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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
DOUTORADO EM ADMINISTRAÇÃO

Luana Ferreira dos Santos

QUADRO TEÓRICO-ANALÍTICO E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA


PARTICIPAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NO PROGRAMA NACIONAL
DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE): LEITURAS NA CIÊNCIA
ADMINISTRATIVA E EM TERRITÓRIOS RURAIS

Natal/RN
2020
Luana Ferreira dos Santos

QUADRO TEÓRICO-ANALÍTICO E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA


PARTICIPAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NO PROGRAMA NACIONAL
DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE): LEITURAS NA CIÊNCIA
ADMINISTRATIVA E EM TERRITÓRIOS RURAIS

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Administração da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Doutora em Administração, na área de política
e gestão públicas.

Orientador: Washington José de Sousa, Dr.

Natal/RN
2020
LUANA FERREIRA DOS SANTOS

QUADRO TEÓRICO-ANALÍTICO E EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS DA


PARTICIPAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR NO PROGRAMA NACIONAL
DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE): LEITURAS NA CIÊNCIA
ADMINISTRATIVA E EM TERRITÓRIOS RURAIS

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Administração da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito parcial para a obtenção do
título de Doutora em Administração, na área de política
e gestão públicas.

Natal/RN, 13 de março de 2020.

Washington José de Sousa, Dr.


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Presidente da Banca Examinadora

Anatália Saraiva Martins Ramos, Dr.ª.


Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Examinadora interna ao Programa

Mauro Lemuel de Oliveira Alexandre, Dr.


Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
Examinador externo ao Programa

Marco Aurélio Marques Ferreira, Dr.


Universidade Federal de Viçosa
Examinador externo à instituição

Eugenio Avila Pedrozo, Dr.


Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Examinador externo à instituição
AGRADECIMENTOS

Era março de 2017. Com a aprovação no doutorado na UFRN, me mudei de


Viçosa/MG para Natal/RN. Nunca tinha ficado mais do que um mês sem ver minha família,
nunca tinha me mudado para longe de casa. O coração apertou quando cheguei ao aeroporto
de Belo Horizonte/MG e me despedi da minha família. Quando entrei no portão de embarque,
não segurei o choro e eles também não. Na minha cabeça se passaram uma série de
indagações: como seria viver longe deles? Será que eu me adaptaria a nova realidade? Eram
muitas dúvidas, mas a única certeza que eu tinha é que Nossa Senhora cuidaria de mim todos
os dias, na minha mala eu levava minha santinha e no meu coração eu levava minha fé. E me
recordava das palavras da minha avó: “não se preocupe, minha filha, Nossa Senhora será sua
mãe, já que você estará longe da sua”.
Logo na chegada em Natal, conheci minha amiga Tamiris, nós moramos juntas e
compartilhamos a trajetória do doutorado. Todos achavam que sempre fomos amigas, mas nos
conhecemos em Natal, e, por uma grande coincidência, chegamos ao aeroporto de Natal no
mesmo dia a praticamente no mesmo horário, para ambas começarmos a “vida nova”. O
tempo foi passando, fui conhecendo novas pessoas, novos lugares, e Natal foi ganhando um
pedacinho especial no meu coração. A saudade da família e dos amigos era constante, mas a
felicidade por estar realizando o sonho de fazer o doutorado tornava tudo mais leve, assim
como também os passeios em Ponta Negra!
Após cumprir a carga horária de disciplinas e defender o projeto de tese, veio a fase da
mobilidade acadêmica na UFV, a partir de julho de 2018. O aprendizado do tempo morando
em Natal foi enorme, um sentimento de gratidão que não cabia no peito, mas a vontade de
retornar para Viçosa e ficar mais perto da família foi maior. Com a volta veio a oportunidade
de um emprego, trazendo ainda mais gratidão pela possibilidade do exercício da docência.
Agora é março de 2020. Chega o momento da defesa, e, então a quem agradecer? São
tantas pessoas especiais que de alguma forma contribuíram para que este momento chegasse.
Então, primeiramente, gostaria de agradecer a Deus e a Nossa Senhora, por me amparar em
todos os momentos da minha vida. Agradeço a minha família, minha base, meu porto seguro!
Meu pai, por me apoiar tanto e por tanto orgulho que demostra ter de mim. Minha mãe, pelo
exemplo de dedicação à família, de humanidade e de solidariedade. Meu irmão Gabriel, por
ser tão batalhador e me inspirar para realizar meus sonhos. Meu irmão Danilo, que é meu
caçula, que eu cuidei durante muito tempo, e por isso, sempre será protegido por mim.
Agradeço aos meus avós pelo carinho e pelo exemplo de vida, que, mesmo faltando
saúde, não falta amor no coração. Agradeço aos meus primos por serem como irmãos, que
desde criança compartilham a vida comigo. Aos meus amigos, agradeço por tantos momentos
felizes. À minha amiga Anelize, agradeço por me incentivar tanto e por estar ao lado em
várias circunstâncias. Aos meus amigos Tamiris e Rafael, agradeço por compartilharem a
trajetória do doutorado, por serem a quem eu recorri tantas vezes quando passei por
momentos difíceis e por tantos momentos alegres (especialmente as viagens). Agradeço às
minhas amigas Soraia, Amanda, Keliny, Natália, Patrícia, Gil por estarem comigo há tanto
tempo, sempre me apoiando. Às amigas de Natal, Eva e Kaline, obrigada por me acolherem
com tanta dedicação, e à Alessa, obrigada por tantos passeios na praia e pelas longas
conversas que sempre confortavam o meu coração.
Aos meus amigos do doutorado, agradeço por terem contribuído para o meu
crescimento profissional e pessoal, aprendi muito com vocês durante as disciplinas do
doutorado. Aos meus amigos e colegas de trabalho da Faculdade Dinâmica, obrigada por
fazerem o trabalho ser tão especial, principalmente aos professores do curso de
Administração. Todos os meus amigos e familiares que não citei nomes, mas que tanto
fizeram por mim, minha gratidão!
Agradeço ao meu orientador, professor Washington, por aplicar os princípios da
Gestão Social não só nas experiências acadêmicas, mas na humanidade na qual trata o seus
alunos e orientandos. Aos demais professores do PPGA/UFRN agradeço por todos os
ensinamentos recebidos. Ao professor Marco Aurélio, agradeço pela orientação durante o
mestrado, por ter me incentivado a fazer o doutorado e por todo o apoio me concedeu tanto no
mestrado quanto no doutorado. Agradeço aos professores Pâmela e Emanoel pelas
contribuições à minha tese e aos professores Anatália, Mauro Lemuel e Eugenio pela
gentileza ao aceitar o convite para participar da banca de defesa.
Enfim, os agradecimentos são muitos, pois ser Doutora é mais do que um objetivo
profissional, é a realização de um sonho, e os sonhos são alcançados com o apoio de muitas
pessoas. Todos que de alguma forma contribuíram para que esse momento chegasse: MUITO
OBRIGADA! Que venham novos desafios e novos sonhos e que eu sempre possa florescer
onde Deus me plantar!
RESUMO

A tese objetiva analisar a implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar


(PNAE) por associações e cooperativas da agricultura familiar nos territórios rurais do Mato
Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG, pontuando elementos teóricos, epistemológicos e
empíricos. A pesquisa está organizada no formato de quatro artigos. O primeiro artigo
destina-se a designar categorias analíticas da pesquisa no PNAE em sua interlocução com a
agricultura familiar como forma de identificar tendências de pesquisas e constatar implicações
teóricas e práticas. O segundo artigo objetiva conciliar categorias analíticas da inserção da
agricultura familiar no PNAE a partir de interfaces entre a publicação científica e a pesquisa
em nível de pós-graduação stricto sensu no Brasil no domínio da Ciência Administrativa,
realizando exercício de classificação de tais pesquisas no Círculo das Matrizes Epistêmicas
(PAES DE PAULA, 2016). O terceiro artigo sintetiza dimensões de desenvolvimento
territorial, institucionais e de capital social na implementação do PNAE por associações e
cooperativas da agricultura familiar nos territórios rurais da Serra do Brigadeiro/MG e do
Mato Grande/RN. O quarto artigo analisa implicações do PNAE no plano local, no aparato
administrativo e na atuação de dirigentes de organizações da agricultura familiar dos
territórios supracitados, empregando o modelo de implementação de políticas públicas
(LIMA, D´ASCENZI; 2013) na interpretação dos resultados. Com relação aos procedimentos
metodológicos, de natureza qualitativa, os dois primeiros artigos seguem exercícios de revisão
da literatura, o terceiro e quarto artigos originam-se de estudo de caso múltiplos em 10
associações e cooperativas da agricultura familiar. A análise dos dados contou com o aparte
dos sofwtares Atlas.ti e Iramuteq. Os resultados do primeiro artigo revelam cinco categorias
analíticas para o estudo do PNAE – aspectos político-institucionais; trajetória histórica;
atributos da agricultura familiar; fatores de sucesso e barreiras; a partir destas categorias
foram identificadas tendências de pesquisas e constatadas implicações teóricas e práticas. A
classificação no Círculo das Matrizes Epistêmicas, no segundo artigo, situa três pesquisas na
fronteira da matriz empírico-analítica com a matriz hermenêutica, uma pesquisa na fronteira
da matriz hermenêutica com a matriz crítica e quatro na matriz hermenêutica, resultado que
admite conciliação com as cinco categorias analíticas derivadas do processamento da
publicação no artigo anterior, revelando que, mesmo transitando em matrizes epistemológicas
distintas, as pesquisas em PNAE e agricultura familiar, na pós-graduação stricto sensu na
Ciência Administrativa, possuem elementos comuns à publicação científica na área. Os
resultados do terceiro artigo sintetizam dimensões de desenvolvimento territorial - econômica,
social, cultural e ambiental - presentes nos territórios rurais pautados e o modo como o
formato institucional do PNAE contribui para o surgimento de normas específicas em
associações e cooperativas, revela a presença de capital social em relações de confiança e de
articulação das organizações com diferentes Texto
atores sociais. O quarto artigo constata que, o
PNAE no plano local, em um território, é atendido somente por cooperativas, com origens em
associações, o aparato administrativo foi alterado mais intensamente em um território que no
outro e a atuação de diretores na implementação evidencia participação na criação e/ou
transformação das organizações. Para pesquisas futuras, sugere-se a ampliação da base de
dados para identificação de tendências da pesquisa em outros domínios da Ciência e a
ampliação do campo de estudo contemplando atores sociais de outros territórios/estados de
Federação, de modo a aprofundar transformações na agricultura familiar imputadas ao PNAE,
inclusive na geração de fatores por métodos quantitativos.

Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Agricultura familiar.


Associativismo. Cooperativismo. Territórios rurais.
ABSTRACT

Abstract: The thesis aims to analyze the implementation of the Brazilian School Feeding
Program (PNAE) by associations and cooperatives of family farming in the Brazilian rural
territories, punctuating theoretical, epistemological and empirical elements. The research is
organized in the format of four articles. The first article is intended to designate analytical
categories of research in the PNAE in its dialogue with family farming as a way of identifying
research trends and verifying theoretical and practical implications. The second article aims to
reconcile analytical categories of the insertion of family farming in the PNAE based on
interfaces between scientific publication and research at the stricto sensu graduate level in
Brazil in the field of Administrative Science, performing an exercise to classify such research
in the Circle of the Epistemic Matrices (PAES DE PAULA, 2016). The third article
summarizes dimensions of territorial development, institutional and social capital in the
implementation of PNAE by associations and cooperatives of family farming in the rural
territories of Serra do Brigadeiro/MG and Mato Grande/RN. The fourth article analyzes the
implications of PNAE at the local level, in the administrative apparatus and in the
performance of leaders of family farming organizations in the aforementioned territories,
using the public policy implementation model (LIMA, D´ASCENZI; 2013) in the
interpretation of the results. Regarding the qualitative methodological procedures, the first
two articles follow literature review exercises, the third and fourth articles originate from
multiple case studies in 10 associations and family farming cooperatives. Data analysis
included the Atlas.ti and Iramuteq software. The results of the first article reveal five
analytical categories for the study of the PNAE - political and institutional aspects; historical
trajectory; family farming attributes; success factors and barriers; from these categories
research trends were identified and theoretical and practical implications were found. The
classification in the Circle of Epistemic Matrices, in the second article, places three studies on
the border of the empirical-analytical matrix with the hermeneutical matrix, one research on
the border of the hermeneutical matrix with the critical matrix and four in the hermeneutical
matrix, a result that admits conciliation with the five analytical categories derived from the
processing of the publication in the previous article, revealing that, even though transiting in
different epistemological matrices, researches in PNAE and family agriculture, in the stricto
sensu postgraduate course in Administrative Science, have common elements to scientific
publication in the area. The results of the third article summarize dimensions of territorial
development - economic, social, cultural and environmental - present in the rural territories
and the way in which the institutional format of the PNAE contributes to the emergence of
specific norms in associations and cooperatives, reveals the presence of social capital in
relations of trust as well as in articulation of organizations with different social actors. The
fourth article finds that the PNAE at the local level, in one territory, is served only by
cooperatives, with origins in associations, the administrative apparatus has changed more
intensely in one territory than in the other, and the role of directors in the implementation
shows participation in the creation and / or transformation of organizations. For future
research, it is suggested to expand the database to identify research trends in other fields of
science and to enlarge the field of study to include social actors from other territories / states
of the Federation, in order to deepen transformations in family farming imputed to the PNAE,
including the generation of factors by quantitative methods.

Keywords: Brazilian School Feeding Program (PNAE). Family farming. Associativism.


Cooperativism. Rural territories.
LISTA DE QUADROS

O LÓCUS E O FÓCUS
Quadro 1 - Associações e cooperativas da agricultura familiar selecionadas para o
10
estudo

ARTIGO I
Quadro 1 - Distribuição da publicação por autoria-ano, título, revista e qualis 20
Quadro 2 - Síntese da categoria Trajetória e marco legal 25
Quadro 3 - Síntese da categoria Aspectos político-institucionais 30
Quadro 4 - Síntese da categoria Atributos da agricultura familiar 32
Quadro 5 - Síntese da categoria Fatores de sucesso 35
Quadro 6 - Síntese da categoria Barreiras 37

ARTIGO II
Quadro 1 - Quatro paradigmas para a análise da teoria social (BURREL; MORGAN
47
1979)
Quadro 2 - Produção acadêmica stricto sensu do PNAE na Ciência Administrativa 53
Quadro 3 – Síntese dos critérios de enquadramento no Círculo de Matrizes
59
Epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016)
Quadro 4 - Síntese dos critérios de enquadramento nos Paradigmas Sociológicos e
61
Análise Organizacional (BURREL, MORGAN; 1979)
Quadro 5 – Atores sociais atuantes em aspectos políticos e institucionais na inserção
67
da agricultura familiar no PNAE
Quadro 6 – Fatores de sucesso e barreiras da participação da agricultura familiar na
70
execução do PNAE identificados nas pesquisas na Ciência Administrativa

ARTIGO III
Quadro 1 – Cronologia da estrutura administrativa reservada à pauta da agricultura
79
familiar e desenvolvimento rural e territorial no Brasil
Quadro 2 – Categorias analíticas e atributos selecionados 82
Quadro 2 - Dispositivos institucionais do PNAE e suas interfaces com a agricultura
90
familiar
Quadro 3 - Dispositivos institucionais do PNAE e suas interfaces com a agricultura
91
familiar identificados no estudo
Quadro 4 - Regras específicas das associações e cooperativas para a implementação
94
do PNAE

ARTIGO IV
Quadro 1 - Elementos de análise do modelo de implementação de políticas públicas
108
(LIMA; D’ASCENZI, 2013)
Quadro 2 - Características das associações e cooperativas do Território do Mato
112
Grande/RN
Quadro 3 - Características das cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG 114
LISTA DE TABELAS

O LÓCUS E O FÓCUS
Tabela 1: Caracterização do Território Mato Grande/RN em termos de aquisições
da agricultura familiar (%), agricultores familiares (%) e organização formal 6
(DAP jurídica)

Tabela 2: Caracterização da Serra do Brigadeiro/MG em termos de aquisições da


agricultura familiar (%), agricultores familiares (%) e organização formal (DAP 7
jurídica)
LISTA DE FIGURAS

O LÓCUS E O FÓCUS
Figura 1 - Critérios de seleção das associações e cooperativas da agricultura
09
familiar
Figura 2 – Lócus e fócus da tese: abordagens teórica, epistemológica e empírica 11

ARTIGO I
Figura 1 - Etapas da aplicação do PRISMA para a inclusão dos trabalhos 18
Figura 2 - Composição das categorias temáticas da pesquisa com base no
22
Atlas.ti
Figura 3 – Relação entre as categorias analíticas da interlocução do PNAE com
38
a agricultura familiar

ARTIGO II
Figura 1 - Círculo das matrizes epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016) 50
Figura 2 - Etapas da aplicação do PRISMA para a inclusão das pesquisas stricto
52
sensu
Figura 3 - Classificação das pesquisas stricto sensu no Círculo das Matrizes
54
Epistêmicas

ARTIGO III
Figura 1 – Dimensões do desenvolvimento territorial (MDA, 2005) 78
Figura 2 - Três grandes correntes do neoinstitucionalismo (THÉRET, 2003) 81
Figura 3 – Classes geradas pelo software IRAMUTEQ 84
Figura 4 - Dimensões do desenvolvimento territorial e as palavras geradas pelo
85
IRAMUTEQ

ARTIGO IV
Figura 1 – Principais resultados encontrados pela aplicação do modelo de
125
implementação de políticas públicas de Lima e D’ascenzi (2013)
LISTA DE SIGLAS

Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES)


Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)
Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA)
Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE)
Classificação Hierárquica Descendente (CHD)
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
Computer Assisted Qualitative Data Analysis (CAQDAS)
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Conselho de Alimentação Escolar (CAE)
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)
Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária
(CECAFES)
Cooperativa da Agricultura Familiar de Divino e Orizânia/MG (COOPERDOM)
Cooperativa de Agricultores Familiares e Pescadores Artesanais da Ecosol da Região do Mato
Grande (COOAFES)
Cooperativa dos Agricultores Familiares e Economia Solidária de Fervedouro (COOPAF
Fervedouro)
Cooperativa dos Agricultores (as) Familiares e Economia Solidária de Araponga/MG
(COOAFA)
Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar Solidária (COOPAF Muriaé)
Cooperativa Mista da Agricultura Familiar e Economia Solidária de Bebida Velha
(COOPABEV)
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP)
Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER)
Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG)
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF)
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança e Alimentar (FBSSAN)
Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional (FPSAN)
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
Instituto de Debates Econômicos (IDE)
Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN)
Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires
(IRAMUETQ)
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO)
Organização de Aprendizagem e Saberes em Iniciativas Solidárias (OASIS)
Organização Não Governamental (ONG)
Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e
Reforma Agrária (PNATER)
Principais Itens para Relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises (PRISMA)
Programa de Apoio à Pós-Graduação e à Pesquisa Científica e Tecnológica em
Desenvolvimento Socioeconômico no Brasil (PGPSE)
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)
Programa de Pós-graduação em Administração Pública em Rede Nacional (PROFIAP)
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na
Reforma Agrária (PRONATER)
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)
Programa Territórios da Cidadania (PTC)
Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT)
Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD)
Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR)
Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR)
Sistema das Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (CRESOL)
Sistema de Inspeção Municipal (SIM)
Subsecretaria de Desenvolvimento Rural (SDR)
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL ........................................................................................................... 1


O LÓCUS E O FÓCUS .............................................................................................................. 4
ARTIGO I ................................................................................................................................. 15
Dez anos de inserção da agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE): elaborando categorias analíticas por meio da publicação científica (2009-2019)..... 15
1. Introdução ............................................................................................................................. 16
2. Procedimentos metodológicos .............................................................................................. 17
3. Definindo categorias analíticas da interação entre PNAE e agricultura familiar ................. 19
3. 1. A categoria trajetória e marco legal .................................................................................. 22
3.2. A categoria aspectos político-institucionais ...................................................................... 25
3.3. A categoria atributos da agricultura familiar ..................................................................... 30
3.4. A categoria fatores de sucesso ........................................................................................... 33
3.5. A categoria barreiras .......................................................................................................... 36
4. Implicações teóricas e práticas ............................................................................................. 37
5. Considerações finais ............................................................................................................. 39
Referências ............................................................................................................................... 40
ARTIGO II ............................................................................................................................... 44
Agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): revelando a
natureza epistemológica da pesquisa stricto sensu e conciliando categorias analíticas com a
publicação científica na Ciência Administrativa ...................................................................... 44
1. Introdução ............................................................................................................................. 45
2. Proposta teórica para a análise da teoria social: o Círculo das Matrizes Epistêmicas.......... 47
3. Procedimentos metodológicos .............................................................................................. 50
4. A pesquisa em nível de pós-graduação stricto sensu à luz do Círculo das Matrizes
Epistêmicas ............................................................................................................................... 52
5. Conciliando categorias: aproximações entre a publicação científica e a pesquisa em nível de
pós-graduação stricto sensu ...................................................................................................... 64
6. Considerações finais ............................................................................................................. 71
Referências ............................................................................................................................... 72
ARTIGO III .............................................................................................................................. 75
1. Introdução ............................................................................................................................. 76
2. Desenvolvimento territorial, instituições e capital social: definindo atributos de análise.... 77
3. Procedimentos metodológicos .............................................................................................. 82
4. Análise dos resultados .......................................................................................................... 84
4.1. Categoria 1: Desenvolvimento territorial .......................................................................... 85
4.2. Categoria 2: Instituições e capital social ........................................................................... 89
5. Considerações finais ............................................................................................................. 98
Referências ............................................................................................................................. 100
ARTIGO IV ............................................................................................................................ 103
1. Introdução ........................................................................................................................... 104
2. Proposta teórica para a análise da implementação de políticas públicas: o modelo de Lima e
D’ascenzi (2013)..................................................................................................................... 105
3. Procedimentos metodológicos ............................................................................................ 109
4. Análise dos resultados ........................................................................................................ 110
4.1. Categoria 1: O plano: caraterização das associações e cooperativas............................... 110
4.2. Categoria 2: Organização do aparato administrativo ...................................................... 115
4.3. Categoria 3: Atuação dos diretores .................................................................................. 120
5. Considerações finais ........................................................................................................... 126
Referências ............................................................................................................................. 128
CONCLUSÃO GERAL ......................................................................................................... 130
APÊNDICE I .......................................................................................................................... 134
Roteiro das entrevistas realizadas com os diretores das associações e cooperativas ............. 134
INTRODUÇÃO GERAL

O caminho percorrido para a inclusão da agricultura familiar na agenda das políticas


públicas brasileiras é moldado por um cenário de mudança de paradigmas, de um modelo
voltado para o desenvolvimento agrícola para um modelo de desenvolvimento rural,
especialmente com o foco territorial. As primeiras reflexões voltadas para o desenvolvimento
do meio rural brasileiro surgiram das décadas de 1960 e 1970, organizando-se em torno da
reforma agrária e da adoção de pacotes tecnológicos para a modernização agrícola
(DELGADO, 2001).
Em meados dos anos 1980, a noção de desenvolvimento rural surgiu como alternativa
teórica para orientar a intervenção por meio das políticas públicas, buscando enfrentar os
limites atribuídos ao estímulo à modernização agrícola (FREITAS; FREITAS; DIAS, 2012).
O modelo de desenvolvimento rural dá espaço também para a abordagem territorial do
desenvolvimento, visto que o território emerge como nova unidade de referência para a
atuação do Estado e a regulação de políticas públicas (SCHNEIDER, 2004).
Esta pesquisa foca na análise do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
como política pública que privilegia a dimensão territorial do desenvolvimento, pois,
conforme destacam Colnago e Hespanhol (2019), as transformações do programa nas décadas
de 1990 e 2000 (gestão transferida do governo federal para os municípios e aquisição de
alimentos da agricultura familiar, respectivamente), priorizaram a descentralização e a adoção
da abordagem do desenvolvimento territorial no âmbito do programa.
A origem do PNAE, como política pública, reside no Decreto nº 37.106, de 31 de
março de 1955, que institucionalizou a Campanha da Merenda Escolar (BRASIL, Decreto nº
37.106/1955). Esta Campanha teve o propósito de garantir o direito à alimentação para os
alunos matriculados na rede de ensino em todo o território nacional, o que acarretou na
criação de um mercado de compras de gêneros alimentícios. Merece destaque o fato de que a
referida Campanha considerou empreendimentos públicos ou particulares (Art. 2º) e não
restringiu nível da educação escolar a ser beneficiária.
A trajetória do PNAE desde 1955 encontra-se devidamente registrada e, desse modo,
torna-se desnecessária sua retomada para os propósitos deste texto. No portal do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) há informações a esse respeito (FNDE,
2019b) de modo que, aqui, importa traçar o viés que assumiu o PNAE a partir da
promulgação da Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009. A referida Lei oficializou a
obrigatoriedade de que, do total de recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do
1
PNAE, no mínimo 30% devem ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios
diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural, ou, de suas
organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades
tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas (BRASIL, Lei nº 11.947/2009, Art. 14º).
Peixinho (2013) destaca que, a partir de 2009, com a aquisição de alimentos da
agricultura familiar, obedecendo aos anseios norteadores das políticas públicas e dos
movimentos sociais de caráter universal, o PNAE passou a incorporar, em suas estratégias
técnico-operacionais de execução, junto aos estados e municípios, os seguintes princípios para
a gestão e a execução da alimentação escolar: equidade, participação social, universalidade,
sustentabilidade/continuidade, compartilhamento de responsabilidades, direito humano à
alimentação adequada e respeito aos hábitos e tradições regionais.
A inserção da agricultura familiar no PNAE gerou pesquisas, a partir da Lei nº
11.947/2009, não apenas pelo viés da obrigatoriedade de compra, mas, também, pelo caráter
intersetorial (HAWKES et al., 2016), pelo estímulo a circuitos curtos de comercialização e
pela movimentação local dos recursos públicos recebidos (BACCARIN et al., 2017), pelo
incentivo à sustentabilidade (GONÇALVES et al., 2015), como alternativa de
comercialização (OLIVEIRA; BATALHA; PETTAN, 2017), pela utilização da chamada
pública em substituição ao processo licitatório (CORREIA, 2019) e pela indução à criação e
ao desenvolvimento de organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar
(FRANZONI; SILVA, 2016).
Considerando que esta pesquisa se volta para interfaces do PNAE com a agricultura
familiar, uma vez que tal escolha abarca, por um lado, uma política pública e, por outro, um
setor produtivo, ambos objetos de interesse da Ciência Administrativa, a tese se orienta pelos
seguintes questionamentos: como se agrupam e se articulam categorias analíticas derivadas da
publicação científica e da pesquisa na pós-graduação stricto sensu, no domínio da Ciência
Administrativa, referente à inserção da agricultura familiar no PNAE? Como evidências
empíricas da participação da agricultura familiar no PNAE se manifestam na implementação
da política pública por associações e cooperativas em territórios rurais?
No intuito de responder aos questionamentos propostos, a tese objetiva analisar a
implementação do PNAE por associações e cooperativas da agricultura familiar nos territórios
rurais do Mato Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG, pontuando elementos teóricos,
epistemológicos e empíricos. Especificamente pretende-se:

2
i) Designar categorias analíticas que emergem por meio de uma revisão sistemática a
respeito da interlocução do PNAE com a agricultura familiar como forma de identificar
tendências de pesquisas e constatar implicações teóricas e práticas.
ii) Conciliar categorias analíticas da inserção da agricultura familiar no PNAE a partir de
interfaces entre a publicação científica e a pesquisa stricto sensu no Brasil no domínio da
Ciência Administrativa.
iii) Sintetizar dimensões de desenvolvimento territorial, institucionais e de capital social na
implementação do PNAE por associações e cooperativas da agricultura familiar em dois
territórios rurais brasileiros em perspectiva comparativa.
iv) Analisar implicações da implementação do PNAE no plano local, no aparato
administrativo de associações e cooperativas da agricultura familiar e na atuação de
dirigentes destas organizações.
A tese defendida é que evidências empíricas da participação da agricultura familiar
influenciam na implementação do PNAE por associações e cooperativas nos territórios rurais
do Mato Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG. Como aborda Freitas (2017), a
implementação da política pública é um momento permeado por um complexo emaranhado
de atores tomadores de decisão, inseridos em diferentes contextos sociopolíticos, e, assim
sendo, a regulamentação e a estratégia podem sofrer uma série de transformações ao longo da
execução, gerando variadas dinâmicas em diferentes municípios.
Para Lotta e Favareto (2016), um dos principais quesitos para a incorporação da
dimensão territorial na gestão e implementação das políticas públicas brasileiras é o
reconhecimento de que as políticas nacionais dão origem a indicadores muito diferenciados
nos vários municípios em que são implementadas, o que sugere a importância de fatores
locais a condicionar o êxito dos investimentos feitos. O trabalho aborda a implementação do
PNAE como mercado institucional para a agricultura familiar, entendida como etapa que
exige compromisso dos implementadores da política pública, como, por exemplo, dos
representantes legítimos das organizações da agricultura familiar fornecedoras de alimentos.
Estes representantes, que no caso desta pesquisa correspondem aos diretores de associações e
cooperativas sediadas em territórios rurais, são aqui reconhecidos como agentes
intermediadores entre a agricultura familiar e o mercado de compras públicas, e, nessa
condição, têm atuação moldada pelo contexto local da implementação.

3
O LÓCUS E O FÓCUS

A contextualização empírica mostra o lócus da pesquisa, ou seja, “os fenômenos


empíricos que constituem o objeto da pesquisa e delimita o território a ser explorado
(KEINERT; LAPORTA, 1994 p. 6).” O PNAE já foi estudado em diferentes regiões
brasileiras, considerando os desdobramentos do programa em âmbito municipal. Este estudo
se assemelha à pesquisa de Bezerra et al. (2013) e Fornazier (2014), quando consideraram,
como unidades de análise, territórios rurais de diferentes estados brasileiros – Minas Gerais e
Espírito Santo e São Paulo e Espírito Santo, respectivamente. O exercício aqui procedido
envolve territórios, também, de dois estados (Rio Grande do Norte e Minas Gerais), diferindo,
daquelas duas, por contemplar territórios de estados de regiões distintas (Nordeste e Sudeste).
Logo, o lócus da pesquisa são as associações e cooperativas da agricultura familiar
localizadas nos territórios rurais do Mato Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG. A escolha
destes territórios se dá pela necessidade de realização de estudos comparativos no âmbito do
projeto “Controle Social de Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial: Estudos
Integrados e Comparativos de Indicadores de Inclusão Social e Produtiva e de Superação da
Pobreza em Territórios Brasileiros”, financiado pela CAPES por meio do Programa de Apoio
à Pós-Graduação e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Desenvolvimento Socioeconômico
no Brasil (PGPSE). Este projeto tem como objetivo descrever, em perspectiva comparativa,
indicadores de inclusão social e produtiva e de superação da pobreza em territórios brasileiros
pertencentes a territórios rurais dos estados de Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Ceará.
Nos territórios rurais do Mato Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG há pesquisa
relacionada ao PNAE, no primeiro território (MOURA, 2014), e, no segundo, à Política de
Desenvolvimento Territorial Rural (FREITAS, 2015). Não há, portanto, análise comparativa
entre os dois territórios, como realizada no presente estudo. Um aspecto inovador desta
pesquisa reside na investigação em perspectiva comparada, a partir de municípios de regiões
distintas e territórios diversos do Brasil, fato que merece destaque considerando que estudos
em políticas públicas, em geral, focam em desempenhos isolados.
Analisar as características dos territórios rurais estudados faz-se relevante da
compreensão do contexto local do qual as associações e cooperativas fazem parte. As Tabelas
1 e 2 mostram como estes territórios se caracterizam no período de 2011 a 2017, em termos
de percentual de aquisição da agricultura familiar em relação aos recursos do PNAE,
percentual de agricultores familiares em relação à população rural, assim como também do

4
número de organizações associativas como Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) jurídica 1,
considerado um indicativo da organização formal da agricultura familiar.
O Território do Mato Grande/RN é composto por 15 municípios: Bento Fernandes,
Caiçara do Norte, Ceará-Mirim, Jandaíra, João Câmara, Maxaranguape, Parazinho, Pedra
Grande, Poço Branco, Pureza, Rio do Fogo, São Bento do Norte, São Miguel do Gostoso,
Taipu e Touros. É possível observar, na Tabela 1, que São Bento do Norte e Pedra Grande são
os municípios que não compraram da agricultura familiar em nenhum período analisado, e,
Caiçara do Norte, apenas no ano de 2015. Maxaranguape, Pureza, Parazinho, Ceará-Mirim e
Poço Branco são os municípios com maior percentagem de aquisições. Parazinho assumiu no
ano de 2013 a maior percentagem de compra de alimentos da agricultura familiar (64,9%).
Ceará-Mirim se destaca no número de DAPs jurídicas, no entanto, o município
apresentou um percentual baixo de agricultores familiares (2,95%). Isto pode ser um
indicativo de que, embora em número menor quando comparado à população rural, a
agricultura familiar tem maior capacidade de organização formal neste município em relação
aos demais municípios do território. Caiçara do Norte se destaca pelo elevado percentual de
agricultores familiares e é o município que possui a menor população rural do território,
apenas 122 habitantes, sendo que destes 83 são agricultores familiares. Já Maxaranguape
apresentou o menor percentual de agricultores familiares (0,34%), o que pode justificar a
ausência de organização formal da agricultura familiar no município. De maneira geral, o
percentual de agricultores familiares nos municípios variou de 8 a 15%.
A análise dos dados revela também que, no Território do Mato Grande/RN, houve
aumento do número de municípios que passaram a comprar gêneros alimentícios da
agricultura familiar, embora não necessariamente mais do que 30%, pois, em 2011, seis
municípios e, em 2012, sete, realizaram aquisições deste segmento pelo PNAE. A partir de
2013 esse número passou para 11 municípios, caindo para sete em 2016. Tais valores
mostram como os municípios diferem entre si no atendimento à Lei nº 11.947/2009, inclusive
empregando mais do que 30% do total de recursos financeiros repassados pelo FNDE no
âmbito do PNAE, em alguns casos, mas, em outros, não houve aquisições em alguns anos,
assim como compra inferior a 30%.

1
A Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) é o instrumento utilizado para identificar e qualificar as Unidades
Familiares de Produção Agrária (UFPA) e suas formas associativas organizadas em pessoas jurídicas. A UFPA é
o conjunto de indivíduos composto por família que explore uma combinação de fatores de produção, com a
finalidade de atender a própria subsistência e a demanda da sociedade por alimentos e por outros bens e serviços.
A DAP Jurídica é utilizada para identificar e qualificar as Formas Associativas da Agricultura Familiar
organizadas em pessoas jurídicas (BRASIL, Portaria nº 523, de 24 de agosto de 2018).
5
Tabela 1 - Caracterização do Território Mato Grande/RN em termos de aquisições da
agricultura familiar (%), agricultores familiares (%) e organização formal (DAP jurídica)

Percentual de aquisição da agricultura familiar (%) Agricultores DAP


Municípios
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 familiares (%) Jurídica
Bento Fernandes 0 0 0 0 0 0 0 15,87 0
Caiçara do Norte 0 0 0 0 16,42 0 23,64 68,03 1
Ceará-Mirim 0 0 28,5 49,11 19,36 22,13 30,11 2,95 9
Jandaíra 6,2 13,88 0 11,51 0 37,44 15,31 9,08 0
João Câmara 0 6,2 6,02 0 7,85 0 0 10,20 1
Maxaranguape 38,33 20,08 1,62 12,86 25,88 28,46 0 0,34 0
Parazinho 31,7 35,5 64,9 0 22,05 0 43,56 3,81 0
Pedra Grande 0 0 0 0 0 0 0 6,65 1
Poço Branco 9,36 14,11 0 0 32,84 33,37 17,87 3,66 0
Pureza 29,99 37,65 20,05 31,89 21,2 0 18,90 9,20 2
Rio do Fogo 30,28 27,98 12,7 0 11,7 0 27,43 2,17 2
São Bento do
0 0 14,78 29,26 0 4,38 9,24 21,28 0
Norte
São Miguel do
0 0 5,42 25,32 24,56 18,38 30,57 12,64 0
Gostoso
Taipu 0 0 5,46 13,62 25,72 13,56 14,99 4,70 0
Touros 0 0 0,38 32,01 12,28 0 27,43 8,74 3
Fonte: Elaborada com base nos dados do FNDE (2019a), do IBGE (2006; 2010) e da SEAD (2019).

O Território da Serra do Brigadeiro/MG é composto por nove municípios: Araponga,


Divino, Ervália, Fervedouro, Miradouro, Muriaé, Pedra Bonita, Rosário da Limeira e Sericita.
A Tabela 2 mostra que o município de Araponga realizou aquisições de gêneros alimentícios
da agricultura familiar apenas no ano de 2016, mas com um valor superior a 30%. Os
municípios de Muriaé e Rosário de Limeira se destacam pelo elevado volume de aquisições
em todos os anos da análise, e, os municípios de Divino e Miradouro, que acompanharam tal
desempenho na maioria dos anos.
A análise dos dados revela, ainda, que, neste território, houve aumento do número de
municípios que passaram a comprar alimentos da agricultura familiar, embora não
necessariamente mais do que 30%, pois, em 2011, 2012 e 2013 quatro municípios não
realizaram aquisições deste segmento no âmbito dos repasses do PNAE, enquanto que, a
partir de 2014, esse número caiu para um. O percentual de aquisições e o número de
municípios que as realizaram aumentaram durante o período analisado, e, em 2016, todos os
municípios do território atenderam à Lei nº. 11947/2009, exceto Sericita, mas com um
percentual próximo de 30%.
Sericita é o município com menor percentual de agricultores familiares (2,99%), mas
também o que possui a menor população rural (102 habitantes). Araponga apresenta o maior
percentual de agricultores familiares (25,50%), assim como também o maior número de

6
organizações formais, junto com o município de Divino. Isto mostra a presença marcante da
agricultura familiar em Araponga. De maneira geral, o percentual de agricultores familiares
nos municípios variou de 14 a 19%.

Tabela 2 - Caracterização da Serra do Brigadeiro/MG em termos de aquisições da agricultura


familiar (%), agricultores familiares (%) e organização formal (DAP jurídica)

Percentual de aquisição da agricultura familiar (%) Agricultores DAP


Municípios
2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 familiares (%) Jurídica
Araponga 0 0 0 0 0 56,98 37,94 25,50 2
Divino 0 0 36,84 73,43 53,11 44,95 43,20 14,83 2
Ervália 0 0 0 30,61 32,10 52,30 33,24 19,15 0
Fervedouro 13,36 19,10 14,66 15,79 35,11 43,38 27,19 17,42 1
Miradouro 28,84 17,26 0 41,34 46,89 44,95 44,11 17,14 0
Muriaé 49,15 52,89 42 46,93 47,90 44,67 48,02 14,40 1
Pedra Bonita 18,70 27,60 23,95 23,31 29,72 36,28 38,57 18,29 0
Rosário da
53,71 62,26 0 33,29 85,44 80,33 65,91 16,43
Limeira 0
Sericita 0 0 30,70 29,50 33,59 26,94 31,53 2,99 0
Fonte: Elaborada com base nos dados do FNDE (2019a), do IBGE (2006; 2010) e da SEAD (2019).

A análise comparativa dos territórios revela que, tanto no Mato Grande/RN quanto na
Serra do Brigadeiro/MG houve um aumento nas aquisições de gêneros alimentícios da
agricultura familiar, embora não necessariamente mais do que 30%. Assim como nesta
pesquisa, no trabalho de Gonçalves e Baccarin (2018) constatou que nem todos os municípios
dos territórios estudados atingiram este percentual exigido por lei. Os autores verificaram o
atendimento da garantia de 30% dos recursos repassados para a agricultura familiar no escopo
do PNAE nos territórios Ribeira/SP e Pontal do Paranapanema/SP, durante o período de
2013-2015 e averiguaram que, o índice mínimo dos 30% garantido pela Lei 11.947/2009
mostrou-se tímido.
A pesquisa de Golçalves e Baccarin (2018) apurou que, dos 25 municípios do
território do Ribeira/SP, 10 atingiram o porcentual de 30% de aquisições da agricultura
familiar em 2013, 11 em 2014 e 10 em 2015, e, dos 31 municípios do Pontal do
Paranapanema/SP, quatro atingiram o percentual em 2013 e nove em 2014 e 2015. Nos
territórios aqui estudados, dos nove municípios do Território da Serra do Brigadeiro/MG, dois
atingiram o percentual de 30% em 2011, 2012 e 2013, quatro em 2014, sete em 2015 e oito
em 2016 e 2017. Já no Território do Mato Grande/RN, este número é menor, pois em 2011,
2014 e 2017, três municípios atingiram este percentual, em 2012 e 2016 foram dois
municípios e em 2013 e 2015 apenas um município. Estes dados mostram que, apesar de ter

7
ocorrido um aumento nas aquisições de gêneros alimentícios da agricultura familiar nos dois
territórios, na Serra do Brigadeiro/MG o atendimento à Lei 11.947/2009 é mais efetivo.
Nos municípios do Território da Serra do Brigadeiro/MG existe maior percentual de
agricultores familiares em relação à população rural. Nos dois territórios foi possível verificar
a pouca organização formal da agricultura familiar, visto que dos 15 municípios do Mato
Grande/RN, apenas sete possuem organizações com DAP jurídica e, dos nove municípios do
Território da Serra do Brigadeiro/MG, apenas quatro. A caracterização dos territórios do Mato
Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG revela que estes possuem diferenças em termos do
atendimento da compra mínima de alimentos da agricultura familiar e do percentual de
agricultores familiares, mas em ambos os territórios há pouca organização formal dos
agricultores. Logo, esta pesquisa se configura como um importante elemento para
compreender os desdobramentos da implementação da política pública nestes territórios,
analisando-os comparativamente e identificando as particularidades destes no que se refere ao
papel desempenhado pelas associações e cooperativas da agricultura familiar.
A Figura 1 apresenta os critérios de seleção para as unidades de análise do estudo.
Primeiramente foi realizada uma busca no site da Secretaria Especial de Agricultura Familiar
e do Desenvolvimento Agrário (SEAD, 2019), como forma de mapear quais organizações se
encontravam com DAP jurídica ativa nos dois territórios rurais contemplados. Foram
mapeadas 19 associações e cooperativas no Território do Mato Grande/RN e seis no Território
da Serra do Brigadeiro/MG. Posteriormente, foi realizada uma busca por chamadas públicas
do PNAE para verificar quais organizações, entre as mapeadas, estavam fornecendo gêneros
alimentícios para a alimentação escolar no ano de 2019, o que ocorreu no site:
http://smap14.mda.gov.br/extratodap/.

8
Figura 1 - Critérios de seleção das associações e cooperativas da agricultura familiar

Unidades de análise: associações e cooperativas da agricultura familiar

Critério de seleção 1: possuir DAP jurídica

Total de associações e cooperativas selecionadas:

Território do Mato Grande/RN: 19 Território da Serra do Brigadeiro/MG: 6

Critério de seleção 2: participação em chamadas públicas do PNAE no ano 2019

Território do Mato Grande/RN: 6 Território da Serra do Brigadeiro/MG:


(4 associações e 2 cooperativas) 4 cooperativas
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A pesquisa resultou em um total de 10 associações e cooperativas, das quais, seis no


Território do Mato Grande/RN e quatro no Território da Serra do Brigadeiro/MG, que são
apresentadas no Quadro 1. No momento de realização da pesquisa, a Cooperativa de
Agricultores Familiares e Pescadores Artesanais da Economia Solidária da Região do Mato
Grande (Cooafes) não executando em 2019, mas, como já havia atuado no PNAE em anos
anteriores e por se constituir a única organização com atuação territorial, foi inserida no
conjunto. Esta pesquisa possui o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE)
por meio do projeto número 14210519.8.0000.5292.

9
Quadro 1 - Associações e cooperativas da agricultura familiar selecionadas para o estudo
Municípios Associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN
Associação para o Desenvolvimento da Mulher de São José de Pedregulho (Associação de
Pedregulho)
Associação do Projeto de Assentamento e Reforma Agraria Riachão (Associação de
Ceará-Mirim
Riachão)
Associação dos Trabalhadores Rurais da Agrovila Nova Esperança Projeto de Assentamento
Rosário (Associação de Rosário)
Cooperativa de Agricultores Familiares e Pescadores Artesanais da Ecosol da Região do
João Câmara
Mato Grande (COOAFES)
Cooperativa Mista da Agricultura Familiar e Economia Solidária de Bebida Velha
Pureza
(COOPABEV)
Touros Associação de Mulheres Lutadoras de Lilás de Boqueirão (Associação de Boqueirão).
Municípios Associações e cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG
Cooperativa dos Agricultores (as) Familiares e Economia Solidária de Araponga/MG
Araponga
(COOAFA)
Divino Cooperativa da Agricultura Familiar de Divino e Orizânia – MG (COOPERDOM)
Cooperativa dos Agricultores Familiares e Economia Solidária de Fervedouro (COOPAF
Fervedouro
Fervedouro)
Muriaé Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar Solidária (COOPAF Muriaé)
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Considerando que o fócus representa “a perspectiva teórica que coloca à disposição


conceitos para selecionar e interpretar os fatos reais e as observações integrativas relevantes
para as principais questões (KEINERT; LAPORTA, 1994 p. 7)”, PNAE foi analisado em
quatro artigos à luz dos referenciais de desenvolvimento territorial, instituições, capital social
e implementação de políticas públicas. A Figura 2 apresenta as abordagens referentes aos
artigos correlacionadas com o fócus e o lócus da tese. Os artigos que compõem a tese são:
ARTIGO I: Dez anos de inserção da agricultura familiar no Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE): elaborando categorias analíticas por meio da publicação
científica (2009-2019).
ARTIGO II: Agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE): revelando a natureza epistemológica da pesquisa stricto sensu e conciliando
categorias analíticas com a publicação científica na Ciência Administrativa.
ARTIGO III: Interfaces entre desenvolvimento territorial, instituições e capital social na
implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em territórios
rurais.
ARTIGO IV: Implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) por
associações e cooperativas da agricultura familiar em territórios rurais.

10
Figura 2 – Lócus e fócus da tese: abordagens teórica, epistemológica e empírica

• Abordagem • Abordagem
teórica teórico-
epistemológica
fócus

Artigo I Artigo II

Artigo Artigo
III IV
fócus
• Abordagem • Abordagem
teórico- lócus teórico-
empírica empírica

Fonte: Elaboração própria.

As abordagens presentes nos artigos permitiram a realização de pontes teórico-


metodológicas entre conceitos, uma vez que, utilizou-se da abordagem do desenvolvimento
territorial relacionando-a com o capital social e com as instituições, visto que os processos de
desenvolvimento territorial são condicionados por elementos como o capital social e as
instituições presente nos territórios (DALLABRIDA, 2017). Ademais, esta pesquisa tem seu
enfoque na orientação sociológica do neoinstitucionalismo, na qual o capital social se insere
nesta orientação, diante por estar associado às características da organização social que
contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas
(PUTNAM, 2006).
O capital social também se relaciona com as políticas públicas, pois este pode ser
incentivado e criado pelo Estado por meio destas (EVANS, 1996). No que concerne ao
embasamento teórico da área de políticas públicas, foi analisado a fase da implementação, que
está conectada a políticas públicas específicas como respostas particulares a problemas
específicos na sociedade (HILL; HUPE, 2002). No âmbito da perspectiva da implementação
de políticas públicas, foi aplicado o modelo de Lima e D’ascenzi (2013), que considera que
este processo deve considerar fatores como as características do plano, a organização do
aparato administrativo responsável pela implementação e as ideias, os valores e as concepções
de mundo dos indivíduos.
11
Estabelecidos o lócus e o fócus, esta tese se classifica no enquadramento
epistemológico da matriz hermenêutica2 (PAES DE PAULA, 2016), pelo alinhamento com a
lógica interpretativa e o interesse prático, associado ao esforço interpretativo para a apreensão
da realidade da implementação do PNAE no referido lócus, assim como pelo alinhamento
metodológico qualitativo (revisão sistemática da literatura e estudo de casos múltiplos), o que
também é uma característica de pesquisas com abordagens epistêmicas hermenêuticas. O
interesse prático se evencia nas implicações práticas mencionadas ao longo dos artigos.

REFERÊNCIAS

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agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Diário
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2
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14
ARTIGO I

Dez anos de inserção da agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação


Escolar (PNAE): elaborando categorias analíticas por meio da publicação científica
(2009-2019)

Resumo: Este artigo tem como objetivo designar categorias analíticas que emergem por meio
de uma revisão sistemática a respeito da interlocução do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE) com a agricultura familiar como forma de identificar tendências de pesquisas
e constatar implicações teóricas e práticas. A partir do processamento dos conteúdos no
software Atlas.ti dos 32 artigos selecionados, foram formadas cinco categorias analíticas: i)
Trajetória e marco legal, ii) Aspectos político-institucionais; iii) Atributos da agricultura
familiar; iv) Fatores de sucesso e v) Barreiras. Os resultados revelam como as categorias em
estão relacionadas, uma vez que a trajetória e o marco legal influenciam na geração dos
aspectos políticos e institucionais, que trazem a institucionalização do PNAE como um
mercado para a agricultura familiar no ano de 2009, ocorrendo dentro da trajetória histórica
do programa. A interface do PNAE com a agricultura familiar leva a uma nova configuração
desta para acessar a política pública, como por exemplo, a organização em cooperativas e
associações, o que envolve fatores de sucesso e barreiras, que podem contribuir para a
retroalimentação da trajetória histórica e dos aspectos políticos e institucionais. Como
sugestão para estudos futuros fica posta a ampliação da base de dados para identificação de
tendências da pesquisa acerca do PNAE na agricultura familiar em outros domínios da
Ciência, a sistematização de resultados de pesquisas em nível de pós-graduação stricto sensu
no Brasil e, em nível internacional, em viés comparativo.

Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Agricultura familiar.


Revisão sistemática da literatura. Categorias analíticas. Atlas.ti.

15
1. INTRODUÇÃO
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi institucionalizado como
uma política pública para agricultores familiares com a promulgação da Lei nº 11.497, de 16
de junho de 2009, pela possibilidade de comercialização de produtos para a alimentação de
estudantes de escolas públicas municipais, estaduais e federais. A Lei passou a exigir que, do
total de recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), no âmbito do PNAE, no mínimo 30% devem ser utilizados na aquisição
de gêneros alimentícios originários da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural
ou de suas organizações, com prioridade para assentamentos da reforma agrária, comunidades
tradicionais indígenas e comunidades quilombolas (BRASIL, Lei nº 11.947/2009, art. 14º).
Estudos relatam desdobramentos positivos da Lei nº 11.947/2009 na relação do PNAE
com a agricultura familiar a partir da institucionalização de canais curtos de comercialização
em venda direta (CONSTANTY; ZONIN, 2016), como indutor da organização formal de
agricultores familiares (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015) e como instrumento que
proporciona alimentos de qualidade a públicos vulneráveis (TRICHES; BARBOSA;
SILVESTRI, 2016) levando o Estado a considerar a alimentação para além do escopo da fome
(MOURA, 2014). A Lei estimula também a promoção de alimentação adequada e saudável
(MONEGO et al., 2013), a cultura e tradições alimentares locais (SCHWARTZMAN et al.,
2017) e incentiva o consumo de alimentos orgânicos (SARAIVA et al., 2013).
Do ponto de vista da Administração Pública, os estudos destacam como o instrumento
das chamadas públicas, em substituição ao de licitações, facilitou o acesso dos agricultores
familiares a compras governamentais (SCHWARTZMAN et al., 2017) suscitando o exercício
de cidadania (WAGNER; GEHLEN; SCHULT, 2016). Por se tratar de ação multisetorial, o
PNAE tornou-se objeto de estudo sob diferentes perspectivas em diferentes áreas do
conhecimento. Ilustram essa pluralidade o papel dos conselhos de alimentação escolar para o
controle social do programa (GABRIEL et al., 2013) em saúde pública, a atuação de
nutricionistas na elaboração dos cardápios da alimentação escolar (SOUZA et al., 2017) e de
cozinheiros escolares para a introdução de alimentos orgânicos na alimentação escolar
(GONZÁLEZ-CHICA et al., 2013) em nutrição.
Este artigo tem como objetivo designar categorias analíticas que emergem por meio de
uma revisão sistemática a respeito da interlocução do PNAE com a agricultura familiar como
forma de identificar tendências de pesquisas e constatar implicações teóricas e práticas.
Tomando como base a produção intelectual disponível no Portal de Periódicos da

16
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a seguinte questão
direciona a revisão em pauta: como resultados de pesquisas no PNAE, na sua interlocução
com a agricultura familiar, se agrupam em categorias analíticas? Para responder tal questão, é
tomado como referência o conjunto da publicação em periódicos disponibilizado pela CAPES
e qualificado na área de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo
- em conformidade com a classificação da CAPES.
Além desta introdução, o texto resgata os procedimentos metodológicos, que
sintetizam critérios de busca, seleção e classificação das pesquisas científicas. O tópico
seguinte apresenta a classificação da publicação em categorias analíticas, para,
posteriormente, apresentar contribuições teóricas e práticas. Por fim, as considerações finais
sumarizam os principais achados do exercício efetivado, apontando sugestões para pesquisas
futuras.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A construção desta revisão sistemática deu-se com o aparato do protocolo Principais
Itens para Relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises (PRISMA), que consiste em um
checklist com 27 itens e um fluxograma de quatro etapas que abordam a descrição dos itens
que devem ser incluídos em uma revisão sistemática, sendo estas etapas: identificação,
seleção, elegibilidade e inclusão (MOHER et al., 2015). A aplicação das etapas sugeridas pelo
PRISMA é detalhada na Figura 1.
Considerando o teor e propósito da presente pesquisa e seguindo o PRISMA, no
procedimento de busca realizado no referido Portal foram empregados os descritores
“alimentação escolar” e “school feeding program”, no campo “título”, com período de
publicação a partir de junho de 2009, quando o PNAE se tornou mercado institucional para a
agricultura familiar até agosto de 2019, quando o calendário da presente pesquisa foi
encerrado.
A etapa de busca gerou 159 artigos em português e 78 em inglês. Após exclusão das
duplicidades e de artigos em língua inglesa com foco em programas alimentares de outros
países, restaram 110 em português e 39 em inglês. Na etapa seguinte, seleção, foram
preservados os artigos publicados em periódicos Qualis (A1 a B5) na área de Administração
Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo, considerando o quadriênio 2013-2016.
A busca gerou 90 em português e nove em inglês. Para os artigos de periódicos que publicam
versões em inglês e português, como Cadernos de Saúde Pública, Ciência e Saúde Coletiva e
Revista de Saúde Pública, foram considerados os textos em português. A fase de
17
elegibilidade, mediante a aplicação do critério de abordagem PNAE e mercado institucional
para a agricultura familiar conjuntamente, gerou 29 registros em português e três em inglês,
totalizando 32 artigos incluídos para processamento e análise.

Figura 1 - Etapas da aplicação do PRISMA para a inclusão dos trabalhos

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

O passo seguinte à inclusão dos 32 artigos – de processamento e análise – ocorreu com


auxílio do Computer Assisted Qualitative Data Analysis (CAQDAS) Zotero, um gerenciador
bibliográfico de materiais para pesquisas. Os textos foram então dispostos no Zotero com
auxílio de planilha elaborada no software Microsoft Excel contendo as principais informações
dos artigos. A próxima fase contemplou a análise temática dos artigos com suporte do
software de análise de dados Atlas.ti. A análise temática é uma importante ferramenta de
análise qualitativa por meio da qual é possível sistematizar e expandir a rastreabilidade da
análise a partir de seis etapas: familiarização com os dados; geração de códigos iniciais; busca
por temas; revisão dos temas; definição e nominação dos temas; e, produção do relatório
(NOWELL et al., 2017). Tais etapas, sugeridas por Nowell et al. (2017), foram aplicadas nos
18
32 artigos mediante codificação e agrupamento em “famílias”, originando frequências e
permitindo a organização em categorias e subcategorias temáticas.
Seguindo o protocolo de Flick (2008), a codificação assumiu diferentes vieses: a)
aberta, com a finalidade de expressar dados e fenômenos na forma de conceitos; b) axial, com
o propósito de aprimoramento e diferenciação das categorias resultantes da codificação
aberta; c) seletiva, para dar continuidade à codificação axial por meio de um aperfeiçoamento
do desenvolvimento e da integração da codificação, em comparação com outros grupos. Na
codificação aberta, os fenômenos encontrados nos artigos foram transformados em códigos,
ao passo que, na codificação axial, deu-se a diferenciação dos códigos em subcategorias e, na
seletiva, o agrupamento em categorias. O presente texto pauta, na sequência, o conjunto
categorial derivado do Altas.ti a partir de tais procedimentos.

3. DEFININDO CATEGORIAS ANALÍTICAS DA INTERAÇÃO ENTRE PNAE E


AGRICULTURA FAMILIAR

O Quadro 1 indica os estratos no Qualis, entre A2 e B4, da pesquisa no PNAE como


mercado institucional para a agricultura familiar. O maior número de artigos (14) está no
estrato A2, seguido de B1 (cinco), B3 (seis), B2 (três) e B4 (três). A incidência de publicações
em revistas A2 e B1, totalizando 19 artigos dos 32 selecionados, serve como indicador, senão
de modo exclusivo em torno da qualidade, do elevado interesse de veículos científicos
consolidados pela produção intelectual na temática em pauta. Ciência & Saúde Coletiva é o
periódico que concentra a maior quantidade de publicações, contabilizando seis artigos. A
Revista de Nutrição concentra o segundo maior número, contabilizando três.
É pertinente destacar que os periódicos com maior número de publicações possuem
política editorial que contribui para a concentração, já que Ciência & Saúde Coletiva é revista
com publicação mensal e Revista de Nutrição tem periodicidade bimestral. De qualquer
modo, a distribuição da produção intelectual no tema em pauta tem irrisória presença em
revistas próprias de Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo.
Apenas a Revista de Administração de Roraima, com uma publicação, tem foco na área, no
caso, na Ciência Administrativa. Além dos 14 registros em revistas do domínio da saúde, os
artigos estão publicados, secundariamente, em revistas com foco no rural e em
desenvolvimento, geografia e meio ambiente.

19
Quadro 1 - Distribuição da publicação por autoria-ano, título, revista e qualis

Revista
Autoria/ano Título Qualis
Nome
(ACT)
1. Triches e Alimentação Escolar e Agricultura Familiar: reconectando o
Saúde e Sociedade A2
Schneider (2010) consumo à produção
Inserção da agricultura familiar sustentável no Programa
2. Torres et al. Cadernos de
Nacional de Alimentação Escolar, PNAE: o caso da B4
(2011) Agroecologia
COOPAPI, Apodi-RN
Produção e potencial agrícolas de alimentos destinados à
3. Monego et al.
(2013)
alimentação escolar em Goiás e no Distrito Federal, na Revista de Nutrição A2
Região Centro-Oeste do Brasil
Alimentos orgânicos da agricultura familiar no Programa
4. Silva e Sousa
(2013)
Nacional de alimentação Escolar do Estado de Santa Revista de Nutrição A2
Catarina, Brasil
5. Saraiva et al. Panorama da compra de alimentos da agricultura familiar Ciência & Saúde
A2
(2013) para o Programa Nacional de Alimentação Escolar Coletiva
Promoção da aquisição de produtos da agricultura familiar
6. Bezerra et al.
(2013)
para a alimentação escolar em Territórios da Cidadania de Revista de Nutrição A2
Minas Gerais e Espírito Santo
7. Peixinho A trajetória do Programa Nacional de Alimentação Escolar Ciência & Saúde
A2
(2013) no período de 2003-2010: relato do gestor nacional Coletiva
Avaliação da inserção de alimentos orgânicos provenientes
8. Santos et al. da agricultura familiar na alimentação escolar, em Ciência & Saúde
A2
(2014) municípios dos territórios rurais do Rio Grande do Sul, Coletiva
Brasil
Reflexões de agricultores familiares sobre a dinâmica de
9. Marques et al.
(2014)
fornecimento de seus produtos para a alimentação escolar: o Saúde e Sociedade A2
caso de Araripe, Ceará
Ambiente político e tecido social no Programa Nacional de Revista Política e
10. Moura (2014) Alimentação Escolar (PNAE) no Território Mato Planejamento B4
Grande/RN Regional
11. Silva, Dias e Mudanças Organizacionais em Empreendimentos de
Revista de Economia
Amorim Junior agricultura familiar a partir do acesso ao Programa Nacional e Sociologia Rural
B1
(2015) de Alimentação Escolar
12. Gonçalves et Family farming products on menus in school feeding: a Ciência Rural
B1
al. (2015) partnership for promoting healthy eating
Potencialidades e dificuldades para o abastecimento da
13. Soares et al. Ciência & Saúde
(2015)
alimentação escolar mediante a aquisição de alimentos da Coletiva
A2
agricultura familiar em um município brasileiro
14. Wagner, Agricultura familiar, políticas públicas e cidadania:
Gehlen e Schultz conexões construídas a partir da operacionalização do Redes B3
(2016) Programa Nacional de Alimentação Escolar
Inovação Social e Tecnologia Social: O caso da cadeia curta
15. Franzoni e Desenvolvimento em
Silva (2016)
de agricultores familiares e a alimentação escolar em Porto Questão
B2
Alegre/RS
O fortalecimento da agricultura familiar através do Revista de
16. Medeiros et
al. (2016)
Programa Nacional de Alimentação Escolar na Administração de B3
COOPERCINCO Roraima
Papel dos atores sociais na aquisição de produtos da
17. Triches e
Kilian (2016)
agricultura familiar para a alimentação escolar em Redes B3
municípios paranaenses
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e
18. Constanty e Desenvolvimento e
sustentabilidade: o caso do município de Marechal Cândido B3
Zonin (2016) Meio-Ambiente
Rondon
19. El Tugoz e Viabilidade financeira de alimentos orgânicos da agricultura Revista em
B2
Bertolini (2016) familar para o Programa Nacional de Alimentação Escolar Agronegócio e

20
em Toledo, Paraná, Brasil Meio Ambiente
20. Hawkes et al. How to engage across sectors: lessons from agriculture and Revista de Saúde
A2
(2016) nutrition in the Brazilian School Feeding Program Pública
21. Triches, Revista Paranaense
Agricultura Familiar e Alimentação Escolar no Estado do
Barbosa e de B4
Silvestri (2016) Paraná: uma análise das chamadas públicas
Desenvolvimento
Indicadores de Avaliação das Compras da Agricultura Revista de
22. Baccarin et al.
(2017)
Familiar para Alimentação Escolar no Paraná, Santa Economia e B1
Catarina e São Paulo Sociologia Rural
23. Schwartzman Antecedentes e elementos da vinculação do programa de Cadernos de Saúde
A2
et al. (2017) alimentação escolar do Brasil com a agricultura familiar Pública
24. Oliveira, Comparative assessment of the food purchase program and
Ciência rural
Batalha e Pettan the national school feeding program’s impact in Ubá, Minas B1
(2017) Gerais, Brazil
Adequação das Chamadas Públicas para Aquisição de
25. Triches e Desenvolvimento
Produtos da Agricultura Familiar para a Alimentação B2
Silvestri (2018) em Questão
Escolar
Revista Brasileira
26. Silva, Rockett Desenvolvimento Territorial e o Programa Nacional de
de Gestão e
e Coelho-de- Alimentação Escolar nos Territórios Rurais Litoral e B1
Souza (2018) Desenvolvimento
Campos de Cima da Serra no Rio Grande Do Sul
Regional
27. Rocha et al. Análise do programa nacional de alimentação escolar no Revista de Saúde
A2
(2018) município de Viçosa, MG, Brasil Pública
28. Leitão e Programa Nacional De Alimentação Escolar (PNAE):
Bernardino Experiência de Aquisição de Produtos de Agricultores Geografares B3
(2018) Familiares para Alimentação Escolar em Vila Velha – Es
Revista Brasileira
29. Lopes, Basso, Programa de alimentação escolar na américa latina: os casos
de Planejamento e B3
Hübner (2018) da Bolívia e do Brasil
Desenvolvimento
Programa Nacional de Alimentação Escolar como promotor
30. Soares et al. Ciência & Saúde
(2018)
de Sistemas Alimentares Locais, Saudáveis e Sustentáveis: Coletiva
A2
uma avaliação da execução financeira
Compra de alimentos da agricultura familiar pelo Programa
31. Machado et Ciência & Saúde
al. (2018)
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): estudo Coletiva
A2
transversal com o universo de municípios brasileiros
Impactos Econômicos das Aquisições da Agricultura Revista Eletrônica
32. Santos, Souza
e Resende (2019)
Familiar por meio do Programa Nacional de Alimentação Multidisciplinar B4
Escolar (PNAE) para os municípios mineiros Unifacear
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

O Quadro 1 mostra também que, a primeira publicação após a promulgação da Lei nº


11.947/2009 é a de Triches e Schneider (2010). A publicação seguinte ocorre em 2011
(TORRES et al., 2011), havendo uma janela temporal de dois anos para as próximas
publicações, que ocorrem em 2013 com Monego et al. (2013), Silva e Sousa (2013), Saraiva
et al. (2013), Bezerra et al. (2013) e Peixinho (2013). Entre 2013 e 2015 o número de
publicações variou entre três e quatro por ano, com pico em 2016, com oito, e sequência de
sete em 2018 e quatro por ano em 2017. No conjunto, as pesquisas apresentam, a partir do
processamento dos conteúdos no Atlas ti, cinco categorias temáticas (Figura 2):
Trajetória e marco legal, com as subcategorias Histórico do PNAE e Legislação;

21
Aspectos político-institucionais, com as subcategorias Atores sociais, Mercado
institucional, Políticas públicas, Processos e Controle social;
Atributos da agricultura familiar com as subcategorias Denominações utilizadas, Gêneros
alimentícios e Organização social;
Fatores de sucesso com as subcategorias Pontos fortes, Desenvolvimento e Inovação,
tecnologia e cidadania;
Barreiras, com uma subcategoria apenas, qual seja, Pontos fracos.

Figura 2 - Composição das categorias temáticas da pesquisa com base no Atlas.ti.

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A seguir, os resultados são analisados de acordo com cada categoria analítica gerada,
assim como também as respectivas subcategorias.

3. 1. A categoria trajetória e marco legal

Nesta categoria foram encontradas duas subcategorias: Histórico do PNAE e


Legislação. Com relação à subcategoria Legislação, o código Lei nº 11.947/2009 apareceu
consideravelmente mais vezes que os demais o que se justifica pelos próprios critérios
adotados nesta revisão no processo de seleção das publicações, que exigiu o emprego da
institucionalização de tal instrumento legal como referência. Apenas Rocha et al. (2018) não
citaram a Lei nº 11.947/2009 ao longo do texto, mas, avaliaram, por meio de relatórios
22
emitidos pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), a adequação do
número de agricultores familiares inseridos no PNAE diante da determinação legal de compra
de alimentos da agricultura familiar pela rede pública da educação básica. Constataram que o
município estudado cumpre a exigência de compra mínima de 30% de gêneros alimentícios da
agricultura familiar.
Os trabalhos recorrem à Lei nº 11.947/2009 para reforçar a obrigatoriedade da compra
de pelo menos 30% de produtos da agricultura familiar e suas organizações representativas
por parte das instituições da rede pública de educação básica (SANTOS et al., 2014;
MEDEIROS et al., 2016; LEITÃO; BERNADINO, 2018). Outras pesquisas citam a Lei nº
11.947/2009 não pela obrigatoriedade de compra, mas, sim, pela participação intersetorial
(HAWKES et al., 2016), pelo estímulo a circuitos curtos de comercialização e pela
movimentação local dos recursos públicos recebidos pelo PNAE (CONSTANTY; ZONIN,
2016).
Há registros à indução à organização dos agricultores familiares (SILVA; DIAS;
AMORIM JÚNIOR, 2015) e ao incentivo ao desenvolvimento e crescimento, garantindo
sobrevivência e segurança para os agricultores familiares que passam a acessar mercados
institucionais (FRANZONI; SILVA, 2016). O acesso é, ainda, abordado como marco nas
políticas referentes à segurança alimentar e nutricional pelo estímulo à promoção de
alimentação adequada e saudável (MONEGO et al., 2013) e pelo consumo de alimentos
orgânicos (SARAIVA et al., 2013). A dispensa de processo licitatório trazida pela Lei nº
11.947/2009 é considerada como inovação (TRICHES; SILVESTRI, 2018) e como elemento
que contribui para a promoção da cidadania dos agricultores familiares (WAGNER;
GEHLEN; SCHULT, 2016). Bezerra et al. (2013) seguem o caminho da indicação de lacunas
e denunciam que, apesar da obrigatoriedade instituída pela Lei, existem municípios que não
iniciaram a compra de alimentos da agricultura familiar.
O código Resoluções aglutina outros mecanismos legais além e após a Lei nº
11.947/2009, associados ao PNAE. São resoluções que dispõem a respeito do atendimento da
alimentação escolar aos alunos da educação básica e, assim, as publicações as mencionam por
diferentes vieses. Como exemplo, Marques et al. (2014) reportam-se à Resolução 38, de 16 de
julho de 2009, para mostrarem como o PNAE estimula a organização dos agricultores em
associações e cooperativas. Silva e Sousa (2013), por sua vez, resgatam tal Resolução para
enfatizar que o cardápio escolar deve ser elaborado por nutricionista, e, Silva, Rockett e

23
Coelho-de-Souza (2018), para reforçar que a compra da agricultura familiar para o PNAE
dispensa processo licitatório.
El Tugoz e Bertolini (2016) citam a Resolução nº 26, de 17 de junho de 2013, para
evidenciar que o PNAE prioriza e incentiva a produção de alimentos orgânicos e
agroecológicos, enquanto Oliveira, Batalha e Pettan (2017) se referem a esta para destacar que
os preços praticados no PNAE podem ser estabelecidos pelo mercado regional, sem
necessidade de referência a preços praticados no PAA. Wagner, Gehlen e Schult (2016) usam
a mesma Resolução para evidenciar alterações nos limites dos valores praticados por
Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP). Leitão e Bernardino (2018) destacam que a partir
da Resolução nº 50, de 26 de setembro de 2012, a modalidade Compra Institucional passou a
funcionar por meio de chamadas públicas, nos moldes do funcionamento do PNAE.
A subcategoria Histórico do PNAE consiste do conjunto de alterações que o Programa
sofreu ao longo até se tornar política pública de alcance simultâneo para o setor da educação e
para o segmento da agricultura familiar, envolvendo antecedentes da constituição de
mercados institucionais. Peixinho (2013) traz contextualização e trajetória em detalhes, desde
a criação do Instituto Nacional de Nutrição em 1940 até o ano de 2009, com a
institucionalização da obrigatoriedade da compra mínima de 30% da agricultura familiar para
a alimentação escolar no âmbito da educação básica pública (por parte de municípios, estados
e União, por esta, quando aplicável, como no caso de instituições federais que ofertam cursos
técnicos de nível médio ou outras modalidades de educação básica). Já Saraiva et al. (2013)
traçam histórico da compra de alimentos para a alimentação escolar para mostrar diferentes
modalidades de gestão (centralizada e descentralizada).
O código Antecedentes do mercado institucional está associado a fatos anteriores à
vigência da Lei nº 11.947/209. Constanty e Zonin (2016) ressaltam que, devido à participação
da agricultura familiar na produção de alimentos no Brasil, é provável que, antes de 2009, o
PNAE já adquirisse alimentos da agricultura familiar, mas, sem preocupação ao atendimento
a margens (volume de compras) ou à observância da origem e localização dos produtores
(com propósitos de fomentar circuitos curtos de comercialização e valorizar a economia
local). Schwartzman et al. (2017) atentam para os procedimentos burocráticos que os
produtores da agricultura familiar precisavam atender em momento anterior à Lei nº
11.947/209, caso decidissem participar de processos convencionais de compras públicas por
meio licitação e de contratos com a Administração Pública.

24
As pesquisas empíricas registram os mercados que os agricultores atendiam antes de
comercialização para o PNAE. Dos 15 agricultores que participaram da pesquisa de Medeiros
et al. (2016) cinco afirmaram que, antes da adesão ao PNAE, produziam e vendiam em feiras,
três responderam que produziam com muita dificuldade por falta de garantia de mercado e
dificuldade na logística, dois produziam somente para consumo e cinco ficavam à mercê de
atravessadores, submetidos, portanto, a práticas de subvalorização dos produtos e subpreço.
Na pesquisa de Triches e Schneider (2010) os informantes participavam de processos
licitatórios antes de 2009, competindo com outros fornecedores, como atacadistas e varejistas
do comércio convencional. Nem sempre os preços dos agricultores familiares se mostravam
competitivos, quer em virtude de os concorrentes apresentarem cotação de produtos com
qualidade inferior, quer pela produção em baixa escala do agricultor familiar, tornando a
entrega onerosa e inviável em virtude de deficiências estruturais.

Quadro 2 - Síntese da categoria Trajetória e marco legal


Categoria Subcategorias Códigos gerados Frequência
Lei 11.947/2009 48
Legislação
Resoluções 13
Trajetória e marco legal
Histórico do PNAE 22
Histórico do PNAE
Antecedentes do mercado institucional 11
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A categoria Trajetória e marco legal aborda, de modo tangencial, aspectos político-


institucionais, uma vez que a noção de mercado institucional de compras governamentais da
agricultura familiar alimenta as diversas abordagens, tanto pela via da Lei nº 11.947/2009
quanto pelos instrumentos legais subsequentes. Todavia, há outros componentes em ação e,
por essa razão, os procedimentos analíticos resultaram na aglutinação de atributos e de
códigos específicos em outro conjunto, o que demandou a criação da categoria Aspectos
político-institucionais – constituída pelas subcategorias atores sociais, mercado institucional,
políticas públicas, processos e controle social – objeto de análise do tópico seguinte.

3.2. A categoria aspectos político-institucionais


A subcategoria Atores sociais aparece com maior difusão de códigos concentrando a
maior frequência, com repetição consideravelmente superior aos demais. Os artigos
analisados realçam, principalmente, o código Parcerias, pontuando a participação dos
agricultores em colegiados na concepção conjunta de propostas para o desenvolvimento de
ações em nível municipal e territorial (BEZERRA, et al., 2013), e, das associações

25
representativas dos agricultores (FRANZONI, SILVA; 2016), incluindo sindicato rural local e
respectiva federação (MEDEIROS et al., 2016). Aparecem, ainda, além de sindicatos e
federação de trabalhadores rurais, as organizações de Assistência Técnica e Extensão Rural
(ATER) e entidades de pesquisa (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015).
Outros códigos da subcategoria Atores sociais aparecem associados a Coalizões de
advocacia durante o processo de promulgação da Lei nº 11.947/2009. A institucionalização da
compra de alimentos da agricultura familiar no PNAE é citada por Hawkes et al. (2016) como
resultante de coalizões entre ministérios e órgãos governamentais relevantes, a exemplo do
Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB) e do FNDE. Para Hawkes et al. (2016), outra coalizão foi formada por defensores
da segurança alimentar e envolveu o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança e Alimentar
(FBSSAN), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e a
Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional (FPSAN). Uma terceira coalizão,
registram os autores, foi formada por grupos defensores da agricultura familiar – com
destaque para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e a
Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF). A presença de tais
coalizões revela articulações e convergências de interesses entre diferentes segmentos
políticos em torno do fortalecimento da agricultura familiar.
Outros códigos evidenciam o papel de diferentes atores sociais na execução do PNAE,
a exemplo do Papel das prefeituras, especificamente no que se refere à socialização de
informações aos agricultores familiares relativas a chamadas públicas (MOURA, 2014). É
igualmente apontado o Papel dos nutricionistas na elaboração de cardápios (SOARES et al.,
2014), que aparece em destaque com a segunda maior frequência na subcategoria, e, o Papel
dos gestores municipais, no que se refere à decisão política de comprar da agricultura familiar
(BEZERRA et at., 2013). Destaca-se também as organizações que participam diretamente da
execução do PNAE, como as Entidades Executoras, responsáveis pela implantação em suas
respectivas jurisdições e as Unidades Executoras, representativas da comunidade escolar,
responsável pelo recebimento dos recursos financeiros transferidos pela entidade executora
(LOPES, BASSO; HÜBNER, 2018). Além do segmento das instituições governamentais,
Wagner, Gehlen e Schult (2016) assinalam o Papel das organizações não-governamentais,
evidenciando como elas ampliaram possibilidades de apoio aos agricultores familiares.
No que diz respeito ao código Relações sociais, Silva Dias e Amorim Júnior (2015)
destacam como interações entre a cooperativa e outros agentes, envolvidos na sistemática de

26
aquisição de alimentos para a alimentação escolar no município de Espera Feliz/MG, criou
padrões de mercado próximos da realidade dos agricultores familiares. Os autores concluem
que o mercado gerado a partir do PNAE propiciou a inserção de produtos específicos no
cardápio escolar, mediante o respeito à sazonalidade e a vocações produtivas locais.
Na subcategoria Mercado institucional, o código Chamadas públicas foi o de maior
frequência. A chamada pública é o instrumento que substitui o processo convencional de
licitação (pela Lei no 8666/93), de caráter estritamente concorrencial. As chamadas públicas
podem ser elaboradas de forma a contemplar vocações locais de produção e alimentação e
características da agricultura familiar, tornando possível aquisições por itens, e não por lotes,
e a observância a disponibilidades sazonais (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015).
Além disso, as chamadas públicas garantem preço justo (SILVA; ROCKETT; COELHO-DE-
SOUZA, 2018) e abrem oportunidades para grupos formais e informais e para a
comercialização diferenciada, em termos de preço, de produtos de origem orgânica e
agroecológica (TRICHES; BARBOSA; SILVESTRI, 2016).
O código Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) apareceu com frequência
significativa nesta categoria Aspectos político-institucionais com estudos abordando o PNAE,
por um lado, como estratégia que insere o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA)
na alimentação escolar (MARQUES et al. 2014) e, por outro, como requisito de SAN, não só
diretamente, mediante a oferta de alimentos de qualidade, mas, também, indiretamente, pelo
incentivo à agricultura familiar como segmento promotor de desenvolvimento regional
sustentável e de soberania alimentar (SANTOS et al., 2014).
O PNAE, em compras da agricultura familiar, garante Cadeia agroalimentar curta,
considerado por Franzoni e Silva (2016) como uma nova dinâmica de mercado, em que
critérios de qualidade dos alimentos são socialmente compartilhados, havendo maior
aproximação entre produtores e consumidores, que passam a ter interação direta, trazendo
benefícios para ambos e para a sociedade como um todo. O PNAE assume, assim, função no
funcionamento do Estado, quando adquire produtos originários da agricultura familiar,
promovendo mudança de paradigma por meio de Compras institucionais (CONSTANTY;
ZONIN, 2016) e possibilitando a democratização na distribuição de recursos públicos
(WAGNER; GEHLEN; SCHULT, 2016).
A subcategoria Políticas públicas está relacionada à forma como os artigos inter-
relacionam o PNAE com outras políticas públicas que atendem à agricultura familiar
diretamente, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa

27
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Foram analisados o PAA e o
PNAE por Oliveira, Batalha e Pettan (2017) junto a agricultores familiares com ênfase em
mercados institucionais e crédito rural. O PRONAF foi pautado como marco de entrada da
agricultura familiar na agenda e formulação de políticas públicas brasileiras (SARAIVA et
al., 2014; HAWKES et al., 2016).
Também analisando conjuntamente políticas públicas para a agricultura familiar, em
um modelo de regressão linear com dados em painel, Santos, Souza e Resende (2019)
verificaram os impactos econômicos das aquisições da agricultura familiar e constataram que
os coeficientes das variáveis referentes aos recursos do PNAE e do PAA apresentaram
impactos econômicos positivos manifestados no Produto Interno Bruto (PIB) e nos PIBs
setoriais (agropecuária, indústria e serviços), o que mostra que tais políticas públicas podem
gerar impactos econômicos não apenas no setor agropecuário, assim como também em outros
setores, gerando dinamismo para as economias locais.
Esta subcategoria está relacionada também à políticas públicas que atendem à
agricultura familiar indiretamente, como no caso do Programa Territórios da Cidadania
(PTC), cuja ênfase foi dada a territórios com precários indicadores de desenvolvimento e
elevada presença de agricultores familiares em situação de vulnerabilidade. Moura (2014)
analisou o ambiente político e o tecido social que sustentaram o PNAE em um Território da
Cidadania (Mato Grande/RN), apontando como interlocuções entre agricultores familiares e
poder público se mostraram desafiadoras notadamente em virtude da fragilidade da estrutura
sociopolítica da agricultura familiar.
A subcategoria Processos aglutina atributos político-administrativos de implementação
e avaliação do PNAE. Foi possível encontrar essas duas dimensões em várias partes dos
artigos, a exemplo de Silva e Sousa (2013), que analisaram a demanda e a oferta de alimentos
orgânicos para a alimentação escolar em Santa Catarina, não com o objetivo de avaliação,
todavia, encontrando nos resultados medidas de desempenho do PNAE. Outras pesquisas
tiveram a avaliação do PNAE como objetivo central. Santos et al. (2014) avaliaram a inserção
de alimentos orgânicos da agricultura familiar na alimentação escolar, Soares et al. (2015)
avaliaram o cumprimento das recomendações do PNAE para a aquisição de produtos
agrícolas familiares, Baccarin et al. (2017) abordaram eficiência, eficácia e efetividade nas
compras da agricultura familiar e Oliveira, Batalha e Pettan (2017) compararam os impactos
socioeconômicos gerados para a agricultura familiar pelo PAA e PNAE.

28
Bezerra et al. (2013), Triches e Kilian (2016) e Medeiros et al. (2016) estudaram a
implementação do PNAE junto a vários segmentos sociais interessados enquanto Rocha et al.
(2018) focaram exclusivamente escolas públicas. A análise dos códigos desta subcategoria
revela que enquanto os fatores alinhados à avaliação estão associados ao desempenho no
atendimento à Lei nº 11.947/2009, os fatores de implementação se relacionam ao papel dos
diferentes atores sociais na efetivação da Lei, destacando que o plano local interfere no
atendimento do valor mínimo de compra de 30% de alimentos da agricultura familiar para a
alimentação escolar.
Os códigos gerados na subcategoria Controle social destacam o papel dos conselhos na
elaboração e execução da política pública. Hawkes et al. (2016) destacam o papel do
CONSEA na elaboração da Lei nº 11.947/2009 mediante interlocução entre governo e
sociedade civil. O PNAE constitui-se espaço por meio do qual podem ser estabelecidas trocas
de experiências entre diferentes domínios (TRICHES; KILIAN, 2016) e exerce função
facilitadora na aquisição de produtos da agricultura familiar (SILVA et al., 2018). Os
Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), por sua vez, não estão atuando como foram
concebidos (MOURA, 2014), ou seja, como mecanismo de participação e controle social.
A descentralização do PNAE ocorrida em 1994 foi componente relatado por Soares et
al. (2015), com foco nos repasses financeiros do Governo Federal para os estados e
municípios, atribuindo para estes reponsabilidades na elaboração dos cardápios e na aquisição
de alimentos. Vários artigos abordam a adequação das chamadas públicas por prefeituras
(TRICHES; BARBOSA; SILVESTRI, 2016) pautando-as como decorrência daquela medida
de 1994 e pela via da atuação municipal na elaboração dos processos licitatórios e,
posteriormente, de chamadas públicas para a compra de alimentos da agricultura familiar.

29
Quadro 3 - Síntese da categoria Aspectos político-institucionais

Categoria Subcategorias Códigos gerados Frequência


Parcerias 22
Papel dos nutricionistas 8
Coalizão de advocacia 5
Atores sociais
Papel das prefeituras 7
Relações sociais 7
Papel dos gestores 3
Papel das organizações não-governamentais 2
Chamadas públicas 20
Segurança Alimentar e Nutricional 14
7
Aspectos político- Mercado institucional Cadeias agroalimentares curtas
institucionais Compra institucional
6
Programa de Aquisição de Alimentos 16
Programa Territórios da Cidadania 5
Políticas públicas Programa Nacional de Fortalecimento da
4
Agricultura Familiar
Avaliação 21
Processos
Implementação 22
Conselhos 26
Controle social
Descentralização 7
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

É pertinente reforçar que as subcategorias e os códigos compilados na categoria


Aspectos políticos e institucionais envolvem atributos que, de maneira geral, denunciam como
a gestão das políticas públicas e, especificamente, do PNAE, requerem a participação da
sociedade civil e a articulação entre diferentes atores sociais, com papéis e responsabilidades
distintos na compra institucional da agricultura familiar, na avaliação, na implementação e no
controle social. A questão, então, passa a ser: como está caracterizada a agricultura familiar
nos artigos aqui pautados?

3.3. A categoria atributos da agricultura familiar


Nesta categoria foram encontradas três subcategorias: Denominações utilizadas,
Gêneros alimentícios e Organização social. Dentro da subcategoria Denominações utilizadas,
o código Agricultura orgânica foi o mais frequente, indicando que os artigos têm analisado a
oferta de alimentos da agricultura familiar para o mercado institucional do PNAE a partir de
um diferencial – qual seja, a oferta de produtos com qualidades superiores.
Santos et al. (2014) registram que os oito territórios rurais que estudaram fizeram
aquisição de produtos orgânicos para a alimentação escolar, variando de um a seis municípios
em cada. Silva e Sousa (2013) pontuam que, em 2010, entre os 293 municípios catarinenses,
60% (n=160) efetuavam compras de alimentos da agricultura familiar e, destes, 17,7%
30
(n=52), compravam alimentos orgânicos. Já El Tugoz e Bertolini (2016) analisaram a
dimensão financeira de alimentos orgânicos da agricultura familiar para o PNAE, constatando
a inviabilidade da comercialização do tomate e a viabilidade da cenoura e da alface. O
agricultor familiar, portanto, deve manter diferentes canais de comercialização para seus
produtos e não apenas o mercado institucional, evitando dependência da política pública,
aspecto discutido adiante na categoria Barreiras.
Em todos os textos a expressão Agricultura familiar aparece frequentemente, todavia,
o Atlas.ti só codificou nessa categoria os artigos que apresentaram algum conceito de
agricultura familiar. Esse fato pode ser observado como uma lacuna desta revisão. É
pertinente reconhecer que muito se discute a respeito da inserção de agricultores familiares
nas compras governamentais, mas, nem sempre há preocupação em delimitar o entendimento
dado ao objeto agricultura familiar. A definição legal e operacional de agricultura familiar
está, todavia, instituída na Lei nº 11.326, de 16 de junho de 2006 é referida em poucos
trabalhos (SARAIVA et al., 2013; MEDEIROS et al., 2016). Constanty e Zonin (2016)
preferem atribuir diferenças ao termo agricultura familiar pela via de uma definição jurídico-
funcional, apropriada às políticas públicas, e como categoria social na perspectiva acadêmica.
Por esse caminho, fica posta a liberdade acadêmica de criação e ressignificação de agricultura
familiar para além da dimensão legal, o que, possivelmente, explique ausências conceituais.
Agroecologia e Campesinato apareceram como código na subcategoria Denominações
utilizadas. Constanty e Zonin (2016) discorrem como a agroecologia vai ao encontro do
conceito de campesinato como prática que pode representar uma posição de resistência, do
campesino aos impérios alimentares, ao sistema agroalimentar hegemônico instável e
perigoso tanto social quanto economicamente e ambientalmente. Por essa razão, na
subcategoria Gêneros alimentícios apareceu o código Gêneros alimentícios produzidos pela
agricultura familiar – do tipo in natura, como frutas, verduras e legumes (MONEGO et al.,
2013) e do tipo beneficiado/processado (BACCARIN et al., 2017). A diversificação da
produção é apontada como fator importante tanto para o aumento da renda das famílias
(SILVA et al., 2015) quanto pela garantia de segurança alimentar, uma vez que a produção é
também utilizada para autoconsumo (FRANZONI; SILVA, 2016).
O código Pluriatividade apareceu no artigo de Constanty e Zonin (2016) indicando a
importância de formas alternativas de trabalho e produção para garantir a ampliação de fontes
de renda. Observaram que a atividade não-agrícola apresenta valor médio de retorno bem
inferior à classe em que predomina a renda agrícola. Desta forma, Constanty e Zonin (2016)

31
colocam o PNAE como alternativa de segurança e oportunidade para promover e aprimorar
sistemas associativos e de vendas no mercado tradicional e institucional, diante da garantia do
pagamento, da ausência de atrasos e da redução da necessidade de descontos. É, pois, a
necessidade associativa que explica a geração de código específico com tal conteúdo na
subcategoria Organização social.
Os códigos da subcategoria Organização social estão relacionados à presença de
Associações e cooperativas e ao Capital social. Os agricultores familiares participantes da
pesquisa de Medeiros et al. (2016) afirmaram que após a participação da cooperativa a que
pertencem, no PNAE, não tiveram dificuldade para comercializar. Triches e Schneider (2010)
destacam que a Lei nº 11.947/2009 provocou organização no segmento da agricultura
familiar, tanto contribuindo para o desenvolvimento de organizações formais já existentes
quanto articulando o segmento no acesso à política pública. Está, portanto, fomentando capital
social, outro código gerado pelo Atlas.ti nesta subcategoria Organização social.
O código Capital social aparece na pesquisa de Moura (2014) pautando a forma como
a secretaria da agricultura de um município procurou diálogo com os agricultores familiares e
instituiu uma forma de gestão diferenciada, envolvendo todos os funcionários nas decisões
internas do órgão. O capital social se manifestou, no caso, pelo envolvimento e participação
em grupos, com consequências positivas para o indivíduo e para a comunidade e com efeitos
na gestão pública e na gestão social dos agricultores. Em outros artigos o capital social se
manifestou em relações de confiança instituídas entre gestores públicos e agricultores
familiares (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015), entre lideranças e gestores, lideranças
e lideranças, gestores e gestores (WAGNER; GEHLEN; SCHULT, 2016).

Quadro 4 - Síntese da categoria Atributos da agricultura familiar

Categoria Subcategorias Códigos gerados Frequência


Agricultura orgânica 15
Agricultura familiar 6
Denominações utilizadas
Agroecologia 4
Atributos da Campesinato 2
agricultura Gêneros alimentícios produzidos pela
28
familiar Gêneros alimentícios agricultura familiar
Pluriatividade 4
Associativismo/ cooperativismo 19
Organização social
Capital social 4
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

32
A categoria Atributos da agricultura familiar revela interligação entre as três
subcategorias geradas considerando que, para ter acesso ao PNAE o produtor precisa se
enquadrar na categoria de agricultor familiar, independentemente de tipologia e denominação
da prática de produção (orgânica, agroecológica, campesina) e se vincular a organizações
formais (cooperativa ou associação) para garantir acesso à política pública e executar o
PNAE, garantindo escala em termos de variedade de gêneros alimentícios (in natura e
beneficiados/processados). Há, portanto, necessidade de se conhecer o que retratam as
pesquisas em termos de fatores de sucesso e barreiras enfrentadas.

3.4. A categoria fatores de sucesso


Nesta categoria foram encontradas três subcategorias: Pontos fortes;
Desenvolvimento; Inovação, tecnologia e cidadania. Com relação aos pontos fortes, o código
Benefícios do PNAE aparecem nos estudos pela via da inserção de agricultores familiares na
execução do Programa provocando: favorecimento da produção local e estímulo às cadeias
curtas de abastecimento (BACCARIN et al., 2017); preços vantajosos e mercados estáveis aos
agricultores (EL TUGOZ; BERTOLINI, 2016); incentivo à solidariedade entre os produtores
ao dividir as entregas equitativamente entre sócios de cooperativas e associações
(CONSTANTY; ZONIN, 2016); independência e qualidade de vida (MEDEIROS et al.,
2016); incentivo à cooperação, geração de emprego e renda (FRANZONI, SILVA; 2016);
direito à alimentação saudável e consumo de alimentos saudáveis nas escolas (SOARES et al.,
2018); incentivo à sustentabilidade (GONÇALVES et al., 2015); empoderamento e
alternativa de comercialização (OLIVEIRA; BATALHA; PETTAN, 2017).
Por meio do código Estratégias para atender às exigências do PNAE as pesquisas
relatam diversas formas que os agricultores encontraram para garantir abastecimento e
disponibilizar alimentos de qualidade. Destacam-se nesse quesito: negociação com os
responsáveis pela elaboração de chamadas públicas para considerar a disponibilidade sazonal
dos alimentos (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015); reestruturação dos cardápios
inserindo maior diversidade dos produtos (TRICHES; KILIAN, 2016); capacitação de
merendeiras quanto a técnicas dietética e higiênico-sanitárias (TRICHES; KILIAN, 2016);
utilização de alimentos da produção local em receitas (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR,
2015); ações conjuntas entre secretarias para promover maior número de produtores aptos do
ponto de vista sanitário (TRICHES; SCHNEIDER, 2010); assessoria direcionada à
regularização de documentos de associações e cooperativas e de instrumentos operacionais de
compra e venda (WAGNER; GEHLEN; SCHULT, 2016); troca de produtos entre associações
33
e cooperativas de municípios vizinhos para superar dificuldades em garantir o suprimento das
mercadorias demandadas (SOARES et al., 2015).
Os Fatores de estímulo ao PNAE aparecem pautados: a) no acesso a outras políticas
públicas como PAA e PRONAF (BACCARIN et al., 2017); b) na abertura da gestão pública,
combinada à articulação dos atores sociais (MOURA, 2014); c) no engajamento de servidores
públicos com o trabalho, não apenas para cumprir exigência burocrática ou documentária,
mas, também, pelo desejo de garantir aos escolares alimentação de qualidade (TRICHES;
KILIAN, 2016); d) no engajamento dos agricultores com entidades representativas e com o
poder público (TRICHES; SCHNEIDER, 2010).
Como Sugestões de melhoria do PNAE foram relatadas nos artigos: a) a necessidade
de combinação do PNAE com outros programas, como o PAA e feiras livres, contribuindo
para que maior número de agricultores seja beneficiado (BACCARIN et al., 2017); b) a
adoção da compra orientada, de acordo com o que a agricultura familiar local pode ofertar
(TRICHES; KILIAN, 2016); c) a necessidade de desburocratização dos mecanismos de
acesso ao PNAE (TRICHES; SCHNEIDER, 2010); d) maior publicidade das chamadas
públicas para facilitar o acesso (TRICHES; SILVESTRI, 2018); e) a necessidade de os
municípios darem ênfase e visibilidade aos alimentos orgânicos e agroecológicos (TRICHES;
BARBOSA; SILVESTRI, 2016).
A subcategoria Desenvolvimento assume conotações de Desenvolvimento territorial,
Desenvolvimento rural, Desenvolvimento local e Desenvolvimento sustentável. Silva,
Rockett e Coelho-de-Souza (2018) destacam o PNAE como estratégia de desenvolvimento
territorial, uma vez que o Programa na agricultura familiar visa, entre outros aspectos, à
dinamização da economia local, objetivo sobreposto à política de desenvolvimento territorial.
Para Saraiva et al. (2013) o PNAE é promotor de desenvolvimento local devido à interação
que faz com a realidade agrícola local/regional. Franzoni e Silva (2016) enquadram o PNAE
no “novo paradigma de desenvolvimento rural”, visto que tal proposta surge em meio à
transformação dos mercados agroalimentares, ocasionada por um movimento de mudança no
padrão de consumo alimentar da sociedade. Torres et al. (2011) enfatizam que o PNAE trata-
se de um instrumento na promoção do desenvolvimento, não só ambientalmente sustentável
como também mais equitativo, pelo estímulo à agricultura familiar e pela garantia da SAN na
merenda escolar ao adquirir produtos oriundos da produção agroecológica.
O PNAE na agricultura familiar é delimitado, na subcategoria Inovação, tecnologia e
cidadania, pelos códigos inovação social, tecnologia social e promoção de cidadania. A

34
pesquisa de Franzoni e Silva (2016) analisou uma cadeia de agricultores familiares
fornecedora da alimentação escolar sob as perspectivas da inovação social e da tecnologia
social. Os autores observam que, como inovação social e tecnologia social, o PNAE na
agricultura familiar atesta compromisso com a transformação social na criação de espaço de
descoberta de demandas e necessidades sociais, na relevância e eficácia social, na
sustentabilidade socioambiental e econômica, na inovação pela resolução e surgimento de
organizações formais, na organização e sistematização e na acessibilidade e apropriação de
tecnologia, além de se constituir em processo pedagógico.
Como elemento de promoção de cidadania Wagner, Gehlen e Schult (2016) realçam a
inserção dos produtos da agricultura familiar na alimentação escolar ampliando possibilidades
de inserção socioeconômica uma vez que, com a Lei nº 11.947/2009, os agricultores
familiares ganharam posição mais vantajosa ultrapassando barreiras historicamente
construídas pela Lei no 8666/93 (Lei das Licitações).

Quadro 5 - Síntese da categoria Fatores de sucesso

Categorias Subcategorias Códigos gerados Frequência


Benefícios do PNAE 47
Estratégias para atender às exigências do PNAE 26
Pontos fortes
Fatores de estímulo do PNAE 23
Sugestões de melhoria do PNAE 5
Fatores de Desenvolvimento territorial 7
sucesso Desenvolvimento sustentável 6
Desenvolvimento
Desenvolvimento local 6
Desenvolvimento rural 3
PNAE e tecnologia social 11
Inovação, tecnologia e
PNAE e cidadania 10
cidadania
PNAE e inovação social 8
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A categoria Fatores de sucesso reuniu pontos fortes do PNAE na agricultura familiar


relacionados a estratégias e benefícios gerados e como sucesso de política pública no plano
local, destacando também o engajamento dos atores interessados. O PNAE aparece como
mecanismo de promoção de diferentes tipos de desenvolvimento (territorial, sustentável, local
e rural) e como tecnologia social, inovação social e promoção de cidadania. Há, entretanto,
uma série de desafios a superar, o que é objeto do tópico seguinte.

35
3.5. A categoria barreiras

Esta categoria é composta apenas pela subcategoria Pontos fracos, sintetizada nos
códigos dificuldades e desvantagens. As dificuldades possuem frequência consideravelmente
maior que o código referente às desvantagens. As Dificuldades para execução do PNAE estão
relacionadas mais fortemente às chamadas públicas. Baccarin et al. (2017) elencam
dificuldades dos municípios na elaboração das chamadas públicas em termos de informações
fundamentais como periodicidade, locais de entrega e preços a serem pagos, desestimulando a
participação dos agricultores. Triches, Barbosa e Silvestri (2016) destacam a dificuldade de
municípios na divulgação das chamadas ao passo que Saraiva et al. (2013) pontuam atrasos
das prefeituras na elaboração das chamadas.
Bezerra et al. (2013) relatam dificuldades como a ausência de nutricionistas e, Moura
(2014), na articulação entre secretaria de agricultura e de educação, entre atores do setor
público e a sociedade civil e entre prefeituras e agricultores. Silva, Dias e Amorim Júnior
(2015) mencionam a resistência inicial de merendeiras aos produtos adquiridos da agricultura
familiar por meio do PNAE. Rocha et al. (2018) registram uma série de fatores que
acarretaram em dificuldades na execução do programa nas escolas estudadas, tais como:
inadequação no número de nutricionistas, suspensão das reuniões do CAE, infraestrutura
inadequada nas áreas de preparação e distribuição de refeições, carências na formação de
cozinheiros e na adequação nutricional dos cardápios.
No que diz respeito ao código Dificuldades da agricultura familiar para acesso e
execução do PNAE as pesquisas apontam: a) barreiras sanitárias (BACCARIN et al., 2017);
b) problemas de logística e de transporte para escoamento dos produtos (MEDEIROS et al.,
2016); c) gargalos no gerenciamento (CONSTANTY; ZONIN, 2016); d) rigidez institucional
dos órgãos públicos (FRANZONI; SILVA, 2016); e) restrição no comprometimento/interesse
dos agricultores (SILVA; ROCKETT; COELHO-DE-SOUZA, 2018); f) preço oneroso da
matéria-prima (MARQUES et al., 2014); g) precariedade na infraestrutura para
processamento, armazenamento e transporte das mercadorias (MARQUES et al., 2014); h)
quantidade ofertada insuficiente (SARAIVA et al.; 2013), notadamente para suprir demandas
de entidades executoras de grandes centros (SILVA; DIAS; AMORIM JÚNIOR, 2015); i)
limitações dos agricultores para contornar adversidades impostas por fatores climáticos
(SOARES, et al. 2015) e para garantir variedade de produtos (SCHWARTZMAN et al.,
2017); j) dificuldades de acesso às chamadas públicas (TRICHES; SILVESTRI, 2018); k)
insatisfação dos agricultores com o preço pago em relação à qualidade pedida (MARQUES et

36
al., 2014); l) carência na capacitação (SILVA; SOUSA, 2013) e na assistência técnica ao
agricultor (MOURA, 2014); m) limitações na organização da agricultura familiar (SILVA;
ROCKETT; COELHO-DE-SOUZA, 2018); n) irregularidade da produção, oscilação e
defasagem de preços, deslocamento, irregularidade de pedidos, inexistência de infra-estrutura
de agroindústrias familiares (TORRES et al., 2011).
O código Desvantagens do PNAE remete a fatores como atrasos no pagamento
(MEDEIROS et al., 2016) e dependência dos agricultores em destinar toda a produção para o
mercado do PNAE, o que faz com que, no período de férias escolares, tenham dificuldades na
comercialização dos produtos (CONSTANTY; ZONIN, 2016).

Quadro 6 - Síntese da categoria Barreiras

Categoria Subcategoria Códigos gerados Frequência


Dificuldades para execução do PNAE 77
Dificuldades da agricultura familiar para
Barreiras Aspectos negativos 62
acesso e execução do PNAE
Desvantagens do PNAE 10
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Na subcategoria Pontos fracos aparecem códigos com maior frequência quando


comparados aos códigos da subcategoria Pontos fortes da categoria Fatores de sucesso. Há,
portanto, um indicativo de que, apesar dos amplos benefícios gerados para os agricultores
familiares, permanecem obstáculos na política pública do PNAE quanto ao atendimento aos
interesses do segmento de modo mais satisfatório.

4. IMPLICAÇÕES TEÓRICAS E PRÁTICAS


O exercício de revisão da literatura efetivado sintetizou dez anos de pesquisa (2009-
2019) a respeito da interlocução entre o PNAE e a agricultura familiar, o que contribui para
injetar evidências teóricas e práticas no debate entre a inclusão dos gêneros alimentícios desta
categoria social na alimentação escolar dos alunos matriculados na rede pública de ensino
brasileira, favorecendo insights a respeito de algumas particularidades desta interlocução,
gerando implicações teóricas e práticas.
As implicações teóricas estão associadas à formação de cinco categorias analíticas
referentes à interlocução do PNAE com a agricultura familiar. A Figura 3 mostra que as
categorias se relacionam, pois a trajetória e o marco legal influenciam na geração dos aspectos
políticos e institucionais, uma vez que estes aspectos trazem que a institucionalização do
PNAE como um mercado para a agricultura familiar no ano de 2009 ocorre dentro da
37
trajetória histórica do programa, visto que as ações direcionadas para a alimentação escolar no
Brasil existem desde a década de 1940. A interface do PNAE com a agricultura familiar leva a
uma nova configuração desta para acessar a política pública, como por exemplo, a
organização em cooperativas e associações, o que envolve fatores de sucesso e barreiras, que
podem contribuir para a retroalimentação da trajetória histórica e dos aspectos políticos e
institucionais.

Figura 3 – Relação entre as categorias analíticas da interlocução do PNAE com a agricultura


familiar

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A utilização destas categorias para análises teóricas, epistemológicas e empíricas


servem como sugestões para agendas de pesquisas que contemplem elementos destas
categorias ou a inter-relação entre elas. Além disso, os elementos elencados como códigos das
categorias analíticas servem para orientar diferentes atores sociais no propósito de
qualificação do que vem sendo efetivado, sendo postas alternativas tanto para a
Administração Pública quanto para a categoria da agricultura familiar.
As implicações práticas dessa pesquisa surgem a partir da análise das dificuldades
encontradas pelos agricultores familiares para o acesso e execução do PNAE mencionadas
pelos trabalhos. As barreiras sanitárias, que desencadeiam entraves relacionados, por
exemplo, à adequação para comercialização de alimentos de origem animal, indica que são
necessárias ações complementares por parte de outras políticas públicas para o
assessoramento dos agricultores familiares para a produção animal, o que esbarra também no
38
gargalo da assistência técnica. O conjunto de ações voltadas para o gerenciamento entra nas
dificuldades relatadas pelos trabalhos, como carência da capacitação aos agricultores que
fazem parte da diretoria de associações e cooperativas. Estes elementos indicam que, não
basta incentivar que a agricultura familiar alcance novos mercados, como os mercados
institucionais, são necessários conjuntos de atividades voltadas para a produção e para o
gerenciamento das propriedades rurais e das organizações formais da agricultura familiar.
Outras dificuldades se referem a gargalos de infraestrutura, como problemas de
logística e de transporte para escoamento dos produtos; precariedade na infraestrutura para
processamento, armazenamento e transporte das mercadorias e inexistência de infraestrutura
para a criação de agroindústrias. Estes fatores levam à necessidade de maior disponibilidade
de recursos financeiros, o que se pode ser melhorado com a articulação de políticas públicas
de crédito rural, como o PRONAF. Se esses obstáculos são mais presentes em organizações
formais da agricultura familiar do que no âmbito da propriedade individual, conforme foi
possível perceber pelos resultados das pesquisas, torna-se relevante o fomento a linhas de
crédito rural específicas para associações e cooperativas da agricultura familiar com maior
assessoramento por parte dos órgãos governamentais para que os projetos de infraestrutura
sejam realizados corretamente conforme as necessidades destas organizações.
Ademais, cabe aos órgãos governamentais maior divulgação das chamadas públicas do
PNAE para aquisições da agricultura familiar e adequação do preço pago pelos gêneros
alimentícios condizentes com a qualidade exigida. Se o que está em jogo é a substituição das
licitações por chamadas públicas, o poder público deve levar em consideração as
particularidades da agricultura familiar que fazem com que os produtos sejam diferentes do
que alimentos industriais que anteriormente à Lei nº 11.947/2009 eram adquiridos por meio
de licitações. Além do retorno financeiro que a compra institucional do PNAE gera para a
agricultura familiar, tem-se um retorno para os alunos beneficiários da alimentação escolar em
termos não só da garantia de do direito à alimentação, mas, também, do direito a uma
alimentação saudável, conforme os princípios da SAN.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão da literatura traz cinco categorias analíticas extraídas de pesquisas no
PNAE como mercado institucional para a agricultura familiar: i) Trajetória e marco legal; ii)
Aspectos político-institucionais; iii) Atributos da agricultura familiar; iv) Fatores de sucesso;
v) Barreiras. A categoria trajetória e marco legal retrata o PNAE como mercado institucional
para a agricultura familiar considerando os diferentes instrumentos legais instituídos ao longo
39
do tempo. A segunda categoria envolve elementos que mostram como a as políticas públicas,
e especificamente o PNAE, precisam da participação da sociedade civil e da articulação de
diferentes atores sociais. A terceira categoria discorre aborda tipos de agricultura familiar, o
papel das organizações formais e como o PNAE contribui para a geração de capital social. A
análise dos aspectos positivos do PNAE realça contribuições ao desenvolvimento, territorial,
local, sustentável, e à inovação. A quinta categoria reúne barreiras, tanto por parte dos
agricultores familiares para acessar o PNAE quanto por parte de instituições públicas para
executá-lo na forma de chamada pública para o segmento da agricultura familiar.
Os resultados encontrados nesta pesquisa revelam que a Lei nº 11.947/2009 é
componente fundamental ao fomento à agricultura familiar, contudo, atender ao critério de
compra mínima de 30% de alimentos da agricultura familiar não é suficiente. São necessárias
ações complementares, principalmente, em termos de assistência técnica, treinamentos em
termos de gerenciamento e capacidade de produção e alinhamento entre os atores sociais para
que os alimentos atendam às exigências. Há, ainda, desafios de ordem burocrática na emissão
de documentos e no atendimento a requisitos da legislação higiênico-sanitária.
O PNAE como mercado institucional para a agricultura familiar foi aqui pautado em
um escopo de 32 artigos científicos, a partir da aplicação de critérios de revisão da literatura
com base em publicações com classificação Qualis no Portal de Periódicos CAPES na área de
Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo. Como sugestões para
estudos futuros fica posta a ampliação da base de busca e de dados para identificação e
caracterização de tendências da pesquisa acerca do PNAE na agricultura familiar em outros
domínios da Ciência; a validação das categorias propostas neste estudo em pesquisas nível de
pós-graduação stricto sensu e em pesquisas empíricas, assim como também estudos
comparativos do PNAE com políticas públicas semelhantes de outros países.

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43
ARTIGO II

Agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): revelando


a natureza epistemológica da pesquisa stricto sensu e conciliando categorias analíticas
com a publicação científica na Ciência Administrativa

Resumo: Este artigo tem como objetivo conciliar categorias analíticas da inserção da
agricultura familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) a partir de
interfaces entre a publicação científica e a pesquisa stricto sensu no Brasil no domínio da
Ciência Administrativa. Para tanto, traz, preliminarmente, exercício de classificação de tais
pesquisas no Círculo das Matrizes Epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016). Os procedimentos
metodológicos delineiam o modo como as oito dissertações catalogadas na Biblioteca
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) foram selecionadas. O exercício de classificação
no Círculo situa três pesquisas na fronteira da matriz empírico-analítica com a matriz
hermenêutica, uma pesquisa na fronteira da matriz hermenêutica com a matriz crítica e quatro
na matriz hermenêutica. Tal resultado admite conciliação com as cinco categorias analíticas
derivadas do processamento da publicação em revista científica: i) Trajetória e marco legal, ii)
Aspectos político-institucionais, iii) Atributos da agricultura familiar, iv) Fatores de sucesso,
v) Barreiras – revelando que, mesmo transitando em matrizes epistemológicas distintas, as
pesquisas em PNAE e agricultura familiar, na pós-graduação stricto sensu na Ciência
Administrativa, possuem elementos comuns à publicação científica na área. Como sugestão
para pesquisas futuras, vale indicar a pertinência de experimentação, em outras áreas/grandes
áreas do conhecimento, das categorias aqui pontuadas mediante uso de outros bancos de
dados, tanto em termos de repositórios de teses e dissertações quanto em portais de
periódicos, inclusive pelo emprego de ferramentas quantitativas em revisões bibliométricas.

Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Agricultura familiar.


Ciência Administrativa. Círculo das matrizes epistêmicas. Categorias analíticas.

44
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo conciliar categorias analíticas da inserção da agricultura
familiar no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) a partir de interfaces entre a
publicação científica e a pesquisa em nível de pós-graduação stricto sensu no Brasil no
domínio da Ciência Administrativa. Para tanto, traz, preliminarmente, exercício de
classificação de tais pesquisas no Círculo das Matrizes Epistêmicas (PAES DE PAULA,
2016), para, então, traçar simetrias entre o resultado obtido e as categorias geradas no
processamento da publicação em revistas científicas no artigo anterior.
O presente estudo mostra-se relevante tanto pela pertinência da qualificação da
natureza epistemológica dos estudos no PNAE no âmbito da Ciência Administrativa quanto
pelo fornecimento de categorias analíticas para estudos organizacionais no tema.
Considerando os diferentes focos de análise relacionados à pesquisa no PNAE, esta pesquisa
se volta para interfaces do PNAE com a agricultura familiar, uma vez que tal escolha abarca,
por um lado, uma política pública e, por outro, um setor produtivo, ambos objetos de interesse
da Ciência Administrativa. Esse critério mostrou-se oportuno visto que o PNAE passou a se
constituir política pública direcionada a dois setores econômicos simultaneamente – educação
e agricultura familiar – a partir da Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009.
É oportuno destacar que a participação da agricultura familiar em uma política pública
como o PNAE viabilizou não apenas a propagação do interesse pelo Programa nas várias
áreas do conhecimento, mas, também, opções de conteúdo. É por esse trajeto que o tema
ultrapassa, na Ciência Administrativa, por exemplo, o círculo específico de estudos em gestão
pública e políticas públicas para alcançar outras disciplinas. O PNAE comporta estudos em
Logística, Produção e Marketing, entre outras disciplinas, considerando que se encontra
reunindo o consumo de alimentos no sistema educacional como política pública a sistemas de
produção, distribuição e comercialização de produtos da agricultura familiar. Esse ponto
merece destaque para justificar a escolha pelo domínio da Ciência Administrativa.
A pesquisa aqui pautada mostra-se relevante, ainda, por ampliar possibilidades
acadêmicas à Ciência Administrativa e à formação em Administração em direção aos
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Lei nº 11.947/2009 situa o PNAE para
além da pauta do combate à pobreza e à fome e ao fomento à segurança alimentar pelo
mercado consumidor qual seja, o sistema escolar público. A pauta de possibilidades está
fortemente ampliada a partir do setor produtivo, envolvendo condições de trabalho, produção
e comercialização no setor econômico da agricultura familiar.

45
A agricultura familiar no PNAE abriu possibilidades, entre outras, para a pauta de
padrões de produção e de consumo, igualdade de gênero no meio rural, disponibilidade e
gestão sustentável da água e saneamento para todos e uso de fontes alternativas de energia
(em virtude do aumento da demanda por produtos agropecuários na alimentação escolar),
crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, trabalho decente, industrialização
inclusiva e sustentável e fomento à inovação no campo, sustentáveis. Considere-se, por fim,
as possibilidades de parcerias entre o ensino superior em Administração (integrado a outras
áreas do conhecimento) e o setor da agricultura familiar.
Está em pauta, de modo integrativo, revisões sistemáticas de pesquisas e publicações
na Ciência Administrativa que envolvem organizações rurais a exemplo de cooperativas e
associações que executam políticas públicas de compras governamentais para o sistema
pública de educação básica. Em perspectiva ampla, o presente estudo aponta possibilidades
para ensino, pesquisa e extensão em Administração não centradas em organizações urbanas,
conforme abordou Calazans et. al. (2019), no relato de uma experiência em que estudantes e
docentes do Curso de Administração da UFRN, usem-se a pares de outras áreas do
conhecimento na materialização de pesquisa-ação que intenta fomentar agricultores familiares
para acesso ao PNAE. O trajeto deste texto persegue caminho similar, ainda que
indiretamente.
Considerando os elementos de interseção entre alimentação escolar e agricultura
familiar, esta pesquisa se orienta pela seguinte questão: como se articulam categorias
analíticas derivadas da publicação científica e da pesquisa na pós-graduação stricto sensu, no
domínio da Ciência Administrativa, referente à inserção da agricultura familiar no PNAE?
Para responder à questão proposta, além desta introdução, o texto resgata, na sequência, tema
de epistemologia para situar o modelo de Paes de Paula (2016) do Círculo das Matrizes
Epistêmicas como alternativa aos paradigmas de Burrell e Morgan (1979). Posteriormente, o
tópico dos procedimentos metodológicos sintetiza critérios de busca, seleção e classificação
das pesquisas em nível de pós-graduação stricto sensu no domínio da Ciência Administrativa.
Os tópicos seguintes sumarizam a classificação das pesquisas no referido Círculo,
encaminhamento para estabelecer interfaces do resultado com classes geradas do
processamento de categorização da publicação em revistas científicas, procedido
anteriormente. Por fim, as considerações finais sumarizam os principais achados do exercício
efetivado, apontando lacunas e sugestões para trabalhos futuros.

46
2. PROPOSTA TEÓRICA PARA A ANÁLISE DA TEORIA SOCIAL: O CÍRCULO
DAS MATRIZES EPISTÊMICAS
Na obra “Sociological Paradigms and Organizational Analysis”, Burrell e Morgan
(1979) propõem que a teoria social pode ser compreendida em termos de quatro paradigmas-
chave baseados em diferentes conjuntos de pressupostos metateóricos relacionados à natureza
da ciência social e à natureza da sociedade. Os pressupostos são considerados quanto à díade
subjetiva-objetiva, em que: a) metodologias que tratam o mundo social como experiências
objetivas consideram a realidade como sendo concreta e abstrata; b) nas metodologias que
tratam o mundo social como experiência subjetiva, o interesse principal é com o entendimento
da maneira como o indivíduo cria, modifica e interpreta o mundo no qual ele se descobre.
Quanto aos pressupostos sobre a natureza da sociedade na díade regulação-mudança
radical, os autores definem que: a) regulação trata de status quo, ordem social, consenso,
integração, coesão social, solidariedade, satisfação de necessidade e realidade presente; b)
mudança radical trata de conflito estrutural, modos de dominação, contradição, emancipação,
provação e potencialidade. Burrell e Morgan (1979) propõem, a partir das linhas gerais que
nomeiam, quatro paradigmas para análise da teoria social – funcionalista, interpretativista,
humanista radical e estruturalista radical – conforme síntese do Quadro 1. Burrell e Morgan
(1979) afirmam que os quatro paradigmas são mutuamente exclusivos e que eles fornecem
pontos de vista alternativos sobre a realidade social.

Quadro 1 - Quatro paradigmas para a análise da teoria social (BURREL; MORGAN 1979)
Quadro de
Paradigma Características Dimensão
referência
Está voltado para explanações essencialmente
racionais de assuntos sociais. Altamente
Funcionalista pragmático em orientação, frequentemente Sociologia Objetivista
orientado para o problema, envolvido em prover da regulação
soluções práticas.
É informado por um interesse em entender o
mundo como ele é, busca explanações dentro do Sociologia
Interpretativista Subjetivista
quadro de referência do participante, em oposição da regulação
ao do observador da ação.
Está envolvido com uma visão da sociedade que Sociologia
Humanista radical enfatiza a importância de destruir ou de transcender da mudança Subjetivista
as limitações dos arranjos sociais existentes. radical
Está comprometido em uma análise que enfatiza Sociologia
Estruturalista radical conflito estrutural, modos de dominação, da mudança Objetivista
contradição e privação. radical
Fonte: Elaborado com base em Burrell e Morgan (1979).

Burrel e Morgan (1979) tomam como base pressupostos de Kuhn (1998), que aborda o
desenvolvimento científico como sucessão de períodos conectados à tradição e pontuados por
47
rupturas não cumulativas, em que a ciência possui caráter objetivo para a resolução de quebra-
cabeças por meio de sistemas de valores que grupos científicos apresentam em períodos de
crise e decisão. Kuhn (1998) defende a tese da incomensurabilidade dos paradigmas
epistemológicos, considerando que, uma vez concorrentes, são incompatíveis e não possuem
critérios empíricos compartilhados.
De acordo com Caldas (2005), o esquema dos paradigmas em estudos organizacionais
proposto por Burrell e Morgan (1979) é essencial ao pesquisador desse campo, e, o impacto
de tal exercício teórico teve papel crucial na popularização e crescente aceitação de tradições
teóricas críticas e interpretativas na Teoria Organizacional. Por outro lado, Caldas (2005)
destaca que os paradigmas de Burrell e Morgan (1979) passaram a ser criticados como
idealizadores de um modelo que catalisou a proliferação de perspectivas concorrentes e gerou
polarização e segregação das perspectivas analíticas no campo dos estudos organizacionais.
As críticas ao fato dos paradigmas de Burrel e Morgan (1979) serem mutuamente
excludentes levou ao desenvolvimento de modelos com abordagens multiparadigmáticas,
como por exemplo, o de Lewis e Grimes (2005), que trazem abordagens multiparadigmáticas
no auxílio à exploração de fenômenos particularmente complexos e paradoxais ao
estimularem teóricos a utilizar perspectivas teóricas distintas. Os autores desenvolveram um
extenso guia de modelos multiparadigmáticos e relacionaram suas diferentes abordagens em
uma estratégia de metatriangulação na construção de teorias. Dessa forma, Lewis e Grimes
(2005) abordam a produção dos pesquisadores multiparadigmáticos e interparadigmáticos,
apresentando vantagens, limitações e aplicações potenciais da metatriangulação no campo da
Teoria Organizacional.
Outra crítica aos paradigmas de Burrel e Morgan (1979) é a base na lógica de
pensamento kuhniana (PAES DE PAULA, 2016). Kuhn (1998) utiliza o termo paradigma em
dois sentidos: como uma constelação de crenças, valores, técnicas, partilhados pelos membros
de uma comunidade determinada; e, como um tipo de elemento dessa constelação, as soluções
concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos que podem
substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes quebra-cabeças da ciência
normal. Paes de Paula (2016) destaca que Burrel e Morgan (1979) usam o termo paradigma
no sentido sociológico, contudo, para serem kuhnianos, deveriam ser considerados
conjuntamente no sentido científico, o que nem sempre é plausível nas ciências sociais, em
consequência da dificuldade de se estabelecer modelos exemplares para solução de
problemas.

48
Em vez dos paradigmas sociológicos, Paes de Paula (2016) sugere sistemas de
produção de conhecimento, ao que denomina como abordagens sociológicas orientadas por
três matrizes epistêmicas: a matriz empírico-analítica, a matriz hermenêutica e a matriz
crítica. O Círculo das Matrizes Epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016) faz, alternativamente,
referência aos tipos de ciências analisadas por Jürgen Habermas a partir de três tipos de
interesses cognitivos: técnico, prático e emancipatório. Esses interesses orientadores do
conhecimento são como guias gerais ou estratégias gerais que guiam as várias formas de
pesquisa (HABERMAS, 1982).
Para Habermas (1982), o interesse técnico está relacionado com as ciências empírico-
analíticas, uma vez que essas apreendem os fenômenos em vista da disponibilidade técnica e
exploram a realidade à medida que se manifestam no raio da atividade instrumental. O
interesse prático está relacionado às ciências hermenêuticas, visto que estas apreendem
interpretações da realidade em vista da intersubjetividade, de uma compreensão mútua,
suscetível a orientar a ação para uma situação hermenêutica inicial. O interesse
emancipatório, por sua vez, refere-se à experiência da autorreflexão, pois, é um conhecimento
entendido como fim em si mesmo – o ato de executar a reflexão é, simultaneamente, o
movimento da emancipação. O interesse emancipatório está de acordo com os pressupostos da
teoria crítica, quando objetiva o esclarecimento e na desocultação da realidade.
De acordo com Paes de Paula (2016), no Círculo das Matrizes Epistêmicas transitam
diversas abordagens sociológicas constituídas por respectivas teorias e metodologias e cada
uma remete a um conjunto teórico-metodológico. A autora entende não haver limite para o
número de abordagens no domínio da produção do conhecimento, de tal modo que elas vão
além dos quatro “paradigmas” de Burrell e Morgan (1979). Cada uma das matrizes
epistêmicas do Círculo proposto por Paes de Paula (2016) se inspira em uma filosofia, lógica
de pensamento e tipo de interesse particular: i) filosofia positiva, lógica formal e interesse
técnico (matriz empírico-analítica); ii) filosofia hermenêutica, lógica interpretativa e interesse
prático (matriz hermenêutica); iii) filosofia negativa, lógica dialética e interesse emancipatório
(matriz crítica). A Figura 1 ilustra o esboço do modelo elaborado por Paes de Paula (2016).

49
Figura 1 - Círculo das Matrizes Epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016)

Fonte: Adaptada de Paes de Paula (2016).

Diferentemente dos quatro paradigmas de Burrell e Morgan (1979), que se mostram


mutuamente excludentes, o Círculo é dinâmico, e cada matriz tem o reflexo da outra (PAES
DE PAULA, 2016). É, pois, em virtude dessa contingência, que o Círculo é empregado no
presente exercício teórico, para classificar pesquisas stricto sensu no âmbito da Ciência
Administrativa, com foco na abordagem epistemológica adotada por pesquisas que abordam a
participação da agricultura familiar no PNAE. Conforme destaca Paes de Paula (2016), o
Círculo representa uma unidade do conhecimento, e, desse modo, as ciências sociais e os
estudos organizacionais deveriam ser capazes de desenvolver pesquisas que abarquem
interesse técnico, interesse prático e interesse emancipatório. Ademais, o trânsito das teorias e
metodologias pode levar a reconstruções epistêmicas avançadas dando origem a abordagens
sociológicas híbridas, que têm a propriedade de transitar entre as matrizes epistêmicas.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A sintetização do estado da arte da pesquisa da participação da agricultura familiar no


PNAE a partir da Lei No 11.947/2009 tomou como base teses e dissertações disponíveis na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A construção da revisão
sistemática deu-se com aporte do protocolo Principais Itens para Relatar Revisões
Sistemáticas e Meta-Análises (PRISMA), que consiste em um checklist com 27 itens e um
50
fluxograma de quatro etapas - identificação, seleção, elegibilidade e inclusão - com a
descrição dos itens que devem ser incluídos (MOHER et al., 2015).
Primeiramente, realizou-se busca de teses no portal da BDTD com o descritor
“alimentação escolar”, no campo “resumo em português”, com restrição de ano, a partir de
2009, em virtude da referida Lei No 11.947/2009 (quando se instituiu a compra governamental
de alimentos da agricultura familiar no PNAE). A busca foi realizada em junho de 2017
retornando 44 resultados, sem qualquer tese vinculada a programa de pós-graduação em
Administração ou Administração pública. Em junho de 2019 nova busca foi realizada, com o
propósito de atualização, igualmente sem qualquer registro de tese em Administração e
Administração Pública no BDTD. A aplicação das etapas sugeridas pelo PRISMA é detalhada
na Figura 2.
Em termos de dissertações, ocorreram 166 registros em junho de 2017 e 250 registros
em junho de 2019. No lapso de dois anos, portanto, 84 novas dissertações ocorreram no tema
alimentação escolar. Do total de 250 dissertações, oito foram selecionadas em virtude da
ocorrência em programas de Administração e Administração Pública. A seleção no domínio
da Ciência Administrativa se justifica pelo fato de o Círculo das Matrizes Epistêmicas (PAES
DE PAULA, 2016) se constituir esboço teórico voltado para estudos organizacionais. Por
isso, a análise adiante realizada não contempla o PNAE como objeto de estudo em outras
áreas do conhecimento. Na fase de elegibilidade, as oito dissertações selecionadas foram
mantidas para compor a análise, uma vez que o conjunto aborda a presença da agricultura
familiar na execução do PNAE. Esse dado, por si, indica que o interesse da pesquisa, em nível
de pós-graduação stricto sensu no domínio da Ciência Administrativa, na política de
alimentação escolar, aparece estimulado pela inserção da agricultura familiar como setor
econômico inserido na execução do PNAE a partir de 2009.

51
Figura 2 - Etapas da aplicação do PRISMA para a inclusão das pesquisas stricto sensu

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Para o enquadramento no Círculo, foi realizada a leitura das dissertações com foco na
coleta de características que favorecessem o exercício de enquadramento, em especial pelo
tipo de abordagem metodológica utilizada – qualitativa, quantitativa, mista - e pelo tipo de
interesse do conhecimento - técnico, prático, emancipatório (HABERMAS, 1982). Concluída
a fase de enquadramento da pesquisa no Círculo, adveio a fase de intercalação do resultado do
enquadramento epistemológico com o produto gerado no artigo precedente, qual seja, a
revisão sistemática realizada a partir da produção intelectual indexada ao Portal de Periódicos
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

4. A PESQUISA EM NÍVEL DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU À LUZ DO


CÍRCULO DAS MATRIZES EPISTÊMICAS
A aplicação dos critérios apresentados nos procedimentos metodológicos resultou na
análise de oito dissertações, identificadas no Quadro 2. Cinco estão concentrados na
Universidade Federal de Viçosa (UFV) e os demais distribuídos entre Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
52
Universidade Federal de Goiás (UFG). Não há registro de pesquisa em instituições do Norte e
do Nordeste. A vinculação institucional dos autores e orientadores reflete acúmulo de
interesse pelo tema em municípios mineiros, especialmente pela presença destacada da UFV,
localizada no estado de Minas Gerais.

Quadro 2 - Produção acadêmica stricto sensu do PNAE na Ciência Administrativa


Autoria/Ano Programa/Universidade Título
Efeitos dos programas governamentais de aquisição de
CUNHA (2015) Administração/UFV
alimentos para a agricultura familiar no contexto local
Administração (Mestrado O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE):
EL TUGOZ (2015) profissional) / um estudo da efetividade no cumprimento das ações para
UNIOESTE fortalecer a agricultura familiar
Inovação social e tecnologia social: o caso da Cadeia
FRANZONI (2015) Administração/UFRGS Curta de agricultores familiares e a alimentação escolar
em Porto Alegre/RS
Programa Nacional de Alimentação Escolar: Análise do
SILVA (2015) Administração/UFV Processo de implementação no município de Belo
Horizonte-MG
Cooperativismo, políticas públicas e redes sociais:
SANTOS (2016) Administração/UFV
Perspectivas para a promoção do desenvolvimento rural
O processo de empoderamento da mulher rural e o
BARBOSA (2017) Administração/UFV Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): o
caso de Viçosa-MG
Entraves à participação dos agricultores familiares no
Administração Pública
PINTO (2017) Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma análise
(PROFIAP)/UFV
comparada dos municípios Acaiaca e Sem peixe – MG
Gestão de compras do Programa Nacional de
Administração Pública Alimentação Escolar para o aumento da participação de
CORREIA (2019)
(PROFIAP)/UFG agricultores familiares nas aquisições do Instituto
Federal Goiano
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Todos são estudo de casos, dos quais, dois como estudo de casos múltiplos (SANTOS,
2016; PINTO, 2017). Com relação às unidades de análise das pesquisas, foi observada uma
lacuna, pois, todos consideraram contexto municipal, organizacional, sem qualquer
perspectiva mais ampla - territorial, regional, estadual ou nacional. Duas pesquisas, fora do
estado de Minas Gerais, pertencem a instituições do Sul e realizaram análises empíricas da
participação da agricultura familiar no PNAE em municípios de Toledo e de Porto Alegre,
localizados nos respectivos estados do Paraná e do Rio Grande do Sul. No caso da UFG, a
autora focou a instituição pública compradora, atentando para melhorias às restrições no
processo de aquisições de alimentos por meio do PNAE no Instituto Federal Goiano.
Duas dissertações abordam temas em Administração que se distanciam do interesse da
Administração Pública, quais sejam: na UFRGS. inovação social e tecnologia social em
estudo de cadeia curta de comercialização; na UNIOESTE, a efetividade do PNAE em ações

53
para contribuir com a agricultura familiar, mediante a identificação de percepções de
consumidores em escola pública (estudantes) e pela viabilidade financeira da produção
agrícola de produtos orgânicos para a alimentação escolar no sistema público de ensino do
Paraná. As outras seis pesquisas – no Programa de Pós-graduação em Administração da
UFV, no Programa de Pós-graduação em Administração Pública em Rede Nacional
(PROFIAP) da UFV e na UFG – têm centralidade em temas da Administração Pública. São
estudos voltados à sistematização de efeitos dos programas de compras governamentais de
alimentos da agricultura familiar, ao processo de implementação e entraves inerentes à
execução do PNAE, a possibilidades de desenvolvimento rural por meio de redes sociais
envolvendo cooperativas e políticas públicas, ao papel da mulher rural na execução do PNAE
e à gestão de compras por órgão público.
As pesquisas foram analisadas, por um lado, considerando o modo como se
enquadram em termos de natureza epistemológica, e, por outro, pelo trajeto para a
interlocução com o produto do artigo anterior desta tese, gerado a partir do processamento da
publicação científica brasileira no tema. As oito dissertações foram classificadas com base nas
definições atinentes ao Círculo das Matrizes Epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016),
conforme síntese da Figura 3. As pesquisas de El Tugoz (2015), Santos (2016), Barbosa
(2017) e Correia (2019) se encontram situadas entre duas matrizes – empírico-analítica e
hermenêutica – enquanto uma (BARBOSA, 2017) está entre a hermenêutica e a crítica. As
demais (quatro) se situam na matriz hermenêutica.

Figura 3 - Classificação das pesquisas stricto sensu no Círculo das Matrizes Epistêmicas

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.


54
Na matriz hermenêutica, as dissertações privilegiam esforços interpretativos na
apreensão da realidade e a preferência pelo interesse prático, buscando analisar/compreender
desdobramentos do PNAE para a agricultura familiar e para diferentes atores sociais
envolvidos. Além disso, são pesquisas predominantemente qualitativas, uma das
características do alinhamento metodológico das abordagens epistêmicas hermenêuticas. Há
interesse de interpretação da realidade na pesquisa de Cunha (2015), que compreendeu
implicações das políticas públicas de compra governamental e efeitos gerados na agricultura
familiar por meio de um estudo qualitativo em uma cooperativa da agricultura familiar
localizada em Espera Feliz/MG. O autor entrevistou famílias de agricultores familiares, a
diretoria da cooperativa, técnico da Emater local e nutricionista e constatou que a compra
institucional de alimentos da agricultura familiar possui características inovadoras ao inserir
estratégias intersetoriais de segurança alimentar com desenvolvimento rural. Cunha (2015)
destaca que políticas públicas como o PNAE desencadeiam vários efeitos para o
fortalecimento da agricultura familiar, a exemplo da organização formal de agricultores.
Franzoni (2015) analisou a cadeia curta de agricultores familiares fornecedora da
alimentação escolar de Porto Alegre/RS sob as perspectivas da inovação social, da tecnologia
social e das cadeias agroalimentares curtas, entrevistando gestores públicos e representantes
de cooperativas e associações da agricultura familiar. O autor mostra como as cadeias
agroalimentares curtas (como a venda de alimentos da agricultura familiar diretamente para a
alimentação escolar) são um novo padrão emergente de desenvolvimento rural, pois surgem
como alternativa e como evolução das cadeias tradicionais, quando exigências dos
consumidores, forçam a adaptação de toda a dinâmica do mercado agroalimentar.
Outro esforço de analisar o fenômeno considerando a perspectiva dos atores
envolvidos também ocorre em Silva (2015), que descreve fatores facilitadores e impeditivos
para a implementação da Lei 11.947/2009 no município de Belo Horizonte/MG.
Considerando a perspectiva dos gestores públicos e de membros do Conselho de Alimentação
Escolar (CAE), Silva (2015) destaca o PNAE como estratégia para a promoção da Segurança
Alimentar e Nutricional (SAN), por conter, entre suas diretrizes, o direito à alimentação,
visando à garantia da alimentação em quantidade e qualidade para os alunos matriculados na
rede pública de ensino. O autor salienta os diversos temas abordados e defendidos pelas
políticas de SAN tais como: acesso à alimentação; qualidade dos alimentos; diversidades
culturais e gastronômicas; acesso à saúde; condições higiênico-sanitárias; acesso à informação
sobre hábitos saudáveis de alimentação e de como isso influencia na qualidade de vida.

55
Pinto (2017) buscou compreender entraves à participação no PNAE de agricultores
familiares de duas associações dos municípios mineiros de Acaiaca e Sem Peixe,
entrevistando agricultores familiares que participavam das associações desde sua criação,
além da realização da observação participante. Mapeando os entraves encontrados, como por
exemplo, ausência de planejamento da produção, o autor sugere propostas de intervenção,
como formações orientadas para o planejamento da produção, movimentos de
conscientização, acompanhamento contínuo das atividades e estudo da viabilidade da
contratação de técnico exclusivo para acompanhar o planejamento de cada propriedade rural.
Assim, torna-se factível assumir que na pesquisa de Pinto (2017) está presente a orientação
para o interesse prático, com a utilização da práxis para fundamentar proposições de
intervenção, como mediação entre os resultados encontrados pela pesquisa e a realidade
vivenciada pelos agricultores familiares.
Quanto às pesquisas que transitaram entre matrizes epistêmicas diferentes
(hermenêutica e empírico-analítica), há esforços interpretativos na apreensão da realidade e
interesse técnico, pois, ao tempo que são orientados pela compreensão social, por meio da
comunicação e interpretação, utilizam de técnicas quantitativas de análise. A dissertação de
Santos (2016) está na transição entre matriz empírico-analítica a matriz hermenêutica, pois a
autora utiliza da lógica interpretativa para mostrar como fatores associados à trajetória
histórica, ao gerenciamento, à assistência técnica e às redes sociais tornam-se diferencias para
que cooperativas da agricultura familiar possam ser articuladoras do mercado institucional via
PNAE por meio da visão de mundo dos diretores destas organizações. A dissertação também
aplica técnicas quantitativas robustas, como Análise Multivariada de Dados, Análise Fatorial,
elaboração de um Índice de Desenvolvimento Rural e aplicação de um Modelo Logit
Multinominal, o que faz com que a dissertação também se oriente pelo interesse técnico,
devido ao rigor das proposições matemáticas aplicadas.
Como Santos (2016), a pesquisa de El Tugoz (2015) também se enquadra na matriz
hermenêutica e na matriz empírico-analítica. O motivo da classificação na matriz
hermenêutica refere-se ao esforço em analisar os entraves à execução do PNAE considerando
a perspectiva dos agricultores familiares de associações e cooperativas do estado do Paraná.
Já quando El Tugoz (2015) faz análise de viabilidade financeira de produzir alimentos
orgânicos para a alimentação escolar, calculando custos de produção e projeção do retorno
financeiro das vendas para diferentes mercados, a pesquisa segue para a matriz empírico-
analítica pela predominância da instrumentalidade dos cálculos matemáticos.

56
Correia (2009) também se enquadrada na transição entre as matrizes hermenêutica e
empírico-analítica, uma vez que se utiliza de análise qualitativa para identificar gargalos no
processo de compra do Instituto Federal Goiano a partir da percepção do agricultor familiar e
do gestor público, o que se enquadra na matriz hermenêutica. O interesse prático pode ser
visualizado pela elaboração da proposta de intervenção na identificação de falhas no processo
de aquisição, via PNAE, por meio de atividades de capacitação, tanto do gestor (reuniões e
cursos específicos) quanto do agricultor (projeto de extensão do Instituto Federal Goiano). O
trabalho de Correia (2019) também apresenta elementos da matriz empírico-analítica, pois,
são utilizadas diferentes técnicas quantitativas, como análise categórica de dados, diagrama de
caixa, matriz de correlação, análise de variância, análise de componentes principais,
comparação por gráfico de barras. Tais técnicas quantitativas foram utilizadas para agrupar as
falhas identificadas no processo de compra da agricultura familiar para a alimentação escolar
e compará-las entre si.
Já a pesquisa de Barbosa (2017), foi localizada entre a matriz hermenêutica e a matriz
crítica e a razão disso está no próprio objetivo do trabalho, que buscou analisar como o PNAE
contribuiu para o processo de empoderamento das agricultoras familiares do município de
Viçosa/MG. A lógica interpretativa se manifesta nas entrevistas realizadas por Barbosa
(2017), com agricultoras beneficiárias e não beneficiárias na execução do PNAE, captando
quatro dimensões do empoderamento (econômica, social, familiar e pessoal) na vida de
mulheres rurais. O fato de a pesquisa de Barbosa (2017) se encontrar direcionada à análise do
empoderamento feminino, assume interesse emancipatório. A participação da mulher nas
políticas públicas constitui-se alternativa ao paradigma tradicional das relações de trabalho na
agricultura familiar, caracterizadas pela seguinte divisão de tarefas, devidamente destacadas
pela autora: do lar, atribuídas à mulher; de produção, ao homem. Este aspecto vai ao encontro
do que Paes de Paula (2016) retrata como viés de emancipação, que deve ser tomado, para
além de uma face utópica e teórica, para configurar atuação em assuntos públicos. O interesse
emancipatório também está relacionado à autorreflexão, ao esclarecimento, à desocultação da
realidade e à liberdade do homem nos mais variados espaços da sua vida (HABERMAS,
1982). O Quadro 3 sintetiza as correspondências traçadas entre as matrizes e características
epistêmicas identificadas nas dissertações.

57
Quadro 3 – Síntese dos critérios de enquadramento no Círculo de Matrizes Epistêmicas (PAES DE PAULA, 2016)

Autor (ano) Matriz (es) Atributos da matriz úteis à classificação Atributos da dissertação correspondentes
Lógica interpretativa focada na apreensão da realidade em vista da
intersubjetividade, por meio da análise dos efeitos gerados pelas políticas públicas
Lógica interpretativa de compra governamental de gêneros alimentícios da agricultura familiar em uma
CUNHA (2015) Hermenêutica
Abordagem metodológica qualitativa cooperativa.
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
agricultores familiares, diretoria da cooperativa, técnico da Emater e nutricionista.
Interesse técnico revelado pela apreensão da realidade por meio da atividade
Interesse técnico instrumental, com a utilização de técnicas quantitativas.
Empírico-Analítica
Abordagem metodológica quantitativa Abordagem metodológica quantitativa com a análise de viabilidade financeira,
cálculo de custos de produção e projeção do retorno financeiro de vendas.
Lógica interpretativa com ênfase na apreensão da realidade em vista de
intersubjetividade, por meio da análise dos entraves à execução do PNAE
EL TUGOZ (2015)
considerando a perspectiva de agricultores familiares de associações e
Lógica interpretativa cooperativas.
Hermenêutica
Abordagem metodológica qualitativa Abordagem metodológica qualitativa com a realização de pesquisa bibliográfica
por meio da análise de publicações, documentos oficiais e legislações. Aplicação
de um questionário com perguntas abertas e fechadas para representantes de
cooperativas e associações de agricultores familiares.
Lógica interpretativa manifestada no esforço de apreensão da realidade em vista
da intersubjetividade, pela análise do PNAE como uma cadeia curta e um
FRANZONI (2015) Hermenêutica Lógica interpretativa mecanismo de inovação social e de tecnologia social.
Abordagem metodológica qualitativa Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com gestores
públicos e representantes de cooperativas e associações da agricultura familiar.
Lógica interpretativa direcionada à apreensão da realidade em vista da
intersubjetividade, por meio da análise dos fatores facilitadores e impeditivos para
Lógica interpretativa a implementação do PNAE pela perspectiva de gestores públicos e de membros
SILVA (2015) Hermenêutica
Abordagem metodológica qualitativa do CAE.
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com gestores
do PNAE, membros do CAE e análise documental.
Interesse técnico manifestado pelo esforço de apreensão da realidade por meio da
atividade instrumental, com a utilização de técnicas quantitativas.
Interesse técnico Abordagem metodológica quantitativa com a utilização de técnicas de Análise
Empírico-Analítica
SANTOS (2016) Abordagem metodológica quantitativa Multivariada de Dados, como Análise Fatorial, a elaboração de um Índice de
Desenvolvimento Rural e a aplicação de um Modelo Logit Multinominal.

58
Lógica interpretativa direcionada à apreensão da realidade em vista de
intersubjetividade, pela análise dos efeitos gerados pelo PNAE na gestão de
Lógica interpretativa cooperativas da agricultura familiar e nas suas respectivas redes de relações
Hermenêutica
Abordagem metodológica qualitativa sociais.
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
diretores de cooperativas da agricultura familiar.
Lógica interpretativa votada à apreensão da realidade em vista da
intersubjetividade, pela análise do PNAE como um mecanismo de
Lógica interpretativa
Hermenêutica empoderamento para agricultoras familiares.
Abordagem metodológica qualitativa
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
BARBOSA (2017) agriculturas familiares beneficiárias e não beneficiárias do PNAE.
Interesse emancipatório manifestado na desocultação da realidade por meio da
Interesse emancipatório realização de pesquisa com agricultoras familiares, visto que a participação da
Crítica
mulher nas políticas públicas constitui-se alternativa ao paradigma tradicional das
relações de trabalho no meio rural.
Lógica interpretativa presente pela via da apreensão da realidade em vista da
intersubjetividade, pela análise dos efeitos gerados pelo PNAE na gestão de
associações da agricultura familiar.
Lógica interpretativa
Interesse prático manifestado na utilização da práxis para fundamentar
PINTO (2017) Hermenêutica Interesse prático
proposições de intervenção, como mediação entre os resultados encontrados pela
Abordagem metodológica qualitativa
pesquisa e a realidade vivenciada pelos agricultores familiares.
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
membros de associações da agricultura familiar.
Interesse técnico ancorado na apreensão da realidade por meio da atividade
Interesse técnico instrumental, com a utilização de técnicas quantitativas.
Empírico-Analítica
Abordagem metodológica quantitativa Abordagem metodológica quantitativa com a utilização de técnicas como análise
categórica de dados, de variância e de correlações.
Lógica interpretativa ancorado na apreensão da realidade em vista da
intersubjetividade, pela participação de gestores públicos e agricultores familiares
CORREIA (2019) na identificação de falhas no processo de compras para a alimentação escolar.
Lógica interpretativa Interesse prático visualizado pela elaboração da proposta de intervenção na
Hermenêutica Interesse prático identificação de falhas no processo de aquisição, via PNAE, por meio de
Abordagem metodológica qualitativa atividades de capacitação, tanto do gestor quanto do agricultor familiar.
Abordagem metodológica qualitativa com a utilização da análise documental dos
processos de compras de alimentos para a alimentação escolar e de entrevistas
gestores de compras e com agricultores familiares.
Fonte: Classificação realizada pela autora (2020).

59
Feito o enquadramento nas matrizes epistêmicas, surge a seguinte indagação: como
estas pesquisas se classificariam considerando abordagens epistemológicas excludentes, como
os paradigmas de Burrell e Morgan (1979)? E resposta a tal questão, foi realizada a
classificação das pesquisas stricto sensu aqui pautadas, seguindo os atributos dos quadrantes
de Burrell e Morgan (1979).
A classificação das pesquisas stricto sensu aqui pautadas, seguindo os atributos dos
quadrantes de Burrell e Morgan (1979), põe El Tugoz (2015), Santos (2016) e Correia (2019)
no paradigma funcionalista, considerando o critério de utilização de metodologias que tratam
o mundo social como experiências objetivas, por meio da utilização de procedimentos
metodológicos quantitativos e pelo pragmatismo na orientação da resolução de problemas via
soluções matemáticas. As pesquisas de Silva (2015), Franzoni (2015), Cunha (2015), Pinto
(2017) e Barbosa (2017) ajustam-se ao paradigma interpretativista, pela utilização de
metodologias que tratam o mundo social como experiência subjetiva, por meio da utilização
de procedimentos metodológicos qualitativos como forma de compreender o modus operandi
pelo qual os indivíduos interpretam o fenômeno estudado. Não há, na análise procedida,
dissertação situada no paradigma estruturalista radical e nem no humanismo radical, pois, as
pesquisas com viés objetivista não enfatizam aspectos como conflito estrutural, modos de
dominação, contradição e privação. Por outro lado, pesquisas com viés subjetivista não
enfatizam a realidade como socialmente criada e socialmente sustentada.
A pesquisa de Barbosa (2017), classificada na transição da matriz empírico-analítica
para a matriz crítica no modelo de Paes de Paula (2016), ainda que subjetivista e com
apreensão da realidade pelo viés emancipatório, pelo empoderamento da mulher na política
pública,, não avança na crítica teórico-empírica a arranjos sociais do status quo do trabalho
rural centrado na dicotomia lar/mulher, produção/homem. Por essa razão, a pesquisa não se
enquadra no paradigma humanista radical de Burrell e Morgan (1979), pois, não possui um
alinhamento com a teoria crítica. A base da teoria crítica é a emancipação, conectada à
substituição de uma racionalidade instrumental por uma razão emancipatória, configurada
pelo conceito de racionalidade comunicativa, por uma reflexão radical coletiva, democrática,
e por uma renegociação política entendida como o domínio em que todos devem participar
(FREITAG, 1994). Barbosa (2017) não persegue interpretação com esse teor. O Quadro 4
sintetiza as correspondências traçadas entre os paradigmas e características epistêmicas
identificadas nas dissertações.

60
Quadro 4 - Síntese dos critérios de enquadramento nos Paradigmas Sociológicos e Análise Organizacional (BURREL, MORGAN; 1979)
Autor (ano) Paradigma Atributos do Paradigma úteis à classificação Atributos da dissertação correspondentes
Argumentações dentro do quadro de referência do participante por meio da
análise dos efeitos gerados pelas políticas públicas de compra governamental
de alimentos da agricultura familiar em uma cooperativa, considerando a
Busca explanações dentro do quadro de
experiência e visão de mundo de agricultores familiares, técnico da Emater e
CUNHA (2015) Interpretativista referência do participante.
nutricionista.
Abordagem metodológica qualitativa
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
agricultores familiares, diretoria da cooperativa, técnico da Emater e
nutricionista.
Argumentações essencialmente racionais por meio do pragmatismo na
orientação para a resolução de problemas sociais, diante da utilização de
Busca explanações essencialmente racionais de
técnicas quantitativas para a análise de viabilidade financeira de produzir
EL TUGOZ (2015) Funcionalista assuntos sociais.
alimentos orgânicos para a alimentação escolar.
Abordagem metodológica quantitativa
Abordagem metodológica quantitativa com a análise de viabilidade financeira,
cálculo de custos de produção e projeção do retorno financeiro de vendas.
Argumentações dentro do quadro de referência do participante por meio da
análise do PNAE como uma cadeia curta e um mecanismo de inovação social
e de tecnologia social, considerando a experiência e a visão de mundo de
Busca explanações dentro do quadro de
gestores públicos e representantes de cooperativas e associações da agricultura
FRANZONI (2015) Interpretativista referência do participante.
familiar na compreensão do mundo social.
Abordagem metodológica qualitativa
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
gestores públicos e representantes de cooperativas e associações da agricultura
familiar.
Argumentações dentro do quadro de referência do participante por meio da
análise dos fatores facilitadores e impeditivos para a implementação do
Busca explanações dentro do quadro de PNAE, considerando a experiência e a visão de mundo de gestores públicos e
SILVA (2015) Interpretativista referência do participante. de membros do CAE.
Abordagem metodológica qualitativa Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
gestores do PNAE, membros do CAE e análise documental.

Argumentações essencialmente racionais por meio do pragmatismo na


orientação para a resolução de problemas sociais, diante da utilização de
Busca explanações essencialmente racionais de
técnicas quantitativas para mensurar o grau de desenvolvimento rural dos
SANTOS (2016) Funcionalista assuntos sociais.
municípios mineiros e a influência da agricultura familiar neste indicador.
Abordagem metodológica quantitativa
Abordagem metodológica quantitativa com a utilização de técnicas de Análise
Multivariada de Dados, como Análise Fatorial, a elaboração de um Índice de

61
Desenvolvimento Rural e a aplicação de um Modelo Logit Multinominal.
Argumentações dentro do quadro de referência do participante por meio da
análise do PNAE como um mecanismo de empoderamento feminino,
Busca explanações dentro do quadro de
considerando a experiência e a visão de mundo de agriculturas familiares
BARBOSA (2017) Interpretativista referência do participante.
beneficiárias e não beneficiárias do PNAE.
Abordagem metodológica qualitativa
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
agriculturas familiares beneficiárias e não beneficiárias do PNAE.
Argumentações dentro do quadro de referência do participante por meio da
análise dos efeitos gerados pelo PNAE na gestão de associações da agricultura
Busca explanações dentro do quadro de
familiar, por meio da experiência e da visão de mundo de agricultores
PINTO (2017) Interpretativista referência do participante.
familiares.
Abordagem metodológica qualitativa
Abordagem metodológica qualitativa com a realização de entrevistas com
membros de associações da agricultura familiar.
Argumentações essencialmente racionais por meio do pragmatismo na
orientação para a resolução de problemas sociais, diante da utilização de
Busca explanações essencialmente racionais de
técnicas quantitativas para agrupar as falhas identificadas no processo de
CORREIA (2019) Funcionalista assuntos sociais.
compra da agricultura familiar para a alimentação escolar.
Abordagem metodológica quantitativa
Abordagem metodológica quantitativa por meio da utilização de técnicas
como análise categórica de dados, de variância e de correlações.
Fonte: Classificação realizada pela autora (2020).

62
O fato de os paradigmas de Burrel e Morgan (1979) serem mutuamente excludentes e
o Círculo das Matrizes Epistêmicas de Paes de Paula (2016) ser dinâmico, ou seja, cada
matriz tem o reflexo na outra, enfatiza um resultado relevante encontrado nesta pesquisa. Isto
porque, considerando os paradigmas de Burrel e Morgan (1979), não há, na análise procedida,
dissertação situada no paradigma estruturalista radical e nem no humanismo radical, havendo
espaço para a classificação das pesquisas apenas nos paradigmas funcionalista e
interpretativista. No entanto, algumas pesquisas apresentaram características nas quais fazem
com que não seja adequado classifica-las apenas em um paradigma, mas, considerando o
modelo de Burrel e Morgan (1979), não seria possível o enquadramento simultâneo em dois
paradigmas.
Em virtude dessa contingência, quando as pesquisas são classificadas no modelo de
Paes de Paula (2016), é possível que ocorra o trânsito entre as matrizes epistêmicas,
combinando-as. Nesta pesquisa, esta combinação assume um papel importante, pois, por
exemplo, as pesquisas enquadradas no paradigma funcionalista, seguindo o modelo de Burrel
e Morgan (1979), foram classificadas na transição da matriz empírico-analítica para a matriz
hermenêutica, no modelo de Paes de Paula (2016), haja vista que, apesar de aplicarem
procedimentos metodológicos quantitativos, utilizam da lógica interpretativa, manifestada
pelo esforço para a apreensão da realidade em vista da intersubjetividade. Já as pesquisas
classificadas no paradigma interpretativista, conforme o modelo de Burrel e Morgan (1979),
foram enquadradas em sua maioria, na matriz hermenêutica, pelo modelo de Paes de Paula
(2016), mas, a pesquisa de Barbosa (2017) transitou entre a matriz hermenêutica e a matriz
crítica.
Salgado et al. (2019) analisaram o modo como o conceito habermasiano de cidadania
deliberativa é aplicado em estudos de gestão social no Brasil. Com relação à análise da base
epistemológica, considerando os quatro paradigmas de Burrell e Morgan (1979), os autores
constataram a predominância da abordagem interpretativista, presente em 16 de 18 artigos
analisados, com um situado no paradigma humanista radical e outro no paradigma
estruturalista radical. Apesar de pautarem produção científica distinta (publicação), a presente
revisão e a de Salgado et al. (2019) revelam concentração no paradigma interpretativista de
Burrell e Morgan (1979). Tal resultado indica que, no domínio da Ciência da Administração,
a produção científica tem se distanciado do caráter eminentemente instrumental, pragmático e
funcionalista hegemônico (GUERREIRO RAMOS, 1981), ainda que, com tímida presença de
leitura crítica.

63
Constatada a concentração na matriz hermenêutica, no modelo de Paes de Paula
(2016), com quatro pesquisas nela situadas exclusivamente e outras quatro por ela transitando,
é pertinente concluir que as escolhas epistemológicas são equivalentes aos paradigmas de
Burrel e Moran (1979). Independentemente da leitura pelos paradigmas de Burrell e Morgan
(1979) ou pelas matrizes epistêmicas de Paes de Paula (2016), a Ciência Administrativa tende
a seguir – na pesquisa da participação da agricultura familiar na execução do PNAE – por
escolhas epistemológicas com nítida centralidade na utilização de metodologias qualitativas,
com leituras subjetivistas e predominância do status quo mediante preferência pelo interesse
prático. De outro modo, intepretações críticas ou com viés humanista radical são raras, quase
inexistentes.

5. CONCILIANDO CATEGORIAS: APROXIMAÇÕES ENTRE A PUBLICAÇÃO


CIENTÍFICA E A PESQUISA EM NÍVEL DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO
SENSU
O presente tópico retoma o produto gerado no artigo precedente no exercício de
conciliar categorias atinentes à participação da agricultura familiar na execução do PNAE. O
exercício de revisão, relatado no artigo anterior, ocorreu com base na produção intelectual
disponível no Portal de Periódicos Capes contemplando 32 artigos científicos publicados em
periódicos Qualis (A1 a B5) na área de Administração Pública e de Empresas, Ciências
Contábeis e Turismo, considerando o quadriênio 2013-2016. Como produto, foram geradas
cinco categorias, assim delimitadas:
i) Trajetória e marco legal, com as subcategorias Histórico do PNAE e Legislação;
ii) Aspectos político-institucionais, com as subcategorias Atores sociais, Mercado
institucional, Políticas públicas, Processos e Controle social;
iii) Atributos da agricultura familiar com as subcategorias Denominações utilizadas,
Gêneros alimentícios e Organização social;
iv) Fatores de sucesso com as subcategorias Pontos fortes, Desenvolvimento e
Inovação, tecnologia e cidadania;
v) Barreiras, com uma subcategoria apenas, qual seja, Pontos fracos.
O objetivo aqui não é proceder análise de todas as subcategorias e códigos gerados
naquele momento, mas, sim, evidenciar como as categorias analíticas daquele procedimento,
de maneira geral, alinham-se aos resultados da análise da natureza epistemológica das
categorias originárias da pesquisa stricto sensu e abordadas no tópico anterior. Foi possível

64
verificar que, por caminhos diferentes e por meio de produções acadêmicas distintas, os
resultados admitem conciliações.
Com relação à categoria Trajetória e marco legal, as oito pesquisas stricto sensu citam
o marco legal que caracteriza o PNAE como política pública para a agricultura familiar (Lei
nº 11.947/2009) e fazem análise dos desdobramentos de tal instrumento nos contextos
empíricos estudados. Cunha (2015) evidencia que a Lei nº 11.947/2009 garantiu a inserção da
agricultura familiar em escala nacional no mercado institucional e tem orçamento garantido
via recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que independe do
desejo do governante.
Um aspecto importante enfatizado por Silva (2015) é que a Lei nº 11.947/2009
universalizou o atendimento do PNAE expandindo para todos os alunos da rede de educação
básica. O autor retoma diretrizes da referida Lei em quatro dimensões de atuação, que
formalizam e que representam os principais pontos do Programa, a saber: alimentação escolar;
educação nutricional e alimentar; participação da comunidade e controle social; aquisição de
gêneros alimentícios da agricultura familiar.
El Tugoz (2015) destaca que a Lei nº 11.947/2009 possibilita que toda a cadeia
produtiva se concentre no próprio município ou em localidades próximas, o que ocasiona
redução das atividades logísticas. Correia (2019) destaca o incremento trazido pela Lei nº
11.947/2009 à gestão da aquisição de alimentos do PNAE por meio de elaboração de chamada
pública, dispensando licitação. As pesquisas mostram, ainda, a Lei nº 11.947/2009 como
mecanismo que tem estimulado a criação e desenvolvimento de organizações associativas da
agricultura familiar (CUNHA, 2015; FRANZONI, 2015; SANTOS, 2016, PINTO, 2017),
pelo fato de que, por meio desta, os grupos formais têm prioridade sobre os grupos informais
e sobre os fornecedores individuais no acesso ao Programa.
Quanto aos Aspectos políticos e institucionais, destaca-se a atuação dos atores sociais
na execução do PNAE. Cunha (2015), Santos (2016), Barbosa (2017), Pinto (2017) enfatizam
a atuação a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) como importante
agente público na prestação de serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para
organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar, assim como, no apoio ao
processo de venda. Santos (2016) e Pinto (2017) apontam o papel desempenhado pelo Centro
de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata de Minas Gerais (CTA) e pela UFV no auxílio a
organizações formais da agricultura familiar pelas formações, cursos e treinamentos
realizadas. Pinto (2017) aponta a atuação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

65
(SENAR) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) para tais
formações, cursos e treinamentos. As pesquisas nitidamente destacam o papel assumido por
entidades de prestação de serviços de ATER na efetivação da Lei nº 11.947/2009. Por um
lado, os serviços de ATER contribuem para o aprimoramento de processos de produção e
comercialização, e, por outro, qualificam sistema de gestão dos fornecedores da agricultura
familiar ao Programa. São, portanto, apontados efeitos da Lei na prestação de serviços
especializados.
Silva (2015) e Franzoni (2015) evidenciam a participação tanto de atores
governamentais quanto de atores não-governamentais na implementação do PNAE. No caso
do primeiro tipo de atores, a secretaria da educação e as prefeituras, atuando como entidades
executoras, vinculam diretamente nas ações outras secretarias, departamentos, nutricionistas,
agências de capacitação técnica e extensão rural, que passam a atuar como entidades
articuladoras. No caso dos atores não governamentais, Silva (2015) e Franzoni (2015)
destacam o CAE, a sociedade civil organizada, as empresas fornecedoras e as associações e
cooperativas da agricultura familiar.
Santos (2016) refere-se à atuação dos diferentes atores sociais na garantia de acesso e
na execução do PNAE por intermédio de cooperativas da agricultura familiar. A autora
evidencia que a rede social se tornou fator condicionante às políticas públicas de compras
governamentais desde a gênese das cooperativas estudadas, visto que, o engajamento dos
envolvidos na constituição, favoreceu a inserção no mercado institucional. Isso ocorreu
porque, em uma cooperativa estudada, o apoio de organizações como o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais (STR) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desencadeou
oportunidades de acesso ao PAA e depois ao PNAE, considerando que essas organizações
forneceram suporte contínuo na representação dos agricultores familiares, na transferência de
informações a respeito das políticas públicas, além do apoio financeiro (por parte do STR).
Silva (2015) e Franzoni (2015) realçam efeitos, em termos de arranjos político-
institucionais, para além da presença de entidades prestadoras de serviços de Ater,
reportando-se a amplas redes e parcerias focadas no desenvolvimento local especialmente
pela presença de organizações como CAE e fornecedores do PNAE. Santos (2016) traz outro
conjunto de atores sociais, quais sejam, aqueles focados na organização sociopolítica. Desse
modo, sobressaem, a partir da Lei, três conjuntos de organizações alterando aspectos político
e institucionais em áreas rurais: as entidades do enclave especializado de prestação de
serviços de Ater; as organizações do enclave executor; as organizações enclave sociopolítico.

66
Quadro 5 – Atores sociais atuantes em aspectos políticos e institucionais na inserção da
agricultura familiar no PNAE

Autor (ano) Enclave de atuação Organizações referenciadas


Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR), Comissão Pastoral
SANTOS (2016) Sociopolítico
da Terra (CPT)
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
CUNHA (2015)
(EMATER), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SANTOS (2016)
(SENAR), Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da
BARBOSA (2017) Especializado
Mata de Minas Gerais (CTA-ZM), Empresa de Pesquisa
PINTO (2017)
Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG)
Conselho de Alimentação Escola (CAE), cooperativas,
SILVA (2015)
Executor associações, nutricionistas, secretarias municipais,
FRANZONI (2015)
departamentos e prefeituras.
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Com relação à categoria Atributos da agricultura familiar, quanto às conceituações


teóricas, quatro pesquisas (CUNHA, 2015; FRANZONI, 2015; EL TUGOZ, 2015; SANTOS,
2016) apresentaram conceitos de agricultura familiar para além da definição estabelecida pela
Lei nº 11.326, de 24 de junho de 2006 (Lei da agricultura familiar). Tal Lei considera como
agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural,
atendendo, simultaneamente, aos requisitos relacionados à área da propriedade (menor do que
quatro módulos fiscais); à predominância da mão de obra familiar; à renda familiar, que deve
ser originada das atividades econômicas do estabelecimento ou empreendimento e também à
participação da família nas atividades (BRASIL, Lei nº 11.326/2006, art. 3º).
Os autores mais citados na conceituação de agricultura familiar são: Wanderley (2004,
2009); Abramovay (2007); Lamarche (1993) e Altafin (2007). Isso ocorre porque, conforme
destaca Santos (2016), esses autores apresentam diferentes definições para o termo
“agricultura familiar”, pautadas tanto nas raízes histórica do campesinato (WANDERLEY,
2009), quanto em transformações capitalistas (ABRAMOVAY, 2007). A abordagem de
Wanderley (2004) compreende a agricultura familiar como aquela realizada com gestão
familiar em pequenas propriedades rurais, com renda predominante gerada pela família em
pequenos espaços de terras. Abramovay (2007) caracteriza a agricultura familiar como
categoria gerada no conjunto das transformações capitalistas, formada por agricultores
altamente integrados ao mercado, capazes de incorporar avanços técnicos e de responder a
políticas governamentais. As diferenças entre as conceituações de agricultura familiar são
apontadas mais detalhadamente nos estudos de Cunha (2015) e Santos (2016). Apesar da
diversidade de perspectivas, de maneira geral, é possível verificar que os autores definem
agricultura familiar como categoria social em que predomina mão-de-obra familiar nas
atividades da propriedade rural.
67
A organização formal dos agricultores familiares em associações e cooperativas é
elemento destacado. Cunha (2015) realça como os mercados institucionais desencadeiam
vários efeitos para a agricultura familiar, como o fortalecimento das organizações associativas
locais. Santos (2016) pontua como o PNAE tem incentivado a constituição e formação de
organizações da agricultura familiar, diante da evolução do número de empreendimentos da
agricultura familiar e pelo fato de os grupos formais terem prioridade sobre os grupos
informais e sobre os fornecedores individuais para acesso ao PNAE. Pinto (2017) e Franzoni
(2015) reportam-se tanto a associações quanto a cooperativas da agricultura familiar,
registrando como essas formas de organização contribuíram para o fortalecimento da
categoria social e para o acesso aos mercados institucionais.
Quanto à categoria Fatores de sucesso, o PNAE é considerado instrumento de
promoção do desenvolvimento rural (FRANZONI, 2015, SANTOS, 2016, PINTO, 2017).
Franzoni (2015) traz a abordagem do “novo paradigma de desenvolvimento rural” por meio
da análise de cadeias agroalimentares curtas, que são padrão emergente surgido como
alternativa de abastecimento agroalimentar e como evolução das cadeias tradicionais. Na
cadeia curta, as exigências dos consumidores forçam adaptações de toda a dinâmica e
organização do mercado agroalimentar. Santos (2016) e Pinto (2017) trazem à tona fatores
importantes para que as discussões acerca do desenvolvimento rural, com enfoque na
agricultura familiar, ganhem projeção e legitimidade fazendo com que as políticas públicas
para a agricultura familiar cumprem seu importante papel.
Cunha (2015) destaca como a compra institucional de alimentos da agricultura
familiar é política pública com características inovadoras ao articular estratégias intersetoriais
de segurança alimentar com desenvolvimento rural. Outro fator identificado é o
empoderamento feminino, que é abordado, na pesquisa de Barbosa (2017), pela percepção de
mulheres beneficiárias do PNAE. O Programa contribuiu para que a qualidade de vida das
famílias, pois, com o aumento da renda, as mulheres tiveram acesso a outros tipos de bens e
serviços, sentiram-se incluídas socialmente, melhoraram a estrutura do lar e as condições de
educação dos filhos.
Franzoni (2015) classifica o PNAE como instrumento de inovação social pela
organização dos agricultores como solução para problemas como falta de mercado e falta de
conhecimento para acesso a políticas públicas. Franzoni (2015) destaca a própria indução à
criação de associações e cooperativas, o iniciativo a vários atores civis, o trabalho para
atender ao bem comum, gerando cooperação e atendendo interesses gerais, a geração de

68
benefícios para integrantes em situação de vulnerabilidade social e a produção sustentável e
ecológica. Franzoni (2015) também enquadra o PNAE como mecanismo de tecnologia social,
pois: cria espaços destinados a ouvir os atores locais, reconhecendo a realidade e o contexto
local; tem caráter autogestionário para associações e cooperativas; fomenta capacidades para
solucionar problemas e necessidades sociais para o qual foi criado; pela contribuição à
comercialização diante da dificuldade das associações e cooperativas no mercado
convencional e pela geração de renda de forma sustentável.
Os agricultores familiares da pesquisa de Santos (2016) citaram como principais
vantagens do PNAE: agregação de valor; garantia de venda; geração de renda; escoamento da
produção; fortalecimento da agricultura familiar; incentivo à constituição de cooperativas;
promoção do desenvolvimento local; indução ao consumo de alimentos saudáveis. Já Cunha
(2015) apresentou algumas vantagens para os agricultores como o preço pago em relação a
outros mercados locais, a regularidade de entrega e o prazo de pagamento menor.
No que concerne à categoria Barreiras, Cunha (2015) informa que produtos
beneficiados é de baixa presença entre os agricultores, devido à carência de capital para
investir em empreendimentos agroindustriais e pela dificuldade de acesso à infraestrutura
adequada para atender as legislações sanitárias. Outro gargalo demonstrado por Cunha (2015)
refere-se a dificuldades dos agricultores para obter a certificação de produtos orgânicos, e,
consequentemente, a não valorização monetária dos produtos livres de agrotóxicos, o que se
torna fator desestimulante ao investimento na produção orgânica.
Pinto (2017) relata dificuldades enfrentadas pelos agricultores como gargalos no
transporte dos produtos devido à falta de veículos adequados e à precariedade das estradas
além da carência no planejamento dos itens para produção e entrega. Santos (2016), utilizando
o modelo de barreiras inibidoras da melhoria do desempenho em organizações de interesse
social, identificou barreiras ambientais, organizacionais e individuais que organizações da
agricultura familiar enfrentam no acesso ao PNAE, a exemplo de carências na assistência
técnica e em conhecimentos gerenciais e baixo comprometimento dos agricultores,
respectivamente. Silva (2015), com pesquisa na capital mineira (Belo Horizonte), menciona
dificuldades dos agricultores em atender a uma grande cidade, pois, a quantidade de produtos
é elevada e a logística de entrega dos produtos é complexa e cara.
Há também dificuldades por parte do poder público, manifestadas pelo desinteresse de
autoridades municipais em ajudar o agricultor familiar (FRANZONI, 2015). Cunha (2015)
destaca dificuldades de a prefeitura comprar gêneros alimentícios beneficiados ou

69
industrializados dos agricultores familiares, o que torna necessário investimentos para que os
agricultores consigam atender à demanda. Correia (2019) apresenta empecilhos na
operacionalização do PNAE, no Instituto Federal Goiano, ao identificar descompasso entre o
que se objetiva com a destinação dos 30% à compra diretamente por meio da produção
agrícola familiar e o que ocorre na prática com o recurso, pois, do valor total do recurso
recebido, o equivalente a 10% foi efetivamente pago ao agricultor familiar no ano de 2017.
Como alternativa de melhoria, Correia (2019) fornece uma proposta de intervenção com o
mapeamento do processo de aquisição de gênero alimentícios da agricultura familiar para a
identificação e minimizar/superar falhas existentes, de modo a atingir o limite máximo.

Quadro 6 – Fatores de sucesso e barreiras da participação da agricultura familiar na execução


do PNAE identificados nas pesquisas na Ciência Administrativa

Autor (ano) Fatores de sucesso Barreiras


Carência de capital para investir em
Articulação de estratégias inter setoriais de empreendimentos agroindustriais,
CUNHA segurança alimentar com desenvolvimento rural. dificuldade de acesso à infraestrutura
(2015) Criação, fortalecimento e desenvolvimento de adequada para atender as legislações
organizações associativas e cooperativas da sanitárias, dificuldades dos agricultores
agricultura familiar para obter a certificação de produtos
orgânicos
Incentivo à sustentabilidade
EL TUGOZ Elevado custo de produção de
Redução de atividades logísticas pela
(2015) alimentos orgânicos
concentração da cadeia em localidades próximas
Inovação social e tecnologia social.
FRANZONI
Criação, fortalecimento e desenvolvimento de Falta de apoio do poder público
(2015)
organizações associativas e cooperativas da municipal
agricultura familiar
Logística complexa e cara para a
SILVA (2015) Promoção da Segurança Alimentar e Nutricional entrega dos produtos

Agregação de valor; garantia de venda; geração de


renda; escoamento da produção; fortalecimento da
agricultura familiar; indução ao consumo de Carências na assistência técnica e em
SANTOS
alimentos saudáveis. conhecimentos gerenciais e baixo
(2016)
Criação, fortalecimento e desenvolvimento de comprometimento dos agricultores.
organizações associativas e cooperativas da
agricultura familiar
Dificuldades para o rompimento do
BARBOSA
Empoderamento feminino paradigma tradicional do trabalho no
(2017)
campo
Promoção do desenvolvimento rural/local. Falta de veículos adequados para
Criação, fortalecimento e desenvolvimento de transporte dos produtos, precariedade
PINTO (2017)
organizações associativas e cooperativas da das estradas, carência no planejamento
agricultura familiar dos itens para produção e entrega
CORREIA Utilização da chamada pública em substituição ao Dificuldades no atendimento à compra
(2019) processo licitatório de 30% da agricultura familiar
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

70
A síntese de categorias analíticas para estudos da inserção da agricultura familiar no
PNAE tornou-se necessária em virtude da constatação de que, por recortes, meios e materiais
acadêmicos distintos, as categorias geradas no exercício de revisão antecedente foram
identificadas no estudo que abre este texto. Análises com tais vieses de revisão são
importantes, por um lado, por possibilitar a identificação de tendências teórico-empíricas na
pesquisa nas várias áreas do conhecimento, e, por outro lado, por viabilizar exercício de
transversalidade conforme está aqui reportada. Na presente revisão, ficou evidente que, apesar
de transitarem em matrizes epistemológicas distintas, o processamento das pesquisas em nível
de pós-graduação stricto sensu, na Ciência Administrativa, se harmonizam às categorias
derivadas do processamento da publicação em revistas científicas, viabilizando a criação de
vários quadros de referência úteis a estudos teóricos futuros e exames empíricos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto concilia categorias analíticas da inserção da agricultura familiar no PNAE a
partir de interfaces entre a publicação científica e a pesquisa em nível de pós-graduação
stricto sensu no Brasil no domínio da Ciência Administrativa. O recorte foi necessário ao
caráter multidisciplinar intrínseco PNAE. Por essa razão, o exercício efetuado delineia e traça
possibilidades para abordagens análogas em outras áreas do conhecimento. Aqui, foi
examinada a natureza epistêmica de estudos organizacionais.
A maioria das pesquisas em nível de pós-graduação stricto sensu enquadra-se na
matriz hermenêutica (SILVA, 2015; CUNHA, 2015; FRANZONI, 2015; PINTO, 2017), pelo
alinhamento com o interesse prático, pelo esforço interpretativo para a apreensão da realidade
e pela natureza qualitativa. Tugoz (2015), Santos (2016) e Correia (2019) transitaram nas
matrizes hermenêutica e empírico-analítica, em virtude do interesse técnico e prático uma vez
orientadas pela compreensão social por meio da comunicação e interpretação e de técnicas
quantitativas de análise, como modelos de Análise do Ciclo de Vida do produto, viabilidade
financeira, Análise Multivariada de Dados e mapeamento de processos. A pesquisa de
Barbosa (2017) transitou nas matrizes hermenêutica e crítica uma vez centrada na análise do
empoderamento da mulher, associada ao interesse emancipatório, à lógica interpretativa e ao
esforço para a apreensão da realidade do acesso ao PNAE por agricultoras familiares.
Concluída o enquadramento epistemológico, adveio a fase da intercalação com o
produto gerado no exercício acadêmico de classificação da publicação indexada ao Portal de
Periódicos da Capes, igualmente focando a participação da agricultura familiar na execução
do PNAE. Essa fase, de síntese, tornou-se necessária em virtude da constatação de que, por
71
recortes, meios e materiais acadêmicos distintos, as categorias Trajetória e marco legal,
Aspectos político-institucionais, Atributos da agricultura familiar, Fatores de sucesso e
Barreiras revelam simetrias com a natureza epistemológica da pesquisa no âmbito da
participação da agricultura familiar no PNAE.
Independente do enquadramento epistemológico, as pesquisas em nível de pós-
graduação stricto sensu, na Ciência Administrativa, se harmonizam às categorias supracitadas,
pois, de maneira geral, realizam uma discussão a respeito da Trajetória e marco legal,
caracterizando o PNAE como política pública para a agricultura familiar (Lei nº 11.947/2009)
e fazem análise dos desdobramentos de tal instrumento nos contextos empíricos estudados.
Destacam, na categoria Aspectos políticos e institucionais, a atuação dos atores sociais na
execução do PNAE, em conjunto de organizações de enclave especializado de prestação de
serviços de ATER; organizações do enclave executor e organizações enclave sociopolítico.
Abordam Atributos da Agricultura Familiar pra além da definição legal e, apresentam Fatores
de sucesso e Barreiras na execução da política pública.
A análise da pesquisa em nível de pós-graduação stricto sensu permitiu a constatação
de lacunas abrangendo leituras territorial, regional, estadual e nacional no entendimento de
efeitos da agricultura familiar na dinamização das economias locais via PNAE. É limitada a
utilização de técnicas quantitativas robustas, ficando, portanto, essa lacuna a ser preenchida
por estudos futuros. Além disso, vale indicar a pertinência de experimentação das categorias
aqui pontuadas mediante uso de outros bancos de dados, tanto em termos de repositórios de
teses e dissertações quanto em portais de periódicos, inclusive pelo emprego de ferramentas
quantitativas sob a forma de revisões bibliométricas.

REFERÊNCIAS
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EDUSP, 2007.
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<http://www.feis.unesp.br/Home/departamentos/fitotecniatecnologiadealimentosesocioecono
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Alimentação Escolar no Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Revista de Economia e
Sociologia Rural, v. 55, n. 1, p. 103-122, 2017.
BARBOSA, T. L. O processo de empoderamento da mulher rural e o Programa Nacional
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72
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da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Diário
Oficial da União. 24 jul. 2006.
BRASIL. Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009. Dispõe sobre o atendimento da
alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica;
altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507,
de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de
agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Diário
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74
ARTIGO III

Interfaces entre desenvolvimento territorial, instituições e capital social na


implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em territórios
rurais

Resumo: O artigo objetiva sintetizar dimensões de desenvolvimento territorial, institucionais


e de capital social na implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
por associações e cooperativas da agricultura familiar em dois territórios rurais brasileiros em
perspectiva comparativa. Por se tratar de estudo de casos múltiplos em dois territórios rurais
localizados em diferentes estados brasileiros (Minas Gerais e Rio Grande do Norte), foram
entrevistados 10 diretores de associações e cooperativas ativas na execução do PNAE em
2019. A análise ocorreu com auxílio do software IRAMUTEQ, que proporcionou duas
categorias temáticas: “Desenvolvimento Territorial” e “Instituições e Capital social”. Os
resultados da categoria “Desenvolvimento Territorial” apresentam atributos de
desenvolvimento territorial (econômico, social, cultural e ambiental) presentes nos dois
territórios rurais. Os resultados da categoria “Instituições e Capital social” evidenciam como o
formato institucional do PNAE para a agricultura familiar suscitou normas específicas nas
associações e cooperativas e relações de confiança e de articulação das organizações com
diferentes atores sociais. Para pesquisas futuras, sugere-se a ampliação do campo de estudo e
do universo organizacional em outros territórios e estados da Federação de modo a aprofundar
transformações no segmento produtivo da agricultura familiar imputadas ao PNAE, inclusive
na geração de fatores por métodos quantitativos.

Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Agricultura familiar.


Desenvolvimento territorial. Instituições. Capital social.

75
1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foca uma análise do Programa Nacional de Alimentação Escolar


(PNAE) como política pública que privilegia a dimensão territorial do desenvolvimento, pois,
conforme destacam Colnago e Hespanhol (2019), as transformações do programa nas décadas
de 1990 e 2000 (gestão transferida do governo federal para os municípios e aquisição de
alimentos da agricultura familiar, respectivamente), priorizaram a descentralização e a adoção
da abordagem do desenvolvimento territorial no âmbito do programa.
No Brasil, o caminho percorrido para a inclusão da agricultura familiar na agenda das
políticas públicas pode ser tomado como cenário de mudança de paradigmas, de um modelo
voltado para o desenvolvimento agrícola para um modelo de desenvolvimento rural,
especialmente com o foco territorial. O desenvolvimento agrícola está associado
exclusivamente à produção agrícola e/ou agropecuária. Em meados dos anos 1980, a noção de
desenvolvimento rural surgiu como alternativa teórica para orientar a intervenção por meio
das políticas públicas, buscando enfrentar os limites atribuídos ao estímulo à modernização
agrícola (FREITAS; FREITAS; DIAS, 2012).
O novo modelo de desenvolvimento rural em detrimento ao modelo de produção
agrícola busca valorizar as economias de escopo em detrimento das economias de escala, a
pluriatividade das famílias rurais, a participação dos atores sociais, entre outros aspectos
(SCHNEIDER; CONTERATO, 2006). Este novo modelo de desenvolvimento rural dá espaço
também para a abordagem territorial do desenvolvimento, visto que o território emerge como
nova unidade de referência para a atuação do Estado e a regulação das políticas públicas
(SCHNEIDER, 2004).
Os processos de desenvolvimento territorial são condicionados por elementos como o
capital social e as instituições presente nos territórios, uma vez que as abordagens sobre
capital social explicam diferentes dinâmicas de desenvolvimento territorial, segundo o acervo
de capital social presente nos territórios, o que resulta em um maior ou menor dinamismo
socioeconômico-cultural (DALLABRIDA, 2017). Além disso, construir novas instituições
propícias ao desenvolvimento rural consiste, antes de tudo em fortalecer o capital social dos
territórios, muito mais do que em promover o crescimento desta ou daquela atividade
econômica (ABRAMOVAY, 2000).
Considerando o PNAE como política pública que contribuiu para a promoção do
desenvolvimento territorial e a relação das instituições e do capital social para os processos
deste tipo de desenvolvimento, esta pesquisa se orienta pelo seguinte questionamento: como o
76
desenvolvimento territorial, as instituições e o capital social se manifestam na implementação
do PNAE por associações e cooperativas da agricultura familiar em territórios rurais? O
exercício de resposta a tal questão considera o argumento de Putnam (2006), quando destaca
que as instituições moldam a política à medida que seus procedimentos operacionais
influenciam os resultados políticos porque moldam a identidade, o poder e a estratégia dos
atores. As instituições podem ser restrições formais ou informais que estruturam a interação
humana (NORTH, 1990).
A análise da implementação do PNAE pode ser afetada pelas regras gerais e estrutura
em âmbito federal, assim como, por regras específicas criadas em âmbito municipal/territorial
pelos atores sociais envolvidos na implementação por meio de associações e cooperativas da
agricultura familiar, ou seja, pela capacidade que as instituições possuem para influenciar nos
resultados da política pública. A partir desse entendimento, este texto tem como objetivo
sintetizar dimensões de desenvolvimento territorial, institucionais e de capital social na
implementação do PNAE por associações e cooperativas da agricultura familiar em dois
territórios rurais brasileiros em perspectiva comparativa.
Além desta introdução, o artigo realiza pontes teórico-metodológicas entre
desenvolvimento territorial, instituições e capital social, apresenta os procedimentos
metodológicos que constituíram o estudo de casos múltiplos e os resultados originados pelas
categorias temáticas. Por fim, as considerações finais sumarizam os principais achados do
exercício efetivado, apontando sugestões para pesquisas futuras.

2. DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, INSTITUIÇÕES E CAPITAL SOCIAL:


DEFININDO ATRIBUTOS DE ANÁLISE
Para traçar interfaces teóricas entre desenvolvimento territorial, instituições e capital
social, este referencial teórico interconecta conceitos assumindo a vertente sociológica do
neoinstitucionalismo. Dallabrida (2016) considera a predominância de duas concepções de
território. A primeira, mais tradicional, concebe o território como espaço no qual o Estado
exerce sua soberania. A segunda, mais contemporânea, concebe o território como “recorte do
espaço geográfico relacionado ao uso e apropriação, em que se manifesta a expressão de
relações de poder, identidades e territorialidades individuais e grupais, ou seja, é uma
concepção relacional e integradora de território (DALLABRIDA, 2016, p.19)”. Este texto se
orienta por esta segunda definição de território.
Santos (1994) concebe território como espaço usado, apropriado, destacando que
territórios são formas, mas territórios usados são objetos e ações, sinônimo de espaço

77
humano, espaço habitado. Conforme Saquet (2007), a verdadeira expansão e qualificação dos
estudos de territorialidade ocorrem no Brasil no início da década de 1990, com a retomada do
conceito explicativo das práticas sociais e espaciais vigentes. Com o retorno do território
destacado por Santos (1994), a noção de território para a análise social se dá como forma de
superação do conceito deste como fundamento do Estado-nação. Para Saquet (2007):

O território significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; ideia e


matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle; des-
continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção
ambiental; terra, formas espaciais e relações de poder; diversidade e unidade.
(SAQUET, 2007, p. 24).

De acordo com Dallabrida (2016, p.14), “o território é o contexto em que ocorrem


processos focados nas dimensões social, econômica, cultural e ambiental, que têm como
propósito o desenvolvimento territorial”. De maneira semelhante, o então Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA, 2005) registrou ser necessário entender os processos de
desenvolvimento como algo que envolve as dimensões (Figura 1): econômica, sociocultural,
político institucional e ambiental, cada qual contribuindo de uma determinada maneira para o
futuro de um território.

Figura 1 – Dimensões do desenvolvimento territorial (MDA, 2005)

• Eficiência através da • Maior eqüidade social graças


capacidade de inovar, de à participação dos cidadão
diversificar e de usar e nas estruturas do poder,
articular recursos locais para tendo como referência a
gerar oportunidades de história, os valores e a cultura
trabalho e renda, do território,
fortalecendo as cadeias o respeito pela diversidade e
produtivas e integrando a melhoria da qualidade
redes de pequenos Dimensão Dimensão de vida das populações
empreendimentos econômica sociocultural

• Institucionalidades Dimensão
Dimensão • Compreensão do meio
renovadas que permitam político-
ambiental ambiente como ativo de
o desenvolvimento de institucional
políticas territoriais, desenvolvimento,
ressaltando o conceito de considerando o princípio da
governabilidade democrática sustentabilidade e
e a promoção da conquista e enfatizando a ideai de
do exercício da cidadania. gestão com base de recursos
naturais.

Fonte: Elaborada com base no MDA (2005).

78
Dallabrida (2015) define o desenvolvimento territorial é como um processo de
mudança continuada, situado histórica e territorialmente, integrado em dinâmicas
intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos,
com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida da população.
No Brasil, a abordagem territorial do desenvolvimento está focada nos espaços rurais
(DALLABRIDA, 2016). A trajetória dos temas da agricultura familiar e do desenvolvimento
rural e territorial na Administração Pública brasileira é descrita no Quadro 1.

Quadro 1 – Cronologia da estrutura administrativa reservada à pauta da agricultura familiar e


desenvolvimento rural e territorial no Brasil
Legislação/ano Órgão público criado/extinto
Decreto nº 87.457/1982 Criação do Ministério Extraordinário para Assuntos Fundiários (MEAF)
Decreto nº 91.214/1985 Criação do Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (MIRAD)
Medida Provisória nº 29/ Extinção do MIRAD. As competências do MIRAD foram incorporadas ao
1989 então Ministério da Agricultura.
Decreto nº 1.889/1996. Criação do Ministério Extraordinário de Política Fundiária (MEPF)
Medida Provisória nº 1999- Transformação do MEPF em Ministério da Política Fundiária e Agricultura
13/1999. Familiar
Decreto nº 3.338/2000 Instituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
Medida Provisória nº Extinção do MDA e transferência de suas competências para o Ministério do
726/2016 Desenvolvimento Social (MDS).
Transfere as competências do MDA, que estavam com o MDS, para a
Decreto nº 8.780/2016 Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário
(SEAD) - Casa Civil da Presidência da República
Transfere as competências da SEAD, até então da Casa Civil da Presidência
da República, para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Decreto nº 9.667/2019
(MAPA), que passa a ter em sua estrutura organizacional a Secretaria de
Agricultura Familiar e Cooperativismo.
Fonte: Elaborado com base em Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, 2020.

A trajetória administrativa acima é suficiente para indicar quão difusas têm sido as
iniciativas da Administração Pública na efetivação e institucionalização de uma política
pública de desenvolvimento para a agricultura familiar. Um dos pioneiros do conceito de
instituição, Arnold Gehlen, resumiu que as instituições nada mais são do que poderes
estabilizadores e reguladores que canalizam as ações humanas quase da mesma forma como
os instintos canalizam o comportamento animal (BERGER; KELLNER, 1965). Com base no
entendimento de Arnold Gehlen (BERGER; KELLNER, 1965), e na ambígua trajetória
administrativa da política pública – desde a criação do MEAF em 1982 até chegar à (SEAD)
na Casa Civil da Presidência da República, em 2016, e, à Secretaria da Agricultura familiar e
do Cooperativismo, vinculada ao MAPA, em 2019 – é inexorável reconhecer que o
desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil não chegou a se constituir de modo estável
para regular ações humanas no território nacional, ou, melhor, nos territórios rurais.

79
North (1990) entende que as instituições são as restrições humanamente concebidas
que estruturam a interação humana. Elas podem ser restrições formais (regras, leis,
constituições), ou informais (normas de comportamento, convenções, códigos de conduta,
valores, símbolos). As restrições incluem tanto o que os indivíduos são proibidos de fazer
quanto sob quais condições devem fazer aquilo que lhes é permitido. No caso específico do
tratamento da Administração Pública brasileira ao tema do desenvolvimento da agricultura
familiar, rural, territorial, as restrições, ou seja, os instrumentos e a estrutura de regulação
passaram por reiterados processos de avanços e recuos, limitando as possiblidades de
institucionalização em aspectos que ultrapassam o viés da regulação e alcançam as dimensões
normativa e cognitiva.
De acordo com Carvalho e Vieira (2003), a concepção racionalista, que orientou
grande parte das perspectivas da Ciência Administrativa subordina a ação à razão. Assim,
vulgara-se um entendimento de que todas as ações são racionais e dirigidas a lograr objetivos
definidos. Os autores destacam que, contra a racionalidade global dos teóricos racionalistas,
Simon (1987) propõe a “racionalidade limitada” que pondera a capacidade computacional
limitada da mente humana. O modelo de comportamento de Simon enfrenta a concepção
racionalista da ação, tema posto em causa pelos precursores da teoria institucionalista.
Todavia, Simon (1987) manteve o entendimento de que as ações estão subordinadas à razão,
ainda que de forma limitada.
De acordo com Carvalho e Vieira (2003), nos anos de 1970, a teoria cognitiva emergiu
como contraponto à concepção racionalista da ação, dando lugar aos elementos subjetivos do
conhecimento humano e, por essa razão, constitui um antecedente ontológico da teoria
institucional. Assim, a década de 1970 foi testemunha da crise do paradigma estrutural
funcionalista e da consequente pluralidade suscitada nos estudos organizacionais, o que
permitiu o aparecimento de novas correntes de investigação, como as abordagens trazidas
pelos teóricos institucionais.
Para Dallabrida (2017), em vez do determinismo de mercado, os autores
institucionalistas confiavam nos fatores psicológicos como determinantes maiores dos
fenômenos econômicos, e, em vez de se preocuparem com o valor do trabalho (como
economistas clássicos e os socialistas), colocam a tônica nas previsíveis consequências da
produção no mercado. O neoinstitucionalismo acompanha as principais teses do
institucionalismo, em geral, com uma versão atualizada destes.

80
O neoinstitucionalismo, com seus três diferentes enfoques, forjou uma ruptura com o
“velho institucionalismo” e deu lugar a uma abordagem com maior poder explicativo da
realidade organizacional (CARVALHO; VIEIRA, 2003). A Figura 2 apresenta os três
modelos de análise do neoinstitucionalismo e suas características quanto à relação entre
instituições e comportamento e à gênese das instituições.

Figura 2 - Três grandes correntes do neoinstitucionalismo (THÉRET, 2003)

Institucionalismo da Institucionalismo Institucionalismo


escolha racional sociológico histórico

Relações entre Relações entre Relações entre


instituições e instituições e instituições e
comportamento: comportamento: comportamento:
enfoque de cálculo enfoque cultural enfoque eclético

Gênese das instituições: Gênese das instituições: Gênese das


solução para problemas solução para problemas instituições: regulação
de coordenação (da de coordenação (de de conflitos de interesse
ação) dispositivos cognitivos) e de poder

Fonte: Elaborada com base em Théret (2003).

Esta pesquisa tem seu enfoque na orientação sociológica do neoinstitucionalismo, uma


vez que a enfatiza como os dispositivos institucionais condicionam as relações entre os atores
sociais dentro de um sistema socialmente construído. A abordagem do capital social é uma
perspectiva da vertente sociológica do neoinstitucionalismo. O capital social é definido por
Putnam (2006, p. 177) como “as características da organização social, como confiança, e
normas e sistemas que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as
ações coordenadas”. Coleman (1990, p. 302) conceitua capital social como “uma variedade de
diferentes entidades que possuem duas características em comum: consistem em algum
aspecto de uma estrutura social e facilitam algumas ações dos indivíduos que estão no interior
desta estrutura”.
Para Putnam (2006), o capital social facilita a cooperação espontânea e os estoques de
capital social (confiança, normas e sistemas de participação) tendem a ser cumulativos e a
reforçar-se mutuamente. O capital social pode ser incentivado e criado pelo Estado por meio
de políticas públicas, assim, as comunidades com maior estoque de capital social

81
provavelmente desfrutarão melhor dos benefícios da sinergia, que se refere à relação do
Estado com a sociedade (EVANS, 1996).
Nesta pesquisa, a aplicação dos pressupostos do neoinstitucionalismo sociológico está
associada à compreensão da capacidade que as instituições possuem de influenciar nos
resultados da política pública. O conceito de capital social é operacionalizado peça análise das
relações de confiança, das normas e dos sistemas de participação que facilitam a cooperação
espontânea e a implementação do PNAE por intermédio das organizações associativas e
cooperativas da agricultura familiar que forneciam produtos em dois territórios rurais dos
estados de Minas Gerais e do Rio Grande do Norte no ano de 2019. O Quadro 2 sintetiza as
categorias e os atributos analíticos que são adiante utilizados para a interpretação do
fenômeno da inserção da agricultura familiar na execução do PNAE.

Quadro 2 – Categorias analíticas e atributos selecionados


Categorias Atributos
Econômico: disponibilidade/utilização de recursos para a geração de
trabalho e renda.
Desenvolvimento territorial Social: participação social, governança territorial.
Cultural: cultura e valores, territorialidades grupais, relação de identidade.
Ambiental: sustentabilidade, produção agrícola sustentável.
Ênfase nos elementos institucionais que condicionam a implementação do
PNAE e das regras específicas geradas pelas associações e cooperativas em
Instituições e capital social
virtude de tais dispositivos.
Tipos de relações sociais nas quais o capital social se manifesta.
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

O PNAE é uma política pública chave na articulação da agricultura familiar com a


alimentação escolar, o que gera processos de desenvolvimento territorial e maior organização
dos agricultores. Essas possibilidades ficaram mais nítidas com a publicação da Resolução nº.
4 de 02 de abril de 2015, que acrescenta, como critério de seleção, o fornecimento por
coletivos de trabalhadores com projetos do território rural, e, dentro desses, os grupos formais,
organizações produtivas detentoras de Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP Jurídica).

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa é centrada em abordagem qualitativa, tendo como delineamento estudo
de casos múltiplos. Segundo Yin (2001), o estudo de caso pode se dá tanto por caso único
quanto por casos múltiplos, havendo fundamento lógico para um caso único quando se torna
decisivo para testar uma teoria bem-formulada. Já no estudo de casos múltiplos, cada caso
deve servir a um propósito específico dentro do escopo global da investigação, que é o caso
82
desta pesquisa, haja vista que foram analisados dois blocos de casos referentes à execução
institucional do PNAE pelo viés do estoque de capital social presentes em associações e
cooperativas da agricultura familiar em perspectiva comparativa envolvendo territórios rurais
de dois estados – Rio Grande do Norte (Território do Mato Grande/RN) e Minas Gerais
(Território da Serra do Brigadeiro/MG).
De acordo com Yin (2001) a condição mais importante para diferenciar as estratégias
de pesquisa consiste em identificar o tipo de questão apresentada. O autor enfatiza que, para o
estudo de caso, faz-se uso de questões do tipo “como” ou “por que” sobre um conjunto de
acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle. Sendo assim, a
questão de pesquisa aqui apresentada na introdução, alinha-se à orientação de estudo de casos
múltiplos proposto por Yin (2001), frente ao propósito de comparar resultados da execução do
PNAE pela agricultura familiar em dois estados e territórios rurais brasileiros.
Os sujeitos do estudo de caso são membros da diretoria das associações e cooperativas
da agricultura familiar que se encontravam executando o PNAE durante 2019 nos dois
territórios/estados. As unidades de análise são, portanto, associações e cooperativas da
agricultura familiar dos referidos territórios/estados. Como instrumento de coleta de dados, foi
utilizado o recurso da entrevista, tendo sido elaborado previamente um roteiro
semiestruturado (apêndice I) com base nos objetivos e no referencial teórico. Selecionadas as
10 associações e cooperativas pelos critérios descritos na seção “lócus e fócus” da tese, foi
então entrevistado o diretor-presidente de cada uma com entrevista realizada entre março e
abril de 2019.
A análise dos dados foi realizada com o aparato do software de análise de dados
Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires
(IRAMUETQ) como forma de agrupar as respostas do material coletado em categorias
temáticas de análise, denominadas “classes” pelo software. O IRAMUTEQ é gratuito e com
fonte aberta que possibilita análises estatísticas textuais clássicas, pesquisa de
especificidades de grupos, classificação hierárquica descendente; análises de similitude e
nuvem de palavras (CAMARGO; JUSTO, 2013). Foi utilizado o método de Classificação
Hierárquica Descendente (CHD), que se constitui um tipo de análise sobre corpus textuais
mediante seleção de segmentos de texto que apresentam vocabulário semelhante entre si, e,
vocabulário diferente dos segmentos de texto das outras classes (CAMARGO; JUSTO,
2013). A seguir, estão narrados os resultados de acordo com as categorias temáticas geradas
pelo IRAMUTEQ.

83
4. ANÁLISE DOS RESULTADOS
O corpus textual, composto pelas entrevistas realizadas com o presidente de cada
organização nos dois territórios da pesquisa, gerou quatro classes, conforme esquematizadas
na Figura 4 com respectivos percentuais de segmentos de textos aproveitados pelo Iramuteq:
classe 1 (26%); classe 2 (23,8%); classe 3 (20,3%); classe 4 (29,9%). O corpus derivado
resultou em uma retenção de 78,45%, configurando percentual válido, uma vez que o
aproveitamento deve ser de no mínimo 70% (CAMARGO; JUSTO, 2013). Foi utilizado um
corpus conjunto, contendo as entrevistas nos dois territórios, uma vez que, separadamente,
enquanto o aproveitamento do material do Território da Serra do Brigadeiro/MG ficou em
81,09%, no Território do Mato Grande/RN o resultado foi insatisfatório - 63,02%, inferior ao
recomendado.

Figura 3 – Classes geradas pelo software IRAMUTEQ

Classe 4 Classe 2 Classe 3


(29,9%) (23,8%) (20,3%)

Capital social

Dimensões
econômica. social e Dimensão ambiental
cultural do do desenvolvimento
desenvolvimento territorial
territorial
Instituições

Fonte: Elaboração própria com base no software IRAMUTEQ. Resultados da pesquisa, 2020.

Pela Figura acima, é possível observar que a classe 2 deriva da classe 4 ao passo que
as classes 1 e 3 derivam da classe 2. As classes foram denominadas pela natureza das palavras
que as compõem enquanto a definição foi subsidiada por categorias teóricas da pesquisa.
Desse modo, os resultados empíricos corroboram o referencial teórico. A categoria 1,
denominada “Desenvolvimento Territorial”, é formada pelas classes 2 e 4 ao tempo que, a
categoria 2, “Instituições e Capital social”, pelas classes 1 e 3. A seguir, esse plano é
analisado à luz do referencial teórico.

84
4.1. Categoria 1: Desenvolvimento territorial
As palavras que formaram esta categoria estão associadas a diferentes aspectos que
contribuem para a análise do desenvolvimento territorial e do papel desempenhado pelas
políticas públicas, em especial o PNAE. As classes 2 e 4 geradas pelo IRAMUTEQ
subsidiaram a composição do constructo desenvolvimento territorial conforme as dimensões
deste propostas pelo MDA (2005) e por Dallabrida (2016), sendo tais dimensões: econômica,
social, cultural e ambiental. O MDA (2005) também aborda a dimensão político-institucional,
no entanto, a análise das instituições ficou compreendida na segunda categoria temática.
Os aspectos que foram analisados emergiram do referencial teórico, mais
especificamente, da Figura 1, que comtempla o conteúdo aqui discutido a partir de dimensões
do MDA (2005). A partir da análise lexicográfica do IRAMUTEQ, portanto, foi possível
observar elementos nas entrevistas que estão presentes em cada dimensão do desenvolvimento
territorial. As dimensões econômica, social e cultural são verificadas pela análise
lexicográfica da classe 4 e a dimensão ambiental pelas palavras relacionadas à classe 2. A
Figura 5 mostra como as palavras das referidas classes formaram cada dimensão do
desenvolvimento territorial.

Figura 4 - Dimensões do desenvolvimento territorial e as palavras geradas pelo IRAMUTEQ


desenvolvimento territorial

Econômica: Recurso, COOPAF, CRESOL


Dimensões do

Social: Organização, Desenvolvimento, Política pública, Discussão, Ideia, Projeto

Cultural: Território, Territorial, Mato Grande, Região, COOAFES, Campo, Cidade

Ambiental: Produtor, plantar, produzir, ambiente, desafio

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A dimensão econômica do desenvolvimento territorial está associada à articulação dos


recursos para geração de trabalho e renda, como o papel desempenhado pelo crédito rural e
pelo Sistema das Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (CRESOL) no
Território da Serra do Brigadeiro/MG. Os entrevistados das quatro cooperativas deste

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território mencionaram a importância da CRESOL para o crédito rural aos agricultores
familiares, o que contribui também para a participação deles no PNAE, uma vez que, para
produzir, os agricultores demandam diferentes tipos de recursos, inclusive, financeiros.
Oliveira, Oliveira e Pauli (2018) mostram a crescente evolução na disponibilidade dos
recursos direcionados ao crédito rural no Brasil entre 1994 e 2015 e um crescente acesso por
parte dos produtores em busca do crédito rural. Estes resultados mostram a importância da
disponibilidade de crédito para os produtores rurais brasileiros, e, especificamente nesta
pesquisa, para os agricultores familiares que destinam sua produção ao PNAE, o que é um
indício também da importância das políticas públicas se complementarem.
Outro ponto relacionado à dimensão econômica refere-se à conquista de um caminhão
para transporte das mercadorias pela COOPAF Muriaé, que foi uma ação do Plano de
Desenvolvimento Territorial da Serra do Brigadeiro em 2009. O diretor entrevistado relatou
como este Plano favoreceu a cooperativa, pois, tinha dentre seus eixos, a agroindústria
familiar e a comercialização de produtos da agricultura familiar. Assim, o caminhão foi
conseguido na forma de um comodato com a prefeitura de Muriaé/MG, no qual, 80% do valor
do caminhão foi verba do território e os outros 20% foi contrapartida da prefeitura. O contrato
do comodato estabelece que enquanto o veículo estiver a serviço da COOPAF Muriaé, a
prefeitura deve deixar que ele sirva como transporte das mercadorias dos agricultores
familiares. A COOPAF Muriaé se destaca na região da Zona da Mata mineira pelo elevado
montante de comercialização dos produtos no âmbito do PNAE, atendendo 160 escolas da
rede pública de ensino de 15 municípios. A COOPAF aparece dentre as palavras mais
importantes da classe 4.
A dimensão cultural se refere à cultura e aos valores dos territórios, destacando que,
entre os entrevistados do Mato Grande/RN, foi percebido maior engajamento com o território.
A COOAFES, por exemplo, apresenta-se como êxito da organização dos agricultores
familiares em uma cooperativa de âmbito territorial. Por essa razão, a COOAFES aparece
como palavra de destaque na classe 4. Pela fala do entrevistado da COOPABEV é possível
perceber a importância da COOFAES para o desenvolvimento do território:

“E a COOAFES, olha que é uma luta nós a mantermos ela ativa. Ela é hercúlea, é
uma coisa de desejo, de querer, é uma esperança que nunca morre, graças a Deus
porque senão a COOAFES já tinha e eu não tô desmerecendo não, eu tô assim
porque partiu de uma criação territorial, ela surge de uma proposição do Território
da Cidadania, agora ela não teve a atenção administrativa, enfim, burocrática, que
merece. Agora ela tá tendo, digamos assim. (Entrevistado COOPABEV)”.

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A COOAFES expressa territorialidades grupais e relações de identidade (com o Mato
Grande), fenômeno teoricamente referido por Dallabrida (2016). A COOFES foi criada em
2009, no âmbito do Programa Territórios da Cidadania, como consequência da estruturação
dos fóruns territoriais do então MDA. Ou seja, a COOAFES foi conquista dos agricultores
familiares em um contexto no qual o desenvolvimento territorial se constituiu pauta das ações
governamentais. Mesmo com a extinção do MDA em 2016, e, consequentemente,
enfraquecimento da política territorial no País, o que se percebe é que, para os entrevistados, o
Mato Grande/RN é um espaço de discussão onde agricultores, associações e cooperativas se
reúnem para, em conjunto, buscar alternativas para o fortalecimento da agricultura familiar.
Porém, o enfraquecimento da política territorial foi fator que contribuiu para que a
cooperativa ficasse um tempo sem participar do PNAE:

“Com o envolvimento da política territorial, a cooperativa surge como estratégia


política do fórum, ela não surge como uma necessidade dos cooperados, ela não
surge como uma instituição que os cooperados necessitasse naquele momento para
escoar a sua produção, surge mais na discussão política do Fórum [de
Desenvolvimento do Mato Grande – Fomag]. Como o Fórum também teve um
baque, que saiu o braço do Estado, saiu o braço do poder público federal de
incentivar essa política, a COOAFES também se arrefeceu; ela também ficou em
stand by (Entrevistado COOAFES).”

O Território do Mato Grande/RN aparece entre as palavras que formam a Classe 4 e o


Território da Serra do Brigadeiro/MG não aparece, o que pode ser justificado pelo fato de que
aquele detém identidade territorial, ao passo que, no Território da Serra do Brigadeiro/MG, a
identidade político-cultural é deslocada para o fator econômico, o aporte de recursos,
justificando a frequência da palavra recurso na análise. A fala do entrevistado da COOPAF
Muriaé exemplifica esta situação:

“Na verdade o que motivava o território da Serra do Brigadeiro era dinheiro, o dia
que acabou o dinheiro, acabou a discussão da política, foi uma pena porque se as
organizações tivessem aproveitado aquela oportunidade e continuado fazendo as
discussões que eram muito importantes, porque as discussões, elas iam muito além
de recursos, de projetos, mas infelizmente o foco foi muito voltado para projeto
(Entrevistado COOPAF Muriaé).”

É interessante notar que na dimensão cultural do desenvolvimento territorial foram


agrupadas também as palavras cidade e campo, o que parece ser trade off, mas, têm relação à
forma como a vida no campo contribuiu para a vida na cidade, no caso, como a produção
vinda da agricultura familiar é importante para a subsistência da população urbana, conforme
relatou o entrevistado da COOAFES: “Quem mantém o mundo funcionado é o campo; tudo
vem do campo!”.

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As dinâmicas territoriais que envolvem diferentes atores e são expressas no conceito
de governança territorial por Dallabrida (2016) podem ser visualizadas na dimensão social do
desenvolvimento territorial, o que, neste estudo, se referem ao Fórum de Desenvolvimento do
Mato Grande/RN (Fomag) e às reuniões do Plano de Desenvolvimento Territorial da Serra do
Brigadeiro/MG. Nesse sentido, Bezerra et al. (2013) destacam a importância da parceria com
os colegiados e outras instâncias de gestão territorial na construção conjunta de propostas para
as políticas públicas de desenvolvimento em nível municipal e territorial.
As discussões geradas nos espaços de participação social proporcionaram a melhoria
na qualidade de vida dos agricultores configurando-se como mecanismos de fortalecimento da
agricultura familiar em ambos os territórios, mesmo que, na Serra do Brigadeiro/MG, as
discussões tenham sido voltadas para projetos de captação de recursos e não para o
envolvimento e a participação dos agricultores – conforme se deu no Mato Grande/RN.
Conforme enfatizam Cardoso et al. (2014), o desenvolvimento territorial é estratégia
de políticas públicas que tem o propósito de combater a pobreza e as desigualdades sociais
por meio da participação social, do compartilhamento de demandas e da decisão dialogada. A
venda para a alimentação escolar por intermédio de associações e cooperativas no Mato
Grande/RN tem também mérito nas discussões que foram realizadas nas reuniões e fóruns
territoriais, o que se destaca também a importância do acesso primeiramente ao mercado
institucional por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que gerou incentivo
para que os agricultores passassem a vender também para a merenda escolar, ou seja, fruto de
uma organização social seja em âmbito territorial ou municipal, o que na Serra do
Brigadeiro/MG foi possível perceber apenas em âmbito municipal.
A sustentabilidade ambiental é elemento relacionado à abordagem territorial do
desenvolvimento rural (CARDOSO et al., 2014). A dimensão ambiental é incorporada pela
análise da classe 2 do IRAMUTEQ. A relação da produção com o meio ambiente pode ser
percebida pelo tipo de produção dos agricultores associados das organizações estudadas,
como a produção orgânica e agroecológica. Os diretores entrevistados das Associações de
Riachão e de Rosário relataram que a produção dos associados é agroecológica, pois eles
utilizam como adubo esterco de gado. Na COOAFA há uma preocupação em incentivar os
agricultores a produzirem sem o uso de agrotóxico, eles colocaram isso em ata para que
ficasse registrado que a produção comercializada pelo PNAE e em feiras locais é
agroecológica. Isso mostra que em organizações dos dois territórios existe a preocupação dos
agricultores com o aspecto ambiental por meio da produção sustentável.

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Outro elemento relatado por um entrevistado é como a “produção de quintal” têm
contribuído para geração de renda extra no campo, pois são produtos que os agricultores
plantam nos quintais de suas casas, como por exemplo, pequenas criações e frutas, e, essa
produção, quando não consumida, era desperdiçada ou doada para vizinhos e amigos. Por
intermédio da COOAFES, os agricultores conseguem vender a “produção de quintal”
Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária
(CECAFES) em Natal/RN:

“Meu vizinho, que é um agricultor familiar, teve mês que da produção do quintal
dele que antes eu disse que ele não plantava nada ele tem uma receita de mais de
meio salário mínimo ele já chegou a ter uma receita de 600,00 reais da acerola do
quintal dele, do limão do quintal dele, do tomate cereja do quintal dele (Entrevistado
COOAFES).”

Na Associação de Pedregulho, que é formada exclusivamente por mulheres, além da


produção dos bolos, o quintal é aproveitado para produzir hortaliças e verduras. Tanto na
associação quanto nos quintais o trabalho é coletivo. As mulheres possuem uma horta coletiva
e hortas particulares em quintas das residências das associadas, intercalando os dias que
trabalham em cada quintal, de modo que o trabalho e a renda são divididos em partes iguais.
Toda a produção de quintal das hortas é destinada ao PNAE e à subsistência das famílias.
A análise da categoria “Desenvolvimento territorial” mostra que, para as dimensões
econômica e cultural, existem maiores diferenças entre os territórios do que nas dimensões
social e ambiental. Isso porque, na Serra do Brigadeiro/MG, o engajamento dos agricultores
com o território ficou restrito ao aporte de recursos e, no Mato Grande/RN, ao senso de
identidade territorial. As dimensões sociais e ambientais mostram que nos dois territórios
ocorreram ações para a melhoria da qualidade de vida dos agricultores e há preocupação em
produzir alimentos orgânicos ou agroecológicos com ênfase na venda para a alimentação
escolar.

4.2. Categoria 2: Instituições e capital social


O presente estudo se orienta pela abordagem do neoinstitucionalismo sociológico,
diante da ênfase nos elementos institucionais que condicionam a implementação do PNAE e
das regras específicas geradas pelas associações e cooperativas em virtude de tais
dispositivos. As classes 1 e 3 do IRAMUTEQ formam um subcorpus e foram denominadas
como esta categoria (Instituições e capital social) diante das palavras que as formam, pois
estão associadas às normas gerais de implementação do programa (30%, burocracia, contador,

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ordem, cronológico, pagar, dia, mês, prazo, sazonalidade), às normas específicas das
associações e cooperativas (entregar, fornecer, mercadoria, compra, venda, levantamento) e
ao capital social presente nas organizações (confiança, associação, articulação, prefeitura,
escolar, IFRN, nutricionista, agricultor).
O formato institucional do PNAE, contemplando a interface da alimentação escolar
com a agricultura familiar, foi oficializado a partir da promulgação da Lei nº 11.947/2009,
que trouxe a obrigatoriedade da compra mínima de 30% de alimentos da agricultura familiar
no âmbito do Programa (FNDE, 2019). Além desta Lei existem resoluções que também estão
associadas à interface do PNAE com a agricultura familiar (Quadro 2). Foram considerados
os artigos que passaram a vigorar, considerando os artigos de resoluções que tiveram sua
redação alterada, como por exemplo, a Resolução/CD/FNDE nº 4, de 2 de abril de 2015, que
altera a redação dos artigos 25 a 32 da Resolução/CD/FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013.

Quadro 2 - Dispositivos institucionais do PNAE e suas interfaces com a agricultura familiar


Legislações do PNAE Interface com a agricultura familiar
Art. 2o São diretrizes da alimentação escolar:
V - o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de
gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente
pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as
Lei nº 11.947, de 16 de comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos.
junho de 2009. Art. 14. Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do
PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de
gêneros alimentícios diretamente da Agricultura Familiar e do Empreendedor
Familiar Rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma
agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas.
Art. 19. A aquisição dos gêneros alimentícios da Agricultura Familiar e do
Empreendedor Familiar Rural, realizada pelas Entidades Executoras, escolas ou
unidades executoras deverá:
IV. ser subdividida em tantas parcelas quantas necessárias considerando a
sazonalidade e as peculiaridades da produção da agricultura familiar.
VIII. ser executada por meio do Contrato de Aquisição de Gêneros Alimentícios da
Agricultura Familiar e do Empreendedor Familiar Rural.
Resolução/CD/FNDE Art. 20. Os produtos da Agricultura Familiar e dos Empreendedores Familiares
nº 38, de 16 de julho Rurais a serem fornecidos para Alimentação Escolar serão gêneros alimentícios,
de 2009 priorizando, sempre que possível, os alimentos orgânicos e/ou agroecológicos.
Art. 22. Os fornecedores serão Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares
Rurais, detentores de DAP Física e/ou Jurídica, conforme a Lei da Agricultura
Familiar nº 11.326, de 24 de julho de 2006, e enquadrados no PRONAF, organizados
em grupos formais e/ou informais.
Art. 25. Os produtos adquiridos para a clientela do PNAE deverão ser previamente
submetidos ao controle de qualidade, na forma do Termo de Compromisso,
observando-se a legislação pertinente.
Art. 20 A aquisição de gêneros alimentícios para o PNAE deverá ser realizada por
meio de licitação pública, nos termos da Lei nº 8.666/1993 ou da Lei nº 10.520, de 17
Resolução/CD/FNDE de julho de 2002, ou, ainda, por dispensa do procedimento licitatório, nos termos do
nº 26, de 17 de junho art. 14 da Lei nº 11.947/2009.
de 2013 §2º Considera-se chamada pública o procedimento administrativo voltado à seleção
de proposta específica para aquisição de gêneros alimentícios provenientes da
Agricultura Familiar e/ou Empreendedores Familiares Rurais ou suas organizações.

90
Art. 28 Os agricultores familiares, detentores de DAP Física, poderão contar com
uma Entidade Articuladora que poderá, nesse caso, auxiliar na elaboração do Projeto
de Venda de Gêneros Alimentícios da Agricultura Familiar para a Alimentação
Escolar.
Art. 25 Para seleção, os projetos de venda habilitados serão divididos em: grupo de
projetos de fornecedores locais, grupo de projetos do território rural, grupo de
projetos do estado, e grupo de propostas do País.
Art. 26 As EEx. deverão publicar os editais de chamada pública para aquisição de
gêneros alimentícios para a alimentação escolar em jornal de circulação local e na
forma de mural em local público de ampla circulação, divulgar em seu endereço na
internet, caso haja, e divulgar para organizações locais da agricultura familiar e para
Resolução/CD/FNDE entidades de assistência técnica e extensão rural do município ou do estado. Se
nº 4, de 2 de abril de necessário, publique-se em jornal de circulação regional, estadual ou nacional e em
2015 rádios locais.
Art. 29 O preço de aquisição dos gêneros alimentícios será determinado pela EEx.,
com base na realização de pesquisa de preços de mercado. A EEx poderá acrescentar
aos preços dos produtos orgânicos até 30% em relação aos preços estabelecidos pelos
produtos convencionais.
Art. 32 O limite individual de venda do agricultor familiar e do empreendedor
familiar rural para a alimentação escolar deverá respeitar o valor máximo de R$
20.000,00 (vinte mil reais), por DAP Familiar /ano/entidade executora.
Fonte: Elaborado com base em FNDE (2019).

A análise dessa legislação mostra que, de maneira geral, a compra de gêneros


alimentícios da agricultura familiar no âmbito do PNAE é regulamentada por elementos
como: quantidade mínima (30%); contrato de aquisição respeitando a sazonalidade;
submissão dos produtos ao controle de qualidade; realização de projeto de venda; aquisições
por meio de chamadas públicas; determinação do preço de referência; respeito ao limite de
venda e priorização de fornecedores de alimentos orgânicos e agroecológicos, assim como
também a priorização de grupos formais sobre grupos informais. O Quadro 3 sintetiza o modo
como elementos, que dão à compra de alimentos da agricultura familiar no escopo do PNAE,
foram identificados nas entrevistas.

Quadro 3 - Dispositivos institucionais do PNAE e suas interfaces com a agricultura familiar


identificados no estudo
Legislações do PNAE Interface com a agricultura familiar
Todos os entrevistados relataram que nos municípios existe a preocupação de
apoiar a compra de gêneros alimentícios da agricultura familiar e de seus
empreendimentos e que há um esforço em utilizar os 30% dos recursos financeiros
Lei nº 11.947, de 16 de
repassados ao FNDE no âmbito do PNAE para a aquisição de gêneros alimentícios
junho de 2009.
da agricultura familiar. Os entrevistados dos municípios de Ceará-Mirim/RN e
Muriaé/MG ressaltaram que há um interesse das prefeituras em comprar até mais
do que 30%.
Todas as associações e cooperativas da pesquisa possuem DAP Jurídica e aquisição
dos gêneros alimentícios é executada por meio de contratos, ocorrendo a
priorização dos grupos formais. A sazonalidade foi um ponto crítico observado,
Resolução/CD/FNDE nº
pois a maioria dos entrevistados relatou problemas em fornecer produtos listados
38, de 16 de julho de
nas chamadas públicas em todas as épocas do ano.
2009
Em relação à qualidade, foi possível observar que existe preocupação das
cooperativas e associações em entregar produtos de qualidade de uma forma que
eles mesmos monitorem a qualidade para que não aconteça de produtores

91
entregarem alimentos fora dos padrões. No entanto, houve queixas a respeito de
exigências das escolas quanto à qualidade dos produtos.
As Entidades Executoras publicam os editais em seus endereços pela internet e
divulgam em locais públicos (cooperativas, EMATER, prefeitura, Secretaria da
Resolução/CD/FNDE nº
Educação). Foram relatados vários casos nos quais as Entidades Executoras
26, de 17 de junho de
entraram em contato com os agricultores para comunicar sobre a chamada pública,
2013
assim como também para fazer reuniões de levantamento da produção, como no
município de Pureza/RN.
O recebimento de 30% a mais por produtos orgânicos é um desafio para todos os
entrevistados, pois, a maioria da produção é orgânica ou agroecológica nas
organizações estudadas, mas, por não possuírem o selo, os agricultores não
recebem a mais pelo produto. Na COOPERDOM existem agricultores que estão em
processo de certificação, e, na cooperativa de COOAFA existe um produtor que
Resolução/CD/FNDE nº
possui o selo de café orgânico, mas não recebe a mais por isso.
4, de 2 de abril de 2015
O limite individual de venda do agricultor familiar máximo de R$ 20.000,00 por
DAP Familiar/ano/entidade executora é cumprido por todos os agricultores, mas
foram relatados casos nos quais se este limite aumentasse seria possível os
agricultores aumentarem o volume vendido, como na COOPABEV e na COOPAF
Muriaé.
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Entre os elementos institucionais do PNAE e suas interfaces com a agricultura familiar


identificados do Quadro 3, foi citado pelos agricultores a importância da DAP Jurídica, visto
que este documento é utilizado para identificar e qualificar as formas associativas da
agricultura familiar organizadas em pessoas jurídicas (BRASIL, Portaria nº 523, de 24 de
agosto de 2018). Assim, a DAP influencia a implementação no aspecto de que é o documento
que faz com que os agricultores tenham acesso ao mercado institucional de forma conjunta
por meio das organizações, o que faz com que os diretores tenham que estar atentos se os
agricultores estão com as DAPs individuais atualizadas, visto que para que a forma
organizativa da agricultura familiar mantenha sua DAP é necessário que, no mínimo, 60% de
seus membros possuam a DAP familiar. A fala da entrevistada relata como os diretores
percebem a importância da DAP:

“A DAP tem que tá em dia, eu corro atrás disso aí também no INCRA, né? Quando
vence a gente tem que correr atrás senão já não entrega também (Entrevistada
Associação de Rosário).”

Em relação ao limite individual de venda, existem perspectivas por parte dos diretores
de que se esse limite aumentasse haveria uma oportunidade da agricultura familiar alcançar
novos mercados mesmo que no âmbito do PNAE, como é citada pela entrevistada:

“A gente soube que o exército ia lançar um edital e a gente ficou querendo saber se,
se ele lançasse, se a gente poderia colocar ainda, o nosso técnico ia fazer os cálculos
pra ver se a gente ainda conseguia se ele lançasse. Então assim, se a gente tem R$
20.000 por DAP e se ele, vamos supor que ele botasse mais cinco mil, a gente já
tinha expectativa e se tivesse outro edital a gente poderia entrar (Entrevistada
Associação de Pedregulho).”
92
Foi possível perceber diferenças em relação às escolas estaduais e municipais, por
exemplo, conforme a entrevistada da Associação de Boqueirão, quanto ao recebimento pela
venda dos produtos, as escolas estaduais pagam por meio de cheques no momento da entrega,
já a prefeitura realiza o pagamento por meio de depósito bancário no período de 30 dias após
a entrega das mercadorias nas escolas municipais. Sendo assim, a entrevistada da Associação
de Boqueirão afirmou que ela fica responsável pelo repasse do dinheiro para os agricultores,
orientando-os em relação à diferenciação dos prazos de pagamento das escolas estaduais e
municipais.
Existem percepções diferentes entre os entrevistados no que diz respeito à forma como
as chamadas públicas são divulgadas, visto que, para o entrevistado da COOAFES, a
divulgação se dá de forma “muito tímida, opaca”, enquanto o entrevistado da COOPABEV
relata que a Cooperativa sempre é comunicada quando as chamadas públicas são lançadas e
que são realizadas reuniões de levantamento e avaliação da produção com a prefeitura, como
forma de fazer uma previsão dos gêneros alimentícios que serão fornecidos.
Segundo a entrevistada da COOAFA, “a Lei do PNAE é a lei mais completa que tem
para a agricultura familiar”, pois trata de aspectos como preço, comercialização, produção
orgânica, organização, etc., o que mostra a compreensão que a agricultora possui das
instituições formais que regulamentam o PNAE. Além da institucionalização da
obrigatoriedade da compra de 30% de gêneros alimentícios no âmbito do PNAE, a Lei nº
11.947/2009 determina as competências do Conselho de Alimentação Escolar (CAE):
i) Acompanhar e fiscalizar o cumprimento das diretrizes estabelecidas na forma do
art. 2o desta Lei; ii) acompanhar e fiscalizar a aplicação dos recursos destinados à
alimentação escolar; iii) zelar pela qualidade dos alimentos, em especial quanto às
condições higiênicas, bem como a aceitabilidade dos cardápios oferecidos; iv)
receber o relatório anual de gestão do PNAE e emitir parecer conclusivo a respeito,
aprovando ou reprovando a execução do Programa (BRASIL, Lei nº 11.947, art. 19).

Pelas competências do CAE, é possível verificar a importância deste conselho para o


controle social do PNAE, no entanto, todos os diretores entrevistados afirmaram que não
participam do CAE e que não há representatividade das associações e cooperativas por parte
de outros membros. Alguns dos motivos relatados para a não participação estão associados à
falta de disponibilidade para a participação nas reuniões e a falta de organização dos
conselhos.
Mesmo que o CAE seja regulamentado pela Lei que institucionaliza o PNAE como
política pública para a agricultura familiar, na prática, não há participação da agricultura

93
familiar pelas associações e cooperativas estudadas. Na pesquisa de Moura (2014) também foi
constatado que os CAEs do Território do Mato Grande/RN não estão atuando como foram
concebidos, ou seja, como mecanismo de participação e controle social.
Os elementos expostos mostram como as regras gerais do PNAE estruturadas em
âmbito federal são atendidas pelas associações e cooperativas dos territórios estudados. Como
evidencia Putnam (2006), as instituições moldam a política, na medida em que seus
procedimentos operacionais moldam os resultados políticos e influenciam os resultados da
política porque moldam a identidade, o poder e a estratégia dos atores. Logo, os pressupostos
do neoinstitucionalismo sociológico são perceptíveis nesta pesquisa, pela compreensão de que
as instituições influenciarem nos resultados do PNAE, uma vez que, para atender às regras
gerais do Programa, as organizações criaram regras internas específicas (Quadro 4).
Com relação às regras específicas criadas pelas associações e cooperativas, os
resultados permitem compreender a capacidade que as instituições informais possuem de
influenciar na implementação do PNAE, uma vez que, várias medidas estão relacionadas às
exigências que os agricultores devem cumprir para participar do mercado institucional por
intermédio da organização formal. Ou seja, existem regras do PNAE que são instituídas por
meio de dispositivos institucionais formais e que, para cumpri-las, é necessário à criação de
regras informais pelos agricultores.

Quadro 4 - Regras específicas das associações e cooperativas para a implementação do


PNAE
Associações e cooperativas Dispositivos internos
Regras associadas à forma de se vestir no trabalho (botas, touca, sem
Associação de Boqueirão
acessórios) por ser uma agroindústria
Tanto na horta da associação quanto nas hortas das casas nas quais a
associação investe recursos o trabalho tem que ser coletivo e toda a produção
Associação de Pedregulho
tem que ser destinada à associação. O trabalho para a fabricação dos bolos
também deve ser coletivo
O agricultor deve colocar mercadoria para vender para o PNAE por meio da
Associação de Riachão
associação durante o ano inteiro
As despesas da venda para a merenda escolar devem ser dividas para todos os
Associação de Rosário
agricultores que entregam mercadoria para o PNAE
Em Pureza, a COOPABEV só concorre com 50% do valor total dos recursos
COOPABEV
do PNAE para permitir que outros agricultores acessem
Os agricultores tem que informar para a cooperativa o que estão plantando
COOAFES Muriaé
para poder vender para a merenda escolar
COOAFA Produzir sem agrotóxicos
É exigido dos agricultores entregar a produção que foi comprometida no
COOPERDOM
mapeamento.
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

94
Para que as associações e cooperativas consigam entregar o que foi acordado com as
entidades contratantes do PNAE durante todo o período da chamada pública, existem regras
que os agricultores devem cumprir, como dispor de mercadoria para a associação durante o
ano inteiro (Associação de Riachão), informar que estão plantando antes do momento da
colheita (COOPAF), entregar a produção que foi exigida no mapeamento (COOPERDOM),
produzir sem agrotóxicos (COOAFA), distribuir tempo de produção de forma pactuada
(Associação de Pedregulho) e dividir despesas para a venda para todos os associados
igualmente (Associação de Rosário).
Pela análise das regras criadas pelos agricultores, é possível perceber que a gênese de
algumas instituições reside nas soluções para problemas de coordenação, pressuposto do
neoinstitucionalismo sociológico (THÉRET, 2003) As exigências de que os agricultores
devem entregar a produção no projeto de venda surgiram devido a problemas de
abastecimento de produtos por falhas de alguns agricultores em entregar a produção na
Associação de Riachão e na COOPERDOM. Como destaca North (1990), as instituições que
estruturam a interação humana podem ser formais ou informais. No caso em pauta, as regras
criadas pelas associações e cooperativas constituem-se restrições informais, pois, não são
apenas acordadas entre os agricultores.
No que diz respeito ao capital social, considerando outros trabalhos que analisaram
contextos empíricos relacionados ao PNAE, há relações de confiança instituídas entre os
gestores públicos e os agricultores familiares (MOURA, 2014), entre lideranças e gestores,
lideranças e lideranças, gestores e gestores (WAGNER; GEHLEN; SCHULT, 2016). Nesta
pesquisa, o capital social pode ser observado por meio das relações de confiança na execução
do PNAE e de articulação das organizações com diferentes atores sociais, como prefeituras,
escolas, Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), nutricionistas e entre os próprios
agricultores. Com relação às prefeituras, às escolas e ao IFRN, as relações de confiança estão
relacionadas à garantia de entrega da mercadoria por parte dos agricultores e do recebimento
pela venda por parte das entidades executoras, como é possível verificar pelas falas:

“Os agricultores têm confiança porque assim, muitas vezes eles colocam pra
atravessadores e os atravessadores às vezes não pagam, então eles acham o que,
melhor fornecer pra associação, que demore ou não, eles vão receber, eles têm
aquela garantia que vão receber o recurso deles (Entrevistada Associação de
Boqueirão).”

“A prefeitura tem demonstrado uma confiança, mas nem sempre foi assim.
Ultimamente a gente tem obtido assim um retorno, por incrível que pareça, esse ano
principalmente, a cooperativa tem sido bem demandada, diferente de anos
anteriores, que a gente assinava aí um contrato de trinta mil e esse contrato não era
95
executado em sua plenitude. Era executado em torno de um terço do valor do
contrato (Entrevistado COOPABEV).”

“O IFRN também a gente tem procurado sempre tá atendendo da melhor forma


possível, como é previsto no contrato lá, que a gente assina. O IFRN tem cumprido
os contratos com o PNAE, embora sejam contratos de valores relativamente
pequenos, em torno de cinco mil reais, assim, a única reclamação nesse sentido seria
o tempo de execução, os pedidos são relativamente baixos em termos de valores
(Entrevistado COOPABEV).”

“As escolas confiam que o nosso produto realmente não tem agrotóxico e isso aí é
na relação de confiança (Entrevistada COOAFA).”

A fala da COOPABEV, referente à forma como a relação de confiança se estabelece


entre a cooperativa e a prefeitura de Pureza/RN, evidencia que o capital social tende a ser
cumulativo e reforçar-se mutuamente (PUTNAM, 2006). O capital social pode ser
incentivado e criado pelo Estado por meio de políticas públicas (EVANS, 1996), o que se
percebe, em ambos os territórios, é que, o poder público municipal tem se tornado cada vez
mais próximo dos agricultores familiares, por meio do auxílio para a elaboração dos projetos
de venda e da comunicação para o lançamento das chamadas públicas. Existem, ainda,
gargalos a superar na relação entre poder público e agricultura familiar, a exemplo de
inconsistências no atendimento do prazo de pagamento, conforme relato abaixo:

“Ano passado mesmo a gente ficou com duas notas pra receber da prefeitura, a gente
recebeu em março, final de março agora, então era produto lá do ano passado, então
isso da um banho de água fria nos produtores, que também em função dessa questão
de repasses né, eles alegaram muito que tava sem dinheiro. A escola estadual
também, uma não correu o risco, não vou comprar, não vou correr o risco de ficar
devendo. A que comprou ficou devendo até esse ano. Então assim, isso gera um
banho de água fria nos produtores, que gera um medinho de não receber o que foi
entregue (Entrevistada COOAFA).”

Se há inconsistências no processo de pagamento, por outro, há interesse por parte da


equipe de nutrição. Na Resolução/CD/FNDE nº 38, de 16 de julho de 2009, consta que a
coordenação das ações de alimentação escolar, sob a responsabilidade dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios, será realizada por nutricionista habilitado, que deverá assumir a
responsabilidade técnica do PNAE:

“A nutricionista, em função dos nossos atendimentos, e, também atendendo algumas


demandas pontuais dela, tem focado bastante nos pedidos na cooperativa
(Entrevistado COOPABEV).”

É fundamental, também, levar em consideração a análise das características da


organização social dos agricultores, afinal, o capital social é uma variedade de diferentes
entidades que consistem em uma estrutura social que facilitam algumas ações dos indivíduos
que estão no interior desta estrutura (COLEMAN, 1990). Ou seja, tanto nas relações entre as
96
organizações nos quais as associações e cooperativas se articulam para a implementação do
PNAE quanto nas relações internas entre os membros existe capital social, como é possível
notar pelas falas:

“Temos uma relação muito boa. Eu pago tudo direitinho, eu é que venho com todo
o pagamento, reúno todo mundo através do Whatsapp, chamo as pessoas e a gente
faz o pagamento, nunca houve problema, nunca, nesses anos todinhos. Porque aí as
pessoas depositaram confiança, né? Eu desde acampamento que eu moro aqui, todo
mundo me conhece, né? Recebo muito pagamento, nunca fiquei devendo ninguém
(Entrevistada Associação de Rosário).”

“Muito grande a relação deles com a cooperativa e a confiança foi o que deu
credibilidade para cooperativa, porque é aquela coisa, senão tiver confiança, senão
tiver uma pessoa que passa confiança, eles vão saindo, no nosso caso não, só
aumentando (Entrevistado COOPAF Fervedouro).”

A análise desta categoria mostra que compreender os mecanismos institucionais


gerados pelas associações e cooperativas para a implementação do PNAE implica em
primeiramente identificar quais são as regras gerais estruturas em âmbito federal, para assim
compreender as regras específicas criadas pelas organizações da agricultura familiar para
atender às institucionalidades gerais do programa. Por exemplo, para entregar a mercadoria
para as escolas com uma boa qualidade, como exige a Resolução/CD/FNDE nº 38/2009, a
Associação de Boqueirão exige as normas de se vestir no trabalho, principalmente por se
tratar de uma agroindústria.
Além da entrega de produtos de qualidade existem normas para que os produtos sejam
entregues durante o ano todo para poder atender à Lei nº 11.947/2009, como na Associação de
Riachão, na COOPERDOM e na COOPAF, onde foi colocado como norma que os
agricultores entreguem a produção que foi exigida no mapeamento. Algumas regras envolvem
o trabalho em equipe, como as hortas coletivas e a produção de bolos na Associação de
Pedregulho, o que mostra que o PNAE além de induzir a organização formal da agricultura
familiar induz também o trabalho coletivo entre os agricultores. Na COOAFA, a regra é
produzir sem agrotóxicos, o que cumpre o artigo 2º da Lei nº 11.947/2009, no qual determina
que o apoio ao desenvolvimento sustentável seja uma diretriz da alimentação escolar.
Os resultados mostram também que em se tratando de política pública são necessários
mecanismos para além da promulgação de legislações, demandando ações que possibilitem
aos agricultores familiares o atendimento aos 30%, mas, não apenas isso. Foi verificado neste
estudo que a Resolução/CD/FNDE nº 4/2015 garante o recebimento de 30% a mais por
produtos orgânicos destinados à alimentação escolar. Entretanto, nos dois territórios existem
agricultores produzindo sem agrotóxicos, mas, por não possuírem o selo de produtor
97
orgânico, não conseguem receber preço mais vantajoso pelo produto. Ou seja, são
imprescindíveis políticas públicas complementares para maior integração da agricultura
familiar ao PNAE inclusive mediante incentivos para que os agricultores consigam o selo de
produtor orgânico. Para isso, é demandada vontade política das entidades compradoras no
pagamento de preço superior por produto sem agrotóxico.
Para que o PNAE alcance maior número de agricultores familiares, Nunes et al.
(2018), citando como exemplo a legalização dos agricultores familiares por meio do Sistema
de Inspeção Municipal (SIM) em todos os municípios do Nordeste brasileiro, atenta para a
necessidade de integração com os mercados intermunicipais, incrementando o relacionamento
entre municípios onde a agricultura familiar se torna fundamental para dinamizar economias
locais com maior diversificação, maior inclusão, densidade econômica e tecido social.
Conforme destacam Costa, Amorim Júnior, Silva (2015), a existência do PNAE não é
garantia para que a agricultura familiar consiga comercializar seus produtos, sendo
necessárias ações como adaptação da legislação sanitária à realidade do segmento e não
somente a adequação dos empreendimentos aos normativos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além da característica inovadora ao abordar a execução do PNAE pelo segmento
econômico da agricultura familiar em territórios rurais de estados de diferentes regiões
brasileiras (Minas Gerais no Sudeste Rio Grande do Norte no Nordeste), esta pesquisa traçou
pontes teórico-metodológicas entre desenvolvimento territorial, instituições e capital social
tomando como objeto de análise associações e cooperativas. O desenvolvimento territorial se
manifestou na implementação do PNAE por associações e cooperativas da agricultura familiar
nos territórios rurais estudados por meio das dimensões econômica, social, cultural e
ambiental (DALLABRIDA, 2016), conforme as classes 1 e 2 geradas pelo IRAMUTEQ a
partir das falas dos entrevistados.
O desenvolvimento territorial apresenta atributos distintos nos territórios do Mato
Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG. Na dimensão cultural, que se refere à cultura e aos
valores dos territórios, o Mato Grande/RN apresenta maior engajamento, inclusive com a
criação da COOAFES, cooperativa de âmbito territorial que foi apresentada como conquista
dos agricultores familiares durante a vigência do Programa Territórios da Cidadania
(BRASIL, 2008). A dimensão econômica, de outra forma, associada à articulação dos
recursos para geração de trabalho e renda e crédito rural, apareceu mais fortemente no
Território da Serra do Brigadeiro/MG. A dimensão social foi identificada nos dois territórios
98
por meio da atuação do Fórum de Desenvolvimento do Mato Grande (Fomag) e das reuniões
do Plano de Desenvolvimento Territorial na Serra do Brigadeiro. A dimensão ambiental,
também presente nos dois territórios, foi verificada pela relação dos produtores com o meio
ambiente a partir da produção orgânica e agroecológica
Com relação aos elementos institucionais, ficou nítido que, em ambos os territórios, há
influência dos elementos institucionais gerais do PNAE na criação de elementos institucionais
específicos nas organizações pesquisadas. O formato institucional do PNAE, que requer
interfaces da alimentação escolar com a agricultura familiar, contribuiu para o surgimento de
normas específicas nas associações e cooperativas, notadamente no tocante à entrega da
mercadoria, à qualidade, ao não uso de agrotóxicos e ao trabalho coletivo. O capital social das
associações e cooperativas influenciou na implementação do PNAE revelada em relações de
confiança entre essas organizações e o poder público, entre os agricultores e pela articulação
das organizações com diferentes atores sociais, como corpo técnico das prefeituras, segmento
escolar demandante e nutricionistas. Essas relações de confiança facilitaram o acesso dos
agricultores ao mercado institucional.
Com a realização desta pesquisa foi possível concluir que, independentemente da
região brasileira, as dificuldades na implementação do PNAE por associações e cooperativas
da agricultura familiar tendem a se manifestar de modo similar. Entre essas dificuldades está a
certificação da produção orgânica, o planejamento da produção, a logística, o gerenciamento o
serviço de assistência técnica e extensão rural. Foi possível perceber a necessidade de
mecanismos de execução complementares ao marco legal, à exigência de compra da
agricultura familiar pelo PNAE. São necessárias ações que possibilitem o atendimento à Lei
nº 11.947/2009, tanto pela Administração Pública quanto pelo segmento da agricultura
familiar, mas, também. ações complementares para superar e minimizar dificuldades
enfrentadas, pelos agricultores, nas novas relações e arranjo institucionais.
Esta pesquisa tem relevância como instrumento de gestão pública de territórios rurais,
revelando que políticas públicas com tal viés demandam engajamento de diferentes atores
sociais governamentais e não-governamentais. A pesquisa indica a existência de
engajamentos intersetoriais (Estado/organizações da sociedade civil), intrassetorial (quer no
âmbito específico do sistema escolar quer no segmento da agricultura familiar) e
interorganizacionais, no que se refere às relações dos agricultores familiares com suas
organizações representativas. Sugere-se, assim, que pesquisas futuras se voltem ao
aprofundamento de fenômenos dessas naturezas, revelando como a exigência da agricultura

99
familiar no PNAE redefine dimensões institucionais, capital social e desenvolvimento
territorial em outras unidades e territórios da Federação, inclusive com viés quantitativo.

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102
ARTIGO IV

Implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) por associações


e cooperativas da agricultura familiar em territórios rurais

Resumo: O artigo objetiva analisar implicações da implementação do Programa Nacional de


Alimentação Escolar (PNAE) no plano local, no aparato administrativo de associações e
cooperativas da agricultura familiar e na atuação de dirigentes destas organizações. De
natureza qualitativa, fundamentada em estudo de casos múltiplos contemplando 10
associações e cooperativas da agricultura familiar, localizadas em dois territórios rurais
brasileiros dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Norte, a pesquisa emprega o modelo
de implementação de políticas públicas (LIMA, D´ASCENZI; 2013) na interpretação dos
resultados. O PNAE no plano local, em um território, é atendido somente por cooperativas,
com origens em associações, mas, que avançaram na institucionalização a partir de marco
legal que obrigou a compra pública de alimentos da agricultura familiar pelo sistema público
de educação básica. O aparato administrativo igualmente foi alterado, mais intensamente em
um território que no outro, em infraestrutura de transporte, recursos materiais, humanos,
financeiros, acesso a tecnologias e assistência técnica. A atuação de diretores na
implementação evidencia participação na criação e/ou transformação das organizações,
inclusive pelo engajamento no desempenho de novas atribuições. Para pesquisas futuras,
sugere-se a ampliação do campo de estudo contemplando outros atores envolvidos na
implementação do PNAE na agricultura familiar, a exemplo de burocratas de nível de rua.

Palavras-chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Implementação de


políticas públicas. Associativismo. Cooperativismo. Territórios rurais.

103
1. INTRODUÇÃO

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma política pública


brasileira que passou a ser direcionada, a partir de 2009, para a categoria da agricultura
familiar, ampliando o foco exclusivo de atendimento ao sistema da educação básica. A origem
do PNAE, como política pública, reside no Decreto nº 37.106, de 31 de março de 1955, que
institucionalizou a Campanha da Merenda Escolar (BRASIL, Decreto nº 37.106/1955). Esta
Campanha teve o propósito de garantir o direito à alimentação para os alunos matriculados na
rede de ensino em todo o território nacional, o que acarretou a institucionalização de um
mercado de compras de gêneros alimentícios. Merece destaque o fato de que a referida
Campanha considerou empreendimentos públicos ou particulares (Art. 2º) e não restringiu
nível da educação escolar a ser beneficiária.
A trajetória do PNAE desde 1955 encontra-se devidamente registrada e, desse modo,
torna-se desnecessária sua retomada para os propósitos deste texto. No portal do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) há informações a esse respeito (FNDE,
2019b) de modo que, aqui, importa traçar o viés que assumiu o PNAE a partir da
promulgação da Lei nº 11.947 de 16 de junho de 2009. A referida Lei oficializou a
obrigatoriedade de que, do total de recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do
PNAE, no mínimo 30% devem ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios
diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural, ou, de suas
organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades
tradicionais indígenas e as comunidades quilombolas (BRASIL, Lei nº 11.947/2009, Art. 14º).
Com a descentralização da gestão do PNAE na década de 1990 e a compra
institucional da agricultura familiar na década de 2000, o programa passou a requerer maior
articulação na escala local entre os atores sociais para executá-lo, a partir da formação de
arranjos institucionais (COLNAGO; HESPANHOL, 2019). A interação do PNAE com a
agricultura familiar é fruto de forte articulação entre os órgãos intervenientes que participaram
da elaboração da legislação – instituições governamentais e diversos atores da sociedade civil
– para garantir compra mínima de gêneros alimentícios da agricultura familiar pela rede
pública de educação básica (SCHWARTZMAN et al., 2017).
Esta interação entre alimentação escolar e agricultura familiar desencadeou, dentre
outros fatos, o fortalecimento de organizações locais, sendo cooperativas e associações
consideradas organizações importantes no âmbito do PNAE, tanto pelos estudos com viés na

104
implementação da política pública (FREITAS; FERREIRA; FREITAS, 2019), como no
desenvolvimento territorial (GONÇALVES; BACCARIN, 2018).
No momento da implementação entram em cena atores políticos estatais, como os
burocratas de nível de rua, que são funcionários dos serviços públicos que tomam decisões
políticas, pois exercem sua considerável discrição na implementação cotidiana de programas
públicos, trabalhando diretamente no contato com os beneficiários destes (LIPSKY, 2010).
Existem também os atores políticos não estatais, como fornecedores, parceiros, prestadores de
serviço e grupos de interesse (SECCHI, 2013). Nesta pesquisa, considera-se a atuação de
atores não estatais, visto que o foco de análise é a atuação dos diretores das associações e
cooperativas, encarregados de liderar o processo de implementação do PNAE.
Considerando que as associações e cooperativas representam os interesses da
agricultura familiar, e, também contribuem na articulação entre esta categoria com a
alimentação escolar, ou seja, na implementação da política pública, este trabalho parte da
premissa de que, a análise da implementação do PNAE por meio das associações e
cooperativas da agricultura familiar deve considerar fatores como características do plano,
organização do aparato administrativo responsável pela implementação e ideias, valores e
concepções de mundo dos atores envolvidos (LIMA; D’ASCENZI, 2013).
Logo, a pesquisa busca responder ao seguinte questionamento: como ocorre a
implementação do PNAE por intermédio de associações e cooperativas da agricultura familiar
em territórios rurais? Para responder a tal questão, o trabalho tem como objetivo analisar
implicações da implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) no
plano local, no aparato administrativo de associações e cooperativas da agricultura familiar e
na atuação de dirigentes destas organizações.
Além desta introdução, o artigo apresenta o embasamento teórico de implementação
de políticas públicas, sumariza os procedimentos metodológicos que constituíram o estudo de
casos múltiplos e os resultados originados pelas categorias temáticas a partir do modelo de
Lima e D’ascenzi (2013). Por fim, as considerações finais sumarizam os principais achados
do exercício efetivado, apontando sugestões para pesquisas futuras.

2. PROPOSTA TEÓRICA PARA A ANÁLISE DA IMPLEMENTAÇÃO DE


POLÍTICAS PÚBLICAS: O MODELO DE LIMA E D’ASCENZI (2013)
Na literatura internacional, política pública pode ser definida como “o que o governo
escolhe fazer ou não fazer” (DYE, 1987, p.1); “as ações, os objetivos e os pronunciamentos
dos governos a respeito de assuntos específicos, as medidas tomadas (ou não tomadas) para

105
implementá-los, e as explicações que eles dão para o que acontece (ou não acontece)”
(WILSON, 2006, p.154); ou ainda “curso de ação ou não-ação realizada por um ator ou
conjunto de atores em lidar com um problema ou questão de interesse” (ANDERSON, 1994,
p.5).
No Brasil, o termo também é conceituado por alguns autores. Secchi (2013, p.2)
define política pública como “uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público”.
Conforme Souza (2006, p.26) política pública é “o campo do conhecimento que busca, ao
mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e,
quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente)”.
Souza (2006) acrescenta que a formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que
os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e
ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.
De acordo com Secchi (2013), a razão para o estabelecimento de uma política pública
é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante e o
processo de elaboração de uma política pública é conhecido como ciclo de políticas públicas,
que é um esquema de visualização e interpretação que organiza a vida de uma política pública
em fases sequenciais e interdependentes, sendo elas: 1) identificação do problema; 2)
formação da agenda; 3) formulação de alternativas; 4) tomada de decisão; 5) implementação;
6) avaliação; 7) extinção.
Segundo Lima e D'Ascenzi (2013), a abordagem sequencial das fases do ciclo de
políticas públicas é apresentada como abordagem analítica, mas não oferece variáveis
explicativas para os fenômenos, o que faz com que sua maior utilidade está em ser uma
ferramenta de recorte de objeto de análise, sendo a separação em etapas frequentemente
utilizada como referência nas análises, residindo aí sua importância para o campo de estudos.
As várias fases do “policy cycle” correspondem a uma sequência de elementos do processo
político-administrativo e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder,
às redes políticas e sociais e às práticas político-administrativas que se encontram tipicamente
em cada fase (FREY, 2000).
Considerando o ciclo de políticas públicas, este trabalho tem como foco de análise a
fase da implementação, uma vez que se busca analisar a implementação do PNAE por
intermédio de associações e cooperativas da agricultura familiar pertencentes a territórios
rurais brasileiros. Para Sebatier e Mazmanian (1980), a implementação é a execução de uma

106
decisão política básica, que identifica o problema a ser tratado, estipula o objetivo a ser
perseguido e, de várias maneiras, estrutura o processo de implementação.
Conforme Hill e Hupe (2002), o que chama a atenção nas definições de política
pública é o caráter intencional que se espera que as políticas públicas tenham, e a maneira
pela qual se espera que elas estejam relacionadas a problemas sociais. Para os autores, no
âmbito da teoria e pesquisa de implementação, isso significa que as contextualizações são
importantes, ou seja, a implementação está sempre conectada a políticas específicas como
respostas particulares a problemas específicos na sociedade.
Segundo Frey (2000), o interesse da “policy analysis” na fase da implementação se
refere ao fato de que, muitas vezes, os resultados e impactos reais de certas políticas públicas
não correspondem aos impactos projetados na fase da sua formulação. Frey (2000) destaca
duas abordagens relacionadas à análise da implementação. A primeira tem como objetivo a
análise da qualidade material e técnica de projetos ou programas, comparando os fins
estipulados na formulação destes com os resultados alcançados. A segunda abordagem é
direcionada para as estruturas político-administrativas e a atuação dos atores envolvidos e o
que está em primeiro plano é o processo de implementação. Este estudo se identifica com a
segunda abordagem da análise de implementação de políticas públicas proposta por Frey
(2000), visto que se pretende descrever de maneira empírica os fatores relacionados aos
resultados da política pública, considerando a atuação dos diretores das associações e
cooperativas estudadas.
Quanto aos modelos de implementação de políticas públicas, Lima e D’Ascenzi
(2013) sistematizaram a literatura a respeito dos modelos analíticos de implementação de
políticas públicas e encontraram duas abordagens hegemônicas. A primeira abordagem, top-
down, toma como foco de análise o processo de formulação da política pública e as variáveis
destacadas são referentes às normas que a estruturam e suas lacunas. A segunda abordagem,
bottom-up, enfatiza elementos dos contextos de ação nos quais a política será implementada e
toma como variáveis as condições dos espaços locais e as burocracias implementadoras.
Considerando as diferentes perspectivas destas duas abordagens, Lima e D’Ascenzi
(2013) acrescentam que estes modelos analíticos encontram seus limites na superestimação da
importância das normas ou da discricionariedade dos executores, desconsidera a influência
dos implementadores e subestima a influência exercida pelas variáveis normativas na
implementação. Os autores consideram também que ambos os modelos privilegiam as
condições materiais do processo de implementação e não tomam como variável relevante os

107
aspectos culturais que são mediadores, por vezes necessários, ao entendimento da trajetória da
política e do resultado alcançado. Assim, Lima e D’Ascenzi (2013) propõem um modelo de
análise da implementação que enfatiza os elementos cognitivos e ideológicos que explicam a
ação dos atores envolvidos na implementação das políticas públicas.
Neste modelo proposto por Lima e D’Ascenzi (2013, p. 105), a implementação é
definida como “um processo de apropriação de uma ideia que, nesse sentido, é consequência
da interação entre a intenção (expressa no plano) e os elementos dos contextos locais de
ação”. Para os autores, a análise do processo de implementação que deriva dessa dinâmica
deve considerar alguns fatores como as características do plano, a organização do aparato
administrativo responsável pela implementação e as ideias, os valores e as concepções de
mundo dos indivíduos. O Quadro 1 apresenta os elementos do modelo de Lima e D’Ascenzi
(2013) e suas principais características como uma nova abordagem para o campo de estudos
de implementação de políticas públicas.

Quadro 1 - Elementos de análise do modelo de implementação de políticas públicas (LIMA;


D’ASCENZI, 2013)
Elementos Características
O conteúdo das normas que estruturam as políticas públicas será inserido em processos
estabelecidos e adaptado às concepções e capacidades das instâncias de governo e das
burocracias implementadoras. Nesse quadro, a análise das características do plano pode
Plano ser útil para a compreensão da reação gerada nas instâncias de implementação. Os
objetivos definidos, os atores envolvidos e seus papéis, o fluxo da alocação de recursos,
todos são elementos que criam expectativas, geram interpretações e dinâmicas diversas de
reação.
A operacionalização de novas políticas, programas, projetos ou atividades depende de um
conjunto de estruturas e normas internas. O plano será absorvido, traduzido e adaptado às
Organização do possibilidades e aos constrangimentos das agências e dos indivíduos que deverão executá-
aparato lo. Assim, fatores como disponibilidade e qualidade dos recursos humanos e materiais,
administrativo estrutura e a dinâmica das regras organizacionais (formais e informais), fluxo e
disponibilização de informações influenciam a forma como se dará a apropriação e
implementação do plano nos espaços locais.
As variáveis cognitivas atuam como um link entre o plano e sua apropriação. A noção de
coalizões de defesa (advocacy coalitions) está inserida nas abordagens que atentam para a
Ideias, valores e
importância das ideias. A abordagem das coalizões de defesa considera que há articulação
concepções de
entre atores inseridos em diferentes instituições, permitindo trabalhar com a participação
mundo dos
de atores externos às organizações públicas, fator geralmente negligenciado nas
indivíduos
abordagens top-down e bottom-up. Isso permite introduzir na análise o papel dos grupos
sociais, suas relações com os atores estatais e o impacto disso para a implementação.
Fonte: Elaborado com base em Lima e D’Ascenzi (2013).

Esta pesquisa toma como base o modelo de análise acima para a análise da
implementação do PNAE nos territórios rurais estudados, considerando o plano como as
características das associações e cooperativas, a organização do aparato administrativo como
os recursos (humanos, materiais e financeiros) destas organizações e as ideias, valores e

108
concepções de mundo como a atuação de seus dirigentes. A análise da implementação do
PNAE por intermédio de organizações associativas e cooperativas da agricultura familiar
implica em avançar nas discussões a respeito do tema e compreender como a implementação
é influenciada pelo território e pelo aparato administrativo, o que implica compreender
também até que ponto a atuação dos diretores é fundamental nos resultados da política pública
em diferentes contextos territoriais.
Em um exame crítico do desenvolvimento e do status do campo de pesquisa de
implementação de políticas públicas, Winter (2010) argumenta que um dos fatores que
contribuem para o aprimoramento das pesquisas nesta área consiste em aplicar mais projetos
de pesquisa comparativa em vez de basear-se em estudo de caso único com o objetivo de
classificar a influência das diferentes variáveis de implementação. Isto também é um aspecto
colocado por Winter (2010) como lacuna de pesquisa a respeito da implementação, assim,
esta pesquisa contribui para tal lacuna, haja vista que os territórios rurais são analisados
comparativamente, compreendendo estudo de casos múltiplos.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa é centrada em abordagem qualitativa, tendo como delineamento estudo
de casos múltiplos. Segundo Yin (2001), o estudo de caso pode se dá tanto por caso único
quanto por casos múltiplos, havendo fundamento lógico para um caso único quando se torna
decisivo para testar uma teoria bem-formulada. Já no estudo de casos múltiplos, cada caso
deve servir a um propósito específico dentro do escopo global da investigação, que é o caso
desta pesquisa, haja vista que foram analisados dois blocos de casos referentes à
implementação do PNAE em perspectiva comparativa envolvendo territórios rurais de dois
estados brasileiros – Rio Grande do Norte (Território do Mato Grande/RN) e Minas Gerais
(Território da Serra do Brigadeiro/MG).
De acordo com Yin (2001) a condição mais importante para diferenciar as estratégias
de pesquisa consiste em identificar o tipo de questão apresentada. O autor enfatiza que, para o
estudo de caso, faz-se uso de questões do tipo “como” ou “por que” sobre um conjunto de
acontecimentos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle. Sendo assim, a
questão de pesquisa aqui apresentada na introdução, alinha-se à orientação de estudo de casos
múltiplos proposto por Yin (2001), frente ao propósito de comparar resultados da
implementação do PNAE pela agricultura familiar em dois estados e territórios rurais
brasileiros.

109
Os sujeitos do estudo de caso são membros da diretoria das associações e cooperativas
da agricultura familiar que se encontravam executando o PNAE durante 2019 nos dois
territórios/estados. As unidades de análise são, portanto, associações e cooperativas da
agricultura familiar dos referidos territórios/estados. Como instrumento de coleta de dados, foi
utilizado o recurso da entrevista, tendo sido elaborado previamente um roteiro
semiestruturado (apêndice I) com base nos objetivos e no referencial teórico.
Selecionadas as 10 associações e cooperativas pelos critérios descritos na seção “lócus
e fócus” da tese, foi então entrevistado o diretor-presidente de cada uma com entrevista
realizada entre março e abril de 2019. O método de análise refere-se à análise de conteúdo
categorial (BARDIN, 2011), por categorias pré-definidas conforme o modelo de Lima e
D’ascenzi (2013), apresentado no referencial teórico. A fase de análise dos dados teve como
suporte o software Atlas.ti.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS


A seguir, os resultados são apresentados por categoria analítica, compreendendo a
relação das categorias temáticas geradas a partir do modelo de Lima e D’ascenzi (2013) com a
implementação do PNAE por meio de associações e cooperativas dos territórios rurais
estudados.

4.1. Categoria 1: O plano: caraterização das associações e cooperativas


Em relação às associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN
contempladas na pesquisa, o Quadro 2 apresenta as características gerais destas. A Associação
para o Desenvolvimento da Mulher de São José de Pedregulho (Associação de Pedregulho)
foi criada no dia oito de março de 2003 (dia internacional da mulher) por agricultoras do
assentamento rural de Pedregulho. Em 2012 elas começaram a comercializar a produção via
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e, a partir de 2018 para o PNAE. No ano de
2019 a associação conta com 25 sócias, permanecendo apenas mulheres desde a criação. O
trabalho na associação é totalmente colaborativo. Todas as sócias trabalham conjuntamente na
produção de bolos para a venda para a merenda escolar. Além disso, existe uma horta
comunitária na associação e todas as agricultoras também trabalham nas hortas individuais de
cada propriedade, de forma que os recursos obtidos pela venda do PNAE para as 73 escolas
são divididos igualmente entre as 25 sócias. Destas escolas, 53 pertencem município de
Ceará-Mirim/RN e 20 escolas estão localizadas no município de São Gonçalo do
Amarante/RN.

110
A Associação do Projeto de Assentamento e Reforma Agrária Riachão (Associação de
Riachão) foi criada em 2004 por meio da reunião dos produtores rurais do Assentamento rural
de Riachão no Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR). Os produtores formaram a
associação para favorecer a desapropriação de terras e a venda conjunta dos produtos dos
assentados por meio da formalização do grupo de agricultores. Em 2007 a associação iniciou
sua participação no PAA, e, em 2009 no PNAE. Os principais gêneros alimentícios vendidos
para a merenda escolar são: banana, mandioca, batata, hortaliças, coentro, alface, cebolinha,
melancia e abóbora. Todas as 55 escolas nas quais a associação fornece para a merenda
escolar estão localizadas em Ceará-Mirim/RN. Dos 73 associados aproximadamente 40
entregam produtos para serem comercializados via PNAE.
A Associação dos Trabalhadores Rurais da Agrovila Nova Esperança Projeto de
Assentamento Rosário (Associação de Rosário) foi criada em 1999 pelos agricultores do
Assentamento rural de Rosário com o apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). No ano de 2009 a associação passou a vender para a alimentação escolar, antes
disso, as vendas eram destinadas para atravessadores ou para o PAA. Dos 55 associados, em
média 25 entregam para o PNAE alimentos como: banana, batata, mandioca, abóbora,
melancia, milho verde, feijão verde, maracujá, dentre outros. Além das 55 escolas do
município de Ceará-Mirim/RN, a associação entrega para o Instituto Federal do Rio Grande
do Norte (IFRN), campus Natal/RN (Zona Norte), João Câmara/RN, São Gonçalo do
Amarante/RN e Parnamirim/RN.
A Associação de Mulheres Lutadoras de Lilás de Boqueirão (Associação de
Boqueirão) foi criada em 2006 por uma mulher da Suíça que chegou ao município de
Touros/RN e doou um recurso financeiro para 24 agricultoras da comunidade de Boqueirão
para que em troca elas trabalhassem com seus maridos como ajudantes de obras. As
agricultoras decidiram então construir uma estrutura para fábrica de polpa de frutas e no ano
de 2009 passaram a fornecer polpas de frutas para a merenda escolar, antes de vender para o
PNAE a produção era destinada para um atravessador e para o PAA. Compõe a associação 81
sócios no ano de 2019, no ano de 2009, o quadro societário era formado apenas por mulheres,
mas como o passar do tempo foi aberto também para homens de forma a contribuir para o
aumento da entrega de frutas para processamento. Além de vender para 33 escolas de
Touros/RN, a Associação de Boqueirão também entrega polpa de frutas de abacaxi, acerola,
goiaba, uva, mangaba, caju, maracujá e graviola para o IFRN campus Ceará-Mirim/RN, João
Câmara/RN, Macau/RN e São Paulo do Potengi/RN.

111
A Cooperativa Mista da Agricultura Familiar e Economia Solidária de Bebida Velha
(COOPABEV) foi criada em 2011 por agricultores que faziam parte da Associação de Bebida
Velha desde 2000. Entretanto, a associação era mais focada com a cajucultura e fornecia
apenas para o PAA, não vendia alimentos para a merenda escolar. A venda de gêneros
alimentícios da agricultura familiar para a alimentação escolar em Pureza/RN iniciou no ano
de 2010 por meio da participação individual dos agricultores, permanecendo até o ano de
2012, a partir de 2013 os agricultores começaram a participar do PNAE pela COOPABEV. A
cooperativa fornece alimentos da agricultura familiar para sete escolas municipais e para o
IFRN campus Ceará-Mirim/RN. 26 agricultores compõem o quadro societário da cooperativa,
sendo que destes, em média 15 participam de projetos do PNAE em 2019.
No que concerne à Cooperativa de Agricultores Familiares e Pescadores Artesanais da
Ecosol da Região do Mato Grande (COOAFES), esta foi inserida na pesquisa por se tratar de
uma cooperativa de âmbito territorial no Mato Grande/RN. No ano 2019 a cooperativa não
estava fornecendo para o PNAE, mas o diretor presidente demonstrou otimismo quanto à
COOAFES voltar a fornecer para o mercado institucional, uma vez que nos anos de 2015 e
2016 a cooperativa participou do PNAE das prefeituras de Natal/RN e de Parnamirim/RN.

Quadro 2 - Características das associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN

Território do Mato Grande/RN


Ano que Número de
Associações e Número de
Ano de iniciou a escolas que
Municípios cooperativas da associados/
criação participação fornecem
agricultura familiar cooperados
no PNAE para o PNAE
Associação de Pedregulho 2003 2018 25 73
Ceará-Mirim Associação de Riachão 2004 2009 73 55
Associação de Rosário 1999 2009 55 55
Touros Associação de Boqueirão 2006 2009 81 33
Pureza COOPABEV 2011 2013 26 7
João Câmara COOAFES 2009 2015-2016 50 -
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Quanto às associações e cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG, o


Quadro 3 apresenta as características gerais destas. A Cooperativa dos Agricultores (as)
Familiares e Economia Solidária de Araponga/MG (COOAFA) foi criada em 2015, mas os
agricultores já acessavam ao PNAE por meio de grupo informal desde 2010, e, a partir de
2012 pela associação de agricultores do município. O PNAE foi o fator chave para a criação
da cooperativa, visto que, os agricultores que se organizaram informalmente, e posteriormente

112
pela associação de agricultores familiares, sentindo a necessidade de formar a cooperativa
para vender em feiras de Araponga/MG e região, mas, especialmente para o acesso ao PNAE.
A cooperativa fornece gêneros alimentícios da agricultura familiar apenas para
escolas do município de Araponga/MG, sendo um diferencial a produção de alimentos
orgânicos como verduras (alface, almeirão, couve, brócolis, salsinha, cebolinha, cebola de
cabeça, alho, repolho), legumes (cenoura, beterraba, chuchu, mandioca, batata doce, inhame)
e frutas (laranja, mexerica e banana). Dos 34 cooperados 20 participam de projetos do PNAE
em 2019. Ainda organizados em associações, os agricultores forneceram banana e café para o
PAA da Universidade Federal de Viçosa (UFV) no Edital de 2015, mas, motivos como a
ausência de uma câmara de climatização da banana trouxeram dificuldades para que os
agricultores continuassem a fornecer para a universidade.
A Cooperativa da Agricultura Familiar de Divino e Orizânia/MG (COOPERDOM) foi
criada no mesmo ano que a COOAFA (2015), e, da mesma forma, o PNAE foi um aspecto
importante para a decisão dos agricultores em criar a cooperativa, pois anteriormente à sua
criação, as vendas para a merenda escolar eram realizadas via associação dos agricultores. A
COOPERDOM entrega para 29 escolas do município de Divino/MG; dos 36 cooperados, 12
fazem parte do PNAE. Os principais produtos fornecidos para a merenda escolar são verduras
(alface, couve, cebolinha, salsinha), legumes (abóbora, inhame, mandioca), frutas (laranja,
tangerina, mexerica e banana), e alimentos processados como fubá, farinha de mandioca e pó
de café. Além do PNAE, a cooperativa entrega em lojas específicas em Belo Horizonte/MG
uma vez a cada quinze dias, no entanto, a maior parte da produção dos cooperados é destinada
para a merenda escolar.
A Cooperativa dos Agricultores Familiares e Economia Solidária de Fervedouro
(COOPAF Fervedouro) foi criada em 2013, e, desde então, toda a venda da cooperativa é
destinada para o PNAE. Apesar de possuir um número de 45 cooperados, apenas sete deles
entregam para o PNAE, fornecendo como principais alimentos batata, cenoura, cebola,
tomate, pimentão, inhame e abóbora. Os demais agricultores que não entregam para o PNAE
fazem parte da cooperativa para garantirem descontos na compra de insumos e equipamentos,
para conseguir com maior facilidade o crédito rural via PRONAF, visto que na cooperativa
existe um técnico agrícola que faz os projetos de crédito rural para os agricultores, assim
como também para ter acesso à assistência técnica que a cooperativa disponibiliza para os
cooperados. Essa assistência técnica é uma forma também de orientação para a compra dos
produtos disponibilizados na loja da cooperativa, uma vez que, na sede da COOPAF

113
Fervedouro funciona também uma loja de venda de insumos e equipamentos para produção
agrícola.
A Cooperativa dos Produtores da Agricultura Familiar Solidária (COOPAF Muriaé)
foi criada em 2012, mas apenas em 2015 os agricultores fizeram a primeira venda para o
PNAE via cooperativa. Anteriormente à criação da cooperativa, os agricultores forneciam
para o PAA de 2007 a 2010, e, a partir de 2010 passaram a fornecer para o PNAE por meio de
uma associação. No final do ano de 2014, a COOPAF recebeu uma notificação da Receita
Federal de que eles haviam formado uma cooperativa e não estavam fazendo movimentações
de vendas por ela, foi então que em 2015 eles suspenderam as vendas por meio da associação
e passaram a comercializar pela cooperativa. A maior parte das vendas da cooperativa (acima
de 90%) é para o PNAE, o restante da produção é vendida na feira de Muriaé/MG. No total, a
COOPAF Muriaé fornece merenda escolar para 160 escolas de 14 municípios localizados na
Zona da Mata Mineira – Além Paraíba, Antônio Prado de Minas, Barão de Monte Alto,
Guiricema, Laranjal, Miraí, Muriaé, Palma, Pirapetinga, Recreio, São Geraldo, Ubá, Viçosa e
Visconde do Rio Branco. A cooperativa fornece uma variedade de 31 produtos, incluindo
frutas, verduras, hortaliças, além de produtos processados como iogurte e leite “barriga mole”
(leite embalado em saquinho). Existe uma parceira da cooperativa com dois laticínios para
processamento do leite, um produz laticínio produz o iogurte e o outro o leite “barriga mole”.

Quadro 3 - Características das cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG

Território da Serra do Brigadeiro/MG


Número de
Ano que iniciou Número de
Cooperativas da Ano de escolas que
Municípios a participação associados/
agricultura familiar criação fornecem
no PNAE cooperados
para o PNAE
Araponga COOAFA 2015 2010 34 9
Divino COOPERDOM 2015 2009 36 29
Fervedouro COOPAF Fervedouro 2013 2009 45 5
Muriaé COOPAF Muriaé 2012 2010 120 160
Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A caracterização das associações e cooperativas da agricultura familiar dos dois


territórios revela que, distintamente do Mato Grande/RN, na Serra do Brigadeiro/MG existem
apenas cooperativas que acessam o PNAE, não havendo associações. No entanto, a gênese
dessas cooperativas está na criação, a priori, de associações, para, a posteriori, a criação de
cooperativas. Rios e Carvalho (2007) apresentam as associações de produtores rurais como
um eficaz mecanismo de transição entre uma informalidade dos primeiros passos e a inserção
114
solidária no mercado, uma vez que as associações possuem personalidade jurídica, mas não
são empresas, tendo um caráter marcadamente sócio-político.
Além disso, Rios e Carvalho (2007) destacam que as associações apresentam a dupla
vantagem de poderem organizar os interessados de uma maneira mais orgânica, socialmente
falando, sem o peso administrativo e econômico de uma estrutura empresarial. Ou seja, para
os autores, esta leveza administrativa das associações apresenta suas limitações naturalmente
em termos de uma plena inserção no mercado, mas o seu interesse e funcionalidade estão
justamente no fato que seriam estruturas de ensaio, em termos de uma transição a ser
construída na prática. Este aspecto foi verificado na análise das cooperativas do Território da
Serra do Brigadeiro/MG, ou seja, o papel importante que associações tiveram para que
posteriormente os agricultores pudessem se organizar em cooperativas e ter acesso à política
pública por meio destas.
Nos dois territórios, na maioria das organizações, a decisão para a constituição partiu
dos próprios agricultores, sendo um processo bottom-up, assim como a iniciativa em
participar do PNAE. O modelo bottom-up enfatiza elementos dos contextos de ação nos quais
a política pública é implementada e toma como variáveis as condições dos espaços locais
(LIMA; D’ASCENZI, 2013). Escobal et al. (2015) destacam a importância de reconhecer que
políticas públicas e/ou programas implementados em um território encontram uma série de
estruturas e processos já em andamento que podem fortalecer ou enfraquecer seus efeitos. O
que se percebe nesta pesquisa, é que a organização formal dos agricultores em ambos os
territórios, seja por meio de associações ou cooperativas, fortaleceu a implementação da
política pública. A análise do plano, aqui representada pelas características das organizações
associativas e cooperativas da agricultura familiar pertencentes a estes territórios contribui,
assim, para a identificação de particularidades no que se refere à organização do aparato
administrativo e atuação dos diretores destas organizações.

4.2. Categoria 2: Organização do aparato administrativo


Em relação à organização do aparato administrativo, esta foi associado ao acesso a
recursos, gerando os respectivos códigos e frequência pelo software Atlas.ti: recursos -
pessoal (16); recursos - veículos, máquinas e equipamentos (15); estrutura (12); assistência
técnica (10) e capital (6). Considerando a Administração como um “processo de tomar
decisões que faz a organização ser capaz de utilizar corretamente seus recursos (materiais,
pessoas, informações, dinheiro, instalações, etc) e atingir seus objetivos (MAXIMIANO,
2012, p. 5)”, o acesso aos recursos mostra como estes estão relacionados à tomada de decisão
115
dos diretores das associações e cooperativas. Vale ressaltar que são elementos da fase da
implementação de políticas públicas os recursos materiais, financeiros, informativos e
políticos (SECCHI, 2013).
A frequência dos códigos mostra que os recursos pessoais são os que aparecem com
maior assiduidade. O trabalho das próprias agricultoras é presente na Associação de
Boqueirão e na Associação de Pedregulho, pois as associadas trabalham conjuntamente para a
produção das polpas de frutas, na primeira, e, para a produção de bolos e na horta coletiva, na
segunda. Na Associação de Riachão os filhos dos agricultores trabalham também na entrega
das mercadorias nas escolas, mas não são associados e nem funcionários da Associação, eles
recebem por diárias.

A COOPAF Muriaé e a COOPAF Fervedouro são as cooperativas que possuem


funcionários, a primeira dispõe de um técnico agrícola, de um funcionário na área
administrativa e os membros da diretoria, que são cooperados, mas trabalham de forma
remunerada, a segunda conta com trabalho de uma estagiária do curso de Administração e de
um técnico agrícola. Um aspecto importante a se ressaltar é como o know-how da diretoria é
um elemento relevante para a implementação do PNAE, como é notável pela fala do
entrevistado da COOPABEV:

“A construção do projeto é inata, cada um de nós conhece muito bem a legislação do


PNAE, eu digo muito bem porque o pessoal lá conhece tanto a Lei 11.947 quanto
Resoluções 04 e a 26, então a gente tem lá três pessoas focadas nisso (Entrevistado
COOPABEV).”

O código associado aos recursos com veículos máquinas e equipamentos aparece com
a segunda maior frequência. Foi possível verificar que a maioria das associações e
cooperativas do Território do Mato Grande/RN, exceto a Associação de Boqueirão e a
COOAFES, não possuem veículos de transporte próprio para a entrega dos alimentos nas
escolas, enquanto as cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG, exceto a
COOAFA, possuem transporte para tal finalidade.
A Associação de Boqueirão possui um carro semitérmico e uma “caminhonete baú”.
Segundo relato do entrevistado, a COOAFES possui duas caminhonetes que foram
conseguidas por meio de um edital de 2011/2012 do Banco Nacional de Desenvolvimento
(BNDES) em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) com a
finalidade de apoiar a logística no âmbito do PNAE no estado do Rio Grande do Norte. As
demais associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN alugam caminhões para
poder entregar os produtos para as escolas. Pela fala da entrevistada da Associação de
116
Pedregulho é possível perceber a importância dos projetos que associação foi beneficiada para
o provimento de recursos:

“Sem essa sede e sem essa estrutura a gente não poderia participar né? Porque a
gente precisa pra fazer o bolo, e até mesmo pra gente ter a acolhida assim, das sócia,
pra gente fazer as reunião da gente é, então assim, tudo faz parte de projetos que
vem pra gente. Sem esses projetos pra chegar até nós, jamais a gente tava onde está
(Entrevistada Associação de Pedregulho).”

As verbas destinadas de projetos também foram fundamentais para a aquisição de


veículos nas cooperativas da Serra do Brigadeiro/MG. Na COOPAF Muriaé, o caminhão para
transporte das mercadorias foi uma ação do Plano de Desenvolvimento Territorial da Serra do
Brigadeiro, em 2009. A Kombi foi concedida por meio de um acordo com comodato de um
projeto de um deputado federal e a caminhonete foi uma conquista do Centro de Tecnologias
Alternativas da Zona da Mata (CTA) e a moto foi adquirida com recursos próprios da
cooperativa. Também na COOPERDOM, o CTA doou uma caminhonete no âmbito do
desenvolvimento de um projeto em parceria com a associação de agricultores do município.
Na COOPAF Fervedouro, a caminhonete é um veículo utilizado em parceria com a
associação. Já na COOAFA os agricultores utilizam seus transportes próprios, entregando os
produtos diretamente nas escolas.
Se tratando do recurso transporte para a entrega das mercadorias, notou-se que as
cooperativas do território mineiro possuem melhores condições para transportar suas
mercadorias do que as associações e cooperativas do território potiguar. Além disso, as
dificuldades das organizações do Território do Mato Grande/RN se acentuam, uma vez que as
associações e cooperativas atendem a um maior número de escolas, sendo sugerido, pela
maioria dos entrevistados, que as prefeituras providenciem um centro de distribuição único no
qual todas as organizações pudessem deixar as mercadorias, e, assim, as prefeituras seriam
responsáveis pela entrega. Este é um aspecto que merece destaque para os gestores públicos
dos municípios do Território do Mato Grande/RN, e, considerando isso, sugere-se que as
ações das prefeituras deveriam orientar-se para a melhoria dos resultados da política pública
neste território no que concerne aos aspectos relacionados ao transporte e a distribuição das
mercadorias para a alimentação escolar.
Outros tipos de recursos são os recursos como máquinas, equipamentos e utensílios.
No Território do Mato Grande/RN, apenas a COOPABEV possui um computador com
internet disponível na sede da cooperativa e no Território da Serra do Brigadeiro/MG todas as
cooperativas possuem computador, embora na COOAFA o computador utilizado seja o de
uso pessoal da diretora. Quando indagados aos demais diretores entrevistados a respeito do
117
acesso às chamadas públicas do PNAE, eles responderam que são informados por meio da
pessoa que gerencia a cooperativa (Associação de Boqueirão), ou eles mesmos comparecem
na prefeitura para terem acessos às chamadas públicas (Associações de Pedregulho, de
Rosário e de Riachão).
Outros tipos de máquinas, equipamentos e utensílios são as câmaras de resfriamento e
máquinas de processamento das frutas da Associação de Boqueirão, os equipamentos para a
produção dos bolos (utensílios, mesas de inox, fogão, forno industrial) da Associação de
Pedregulho, três microtratores da Associação de Riachão. A Associação de Rosário é a que
menos dispõe de recursos, sendo que além da sede própria, possui apenas balança para pesar
as mercadorias no que concerne aos maquinários, equipamentos e utensílios.
O código “estrutura” se refere à sede das organizações. No Território do Mato
Grande/RN apenas a COOAFES não possui uma sede definitiva, visto que, por ser uma
cooperativa territorial, existem núcleos nas cidades potiguares de São Miguel do Gostoso,
Pureza, João Câmara e Ceará-Mirim, sendo que a intenção dos agricultores, conforme relatou
o entrevistado, é que a sede da cooperativa seja alocada no município de Ceará-Mirim/RN,
por se tratar do município mais próximo de Natal/RN, onde se localiza a Cooperativa Central
de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária (CECAFES), lugar em
que a COOAFES entrega a produção dos cooperados. As demais associações e cooperativa do
Mato Grande/RN possuem sede própria e a sede é localizada na zona rural dos municípios as
quais pertencem. Na Serra do Brigadeiro/MG, a sede COOPERDOM e a COOPAF Muriaé
pertencem ao STR, sendo feito um acordo de comodato. A COOAFA utiliza o espaço cedido
pela associação de agricultores familiares de Araponga/MG e a COOPAF Fervedouro aluga a
sede na qual a cooperativa funciona.
Quanto à assistência técnica, no Mato Grande/RN, nenhuma organização estudada
possui técnico agrícola exclusivo para prestar serviços aos membros, na Associação de
Rosário, o filho da diretora é técnico agrícola e presta assistência técnica de maneira
voluntária aos associados. Na Serra do Brigadeiro/MG, duas cooperativas possuem técnico
agrícola (COOPAF Muriaé e COOPAF Fervedouro). Apesar da maioria das organizações não
possuírem assistência técnica própria, elas contam com diversas parcerias para tal, como da
Secretaria da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAP) de Ceará-Mirim/RN,
do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

118
(EMATER) e do CTA. A fala entrevista reforça a importância da assistência técnica no meio
rural:

“Lamentavelmente os governantes não enxergam a importância dessa assistência


técnica né, por falta de assistência técnica hoje o agricultor familiar segue um pouco
pro agronegócio e carrega sua produção de agrotóxico e isso é um grande problema
e quase tudo sem receituário né, da própria cabeça, da própria, como se fosse ate
uma alta medicação e vai procurando os defensivos mais forte e vai aplicando cada
vez mais, e essa é um desafio grande (Entrevistado COOAFES).”

A pesquisa de Santos, Ferreira e Campos (2019) mostra como a falta de assistência


técnica constitui uma barreira para o acesso ao PNAE em uma cooperativa da agricultura
familiar, e, além disso, os autores constataram que, não basta assessorar os empreendimentos
da agricultura familiar para constituí-los, é preciso um apoio contínuo para que eles
funcionem plenamente. Costa, Amorim Júnior e Silva (2015), ao analisarem analisados
diagnósticos realizados em 19 cooperativas de agricultura familiar em diferentes regiões de
Minas Gerais, inferiram que são necessárias políticas de Assistência Técnica e Extensão Rural
(ATER) de acompanhamento sistemático e contínuo para deixarem os agricultores familiares
aptos a gerirem suas cooperativas.
A relevância da assistência técnica mostra a importância das políticas públicas se
complementarem, quanto se trata de agricultura familiar. Por exemplo, o PNAE não consta
em seus dispositivos institucionais mecanismos legais para a promoção da assistência técnica.
Porém, existem no Brasil a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a
Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER), que
foram instituídos por meio da Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010, tendo, dentre seus
princípios, gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de ATER. Além deste
princípio, a PNATER e o PRONATER buscam contribuir para a segurança e soberania
alimentar e nutricional, o que indica concordância com as diretrizes do PNAE.
Outro ponto associado à inter-relação entre as políticas públicas está na constatação de
que todas as associações e cooperativas do Território do Mato Grande/RN e na COOPAF
Muriaé na Serra do Brigadeiro/MG, o acesso ao PAA, que também é uma política de compra
governamental de alimentos da agricultura familiar, foi um evento anterior à participação
destas organizações no PNAE, o que mostra também como que acessar primeiro uma política
pública pode servir de elo para novos mercados. Oliveira, Batalha e Pettan (2017)
compararam os impactos socioeconômicos gerados para a agricultura familiar pelo PAA e
PNAE e concluíram que tanto o PAA quanto o PNAE apresentaram benefícios

119
socioeconômicos positivos a agricultura familiar, apesar da renda dos produtores do PNAE
ser maior e os preços dos produtos no PAA serem superiores no município mineiro estudado.
O código “capital” também aparecerem nesta categoria e está associado ao volume de
recursos levantados por meio de projetos e por meio da cota parte, que são os valores
financeiros que os agricultores integralizaram para tornarem-se membros das associações e
cooperativas, assim como também os recursos financeiros provenientes das receitas das
vendas geradas principalmente pela venda para as escolas, uma vez que o PNAE é o principal
mercado em todas as organizações estudadas, exceto pela COOAFES, que passa por um
processo de reestruturação para poder participar do mercado institucional.
Esta categoria mostra que, a organização do aparato administrativo influencia na
implementação da política pública na medida em que há ou não disponibilidade de recursos
humanos, materiais e financeiros disponibilizados para a execução do PNAE. Por exemplo, o
transporte, o acesso ao computador com internet e a assistência técnica são recursos com
maior presença no Território da Serra do Brigadeiro/MG em relação ao Território do Mato
Grande/RN. Isso influencia nos resultados da política, pois, o transporte próprio diminui os
custos das mercadorias, o acesso à internet facilita o acesso às chamadas públicas e a
assistência técnica é fator chave para o sucesso do PNAE. A seguir são analisadas as atuações
dos diretores.

4.3. Categoria 3: Atuação dos diretores


Esta categoria revela como a atuação dos diretores das cooperativas e associações são
colocados em prática na implementação do PNAE, gerando os respectivos códigos e
frequências pelo software Atlas.ti: trajetória individual (18); escolaridade e treinamento (16) e
papel/atuação (13).
O código mais frequente é “trajetória individual” e relata o engajamento dos
entrevistados com as organizações desde sua criação. No Território do Mato Grande/RN, foi
possível perceber este engajamento nas falas de todos os entrevistados, que a motivação deles
em criar as associações e cooperativas vem da vontade em unir a agricultura familiar para
fortalecê-la, mas também de acreditar no potencial deste segmento para o desenvolvimento
das localidades, a produção de alimentos e a geração de trabalho e renda.
A entrevistada da Associação de Boqueirão participou dos trabalhos coletivos em
troca do recurso financeiro concedido para a construção da polpa de frutas, a diretora da
Associação de Pedregulho participou da reunião no dia 08 de março de 2003 (dia
internacional da mulher), em que 72 mulheres do assentamento fundaram a associação. Nos
120
assentamentos rurais de Rosário e Riachão, além de participarem da criação das associações,
os agricultores entrevistados estiveram no processo de desapropriação das terras onde foram
formados os assentamentos. O presidente da COOAFES participou do processo de criação da
cooperativa no âmbito dos fóruns territoriais. Já o presidente da COOPABEV é o único
entrevistado dentre as 10 associações e cooperativas analisadas que não é um agricultor
familiar, mas relatou sua motivação com a causa:

“Eu vi a cooperativa como uma forma de promover acesso a aquelas pessoas que
estavam interessadas, que veem no coletivo, veem uma esperança de poder sair
daquela situação digamos que paupérrima né? Ou ter uma outra visão em relação a
que ela está hoje. Então uma cooperativa ela contribui com outras visões... A
cooperativa ajudou a ampliar horizontes ou ajudou as pessoas a se agarrarem a um
sonho, de sair daquela situação (Entrevistado COOPABEV).”

Além de estarem presentes no processo de criação das organizações, a maioria dos


entrevistados desempenham suas funções como diretores e também produzem para
comercializar por meio das associações e cooperativas, seja no trabalho individual em suas
propriedades, seja no trabalho coletivo com os demais agricultores, como na produção de
bolos na Associação de Pedregulho e na fabricação de polpas de frutas na Associação de
Boqueirão.
Dentre os entrevistados do Território da Serra do Brigadeiro/MG, os agricultores
diretores da COOPAF Muriaé, da COOPAF Fervedouro e da COOAFA afirmaram que já
foram presidentes do STR antes de serem diretores das cooperativas, o que reforça os
resultados desta pesquisa quanto à relação de proximidade que as cooperativas deste território
possuem com o STR. Todos os diretores das cooperativas deste território também
participaram desde as primeiras mobilizações para sua criação, primeiramente como
associações e posteriormente na transição para cooperativas. Pela fala dos agricultores é
possível perceber a influência do PNAE para a criação das cooperativas:

“A gente tava movimentando, se a gente não tivesse trabalhando no PNAE talvez no


momento a gente não criasse a cooperativa, mas como a gente tava trabalhando no
PNAE e ai essa questão de legislação acaba se tornando mais forte, por a gente tá
comercializando. Então ai que a gente começou a trabalhar em virtude disso
(Entrevistada COOAFA).”

“Participei desde quando começou, era associação, mas ela sempre capengava, o
pessoal firmava, vinha, daí um tempo desanimava porque na verdade não gerava
lucro.. o que fez alavancar realmente foi o PNAE (Entrevistado COOPERDOM).”

Não só na COOAFA e na COOPERDOM, mas como nas duas outras cooperativas do


Território da Serra do Brigadeiro/MG, o PNAE foi um fator chave para sua a criação, ou seja,
a política pública influenciou desde a gênese destas. Este fato também foi verificado em
121
outras pesquisas, como por exemplo, o estudo de Franzoni e Silva (2016), que mostra que, a
partir da realidade a cadeia curta de abastecimento da alimentação escolar do município de
Porto Alegre/RS, muitas cooperativas não existiriam se não existisse a alimentação escolar.
Assim como nesta pesquisa, o trabalho de Franzoni e Silva (2016) também revelou como o
PNAE é um fator crucial para a criação, a sobrevivência e o desenvolvimento de organizações
da agricultura familiar.
Considerando o papel da institucionalização do PNAE como mecanismo indutor para
a criação e fortalecimento de organizações formais da agricultura familiar, merece destaque os
aspectos relatados pela agricultora entrevistada da COOAFA, pois, pelo seu relato, sua filha
havia nascido em 2010 e ela procurava formas alternativas para complementar a renda de sua
família, que passava por uma dificuldade financeira. Foi quando ela tomou conhecimento, por
meio de uma professora de uma escola da rede estadual, que os agricultores familiares podiam
entregar alimentos para a merenda escolar. Conforme o seu depoimento, a agricultora viu
nisso um potencial para melhorar as condições de vida de sua família, e, procurou se informar
de como poderia participar do PNAE:

“Vim pra dentro do sindicado (STR) e comecei, usei computador, usei telefone, pra
ver o que que era ai que eu fui saber da lei, fui tirar duvida usei o telefone pra saber
direito ai que eu fui procurei a diretora (da escola) também pra conversar, ai eu
conversei com ela, ela falou tudo direitinho. Então a gente montou um primeiro
projeto como grupo informal eu ainda corri atrás de vários produtores (Entrevistada
COOAFA).”

Pela fala é factível o papel desempenhado pela agricultora entrevistada para que os
demais agricultores de Araponga/MG pudessem ter acesso ao PNAE por meio de grupo
informal, pela associação e depois pela cooperativa. Neste caso, a capacidade de interpretação
da agricultora em relação à política pública era mínima, mas a busca pelo conhecimento de
como a política pública funciona fez com que se tornasse possível acessá-la.
Pela trajetória dos entrevistados foi captado que estes são lideranças empíricas nos
municípios nos quais as organizações estão localizadas, ou até mesmo em âmbito territorial,
como no caso do entrevistado da COOAFES, no Território do Mato Grande/RN. Estas
lideranças são pessoas engajadas para fazer com que a participação no mercado institucional
funcione, por serem agricultores familiares (na maioria dos casos), beneficiários da política
pública, dirigentes das organizações e pelo engajamento com estas.
Por meio do código “escolaridade e treinamento”, foi constado que, no território
potiguar, uma diretora possui ensino fundamental incompleto, uma diretora possui ensino
fundamental completo, dois diretores têm ensino médio e dois diretores concluíram o ensino

122
superior (Administração e Gestão de Cooperativas). No território mineiro, um diretor possui
ensino fundamental incompleto, dois diretores possuem ensino médio e uma diretora concluiu
o ensino superior em Ciências Contábeis. É possível perceber que os diretores que possuem
curso superior são bacharéis em cursos da área de gestão, o que é um fator positivo para o
gerenciamento das organizações. Ademais, foi verificado que a maioria dos entrevistados
(exceto as diretoras das Associações de Rosário e Boqueirão), já participou de algum tipo de
treinamento/curso referente ao gerenciamento de cooperativas promovido por entidades
especializadas de ATER. Uma das agricultoras que nunca participou de algum
treinamento/curso relatou:

“Eu aprendi tudo no dia a dia, e assim, eu sempre participo das reuniões do território
sempre tem, sempre chega convite a gente vai (Entrevistada Associação de
Boqueirão).”

Nota-se, pela fala, que apesar não ter um conhecimento formal específico de
gerenciamento de cooperativas, existe vontade da entrevistada em participar de reuniões do
Território do Mato Grande/RN, assim como também é possível perceber a importância do
conhecimento tácito, que está presente também no cotidiano da implementação do PNAE. Já a
fala do entrevistado da COOPABEV relata como sua formação em Administração foi
importante para a criação e desenvolvimento da cooperativa:

“Eu só um sócio fundador, então assim a discussão da cooperativa vem desde a


associação e eu até pela minha questão de formação em Administração, isso sempre
me remeteu a essa curiosidade de tá sempre auxiliando, vendo quais são os melhores
processos junto com o pessoal lá que a gente pode tocar, que a gente consegue tocar,
quais são os instrumentos que a gente consegue utilizar, quais são os mais fáceis,
quais são os adaptáveis, a gente sempre procura isso (Entrevistado COOPABEV).”

As falas remetem à importância tanto do conhecimento formal quanto do


conhecimento informal, pois a entrevistada que não realizou cursos/treinamentos encontrou
nos aprendizados práticos diários uma forma de aprender aspectos relacionados ao
gerenciamento da associação e da implementação do PNAE. Já o entrevistado que possui
curso superior consegue por meio dele contribuir para o gerenciamento da cooperativa, mas
vale destacar que este entrevistado é o único que não é agricultor familiar, mas possui um
comprometimento com a cooperativa da qual faz parte e com seus membros, estando sempre
engajado para a participação de reuniões, eventos e congressos relacionados à temática da
agricultura familiar, economia solidária, gestão social e desenvolvimento territorial. No
entanto, é preciso ter uma visão crítica a respeito desta constatação, pois, para a maioria dos
agricultores familiares existe uma dificuldade em dar continuidade aos estudos, devido ao

123
trabalho no meio rural, e, por razões como esta, o entrevistado com maior escolaridade é
aquele não é um agricultor familiar.
Esta categoria é formada também pelo código “papel/atuação”, que mostra como as
obrigações dos diretores das associações e cooperativas se manifestam para o funcionamento
destas e na implementação do PNAE. Além de gerenciar as associações e cooperativas, exceto
na Associação de Boqueirão que possui um gestor externo e na COOPAF Muriaé que possui
funcionários, outras atividades desempenhadas pelos diretores são: controle da entrega da
produção dos associados para a fabricação das polpas de frutas (diretora da Associação de
Boqueirão); busca de projetos, participar da produção de bolos e da horta coletiva (diretora da
Associação de Pedregulho); realização todas as atividades associadas à entrega de produtos
para a merenda escola – exceto a elaboração do projeto de venda (diretores Associação de
Rosário, da Associação de Riachão, da COOPERDOM e da COOPAF Fervedouro);
comercialização dos produtos na CECAFES (COOAFES); representação da cooperativa em
eventos e reuniões, realização de trabalhos de campo juntamente com o técnico agrícola
(COOPAF Muriaé); emissão e controle de notas fiscais, realização todas as atividades
associadas à entrega de produtos para a merenda escola – incluindo a elaboração do projeto de
venda (COOAFA); responsabilidades associadas ao pagamento aos agricultores pelas vendas
para a merenda escolar (COOPAF Fervedouro).
Quando questionados a respeito de suas responsabilidades, foi possível verificar que,
em alguns casos, os diretores demonstraram estar sobrecarregados de atividades. Como na
COOPAFA, que a diretora é responsável por todos os processos para a venda no mercado
institucional. Pela fala da entrevistada da Associação de Pedregulho é possível notar o
excesso de funções:

“A minha responsabilidade é buscar projetos, correr atrás dos projetos, organizar a


associação, mas ultimamente tá sendo quase todas as responsabilidades comigo e
com a vice-diretora (Entrevistada Associação de Pedregulho).”

Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Santos, Ferreira e Campos (2019),


que, analisando as barreiras inibidoras do desempenho de cooperativas da agricultura familiar,
constataram que a excessiva dependência do vice-presidente em uma das cooperativas
constitui-se uma barreira que prejudica o bom desempenho da organização, assim como
também o acesso às políticas públicas, visto que os autores relataram a existência do interesse
da cooperativa em fornecer alimentos para o PNAE, mas, dentre outras barreiras além desta,

124
os agricultores não conseguiam participar do mercado institucional. Outro aspecto é o tipo de
gestão, que foi mencionado pelo entrevistado:

“Nós procuramos fazer uma administração e orientação nossa muito transparente,


muito dinâmica, eu sou o presidente, porque o estatuto exige, é uma norma
estatutária, se eu tivesse só como cooperado também a responsabilidade era a
mesma. Só que pelo cargo, pela atribuição do cargo eu tenho que tá exatamente
fazendo a gestão junto com o conselho e a gente faz uma gestão totalmente
democrática ouvindo, atribuindo, cobrando as atividades correlacionadas às funções
de cada um (Entrevistado COOAFES).”

Pela fala acima, é possível perceber dois termos importantes relacionados à gestão das
cooperativas e associações, que se referem à autogestão e à gestão democrática. A primeira
diz respeito a não separação entre trabalho manual e intelectual, em que a posse dos meios de
produção é coletiva e caracterizada como um processo em construção na organização
(CANÇADO, 2004). A segunda é uma característica dos empreendimentos de economia
solidária que são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente
democrática, ou seja, cada sócio, cada membro do empreendimento tem direito a um voto
(SINGER, 2008). A fala do entrevistado do COOAFES reforça as definições de autogestão e
de gestão democrática trazidas pela literatura, o que mostra a aplicabilidade dos conceitos no
cotidiano do funcionamento das organizações da agricultura familiar.
É possível concluir que no Território da Serra do Brigadeiro/MG, a implementação do
PNAE ocorre de melhor forma, diante da maior disponibilidade de recursos nas organizações
para que esta implementação ocorra, no entanto, em se tratando da atuação dos diretores, não
há como pontuar em qual território este aspecto é mais efetivo, pois, apesar de apresentarem
mais dificuldades quanto à organização do aparato administrativo, foi possível perceber que a
atuação dos diretores das associações e cooperativas do território Mato Grande/RN contribuiu
de maneira crucial para a implementação do PNAE, não havendo diferenças significativas em
relação à atuação dos diretores do Território da Serra do Brigadeiro/MG. Considerando os
aspectos apresentados em cada categoria, a Figura 1 sumariza os principais resultados em
consonância com o modelo de implementação de políticas públicas de Lima e D’ascenzi
(2013).

125
Figura 1 – Principais resultados encontrados pela aplicação do modelo de implementação de
políticas públicas de Lima e D’ascenzi (2013)

• Associações como estruturas de transição para o


surgimento de cooperativas na Serra do Brigadeiro/MG;
Plano
• O PNAE como indutor para a criação e desenvolvimento
das associações e cooperativas em ambos os territórios

• Na Serra do Brigadeiro/MG há maior disponibilidade de


Organização do recursos, considerando recursos pessoais como assistência
aparato técnica e profissionais do ramo administrativo e recursos
materiais como transporte próprio e computador.
administrativo
• Os recursos financeiros não apresentam diferenças
pontuais.

• Evidencia participação na criação e/ou transformação


das organizações, inclusive pelo engajamento no
Atuação dos desempenho de novas atribuições.
diretores
• Além de serem lideranças empíricas que implementam o
PNAE, a maioria também é beneficiária do programa.

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

Como destacam Arzeno e Ponce (2014), quando uma política pública é pensada para
grandes áreas geográficas, no âmbito das dinâmicas locais específicas, toma características
singulares. Para Lotta e Favareto (2016), um dos principais quesitos para a incorporação da
dimensão territorial na gestão e implementação das políticas públicas brasileiras é o
reconhecimento de que as políticas nacionais dão origem a indicadores muito diferenciados
nos vários municípios em que são implementadas, o que sugere a importância de fatores
locais a condicionar o êxito dos investimentos feitos.
Estas constatações adicionam importância a estudos desta natureza, uma vez que, o
PNAE é uma política pública de alcance nacional, e, a obrigatoriedade da compra de
alimentos da agricultura familiar é determinada por lei, no entanto, o contexto no qual a
política pública é implementada passa por uma série de singularidades, demonstradas por
meio do estudo de casos múltiplos nos territórios do Mato Grande/RN e da Serra do
Brigadeiro/MG. Estas particularidades foram aqui identificadas por meio da análise do plano
local, da organização do aparato administrativo e da atuação dos dirigentes de organizações
da agricultura familiar na implementação da política pública.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação do modelo de Lima e D’ascenzi (2013) para analisar como o plano, a
organização do aparato administrativo e a atuação de lideranças empíricas de associações e
cooperativas da agricultura familiar influenciam na implementação do PNAE gerou um
126
conjunto de aspectos por categorias temáticas que representa as particularidades da
implementação da política pública nos territórios rurais do Mato Grande/RN e da Serra do
Brigadeiro/MG.
O PNAE no plano local, no Território da Serra do Brigadeiro/MG, é atendido somente
por cooperativas, com origens em associações, mas, que avançaram na institucionalização a
partir de marco legal que obrigou a compra pública de alimentos da agricultura familiar pelo
sistema público de educação básica, em 2009. Nos dois territórios, na maioria das
organizações, a decisão para a constituição partiu dos próprios agricultores, sendo um
processo bottom-up, assim como a iniciativa em participar do PNAE. O que mostra que a
capacidade dos agricultores familiares de se organizarem para o acesso às políticas públicas
não foi um processo liderado pelo Estado, e, sim, pelos próprios beneficiários.
O aparato administrativo igualmente foi alterado, mais intensamente em um Território
que no outro, em infraestrutura de transporte, recursos materiais, humanos, financeiros, acesso
a tecnologias e assistência técnica. Foi possível perceber que as cooperativas do Território da
Serra do Brigadeiro/MG possuem maior disponibilidade de recursos do que as associações e
cooperativas do Território do Mato Grande/MG, considerando recursos pessoais como
assistência técnica e profissionais do ramo administrativo e recursos materiais como
transporte próprio e computador. Os recursos financeiros não apresentam diferenças pontuais,
visto que todas as organizações dos dois territórios sobrevivem por meio do capital levantado
por meio de projetos, da cota parte ou das receitas das vendas geradas principalmente pela
venda para a alimentação escolar.
A atuação de dirigentes na implementação evidencia participação na criação e/ou
transformação das organizações, inclusive pelo engajamento no desempenho de novas
atribuições. Além de a maioria ser beneficiária do PNAE, os diretores das associações e
cooperativas são atores que colocam a implementação da política pública na prática, são
lideranças empíricas que participam de atividades no contexto municipal e territorial,
participaram na criação das associações e cooperativas e, a série de atribuições que estes
assumem para o funcionamento das organizações e para o acesso e a execução da política
pública.
Considerando que a implementação do PNAE é condicionada pela atuação de
diferentes atores sociais, para pesquisas futuras, sugere-se a ampliação do campo de estudo
contemplando outros atores envolvidos na implementação, a exemplo de burocratas de nível
de rua, como forma de constatar outros elementos que interferem na implementação do PNAE

127
em sua interlocução com a agricultura familiar para além da atuação dos diretores e a
organização do aparato administrativo nos territórios rurais analisados ou em outros territórios
rurais brasileiros.

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129
CONCLUSÃO GERAL

A tese cumpre o objetivo de analisar a implementação do PNAE por associações e


cooperativas da agricultura familiar nos territórios rurais do Mato Grande/RN e da Serra do
Brigadeiro/MG, pontuando elementos teóricos, epistemológicos e empíricos por meio da
elaboração de quatro artigos com abordagens teórica (primeiro artigo) teórico-epistemológica
(segundo artigo) e teórico-empírica (terceiro e quarto artigos).
O primeiro e o segundo artigos da tese buscam responder à questão de pesquisa
apresentada na introdução referente ao modo se agrupam e se articulam categorias analíticas
derivadas da publicação científica e da pesquisa na pós-graduação stricto sensu, no domínio
da Ciência Administrativa, considerando inserção da agricultura familiar no PNAE. Dessa
forma, o primeiro artigo mostra que as categorias se agrupam da seguinte forma: Trajetória e
marco legal; Aspectos político-institucionais; Atributos da agricultura familiar; Fatores de
sucesso e Barreiras.
A Trajetória e marco legal retrata o PNAE como mercado institucional para a
agricultura familiar considerando os diferentes instrumentos legais instituídos ao longo do
tempo. Os Aspectos político-institucionais envolvem elementos que mostram como a as
políticas públicas, e especificamente o PNAE, precisam da participação da sociedade civil e
da articulação de diferentes atores sociais. Os Atributos da agricultura familiar abordam os
tipos de agricultura familiar, o papel das organizações formais e como o PNAE contribui para
a geração de capital social. A análise dos Fatores de sucesso do PNAE realça contribuições ao
desenvolvimento, territorial, local, sustentável, e à inovação. As Barreiras foram identificadas
tanto por parte dos agricultores familiares para acessar o PNAE quanto por parte de
instituições públicas para executá-lo na forma de chamada pública para o segmento da
agricultura familiar.
O segundo artigo mostra como estas cinco categorias se articulam, revelando que, por
recortes, meios e materiais acadêmicos distintos, as categorias analíticas supracitadas
possuem simetrias com a natureza epistemológica das pesquisas stricto sensu no domínio da
Ciência Administrativa no âmbito da participação da agricultura familiar no PNAE.
Independente do enquadramento epistemológico, estas pesquisas se harmonizam às categorias
geradas no primeiro artigo, pois, de maneira geral, realizam uma discussão a respeito da
Trajetória e marco legal, caracterizando o PNAE como política pública para a agricultura
familiar (Lei nº 11.947/2009) e fazem análise dos desdobramentos de tal instrumento nos
contextos empíricos estudados. Destacam, na categoria Aspectos políticos e institucionais, a
130
atuação dos atores sociais na execução do PNAE, em conjunto de organizações de enclave
especializado de prestação de serviços de ATER; organizações do enclave executor e
organizações enclave sociopolítico. Abordam Atributos da Agricultura Familiar pra além da
definição legal e, apresentam Fatores de sucesso e Barreiras na execução da política pública.
O terceiro e o quarto artigo buscam responder ao questionamento apresentado na
introdução referente à forma como evidências empíricas da participação da agricultura
familiar no PNAE se manifestam na implementação da política pública por associações e
cooperativas em territórios rurais. Os resultados obtidos nestes artigos confirmam a tese de
que evidências empíricas da participação da agricultura familiar influenciam na
implementação do PNAE por associações e cooperativas nos territórios rurais do Mato
Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG. O terceiro artigo revela que o desenvolvimento
territorial, as instituições e o capital social interferem na implementação da política pública
nestes territórios rurais. Já o quarto artigo apresenta como o plano, a organização do aparato
administrativo das associações e cooperativas da agricultura familiar e a atuação dos diretores
presidentes destas organizações moldam a implementação do PNAE nos territórios rurais
estudados.
O desenvolvimento territorial apresenta atributos distintos nos territórios do Mato
Grande/RN e da Serra do Brigadeiro/MG. Na dimensão cultural, que se refere à cultura e aos
valores dos territórios, o Mato Grande/RN apresenta maior engajamento, inclusive com a
criação da COOAFES, cooperativa de âmbito territorial que foi apresentada como conquista
dos agricultores familiares durante a vigência do Programa Territórios da Cidadania
(BRASIL, 2008). A dimensão econômica, de outra forma, associada à articulação dos
recursos para geração de trabalho e renda e crédito rural, apareceu mais fortemente no
Território da Serra do Brigadeiro/MG. A dimensão social foi identificada nos dois territórios
por meio da atuação do Fórum de Desenvolvimento do Mato Grande (Fomag) e das reuniões
do Plano de Desenvolvimento Territorial na Serra do Brigadeiro. A dimensão ambiental,
também presente nos dois territórios, foi verificada pela relação dos produtores com o meio
ambiente a partir da produção orgânica e agroecológica
Com relação aos elementos institucionais, ficou nítido que, em ambos os territórios, há
influência dos elementos institucionais gerais do PNAE na criação de elementos institucionais
específicos nas organizações pesquisadas. O formato institucional do PNAE, que requer
interfaces da alimentação escolar com a agricultura familiar, contribuiu para o surgimento de
normas específicas nas associações e cooperativas, notadamente no tocante à entrega da

131
mercadoria, à qualidade, ao não uso de agrotóxicos e ao trabalho coletivo. O capital social das
associações e cooperativas influenciou na implementação do PNAE revelada em relações de
confiança entre essas organizações e o poder público, entre os agricultores e pela articulação
das organizações com diferentes atores sociais, como corpo técnico das prefeituras, segmento
escolar demandante e nutricionistas. Essas relações de confiança facilitaram o acesso dos
agricultores ao mercado institucional.
O PNAE no plano local, no Território da Serra do Brigadeiro/MG, é atendido somente
por cooperativas, com origens em associações, mas, que avançaram na institucionalização a
partir de marco legal que obrigou a compra pública de alimentos da agricultura familiar pelo
sistema público de educação básica, em 2009. Nos dois territórios, na maioria das
organizações, a decisão para a constituição partiu dos próprios agricultores, sendo um
processo bottom-up, assim como a iniciativa em participar do PNAE. O que mostra que a
capacidade dos agricultores familiares de se organizarem para o acesso às políticas públicas
não foi um processo liderado pelo Estado, e, sim, pelos próprios beneficiários.
O aparato administrativo igualmente foi alterado, mais intensamente em um Território
que no outro, em infraestrutura de transporte, recursos materiais, humanos, financeiros, acesso
a tecnologias e assistência técnica. Foi possível perceber que as cooperativas do Território da
Serra do Brigadeiro/MG possuem maior disponibilidade de recursos do que as associações e
cooperativas do Território do Mato Grande/MG, considerando recursos pessoais como
assistência técnica e profissionais do ramo administrativo e recursos materiais como
transporte próprio e computador. Os recursos financeiros não apresentam diferenças pontuais,
visto que todas as organizações dos dois territórios sobrevivem por meio do capital levantado
por meio de projetos, da cota parte ou das receitas das vendas geradas principalmente pela
venda para a alimentação escolar.
A atuação de dirigentes na implementação evidencia participação na criação e/ou
transformação das organizações, inclusive pelo engajamento no desempenho de novas
atribuições. Além de a maioria ser beneficiária do PNAE, os diretores das associações e
cooperativas são atores que colocam a implementação da política pública na prática, são
lideranças empíricas que participam de atividades no contexto municipal e territorial,
participaram na criação das associações e cooperativas e, a série de atribuições que estes
assumem para o funcionamento das organizações e para o acesso e a execução da política
pública.

132
Foi possível concluir também que, independentemente da região brasileira, as
dificuldades na implementação do PNAE por associações e cooperativas da agricultura
familiar tendem a se manifestar de modo similar. Entre essas dificuldades está a certificação
da produção orgânica, o planejamento da produção, a logística, o gerenciamento o serviço de
assistência técnica e extensão rural. Estas constatações revelam que a Lei nº 11.947/2009 que
institucionaliza o PNAE como política pública para a agricultura familiar é componente
fundamental ao fomento à agricultura familiar, contudo, atender ao critério de compra mínima
de 30% de alimentos da agricultura familiar não é suficiente, sendo necessárias ações e
políticas públicas complementares ao Programa. Esta complementariedade inclui ações de
assistência técnica, treinamentos em termos de gerenciamento e capacidade de produção,
alinhamento entre os atores sociais para que os alimentos atendam às exigências legais e
requisitos da legislação higiênico-sanitária.
Além do exercício efetuado no segundo artigo de validação das categorias propostas,
vale indicar a pertinência de experimentação das categorias aqui pontuadas em pesquisas
empíricas e mediante uso de outros bancos de dados, tanto em termos de repositórios de teses
e dissertações quanto em portais de periódicos, inclusive pelo emprego de ferramentas
quantitativas sob a forma de revisões bibliométricas. Esta ampliação da base de busca e de
dados contribuirá para a caracterização de tendências da pesquisa acerca do PNAE na
agricultura familiar em outros domínios da Ciência.
Outra indicação de pesquisas futuras é a ampliação do campo de estudo contemplando
outros atores envolvidos na implementação, a exemplo de burocratas de nível de rua, como
forma de constatar outros elementos que interferem na implementação do PNAE em sua
interlocução com a agricultura familiar em diferentes unidades e territórios da Federação,
inclusive com viés quantitativo. Sugere-se também estudos comparativos do PNAE com
políticas públicas semelhantes de outros países como para a verificação e análise de
iniciativas semelhantes a respeito da interlocução entre alimentação escolar e agricultura
familiar.

133
APÊNDICE I
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS COM OS DIRETORES DAS
ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS

IDENTIFICAÇÃO:

Nome do entrevistado:
Nome da cooperativa/associação:

SEÇÃO 1 (ARTIGO IV) – PLANO, ORGANIZAÇÃO DO APARATO


ADMINISTRATIVO E ATUAÇÃO DOS DIRETORES (LIMA; D’ASCENZI, 2013).

1) Você poderia descrever como ocorreu a criação da associação/cooperativa?

2) Como se deu e como está o acesso da organização aos programas de compras


institucionais por órgãos governamentais?

3) Você poderia descrever como ocorre a implementação do PNAE por meio da


cooperativa/associação?

4) Quais são os recursos financeiros, administrativos e de pessoal disponíveis na


associação/cooperativa? Esses recursos são suficientes?

5) Quais são os produtos comercializados pela cooperativa? Quais destes produtos são
entregues para a alimentação escolar? As vendas para o PNAE geraram mudanças nos
tipos de alimentos produzidos e comercializados? Quais? Por quê?

6) Como iniciou sua trajetória na associação/cooperativa?

7) Quais são suas responsabilidades na associação/cooperativa como diretor?

8) Qual o seu papel na venda para a merenda escolar?

9) Qual a sua escolaridade? Você já fez algum curso ou já participou de algum


treinamento referente à gestão de cooperativas?

10) Que pontos fortes e oportunidades você identifica que tem o PNAE para a agricultura
familiar, o associativismo e o cooperativismo rurais? (quais são os benefícios)

11) Que pontos fracos e ameaças você identifica que tem o PNAE para a agricultura
familiar, o associativismo e o cooperativismo rurais? (quais são as dificuldades)

12) O que tem feito a organização para aproveitar os pontos fortes e oportunidades e
contornar os transtornos trazidos pelos pontos fracos e ameaças?

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SEÇÃO 2 (ARTIGO III) – DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL, INSTITUIÇÕES
E CAPITAL SOCIAL

1) A execução do PNAE provocou alguma alteração no modo de gerenciar organização?


E no trabalho do campo? O PNAE levou vocês a se relacionarem com organizações e
agentes públicos diferentes daqueles com que vocês já se relacionavam? Quais?
2) Como, na sua opinião, a organização é vista no território?
3) O que representa, na sua opinião, a organização que você dirige para o território?
4) A associação/cooperativa integra alguma rede ou participa de algum fórum, conselho,
comitê municipal ou territorial? E no CAE municipal? Tem participação da organização
ou da agricultura familiar?
5) Em caso positivo, como você avalia a participação de vocês nessas instâncias?
6) A análise das legislações referentes ao PNAE mostra que, de maneira geral, a compra
de gêneros alimentícios da agricultura familiar no âmbito do PNAE é regulamentada por
regras gerais. Então, como você enxerga a execução do PNAE, a partir da experiência da
sua organização, no tocante aos seguintes aspectos:
a) O atendimento à compra mínima de 30% de gêneros alimentícios da agricultura
familiar.

b) A sazonalidade dos produtos agrícolas e a sintonia com as chamadas públicas.

c) O controle de qualidade.

d) A publitização, frequência e abrangência das chamadas públicas. Você sabe se o valor


da chamada pública do PNAE municipal é cumprido integralmente?

(Verificar como a organização teve acesso às chamas públicas).

e) Cumprimento do pagamento por parte do órgão contratante em termos de prazos e


valores (ocorre no prazo? Com atraso? Dentro dos valores contratados).

f) O respeito ao limite de venda (valor máximo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), por
DAP Familiar /ano/entidade executora).

g) A priorização de fornecedores de alimentos orgânicos e agroecológicos e o recebimento


de valor diferenciado (que pode chegar a 30% a mais).

h) A priorização de grupos formais sobre grupos informais.

(Caso exista regras específicas considerando estes itens, verificar quais são estas, se estas
funcionam e se ajudam na implementação do programa).

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7) Além das regras criadas para atendimento às legislações do PNAE foram criadas outras
regras na cooperativa/associação ou no município para melhor o funcionamento do
programa? Como elas foram criadas? Elas funcionam? O que elas instituíram e qual a sua
avaliação a respeito?

8) Você tem alguma sugestão que considera necessária à melhoria da execução do PNAE?

9) Quais os atores com os quais a associação/cooperativa se relaciona para a


implementação do PNAE? Como você avalia a articulação dos vários atores? O que você
sugere para a articulação?

10) Como você avalia as relações de confiança, externamente, entre a


cooperativa/associação e demais parceiros da execução do PNAE?

11) Como você avalia a articulação/cooperação entre sócios na organização?

12) Como você avalia as relações de confiança, internamente, entre os membros da


cooperativa/associação?

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