são os
mediadores, os instrumentos que interferem nos comportamentos, que
modificam e dão uma nova percepção das situações em que ocorrem. Além de
mediar as atividades humanas, esses instrumentos também as representam e
as materializam. A grosso modo, as atividades não estão presentes apenas no
momento da execução, mas subsistem nos instrumentos que levaram à ação.
Nessa perspectiva, quanto mais eficazes esses instrumentos, maior a
transformação nas atividades humanas a eles relacionados e,
consequentemente, maior a transformação no comportamento dos indivíduos.
94

O instrumento a que se refere Vygotsky (1991b, pp. 51-52) carrega duas faces:
uma, construída materialmente, um objeto concreto; e outra, os esquemas
mentais. Os funcionamentos dessas duas faces ocorrem quando os
instrumentos são apropriados pelos sujeitos, ou seja, quando ocorrem os
esquemas de sua utilização. Esses esquemas é que fazem os indivíduos
perceberem o mundo sob algumas perspectivas, guiando e controlando os
desdobramentos das ações, sintetizando, apropriando-se de um instrumento à
medida que adquire novos conhecimentos sobre o mundo e novas
possibilidades de nele atuar.

Pérez Gomes (2015) relata que, no âmbito teórico sociocultural construído por
Vygotsky, o contexto e as relações são fundamentais no processo de
aprendizagem. Portanto, não se pode chegar à natureza de seus esquemas e
interpretação sem que haja conhecimento de sua estrutura. Assim, “[…] o
mesmo ambiente ou contexto que cerca, condiciona, estimula e limita cada
indivíduo é de certa forma, constituído e recriado, em vez de dado ou
preestabelecido”. Acionamos nossos estímulos e fazemos nossas escolhas;
“Somos o resultado de uma história específica de interações e de um modo
construído de organização destas” (p.49).

Pérez Gomes (2015) considera o cognitivismo como “[…] a expressão mais


atual do construtivismo social” (p. 49). Salienta que uma das contribuições mais
significativas do construtivismo sociocultural é considerar que a capacidade de
interpretar e intervir não está apenas no indivíduo, mas também na riqueza
cultural presente no meio físico e social: “A aprendizagem deve ser entendida
como um processo de aculturação, de incorporação progressiva e criativa do
novato à cultura pessoal, social e profissional do contexto.” (ibidem, p.50). Os
significados produzidos pelo construtivismo sociocultural são de que as
capacidades de interpretar e de intervir dos sujeitos estão tanto no indivíduo
quanto nas riquezas culturais dos contextos sociais nos quais estão inseridos.

Nessa perspectiva, é imperioso atentarmos para a grande influência da


informatização, com suas múltiplas e variadas possibilidades de acesso à
informação por meio de redes tecnológicas, que ampliam os cenários de
aprendizagem onde se situam o conhecimento. Por outro lado, a grande
95

abundância de informações e necessidade de seu uso demanda “[…] novas


habilidades de seleção, processamento, organização e aplicação crítica e
criativa de tais informações” (PÉREZ GOMES, 2015, p. 50), questões estas de
extrema relevância e que devem ser consideradas no currículo escolar, no
processo de ensino aprendizagem.

É muito significativo notarmos que a sociedade atual é caracterizada pela


informação, pela aceleração do ritmo de trabalho, por uma maior dependência
da informatização. Destarte, este estado de coisas não poderia deixar de
repercutir na educação.

As duas últimas décadas foram marcadas pela ciência, tecnologia e


conhecimento. Conforme observa Sacristán (2013),

Como a educação tem, entre suas missões essenciais, a difusão,


crítica e revisão de alguns saberes durante a escolaridade e o
desenvolvimento das capacidades humanas, a sociedade da
informação exige e é uma sociedade da educação porque faz alusão
ao caráter essencial que nela tem os conhecimentos fundamentais.
(SACRISTÁN, 2013,p.159)

Em toda conjuntura de mudanças, é possível observar os fatos que se renovam


e aqueles que persistem no tempo. Alguns autores têm ratificado o
entendimento de uma nova Era, onde o desenvolvimento está relacionado às
capacidades mentais como fonte principal de energia para acessar, criar e
contribuir com avanços para o bem da sociedade. Na Era da Informação, uma
manifestação importante refere-se aos diferentes modos e meios de se
relacionar em rede, cujo alcance tem sido motivo de grandes e calorosas
discussões e que conecta as pessoas por amizade, interesses, trabalho,
afetividades que se estendem, se ampliam e ganham estrutura e
funcionalidades de grandes dimensões.

Esse modo de operar é cada vez mais presente na atualidade e redefine a


sociabilidade da vida tradicional que pairava nos últimos séculos, criando
práticas sociais que transcendem o âmbito da proximidade, encontrando no
mundo globalizado a sua unidade e forma de expressão.
96

A aceleração nos meios de produção, advinda da revolução tecnológica e


científica, faz surgir formas renovadas de trabalho, de relação com a economia.
Nesse contexto, os vários e diferentes setores da sociedade, a indústria e a
educação demandam novas capacidades individuais e coletivas. São questões
que passam, inevitavelmente, pela educação. Ao referir-se a tal assunto,
Sacristán (2013, p.158) nota que, “[…] ao caracterizar a sociedade como da
informação ou do conhecimento, está se afirmando diretamente a importância
que nela tem o saber, a circulação do conhecimento, suas aplicações e seu
papel nas relações sociais”. Castells (1999) já chamava a atenção para essa
nova fase, na qual o conhecimento é a matéria prima do progresso e da
produtividade.

Muitas organizações estão procurando acompanhar a evolução das tecnologias


criando novos ambientes de trabalho, de aprendizagem, inserindo ferramentas
educacionais em seus ambientes. Na dificuldade de manter-se no tempo e
espaço convencional, buscam-se, em alguns setores, formas de se organizar e
ensinar os trabalhadores. Com as novas exigências e complexidades do
trabalho, os empreendedores/dirigentes/gestores começam a se questionar e a
buscar zonas novas que favoreçam saídas, que os incorpore à orbita do novo
mundo.

O conhecimento e a informação são a chave do desenvolvimento e se


manifestam em novos hábitos e comportamentos. Ao tratar dessa questão,
Sacristán (2013) sublinha que,

Nas sociedades cujo funcionamento depende em maior medida do


conhecimento, surgem novos estilos de vida, multiplicam-se as
possibilidades de adquirir conhecimentos, aparecem novas formas de
aprendizagem, novas formas de estabelecer relações de trocas com
os demais, novas demandas de atividades profissionais no mercado
de trabalho, novas oportunidades de lazer, o horizonte de referência
se amplia. (SACRISTÁN,2013, p.153)

Entretanto, vale observarmos que conhecimento e informação são elementos


distintos, considerando que o conhecimento não é a simples apropriação de
informações, mas um processo mental complexo de indagações,
97

questionamentos, conexões, relações entre as diversas informações obtidas.


Ao buscar apontar as características da informação e do conhecimento,
Sacristán (2013) elaborou o seguinte quadro:

QUADRO 6 – Carga desigual entre informação e conhecimento

A informação se refere mais a: O conhecimento se refere mais a:

• Saberes objetivados que estão fora Processos de elaboração dos sujeitos e de


de nós. seus produtos objetivados.

• Não é necessariamente • Tem algum tipo e nível de


sistematizada ou organizada. Ela é organização, ainda que seja
mais fragmentada. somente sob o ponto de vista do
sujeito.

• Admite o tratamento pelas • Sua elaboração e organização são


máquinas. processos genuinamente humanos
porque implicam o exercício de
ações intelectuais.

• Algumas pessoas têm mais do que • Algumas pessoas são capazes de


outras. realizar essa atividade interna de
forma mais complexa do que outras,
considerando mais ou menos dados,
informações e conhecimentos
prévios.

• Sua existência é independente do • Sem a implicação dos sujeitos, a


sujeito. informação não passa a ser
conhecimento para eles.

Fonte: Saberes e incertezas sobre o currículo (2013, p.164).

4.1 A Gestão do conhecimento

De um modo geral, o que se chama de gestão do conhecimento está ligada à


expansão do progresso informacional e, consequentemente, ao mundo
globalizado e capitalista. Apesar de não existir um consenso em torno de uma
definição da gestão do conhecimento, sua presença, em grande parte das
organizações, evidencia sua importância atual. Surgem para as empresas e
98

organizações necessidades novas, que contribuem para criar novos vínculos


com a vida social, estreitamente ligada ao ritmo da economia capitalista. Em
outras palavras, emergem novas relações compatíveis com o mundo
contemporâneo que vão gradualmente incorporando esse novo modo de
gestão de concentração das informações.

.O conceito Knowledge Management surgiu na década de 1990, com Karl Erik


Sveiby, também conhecido como pai do conceito de Knowledge Organizations
ou “Organizações do Conhecimento”. O entendimento de gestão do
conhecimento não tem uma única interpretação. Seu significado foi utilizado
por vários autores; dentre eles, por Sveiby (1998), que o entende como a arte
de gerar valor a partir de bens intangíveis da organização.

Sveiby (1998, p. 35) considera que “Para gerenciar e avaliar ativos intangíveis
é preciso ter competência e, para isso, é necessário haver clareza do que é o
conhecimento”. Sugere que o termo epistemologia define o que é a teoria do
conhecimento, mas que há outras significações em português e que seu
sentido pode ser definido no contexto de utilização. Sublinha que o
conhecimento prático é importante, mas existem barreiras para expressá-lo
com palavras, haja vista ser grande parte deste um conhecimento tácito. Cita o
exemplo de como andar de bicicleta, e as dificuldades existentes ao se tentar
transmitir isso oralmente. Insere o conceito de conhecimento tácito inspirado
em Michael Polanyi (1958, p. 55) e sua teoria do desenvolvimento tácito por
entender que essas se aproximavam das condições de trabalho no mundo
atual. Ressalta ainda que, para Polanyi, não existe conhecimento, certeza
absoluta, e que o conhecimento, embora pessoal, é construído socialmente.
Explica que

Os indivíduos mudam ou adaptam os conceitos à luz de suas


experiências e reinterpretam a linguagem utilizada para expressá-los.
Quando uma palavra ou um conceito novo é incorporado a um
sistema de Linguagem antigo, uma influencia o outro. O próprio
sistema enriquece o que o indivíduo lhe conferiu. Todo o nosso
conhecimento, portanto, possui uma dimensão tácita.(SVEIBY,
1998,p.36)
99

Sveiby (1998) observa que todas as atividades são balizadas por duas
dimensões de conhecimento: o “conhecimento de foco”, que é aquele em
relação ao objeto ou fenômeno focalizado; e o “conhecimento tácito”, utilizado
como uma ferramenta para lidar com o que está sendo focalizado. Apresenta o
caminho da construção do conhecimento, que tem início com habilidades
desenvolvidas no decorrer da vida, que passam pelas nossas percepções
sensoriais e que vão sendo aprimoradas e substituídas por novas, em uma
dinâmica do conhecimento refletida em verbos como “aprender, esquecer,
lembrar e compreender” (SVEIBY, 1998, p.37), assim como por regras que se
organizam de modo inconsciente e que são resultado da prática, da ação.

Há, ainda, um processo de mutação do conhecimento pela palavra. Sveiby


(1998, p. 42) apresenta um quadro que sintetiza esse entendimento
organizado, seguindo uma orientação que vai se construindo pelo
conhecimento humano tácito, orientado para a ação, baseado em regras
individuais e em constante mutação. No entanto, como a palavra conhecimento
não é prática, ela foi substituída pela competência de um indivíduo. Consiste
em cinco elementos, mutuamente dependentes:

QUADRO 7– Conhecimento: elementos mutuamente dependentes

Conhecimento Envolve o conhecimento dos fatos e é adquirido principalmente pela


Explícito informação. É quase sempre advindo da educação formal.

Habilidade Esta arte de “saber fazer” envolve uma proficiência prática, física e
mental, sendo adquirida, sobretudo, por treinamento e prática. Inclui o
conhecimento de regras de procedimento e habilidades de
comunicação.

Experiência É adquirida principalmente pela reflexão sobre erros e sucessos


passados.

Julgamentos de São percepções do que o indivíduo acredita estar certo. Agem como
valor filtros conscientes e inconscientes para o processo de saber de cada
indivíduo.

Rede social É formada pelas relações do indivíduo com outros seres humanos,
dentro de um ambiente e cultura transmitidos pela tradição.
Fonte: A nova riqueza das organizações (SVEIBY, 1998, p. 42).
100

Sveiby (1998, p. 20) salienta que “o conhecimento é o maior gerador de


riqueza”. Por isso, já se tornou lugar-comum dizer que vivemos na economia e
na sociedade do conhecimento. Consideramos oportuno nesta pesquisa a
análise da gestão do conhecimento nesse contexto, em uma perspectiva
inovadora no sistema público, ainda pouco investigado, em rede digital.

A Era do Conhecimento ensejou nas organizações a criação de acervos de


conhecimento, ancorados no aparato tecnológico. A tecnologia é entendida
como um elemento importante na gestão do conhecimento, como o arcabouço
que agrega dados e informações. Pode-se dizer que a gestão do conhecimento
assimilada pelas organizações é algo que pode ser visto como um
desdobramento da evolução tecnológica e o crescimento global de uso da rede
de computadores. Embora no sistema de ensino público ainda persista
problemas estruturais de implantação e haja poucas informações sobre a
gestão de conhecimento no ensino, consideramos relevante apresentar suas
dimensões nesse momento inicial em relação à Rede Municipal de São Paulo.

Segundo Carvalho (2012), o conhecimento não é algo fácil de ser definido,


sendo um conceito amplamente estudado e questionado por vários filósofos,
como Platão e Aristóteles, passando por Descartes e Locke, até filósofos mais
atuais.

A discussão sobre a gestão do conhecimento como área científica tem início


em estudos de Davenport e Prusak, no final dos anos 90, voltados a conceitos
de aprendizagem organizacional, organização da aprendizagem e
conhecimento organizacional.

De acordo com Davenport e Prusak (1998), conhecimento não é dado nem


informação, embora exista uma relação entre ambos. Portanto, é necessário,
em primeiro lugar, distingui-los, para, em seguida, “[...] passar de um para o
outro para a realização bem-sucedida do trabalho ligado ao conhecimento” (p.
97). Definem dados como “[...] um conjunto de fatos distintos e objetivos,
relativos a eventos, [...] registros estruturados de transações, [...] matéria-prima
essencial para a criação da informação”. Contudo, os dados em si não revelam
nada, não têm relevância. Por outro lado, eles “[...] podem ser pensados como
101

a extensão dos fatos ou das medidas quantitativas disponíveis para e acerca


de uma organização” (ibidem, p. 13). Sua importância está no fato de ser a
base para criar informações. Atualmente, os dados podem ser armazenados
em tecnologias da informação.

Davenport e Prusak (1998, p.4) afirmam que o conhecimento “[...] é uma


mistura fluida de experiência condensada, valores, informação contextual e
insight experimentado” que proporciona uma estrutura para a avaliação e
incorporação de novas experiências e informações. Tem origem e é aplicado
na mente dos conhecedores. Nas organizações, costuma estar embutido não
só em documentos ou repositórios, mas também em rotinas, processos,
práticas e normas organizacionais. Salientam que é preciso ficarmos atentos e
termos cuidado para não confundirmos informação e conhecimento com as
tecnologias que são o suporte, e ressaltam que a mensagem não é o meio.

Conforme Steiner (2006), o conhecimento vem da informação, assim como a


informação vem dos dados. Diz respeito ao desenvolvimento da pessoa e de
como cada indivíduo processa essa informação a partir de suas experiências
anteriores.
O conhecimento é elaborado para dar respostas a alguma questão do
nosso interesse. Portanto, sempre supõe mais do que as informações
a partir das quais começamos a construí-lo. Tem uma funcionalidade.
[...] A Informação é como uma mensagem, geralmente na forma de
um documento ou uma comunicação audível ou visível. Ela tem um
emitente e um receptor. A informação tem por finalidade mudar o
modo como o destinatário vê algo, exercer algum impacto sobre seu
julgamento e comportamento. (STEINER, 2006, p.3)

A informação tem seu significado e pode ser entendida como “[...] material
direto, matéria-prima que compõe o conhecimento”. Nesse ângulo, o
conhecimento passa pela produção da informação. Por conseguinte, “[...]
disponibilizar informação é promover a geração de conhecimento” (XAVIER;
DA COSTA, 2010, p. 80).

Carvalho (2012) aponta que dado não é conhecimento, informação é


conhecimento e conhecimento não é dado, e apresenta uma síntese sobre
esses conceitos:
102

FIGURA 1 –Dado, informação e conhecimento

Fonte: CARVALHO (2012, p. 12)

4. 2 O currículo e a construção do conhecimento

As origens históricas do currículo remontam à Roma Antiga, quando o seu


significado era de uma carreira construída por meio de acúmulos de honras. O
termo vem da palavra latina currere e se refere à carreira, a um percurso a ser
realizado. Enquanto a escolaridade é um caminho, o currículo é considerado o
seu conteúdo e guia, que levam ao progresso pela escolaridade.

Nos últimos tempos, ocorreram muitos e grandes debates sobre concepções


de currículo, cuja preocupação é refletir sobre os conhecimentos que a
humanidade produziu ao longo da história, por trazer em seu bojo o que e
como são formados os sujeitos sociais. De acordo com Chizzotti (2015c),

A tarefa do currículo é potencializar o desejo de aprender, oferecendo


novas possibilidades e oportunidades de ampliar o conhecimento e
capacitando cada um a aplicá-los nos múltiplos e diversos contextos
de vida. O pressuposto basilar do currículo é a mobilização da paixão
humana pelo conhecimento, a capacidade comum de aprender e o
desejo de ampliar o próprio conhecimento, para o qual o currículo
oferta diferentes ocasiões de aprendizado. (CHIZZOTTI, 2015c, p. 9)

O objetivo da epistemologia na educação é discutir o conhecimento e seus


fundamentos e, na forma escolar, cabe fazer uma análise sobre o tipo de
103

conhecimento que a escola ensina e difunde e como ele é construído e


avaliado. É nesse processo que o aluno se apropria de uma série de
conhecimentos que são fundamentais tanto como educação básica quanto
para a formação da subjetividade de todos os indivíduos para a vida cidadã
(CHIZZOTTI, 2015c).

O currículo vem sendo conceituado de várias formas e com diferentes aspectos


que tratam da relação da sociedade com a escola, os sujeitos, a cultura, o
ensino e a aprendizagem. Sacristán (2013) procura conceituar o currículo a
partir do princípio de sua importância nos sistemas educacionais. Afirma que
ele “[…] é algo evidente e que está aí, não importa como o denominamos, é
aquilo que o aluno estuda” (p. 17). Aponta uma contradição, observando que,
apesar de muitas estratégias serem utilizadas para compreendermos a
abrangência de seu significado, também há redução em relação ao seu
sentido, minimizando-se sua complexidade.

Ao tratar do currículo na contemporaneidade, Sacristán (2013) considera que


ele pressuponha uma reflexão do “[…] conteúdo cultural que os centros
educacionais tratam de difundir naqueles que os frequentam, bem como os
efeitos que tal conteúdo provoca em seus receptores” (p. 10). Salienta que é
impossível conceber uma escola sem conteúdos culturais e sem o contexto dos
alunos, defendendo a necessidade de haver uma sintonia entre os conteúdos
ensinados e os interesses dos alunos. Tudo o que gira no ambiente escolar,
passa pelo currículo. Portanto, um conteúdo cultural deve pautar-se nas
realidades concretas e nas condições reais da aprendizagem.

Vasconcellos (2009) ratifica o entendimento de duas grandes linhas de


compreensão dos currículos. A primeira corresponde a uma de seleção,
organização de experiências de aprendizagem e desenvolvimento feita pela
instituição de ensino. É a proposta da pista de um caminho a ser percorrido;
prescrição sequencial, centro intelectual e organizacional da Educação; guia
sequência ordenada de estudos. Essas concepções entendem o currículo com
uma estruturação em tempos espaços e saberes, recursos, relacionamentos,
agrupamentos de alunos, formas de trabalhos docentes, objetivos,
metodologias, formas de avaliação(o que se pretende ensinar e como a escola
104

vai se organizar para isto). Quanto à segunda, não coincide com a proposta
curricular, mas é “[…] uma proposta mais abrangente de vitae curriculum, curso
de vida, trajetória do educando (e do educador) diferente de curriculum vitae,
que é comumente conhecido como documento resenha da vida profissional”.
(VASCONCELLOS, 2009, p. 27)

Para Pacheco (2007, p. 48), o currículo já foi “[…] associado ao rol de


conteúdos escolares, matriz curricular, programas de ensino, ações práticas no
contexto escolar e a todos esses fatores em conjunto”. Neste sentido, refere-se
a “um curso a ser seguido […], um conteúdo a ser estudado”. Reflete, assim,
“uma sequência de conteúdos definidos socialmente, com base em sequências
definidas para o processo de aprendizagem”.

Michel Apple (1989) é um curriculista que centra suas discussões no âmbito


das escolas públicas e democráticas. Suas preocupações estão no âmbito dos
problemas sociais, econômicos e ideológicos presentes na sociedade e,
consequentemente, no universo escolar. Dedica-se a reflexões sobre a
educação como um espaço que não é neutro, que os conhecimentos que nela
circulam têm interesse de grupos, e que, portanto, existem relações de poder
que estão continuamente operando.

Os conhecimentos formal e informal ensinados nas escolas, os


procedimentos de avaliação etc., precisam ser analisados em
conexão com outros aspectos, ou não perceberemos boa parte
de sua real significação. Essas práticas cotidianas da escola
estão ligadas a estruturas econômicas, sociais e ideológicas que
se encontram fora dos prédios escolares. (APPLE, 1989, p. 105).

Silva (2007), por seu turno, argumenta que não se pode mais olhar com
ingenuidade para os currículos, principalmente depois que as teorias críticas e
pós-criticas vieram para imprimir novos sentidos em suas concepções: “As
teorias críticas nos ensinaram que é através da formação da consciência que o
currículo contribui para reproduzir a estrutura da sociedade capitalista” (p. 148).
Considera que as teorias pós-críticas ampliaram e modificaram algumas
perspectivas das teorias críticas, reafirmando que o currículo só pode ser
compreendido a partir das relações de poder, que não está apenas
105

centralizado no Estado, mas disseminado nas redes sociais. Ele se transforma,


mas não desaparece.

O currículo tem significados que vão muito além daquele que as


teorias tradicionais assumiram. O currículo é lugar, espaço, território.
O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem,
percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no
currículo se forjam as identidades. O currículo é texto é discurso,
documento. O currículo é nossa identidade. (SILVA, 2007,p.150)

Paulo Freire (2014), como crítico da educação elitista e excludente, como


defensor de uma escola que considere a cultura e o saber popular para a
construção do conhecimento crítico e libertador, defende a sua concepção de
educação e currículo, argumentando que “o que não é possível é o desrespeito
ao saber de senso comum; o que não é possível é tentar superá-lo sem,
partindo dele, passar por ele” (p. 116).

Tendo uma concepção crítico-dialógica de currículo, Freire (2001) defende que


o ensino deve respeitar a cultura do aluno, trabalhar com a pedagogia da
pergunta. Enfatiza que a escola precisa valorizar o conhecimento que o aluno
traz, em um trabalho a partir da visão de mundo do educando, que deve ser um
dos eixos fundamentais sobre os quais apoia-se a prática pedagógica dos
professores. Sendo contra a educação bancária, elitista, afirma que cabe à
escola “[…] estimular o aluno a perguntar, a criticar, a criar”. Enfatiza que o
aluno é sempre protagonista, e que o conhecimento com o qual se trabalha é
relevante porque tem significado para a formação dos sujeitos. “Portanto, isso
não pode ser feito através de querer depositar informações na cabeça dos
alunos.”(p. 24).

Não reduzimos, por isso mesmo, sua compreensão, a do currículo


explícito, a uma pura relação de conteúdos programáticos. Na
verdade, a compreensão do currículo abarca a vida mesma da
escola, o que nela se faz ou não se faz, as relações entre todos e
todas as que fazem a escola. Abarca a força da ideologia e sua
representação não só enquanto idéias, mas como prática concreta.
No currículo oculto, o “discurso do corpo”, as feições do rosto, os
gestos, são mais fortes do que a oralidade. A prática autoritária
concreta põe por terra o discurso democrático dito e redito. (FREIRE,
2001, p. 123).
106

O olhar de Freire sobre o tempo traz o movimento histórico, o homem e seu


tempo em constante busca do vir a ser. Sevalho (2018), em seu ensaio sobre a
ideia de tempo em Paulo Freire, comenta que

Para Freire (2014), na realização humana do ser histórico-social, o


passado, o presente e o futuro “não são departamentos estanques,
sua história, em função de suas mesmas criações vai se
desenvolvendo em permanente devenir, em que se concretizam suas
unidades epocais” (p. 108). Essas se caracterizam “pelo conjunto de
ideias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em
interação dialética com seus contrários, buscando plenitude” (p. 109).
De tal forma, o ontem, o hoje e o amanhã “não são como se fossem
seções fechadas e intercomunicáveis do tempo, que ficassem
petrificadas e nas quais” estivéssemos “enclausurados” (pp. 108-
109). Pois, assim sendo, “desapareceria uma condição fundamental
da história: sua continuidade”. (SEVALHO, 2018, p. 186)

Nossa reflexão sobre currículo objetivou mostrar alguns posicionamentos,


práticas e ressignificações por meio de uma definição de práticas
emancipatórias. Selecionamos algumas concepções sobre um vasto universo
de pensadores considerados significativos quanto aos planos de ensino
aprendizagem, às vezes como libertadores, outras como homogeneizadores,
como indicadores do instrumento de poder. Em nossa proposta, a abordagem
do currículo tornou-se imprescindível porque é a matéria prima da educação,
cujo trabalho de implantação, execução e avaliação está vinculado ao trabalho
da gestão pedagógica.

O SGP é o instrumento de registro e divulgação, e a pesquisa realizada


corrobora para o entendimento de que o uso recorrente desse recurso daria
informações que, uma vez geridas de modo eficaz, poderiam representar um
salto de qualidade no ensino aprendizagem. A nova realidade do coordenador
pedagógico é acompanhar as práticas educativas, o currículo, por meio das
informações ali registradas, da produção do ensino aprendizagem, quer seja
para se apropriar das práticas educativas docentes, das avaliações e
resultados, quer para fazer pauta de formação.

Na proposta desta pesquisa, ouvir dos coordenadores como eles estão


articulando informações e fazendo a gestão do conhecimento pressupõe que o
seu conteúdo é composto de seus registros. Portanto, é por meio dele que uma
107

dinâmica poderá ser renovada no quesito aprendizagem geral da escola e do


aluno. A escola que aprende a ensinar e o aluno que aprende a aprender. À
medida que o coordenador acompanha sistematicamente a prática docente, ele
se apropria das defasagens dos alunos e se torna coadjuvante no processo de
ensino aprendizagem e de guia e orientador do trabalho do professor
individualmente e em grupo. Essa é a grande possibilidade daquilo que seria
um salto de qualidade:um trabalho cooperativo entre o coordenador e os
professores, em uma troca de práticas educativas que possam resultar em
êxito escolar dos alunos.

Uma gestão do conhecimento tem em sua essência esse potencial que a


máquina disponibiliza, transforma os dados nela inseridos em informações que
serão selecionadas, compartilhadas, discutidas e ressignificadas, em uma nova
abordagem para uso dos professores como conteúdo a ser trabalhado, ou por
novas linguagens ou experimentações. O mais importante é que essas formas
de revisitar o currículo se transformem, efetivamente, em aprendizagens.

4.3 Entre Bites e Bytes

A introdução do SGP alterou o ritmo de trabalho do coordenador, assim como


alterou outros fatores já apontados nesta pesquisa, consequentemente
interferindo e transformando o modo de gerir o conhecimento da escola e não
apenas do desempenho de cada aluno. É nesse contexto, com as novas
funções de articular, criticar, analisar, acessar esses dados, que o fazer
pedagógico está sendo pesquisado.

Para Davis e Botkin (1996), citados por Grotto (2001),“[...] o conhecimento é


informação posta em uso produtivo” (p. 51). A partir da revisão dessa definição,
o autor esclarece que esses autores entendem o dado como “[...] um meio de
expressar algum objeto ou assunto”; a informação como “[...] o arranjo dos
dados em um padrão dotado de significado”; e o conhecimento, como “[...] a
aplicação e o uso produtivo das informações (GROTTO,2001, p.51).
108

De acordo com Whitehead (2015), citado por Pérez Gomez (2015), os fatos e
os dados correspondem ao processo inicial que, em si, não têm significado,
não representam conhecimento. Pérez Gomez considera que,

[...] a informação se torna conhecimento (modelos, esquemas-mapas,


teorias e paradigmas)somente quando o sujeito confere organização
e significado, a partir das experiências anteriores que se acumulam
na memória, a um conjunto de informações que se encaixam de
forma peculiar em função dos objetivos, propósitos e interesses
atuais do sujeito que conhece.(WHITEHEAD, 2015, apud PÉREZ
GOMES, 2015,p.78)

Podemos, com efeito, considerar que a gestão do conhecimento é um processo


relacionado às pessoas, e que a definição de dados, informação e
conhecimento está diretamente ligada a quem os acessa e como os utiliza. Na
educação, que teoricamente é o maior centro produtor de saberes, essa forma
de gestão praticamente inexiste. Se nas organizações empresariais há um tipo
de competividade mercadológico, o que interessa particularmente na educação
é o gerenciamento, e, nesse caso, é o coordenador pedagógico quem tem
acesso à produção docente como um todo.

Como observa Sacristán (2013), o tipo de informação que interessa à


educação é aquela considerada relevante, coerente, que tenha funcionalidade
para ser utilizada na escola, que possa sustentar uma formação docente, visto
que, concordando com Sacristán (2013), “Somente assim a informação será
convertida em conhecimento significativo, enriquecedor das capacidades do
ser humano” (p. 166). Sustenta que são aqueles que têm uma visão
pedagógica que devem buscar e descobrir usos significativos para as TIC, e
não que elas determinem as ações da educação.

Nesta mesma linha de considerações, Kenski (2008) reforça a importância de


se entender o conhecimento como um componente que requer a interação e a
criticidade para que realmente se concretize:

Para a transformação das informações em conhecimentos é preciso


um trabalho processual de interação, reflexão, discussão, crítica e
ponderações que são mais facilmente conduzidos, quando partilhado
com outras pessoas. As trocas entre colegas, os múltiplos
109

posicionamentos diante das informações disponíveis, os debates e


análises críticas auxiliam à compreensão e elaboração cognitiva do
indivíduo e do grupo. As múltiplas interações e trocas comunicativas
entre parceiros do ato de aprender possibilitam que estes
conhecimentos sejam permanentemente re-construídos e re-
elaborados.(KENSKI, 2008, p.12)

Semeens (2005), citado por Pérez Gomez (2015, p.50), apresenta reflexões
sobre o conectivismo. Argumenta que aprender envolve “[…] a construção
pessoal de conexões e em âmbito global, mutável, fluído e ilimitado de
conexões pessoais e ou virtuais”. A partir desse argumento, salientamos que a
conectividade enfatiza outras formas de aprendizagem, não sendo mais esta
individual e isolada, mas por um projeto compartilhado com os grupos do seu
entorno, ligados por interesses epreocupações.

É nesse sentido que, nesta pesquisa, o Sistema digital é considerado


transformador, visto que ele pode ressignificar as ações dos gestores, agora
mais complexas devido ao montante de informações. O sistema em rede
comporta a realidade educacional, configurada nos registros, e estes formam o
corpo da produção do conhecimento. A partir deles, é possível
compreendermos organicamente a vida escolar, uma vez que a possibilidade
de conhecermos o currículo depende da concentração dos dados em
estruturas que servem de fundamento para o acesso, a análise e a
interpretação dos dados. Assim, quanto maior a inserção de dados, mais
enriquecedora pode tornar-se a visão do gestor. Logicamente, este também
deve esta preparado para observá-los, entendê-los e utilizá-los.

De acordo com Siemens (2005), o conhecimento que deve ser usado pelos
cidadãos para “[...] compreender e atuar nos complexos cenários
contemporâneos já não se encontra apenas nem principalmente nas mentes
individuais, mas fundamentalmente distribuídas em redes físicas e virtuais,
externas ao próprio indivíduo” (p. 51).

Os coordenadores pedagógicos da Rede Municipal de São Paulo precisam ter


conhecimento tecnológico para assessorarem os docentes que utilizam o
Sistema em rede digital, assim como para utilizá-lo, como parte do seu papel
de coordenação nas escolas em que atuam. Esse Sistema, o SGP, não apenas
110

oferece os dados, mas estrutura o acompanhamento do processo ensino


aprendizagem. O princípio que se segue é de que, com o acesso aos dados, o
coordenador pode perceber lacunas, falhas por meio do sistema, assim como
demandas que, articuladas em pautas de formações coletivas, podem ajudar,
por exemplo, a reverter quadros de insucesso dos alunos. Por outro lado, cabe
salientarmos que apenas o aumento na quantidade de informações não
representa uma solução, uma vez que informações sem gerenciamento são
apenas dados/informações, e a tecnologia, por si só, não transforma nem faz
mudanças. Concordando com Paulo Freire (2001, p. 98), “A educação não é
algo redutível à técnica, mas não se faz educação sem ela.” Por conseguinte, é
necessário termos instrumentos que auxiliem o gestor na coleta de dados,
assim como é necessário sabermos analisá-los e utilizá-los a favor do processo
de ensino aprendizagem.

Ao traçar a diferença entre informação e conhecimento, Sacristán (2013, p.


164) leciona que a informação “[...] é algo quase material, é o conteúdo emitido
e que circula pelos diversos meios e formas de comunicação – o que se
transmite é o significado codificado mais bem instruído ou educado no sentido
de possuir mais informação”, enquanto o conhecimento “[...] é a ação ou o
efeito de conhecer, o entendimento ou a inteligência. Ele se refere a processos
ou a atividades internas de elaboração ou transformação de dados,
informações ou saberes”. Portanto, argumenta, não adianta um mundo cheio
de informações e teoricamente acessíveis se não se tem acesso a esse
mundo, ou se não acessam essas informações.

Concordando com Sacristán (2013), defendemos que os conhecimentos são


construídos, são processos, são interações que ganham robustez a partir do
tipo de apropriação e do uso que deles se faz. Destarte, é imprescindível que
os dados, as informações sejam utilizados de forma adequada, sistemática e
crítica. Conforme aponta Toffler (2015),

Utilizar uma ferramenta simbólica de forma disciplinada, crítica e


criativa não requer somente familiaridade e o domínio dela, mas
compreender o seu caráter instrumental e entender como as
ferramentas e as mediações mudam a maneira como nos
relacionamos com o mundo e aperspectiva a partir da qual o
111

contemplamos, ajudando a compreender, comunicar e atuar.


(TOFFLER, 2015, p.77).

Esta familiaridade do homem com o universo simbólico e seus instrumentos vai


sendo construída conforme surgem os recursos técnicos que se colocam entre
ambos e que suas necessidades extrapolem o contexto social, passando a ser
também instrumento cultural, que tem em sua essência aquilo que Vygotsky diz
subsistir de forma intrínseca em sua nova conformidade, aquilo que traz a
experiência de gerações anteriores ressignificadas e que é cumulativo por
excelência.

Basicamente, o que tínhamos antes do SGP era uma ação pedagógica que
recorria à reprodução de textos, metodologias, formação, a fim de levar
conteúdos para qualificar melhor o trabalho docente e integrarem uma visão
científica os aspectos do conhecimento, limitando-se à interpretação de
algumas dificuldades presentes no processo de ensino aprendizagem.

Contudo, com a inserção do SGP no cotidiano escolar, o exercício do


coordenador ganha outras feições, dando lugar a formas associativas mais
ricas, abrindo caminho para um espaço na Era da Informação, para se dialogar
com uma quantidade maior de dados, de informações, de cruzamentos deles,
de resultados – e teoricamente, aberta a oportunidade de um novo fazer. Esse
quadro gera consequências positivas de simbiose homem-máquina, reflexão
em condições técnicas novas, conforme amplia a visão das práticas
pedagógicas e do currículo. Como se trata de uma modalidade nova, ligada ao
tempo das “sociedades em rede”, um tempo histórico marcado pelas
tecnologias, informações, conectividade, situá-lo nesse momento é fazê-lo
dentro de uma dimensão ainda pouco explorada teoricamente na educação.

Do ponto de vista deste estudo, o papel do coordenador pedagógico está


fundamentado por um lado, como formador, agora subsidiado por um vasto
conhecimento do que está sendo produzido nas escolas; e por outro, como
aquele profissional capaz de fazer análises, obter elementos, compreender,
definir caminhos de ajustamento do ensino aprendizagem. Esses
procedimentos não são novos, e há muitas pesquisas e publicações sobre o
112

tema. O que há de novo, entretanto, é a reestruturação do exercício do


coordenador, que passa a gerir um fluxo muito maior de informações, a refletir
sobre elas, a buscar pistas para intervir no processo de ensino aprendizagem,
a revisitar o planejamento, a rever estratégias, relacionar-se com as famílias - e
esses são dados relevantes, que afetam os currículos em pauta, definidos por
Vasconcellos (1989) como,

[…] a espinha dorsal da escola, seu elemento estruturante. Só que


não existe currículo “em si”: existem sujeitos históricos que são seus
agentes, seus construtores, e realizadores nas condições concretas
da escola e da sociedade. […] O currículo efetivamente está
organizado para contemplar a pessoa a partir de seu cotidiano, isto é,
tanto em termos de memória/história, quanto de futuro/projeto; porém,
sobretudo como presente/cotidiano.(VASCONCELLOS, 1989, pp. 38-
39)

A disponibilidade de dados aumentou exponencialmente com a inserção e uso


do sistema digital, e para lidar com essa grande diversidade de dados é
fundamental que haja uma formação adequada dos profissionais da educação.
Por outro lado, o maior acesso à informação também possibilita ampliar o olhar
sobre os resultados. Esse poderia ser um elemento que ajudaria a dar um salto
de qualidade na educação, haja vista os coordenadores terem em mãos um
vasto material para ser explorado, trabalhado, investigado, apoiados pela
tecnologia – que não apenas transformam o externo à escola, mas também
impactam nas instituições educacionais.

Segundo pesquisa realizada pela UNESCO (2004, p.11), grandes


transformações educacionais ocorreram nessas últimas décadas em diferentes
países do mundo, incidindo no aumento quantitativo de demandas escolares, o
que impactou em mudanças de gestão, administração, e em maior autonomia
dos estabelecimentos escolares e responsabilidades pelos resultados. Houve
mudanças substanciais nos conteúdos curriculares e em políticas preocupadas
em incorporar novas tecnologias da informação nas escolas. O conceito de
tecnologia digital abrange as TIC. Ao tratar desse tema, Santaella (2007)
leciona que,

[...] cada vez mais crescentemente, processos de comunicação são


criados e distribuídos em forma digital legível no computador. Forma
113

digital significa que quaisquer fontes de informação podem ser


homogeneizadas em cadeias de 0 e 1. Isso quer dizer que a mesma
tecnologia básica pode ser usada para transmitir todas as formas de
comunicação – seja na forma de textos, áudio ou vídeo – em um
sistema de comunicação integrado, tal como aparece na Internet.
(SANTAELLA, 2007, p. 38)

A grande preocupação está relacionada aos resultados não satisfatórios de


desempenho do aluno. Avaliações internas e externas, nacionais e
internacionais, confirmam os baixos resultados e desigualdades significativas
no êxito da aprendizagem de alunos de diferentes origens sociais. Uma
pesquisa da UNESCO, intitulada “O perfil dos professores brasileiros: o que
fazem, o que pensam, o que almejam”, não desconsidera que o sucesso da
aprendizagem envolve complexidades, mas sustenta que uma das explicações
para os baixos resultados do ensino aprendizagem tem ligação no “[…] fator
docente, e suas diferentes variáveis: organização do trabalho, formação,
carreira, atitudes, representações e valores” (UNESCO, 2004, pp. 60).

Para lidar com transformações educacionais, como a inserção das TIC e do


perfil do aluno no mundo moderno, com problemas no desempenho do aluno,
com os docentes, entre outras questões, o coordenador pedagógico precisa ter
apoio adicional em sua formação, ou seja, de um formação continuada
adequada, que abarque as diversas transformações que ocorrem no âmbito
educacional em que atua e que o instrumentalize adequadamente para lidar
com essas questões.

Há diversas críticas que incidem sobre o modelo tradicional adotado na


formação continuada em serviços e estudos que apontam a necessidade de
sua atualização às necessidades educacionais existentes no mundo moderno.
Dentre elas, Freitas (2002) argumenta que as políticas atuais têm reforçado a
concepção pragmáticae conteudista da formação de professores. Gatti (2003),
por seu turno, aponta que está sendo abordada a questão de uma formação
continuada de professores mais adequada à realidade. Relata que

Trabalhos sobre formação em serviço ou continuada e desempenho


deprofessores têm analisado as dificuldades de mudança nas
concepções e práticas educacionais desses profissionais em seu
cotidiano escolar. Em geral, os mentores e implementadores de
programas ou cursos de formação continuada, que visam a
114

mudanças em cognições e práticas, têm a concepção de que,


oferecendo informações, conteúdos, trabalhando a racionalidade dos
profissionais, produzirão, a partir do domínio de novos
conhecimentos, mudanças em posturas e formas de agir. (GATTI,
2003, p. 192)

Não é por acaso que o foco nas reformas educacionais nos últimos tempos
está na carreira docente, na revalorização e importância do seu papel. Podem
ser criadas novas políticas para o enfrentamento de desafios tradicionalmente
conhecidos, apresentando-se como possibilidades de redimensionar os
resultados qualitativos da educação, desde que se faça uso adequado dos
instrumentais existentes.Para Vasconcellos, isso requer

[...] pensar as pessoas e as estruturas, o professor (e os alunos) e os


dispositivos pedagógicos. É fundamental romper com a visão
dicotômica: não se trata de optar por uma coisa ou outra, mas sim de
articular uma coisa e outra e ainda aquilo que vai surgir no processo.
(VASCONCELLOS, 1989, p.43).

Nesse sentido, Santomé (2013, p.24) mantém que é preciso considerar o


tempo necessário para que o professor se aproprie, para aprender a fazer uso,
“[...] a se mover neste mundo das novas tecnologias da informação e
comunicação”. Salienta a relevância de não se permitir que esses instrumentos
sejam vistos como “[...] um repressor para baixar a guarda na reflexão e
atenção às principais e mais urgentes finalidades do sistema educativo”. A
revolução digital está obrigando a uma revisão do que está sendo produzido
nas escolas, nos currículos e conteúdos, na forma de se relacionar com o
trabalho, de verificar quais capacidades precisam ser desenvolvidas, quais
mudanças permeiam o cotidiano, para que se possa entender e trabalhar mais
precisamente as diversas habilidades e os valores que o docente precisa
desenvolver, atentando-se para os diversos espaços de ensino aprendizagem.

Sacristán (2013, p. 171) salienta que “[...] informações sobre o existente e


sobre conhecimentos elaborados disponíveis não se transformam em saberes
para os sujeitos receptores pelo fato de se mostrarem ou porque eles se
colocam em contato com os mesmos”. Problematiza que, nesse contexto, foi
proposto e introduzido outros sentidos ao conhecimento ensinável, e que com
isso passou a existir outro tipo de relações dos conteúdos, instituindo-se novas
115

formas de o aluno entrar em contato com conteúdos, dando surgimento a


outras formas de controle, assim como a“[...] uma ruptura das coordenadas
espaço temporais tradicionais em que se regulava um artefacto cultural
construído como o currículo”. Afirma que se pode até mesmo duvidar da “[...]
utilidade do conceito regulador do currículo nessa nova situação” (ibidem,
p.171). Apresenta as motivações que nos fazem pensar em ensino e
aprendizagem, no processo de aprendizagens diferentes: um processo que
busque respostas para as novas demandas para o currículo, listando-as da
seguinte forma:

QUADRO 8 – Respostas às novas demandas para o currículo

a) Muda o conteúdo do • Diversidade de conteúdos.


currículo para o aluno • Graus de relevância muito diversos que devem
ser filtrados.
• Fontes de informação diferentes.
• Graus de elaboração e organização da
informação que não são fáceis de integrar.
b) Aparecem novos • Documentação escrita digitalizada.
suportes do saber • Ampliam os objetivos visíveis.
• Tudo o que pode ser digitalizado pode ser
aproveitado e incluído: textos, imagens, sons etc.
c) A importância das • Disponibilidade material de meios.
condições de acesso a • Condições de uso.
informações • Restrições no acesso.
• Saber o que convém aprender.
d) Progredir nas condições • Condições favoráveis dos sujeitos.
dos sujeitos • Tempo disponível.
• Institucionalização.
• Objetivos dos sujeitos para a busca.
Fonte: Saberes e incertezas sobre o currículo(2013,p.171).

Para Santomé (2013, p.27), com o grande crescimento de dispositivos,


aplicativos, redes sociais e relações entre os indivíduos, “[...] urge uma
educação destinada a transformar a subjetividade de quem participa e recorre
a esses meios para se informar e comunicar”. Ser parte integrante no atual
contexto não implica em “[...] um mero espectador passivo e silencioso”, mas
em indivíduos que se apropriem de saberes que o incorporem à vida social
plena, que os auxiliem a se transformarem “[...] em autênticos cidadãos, seres
humanos com capacidade de se expressar, opinar e avaliar toda informação ao
qual têm acesso”.
116

Na educação, pressupõe-se que uma gestão do conhecimento passe por


outras dimensões que não as comerciais. O conhecimento em si é o produto, e
tem grande importância na configuração das mudanças sociais, de como
ocorrem às relações com o contexto, com a cultura vigente, pois esta se
apresenta como a (re) definidora das necessidades. Sendo assim, há um
processo de ampliação, de construção e desconstrução de saberes. Na
educação, não existe um produto pronto e acabado: na alteração da cultura, há
modificações nas necessidades e, implicitamente, no currículo.

Nesta pesquisa, a gestão do conhecimento está voltada para o processo do


ensino aprendizagem; mais especificamente, em como o coordenador
pedagógico está fazendo a gestão dos dados e informações, dos registros em
rede digital, e em como essa nova lógica de acessar os dados repercutem e o
favorecem na construção de novos conhecimentos.

O que aqui é requerido é entender se saber mais é uma alternativa dentro do


papel gestor ou se é mais um trabalho burocrático, se é pedagógico ou se são
apenas dados e informações circulando. Na prática, a gestão do conhecimento
ocorre nas escolhas, em quais variáveis presentes nos registros serão
utilizadas para dar visibilidade ao processo de ensino aprendizagem, na
especificação de quais turmas, quais conteúdos, quais estratégias agregam
“valor” e em como organizar essas informações e utilizá-las.

Moran (2007) aponta a necessidade de haver discernimento entre informação e


conhecimento:

Temos muitos dados, muitas informações disponíveis. Na informação,


os dados estão organizados dentro de uma lógica, de um código, de
uma estrutura determinada. Conhecer é integrar a informação no
nosso referencial, no nosso paradigma, apropriando-a, tornando-a
significativa para nós. O conhecimento não se passa, o conhecimento
cria-se, constrói-se. (MORAN, 2007, p.54)

Nesse complexo e vasto universo de informações é que a gestão do


conhecimento e currículo imbricam-se, entrelaçam-se e devem ser
compreendidos. Neste estudo, a estrutura de registros define uma relação nova
com o conhecimento. É um processo que se alinha às mudanças sociais, um
117

mecanismo de situar a escola em relativa sintonia com a cultura vigente, mas


também de lidar com questões já consolidadas na educação, agora com a
centralidade de “poder/saber” no coordenador pedagógico. Não que isso não
acontecesse anteriormente; contudo, agora existe outra dinâmica de
compartilhamento do currículo em sua totalidade. A aprendizagem nesse
contexto, retomando ao tema inicial apresentado nesta tese, é marcada pelo
tempo dos homens, das mudanças, de deixar o que não cabe mais e de
abraçar aquilo que se renova e que se reelabora.

A essa nova condição dos coordenadores coube a gestão do conhecimento por


meio dos dados e das informações. Essa gestão pressupõe inter-relacionar a
produção escolar, as práticas educativas, apropriar-se da dinâmica da escola e
de suas mazelas tanto quanto de seus êxitos. É, portanto, compreensível que o
coordenador manifeste, a seu modo, sintomas de desconforto, inquietação e
apreensão quando se fala desse tema. A questão aqui é como esse
instrumento media o saber e a aprendizagem produzida na escola, e o que tem
sido feito nas diferentes instâncias da educação com essas informações de
forma a qualificá-las como conhecimento produzido e do qual se faz uso para
se ressignificar e avançar na construção de novas aprendizagens.

Nesta pesquisa, a ênfase está nas narrativas produzidas pelos coordenadores.


Elas produzem lugares, identificações, verdades provisórias, maneiras de
abordar experiências, e são essas e não outras as possibilidades de que sejam
ampliadas as perspectivas de produção de outros saberes.
118

CAPÍTULO V

5. ANÁLISE DE MUDANÇAS: NARRATIVAS EM FOCO

O início desta tese apresentou um breve relato sobre a história do tempo e as


tecnologias. A intenção foi mostrar como se estruturava a vida social por
técnicas rudimentares e como o aprimoramento dessas enseja novas formas
de subsistir. Cada descoberta e avanço técnico exigido pela economia revelam
a passagem para uma nova organização social, mudanças culturais,
transformações que se equilibram entre passado e presente.

As categorias de resistências e mudanças foram apresentadas como processo


dinâmico de transformação que incide também na educação. Em um primeiro
momento, mostrar como o passado se faz presente, como ecoa e coexiste com
as mudanças e como se reorganiza a estrutura da educação em consonância
com a vida social e econômica.

Apresentamos as concepções de Sistema em rede digital sob diferentes óticas


e funcionalidades e como estas ganham força de expressão na
contemporaneidade. Discutimos sobre a otimização do tempo na gestão do
conhecimento, apontando como ele é reorganizado em função do meio social
na Era da informação.

O impacto das tecnologias em rede digital demandou e ainda demanda


mudanças que afetam algumas formas estruturais consolidadas, alteram
padrões tradicionais de conceber o conhecimento, criam tensões, demandam
reajustes. Resistir ou assimilar as novas tecnologias faz parte de um
movimento que demanda a criação de estratégias de ajuste a esse fenômeno
nessas passagens evolutivas das técnicas. É na sua aceitação e/ou negação
que são redefinidos os novos “modus operandi” na sociedade. Conforme foi
abordado, a linguagem digital domina as relações em diferentes âmbitos, está
assimilada em sua plasticidade e convergência comunicativa. Excluiu meios de
comunicação seculares, entranhando-se de forma a alterar substancialmente o
cerne da cultura contemporânea.
119

A escola que sobreviveu até agora, afeita às mudanças sociais, vê-se incapaz
de resistir à expansão da conectividade. Incorporá-la implica em acenar que se
faz parte do mundo, mas sabe-se que esse processo repercute profundamente
em toda a estrutura escolar tradicional por excelência, da qual os
coordenadores pedagógicos fazem parte.

Ao analisarmos as narrativas desta pesquisa, nossa atenção volta-se para


como cada coordenador concebe as mudanças que emergem do SGP. A
questão central foi selecionarmos alguns aspectos nos quais essa mudança
ocorreu e que consideramos significativos, e como ela condiciona um novo
ritmo na dinâmica da escola, em uma reorganização que transforma a relação
com o ensino aprendizagem.

As entrevistas realizadas para esta pesquisa pautaram-se no trabalho dos


coordenadores pedagógicos entrevistados, possibilitando-nos discutir aspectos
referentes às suas atribuições, mas também ampliar a compreensão dos
desdobramentos de um Sistema em rede digital, a fim de que pudéssemos
ampliar o entendimento da gestão pedagógico em um mais moderno conceito
de escolas.

Não há nessa perspectiva de análise uma tipologia engessada. O pressuposto


foi criarmos um conjunto de fragmentos das narrativas e agrupá-los. Isso foi
feito, inicialmente, como resultante da coexistência de dois fatores: resistência
e mudança, que nos auxiliaram na criação de um panorama, alternando a
predominância de cada um sobre o outro. Nesse sentido, ao reunirmos os
enunciados em recortes, consideramos relevante apontarmos como os efeitos
de resistência ou mudanças vêm carregados de “verdades”.

Resistência no contexto educacional pode ser considerada como aspectos


herdados de um tipo de “[…] escolarização da era industrial que priorizava a
manutenção de modos tradicionais na escola”(PÉREZ GOMEZ,2015, p.38); e
mudanças, aqueles que incorporam recursos decorrentes de novos padrões de
relações na sociedade. Nesse contexto, abre-se espaço para apresentarmos
algumas considerações sobre como esses dois conceitos se sobrepõem, como
um tem preponderância sobre o outro. O que nos parece inicialmente é que as
120

mudanças assumem um lugar de destaque nesse movimento. Todavia, os


resquícios e ou predominância de modos mais tradicionais de conceber a
educação tem grande influência no processo evolutivo no contexto da escola.
Será esta uma resistência saudável da escola que percebe haver essências do
conhecimento que não se alteram, mesmo no meio de tantas mudanças? O
que não muda nas mudanças? O que é a base conhecimento que não se
altera?

Santomé, citado por Giddens (2000, p.31), salienta que não se pode ignorar
que grande parte das escolas que funcionam há muito tempo tornaram-se
naquilo que Giddens chama de conchas, ou seja, “[…] instituições que se
tornaram inadequadas para as tarefas que deveriam cumprir”. São
organizações que continuam a existir na aparência, mas que no seu interior
são muitos os conflitos e grandes as crises devido a um movimento no mundo
que alterou a dinâmica da sociedade e suas organizações em todos os
âmbitos. “A concha exterior” não expressa às carências internas dessas
instituições, as tensões e os conflitos decorrentes de uma inadequação entre
seus “[…] fins e tarefas para as quais foram criadas” e o que se espera delas
no contexto atual (GIDDENS, 2000, p.183).

Para Moran (2013), a Educação passa por um momento de “impasse” em


função das novas mudanças na sociedade. Por isso, argumenta ser necessário
um processo evolutivo que envolva todos em aprendizagens competentes, em
uma construção de projetos de vida e convivência social. Todavia, esse
processo passa, necessariamente, por uma “revisão do currículo,
metodologias, tempos e espaços” (p. 89).

Sempre que surgem novas atividades que influenciam e alteram os


comportamentos conforme a concepção de mundo, há inicialmente um duplo
pertencimento cultural e um processo de inter-relação com o novo. Os sujeitos
incorporam esses movimentos de acordo com seus usos e necessidades,
podendo integrá-los pelas exigências culturais em curso. Isto implica que uma
nova cultura está emergindo e, com ela, as complexidades de um processo de
mudança cultural. Nesse processo, há uma mescla de continuidade e
121

permanência até que a nova cultura esteja consolidada. Ao abordar a questão


da continuidade, Freire (2013) observa:

Esta continuidade existe, mas, precisamente, porque é continuidade.


É processo, e não paralisação. A cultura só é enquanto está sendo.
Só permanece porque muda. Ou, talvez dizendo melhor: a cultura só
“dura” no jogo contraditório da permanência e da mudança(FREIRE,
2013, p.70).

Em nossa pesquisa, selecionamos fragmentos das narrativas que


consideramos significativos nas diferentes vozes dos coordenadores. O que
verificamos inicialmente é que o uso das tecnologias impõe um novo ritmo de
trabalho. O que pressupõe uma nova organização, que transforma a gestão
pedagógica por meio da visão ampliada do conhecimento produzido na escola.

Começar por uma primeira manifestação sobre o uso do Sistema em rede


digital como fator de tensão entre os coordenadores parece-nos pertinente. A
intensa fase de uso das tecnologias é para a sociedade uma nova cultura e
fator de sociabilidade. O grande progresso nesse setor e as consequentes
mudanças conjunturais que estas imprimiram, pela penetração em áreas
longínquas, intensificaram vínculos familiares com o trabalho, amigos e
instituições.

A condição de eficácia do SGP impõe exigências e rompimento com antigos


padrões de atuação. Tomamos como exemplo algumas falas iniciais nas
narrativas: são palavras que trazem posição, divergência, mas também
significam o fazer pedagógico e sua realidade. Salientamos que palavras não
são meras expressões vazias: elas falam de cada um, do que se pensa,
acredita e espera; portanto, vêm carregadas de sentido, realidades. Conforme
Larrosa Bondía (2002, p. 20), “As palavras determinam nosso pensamento
porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a
partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas
palavras.”

As análises que se seguem vão constituindo, por meio das palavras, das
enunciações de cada entrevistado, o panorama do universo da pesquisa,
considerando que, como bem sublinhado por Larrosa Bondía (2002, p. 20),“[...]
122

também tem a ver com as palavras o modo como nos colocamos diante de nós
mesmos, diante dos outros e diante do mundo em que vivemos”.

Sobre o Sistema de Gestão do Pedagógico (SGP),dizem os


coordenadores

“É meio assim: ame ou odeie,”


‘“Eu não conheço o espaço de autoavaliação do aluno, e ninguém nunca falou comigo
a esse respeito.”
“Eu abro, vejo e acompanho tudo pelo SGP,”
“O SGP não mexeu em absolutamente nada com nossa autonomia.Eu o considero
como um instrumento que me serve na organização dos registros.”
“Na formação, eu uso alguns aspectos que gosto, mas odeio outros.”
“Se pudesse, honestamente, eu voltaria a usar os diários.”
“Não concebo que estamos em rede.”
“Eles querem prazo: ‘Se vire!Vou te estender o prazo para você colocar em
ordem.’Portanto, não existe uma relação colaborativa, mas sim burocrática.”
“O professor fica com uma visão estática: quando ele está frente ao computador, ele
deixa de ver o mundo girar.”
“Eu entro sempre quase todo dia para verificar várias coisas.”
“Eu odeio computador!Eu odeio tecnologia!É uma dificuldade minha.Todo ano, eu
prometo que vou começar a usar o SGP, mas fica só naquela promessa de início de
ano.”
“Não vejo nenhuma mudança significativa.A diferença fundamental é a visão do todo:
na ata convencional, não tinha.”

Apresentamos, a seguir, alguns excertos do documento “Mais Educação São


Paulo”3 (2014), pensado e construído com ampla participação e pelos gestores
da Rede Municipal, cuja proposta de reorganização escolar incidia sobre o
currículo, visto também como formas de registro, comunicado e conhecido por
toda a Unidade Escolar e seus agentes.

Por meio desses recortes, pode ser visualizada uma parte das operações que
devem pautar a gestão em rede digital. Nesses excertos, é possível que cada
leitor experimente um pouco o que se vislumbra nessa política educativa,
recompondo sob sua ótica as mudanças em curso.

Excerto 1

3
PROGRAMA MAIS EDUCAÇÃO SÃO PAULO - SUBSÍDIOS PARA IMPLANTAÇÃO (Janeiro/
2014). Disponível em: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/7104.
123

O SGP é um sistema tecnológico, “em construção” pela e para a Rede


Municipal de Ensino de São Paulo, com o objetivo de potencializar a gestão
pedagógica por meio da escrituração e documentação da prática pedagógica
das UEs, prevendo:
•A gestão das informações da educação;
• A transparência dos processos pedagógicos e das ações das UEs;
• O diagnóstico, o planejamento e a avaliação dos educandos e das turmas;
• O acompanhamento acurado da trajetória dos alunos.

O desenvolvimento do SGP tomou como ponto de partida o programa “Mais


Educação São Paulo”, privilegiando o currículo e o direito à aprendizagem dos
alunos. Ressalta também a transparência e a publicização das práticas que se
desenvolvem no cotidiano(2014).

Excerto 2
O SGP prevê o registro sistemático pelos professores do planejamento
bimestral e anual; plano de aula, frequência, atividades desenvolvidas;
notas/conceitos; anotações sobre os alunos, compensação de ausências,
dentre outras possibilidades. Esse registro e sua recuperação podem ser
realizados em computadores conectados à Internet ou pelos tablets disponíveis
nas escolas. Após o registro sistemático, as informações são consolidadas e
podem ser acessadas e analisadas pelos professores, gestores escolares,
DREs e SME, na forma de relatórios, gráficos, planilhas ou tarjeta, que
sintetizam a trajetória dos alunos, turmas, anos ou ciclos, escolas ou grupos de
escolas, contribuindo com ferramentas para a gestão dinâmica do processo de
ensino aprendizagem. Gerar informações não implica no não reconhecimento
da diversidade da rede, mas amplia e estende o olhar às unidades
educacionais individualmente e no coletivo, identificando suas qualidades,
diagnosticando suas demandas e conferindo sentido às políticas públicas em
prol da qualidade social da educação(2014, p.19).

Excerto 3
124

Espera-se que sejam viabilizados, pelas equipes gestoras, espaços de


discussão e de renovação, com vistas a atender as transformações que vêm
ocorrendo nas áreas do conhecimento, das tecnologias e da informação. Com
a implementação do Programa Mais Educação São Paulo e por meio do SGP,
para o ano de 2014, a SME insere as Unidades Escolares em outro modelo de
gestão pedagógica. Esse novo modelo de gestão, desenhado no sistema
online, demanda constante empenho de todos os profissionais responsáveis
pelo desenvolvimento do processo pedagógico e educativo, em suas várias
instâncias, num trabalho integrado com otimização das condições de
infraestrutura e promoção de acompanhamento das ações pedagógicas das
escolas (2014,p.7).

Os excertos acima, sobre o SGP, do documento “Mais Educação São Paulo”,


tratam de mudanças substanciais de ruptura com costumes e hábitos
existentes. Apontam questões centrais sobre o conhecimento, a transparência
inovadora como processo de compartilhamento da produção escolar com as
famílias, a instituição de parcerias reais com as diferentes subestruturas da
Secretaria Municipal de Educação, bem como a corresponsabilização desses
segmentos com a qualidade educacional, por meio de diagnósticos e
intervenções. Apontam questões centrais das narrativas: a introdução do
sistema tecnológico; os registros e uso das informações para a gestão do
ensino aprendizagem; e o compartilhamento dos resultados e realinhamentos
das ações com vistas a atender às demandas explicitadas nos resultados e
diagnósticos.

5.1 Articulações entre visões, significados e desejos

Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se


dispõe para a gente é no meio da travessia.
(Guimarães Rosa)

Uma travessia não se faz só. Como assinalam vários estudiosos, a realidade é
diversa e ela sofre influência de vários fatores, abrangendo desde contexto até
subjetividades e significações, elementos estes que, se combinados,
125

condicionam o trabalho de cada um. Nesse sentido, cada experiência narrada,


ouvida, refletida, contribui com formulações para a construção daquilo que
pode subsidiar a compreensão de como essa transição de registros do diário
no papel para o digital repercute no trabalho do coordenador do pedagógico.
Ser imparcial é princípio de uma pesquisa; portanto, o que nos interessa neste
estudo é conhecermos, compreendermos e entendermos a complexidade
desse processo. Concordando com Morin (2007),

A palavra complexidade só pode exprimir nosso incômodo, nossa


confusão, nossa incapacidade para definir de modo simples, para
nomear de modo claro, para ordenar nossas ideias [...]. Ela suporta,
ao contrário, uma pesada carga semântica, pois que traz em seu seio
confusão, incerteza, desordem. Sua primeira definição não pode
fornecer nenhuma elucidação: é complexo o que não pode se resumir
numa palavra-chave, o que não pode ser reduzido a uma lei nem
apresentação a uma ideia simples. Em outros termos, o complexo
não pode se resumir à palavra complexidade, referir-se a uma lei da
complexidade, reduzir-se à ideia de complexidade. Não se poderia
fazer da complexidade algo que se definisse de modo simples e
ocupasse o lugar da simplicidade. A complexidade é uma palavra-
problema e não uma palavra-solução. (MORIN, 2007, pp. 5-6)

O uso de complexo nesta pesquisa corresponde, em tese, ao que se constitui


uma organização escolar e sujeitos que a compõe. Em um período de transição
de um modelo tradicional de gestão para outro baseado em cultura digital
insere-se aquilo que é “complexo”, ou seja, o surgimento de traços de defesa,
ou preservação cultural, de apego à permanência de hábitos e costumes, de
incertezas.

A incorporação de mudanças e os elementos mediadores para o ajuste nesse


processo ainda não se mostram claros. Os caminhos da busca de sentidos nas
narrativas ocorrem em uma conjunção de experiências, de pontos de vista, que
retratam o cotidiano em suas dinâmicas, suas particularidades, suas
singularidades que, agrupadas em diferentes eixos, formam um todo coerente
e começa a se delinear aquilo que provisoriamente se chama de “verdade”.

Os estudos de Larrosa Bondía (2002) enfatizam a experiência e a educação.


Dialogar com esse autor, problematizando como essas experiências ocorrem
na coordenação pedagógica, parece-nos pertinente para as análises que se
seguem.
126

Concordando com Larrosa Bondía (2002), entendemos as escolas como o


espaço do conhecimento, composto de diversos componentes que por elas
passam. Contudo, poucas coisas mudam, “[...] nos provocam, nos tocam” (p.
21). É nesse sentido que as experiências dos coordenadores pedagógicos,
tendo a escola como um lugar de encontros, rompem com alguns discursos e
deixam que esse espaço os transforme, entendendo a experiência como aquilo
“[...] que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa,
não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas.
Porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA BONDÍA,
2002, p. 21).

Larrosa Bondía (2002) argumenta que vivemos no mundo da informação, um


mundo no qual muitas coisas passam por nós. Como há um excesso de
informações, estas tiram a nossa possibilidade de experiência. Por isso, “[...] a
experiência é cada vez mais rara.[...] a palavra experiência contém
inseparavelmente a dimensão da travessia e perigo” (p. 25).

É nessa perspectiva da experiência da travessia que a pesquisa de uso da


rede digital tem no seu escopo a gestão do pedagógico. A intenção é sabermos
das experiências em curso, recorrendo aos discursos construídos, tendo como
objetivo termos uma melhor compreensão dessa condição do coordenador
pedagógico, posicionando-os dentro de uma aparelhagem mais moderna,
condizente com o mundo contemporâneo e imprescindível no século XXI.

Apresentamos, a seguir, o primeiro eixo, cujas falas expressam o processo de


criação daquilo que é o burocrático-pedagógico no SGP e como o currículo
ganha novo suporte, com seus recursos adicionais, por já estar inserido na
rede digital.

5.1.1 Eixo 1: Contando o que vejo

Narrativas 1. Um primeiro olhar


127

Ana Maria (todos a seguir serão nomes fictícios de coordenadores). Desde o início, havia uma forte
resistência quanto ao uso da tecnologia e da visibilidade, da publicidade que isso iria trazer, de
tornar público os registros. O decreto trazia a reorganização em três ciclos do Ensino
Fundamental, e nós estávamos fazendo assessoria no que era antes Fundamental I e
Fundamental II. Algumas pessoas gostaram, mas a grande maioria (virou pauta de greve)
falou que não servia. Gerou uma esquizofrenia, porque tinha um decreto que implantava um
currículo organizado em três ciclos, enquanto tínhamos um sistema organizado em dois
ciclos.Logo no início, vimos que o sistema não tinha capacidade para o número de acessos. O
primeiro conselho foi catastrófico: tudo o que era digitado foi perdido e as pessoas ficaram
desconfiadas. Perdeu-se a credibilidade nesse momento.[…] Acho que a empresa que
assumiu a implantação estimou um projeto menor e com menos problemas. Não contava que
teria problemas de estrutura, com computador, wifi.

Beatriz: Eu estava em SME quando a empresa criou o sistema; cheguei a participar do


planejamento com ela. Ela não tinha noção de rede, do tamanho da nossa cidade. […] quem
montou essa sistemática não tinha conhecimento sobre a educação, sobre a dinâmica da
escola, e isso eu acho que realmente dificultou tudo.
É difícil falar alguma coisa nesse estágio que estamos: não temos como voltar e temos muito
que avançar. No SGP, tudo é muito grande, com muitas informações e muito trabalho. Eu
acho que, tanto no papel quanto no computador, você tem requisições muito próximas.

Martha: Quando, no início, eu fui representando a coordenação para falar sobre o SGP em
SME, para falar com o pessoal do sistema - isso já tem uns anos -, eu não me senti bem
acolhida.Tive a impressão de que nós somos os burros e que temos que seguir as ordens.
Inverteram a ordem das coisas.

Hilda. Acho que abraçou coisas demais e que cada um usa o sistema de um jeito; não tem
padrão. O acesso é muito difícil; é uma ferramenta difícil de ser usada. No início tinha
capacitação, mas eles inventaram muitas coisas novas e, em momento algum, isso foi
atualizado para a rede. E tem gente que nem sabe o que tem no Sistema. Daí, mexe nele e
acaba descobrindo o que ele oferece.

Cecília. O processo de implantação poderia ser diferente, mais tranquilo, respeitoso, e não
como se fosse uma caça às bruxas: “Vamos jogar tudo fora, colocar tudo na fogueira, porque
agora é o SGP, ”Esse início foi infeliz. A maneira como o SGP chegou, na minha concepção,
não foi a melhor. Achei que foi um tanto arbitrária, sem uma participação efetiva, sem ouvir
uma parcela importante, que é os professores e a escola, as condições da escola.

Laura. O uso do SGP, você sabe, não é opcional. Atualmente, ele já está inserido na minha
rotina, mas demorei um pouco para aprender a fazer isso.Considero o acompanhamento que
faço nele bastante significativo, acho que ele otimizou o tempo para acompanhar o processo
ensino e aprendizagem

Alice. Eu uso o SGP desde o início e vejo todas as planilhas de modo geral. Vejo os
resultados de aproveitamento dos alunos e toda a parte sobre o ensino aprendizagem. Esta é
a parte que já está incorporada pelos coordenadores. Vejo planejamentos e lançamento de
notas, que importantes para o nosso trabalho, para nossa rotina

Cora. Eu tive uma formação em 2014 sobre o SGP, no momento da formação eu me lembro
que eu achei maravilhoso, achei que ia melhorar nossa vida. Só que as dificuldades foram
aparecendo. Eu não sei se é porque a gente não foi criado na era digital, ou se é dificuldade
de geração mesmo.

Vinícius. Eu não sei até que ponto os coordenadores conhecem o SGP. Acho que eles não
sabem como fazer o trabalho funcional. É necessário que tenha reuniões, formação, porque a
128

proposta do sistema é apontar conhecimento aprofundado mesmo. Parece que o


conhecimento se restringe à necessidade da gente. Então, eu sinto falta e vou lá. Eu
reconheço que quando as possibilidades se abrem eu tenho muito trabalho, e ele minimiza,
pela quantidade de tarefas, a minha relação com os professores .

Pelos relatos acima indicados, nas “Narrativas: um primeiro olhar” podemos


observar que, desde o início da criação do Sistema, havia um grande
desconforto pairando, algo que não estava apenas na operação das máquinas,
mas no que o SGP representava naquele momento. Ele centralizava o
currículo, as práticas educativas e uma forma de sistematização das
informações que era nova e que tinha uma transparência que repercutia no
trabalho docente.

Os referidos recortes trazem a reflexão de dois momentos desses


coordenadores: um de participar da concepção do projeto; e outro, de estar
agora fazendo uso dele, o que permite produzir maneiras diferentes de narrar e
de se posicionar.

Nos relatos das “Narrativas”, a preocupação de fundo, desde o início da criação


do SGP, era em relação ao tamanho da rede, às suas demandas. Esses
excertos iniciais já levam a lugares e situações novas. Indicam que o novo
causa estranhamento, incomoda, mexe com uma estabilidade historicamente
estabelecida, com padrões antigos de atuar.

Apresentamos, a seguir, recortes de relatos adicionais dos professores


entrevistados, na “Narrativa 2”.

Narrativas 2. Novos modos de atuar

Florbela. Normalmente, eu uso em reuniões os gráficos e o boletim. As observações do


professor, eu uso não só pra ver o que está escrito, mas pra pensar sobre a formação. Eu
observo os comentários dos professores depois do conselho e provoco uma reflexão.

Rachel. Os gráficos me dão uma visão geral apenas para que eu possa fazer uma reunião
com os professores e ter um levantamento dos resultados. Os gráficos são bacanas porque
eles te mostram o aproveitamento por sala, por disciplina, por ciclo, e você os usa para fazer
uma reflexão, para uma conversa com os professores, e isso dura pouco tempo.

Beatriz. Eu entro sempre, quase todo dia, para verificar várias coisas. O Sistema está na
rotina, não só para checagem, mas também para eu extrair dados. Ele facilitou muito pra
129

coordenação na verificação da frequência e para fazer os encaminhamentos.

Cora. Faço uso do SGP para acessar os boletins, verificar a freqüência. Estou começando
agora a entender o processo de inserir os conteúdos. Os professores também não sabem
colocar o planejamento, estamos aprendendo juntos. Eu não faço uso de nada para reuniões.
Eu não gosto de usar tecnologias, pode ser falta de empatia.Todo ano eu prometo que vou
usar o SGP, mas fica só naquela promessa de inicio de ano

Ana Maria. Gostei quando apresentei o gráfico com os dados consolidados, os dados
gerenciais, nas telas de lançamento, porque somos coordenadores e ele media a conversa pra
você qualificar a ação do professor.

Adélia. Eu abro, vejo e acompanho tudo pelo SGP. Eu uso todas as ferramentas e gosto
muito. E uso principalmente para ver o que os professores estão fazendo. É uma cobrança
muito grande, porque eles tem de lançar e cumprir prazos. Nós mostramos para os pais as
atividades avaliativas no semestre e todo o conteúdo trabalhado em sala de aula.

Martha.Uso o SGP todo dia, mas não gosto. Eu vou responder de forma bem sincera:
enquanto eu sentir saudades do diário, que eu acho muito ruim, isto significa que o Sistema
está pior do que o anterior, que era ruim.

Vinicius. Eu gosto do SGP, mas acho que ele precisa de reajustes. Embora seja uma
ferramenta potente, acho que ainda esbarra em questões que são elementares,como uma
rede que funciona bem, mas subutilizada.

Alice. Nele acompanho o desenvolvimento dos alunos, o planejamento dos professores, o que
está sendo desenvolvido na sala de aula, a frequência e os registros individuais de cada
aluno.

Hilda. Do ponto de vista instrucional, organizacional e estrutural, ele é perfeito. Eu acho que
foi facilitador do processo burocrático, de ata, de nota, de boletim, inclusive de instrumento de
adulteração que fica limitado.

Cecília. Eu utilizo os dados do sistema para redirecionar, repensar, para fazer uma
intervenção maior. Eu acho que o SGP ajuda e me dá essa visibilidade. A maneira como o
SGP chegou, na minha concepção, não foi a melhor. Achei que foi um pouco arbitraria, sem
uma participação efetiva, sem ouvir uma parcela importante, que é os professores e a escola,
as condições da escola.

Carolina. Eu diria que sei tudo que tem no SGP. Eu tenho dificuldades de utilizar as
tecnologias, por exemplo, se quero buscar a sondagem que os professores colocaram eu não
consigo visualizar, se eu tenho de buscar alguma coisa eu tenho de mexer muito.A minha
parte de aprendizagem com o SGP é um pouco demorada

Laura. Eu gosto do SGP e faço uso dele assim. Nele acompanho o desenvolvimento dos
alunos, o planejamento dos professores, o que esta sendo desenvolvido em sala de aula,a
freqüência e os registros individuais de cada aluno. Eu faço também rodos os registros de
atendimento aos pais e alunos e encaminhamentos. Acho que essas coisas fizeram diferença
pra mim

Os relatos acima e em contraste com os anteriores (narrativa 1), pontuaram


uma outra visão em relação ao SGP, que corresponde a incorporação das
novas tecnologias, representando aspectos de mudanças significativos.
130

Nas “Narrativas 2: Novos modos de atuar” os coordenadores pedagógicos


entrevistados, indicaram que ainda estavam se apropriando do SGP, que ele
estava sendo inserido em suas práticas e que o consideravam como um
instrumento positivo no registro dos dados e, inclusive, em alguns casos, como
um elemento adicional para o processo reflexivo na educação.

Ressaltam que tal sistema representa, com efeito, um ajustamento do ponto de


vista estrutural, de maneira que lhes cabia naquele momento fazer uma
incorporação progressiva dessa nova modalidade. Os conflitos se resolvem no
processo de transição para essa nova cultura que veio e redefiniu sua ação
gestora.

Apresentamos, a seguir, recortes de relatos adicionais dos professores


entrevistados, nas “Narrativas 3”.

Narrativas 3. Um pé lá outro cá

Florbela. O SGP peca pela falta de eficiência da ferramenta. A escola é muito dinâmica; não
dá pra você ficar esperando uma semana pra imprimir o boletim. Não dá pra baixar o gráfico;
ele trava e some tudo.

Rachel. A ideia que eu tenho do SGP é que ele é obrigação, é mecânica, e não me dá retorno
de nada. As coisas precisam ter eficácia. Eu olhava os diários; eu preferia os diários. Hoje, o
professor tem um papel avulso. Ninguém consegue fazer o registro em tempo real, e acredito
que em todas as escolas isso acontece.Não tem como não acontecer: o acervo é no papel;
não tem como fazer o registro cotidiano no sistema.
Os professores continuam fazendo todos os registros no papel. É como se tivessem de novo o
diário de classe. Eles têm todos os registros - como notas, chamada, inclusive o registro de
aula – no papel.

Clarice. Quando eu atuava com os diários, eu tinha como comparar os resultados. Como
professora, eu anotava tudo no diário, o aluno assinava meus relatórios sobre ele. Eu não
sinto essa proximidade de professor e aluno no SGP. Talvez eu seja saudosista: no papel, eu
tenho a impressão de ter mais proximidade - é a mesma coisa como uma carta e um e-mail.
Pode ser um problema de geração, mas, ao mesmo tempo, percebo que tenho a visão de uma
sala na minha frente e não de um aluno.
Até acho que o acervo de papel se perde, mas se for para criar memória é preciso pensar que
a história da escola não pode ser escrita apenas com os diários do professor.Isso é muito
pouco.Se você pensar que na secretaria nada está informatizado: os históricos, os
prontuários, a documentação, tudo ainda está no manual.

Adélia. Eu faço uso do SGP, mas nós ainda não nos libertamos do papel. Mas, veja bem,
nesse momento, nossa escola está sem wifi, porque está havendo uma transição. Os tablets
que nós tínhamos ficaram obsoletos, não funcionam mais, e o problema de acesso das
máquinas... Se chegar algum pai de aluno e não tem uma máquina disponível para acessar o
SGP, então nós, coordenadores, temos as fichas dos alunos com todas as anotações. Então,
131

se você não consegue acessar o SGP por qualquer motivo, a ficha está ali.
Imprimimos as fichas do próprio SGP da chamada e avaliação. Os professores são resistentes
em fazer, mas pra ter o controle da chamada e da avaliação precisa. O pai do aluno quer
informações que os professores não lançaram. Hoje, estamos exigindo esse registro no papel
e no SGP.

Beatriz - Eu sou antiga e ainda tenho acervo de papel. Uso o papel como, por exemplo, no
conselho de classe. Tem coisas que não são pelo SGP, planilhas eu uso muito; eu não
consigo fazer nada sem ter uma planilha, uma tabela, um quadro, porque acho que eles
sintetizam e deixam você enxergar várias coisas. Então, eu pego o que o Sistema fornece, e o
que ele não fornece eu crio.

Cora – Vou te dar um dado que não enquadra em nada: a gente esta imprimindo tudo, desde
encaminhamentos, dificuldades... Isso mostra nossa falta de presença no SGP. Estamos com
dois pés um no físico e outro no digital. Eu não o destruiria para ficar no papel, a não ser
quando vejo os professores sofrendo muito.Eu não faço uso de nada para a reunião. Eu sei
que existe o gráfico, mas nunca usei, pois não é um instrumento que faz parte da minha rotina.
Minha rotina é conversar com os professores.

Martha. No diário, eu tenho tudo e é rápido, e eu tinha uma rotina de olhar no diário, enquanto
no Sistema eu não consigo porque eu tenho que entrar em várias telas, tenho que me desligar
do mundo.

Cecília. Acho que deveriam ter pensado melhor sobre mudar o suporte dos dados escolares.
Vamos pensar como o professor Cortela que temos uma escola do século XIX, professores do
século XX e alunos do século XXI. Esse conflito deveria ter sido considerado na implantação
do SGP. Considerando isso, talvez o processo de implantação poderia ser diferente, mais
tranqüilo, respeitoso, e não como se fosse uma caça às bruxas: “Vamos jogar tudo fora,
colocar tudo na fogueira porque agora é o SGP!”. Esse início foi infeliz.

Hilda. Eu sempre achei que o SGP tem aspectos positivos e negativos quando comparado
com o diário de classe. Do ponto de vista estrutural foi um ganho: você trabalha com listas
reais desde o inicio do ano, você tem calendário no sistema e a geração de notas e boletins.
Acho que do ponto de vista do pedagógico, o registro do papel é mais pratico, pois no SGP
você depende da rede, ligar, ficar na tela. O problema é que o acesso é muito difícil

Carolina. Sobre o pedagógico, eu não consigo acompanhar os registros do que está no SGP
da mesma forma que eu acompanhava no diário. Por causa da dinâmica da escola, a gente
não dá conta. Não da para você ficar lá quinzenalmente para ver se o professor esta dando
conteúdo. Eu confio neles, tenho de confiar. No pedagógico, o ponto que eu acho que me
ajuda junto com os professores são as anotações do boletim mesmo. Eu projeto o boletim com
a foto, a disciplina, e consigo ver tudo e trabalhar com os professores

Vinícius. Nele, eu só uso o que conheço. Não sou um usuário eficaz do sistema, não tenho
conhecimento se tem algo abrangente e funcional e que, na prática, não acontece. No meu
caso, a certeza que eu tenho é que o problema está no usuário.

Laura. Eu faço também todos os registros de atendimento aos pais e alunos no sistema, e
também todos os encaminhamentos e acordos com pais e alunos. Acho que essas são coisas
que fizeram a diferença pra mim, estão lá registrados

Alice. Acho o Sistema tem sua utilidade, mas ele ainda tem muitas falhas, precisa ser
reajustado. Algo que é recorrente é sumir os dados. Por vezes, desaparecem todas as
informações. Outra dificuldade é o lançamento de aulas a serem substituídas: se não tem
módulo ninguém lança as aulas.
132

Nos discursos acima, é possível visualizarmos falas sobrepostas sobre o


Sistema, provocando mudanças de comportamentos e de adaptação por meio
de novas modalidades que vão transformando o fazer pedagógico.

Em primeiro lugar, observamos um movimento que pode ser definido como


resistência, além da busca de uma combinação entre os registros no papel e
digital. Esse tipo de comportamento manifesta-se em todos os coordenadores
pedagógicos. A princípio, o SGP parece representar para eles uma
simplificação da realidade em curso, tal como uma continuidade do diário.
Podemos observar que o ajuste aos registros digitais se dá em termos, e que
uma redefinição do ritmo de trabalho ainda está em curso.

Essa condição de apego aos instrumentos mais usuais, como cadernos (e


mesmo a cartas), de um passado próximo, sobrecarrega o trabalho do
coordenador, gera perda de tempo, enquanto o Sistema foi justamente
pensado, entre outras questões, para otimizar o tempo do coordenador, dos
docentes e da escola, para proporcionar-lhes maior transparência. Entendemos
que esse deslocamento do passado e dos hábitos adquiridos não é simples.

A cada novo desafio que surge no presente, os coordenadores olham para o


passado, abordam explicitamente a falta do diário, fazem referência a ele de
forma recorrente. No entanto, sabemos que o que está posto no Sistema é
uma espécie de diário – mais complexo, é verdade. Mas diário. O fato de
mudar o suporte é o que gera saudosismo por parte desses profissionais, em
uma representação de um passado próximo, conhecido, seguro e da
percepção de um novo paradigma em curso.

Esses profissionais veem-se entrando em outra Era, em um mundo a ser


desvelado cheio de dificuldades, é verdade. Não há computadores suficientes,
a velocidade da internet é baixa, a sobrecarga de trabalho dificulta o tempo
necessário para o registro. Sabem, por outro lado, que é impossível aprisionar
o passado, a cultura, a evolução, e que é preciso assumir o mundo presente
para que se possa fazer parte dele. Como bem salientado por Larrosa Bondía
(2002),
133

O que é a experiência senão a possibilidade de beber em outras fontes


e se transformar, reinventar?Experiência vem do latim experiri, provar
(experimentar). A experiência é, em primeiro lugar, um encontro ou uma
relação com algo que se experimenta, que se prova. O radical é periri,
que se encontra também em periculum, perigo. A raiz indo-européia é
per, com a qual se relaciona antes de tudo a idéia de travessia, e
secundariamente a ideia de prova.(LARROSA BONDÍA, 2002, p.25)

De forma sucinta, podemos afirmar que há uma forte presença de


conservadorismo nos excertos supracitados. Por outro lado, também há outras
variantes que implicam na materialização das informações.

Nos próximos excertos, do Eixo 2: O que o SGP “promete mais não cumpre”,
indicados a seguir, podemos observar que os comportamentos de apego aos
diários de classe têm vinculo com a segurança e a manutenção dos dados.
Próximos do próprio corpo.

Eixo 2: O que o SGP promete, mas não cumpre

Para Larrosa Bondía (2002), a experiência é o que o que nos acontece, aquilo
que provamos. Ela está ligada às pessoas. Mesmo que essa experiência seja
coletiva, cada um a elabora de forma única: “É contando histórias, nossas
próprias histórias, o que nos acontece e o sentido que damos ao que nos
acontece, que nos damos a nós próprios uma identidade no tempo” (p. 69).

Pensar a escola como um lugar de histórias, de encontros, de troca de


experiências, é o sentido de ser da escola. É repensar o currículo, o tempo e o
trabalho do coordenador, vendo sua existência como o lugar do encontro e das
trocas.

Vejamos, a seguir, o que os coordenadores pedagógicos relatam sobre sua


experiência quanto à inserção e uso do SGP em suas respectivas escolas.

Narrativas 1- Promete, mas não cumpre

Florbela. O SGP peca pela falta de eficiência da ferramenta. A escola é muito dinâmica; não
dá pra você ficar esperando uma semana pra imprimir o boletim. Não dá pra baixar o gráfico;
134

ele trava e some tudo. Promete transparência, acesso às informações, sondagens, provas. É
legal ir lá e pegar qualquer informação, inclusive pra área da pesquisa, quando o recurso
funciona. Se não funciona, você descarta, não usa mais e passa a fazer do jeito tradicional.

Cecília. Agora o problema são as condições que são postas e que permanecem ruins e hostis
até hoje. Para as coisas se realizarem da maneira que precisam ser realizadas, o nó está em
não como o SGP está sendo gerido nas escolas, mas administrado nos órgãos competentes.
O uso que está sendo feito dessa tecnologia é que deixa a desejar. Ele ajuda, mas causa
muitos transtornos também. Entre eles, o de sumir as coisas, sumir os dados registrados.

Rachel. O SGP promete, mas não cumpre. Quando foi criado, eu dei todo o apoio.Sou
totalmente defensora da informatização.Achei que o SGP estaria a favor do nosso trabalho, do
pedagógico, mas o processo se reverteu. São dois problemas: ele não está a favor do nosso
trabalho, é exatamente o contrário; e ele não é neutro e escraviza os professores.

Ana Maria. Acho que a infraestrutura detona o SGP. Você tem o trabalho digital, mas não tem
a máquina. Acho que o maior fazer do professor é o como, e este como é que deve ser
compartilhado. Os professores dos mesmos anos precisam saber o que seus pares estão
fazendo.

Clarice. A escola não está em rede. Ainda temos de fazer o histórico escolar, o prontuário do
aluno no papel. Se a gente pensar que a história da escola é escrita apenas pela acumulação
do diário do professor, é muito pouco.Temos que poder acessar outros dados. A secretaria é
parte da escola; então, tem de estar conectada ao SGP.

Adélia. Eu só sinto falta do SGP não armazenar coisas anteriores, antigas, informações de
outros anos. Se precisar de histórico mais antigo, não tem. A secretaria não tinha a ata. Por
isso, eu tive de revirar a escola para achar dados dos alunos. Eu sinto que não tenham isso
gravado. Eu gostaria de recuperar as observações anteriores dos alunos, mas só consigo
recuperar as notas.

Beatriz - Eu não exijo dos professores registros no papel. Há uma preferência, nós temos um
perfil de professores mais antigos, e, como eu, eles estão habituados com o papel. Parece que
se você não tiver papel, você vai perder alguma coisa, e isso de fato acontece com o SGP. Ele
tem algumas estranhezas. A gente brinca e diz, inclusive, que ele tem vida própria.

Cora. Eu tenho falta de familiaridade com o sistema, mas acho que ele não funciona quando
eu preciso dele. Eu estou ainda tentando colocar o uso do sistema na rotina, mas ainda não
dá. Ele tem alguns desafios que mostram nossa debilidade. Já vi professores preenchendo o
sistema com erro de português. Eu pensava que eu teria que olhar um por um. Que eu
passaria a ser um corretor ortográfico. São muitas questões, mas elas falam muito da nossa
carência de formação inclusive.

Martha - O sistema deveria ser melhor do que o diário, mas não é.Ele toma o meu tempo, não
funciona, fica rodando, me dá uma informação e depois apaga, não me ajuda nos meus
relatórios.Eu já pedi pra fazer reunião de coordenadores para que eles nos apresentem formas
de otimizar.Eles dizem que fazem, mas não é feito do jeito que eu imagino.
Preciso ter um excelente desempenho como trabalhador para que minha empresa vá bem,e é
pra isso que eu preciso que o Sistema me ajude, mas ele está me atrapalhando.Aqui parece
ser mais democrático do que em outras escolas que conheço, mas não está sendo, os
professores não são ouvidos. Do jeito que as coisas estão colocadas, é muito estranho: você
não pode dar uma opinião; é algo absurdo.

Beatriz - Ele promete e não cumpre essa prontidão de acordo com o que você quer acessar.
Se eu tenho uma pendência, fica praticamente impossível resolver.Certa vez, eu passei três
horas com o responsável técnico de SME e não consegui resolver o problema.

Carolina. A parte da coordenação, o que foi vindo, nós fomos tentando assimilar sozinhos. Eu
sinto um pouco isso.Novas telas foram acrescentadas, mas não fomos comunicados e nem
135

tivemos formação depois.

Vinícius. Na verdade, as coisas que descobri foi pelas demandas. No conselho, busquei as
planilhas. Em relação à condição ideal, gostaria que o wifi funcionasse e que os professores
estivessem equipados para diminuir o tempo de registro que o sistema aumentou muito.

Hilda. Outro problema é o acesso, que é muito difícil; é uma ferramenta difícil de ser usada.
No início tinha capacitação, mas eles inventaram muitas coisas novas e, em momento algum,
isso foi atualizado para a rede. E tem gente que nem sabe o que tem no Sistema. Daí, mexe
nele e acaba descobrindo o que ele oferece, mas como nós não fazíamos isso, nós ficamos
sem saber.

Laura.Tem muitas ocorrências que causam desconforto, como os problemas com a rede. Não
dá pra negar que a rede compromete muito o nosso trabalho. Muitas vezes, ficamos à mercê
da boa vontade de alguém. As atualizações demoram muito para acontecer, os dados ficam
muito desatualizados, e o acesso é muito lento, principalmente em períodos de fechamento do
semestre.

Alice. Sem falar nos problemas da rede, no wifi,que deixa muito a desejar. Como não temos
conectividade, não conseguimos cumprir prazos. Isso causa grandes transtornos para a
escola, implica em deixar os dados desatualizados.

A importância desse ponto de vista consiste, sobretudo, que algumas


ocorrências colocadas estão no centro da discussão dos problemas. Os
próprios coordenadores argumentam a frustração com a rede digital ao
afirmarem que fazem uso de dois registros – o no papel e o digital -, e que, em
uma escala de avanços sobre a aprendizagem, o Sistema ainda não permite
produzir comparativos sobre o antes e o agora. Nas narrativas, muitos mostram
sentir forte insegurança na inserção de dados apenas nos registros digitais.

No que tange a ancorar o conhecimento nessa nova modalidade, podemos


observar, por meio das narrativas, importantes posições e diversos conflitos. O
que repercute nas experiências dos coordenadores é a instabilidade do
Sistema, e, com isso, criam-se insatisfações que os levam a buscar ou a se
atrelar a zonas de conforto para que possam garantir aquilo que está em curso
sobre o “currículo”. Os coordenadores são elementos chave para o
funcionamento do SGP, portanto, é fundamental que suas reações sejam
reconsideradas, discutidas e avaliadas, independentemente de serem positivas
ou negativas. É preciso também que se tenha em mente que o trabalho do
coordenador, como ele atua e como se sente perante aos instrumentos com os
quais tem que lidar no dia a dia da escola afeta a todos os seus componentes:
escola, direção, professores, alunos e pais.
136

Os discursos trazem para o lugar da pesquisa vivências e experiências, relatos


sobre as mudanças e as dificuldades em transformar os dados em informações
e em trocas produtivas, compartilhamento e intervenções no ensino
aprendizagem. Para Gomes Pérez (2015, p. 33), “A insatisfação generalizada
com relação à qualidade dos sistemas de ensino para enfrentar os complexos e
incertos cenários atuais está gerando uma busca por alternativas que não
parecem produzir os efeitos desejados.” A mudança tão discutida continua
engatinhando, em vez de alavancar aquilo que seria o conhecimento,
principalmente quando alguma estrutura do Sistema não funciona. Nas falas
dos coordenadores deve ser considerado suas necessidades, surgidas, como
vimos, da passagem de um modo de registro a outro, ficando estes
dependentes de uma rede disfuncional. Não se trata evidentemente de retornar
as formas antigas de registro, trata-se de não ignorar a real situação dos
coordenadores naquilo que é o seu trabalho, de condená-lo a uma pseudo
inserção ao mundo das tecnologias, sem lhes dar a possibilidade de sequer
questionar sua funcionalidade.

Como sugerem as entrevistas, o problema não parece ser apenas uma


inclusão dos coordenadores no mundo das redes digitais, mas também
compreender de que maneira essa inclusão cria desajustes nas situações
cotidianas que lhes vão transformando o trabalho. Do ponto de vista dos
coordenadores, os problemas técnicos acabam inviabilizando sua atuação, já
que o Sistema tem falhas naquilo que deveria ser sua essência, pois está
relacionado a exatamente ao que os mobiliza em seu trabalho: o pedagógico.
Com efeito, a condição adversa, de instabilidade, cria inúmeras situações que
têm implicações em todo o funcionamento da escola e nas relações com os
docentes.

A fim de contextualizar certos discursos sobre as mudanças na educação,


Santomé (2013), quando se reporta à Revolução na educação, em sua obra
“Currículo Escolar e Justiça Social”, reporta que, nessa efervescência de
mudanças da sociedade, diferentes governos argumentam que, em
decorrência desse contexto e das necessidades dele advindas, é necessário
propor reformas no ensino. Sublinha que “[...] o grau de acerto dessas
respostas educativas de mudanças nem sempre é fácil de medir. Entre outras
137

coisas, porque seus efeitos não costumam ser visíveis no curto prazo” (p.179).
No entanto, no caso da rede analisada, faltam mesmo as condições básicas
para sua implantação. A continuidade deste cenário só aprofundará mais os
problemas.

Ressalta- se, entretanto, que algo que deve ser considerado no diagnóstico dos
problemas e de suas possíveis soluções, entre elas as articulações e
participações em debates públicos sobre a temática, e sobre as condições
tecnológicas e institucionais da implantação do SGP. Isso dimensiona a
importância que a sociedade atribui às instituições escolares. Este sim seria o
termômetro que poderia medir o tipo de democracia existente nas sociedades e
os sistemas políticos do momento com relação ao uso das tecnologias como
suporte à gestão do conhecimento numa sociedade dita da comunicação.

Vale ressaltar aqui que criação do SGP e sua implantação passaram por várias
instâncias, tanto de reflexões internas na contribuição dos coordenadores da
Rede Municipal de ensino como na chamada pública, que contou com efetiva
participação dos interessados. Se observarmos os excertos ilustrados nesta
tese, por exemplo, podemos ver claramente que era um programa em
construção. Mas faz parte da construção a adequação dos equipamentos
tecnológicos assim como da formação contínua dos usuários e a ampliação do
parque tecnológico incluindo aí a banda de acesso.

Ainda em relação à obra de Santomé (2013), ela faz referência a um elemento


fundamental nas políticas educativas que trazem no seu bojo ideologias,
opções políticas, ideais em determinado momento, bem como “[…] projetos
políticos no curto/médio ou longo prazo”, que esbarram em “[…] fenômenos
que costumam ocorrer com frequência em sociedades democráticas”
(SANTOMÉ, 2013, p. 180), isto é, nas dificuldades políticas que emergem no
momento de elaboração e aprovação de um projeto de “reforma educativa”.
Esse procedimento torna-se mais evidente quando os debates ocorrem entre
diferentes ideologias e posicionamentos políticos.

Com efeito, as dificuldades presentes hoje no SGP podem ser analisadas, pelo
menos em caráter ilustrativo, para mostrar que as políticas públicas,
138

principalmente as políticas educativas, sofrem com esse comportamento de


descontinuidade, de abandono. Assim sendo, o sucesso de qualquer programa
só vai ocorrer conforme este encontre ou não condições satisfatórias para o
seu desenvolvimento.

Narrativas 2: Mudanças e infraestrutura

Nessas narrativas evidenciam-se sintomas da crise vivida pelos


coordenadores sobre o SGP e sua funcionalidade. Resistir nesse contexto é
dizer não, eu não consigo trabalhar, o Sistema não me ajuda.

Ana Maria. Um dos motivos da resistência é que ficou tudo com o coordenador pedagógico,
prazo, tempo, problemas de rede, maquinário velho e lento. Quatro anos se passaram e
continua tudo a mesma coisa.
A questão que pegou é de o SGP estar sendo feito por terceiros. Isso também repercutiu mal.
Acreditavam que terceiros não conheciam a rede, os problemas existentes, e isso começou a
dar corpo a uma resistência.

Florbela. A gente trabalha com maquinário velho, com poucos computadores e o tablet, que
foi um investimento violento, mas não funciona. O professor não consegue fazer a chamada, e
até hoje só usa o tablet para tirar foto. Se não há investimento numa Internet potente, mexe
com o tempo da gente. Tem muitos problemas técnicos de rede.

Rachel. Os docentes não se encontram mais. Os horários coletivos individualizaram,


tornaram-se momentos de registro - um registro já feito em sala de aula. Eles reescrevem e
repassam o registro para o SGP.

Adélia. A gente tem a ficha dos coordenadores que nós preenchemos durante o conselho.
Para o professor, a gente pede, meio que obriga a registrar no papel por falta das máquinas.
[…] Os professores estranharam muito porque eles não lançavam nem plano, nem chamada,
nem nota. Diziam que ninguém nunca pedia nada.

Beatriz. Às vezes, os dados estão registrados num dia e no dia seguinte não estão mais lá.
Não tem nada, mas você sabe que colocou os dados. São coisas que acontecem no sistema,
algum tipo de problema, coisas técnicas. Então, a gente busca como segurança o papel.
Eu pontuei que os problemas de defasagem, o acesso difícil, a questão dos dados
desaparecerem e reaparecerem dificulta. Às vezes, você tem a rede inteira fechada, tem
coisas em termos de organização que prejudica. Essas coisas precisam ser resolvidas. Ao
mesmo tempo em que o sistema oferece algumas coisas, ele é uma dor de cabeça, não é algo
que funciona como deveria funcionar. Ele perde um pouco da credibilidade quando o dado
desaparece ou é alterado.

Cora. Alguns professores gostam de usar, adoram, acham maravilhoso ter essa facilidade.
Outros não conseguem de jeito nenhum. Mas o problema de todos é a rede não sustentar em
final de semestre.Ela some,sai do ar, os dados não estão lá e começa a surgir umas lendas.
Talvez o problema não seja o sistema mas a falta de rede, de nossa falta de tempo, falta de
organização.

Martha. Eu fico aqui horas tentando descobrir as funções do sistema, porque ninguém nunca
me mostrou. O que achei foi por mim, e provavelmente poucos coordenadores sabem fazer
isso. Eu sei usar o sistema porque fico em casa debruçada procurando entender.
139

Vinicius. Eu não sei até que ponto os coordenadores conhecem o SGP. Acho que eles não
sabem como fazer o trabalho funcional. É necessário que tenha reuniões, formação.

Cecília. Ele está ocupando um espaço de formação que não deveria ocupar. Nós temos de
abrir mão do tempo que poderia ser para a formação para registro dos dados. A gente tem na
lei a hora atividade para registro, mas o horário de formação é invadido pelo administrativo.

Alice. Eu fico me perguntando quem são os responsáveis pelo Sistema em outros órgãos. É
preciso alguém dialogar com os responsáveis, com quem opera a parte técnica. Deve ter um
departamento competente em SME (Secretaria Municipal de Educação). Isso é condição
básica para o nosso trabalho; então, tem de funcionar.

Laura. O fato de perder dados é muito sério. Já perdemos dados no sistema: eles foram
inseridos e perdemos, mas ninguém se preocupa com isso - só eu, a coordenadora.

Hilda. Os registros no boletim hoje são como uma obrigação: você tem de registrar as notas.
Mas o SGP dificulta para o coordenador a visão do processo. Você não consegue
acompanhar todos os professores, não dá, você não tem uma sequência. […] A gente perdeu
essa proximidade de acompanhamento. No diário, a gente deixava recadinho, bilhetinho.

Carolina. Acho que o SGP cumpre o papel dele, acho que a nossa ansiedade que incomoda
um pouco. Tudo que está ali é suficiente, ele atende muito bem. Acho que tudo que foi pedido
ele deu conta de colocar, mas o que eu preciso é de formação, pois eu tenho dificuldades de
encontrar. Acho que é uma dificuldade minha, acho que os caminhos são difíceis.

Rachel. Os caminhos são complicados. É difícil porque, para você sair de uma janela e abrir
outra, os caminhos são demorados, e o segundo ponto é que você não tem o SGP onde você
está, e onde eu estou eu carrego minhas fichas.

Ao analisarmos esse conjunto de narrativas, observamos a emergência de


problemas estruturais que, segundo os coordenadores pedagógicos
entrevistados, criam grandes dificuldades para o trabalho. Na realidade, como
já anteriormente mencionado, não se trata apenas de disponibilizar o
maquinário, mas também de garantir sua funcionalidade, seu uso.

O que caracteriza a situação presente é uma dependência dos recursos, das


máquinas, que, desde o início, funcionam precariamente. Por conseguinte, o
que deveria ser um estado mais avançado da gestão do conhecimento, por
meio do equipamento tecnológico, passa a demandar um esforço maior por
parte dos coordenadores e professores. Criou-se uma configuração de
mudança, instauraram-se necessidades novas, redefiniu-se a ação gestora;
porém, as mudanças não operam em função de portarias, e como no plano
material as redes não funcionam adequadamente, cria-se uma série de
desconfortos, já que compromete as relações com a produção do
conhecimento, com o ensino aprendizagem e o currículo.
140

Isso nos remete a Freire (2001) que, quando questionado sobre a importância
das tecnologias na educação, replicou: “Qualquer um de nós tem como tarefa
histórica assumir o seu tempo, integrar-se, inserir-se no seu tempo” (p.90). As
escolas têm papel preponderante na interlocução com o novo, com a cultura e
com o conhecimento, visto que também são históricas. Por outro lado, as
técnicas ilustram um desenvolvimento ininterrupto, de continuidade,
estabelecem um vínculo com os homens que dela precisam para sobreviver e,
conforme passam a fazer parte integrante da vida, passam a ser o seu
mediador. Sendo pressuposto básico de existência, ajustam-se.

Podemos dizer que estar conectado é uma das prerrogativas do mundo


contemporâneo. Contudo, as TIC, que já se situam fortemente nos terrenos
institucionais privados, ainda estão em estágio inicial no setor público. Esse
quadro, entretanto, demanda mudanças, pois os educadores e educandos do
setor público necessitam, tanto quanto os do setor particular, das TIC.

Narrativas 3: O impacto dos problemas tecnológicos

Florbela. Eu considero como mais importante é o percurso do aluno. Gosto também da ideia
de transparência, de colocar lá um planejamento conjunto.Isso eu acho ótimo, mas o
importante mesmo é ele funcionar.

Ana Maria. Quando você pega o gráfico por disciplina, você tem elementos que subsidiam o
seu trabalho, mas falta formação para o coordenador pra analisar esses dados estatísticos. Eu
acho que eles não conhecem o potencial do sistema, que eles não conseguem gerenciar
esses dados.

Clarice. Eu consigo acompanhar o planejamento anual, consigo ver o registro diário, mas a
escola é dinâmica, a escola é viva, pulsa. É muito difícil para o coordenador que assume
outros papéis de atendimento. Quanto ao planejamento, não vi alterações no que os
professores fazem. O SGP deu uma transparência maior sim, mas a gente, ao mesmo tempo,
não sabe se o que está escrito acontece de fato nas salas.

Beatriz. Eu acho que é outro modo de registro. Algumas coisas foram facilitadas, outras não.
Em princípio, ele deveria facilitar; só que, por conta dos problemas técnicos, muitas vezes
você fica um tempão para acessar os dados que no físico você acessaria com uma facilidade
maior.. Os gráficos existem, mas seus usos não estão incorporados pelos coordenadores. […]
É o ponto de mutação; estamos com o pé em dois lugares. A ideia é originalmente boa, mas
entre a ideia e a concretização tem um longo caminho.

Cora. Sabendo usar, você consegue elucidar várias questões. Eu não gosto de nada que
controle o ser humano, mas sei que é necessário, é imprescindível, mas são vários embates
envolvidos que você tem de assumir.

Martha. Quando você trabalha em outros lugares, você sabe a importância do sistema atender
quem é usuário como trabalhador. Preciso ter um excelente desempenho como trabalhador
141

para que minha empresa vá bem.

Vinicius. Acho até que os gráficos são um bom ponto de partida no início de ano, que os
dados seriam interessantes para começar o ano, ver alunos, traçar planejamentos, traçar
novas rotas, buscar recursos, observar os gargalos e criar planos de ação a partir dele.

Rachel. Os professores continuam fazendo todos os registros no papel. É como se tivessem


de novo o diário de classe. Eles têm todos os registros - como notas, chamada, inclusive o
registro de aula – no papel.

Adélia. Eu acompanho até as atividades que os professores estão dando, o agendamento de


provas. Na DRE que eu trabalho, tem muita discussão sobre o SGP. Eles chamam a gente e
acompanham os resultados, principalmente das provas externas. Inclusive, cobram muito.

Hilda. O SGP absorveu o nosso tempo. O professor virou um alimentador do sistema, e o


coordenador pedagógico não consegue usar essas informações que estão ali com qualidade.

Laura. Eu considero o SGP como um instrumento que me serve na organização dos registros,
dos dados que antes eram dispersos.

Cecília. Eu sou a favor, mas não posso deixar de dizer que há forças contrárias para que as
coisas não aconteçam de maneira plena, e elas são muito fortes. A gente tenta dizer, mostrar
– “Eu estou fazendo, está aqui.” - e elas vêm dizer que você é culpado, que você não faz
porque não quer

Ao abordar a questão educação versus técnica, Freire (2001, p. 98) salienta:


“Penso que a educação não se reduz à técnica, mas não se faz educação sem
ela. Não é possível, a meu ver, começar um novo século sem terminar este”.

O fenômeno tecnológico não pode ser encarado como a mera presença


instrumental nos ambientes, como expressão de mudanças, pelo simples
motivo de existir. Não pode ser uma aventura experimental dramática no
universo escolar, nem pode fazer de conta que ela não existe, porque está
presente, existe. Sob esta perspectiva, não pode ser algo imprevisível, instável,
porque o conhecimento, a aprendizagem, precisam de previsibilidade, são
processos.

Sacristán (2013, p. 153) esclarece que, em todas as sociedades que têm no


conhecimento parte importante do seu funcionamento, surgem diferentes
estilos de vida, aumentam os modos de adquirir conhecimento, aprendizagem,
de estabelecer relações com os outros, de lazer, de trabalho.
142

Como é lógico, todo movimento, proposta, discurso, ou problema


relativo a um fenômeno social relacionado com o currículo nessas
sociedades ou ao conhecimento e à informação – enfim, relacionados
com a cultura - não pode deixar indiferente quem está envolvido com
educação (que, de certa forma, somos todos nós) e, mais
especificamente, está envolvido com as instituições educativas, em
cujo currículo estão explicitados os conhecimentos e informações que
quem se beneficia deles deve adquirir. A maior parte das práticas
educacionais se relaciona com a reprodução, elaboração ou
aplicação do conhecimento. (SACRISTÁN, 2013, p.153)

Sacristán (2013) faz notar que aquilo na educação que, inicialmente, parece
simples e evidente, “[…] se torna complexo, movediço e complicado quando
pedimos que sejam explicados os novos conceitos que surgem no discurso
sobre os temas educativos” (p. 153). Ressalta que conhecimento e informação
não são conceitos que definem um tipo de sociedade, que o conhecimento
sempre esteve presente na sociedade, sofrendo mudanças em decorrência de
momentos históricos. No entanto, a “sociedade do conhecimento” existe como
uma etapa onde a informação e o conhecimento têm papel relevante para o
seu desenvolvimento, “organização, funcionamento e manutenção”. Nessa
abordagem, Sacristán (2013) observa que, da mesma forma que esses
conceitos existem como realidades distintas ou não, eles aparecem de forma
explícita nas ideias que permeiam as instituições educativas.Em todas elas
existiram e ainda existem pautas de criação e distribuição do conhecimento,
regulando quem tem acesso a que e quando tal acesso pode ser feito. Na
constituição de uma sociedade do conhecimento e da informação, há, com
efeito, particularidades que ganham status cultural importante que enreda as
instituições, os valores, as crenças, e, nesse sentido, “[…] o currículo, que
representa o projeto de uma sociedade, é composto de uma seleção de
conteúdos e de uma escolha de valores” (p.155).

O SGP, que inicialmente é um dispositivo que veio para potencializar o trabalho


gestor, passa agora a ser alvo de críticas em função de suas lacunas. Nesse
cenário, novas demandas surgem e, com elas, as necessidades de
ajustamentos para a garantia de funcionamento da escola. Nesse contexto, o
registro em papel está abolido e uma renovação quanto ao que chamamos de
registro digital é fundamental como instrumento de trabalho do gestor. Nesse
sentido, seria difícil falarmos em gestão nas escolas do município de São
143

Paulo, na atual conjuntura, sem abordarmos a cultura digital vigente, e muito


menos ignorá-la ou não fazermos uso dela.

Em relação ao nosso contexto, ou seja, as escolas públicas do município de


São Paulo, para que a inserção de ferramentas digitais faça maior sentido,
entretanto, é necessário haver maior investimento no setor público tanto em
termos de maquinário quanto em termos de formação contínua para que os
profissionais da educação possam ser capazes de utilizar as ferramentas
tecnológicas necessárias em prol do processo de ensino aprendizagem – e não
apenas centrar-se nos recursos oferecidos pelo maquinário. Contudo, há
investimento limitado e defasagem na formação continuada no que se refere a
esse setor da educação brasileira. Como salienta Freire (2001), em sua obra
sobre educação na cidade,

A escola não anda bem, não porque faça parte de sua natureza não
andar bem, como muita gente gostaria que fosse, e insinua que é. A
escola pública básica não anda bem, repitamos, por causa do
descaso que as classes dominantes nesse país têm por tudo o que
cheira povo. (FREIRE, 2001, p.51).

Eixo 3: Falando sobre desejos

Uma travessia vem, entre outros elementos, carregada de desejos, de


idealizações, de mudanças concretas. Falar de desejos é também falar do
presente, e é nesse contexto de ter uma rede funcional, um espaço tempo de
produção de conhecimento, reflexões coletivas, uma conectividade repleta de
movimento, de comunicação, de aprendizagem, em que o currículo seja a
expressão dessa dinâmica, é que se situam os desejos dos coordenadores
pedagógicos.

Mergulhados numa rotina marcada pelo uso da rede digital, dadas as


circunstancias da inserção das tecnologias no mundo, não lhes coube a
decisão de negar aquilo que se constitui como novidade que adentrou as
escolas de são Paulo. É compreensível que o coordenador pedagógico mostre
apreensão, ante ao impacto dos problemas estruturais que se apresentam e
que provocam comportamentos e reação de desconforto. Essa nova
perspectiva de trabalho em rede digital é resultante da existência dos fatores
144

de mudanças sociais, de necessidades de andar em consonância com o


mundo globalizado e com a Era da informação. Do ponto de vista de ajuste a
um novo contexto e correspondente organização do processo educativo o SGP
seria perfeito de não fosse sua inoperância. Sua instabilidade é uma constante,
por motivos já expostos, de dificuldades de acesso e funcionalidade da web
criando problemas para a ação gestora. Com efeito, um profissional que se
sentia provido do necessário para o trabalho, sente-se bruscamente impotente,
mal formado, desajustado a uma dinâmica que impede sua atuação. O
ajustamento a esses novos modos de registro poderiam ser mais fácil, mas
várias questões se interpõem nesse processo dando continuidade a estágios
progressivos de abandono dos gestores, de ausência dos órgão centrais,
como assinalam os coordenadores.

Nesse ângulo, consideramos fundamental, voltarmos a nossa atenção para o


que os coordenadores relatam sobre seus desejos, ancorados naquilo que é
seu instrumento de trabalho.

Narrativas I: Se eu pudesse!

Rachel. Se eu pudesse mudar alguma coisa, eu desmontaria tudo e faria outra plataforma
mais simples, com acesso mais objetivo. Eu acho que tem de ter a informatização, eu não sou
contra ela, mas esses caminhos, esse software, tem de ser totalmente abolido e um outro
deveria ser criado.

Clarice. Se eu pudesse alterar alguma coisa, eu mexeria nas disciplinas para que elas
pudessem conversar com as outras, para que o planejamento anual pudesse ser único e que
os professores pudessem compartilhar de fato com os pares, para que a gente pudesse ter a
visão de classe e de todos os alunos, do perfil da classe, dos alunos, e não um por vez.

Eu tentaria também criar possibilidades de trabalho menos solitário. A gente tem de


compartilhar na educação, a gente tem de fazer parte. Imagine se a gente pudesse falar com
outros coordenadores ou se algum professor recorresse a mim pelo SGP. Isso evitaria eu ter
de assistir as aulas e fazer algum tipo de crítica tanto positiva como negativa. A gente
precisava de algo que aproximasse mais e não que distanciasse.
Eu também colocaria um espaço que pudéssemos alimentar com nossas angústias e que
nossos parceiros pudessem nos ouvir ou compartilhar. Um espaço tanto para coordenadores
como para professores.

Adélia. Eu acho que eu não tiraria nada do SGP. Eu colocaria um dispositivo pra gravar mais
tempo os dados. Eu colocaria uma observação final do aluno dos quatro bimestres, um
acumulado de todos os bimestres, um relatório final.
Eu adicionaria um espaço com dias de reuniões do conselho, APM, entre outros. Melhoraria
os equipamentos das escolas com mais máquinas e com rede mais eficiente. Adicionaria uma
área em que ficasse os dados dos alunos, porque troca o coordenador e você fica sem os
145

dados dos alunos. Não é o histórico, mas as particularidades, as observações, os registros


dos professores.

Beatriz. A gente coloca as informações lá. Se o boletim agregasse todas elas, se você
pudesse ter toda trajetória do aluno, seria ótimo!

Ana Maria. Ele tem de ser um elemento cultural, e enquanto a comunidade escolar, os pais,
não abraçarem, ele não vai ser um elemento transformador.

Martha. Aqui deveria ter uma plataforma tal qual a dos grandes bancos. Nossa rede não é
pequena. Deveriam dar a ela a mesma seriedade que se trata os sistemas do banco Itaú, por
exemplo. Eu acho que o sistema não é inteligente. Se ele não te atende, tem de trocar, precisa
trocar. Eu sou usuária, eu estou esse tempo todo aqui, tentando lançar esse atestado. Quando
eu finalmente lanço, o professor também não vê, ele tem de procurar por sala pra ver; ou seja,
o sistema deveria mostrar na tela quando o professor abrisse a sala. Isso otimizaria o trabalho.

Florbela. O SGP, em termos de trabalho, ficou pior, pois ele aumentou o trabalho. Se
realmente funcionasse, seria espetacular. Em uma gestão democrática, você podia envolver,
inclusive, funcionários, pais, mas o SGP não funciona pras coisas cotidianas. Eu considero
como mais importante o percurso do aluno. Gosto também da ideia de transparência, de
colocar lá um planejamento conjunto. Isso eu acho ótimo, mas o importante mesmo é o SGP
funcionar.

Alice. Eu, se eu fosse colocar alguma coisa no sistema, eu abriria um Item/link sobre os
problemas estruturais do sistema/Internet da escola, ainda que fosse um item/link reservado
ao controlador do sistema para que este, em interlocução com a
escola/professor/coordenador, promovesse os ajustes necessários em tempo hábil, não ao
final do ano. Outro desejo... É que os diretores não tivessem como fazer alterações (nas
notas, faltas e registros gerais do dia a dia, lançados pelos professores) sem a anuência do
professor/coordenador.

Vinícius. Acho que uma página no sistema para comunicar com os pais seria interessante.
Bilhetes, comunicados podem ser viabilizados. Um canal de comunicação para avisos,
reuniões, retorno das aulas poderia ser um canal de comunicação direta.

Carolina. Se eu pudesse, eu criaria uma página do PEA, colocaria os professores e a


formação que ocorre na escola, porque ela ainda continua naquele livro de papel.

Hilda. Se pudesse, eu tirava aquelas considerações sobre os alunos onde se marca com X.
Deixaria um histórico descritivo do seu desenvolvimento, escanearia algumas coisas que
ilustrassem o processo do aluno, sondagens. Em vez de x, digitalizaria uma atividade, criaria
um arquivo de imagens. Isso seria superinteressante!

Cecília. Para um desejo de melhorar o sistema, eu acho que o SGP poderia ter outra
roupagem, melhorar a infraestrutura, os recursos, os acessos, os caminhos. Acho que deveria
trazer um lugar que diga, que represente o professor, de sugestões, de podermos viabilizar as
informações na formação pedagógica. Acho que deveria orientar para que aqueles dados
pudessem contribuir para a formação.
146

Os discursos acima permitem-nos perceber características de mudanças nos


coordenadores.Se observarmos as falas iniciais dos primeiros eixos, podemos
notar que havia relativa insatisfação dos entrevistados com o SGP. Contudo, se
contrastados com os relatos dos entrevistados acima, das Narrativas
I,constatamos a presença dos desejos, que vêm como recuperação de
esperança, de crença de que há que se buscar caminhos de ajustamento,
soluções para que se efetive o trabalho pedagógico. Como afirma Vasconcelos
(2009, p. 62), “O núcleo dinamizador de nossa existência é o querer, o motivo,
o que se traduz num constante de satisfazer e produzir necessidades e
desejos, com seus desdobramentos em termos de ação e interação.”

Conforme anteriormente mencionado, não se trata de apenas disponibilizar o


maquinário para as escolas e seus funcionários, mas de repensar os seus
usos, e esta é uma função que cabe aos gestores nesse momento. Se o
trabalho pedagógico era até então multifacetado, essa nova forma de gestão
libera o coordenador para cuidar da aprendizagem, para acompanhar como e o
que o aluno aprende, o que e como está sendo feito.Isto vem ao encontro de
Santomé (201), quando salienta:“[...] implica que mais olhos se dediquem a
observar o trabalho realizado pelas instituições de ensino” (SANTOMÉ,2013, p.
317).

As novidades sempre tendem a criar instabilidades, por motivos já expostos,


que se interpõem entre o modelo vigente e o novo, e num processo de
assimilação e acomodação de padrões que se perdem e se renovam, de
modificações estruturais e sociais. Destarte, “[…] para haver as mudanças não
bastam ideias novas. É preciso vinculá-las a novos afetos. A vontade pode ser
compreendida como uma das interfaces entre o querer e a razão” (SANTOMÉ,
2013, p.62). Com efeito, as palavras mais recorrentes desses recortes são
aquelas que contribuem para uma efetivação do trabalho com menos dispêndio
de tempo, com caminhos mais acessíveis, além de um funcionamento da rede
mais eficaz.

Narrativas 2. Sistema x corresponsabilidades


147

Florbela - Quanto a navegar na rede, a responsabilidade é do coordenador. Só coordenador


navega; nunca um supervisor olhou ou viu ou trouxe ou quis ouvir o que estou pensando. Se
os campos estão preenchidos, ninguém vai te chamar. Se têm lacunas, vão chamar você e
não o diretor. Eles querem prazos: “Se vire. Vou te estender o prazo para você colocar tudo
em ordem.” Não existe uma relação colaborativa, mas sim burocrática.

Rachel. Ninguém nunca compartilhou comigo o acompanhamento dos resultados. Supervisão,


direção, coordenadoria? Não. Já vieram cobranças. Uma mãe reclamou de resultados, mas
só.

Clarice. Não existiu, nesses cinco anos de atuação, corresponsabilidade de acompanhamento


dos dados. Nesses cinco anos de atuação, nunca nenhum supervisor ou diretor falou sobre o
SGP, nem entre mim e a outra coordenadora que atua comigo cotidianamente foi falado sobre
isso. Não há nenhuma formação nesse sentido, e eu acho isso triste.

Adélia. Eu acompanho até as atividades que os professores estão dando, o agendamento de


provas. Na DRE que eu trabalho, tem muita discussão sobre o SGP. Eles chamam a gente e
acompanham os resultados, principalmente das provas externas. Inclusive, cobram muito.
Agora, com direção e supervisão, isso não acontece.

Clarice. A DRE nunca me acompanhou, nem houve supervisão, nem ninguém nunca me
cobrou. Nunca discutimos entre nós, coordenadores, sobre o Sistema. A gente acha isso
muito ruim.

Beatriz. Sobre os outros órgãos da educação, algumas vezes acho que alguém está
acompanhando o meu trabalho; outras vezes, não.Acho que são dois problemas: o problema
humano de não alimentar o sistema e a problemática do sistema apresentar muitos defeitos.

Ana Maria. Falta o olhar do órgão central. Tem que dar uma formação diferenciada para os
coordenadores. […]Cada supervisor também orientou de um jeito. No início, as pessoas não
ratificaram o SGP como a documentação oficial. Virou uma esquizofrenia geral; muitos
supervisores mandaram fazer no papel.

Cecília. A cobrança de registro é muito grande das Diretorias de Ensino, mas não houve
retorno. A participação das Diretorias é muito incipiente: elas se preocupam muito mais no
sentido de controle do que de haver uma reflexão sobre os problemas.

Laura. Sobre a participação dos supervisores da Diretoria de Ensino, não existe nenhuma
colaboração ou troca. Apenas cobram o lançamento dos dados, querem que esteja tudo
lançado e completo. A qualidade do trabalho nunca foi verificada, compartilhada, mesmo
porque, as informações podem ser alteradas (e muitas vezes são) pela direção.

Vinícius. Eu não me vejo em rede. A impressão que dá é que a gente alimenta as planilhas, o
campo de planejamento, o diário de classe, por uma questão de obrigação.

Carolina. Eu não me sinto em rede. O PEA não está ali, o PPP também não. Eu acho que
está apartado ainda.

Beatriz. Não acho que estou em rede, acho que não foi incorporado. Sei que se eles
consertarem o que está dando errado, a gente conseguiria pensar em ajustes. Já passou a
fase do susto, do impacto, do convencimento, não tem volta, mas tem muitos problemas
básicos, não triviais, mas de base e fundamento.

Em relação aos relatos acima, das “Narrativas”, chamamos a atenção para o


modo como os coordenadores pedagógicos apontam a ausência das Diretorias
148

Regionais de Ensino em relação ao SGP. Para eles, existem diversos


problemas com o Sistema e sua gestão que podem ser sanados, auxiliando-os
como de fato o programa promete. Os coordenadores não se mostram
indiferentes aos problemas apontados: eles conseguem senti-los, visualizá-los,
exemplificá-los, posicionando-se a seu respeito e propondo-lhes saídas. Como
sublinha Freire (2001),

Nenhum educador faz a sua caminhada indiferente ou apesar das


idéias pedagógicas de seu tempo ou de seu espaço. Pelo contrário,
faz sua caminhada desafiada por essas idéias que combate ou que
defende. Nega-se, afirma-se, cresce, imobiliza-se, envelhece assim
ou é sempre novo. (FREIRE, 2001, p.73)

No Programa Mais Educação São Paulo, consta:

Os organizadores desses processos da Gestão pedagógica –


Supervisores, diretores, e especialmente coordenadores pedagógicos
– têm atribuições analíticas e reflexivas, além de normativas. Cabe a
eles a intervenção para que os processos se desvelem e se
encaminhem coletivamente [...]. (2014, p.51).

Contudo, se observarmos os trechos selecionados dos relatos acima,


verificamos que os coordenadores pedagógicos entrevistados indicam que não
está havendo um espaço para que sejam ouvidos, para que sua experiência
quanto ao Sistema seja considerada, para que haja uma reflexão mais
profunda que, eficazmente, leve a mudanças necessárias da gestão quanto ao
uso do Sistema e que leve a mudanças no que tange ao acompanhamento e
apoio da gestão nesse trabalho dos coordenadores pedagógicos. Eles querem
companhia de todos.

Em vista disso, salientamos a necessidade de que as informações advindas


dos coordenadores pedagógicos sejam mais compartilhadas para dar corpo e
funcionalidade ao Sistema. O consenso nas narrativas pode ser pensado como
efeito de algumas condições. Diretores e supervisores, hierarquicamente, estão
mais bem posicionados e pertencem a campos de saberes diferenciados;
portanto, devem fazer uso disso em prol de um trabalho mais voltado para a
coordenação pedagógica, que, por sua vez, tende a afetar positivamente o
processo de ensino aprendizagem. O que se vê, entretanto, é certa ausência
149

da gestão, que é recorrentemente comentada quando se trata da


coparticipação naquilo que trata do ensino aprendizagem nas escolas
municipais.

A perspectiva teórica de Parsons (2002) sobre o funcionalismo estrutural


confere significados e importância das partes na constituição do todo. É
necessário que haja maior integração para que o todo funcione mais
eficazmente. Para isso, é fundamental dar ouvido às vozes dos coordenadores.

Parsons (2002) compara a sociedade como organismos vivos, onde “[…] cada
um dos componentes do sistema, suas partes, tal como uma peça qualquer em
relação à máquina, desempenham papéis que visam a contribuir para a
estabilidade e ordem social”. Uma maior aproximação entre os parceiros
corresponsáveis pelo SGP romperia com a individualização nas tomadas de
decisões das Unidades Escolares. Com efeito, com base nos relatos
disponibilizados nas Narrativas acima, podemos perceber que as escolas não
estão interligadas em um sistema educacional e que as relações básicas de
trocas de informações não ocorrem. Nesse sentido, como já indicado pelos
coordenadores pedagógicos entrevistados, os registros viram mero trabalho
burocrático. Se a questão de fundo do Sistema é ser um instrumento poderoso
a serviço da sociedade escolar, funcionando como mudança na ação gestora,
nossos dados revelam que ainda há que se criar condições favoráveis para que
ele opere de forma orgânica além de tecnologicamente mais eficaz.

5.2. Entrelaçando as diversas e complementares narrativas

Alguns aspectos pareceram fundamentais para o sentido construído nos


discursos dos entrevistados. As narrativas sobre a ineficiência do sistema
emergem de modo recorrente. Elas trazem várias histórias de perdas de dados,
de aumento do trabalho, de desconhecimento da potencialidade do sistema.
Por outro lado, ilustram também o que os coordenadores pedagógicos gostam,
o uso pedagógico que fazem em relação ao SGP e como tal utilização
150

repercutiu em seu trabalho. Eles se olham e se veem compartilhando esse


momento, retratando suas experiências, dinâmicas e frustrações. Sabem que
são parte importante dessa história e que suas vidas estão conectadas a essa
nova Era da sociedade da informação.

Outra questão a ser mencionada refere-se à ênfase dada ao uso dos diários.
Muitos dos coordenadores entrevistados mostram, em seus relatos, que se
apegam a um passado e a uma realidade de ideal fantasiosa, em
representação mais vinculada a uma tradição escolar do que à eficiência
propriamente dita. Os elementos que trazem do diário e da relação afetiva têm
muito a ver com os domínios dos equipamentos e a forma de operar. Se
recorrermos ao diário e os compararmos com os gráficos apresentados no
Sistema, podemos verificar que a visão dos gráficos, em relação a significados,
informações e visão do todo, é infinitamente mais robusta, infinitamente melhor
do que se esses dados fossem disponibilizados em diários.

Esse apego ao passado, a essa representação, tem muito a ver com a


mudança e seu impacto no trabalho gestor. Paulo Freire (200,1 p.25) já dizia
que “[…] numa perspectiva progressista e democrática e não autoritária não se
muda a cara da escola por portaria. Não se decreta que de hoje em diante a
escola será competente, séria e alegre”.Enfatiza que a administração tem a
tarefa de “[…] pensar, organizar e executar programas de formação
permanente...Formação permanente que se funde, sobretudo, na reflexão
sobre a prática”.

Notam-se nas narrativas aqui reportadas que as subjetividades são marcas


determinantes no comportamento e na identidade dos sujeitos. Não se
questiona em nenhum momento neste estudo substituir os papéis das relações
humanas na escola. O que tratamos aqui é de alavancar o ensino
aprendizagem por meio das informações adquiridas numa rede tão ampla
como a da cidade de São Paulo. Isto não passa por um uso experimental das
tecnologias, mas por um recurso oficial da Rede Municipal, com mais de
14.000 turmas.
151

Alguns discursos devem ser compreendidos de outro modo. Indicam o


desagrado do espaço e do tempo ocupados pelo SGP. A questão do tempo e
do contato com os professores parece superestimar o tecnológico em
detrimento das relações cotidianas. Como narra a coordenadora Hilda,

Eu acho que a escola é pautada nas relações, e não dá pra tornar


isso online. Eu não me vejo falando por mensagem. Ela não tem
como ser a distância na sua completude. Alguns elementos fazem
parte, no sentido ao acesso à informação, à mídia como recurso
pedagógico, na parte do processo formativo. A rede não pode
suprimir a questão do contato com o outro; ela tem de estar a serviço
de algo. Existem coordenadores pedagógicos que entendem que
devem cuidar do SGP, mas não tem como eu cuidar do pedagógico
pelo SGP. A educação não pode falar apenas do elemento frio da
informação, não pode se resumir a gerenciar dados.
(COORDENADORA HILDA, 2018)

Esta opinião exprime muitas concepções. No entanto, é preciso considerarmos


as alterações dos registros como oportuna e de grande alcance, mesmo
considerando suas lacunas, e isto é indicado claramente no relato da
coordenadora pedagógica Ana Maria:

Gostei quando apresentei o gráfico com os dados consolidados, os


dados gerenciais, nas telas de lançamento, porque somos
coordenadores e ele media a conversa pra você qualificar a ação do
professor. Quando você pega o gráfico por disciplina, você tem
elementos que subsidiam o seu trabalho, mas falta formação para o
coordenador pra analisar esses dados estatísticos. Eu acho que eles
não conhecem o potencial do sistema, que eles não conseguem
gerenciar esses dados. (COORDENADORA ANA MARIA, 2018)

Observam-se nas narrativas coletadas formas muito particulares de se


construir significado das suas experiências. Todos os sujeitos falam de um
mesmo lugar e do mesmo objeto investigado. As posições em relação ao
narrado são elaboradas a partir das relações estabelecidas com ele. Para a
coordenadora Adélia, a sua experiência no que tange ao uso do SGP é
marcadamente positiva, e ela o entende como uma ferramenta de grande apoio
tanto para o coordenador quanto para os outros envolvidos no processo de
ensino e aprendizagem. Indica também, contudo, que muitos docentes da
escola tiveram uma reação completamente oposta à sua ao fazerem uso do
mesmo Sistema. Aponta que esses docentes que não contavam com o
Sistema também agiram dessa forma por falta de coordenação/gestão.
152

Portanto, indica que sua experiência considera não apenas a sua vivência, mas
a dos docentes com os quais se relaciona:

Nós mostramos para os pais as atividades avaliativas que foram


dadas no semestre: entro na disciplina e mostro aos pais tudo o que o
professor lançou, trabalhou com a sala. Eu vejo tudo o que os
professores postam. Faço isso no Conselho e acompanho as escritas
nas recomendações sobre o aluno, no sentido de que seja ressaltado
o trabalho pedagógico. Eu abro, vejo e acompanho tudo pelo SGP.
Eu uso todas as ferramentas e gosto muito. Os professores
estranharam muito porque eles não lançavam nem plano, nem
chamada, nem nota. Diziam que ninguém nunca pedia nada.
(COORDENADORA ADÉLIA, 2018)

Em todas as entrevistas, percebemos movimentos que, se, por um lado,


reafirmam algumas questões, por outro evidenciam suas diferenças,
divergências, mas que o consenso foi determinante. Os discursos dos sujeitos
trazem no entrecruzamento de dados força de expressão sobre desejos,
causas, efeitos, realidades que são verdades provisórias, campos abertos de
posicionamentos, histórias de vida do tempo presente. Dentre esses
fragmentos, destacamos dois relatos:

Quando você trabalha em outros lugares, você sabe a importância do


sistema atender quem é usuário como trabalhador. Preciso ter um
excelente desempenho como trabalhador para que minha empresa vá
bem, e é pra isso que eu preciso que o Sistema me ajude, mas ele
está me atrapalhando. (COORDENADORA MARTHA, 2018)

É lamentável, mas acho que a infraestrutura detona o SGP. Você tem


o trabalho digital, mas não tem a máquina. Acho que o maior fazer do
professor é o como, e este como é que deve ser compartilhado. Isso
deveria ser ajustado no SGP. Ele tem de ser um elemento cultural, e
enquanto a comunidade escolar, os pais, não abraçarem, ele não vai
ser um elemento transformador. (COORDENADORA MARTHA, 2018)

Para finalizarmos, apresentamos um fragmento da entrevista realizada com a


coordenadora pedagógica Cecília, que expõe a expressão máxima de
desencanto em relação à baixa qualidade da rede, à desconsideração ao
trabalho do professor e ao seu tempo, à educação brasileira na rede pública,
quando reporta:

Quando a rede não funciona, você leva esse trabalho para casa para
fazer no final de semana. Isso não é justo, e a gente sabe que não é,
a gente sabe que não está correto, que tem algo errado. Esse
153

sucateamento da educação, das máquinas, do nosso trabalho, da


nossa vida, é ultrajante! (COORDENADORA CECÍLIA, 2018)

Vasconcelos (2009, p.68) argumenta que, para entendermos o processo de


ação do sujeito em sua realidade concreta, não podemos considerar apenas os
fatores pessoais, mas também o ambiente no qual está imerso. Nesse sentido,
é fundamental ponderarmos sobre a dimensão de suas condições objetivas e
os recursos materiais e estruturais para que efetive suas atividades. As
narrativas apresentadas neste estudo, formuladas por diferentes sujeitos,
imersos em diferentes lugares, mas ocupando o mesmo papel na educação
formal, dizem muito sobre as circunstâncias em que estão exercendo sua
profissão. Conforme aponta Ortega, “O homem é o homem e suas
circunstâncias.” (ORTEGA Y GASSET, 2005, p. 25 apud VASCONCELOS,
2009, p.68).
154

CONCLUSÕES

Escrever é como submergir num abismo em que acreditamos ter


descoberto objetos maravilhosos. Quando voltamos à superfície, só
trazemos pedras comuns e pedaços de vidro e algo assim como uma
inquietude nova no olhar. O escrito não é senão um traço visível e
sempre decepcionante de uma aventura que, enfim, se revelou
impossível. E, no entanto, voltamos transformados. Nossos olhos
aprenderam uma nova insatisfação e não se acostumam mais a falta
de brilho e de mistério. (LARROSA BONDÍA, 2002, pp.159-160)

Para concluir este estudo, é necessário retornar à introdução, especialmente


ao que foi exposto sobre o SGP associado ao trabalho de gestão do
coordenador pedagógico. Este Sistema agrega dados e informações para a
avaliação diagnóstica e a intervenção no processo de ensino aprendizagem do
aluno, do professor e da própria escola. São elementos de acompanhamento
pedagógico, e quem utiliza essas informações, quem sabe interpretá-las,
extrapolará o olhar compreendendo que esses registros não são meramente
burocráticos.

Pelo acesso às informações, é possível criar situações para a produção e


compreensão de novos saberes, entendidos como produtos essencialmente
escolares. Isto porque as trocas de experiências e, das práticas de êxito,
podem fornecer parâmetros para novas ações. É com essa intenção, portanto,
que podemos dizer que o objeto e o sujeito central desta pesquisa é o
coordenador pedagógico e a sua capacidade de gestão em sistemas de rede
digital.

A apropriação das narrativas como relatos de experiência pessoal dos


coordenadores pedagógicos com os registros digitais é o ponto fundamental
para o entendimento do impacto das tecnologias no trabalho gestor. As
narrativas são experiências de vida, histórias, e assim devem ser analisadas.
Nada nelas é definitivo: são olhares em tempos determinados, e devem ser
articuladas pelos saberes e pela legitimidade válidos nesse tempo histórico
vivido.

Do ponto de vista da repercussão do SGP na gestão, os eixos de análise


serviram como ponto de referência dos sentidos construídos. Posso dizer que
as narrativas dos coordenadores são sustentadas por diferentes demandas.
155

Alguns se sentem providos do necessário quando se equiparam aos demais


coordenadores, enquanto outros se sentem desajustados pela falta de
formação atualizada. Alguns desconhecem a plataforma do gestor, fazem o
registro básico necessário de notas e faltas, mas a grande maioria dos
discursos enlaça-se naquilo que é a falta de uma rede de conectividade
funcional.

Sob esse ponto de vista, os coordenadores narram suas experiências,


frequentemente marcadas pelas dificuldades da conectividade: todos utilizam o
SGP, mas grande parte considera os caminhos de acesso difíceis, não sabe
acessar as informações, reclama sobremaneira da falta de conectividade, da
ausência dos outros órgãos da Secretaria Municipal de Educação, da falta de
formação sobre o sistema e da exigência burocrática de registros de dados -
como o registro das sondagens bimestrais subutilizadas pelas Diretorias
Regionais de Ensino.

Entre os entrevistados, foram várias as manifestações relativas ao tempo


destinado à formação docente, antes espaço de atuação do coordenador,
agora compartilhado para o professor alimentar o Sistema com dados
pedagógicos. Sob esse ponto de vista, muitos coordenadores reagem com
posicionamentos contrários, rejeitam a condição de gerenciar dados que
desconhecem ou com os quais não sabem como lidar. São unânimes em dizer
que não se veem em rede, que não compartilham e nem são assistidos pelos
órgãos centrais DREs (Diretorias Regionais de Ensino) e pela SME(Secretaria
Municipal de Educação) naquilo que lhes é fundamental: a funcionalidade do
Sistema. Concordando com Freire (2001), uma administração comprometida
tem a responsabilidade de pensar e organizar programas de formação
permanente para os educadores, de apoiar o seu corpo docente, considerando
que “[…] não se muda a escola por portaria” (p. 25), mas também não se fazem
as mudanças sem elas. Este é o dilema que vive uma Rede de tal
envergadura, com tais dimensões territoriais e com tal pressão social sobre ela.

Ao longo desta pesquisa, os discursos dos sujeitos foram elaborados


basicamente com ênfase nas deficiências técnicas e de formação. Isso significa
que os desenvolvimentos das capacidades de gestão das informações devem
156

ser foco de preocupações dos dirigentes e das cobranças da gestão


democrática de cada escola e dos órgãos centrais. Nas respectivas narrativas,
os coordenadores pedagógicos posicionaram-se a partir de determinados
pontos de vista, basicamente apontando um tipo de (des) ordem que
aparentemente é natural e que as informações do SGP tornam-se meros
registros, pouco usados para a gestão do conhecimento. Indicaram não verem
causas ou efeitos da mudança do Sistema no ensino aprendizagem em função
do desconhecimento de uso e manejo das informações. Será que é necessária
uma macro-análise de possível melhoria do desempenho dos alunos à luz dos
suportes trazidos pela implantação do SGP? Já há tempo suficiente para um
cruzamento de tais dados? Será necessário quanto tempo para que a cultura
de um sistema de gestão do conhecimento se consolide para ver seus efeitos?

Esta pesquisa abre uma brecha neste horizonte para que se perceba a
relevância e a esperança dos gestores em Sistema desta natureza

Nesta pesquisa, minha atenção voltou-se, de modo especial, para as narrativas


sobre os desejos. Nelas, todas as vozes estão direcionadas a uma otimização
do Sistema com vistas a uma plataforma mais simples, espaços para o Projeto
Político Pedagógico (PPP), uma página de comunicação com os pais, ajustes
no boletim e eficiência da rede. Passos necessários para a consolidação do
Sistema. Considero pertinentes essas colocações, pois não se tratam de frases
fragmentadas, mas de partes que se completam, combinam-se e formam uma
totalidade coerente. Parece-me natural o desejo de uma rede funcional,
equipamentos novos, interfaces nas quais as relações possam garantir trocas
cotidianas e eficiência não apenas instrumental ou mecanicista, mas que venha
agregada à formação dos coordenadores e à apropriação do potencial
transformador de uma gestão do conhecimento.

Neste estudo, procurei mostrar, que o Sistema de gestão do pedagógico veio


como espaço de transformação de registros do currículo escolar e que os
coordenadores pedagógicos têm papel fundamental nesse processo,
evidenciou-se para mim também a partir dos dados e das teorias que as
dificuldades e obstáculos existentes têm relação com vários fatores, dentre os
quais o tamanho e a densidade demográfica de uma cidade como São Paulo.
157

Nesse sentido, o SGP rompeu com a paisagem tradicional da escola, mudou


as condições de trabalho dos professores e gestores sem, no entanto,
minimizar sua autonomia - aspecto este ressaltado por todos os coordenadores
pedagógicos entrevistados.

Todas as escolas, coordenadorias e diretorias regionais estão conectadas,e


isso em um espaço de apenas quatro anos, ou seja, desde a inserção do SGP.
Portanto, é necessário também considerar o curto espaço de tempo entre
inserção e uso do SGP na Rede Municipal de São Paulo. Por conseguinte, tudo
o que foi reputado ao SGP deve ser considerado como uma condição
circunstancial, que exige uma incorporação lenta da novidade, que vai se
redefinindo e se ajustando ao longo do tempo.

Sobre a gestão do conhecimento e o salto de qualidade no ensino


aprendizagem, observo que não se trata apenas de que sejam recriadas
condições materiais, incorporando a prática do coordenador pedagógico a
novos recursos, mas de favorecer o seu processo de assimilação, de dar-lhe
tempo e possibilidades de ajustar-se a outras formas de gestão.

Em muitos momentos, identifiquei-me com os entrevistados pela profissão,


pelas modificações estruturais dentro da Rede Municipal, pela nova
organização dos registros e pelo potencial do SGP. Por diversas vezes,fui
obrigada a rever meus conceitos, a escolher recortes, a posicionar-me,
orientada nas referências teóricas, principalmente em relação àquelas em que
“[…] o homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. A medida que
vamos de uma sociedade à outra, de uma classe à outra, de uma época à
outra, a natureza muda” (GANDY, 1980, p. 103).

Dessa experiência, englobando a minha realidade no trabalho como


coordenadora, da entrevista com os coordenadores, a literatura da área sobre
a qual me debrucei, surge a certeza de que um caminho se abre na gestão
pedagógica. Nesse trajeto de construção da tese fiz provocações e fui
provocada, tocada, atravessada por diferentes verdades. Nessa perspectiva do
“tempo”, o presente é o da mudança, o que nos move, o que nos anima e nos
auxilia a caminhar. Nessas considerações, há uma certeza que me trouxe até
aqui: “Toda a história nada mais é que uma permanente transformação da
158

natureza humana. […] A única coisa constante na natureza humana é que ela
muda.” (GANDY, 1980, p. 103)

No que tange a esta pesquisa, saliento que ela contribui significativamente para
aprofundar as reflexões sobre a “gestão do conhecimento” em rede digital -
uma área a ser mais investigada na educação. A rede digital instrumentaliza o
gestor por meio de dados e informações para as tomadas de decisões.
Destarte, considerar com profundidade essa nova gestão nas escolas é abrir a
porta de entrada para as mudanças da educação em consonância com o
mundo contemporâneo.

Por meio deste estudo, posso concluir que o Sistema de Gestão do


Pedagógico repercutiu no trabalho do coordenador pedagógico. Os dados
coletados indicaram que, mesmo com falhas e limitações, há, com certeza,
também hábitos, costumes, usos e normas de registro que já estão
incorporados nas escolas e no trabalho do professor que atua na Rede
Municipal de São Paulo e, consequentemente, no trabalho do coordenador,
favorecendo, o processo de ensino aprendizagem. Por outro lado, vale
observar que aquilo que é uma explosão de informações, dados, não
ocasionou ainda uma nova e profunda transformação na ação coordenadora e
no ensino aprendizagem, mas apresenta-se no tempo presente como um
desafio da vida moderna que ronda a escola.

A inserção das escolas na Era da informação e no século XXI ainda se faz em


um ritmo lento, com tendências de mudanças parciais, tímidas frente ao
fenômeno das tecnologias em um mundo globalizado, mas com ajustamentos
progressivos. A influência das tecnologias vai ensejando o desligamento de
alguns padrões isolados, fazendo surgir novos desafios, como a gestão do
conhecimento pelos coordenadores pedagógicos, desacomodando, levando os
sujeitos a transitarem entre diferentes culturas, a redefinirem comportamentos,
abrindo espaços para uma escola que inclui o conhecer e o pensar juntos.

O Sistema de gestão digital aqui investigado não só é relevante para a


educação, mas também para a sociedade de um modo geral, haja vista ser o
conhecimento o grande produtor de riquezas do mundo contemporâneo. Nesse
contexto, se evidencia a necessidade de aprofundar as reflexões sobre o papel
159

do coordenador pedagógico. Entre eles o seu papel de articulador dos


processos de ensino e aprendizagem unindo as escolas em plataformas
comuns de estudos sobre o conhecimento de nossos alunos. O conhecimento
não é um fator isolado. Ele é coletivo e social, mas também é um produto
eminentemente pessoal. As variáveis sociais e coletivas da aprendizagem
podem ser partilhadas e estudadas como um fenômeno social. Sem uma rede
funcional e orgânica, que partilha dificuldades e êxitos não se mudam a ação
gestora, nem os problemas do ensino aprendizagem. Em face dessa situação,
é fundamental que se estabeleçam as conexões entre os diversos órgãos da
Secretaria Municipal de Educação, com grande ênfase na formação continuada
dos coordenadores, e no diálogo permanente com as escolas. Apareceu nesta
direção uma forte indicação que não se aborte o sistema, mas que se
aperfeiçoem suas funcionalidade e condições tecnológicas.

Concluindo, destaco que esta pesquisa procurou mostrar uma política pública
baseada na cultura digital em que a conectividade torna-se o elo de
sociabilidade do conhecimento não só no interior das escolas, mas também
com a comunidade. Ela se justifica pelas possibilidades que se abrem,
sobretudo á aquelas que inserem os coordenadores pedagógicos no centro das
mudanças educacionais, por meio do uso de novas técnicas, apropriando-se e
transformando o ensino na Rede Municipal de São Paulo para uma melhor
educação de qualidade social.

.
160

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169

ANEXO

Questões que orientaram as entrevistas

Elaborei um protocolo de modo que viesse à tona nas conversas alguns


elementos considerados importantes para os desdobramentos e verificação do
funcionamento do Sistema. Interessava a “verdade” dos diferentes
entrevistados, tanto do ponto de vista pedagógico, como da possibilidade de
ver como cada um lidava com as questões colocadas. Todos os entrevistados
estavam imersos na mesma realidade profissional e de instrumento de
trabalho. Foi sem dúvida um desafio escrever esta tese sem esvaziar a
complexidade da temática.

Entrevista semiestruturada

Questões iniciais mais amplas:

1. Fale um pouco de si mesma e de sua vida profissional.

2. Desde quando você atua como coordenadora pedagógica?

Questões focalizadoras:

1. Do que você gosta e faz uso no Sistema de Gestão do Pedagógico (SGP)?

2. O que o SGP promete, mas não cumpre. Dê exemplos.

3. O que você tiraria na plataforma do Sistema (SGP)? Por quê?

4. Você se considera fazendo um trabalho em rede?

5. O que você colocaria como “desejo” no SGP?

6. Como é a participação dos supervisores no SGP?

7. Você acha que o Sistema pode ser um instrumento poderoso no processo


ensino aprendizagem?

8. O SGP mexeu com a sua autonomia, com a sua autoria?

9. Como você faz uso dos dados e informações do SGP?


170

APÊNDICE

Transcrição das entrevistas realizadas com os professores participantes


desta pesquisa, no ano de 2018.

Entrevista 1. Florbela

Tenho dezessete anos na Rede Municipal e seis como coordenadora. Sempre usei o
SGP. Estive nas DRE e o usava, mas com outro foco. Tive formação quando foi
implantado, mas tive muitas dúvidas no começo. Aos poucos, usando as ferramentas,
fui descobrindo os recursos, melhor dizendo, usando e aprendendo. Normalmente, eu
uso em reuniões os gráficos e o boletim. As observações do professor, eu uso não só
pra ver o que está escrito, mas pra pensar sobre a formação. Eu observo os
comentários dos professores depois do Conselho e provoco uma reflexão: se você
fosse o pai desse aluno, o que você ia pensar? A intenção é refletir um pouco sobre a
necessidade de ter maior rigor na escrita. Eu uso alguns aspectos que gosto, mas
odeio outros. Os registros te falam muita coisa e você pega outros elementos também
que o coordenador precisa, porque ali tem concepções que estão embutidas.
Outra coisa são as faltas: elas são importantes no registro; porém, o Sistema não
funciona muito bem nesse registro. Isso é complicado porque o professor fica bravo,
pois digitou o tempo inteiro, no horário coletivo, e os registros somem. Entretanto, o
coordenador trabalha com prazos. Terminou o semestre, tem Conselho, reunião de
pais. E você cobra os professores como? Ajuda como? Muitas vezes, você liga na
DRE e não consegue auxílio - ninguém te retorna, ou retorna quatro ou cinco dias
depois. Tudo isso vai fazendo a gente desencantar.
A gente trabalha com maquinário velho, com poucos computadores e o tablet, que foi
um investimento violento, mas não funciona. O professor não consegue fazer a
chamada, e até hoje só usa o tablet para tirar foto. Se não há investimento numa
Internet potente, mexe com o tempo da gente. Tem muitos problemas técnicos de
rede, wifi.
Eu considero como mais importante o percurso do aluno. Gosto também da ideia de
transparência, de colocar lá um planejamento conjunto. Isso eu acho ótimo, mas o
importante mesmo é o SGP funcionar.
O SGP, em termos de trabalho, ficou pior, pois ele aumentou o trabalho. Se realmente
funcionasse, seria espetacular. Em uma gestão democrática, você podia envolver,
inclusive, funcionários, pais, mas o SGP não funciona pras coisas cotidianas. O SGP
peca pela falta de eficiência da ferramenta. A escola é muito dinâmica; não dá pra
171

você ficar esperando uma semana pra imprimir o boletim. Não dá pra baixar o gráfico;
ele trava e some tudo. Promete transparência, acesso às informações, sondagens,
provas. É legal ir lá e pegar qualquer informação, inclusive pra área da pesquisa,
quando o recurso funciona. Se não funciona, você descarta, não usa mais e passa a
fazer do jeito tradicional.
Os pais, pelas escolas onde eu estive, eles não acessavam a Internet.Não sei se
porque, mas acho que é outra realidade: porque não soubessem ou não tivessem um
computador em casa, ou por falta de intimidade com o computador. Já vi pai elogiar o
boletim impresso. O que era manual não tinha a mesma organização. Nesse
impresso do Sistema, é legal que aparece os buracos: se o professor não digita as
notas, fica o buraco e o pai cutuca o professor. Essa lisura é fundamental.
Se eu pudesse, tiraria a digitação das sondagens, das avaliações, não porque eu
acho que não deve estar lá, mas porque está lá por burocracia, porque ninguém
trabalha com isso. Se todos têm acesso pra não fazer nada, elas não são trabalhadas
estão lá por estar, porque ninguém faz nada com isso. Eu faço pauta formativa com
as sondagens se for pra digitar no SGP que se tenha transparência, mas faça algo
com isso. Virou um retrabalho, porque a escola tem portfólio.
Eles poderiam fazer gráficos das hipóteses, mandarem pra gente Você tem dados
que são subutilizados; a DRE não faz nada com os dados. O problema não é o SGP;
o problema é que a infraestrutura não dá conta disso, e o uso que se faz nas outras
instâncias - SME, DRE, nossos pares avançados -,fica na burocracia.
Quanto a navegar na rede, a responsabilidade é do coordenador. Só coordenador
navega; nunca um supervisor olhou ou viu ou trouxe ou quis ouvir o que estou
pensando. Se os campos estão preenchidos, ninguém vai te chamar. Se têm lacunas,
vão chamar você e não o diretor. Eles querem prazos: “Se vire. Vou te estender o
prazo para você colocar tudo em ordem.” Não existe uma relação colaborativa, mas
sim burocrática.
Quanto aos professores, eles nunca falaram no sistema como controle. Quando você
trabalha direito, você não tem de ter medo da transparência.Nós somos funcionários
públicos. Então, eu devo, nós devemos satisfaçãoà sociedade. A resistência é pelo
mau funcionamento da rede.
172

Entrevista 2. Rachel

Eu tenho vinte e oito anos na Rede Municipal e sou coordenadora há quatorze. Tenho
pedagogia e licenciatura em Língua Portuguesa.
Eu conheço o SGP desde sua criação. Embora usasse o acervo de papel, eu elaborei
uma planilha de Excel inteligente, que fazia as contas que os professores
alimentavam com notas e faltas e que eu usava para fazer o fechamento do bimestre.
Quando veio o SGP, eu abandonei essas planilhas, mas ficou ruim.O acesso aos
dados passou a ser mais difícil, e os caminhos são mais longos. Os caminhos são
complicados. É difícil porque, para você sair de uma janela e abrir outra, os caminhos
são demorados, e o segundo ponto é que você não tem o SGP onde você está, e
onde eu estou eu carrego minhas fichas.
Por vezes eu não consigo acessá-lo, por falta do wifi. Eu precisaria de um notebook,
de ter acesso móvel. Como não tenho, eu ainda faço uso da documentação física. Os
professores continuam fazendo todos os registros no papel. É como se tivessem de
novo o diário de classe. Eles têm todos os registros - como notas, chamada, inclusive
o registro de aula – no papel.
Organizei os horários coletivos, sendo um dia destinado para o registro no SGP, mas
não foi suficiente. Então, eu tive que destinar dois dias. Ele aumentou o trabalho do
professor que tem de fazer o registro duas vezes. Acho que o retorno do SGP é muito
pouco para a carga de trabalho que você tem. Alimentar o sistema com caminhos
longos e acessos difíceis não é fácil de fazer, e o retorno e a devolutiva que temos é
muito pequena, não vale a pena.
Toda vez que eu preciso conhecer um aluno, saber dele, eu me reporto ao meu
portfólio, que é físico, que é a documentação, a papelada que eu continuo a fazer e a
usar.
Os gráficos me dão uma visão geral apenas para que eu possa fazer uma reunião
com os professores e ter um levantamento dos resultados. Os gráficos são bacanas
porque eles te mostram o aproveitamento por sala, por disciplina, por ciclo, e você os
usa para fazer uma reflexão, para uma conversa com os professores, e isso dura
pouco tempo.
Quanto ao trabalho, ele aumentou, mas estamos aqui para isso, mas a questão não é
essa. O problema é o retorno que isso te dá. Ficou o registro pelo registro, porque
quando eu preciso acessar os dados eu uso outra coisa, eu uso os meus dados, eu
uso as minhas anotações, minhas documentações, minha folha de sulfite onde fiz o
portfólio do aluno.
173

Se eu estou na sala de aula e quero ver alguma coisa, acompanhar o trabalho do


professor, eu não acesso SGP, eu não tenho como fazer isso. Inclusive, eu vejo o
meu professor fazendo chamada no papel para transferir para o SGP.O sistema é
burro.
Sobre os registros do professor, eu não acho que facilitou para o acompanhamento,
porque quando eu tinha os diários em minhas mãos eu subia para as salas e
verificava a documentação, olhava e acompanhava o professor, perguntava onde ele
estava, porque não estava trabalhando determinado conteúdo ou deixou para depois.
Com o SGP, eu vou ter que acessar, imprimir pra poder ir com ele e fazer uma
abordagem que eu não precisaria. O SGP promete, mas não cumpre. Quando foi
criado, eu dei todo o apoio. Sou totalmente defensora da informatização. Achei que o
SGP estaria a favor do nosso trabalho, do pedagógico, mas o processo se reverteu.
São dois problemas: ele não está a favor do nosso trabalho, é exatamente o contrário;
e ele não é neutro e escraviza os professores.
Os docentes não se encontram mais. Os horários coletivos individualizaram,
tornaram-se momentos de registro - um registro já feito em sala de aula. Eles
reescrevem e repassam o registro para o SGP. Se pudesse ter a opção de ter o
registro nos diários de classe e voltar a usá-los, honestamente eu voltaria a usar os
diários.Acho a devolutiva do SGP para mim ineficiente. Eu voltaria com as planilhas
do Excel.
Eu acho grave eu, como coordenadora, que tinha nos diários e no meu portfólio a
visão do todo do aluno, de todos os bimestres, ter perdido isso com o SGP. Se eu
quiser ter essa visão hoje, eu tenho que entrar no boletim em todos os bimestres,
imprimir os quatro boletins para eu ter a visão geral do processo.
Sobre os pais, eles continuam vindo às reuniões, não acessam os boletins online
porque muitos não têm computador. Eles gostam de conversar com os
professores.Para mim, a conversa dos professores com os pais é o que vale. Algo
que não gosto é do formato do boletim. Para mim, os pais não compreendem as
informações. Gastamos uma folha de sulfite inteira para uma série de informações
que os pais não enxergam e não compreendem.Para o pai, o que interessa é o
aproveitamento medido em notas, e a informação principal é minúscula no boletim.
Se eu pudesse mudar alguma coisa, eu desmontaria tudo e faria outra plataforma
mais simples, com acesso mais objetivo. Eu acho que tem de ter a informatização, eu
não sou contra ela, mas esses caminhos, esse software, tem de ser totalmente
abolido e um outro deveria ser criado.
O Sistema não ajudou os pais.Eu dava meu boletim pequenininho, gastava 1/4 de
174

folha, e os pais conversavam diretamente com os professores sobre as questões da


aprendizagem. Eu tinha no meu portfólio um relato, um resumo do aproveitamento do
aluno no geral. Hoje, eu tenho um boletim extenso, com informações que o pai não
consegue ler porque a letra é minúscula e essas informações eu não consigo usá-las
pra verificar se o aluno melhorou ou não porque eu não tenho essas informações no
boletim dos bimestres anteriores. Então, eu não tenho um apanhado geral, eu não
tenho uma conclusão desse aluno para eu imprimir e ter no meu portfólio pra eu
acompanhar.
A ideia que eu tenho do SGP é que ele é obrigação, é mecânica, e não me dá retorno
de nada. As coisas precisam ter eficácia. Eu olhava os diários; eu preferia os diários.
Hoje, o professor tem um papel avulso. Ninguém consegue fazer o registro em tempo
real, e acredito que em todas as escolas isso acontece. Não tem como não acontecer:
o acervo é no papel; não tem como fazer o registro cotidiano no sistema.
O horário coletivo se tornou horário de registro do SGP. Deixou de ser de troca de
experiências. Sou totalmente a favor, mas não nesse sistema, nessa plataforma.
Sobre o espaço para registro do aluno, nós já utilizamos, mas é muito difícil porque
demanda um tempo muito grande e tem de ser acompanhado individualmente, senão
eles colocam qualquer coisa. Esse espaço é subutilizado.
Ninguém nunca compartilhou comigo o acompanhamento dos resultados. Supervisão,
direção, coordenadoria? Não.Já vieram cobranças.Uma mãe reclamou de resultados,
mas só. Acho também que é muito difícil, o sistema é muito extenso, amplo, e chega
uma hora que ele foge do alcance da nossa compreensão e você acaba registrando
por registrar.

Entrevista 3: Ana Maria

Eu tenho vinte e sete anos de Rede Municipal e dezessete anos como coordenadora.
Em 2014 é que iniciou a elaboração do SGP. A demanda solicitada à equipe
pedagógica da Rede Municipal era atender com informações de como são realizadas
as práticas de registro e acompanhamento pedagógico no Ensino Fundamental,
informar a documentação pedagógica existente na rede do Ensino Fundamental.
Minha função do Ensino Fundamental era auxiliar, confeccionar, caracterizar como
seria o funcionamento, os procedimentos e organização dos registros da escola,
175

como mandava o decreto. A formação foi o toque de caixa. Fizemos as reuniões,


demos assistência pedagógica no sentido do procedimento e organização de
funcionamento das Escolas Municipais de Ensino Fundamental e da competência dos
professores para operarem o Sistema.
Assim, a minha participação foi auxiliar a empresa em como montar o acesso e uso
das telas que o Sistema de Gestão do Pedagógico deveria ter.Foram várias
conversas e reuniões para situar a empresa com quais disciplinas apontavam
frequência, e aquelas que tinham alguma especificidade como sala de leitura,
docência compartilhada, que era uma experiência nova e que vinha para minimizar o
impacto da passagem do Fundamental I para o Fundamental II.
Desde o início, havia uma forte resistência quanto ao uso da tecnologia e da
visibilidade, da publicidade que isso iria trazer, de tornar público os registros. O
decreto trazia a reorganização em três ciclos do Ensino Fundamental, e nós
estávamos fazendo assessoria no que era antes Fundamental I e Fundamental II.
Algumas pessoas gostaram, mas a grande maioria (virou pauta de greve) falou que
não servia. Gerou uma esquizofrenia, porque tinha um decreto que implantava um
currículo organizado em três ciclos, enquanto tínhamos um sistema organizado em
dois ciclos.
Fizemos reuniões, como mandava o decreto, e apresentamos as competências dos
diferentes professores para criar o sistema a partir da operação que eles faziam no
diário. O decreto trazia a reorganização em 3 ciclos do Ensino Fundamental, e nós
estávamos fazendo assessoria no que era antes dois ciclos: Fundamental I e
Fundamental II. Algumas pessoas gostaram, mas a grande maioria falou que não
servia e isso gerou uma esquizofrenia, porque tinha um decreto que implantava um
currículo organizado em três ciclos, enquanto tínhamos um sistema organizado em
dois. Isso gerou um desconforto; inclusive, virou pauta de greve.
Para mim, o SGP é meio assim: ame ou odeie. Tinha-se uma meta, em longo prazo,
de introduzir na Educação Infantil para garantir a escrita de relatório descritivo de
avaliação dos alunos por causa do currículo integrador. Se você quer um currículo
integrador, você tem de ter uma documentação pedagógica que seja integradora.
Acho que a empresa que assumiu a implantação estimou um projeto menor e com
menos problemas. Não contava que teria problemas de estrutura, com computador,
wifi. Se o sistema não funcionava, os professores teriam de fazer os registros em sua
casa. Logo no início, vimos que o sistema não tinha capacidade para o número de
acessos. O primeiro Conselho foi catastrófico: tudo o que era digitado foi perdido e as
pessoas ficaram desconfiadas. Perdeu-se a credibilidade nesse momento.
176

As pessoas que acreditaram ficaram temerosas e desconfiadas e questionaram: se


eu me esqueço de salvar, esse Sistema não salva, enquanto o Google salva tudo.
Cada supervisor também orientou de um jeito. No início, as pessoas não ratificaram o
SGP como a documentação oficial. Virou uma esquizofrenia geral; muitos
supervisores mandaram fazer no papel.
O SGP não era a menina dos olhos da educação.O currículo é que era e tinha de ser
mesmo. A questão que pegou é de o SGP estar sendo feito por terceiros. Isso
também repercutiu mal. Acreditavam que terceiros não conheciam a rede, os
problemas existentes, e isso começou a dar corpo a uma resistência. A gente que
estava na Secretaria Municipal de Educação começou a defender o Sistema porque
achava que a escola precisava avançar, e que o SGP, por força da lei, ia inserir os
professores num outro movimento, fazendo registros mais qualificados, mas começou
um movimento nas redes sociais desqualificando o Sistema; o sindicato e os
professores diziam que iam ficar 24h no celular trabalhando.
Numa rede menor, poderia dar certo logo, mas numa rede com gente muito
qualificada e crítica como a do município de São Paulo, começou a ser apontado as
contradições. A empresa responsável não tinha pernas pra tanto: tinha falta de
estrutura da SME, falta de dinheiro, tablets que não funcionaram, verba que não podia
ser usada, todas essas questões de estrutura. Enquanto o Callegari estava como
secretário de educação ele segurava, mas quando ele saiu o sistema perdeu força e
foi aquietado e ficou atendendo às demandas do jeito que elas foram surgindo. O
sistema deixa de ser mote para a transformação.
Outra questão é que a Secretaria Municipal de Educação tinha de ter um responsável
que conhecesse a parte técnica, o pedagógico e o político, e a pessoa que ficou
responsável não articulava nos três segmentos. Ele tinha competência técnica, de
usuário, mas não operacional. O representante da SME não tinha esses três
elementos e também não era gestor para lidar com os problemas. Ele era mais
técnico, mas num órgão central, numa instituição de comando, as decisões têm de ter
dono. Mas a resistência da rede era tão grande que ninguém quis ser dono.
Gostei quando apresentei o gráfico com os dados consolidados, os dados gerenciais,
nas telas de lançamento, porque somos coordenadores e ele media a conversa pra
você qualificar a ação do professor. Quando você pega o gráfico por disciplina, você
tem elementos que subsidiam o seu trabalho, mas falta formação para o coordenador
pra analisar esses dados estatísticos. Eu acho que eles não conhecem o potencial do
sistema, que eles não conseguem gerenciar esses dados.
Eu acessava todos os dados como coordenadora em DRE. Mas a gente defendeu a
177

formação no início para acesso por causa da resistência à tecnologia. Os professores


usam o celular, mas não sabem usar o word. Alguns não querem mexer no
computador para registros, mas acessam o Face e o Whats. Eu acho que 80% dos
professores da rede não sabem fazer uma apresentação no Power Point. Quem está
estudando aprende, mas a resistência é grande. Mas, veja, o uso do SGP era muito
intuitivo, estava lá o diário de classe, da turma. Era só dar o clic e acessar o Sistema,
como em qualquer compra que você faz na Internet; não tinha muito pra fazer.
Não houve formação para o uso do Sistema. Faltou estrutura pra dar a devida
atenção, uma formação de quatro horas para quem tem resistência não dá pra nada.
Um dos motivos da resistência é que ficou tudo com o coordenador: pedagógico,
prazo, tempo, problemas de rede, maquinário velho e lento.
Quatro anos se passaram e continua tudo a mesma coisa. Tem o registro no papel e
não tem o pedagógico.Trabalhamos, trabalhamos... estamos aqui pra isso, mas é só
burocrático se não fez o registro melhorar, se não foi para aprimorar o pedagógico e
transformar os encaminhamentos que devem ser feitos. Se cada escola tem
autonomia de seguir as diretrizes curriculares, cada uma tem de se debruçar sobre os
seus dados.
São tantas demandas burocráticas num tempo descolado da escola: um mês para
fazer o PEA(Projeto Estratégico e Ação) para pontuar, e em um mês as demandas
começam a aparecer.O coordenador começa a ficar sobrecarregado porque ele está
só. O diretor tem dois assistentes. Eu acho que está muito pesado para o
coordenador. Falta o olhar do órgão central. Tem que dar uma formação diferenciada
para os coordenadores. Estamos com um sistema cheio de dados e informações. Não
é razoável você ter uma formação de como fazer sondagem para coordenadores. A
impressão que tenho é que estou voltando em 1998.
É lamentável, mas acho que a infraestrutura detona o SGP. Você tem o trabalho
digital, mas não tem a máquina. Acho que o maior fazer do professor é o como, e este
como é que deve ser compartilhado.Isso deveria ser ajustado no SGP. Ele tem de ser
um elemento cultural, e enquanto a comunidade escolar, os pais, não abraçarem, ele
não vai ser um elemento transformador.
178

Entrevista 4. Clarice

Eu tenho dezoito anos na Rede Municipal e quatro como coordenadora.Eu utilizo o


SGP em atividades muito pontuais.Gostaria de ter algum exemplo de outras colegas,
posições de como atendem às famílias e de como nós podemos utilizar o SGP para
apontar esses atendimentos. Acho que nós deveríamos ter um campo maior do
pedagógico e de atuação no SGP.
Infelizmente, pra mim, essa utilização é muito pontual. Eu uso nos fechamentos dos
bimestres, onde eu costumo fazer uma comparação do que foi dado, vejo nos gráficos
também de aproveitamento, tanto em avaliações internas como externas, e tento
recuperar um pouco do planejamento e ver onde a gente pode caminhar.
A atuação dos professores no SGP é muito pouca, é limitada à frequência e a
algumas atividades que são obrigatórias porque você tem o período pra planejar e
você tem de colocar o planejamento do SGP; e outras questões, eu acho, são
deixadas de lado.
Eu acho nosso trabalho muito foi solitário, e acho que ficou mais solitário ainda com o
SGP. Quando eu atuava com os diários, eu tinha como comparar os resultados.
Como professora, eu anotava tudo no diário, o aluno assinava meus relatórios sobre
ele. Eu não sinto essa proximidade de professor e aluno no SGP.
Os registros no boletim hoje são como uma obrigação: você tem de registrar as notas.
Mas o SGP dificulta para o coordenador a visão do processo. Você não consegue
acompanhar todos os professores, não dá. Você não tem uma sequência, eu só tenho
a nota. Talvez eu seja saudosista: no papel, eu tenho a impressão de ter mais
proximidade - é a mesma coisa como uma carta e um e-mail. Pode ser um problema
de geração, mas, ao mesmo tempo, percebo que tenho a visão de uma sala na minha
frente e não de um aluno. É muito difícil você acompanhar o processo dos alunos,
exceto quando ele é muito bom. Ter uma leitura linear em notas e faltas e a partir daí
ver que ele não assimilou os conteúdos é muito complicado. Por outro lado, acho que
o SGP deixou o professor mais criterioso, mas a nota continua como castigo. Nesse
sentido, o boletim é mais eficaz para mostrar a força para reter os alunos.
Sobre a avaliação, precisamos discutir mais em todas as esferas. Eu acredito que o
SGP não trouxe muitos avanços. Acho que houve um pouco de retrocesso colocar
notas; os conceitos seriam melhores. Se eu quiser passar alguma informação para as
famílias, tenho de voltar em todos os bimestres, recortar e colar as informações do
aluno. Os registros anteriores não aparecem, não são cumulativos, não é algo que
facilite. Eu consigo acompanhar o planejamento anual, consigo ver o registro diário,
179

mas a escola é dinâmica, a escola é viva, pulsa. É muito difícil para o coordenador
que assume outros papéis de atendimento. Os dados, as informações, poderiam
facilitar nosso trabalho no ensino aprendizagem, mas acredito que ele fragmentou o
trabalho cotidiano.
O SGP deu mais obrigações para o professor, para quem é da nossa geração, que
não tem intimidade com a máquina, não consegue perceber o SGP como instrumento
facilitador. Eu acredito que a maioria dos professores mais jovens têm mais facilidade
de aprender e utilizar o Sistema, mas, ao mesmo tempo, não sei se de forma
pedagógica ou mecânica, ou mesmo para fazer e cumprir com as datas, porque o
Sistema fecha.
Não existiu, nesses cinco anos de atuação, corresponsabilidade de acompanhamento
dos dados. Nesses cinco anos de atuação, nunca nenhum supervisor ou diretor falou
sobre o SGP, nem entre mim e a outra coordenadora que atua comigo
cotidianamente foi falado sobre isso. Não há nenhuma formação nesse sentido, e eu
acho isso triste. Esses dados são usados em Conselho e reunião pedagógica. Quanto
ao planejamento, não vi alterações no que os professores fazem. O SGP deu uma
transparência maior sim, mas a gente, ao mesmo tempo, não sabe se o que está
escrito acontece de fato nas salas. Eu não concebo que estamos em redes,
infelizmente não concebo. Estou eu e você e algumas maquininhas, com algumas
verdades e algumas mentiras, e eu tenho que fazer um acordo pra que as coisas
aconteçam. Eu não reconheço como um trabalho em rede.Eu vejo, inclusive, como
um trabalho mais individualizado.
Se eu pudesse alterar alguma coisa, eu mexeria nas disciplinas para que elas
pudessem conversar com as outras, para que o planejamento anual pudesse ser
único e que os professores pudessem compartilhar de fato com os pares, para que a
gente pudesse ter a visão de classe e de todos os alunos, do perfil da classe, dos
alunos, e não um por vez. Acho uma grande perda, quando vou ver o aluno, não ter o
global dele.Estamos continuando a fragmentar o conhecimento, as visões. Tudo bem,
faço tudo, mas tudo é muito pontual, não há algo que te aponte para onde ir. Eu
nunca tive nenhuma formação e nem uma equipe na gestão para discutir isso, falar
dos dados.
Até acho que o acervo de papel se perde, mas se for para criar memória é preciso
pensar que a história da escola não pode ser escrita apenas com os diários do
professor. Isso é muito pouco. Se você pensar que na secretaria nada está
informatizado: os históricos, os prontuários, a documentação, tudo ainda está no
manual. Se a gente pensar que a história da escola é escrita apenas pela acumulação
180

do diário do professor, é muito pouco. Temos que poder acessar outros dados. A
secretaria é parte da escola. A gente vai pensar na maquininha que é muito
burocrático, tem de fazer, mas acompanhar, o mero registro me garante o que? A
secretaria é parte da escola; então, tem de estar conectada ao SGP.
O que nunca se discute é o SGP; ele nunca é colocado em pauta de reuniões. Alguns
colegas falam, eu atendo o professor e registro no SGP. Eu atendo o aluno e registro
no SGP. Atendo as famílias. Dizem que registram tudo no SGP, e isso me dá
realmente um sangue novo, me dá uma vontade de acreditar que ele pode ser uma
ferramenta pedagógica, mas aí vem essas intercorrências, de você não ter a coisa
toda. Você só tem fragmento do que é falado. Daí, você tem de recortar, copiar, colar,
para ter uma visão total da classe, as interferências, inferências, intervenções, o que
o professor fez.
Se eu pudesse mexer, eu colocaria um espaço para o coordenador e o professor,
para discutir o conhecimento.Ninguém te chama.O professor fica com uma visão
estática; quando ele está frente ao computador, ele deixa de ver o mundo girar. Eu
gostaria quea rede se estabelecesse, que não fosse uma rede de um só, mas
gostaria mesmo que o SGP se tornasse uma ferramenta pedagógica e que o
professor tivesse clareza de que ele não está sendo vigiado, que não é controle.Essa
é a impressão que eu tenho.
O registro no papel ainda está em atividade. Os professores usam duas vezes por
semana o SGP, mas o que me chama a atenção é que eu não me lembro de nenhum
professor recorrer a mim para eu acompanhar o que estavam registrando. Esse,
teoricamente, seria o meu papel, algo do meu fazer, mas nem comigo e nem com os
pares isso ocorre. Ninguém sabe como e o que os professores estão fazendo.Você
não tem a possibilidade de compartilhar o fazer, não tem tempo, e nada substitui o
contato, a reunião, e isso não ocorre mais.
Eu tentaria também criar possibilidades de trabalho menos solitário. A gente tem de
compartilhar na educação, a gente tem de fazer parte. Imagine se a gente pudesse
falar com outros coordenadores ou se algum professor recorresse a mim pelo SGP.
Isso evitaria eu ter de assistir as aulas e fazer algum tipo de crítica tanto positiva
como negativa. A gente precisava de algo que aproximasse mais e não que
distanciasse. Eu também colocaria um espaço que pudéssemos alimentar com
nossas angústias e que nossos parceiros pudessem nos ouvir ou compartilhar. Um
espaço tanto para coordenadores como para professores.
181

Entrevista 5. Adélia

Eu entrei na rede em 2012 e estou entrando no terceiro ano como coordenadora. Eu


faço uso do SGP, mas nós ainda não nos libertamos do papel. Mas, veja bem, nesse
momento, nossa escola está sem wifi, porque está havendo uma transição. Os tablets
que nós tínhamos ficaram obsoletos, não funcionam mais, e o problema de acesso
das máquinas... Se chegar algum pai de aluno e não tem uma máquina disponível
para acessar o SGP, então nós, coordenadores, temos as fichas dos alunos com
todas as anotações. Então, se você não consegue acessar o SGP por qualquer
motivo, a ficha está ali. A gente tem a ficha dos coordenadores que nós preenchemos
durante o conselho. Para o professor, a gente pede, meio que obriga a registrar no
papel por falta das máquinas. Normalmente, a gente deixa toda segunda-feira para
eles fazerem isso na sala de informática. Mesmo assim, eles estão sempre atrasados
com o preenchimento. Agora, nós os estamos obrigando a fazer o registro no
papel.Se algum pai liga para saber se o aluno está na escola, você não tem as
informações no SGP.Porque os professores só acessam na segunda-feira, ninguém
fez chamada.
Imprimimos as fichas do próprio SGP da chamada e avaliação. Os professores são
resistentes em fazer, mas pra ter o controle da chamada e da avaliação precisa. O pai
do aluno quer informações que os professores não lançaram. Hoje, estamos exigindo
esse registro no papel e no SGP. Os professores reclamam muito por fazerem duas
vezes, são muito resistentes, mas fazem.
Eu uso o SGP principalmente para ver o que os professores estão fazendo. Eu
acompanho a avaliação, o planejamento. É uma cobrança muito grande, porque eles
têm de lançar e cumprir prazos. Se o planejamento não foi colocado ainda, o que eles
estão seguindo ou então que conteúdo estão dando nas avaliações, de onde vem a
nota para alunos que nunca frequentaram a escola? No SGP, a gente tem a foto das
crianças.Não tem sentido colocar nota; principalmente os especialistas do
Fundamental II para aluno que nunca frequentou, e isso acontece. Eu gosto dos
resultados das provas externas e internas. Os professores odeiam, mas a gente
insiste, a gente usa os gráficos em relação às notas dos professores. Há uma
disparidade nos resultados das disciplinas, e apresentar os gráficos é importante
porque muitos professores não se falam e desconhecem o aluno em outras matérias.
Tem disciplina com mais de 60% de alunos sem notas.Os professores não tinham
essa visão entre disciplinas, e eu gosto de fazer isso.
Nós mostramos para os pais as atividades avaliativas que foram dadas no semestre:
182

entro na disciplina e mostro aos pais tudo o que o professor lançou, trabalhou com a
sala. Eu vejo tudo o que os professores postam. Faço isso no Conselho e acompanho
as escritas nas recomendações sobre o aluno, no sentido de que seja ressaltado o
trabalho pedagógico. Eu abro, vejo e acompanho tudo pelo SGP. Eu uso todas as
ferramentas e gosto muito. Os professores estranharam muito porque eles não
lançavam nem plano, nem chamada, nem nota. Diziam que ninguém nunca pedia
nada.
Eu aprendi como professor, e foi assim que eu ensinei pra eles. A outra diretora disse
que, em anos anteriores, ela foi na DRE pra lançar os registros porque ninguém tinha
feito. Eu acompanho até as atividades que os professores estão dando, o
agendamento de provas. Na DRE que eu trabalho, tem muita discussão sobre o SGP.
Eles chamam a gente e acompanham os resultados, principalmente das provas
externas. Inclusive, cobram muito. Agora, com direção e supervisão, isso não
acontece. Eu só sinto falta do SGP não armazenar coisas anteriores, antigas,
informações de outros anos. Se precisar de histórico mais antigo, não tem. A
secretaria não tinha a ata. Por isso, eu tive de revirar a escola para achar dados dos
alunos. Eu sinto que não tenham isso gravado. Eu gostaria de recuperar as
observações anteriores dos alunos, mas só consigo recuperar as notas.
Eu acho que eu não tiraria nada do SGP. Eu colocaria um dispositivo pra gravar mais
tempo os dados. Eu colocaria uma observação final do aluno dos quatro bimestres,
um acumulado de todos os bimestres, um relatório final. Se cada sala de aula tivesse
um computador onde o professor pudesse registrar e o pai pudesse acessar o
cotidiano do filho, ele teria informações sobre comportamento e desempenho,
observações, e estreitar assim a comunicação. Eu adicionaria um espaço com dias de
reuniões do conselho, APM, entre outros. Melhoraria os equipamentos das escolas
com mais máquinas e com rede mais eficiente. Adicionaria uma área em que ficasse
os dados dos alunos, porque troca o coordenador e você fica sem os dados dos
alunos. Não é o histórico, mas as particularidades, as observações, os registros dos
professores.
A dificuldade dos professores era porque achavam que era mera burocracia e que o
registro poderia ser feito a qualquer hora. Os professores não percebem o lado do
pedagógico, eles acham que é controle. A resistência foi grande porque não veem o
pedagógico. Nós temos muitos professores mais velhos, que têm muita dificuldade
em lidar com os computadores. Eles ficam apavorados, são lentos.Tenho que
mostrar, ensinar; fica complicado. Eu acho que é preciso haver um treinamento. Eu
me reconheço como rede: eu vejo os professores e o que eles fazem, claro que no
183

meu universo.

Entrevista 6. Beatriz

Eu tenho dez anos de coordenação e 25 na Rede Municipal de São Paulo.Eu uso o


SGP.Eu fui utilizando aos poucos.Ninguém chega fazendo a utilização plena, mesmo
porque, desde que ele foi implantado, ele passou por várias modificações, e dos dois
lados tem todo um processo de interação entre o que o sistema oferece e o que você
necessita e, de acordo com os perfis dos lugares, onde você está. Eu entro sempre,
quase todo dia, para verificar várias coisas. O Sistema está na rotina, não só para
checagem, mas também para eu extrair dados. Ele facilitou muito pra coordenação na
verificação da frequência e para fazer os encaminhamentos. Ele tem também o
acompanhamento do que o professor está fazendo.
Eu sou antiga e ainda tenho acervo de papel. Uso o papel como, por exemplo, no
conselho de classe. Tem coisas que não são pelo SGP: planilhas eu uso muito; eu
não consigo fazer nada sem ter uma planilha, uma tabela, um quadro, porque acho
que eles sintetizam e deixam você enxergar várias coisas. Então, eu pego o que o
Sistema fornece, e o que ele não fornece eu crio. Eu não exijo dos professores
registros no papel. Há uma preferência, nós temos um perfil de professores mais
antigos, e, como eu, eles estão habituados com o papel. Parece que se você não tiver
papel, você vai perder alguma coisa, e isso de fato acontece com o SGP. Ele tem
algumas estranhezas. A gente brinca e diz, inclusive, que ele tem vida própria. Às
vezes, os dados estão registrados num dia e no dia seguinte não estão mais lá. Não
tem nada, mas você sabe que colocou os dados. São coisas que acontecem no
sistema, algum tipo de problema, coisas técnicas. Então, a gente busca como
segurança o papel. Eu me lembro que tirei o extrato do fechamento do bimestre e
estava tudo certo. No dia seguinte, apareceu um monte de pendências. Esse tipo de
coisa acontece com frequência, e isso dá muita insegurança em termos de
documentação. Para certas coisas você precisa ter o documento, mas acho que esse
sistema ainda está em processo de criação e precisa ser aperfeiçoado.
Eu não acho que ele desonera o trabalho e também não sinto que ele me deu outra
visão do que está sendo produzido. Eu acho que é outro modo de registro. Algumas
184

coisas foram facilitadas, outras não. Em princípio, eledeveria facilitar; só que, por
conta dos problemas técnicos, muitas vezes você fica um tempão para acessar os
dados que no físico você acessaria com uma facilidade maior.
Você precisa abrir tempos para o professor fazer os registros do SGP. A gente está
num ponto de mutação; não sinto mudanças e acho que no pedagógico eu não
enxergo. Pode ser algo individual, mas acho que ele está mais no burocrático. O uso
que eu faço é burocrático. Nunca usei nada em reuniões pedagógicas. Eu nunca fiz
porque as informações vêm em defasagem com as necessidades que você tem.
Quando você faz o Conselho, o professor não digitou ainda, pois ele não teve tempo
hábil.Eu não tenho todos os dados, então não é algo com que você possa contar.
Para quem quer fiscalizar os professores, é um facilitador, mas para fazer um
acompanhamento, é mais ou menos. Ele promete e não cumpre essa prontidão de
acordo com o que você quer acessar. Se eu tenho uma pendência, fica praticamente
impossível resolver. Certa vez, eu passei três horas com o responsável técnico de
SME e não consegui resolver o problema. Então, assim, tem buracos menos e mais
críticos que dificultam.
Todos os registros dos alunos estão no físico, prontuários, ainda é o físico que
funciona. A gente coloca as informações lá. Se o boletim agregasse todas elas, se
você pudesse ter toda a trajetória do aluno, seria ótimo! Se pensar em termos de
diário, não tem diferença, e para o professor seria mais fácil ainda o diário. Existe
discrepância tecnológica na idealização e aquilo que propõe. O acesso ao boletim
digital passa longe dos pais; ainda é o físico que funciona para os pais, acho até que
em função de questões econômicas mesmo.
Eu pontuei que os problemas de defasagem, o acesso difícil, a questão dos dados
desaparecerem e reaparecerem dificulta. Às vezes, você tem a rede inteira fechada,
tem coisas em termos de organização que prejudica. Essas coisas precisam ser
resolvidas. Ao mesmo tempo em que o sistema oferece algumas coisas, ele é uma
dor de cabeça, não é algo que funciona como deveria funcionar. Ele perde um pouco
da credibilidade quando o dado desaparece ou é alterado. Sobre os outros órgãos da
educação, algumas vezes acho que alguém está acompanhando o meu trabalho;
outras vezes, não. Acho que é exatamente por causa do momento, e como eu só
acesso os recursos que eles se interessam, atualizados os dados estão. Acho que
são dois problemas: o problema humano de não alimentar o sistema e a problemática
do sistema apresentar muitos defeitos.
Nas sondagens, sumiram os dados e não tinha físico, então foi tudo perdido. Ficou
uma lacuna que vai ficar lá para sempre. Acho que as DREs não conseguiram criar
185

uma sistemática para contribuir com o trabalho das escolas. Acho que foi implantado
e que só viram os problemas iniciais. Acho que a gente sempre tem de fazer um piloto
na hora de criação. Agora, quando se fala do SGP, é sempre um conformismo, é
assim mesmo, relaxa que é assim mesmo. Sumiu um dado, daqui a pouco ele
aparece. Nesse sentido, o sistema não tem credibilidade. Você sabe que vai dar tudo
errado, independente de fazer certo.
Eu estava em SME quando a empresa criou o sistema; cheguei a participar do
planejamento com ela. Ela não tinha noção de rede, do tamanho da nossa cidade, e
nem do saber escolar. Além disso, ela não ouviu quem tinha esse conhecimento.
Então, precisaria haver um conhecimento melhor, e quem montou essa sistemática
não tinha conhecimento sobre a educação, sobre a dinâmica da escola, e isso eu
acho que realmente dificultou tudo.
É difícil falar alguma coisa nesse estágio que estamos: não temos como voltar e
temos muito que avançar. Se eu fosse trabalhar numa escola sem esses
instrumentos, eu teria que gerar os meus, pois o hábito já existe; ele está lá e isso
está posto. É o ponto de mutação; estamos com o pé em dois lugares. A ideia é
originalmente boa, mas entre a ideia e a concretização tem um longo caminho. No
SGP, tudo é muito grande, com muitas informações e muito trabalho. Eu acho que,
tanto no papel quanto no computador, você tem requisições muito próximas. Não é
que eu goste do SGP, mas eu já estou habituado com ele. Ele é mais burocrático do
que pedagógico, e a gente tem de ficar sempre correndo para tentar se conectar.
Os gráficos existem, mas seus usos não estão incorporados pelos coordenadores. E
tem coisas que estão vinculadas ao SGP, como o SERAP, que também não é
acessado, utilizado. A coisa está muito incipiente ainda. Eu vejo a transformação
burocrática. No pedagógico, a questão é muito maior, não pode se vincular a um
sistema. Tem aquela história que, se você voltasse no tempo, se voltasse na Idade
Média, encontraria uma classe como a nossa. As pessoas têm algumas coisas muito
arraigadas.Esse desprendimento a gente não conseguiu em outros âmbitos, quem
dera no âmbito de registros e dados.
Não acho que estou em rede, acho que não foi incorporado. Sei que se eles
consertarem o que está dando errado, a gente conseguiria pensar em ajustes. Já
passou a fase do susto, do impacto, do convencimento, não tem volta, mas tem
muitos problemas básicos, não triviais, mas de base e fundamento. Se incluir mais
alguma coisa, vai confundir mais a cabeça.
Para a professora, qualquer sistema padroniza formas, formata raciocínios. Não
permite a heterogeneidade. Ela pergunta se há aspetos positivos nisso. Acredito que,
186

se pensarmos em rede, todas as escolas seriam iguais.


E mais, padrões sempre interferem na criação, na possibilidade de achar novas
formas, mais completas, mais ajustadas. Por exemplo, no registro de notas, você só
tem a possibilidade de média aritmética. Como professora, utilizei muitas médias
ponderadas. Elas registram melhor, dão uma ideia de processo do ensino
aprendizagem. Na ocasião em que o SGP estava sendo concebido nós discutimos
isso, mas na época optou-se por um registro com média aritmética porque seria mais
complicado construir um sistema com outras possibilidades. Claro que os professores
adaptaram sua forma de avaliar ao padrão oferecido dando um “jeitinho”. Na verdade,
essa adaptação mascara algumas formas de avaliar.
A planilha que uso para registro do Conselho de classe tem uma visão de ensino
aprendizagem, envolve conceito e posturas, como garantir especificidades no padrão.
Creio que, para o futuro, esse seria o tópico: campos com possibilidades de criação
de formas.

Entrevista 7. Cora

Tenho seis anos e meio como coordenadora e fui muito pouco tempo professora.
Faço uso do SGP para acessar os boletins, verificar a frequência. Estou começando
agora a entender o processo de inserir os conteúdos, como funciona.Como eu não
acesso ele como professora, fica mais difícil pra mim como coordenadora entender.
As plataformas são distintas, então eu tenho mais dificuldade. Eu acompanho os
professores quando é necessário. Os professores não sabem colocar os
planejamentos; nós estamos aprendendo juntos. Alguns professores têm o controle
no papel e depois eles o passam para o Sistema, porque nem sempre o sinal está
funcionando.
Eu não faço uso de nada para a reunião. Eu sei que existe o gráfico, mas nunca usei,
pois não é um instrumento que faz parte da minha rotina. Minha rotina é conversar
com os professores, e eu tenho controle das chamadas que os ATEs fazem. Não é
dificuldade, é falta de hábito mesmo. Acho que, com o tempo, eu vou me adaptar.
Eu tive uma formação que foi a DRE (Diretoria Regional de Ensino) que chamou,em
2014. No momento da formação, eu me lembro que eu achei maravilhoso, achei que
ia melhorar nossa vida. Só que as dificuldades foram aparecendo. Eu não sei se é
187

porque a gente não foi criado na era digital, se é dificuldade de geração


mesmo.Talvez por isso eu não me apropriei ainda dessa ferramenta.
Eu não gosto de usar tecnologia. Pode ser essa falta de empatia. Eu peço pra todos
os professores pra fazer as coisas, mas eu odeio computador, eu odeio tecnologia.É
uma dificuldade minha.Todo ano eu prometo que vou começar a usar o SGP, mas
fica só naquela promessa de início de ano.
Eu vou usar ainda, eu tenho um tempão pra me apropriar disso. Eu não estou em
rede pra muitas coisas. Os professores sofrem e isso me dá um transtorno. Eles ficam
digitando e aí somem os dados. Se pelo menos o Sistema funcionasse... Eu tenho
falta de familiaridade com o sistema, mas acho que ele não funciona quando eu
preciso dele, como para fazer o Conselho de classe. Eu acho desumano ficar
pressionando o professor. O professor é normalmente angustiado, e aí ele quer ver as
coisas lá e elas não estão. Daí ele vai lá e digita de novo. A escola vem de uma
cultura que pressiona e pune, e eles querem estar com tudo pronto. Isso me irrita
muito. Não há coerência eu cobrar alguma coisa que o sistema não me dá, a despeito
do trabalho do professor, e isso é desde o começo. Já tem quatro anos que tem o
SGP.
Não é só falta de empatia, mas também do fazer do coordenador. Eu acho que o
coordenador faz coisas que às vezes não são alçada. Acompanhar os registros é
essencial, mas em algum momento eu sei que vou ter de me dobrar e fazer, e eu
acho que posso gostar também. Acho que o sistema não é ruim em si, mas aí eu não
retomo porque eu também não sou cobrado, não sinto essa demanda ainda. Eu sei
que ela vai ocorrer, mas não sei quando.
A DRE nunca me acompanhou, nem houve supervisão, nem ninguém nunca me
cobrou. Nunca discutimos entre nós, coordenadores, sobre o sistema. A gente acha
isso muito ruim. Também achamos que não nos sentimos participantes do processo
de construção do SGP. Eu acho tudo muito punitivo nesse sistema. Eu sei que tem
de ter cobrança, mas acho que não estamos preparados. Expor os professores assim,
eu não gosto. Apresentar esses resultados me dá certo desconforto. Eu acho que
pode ser muito esclarecedor, mas ainda não tenho coragem de fazer isso. Acho que
eles vão se sentir expostos, vão ficar na defensiva. Eu acho que é bom trabalhar sem
medo, mas, se eu apresentar os dados, acho que alguns vão fazer “análise”.
Eu sei que uma hora nós vamos ter de fazer. Temos quem abre e fecha o sistema,
que é o administrador, fomos atrás de um professor e ele sabe tudo de tecnologia. A
partir daí eu acho que a gente pode se interessar, quando tem alguém que sabe do
que está falando. Faltou formação também. Vou te dar um dado que não enquadra
188

em nada: a gente está imprimindo tudo, desde encaminhamentos, dificuldades... Isso


mostra a nossa falta de presença no SGP. Estamos com dois pés: um no físico e
outro no digital. Eu não o destruiria pra ficar no papel, a não ser quando eu vejo o
professor sofrendo muito. Ele tem alguns desafios que mostram nossa debilidade. Eu
já vi professores preenchendo o sistema com erros de português. Eu pensava que eu
teria que olhar um por um, que eu passaria a ser um corretor ortográfico. São várias
questões, mas elas dizem muito da nossa carência de formação inclusive.
Os professores, alguns gostam, adoram, acham maravilhoso ter essa facilidade
enorme. Outros, não conseguem de jeito nenhum. Então, tem os que não gostam,
mas o problema em comum de todos é a rede não sustentar em final de bimestre. Ela
some, sai do ar, os dados não estão lá e começa a surgir umas lendas.Talvez não
seja o Sistema, mas da queda das redes a dificuldade, e da nossa formação.Falta de
tempo, falta de organização...É uma ferramenta de primeiro mundo para uma
realidade de terceiro, mas acho também que é pouco tempo. Eu estou tentando
colocar o uso do sistema na rotina, nós estamos tentando, mas não dá.
Os pais não acessam nada. Como a gente não usa o instrumento, não faz parte da
cultura da escola dos professores e coordenadores. Vou fazer uma metáfora: sabe
aquele livro de pedagogia bem grosso, que você sabe que é bom, que você sabe que
é chato, mas é bom? Um dia eu vou ler esse livro todo, mas não hoje.
As nossas conexões precisam ser feitas, e achei muito bom você vir aqui porque
mexeu com algumas lacunas que precisam ser sim pensadas por nós. Sabendo usar,
você consegue elucidar várias questões. Eu não gosto de nada que controle o ser
humano, mas sei que é necessário, é imprescindível, mas são vários embates
envolvidos que você tem de assumir.

Entrevista 8. Martha

Eu trabalho há sete anos como coordenadora, e estou há quinze anos na educação


pública. Eu uso o SGP todos os dias, mas não gosto. Eu vou responder de forma bem
sincera: enquanto eu sentir saudades do diário, que eu acho muito ruim, isto significa
que o SGP está pior do que o anterior, que era ruim. Eu trabalho numa outra escola,
que não é da prefeitura, e lá o sistema já foi trocado umas cinco vezes, mas ainda
189

não está bom. Mesmo assim, os professores foram ouvidos e trocaram o sistema. No
momento, lá está muito parecido com aqui, e é a mesma coisa que aqui no
movimento dos professores: eles não estão sendo ouvidos. Aqui parece ser mais
democrático do que em outras escolas que conheço, mas não está sendo, os
professores não são ouvidos. Quando, no início, eu fui representando a coordenação
para falar sobre o SGP em SME, para falar com o pessoal do sistema - isso já tem
uns anos -, eu não me senti bem acolhida. Tive a impressão de que nós somos os
burros e que temos que seguir as ordens. Inverteram a ordem das coisas.
No diário, eu tenho tudo e é rápido, e eu tinha uma rotina de olhar no diário, enquanto
no sistema eu não consigo porque eu tenho que entrar em várias telas, tenho que me
desligar do mundo. Eu sou uma coordenadora, eu tenho de estar antenada o tempo
todo porque as coisas estão correndo, eu tenho de abrir e ser jogo rápido. O sistema
deveria ser melhor do que o diário, mas não é. Ele toma o meu tempo, não funciona,
fica rodando, me dá uma informação e depois apaga, não me ajuda nos meus
relatórios. Eu já pedi pra fazer reunião de coordenadores para que eles nos
apresentem formas de otimizar. Eles dizem que fazem, mas não é feito do jeito que
eu imagino.
Eu ainda tenho saudades do diário que era muito ruim. Então, são várias questões. E
aí parece que o professor é um burro, que ele não sabe usar o sistema. Espere aí, eu
sou usuária! Estão invertendo a ordem das coisas. A tecnologia, o aplicativo, se tem
um sistema pra me ajudar, eu sou o senhor do sistema. Ele tem que funcionar, pra
mim ele tem de melhorar a minha vida. Eu não quero acreditar que o SGP está aqui
para fiscalizar porque até pra fiscalizar ele é muito ruim. Do jeito que as coisas estão
colocadas, é muito estranho: você não pode dar uma opinião; é algo absurdo.
Veja, eu vou tentar lançar um atestado médico: ligo o computador, está lento, não
abre a tela. Aqui deveria ter uma plataforma tal qual a dos grandes bancos. Nossa
rede não é pequena. Deveriam dar a ela a mesma seriedade que se trata os sistemas
do banco Itaú, por exemplo. O aluno também está sendo colocado de lado, e os pais
não conseguem acessar o boletim online. Deveria haver formação, dar um cursinho,
mandar um pessoal aqui e formar os pais, e não eu ter de falar com os pais que não
funciona. Olha, eu estou tentando até agora e o sistema não abre pra eu lançar o
atestado. Antes, era mais fácil: todos assinavam o atestado para organizar a
reposição.
Agora estou aqui, a tela não me deixa entrar no aluno.O sistema não abre a sala e o
aluno para eu lançar os dados, e tem um monte de coordenador que não sabe usá-
lo.Tinha de ter uma tela por classe que me desse a visão do todo da sala. Eu não
190

quero acreditar que isso é melhor que diário: isso tem de provar que é muito melhor.
Eu fico aqui horas tentando descobrir as funções do sistema, porque ninguém nunca
me mostrou. O que achei foi por mim, e provavelmente poucos coordenadores sabem
fazer isso. Eu sei usar o sistema porque fico em casa debruçada procurando
entender.
O sistema não é inteligente. Se ele não te atende, tem de trocar, precisa trocar. Eu
sou usuária, eu estou esse tempo todo aqui, tentando lançar esse atestado. Quando
eu finalmente lanço, o professor também não vê, ele tem de procurar por sala pra ver;
ou seja, o sistema deveria mostrar na tela quando o professor abrisse a sala. Isso
otimizaria o trabalho. Eu arrepio quando vejo os atestados. Olha, é em torno de meia
ou uma hora para lançar. Eu, ao longo da minha vida, trabalhei em outras empresas,
lugares, bancos. Aí eu aprendi a não ter medo da máquina, eu aprendi para que serve
um sistema. Na educação, a gente se acha a coitadinha. Quando você trabalha em
outros lugares, você sabe a importância do sistema atender quem é usuário como
trabalhador. Preciso ter um excelente desempenho como trabalhador para que minha
empresa vá bem, e é pra isso que eu preciso que o sistema me ajude, mas ele está
me atrapalhando.
Ele não está me ajudando. Eu copio os dados para uma tela, faço outra planilha, onde
eu posso ver onde o aluno não foi bem. Os gráficos me mostram a turma, mas eu
quero saber onde os alunos não vão bem, o que foi trabalhado. Então, eu faço outra
planilha, classifico os alunos e lanço esses dados na planilha do sistema.

Entrevista 9. Carolina.

Eu sou coordenadora há cinco anos e estou na rede há dezoito. Eu diria que sei tudo
que tem no SGP.Tenho conhecimento, mas tenho dificuldades de utilizar algumas
coisas, tenho algumas dificuldades com a tecnologia. Por exemplo, se quero buscar a
sondagem que os professores colocaram, eu não consigo visualizar; se eu tenho de
buscar alguma coisa, eu tenho de mexer muito. A minha parte de aprendizagem com
do SGP é um pouco demorada. O que eu uso cotidianamente, eu já sei buscar e uso
tranquilamente. Se tenho de ver planejamento das aulas e pra fazer Conselho, é
muito bom, mas tem algumas coisas que ainda não consigo fazer.
Sobre a formação, nós tivemos uma em 2014. Nesse ano, a formação foi dada
191

algumas vezes, e eu me lembro que a gente podia pedir para o formador ir até a
escola e, na época, eu recebi dois formadores na escola. Mas na época, o que estava
causando problemas na escola era a tela dos professores, e eu acho que nós ficamos
focados no boom dos professores aceitarem tudo aquilo. A parte da coordenação, o
que foi vindo, nós fomos tentando assimilar sozinhos. Eu sinto um pouco isso. Novas
telas foram acrescentadas, mas não fomos comunicados e nem tivemos formação
depois.
Acho que o SGP cumpre o papel dele, acho que a nossa ansiedade que incomoda
um pouco. Tudo que está ali é suficiente, ele atende muito bem. Acho que tudo que
foi pedido ele deu conta de colocar, mas o que eu preciso é de formação, pois eu
tenho dificuldades de encontrar. Acho que é uma dificuldade minha, acho que os
caminhos são difíceis. Se chegar um professor novo, eu peço para um mais antigo
ajudar. A nossa plataforma é diferente da deles. Nesse sentido, os professores são
parceiros e colaboram comigo.
Eu não me sinto em rede. O PEA não está ali, o PPP também não. Eu acho que está
apartado ainda. Tem coisas que os professores não faziam no diário e não fazem no
sistema também. Algumas lacunas existem e os professores preferem falar, mas não
registram. E também tem coisas, como nossos registros de Conselho, que são
discutidas com os professores que eu não gostaria que estivessem ali, expostos pra
todo mundo ver. Sobre a questão disciplinar, por exemplo, essas anotações não têm
a ver com nota. Acho que algumas coisas do pedagógico não têm a ver com a
disciplina.
Sobre o pedagógico, eu não consigo acompanhar os registros do que está no SGP da
mesma forma que eu acompanhava no diário. Por causa da dinâmica da escola, a
gente não dá conta. Não dá para você ficar lá quinzenalmente pra ver se o professor
está dando conteúdo. Eu confio neles, tenho de confiar. Eu que já estou aposentando.
Eu sei que a gente não conhece muito do sistema, mas acabo não buscando o que
ele oferece. No pedagógico, o ponto que eu acho que me ajuda bastante junto com os
professores são as anotações do boletim mesmo. Eu sei que tem os gráficos, mas eu
não costumo usar. Eu projeto o boletim com a foto, a disciplina, e consigo ver tudo e
trabalhar com os professores. O que eu uso bastante são as notas do boletim, as
faltas, o fechamento que os professores fazem. Inclusive os boletins, é algo que eu
gosto de mostrar para os pais quando eles vão para a escola.
O SGP ajudou muito no que serefere a relatos no boletim. Os professores passaram
a ter bastante clareza que os comentários dos alunos devem se reportar à
aprendizagem e não à disciplina. Se eu pudesse, eu criaria uma página do PEA,
192

colocaria os professores e a formação que ocorre na escola, porque ela ainda


continua naquele livro de papel. Eu acho que os registros do processo escolar do
aluno do bimestre, as informações, não devem ser cumulativas.Se for uma coisa
muito aberta, nós vamos, cada vez, nos podar mais. De qualquer forma, a gente
acaba cerceando o que os professores falam.
A ultima vez que teve uma conversa para falar sobre o SGP, eu desconheço, mas
não me lembro de nada sobre o SGP que foi discutido. Nunca fui chamada para isso.
Sobre a autonomia, eu não acho que ele mexe, e a gente nunca teve autoria. Como
coordenadores, fazemos a formação, que extrapola o currículo, as coisas que não
estão no SGP, como o PEA e outros. Eu faço escolhas. O sistema não comprometeu
a autonomia. No início, eu achava que tinha mais coisas pra fazer. Depois, passei a
achar que isso mudou. A resistência inicial não existe mais.Tenho professor que
nunca usou o diário no papel. Essa fase de achar que é monitoramento já passou,
ninguém fala mais de controle.
Se eu pudesse colocar alguma coisa seria o PEA,a JEIF também, no sentido de não
ficar só pra gente, para poder compartilhar experiências. Eu estou do lado de várias
escolas e fico pensando se o PEA deles não acrescentaria na minha discussão,
mesmo sabendo que estamos em comunidades diferentes.

Entrevista 10. Vinícius.

Eu estou na prefeitura desde 2006, e há dois anos como coordenador. Gosto de usar
a tecnologia e acho que ela está a favor da gente, mas acho que tem alguns
elementos que não ajudam. Eu acho que as informações são interessantes, desde
que a gente lance mão desse recurso; é importante a gente se debruçar. Eu nunca
tive acesso a nenhuma formação como professor, e nem como coordenador. Eu só
observei, e nunca sentei com a equipe para pensar sobre isso.
Acho até que os gráficos são um bom ponto de partida no início de ano, que os
dados seriam interessantes para começar o ano, ver alunos, traçar planejamentos,
traçar novas rotas, buscar recursos, observar os gargalos e criar planos de ação a
partir dele.
Na verdade, as coisas que descobri foi pelas demandas. No conselho, busquei as
planilhas. Em relação à condição ideal, gostaria que o wifi funcionasse e que os
193

professores estivessem equipados para diminuir o tempo de registro que o sistema


aumentou muito. Acho que o SGP ajuda muito não só na atividade de registro, mas
também de aprendizagem. Espero que venha nos auxiliar. Faço ressalva na questão
da migração dos dados, de notas.
O que usei até hoje do SGP foi a partir das minhas necessidades. Mexendo, vi os
gráficos, as anotações das professoras, inclusive passei a observar os resultados
externos. Via de regra no Conselho, o que os professores fazem eu registro no
Sistema. Os comentários deveriam ir no boletim. Isso era feito no Conselho; agora,
está indo em branco. No Fundamental II deste ano, isso não foi feito; foram só as
notas.
Eu não sei até que ponto os coordenadores conhecem o SGP. Acho que eles não
sabem como fazer o trabalho funcional. É necessário que tenha reuniões, formação,
porque a proposta do sistema é apontar conhecimento aprofundado mesmo. Parece
que o conhecimento se restringe à necessidade da gente. Então, eu sinto falta e vou
lá. Eu reconheço que quando as possibilidades se abrem eu tenho muito trabalho, e
ele minimiza, pela quantidade de tarefas, a minha relação com os professores.
Eu não me vejo em rede. A impressão que dá é que a gente alimenta as planilhas, o
campo de planejamento, o diário de classe, por uma questão de obrigação, mas isso
não surte efeito no sentido de ter uma visão do todo se toda tarefa se encerrar nisso
aí. Acho que, quando a gente consegue um gráfico comparativo, observar como é
nosso rendimento se comparado às demais escolas da DRE e às demais escolas da
Secretaria, isso tudo cumpre a finalidade, mas se for única e exclusivamente para
alimentar a obrigatoriedade, que é o uso da ferramenta, eu acho que é uma
perspectiva bastante reducionista, que não leva em consideração o pertencimento no
conjunto.
Acho que uma página no sistema para comunicar com os pais seria interessante.
bilhetes, comunicados podem ser viabilizados. Um canal de comunicação para
avisos, reuniões, retorno das aulas poderia ser um canal de comunicação direta.
Nele, eu só uso o que conheço. Não sou um usuário eficaz do sistema, não tenho
conhecimento se tem algo abrangente e funcional e que, na prática, não acontece. No
meu caso, a certeza que eu tenho é que o problema está no usuário. Eu não conheço
o espaço de autoavaliação do aluno e ninguém nunca falou comigo a esse respeito.
Nem sempre esses espaços de voz são muito bem vistos. A impressão que eu tenho
é que as pessoas não querem muito que o outro diga, querem que ele ouça e aceite.
Dentro da perspectiva educacional que acredito, acho isso excepcional, porque abrir
canais de voz é a resposta direta do nosso trabalho. Ali o aluno tem o olhar sobre ele,
194

mas também sobre outras questões que às vezes nós não nos damos conta e que, de
fato, a mim não me desgosta em nada saber, mas outros se sentem desconfortáveis.

Da mesma maneira do gráfico, esse instrumento pode e deve ser um sinalizador


também do nosso trabalho. Esse olhar de avaliação, de observação, que eles
sinalizam às vezes não é muito evidente pra gente.
Reafirmando, eu gosto do SGP, mas acho que ele precisa de reajustes. Embora seja
uma ferramenta potente, acho que ainda esbarra em questões que são elementares,
como uma rede que funciona bem, mas subutilizada. Como as políticas são
descontínuas, todo ganho que houve precisa se aprimorar, aparar as arestas naquilo
que não tem funcionalidade.

Entrevista 11. Hilda

Eu tenho quatorze anos de coordenação pedagógica. Eu sempre achei que o SGP


tem aspectos positivos e negativos quando comparado com o diário de classe. Do
ponto de vista estrutural, foi um ganho: você trabalha com as listas reais desde o
inicio do ano. Você tem o calendário no Sistema, que também acho que foi um ganho
na geração de notas e boletins.
Na parte do pedagógico, no diário você visualiza tudo. Acho que, do ponto de vista do
pedagógico, o registro do papel é mais prático, pois no SGP você depende da rede,
ligar, ficar na tela. Acho que abraçou coisas demais e que cada um usa o sistema de
um jeito; não tem padrão. Outro problema é o acesso, que é muito difícil; é uma
ferramenta difícil de ser usada.
Não vejo nenhuma mudança significativa com o SGP. A diferença fundamental é a
visão do todo, que na ata convencional não tinha,mas a gente tinha um
acompanhamento muito efetivo. Por isso, não usávamos os gráficos do SGP.Todos
na escola conheciam o percurso do aluno, a gente tinha um acompanhamento
consistente e cotidiano dos alunos. O acesso é muito difícil; é uma ferramenta difícil
de ser usada. No início tinha capacitação, mas eles inventaram muitas coisas novas
e, em momento algum, isso foi atualizado para a rede. E tem gente que nem sabe o
que tem no sistema. Daí, mexe nele e acaba descobrindo o que ele oferece, mas
195

como nós não fazíamos isso, nós ficamos sem saber. Tínhamos mecanismos próprios
e achávamos que o SGP era o arcabouço de dados.
Do ponto de vista instrucional, organizacional e estrutural, ele é perfeito. Eu acho que
foi facilitador do processo burocrático, de ata, de nota, de boletim, inclusive de
instrumento de adulteração que fica limitado. Agora precisa de senha, login, para
acessar a vida escolar do aluno. Desse ponto de vista, torna-se mais segura, mais
legítima, a vida funcional do aluno, seu histórico.Mesmo pra ata, trouxe mais
segurança, mais consistência, mas seriedade.
Agora eu não acho que dá para acompanhar o processo pedagógico pelo
computador. Não acredito que esse seja o papel do coordenador. O seu trabalho não
é regido por esses instrumentos. Eu acho que os momentos de troca são pessoais,
têm de existir na interação com o outro. É preciso ser revista a forma de acessar e
como a informação se organiza no sistema. Ele não funciona porque desconsidera
questões das realidades da rede que são muito específicas e particulares.
Na escola que eu trabalho, o registro do sistema é alimentado com falta de conteúdo,
avaliação e nota, mas o planejamento não está lá, a forma como está posto não
contempla como achamos que deve ser feito, o planejamentonão está lá. Eu informei
isso inclusive pra a DRE. Nós fazemos o nosso planejamento diferenciado e o
Sistema não comporta sua configuração. A gente nunca considerou o SGP para o
planejamento.
Nós continuamos a fazer tudo como sempre fizemos. O SGP é apenas um
instrumento para regular questões burocráticas; não mudou absolutamente nada. O
SGP não dá conta do processo formativo e nem do reflexivo.
Eu não gosto do SGP considerando o que eu usava. Eu acho a questão de acessar a
informação na sua totalidade importante, e eu não consigo ver na íntegra no sistema,
ele é muito fragmentado. No SGP, a gente não consegue acompanhar, não dá pra
ficar mudando de tela toda hora. A gente perdeu essa proximidade de
acompanhamento. No diário, a gente deixava recadinho, bilhetinho.
Se pudesse, eu tirava aquelas considerações sobre os alunos onde se marca com X.
Deixaria um histórico descritivo do seu desenvolvimento, escanearia algumas coisas
que ilustrassem o processo do aluno, sondagens. Em vez de x, digitalizaria uma
atividade, criaria um arquivo de imagens. Isso seria superinteressante!
A sondagem fica restrita à escola, à DRE, não retorna sobre esse registro, não tem
nenhuma ação externa e reflexiva sobre os dados da realidade da escola, A gente
alimenta o sistema e o trabalho da escola como sempre foi, não mudou nada.
O SGP absorveu o nosso tempo. O professor virou um alimentador do sistema, e o
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coordenador pedagógico não consegue usar essas informações que estão ali com
qualidade. Eu acho que eu não acredito no acompanhamento pedagógico que se dá
através de uma distância, pois ele acontece nas relações uns com os outros. A
demanda do professor aumentou demais, além de não ter maquinário. É um monte de
tela, de dados. Considerando que as coisas não sumissem, o trabalho é infinitamente
maior.
Enquanto rede, existe diretriz que nos orienta, orientação curricular de um trabalho a
ser desenvolvido.Eu tenho autonomia metodológica, eu tenho autonomia de
construção de identidade em relação ao território que eu ocupo, existem diretrizes. A
diversidade é uma característica da rede pública, com sua característica própria de
sistema, o que nos torna comum apesar da diversidade. Tem uma diretriz, um
propósito. A rede tem de ser entendida no seu modo de comunicar dentro de sua
amplitude, temos ene coisas comuns.
Eu acho que a escola é pautada nas relações, e não dá pra tornar isso online. Eu não
me vejo falando por mensagem. Ela não tem como ser a distância na sua
completude. Alguns elementos fazem parte, no sentido ao acesso à informação, à
mídia como recurso pedagógico, na parte do processo formativo. A rede não pode
suprimir a questão do contato com o outro; ela tem de estar a serviço de algo.
Existem coordenadores pedagógicos que entendem que devem cuidar do SGP, mas
não tem como eu cuidar do pedagógico pelo SGP. A educação não pode falar apenas
do elemento frio da informação, não pode se resumir a gerenciar dados. Esse vínculo
com os pais é necessário. Eu não acredito em educação em que não tenha troca,
vínculos, diálogo e construção. Eu não quero me comunicar com pais por meio de e-
mails. O mais estranho é que não tem nenhuma ação sobre o sistema, e os
coordenadores novos hoje não sabem o que fazer. Não existe o papel formativo do
coordenador pedagógico e orientador junto à família. Aqueles que têm dificuldades
nas relações humanas se esconde nele, fica atrás do computador.
A gente já tinha planilhas antes do SGP. Ele não trouxe nenhuma inovação;acho que
deveria ter outros elementos. Nós já tínhamos gráficos e dados desde 2006, feito a
mão. Naquele período, a gente já tinha um processo construído. Pra gente, não era
nada interessante o gráfico, pois já fazíamos isso muito antes. Então, não trouxe
inovação. O papel continua nas escolas porque o Sistema não é eficiente. A opção de
uso é do professor, os dados têm de estar registrados.
Eu acho que nós temos autonomia, e a autoria das minhas práticas e dos saberes
que eu já tenho com o meu grupo. A gente não formaliza isso, mas eu acho que ela
existe. Existe uma corrente forte que as pessoas querem receber tudo na mão, pronto
197

para pensar.

Entrevista 12. Laura

Eu tenho formação em pedagogia e fiz uma especialização na área de educação.


Tenho dezoito anos no ensino público e oito no cargo.
O que eu gosto e faço uso no cotidiano é mais ou menos assim. O uso do SGP, você
sabe, não é opcional. Atualmente, ele já está inserido na minha rotina, mas demorei
um pouco para aprender a fazer isso. Nele acompanho o desenvolvimento dos
alunos, o planejamento dos professores, o que está sendo desenvolvido na sala de
aula, a frequência e os registros individuais de cada aluno. Eu faço também todos os
registros de atendimento aos pais e alunos no Sistema, e também todos os
encaminhamentos e acordos com pais e alunos. Acho que essas são coisas que
fizeram a diferença pra mim, estão lá registrados.
Considero esses aspectos bastante significativos na minha dinâmica.Isso porque
antes, para verificar o processo ensino aprendizagem do aluno, ele otimizou o tempo,
pois investíamos mais tempo. Acho que ele melhorou nesse sentido, porque não
preciso ficar verificando no papel.
Tem muitas ocorrências que causam desconforto, como os problemas com a rede.
Não dá pra negar que a rede compromete muito o nosso trabalho. Muitas vezes,
ficamos à mercê da boa vontade de alguém. As atualizações demoram muito para
acontecer, os dados ficam muito desatualizados, e o acesso é muito lento,
principalmente em períodos de fechamento do semestre. O fato de perder dados é
muito sério. Já perdemos dados no sistema: eles foram inseridos e perdemos, mas
ninguém se preocupa com isso - só eu, a coordenadora.

Apesar de tudo, acho que o problema é da rede. Eu não tiraria nada no sistema,
nenhum item, mas como desejo gostaria de - acho que deve ser o de todos os
coordenadores - ter um sistema mais eficiente. Nós merecemos um sistema que seja
mais rápido, onde possamos digitar nossos dados sem receio de que eles se percam.

Quanto à questão de me sentir em rede no SGP, creio que avançamos muito e que
continuamos avançando cada dia mais. Vejo que atualmente temos um currículo
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único, que pode ser adequado a cada realidade, mas que, mesmo assim, garante
princípios comuns, e o SGP insere o aluno nesse contexto. Outra questão da rede é
de podermos acessar parte dos dados do aluno independente da escola da rede em
que está matriculado. Acho isso muito inovador.

O SGP não mexeu em absolutamente nada com nossa autonomia. Eu considero o


SGP como um instrumento que me serve na organização dos registros, dos dados
que antes eram dispersos. Eu gosto disso, e faço uso sempre que preciso. Mas
reafirmo: meu uso é instrumental.

A minha supervisora acessa o SGP e verifica os dados da escola e em algumas


vezes aponta e questiona o que neles consta, faz orientações de como melhorar os
registros e como lidar com situações específicas de alguns alunos. Percebe-se que
sua análise é geral, pois não tem condições de verificar tudo minuciosamente,mas ela
se faz presente no acompanhamento da vida escolar da escola.

Entrevista 13. Alice

Eu sou uma coordenadora bastante antiga na rede. Tenho trinta anos de trabalho e
dezoito anos como coordenadora. Sou pedagoga e tenho mestrado e doutorado na
área de educação. Eu uso SGP desde o início e vejo todas as planilhas de modo
geral. Vejo os resultados de aproveitamento dos alunos e toda a parte sobre o ensino
aprendizagem. Esta é a parte que já está incorporada pelos coordenadores. Vejo se
os planejamentos foram feitos, e acompanho todos os lançamentos das notas que
são bastante importantes para o nosso trabalho, para a nossa rotina.

Acho que o sistema tem sua utilidade, mas ele ainda tem muitas falhas, precisa ser
reajustado. Algo que é recorrente é sumir os dados. Por vezes, desaparecem todas
as informações. Outra dificuldade é o lançamento de aulas a serem substituídas: se
não tem módulo, ninguém lança as aulas. Sem falar nos problemas da rede, o wifi,
que deixa muito a desejar. Como não temos conectividade, não conseguimos cumprir
prazos. Isso causa grandes transtornos para a escola, implica em deixar os dados
desatualizados. Eu fico me perguntando quem são os responsáveis pelo sistema em
199

outros órgãos. É preciso alguém dialogar com os responsáveis, com quem opera a
parte técnica. Deve ter um departamento competente em SME (Secretaria Municipal
de Educação). Isso é condição básica para o nosso trabalho; então, tem de funcionar.

Eu não sei se tiraria alguma coisa no sistema. Acredito que, se alguns dos problemas
citados acima fossem minimizados, ou resolvidos definitivamente, o sistema não
precisaria ser mexido na sua essência, ou melhor, em relação ao propósito da sua
criação e implantação na Rede Municipal. Eu não me vejo em rede, não acho que
estamos conectados, no sentido de ter uma rede funcional para que eu possa
estabelecer relação com os professores.

Eu, se eu fosse colocar alguma coisa no sistema, eu abriria um Item/link sobre os


problemas estruturais do sistema/Internet da escola, ainda que fosse um
item/link reservado ao controlador do sistema para que este, em interlocução com a
escola/professor/coordenador, promovesse os ajustes necessários em tempo hábil,
não ao final do ano. Outro desejo... é que os diretores não tivessem como fazer
alterações (nas notas, faltas e registros gerais do dia a dia, lançados pelos
professores) sem a anuência do professor/coordenador.

Existem casos em que a direção simplesmente entra no sistema e altera os dados


lançados pelos professores (faltas, notas, anotações sobre comportamento e conduta,
etc.). Não acho isso adequado.

Sobre a participação dos supervisores da Diretoria de Ensino, não existe nenhuma


colaboração ou troca. Apenas cobram o lançamento dos dados, querem que esteja
tudo lançado e completo. A qualidade do trabalho nunca foi verificada, compartilhada,
mesmo porque, as informações podem ser alteradas (e muitas vezes são) pela
direção. Como eu não fiz nenhum tipo de formação para gerenciar esses dados, eu
acho que não mudou muito a relação entre o digital e o físico (diário).

Entrevista 14. Cecília

Eu tenho dezessete anos de Rede Municipale estou há cinco anos como


coordenadora.Vou iniciar falando o que penso do SGP. Eu fui POIE (Professor
200

Orientador de Informática Educativa) durante sete anos e saí da sala de informática


gostando muito. Eu acho que a tecnologia veio para nos ajudar. Saber utilizar a
tecnologia a nosso favor, eu acho que é um grande avanço, nos auxilia. Acho que o
grande problema é como fazer uso dessa ferramenta, fazer dela uma aliada. Eu acho
que esse sempre foi o meu questionamento, como o de professores. E aí, acessando,
eu me deparei como o SGP. A maneira como o SGP chegou, na minha concepção,
não foi a melhor. Achei que foi um tanto arbitrária, sem uma participação efetiva, sem
ouvir uma parcela importante, que é os professores e a escola, as condições da
escola. Eu também acho que a gente tem de ter melhores condições. Para as coisas
acontecerem, muitas vezes a gente tem de implantar e elas vão caminhando, mas a
maneira como veio foi de uma violência com o professor, com a escola e com as
pessoas que estão ali na gestão da escola, sem considerar que não é de um dia para
outro que os professores vão largar o diário e vão para o digital. Esse processo é
demorado. Vamos pensar como o professor Cortela que temos a escola do século
XIX, professores do século XX e alunos do século XXI. Esse conflito deveria ter sido
considerado na implantação do SGP. Considerando isso, talvez o processo de
implantação poderia ser diferente, mais tranquilo, respeitoso, e não como se fosse
uma caça às bruxas: “Vamos jogar tudo fora, colocar tudo na fogueira, porque agora é
o SGP!” Esse início foi infeliz. Não dá pra negar que foi um avanço e que está posto.
Você precisa utilizar as tecnologias nas escolas, elas estão aí para otimizar o tempo
da escola, para melhorar as condições de trabalho. Se você tiver domínio da
tecnologia, ela está a seu favor e você consegue fazer muitas coisas.

O primeiro ponto que eu acho é que desrespeitou o processo do professor de se


apropriar das tecnologias. Ele está com o diário há mil anos e mexeu com a
autonomia da escola. Algumas escolas se negaram a usar o SGP. Alguns professores
se negaram a usá-lo pelas condições estruturais da escola. Sem computador, com
máquinas sucateadas, sem Internet, como você vai obrigar os professores a fazerem
os registros? Isso tudo não mudou; os professores não conseguem fazer o registro na
escola e continuam a fazê-lo em casa. Tem professor tentando fazer isso no final de
semana, e fica uma falação de que ele não quer fazer, que é resistência, uma falácia,
uma culpabilização do professor de tudo, o que é revoltante. Agora o problema são as
condições que são postas e que permanecem ruins e hostis até hoje. Para as coisas
se realizarem da maneira que precisam ser realizadas, o nó está em não como o SGP
está sendo gerido nas escolas, mas administrado nos órgãos competentes. O uso
que está sendo feito dessa tecnologia é que deixa a desejar.
201

Acho que o SGP favorece e desfavorece ao mesmo tempo. Favorece quando você
tem a visão mais ampla da escola, das salas, dos conteúdos. Quando a rede não
funciona, você leva esse trabalho para casa para fazer no final de semana. Isso não é
justo, e a gente sabe que não é, a gente sabe que não está correto, que tem algo
errado. Esse sucateamento da educação, das máquinas, do nosso trabalho, da nossa
vida, é ultrajante! Eu sou a favor, mas não posso deixar de dizer que há forças
contrárias para que as coisas não aconteçam de maneira plena, e elas são muito
fortes. A gente tenta dizer, mostrar – “Eu estou fazendo, está aqui.” - e elas vêm dizer
que você é culpado, que você não faz porque não quer.

Eu utilizo os dados do sistema para redirecionar, repensar, para fazer uma


intervenção maior. Eu acho que o SGP ajuda e me dá essa visibilidade. Ele ajuda,
mas causa muitos transtornos também. Entre eles, o de sumir as coisas, sumir os
dados registrados. Ele está ocupando um espaço de formação que não deveria
ocupar. Nós temos de abrir mão do tempo que poderia ser para a formação para
registro dos dados. A gente tem na lei a hora atividade para registro, mas o horário de
formação é invadido pelo administrativo. A cobrança de registro é muito grande das
Diretorias de Ensino, mas não houve retorno. A participação das Diretorias é muito
incipiente: elas se preocupam muito mais no sentido de controle do que de haver uma
reflexão sobre os problemas.

Para um desejo de melhorar o sistema, eu acho que o SGP poderia ter uma outra
roupagem, melhorar a infraestrutura, os recursos, os acessos, os caminhos.

Eu faço parte dessa parte do grupo de resistência para fazer a crítica para saber
pontos positivos e negativos, e eu não deixei isso invadir a formação. Eu acho que a
gente tem de ponderar. Eu comprei uma briga por causa dessa minha posição
política, questionadora; estou sofrendo as consequências disso agora. Eu acho que é
uma questão de posicionamento: se ele sabe do seu papel de formador, ele tem de
saber usar isso. É lógico, nos momentos de urgência da escola você vai ponderar -no
caso, ceder espaço da formação para registro. Esse posicionamento firme garante a
sua autoria, autonomia e autoridade para cumprir seu papel como formador, como
alguém que está à frente do processo ensino aprendizagem, à frente do SGP. Não é
o SGP que tem de estar à frente. O problema que eu acho é que o SGP está
ocupando espaços das relações humanas.

Acho que deveria trazer um lugar que diga, que represente o professor, de
202

sugestões, de podermos viabilizar as informações na formação pedagógica. Acho que


deveria orientar para que aqueles dados pudessem contribuir para a formação.

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