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Uso do conceito de aprendizagem em estudos relacionados ao


trabalho e organizações
Francisco Antonio Coelho Junior
Jairo Eduardo Borges-Andrade
Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Resumo: A literatura em comportamento organizacional apresenta diversos estudos referenciando


o conceito aprendizagem aplicado no âmbito das organizações. Porém, verifica-se o uso pouco
crítico ou sistemático deste conceito. O objetivo do presente artigo consiste em realizar uma
análise conceitual do termo aprendizagem, justificando sua transposição para estudos
organizacionais. Aplicaram-se técnicas de análise conceitual propostas por Ryle. Como resultado,
verificou-se que a natureza multifacetada do conceito de aprendizagem favorece o advento das
diversas definições associadas a ele. Espera-se que haja maior sistematicidade acerca do uso do
termo aprendizagem aplicado em estudos organizacionais, considerando seus níveis de análise e
as dimensões presentemente discutidas.
Palavras-chave: Conceitos. Análise. Psicologia Organizacional. Formação de conceito.

The use of the learning concept in studies related to work and organizations
Abstract: Literature on organizational behavior presents several studies referring to the learning
concept applied to the context of organizations, however, its use lacks critical or systematic analyses.
This study aimed to develop a conceptual analysis of the word learning that can justify its
transposition to organizational studies. Ryle’s conceptual analysis techniques were applied. As a
result, the text demonstrates that the nature of the multifaceted learning concept favors the
appearance of various definitions associated with it. Given the levels and dimensions discussed
regarding the word learning, a more systematized use of the concept in organizational studies is
expected.
Keywords: Concepts. Analysis. Industrial Psychology. Concept formation.

Utilización del concepto de aprendizaje en los estudios relacionados con el


trabajo y las organizaciones
Resumen: La literatura acerca del comportamiento en las organizaciones contiene muchos estudios
con referencia al concepto de aprendizaje. No obstante, hay poco uso crítico de cuesto concepto.
El objeto del artículo es desarrollar un análisis conceptual de la palabra aprendizaje, en el intento
de justificar su aplicación en estudios de organización. Se aplicó las técnicas de análisis técnico-
conceptual de Ryle. Como resultado, verificamos que el carácter multifacético del concepto
aprendizaje favorece la aparición de las distintas definiciones que conocemos de él. Se prevé que
habrá una reflexión crítica acerca del uso del concepto de aprendizaje en los estudios de la
organización, teniendo en cuenta el análisis y las dimensiones actualmente en debate.
Palabras clave: Conceptos. Análisis. Psicologia Industrial. Formación de concepto.
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No atual cenário globalizado, caracterizado pela as definições de aprendizagem comumente encon-


intensa competitividade entre as empresas, verifica- tradas na literatura em comportamento organizacional,
se que uma das questões mais pontuais às organiza- e que embasam sua aplicação nas organizações. É
ções refere-se à necessidade de prover ações preciso, então, realizar a discussão sobre as princi-
direcionadas ao aperfeiçoamento contínuo de seus pais definições de aprendizagem, já que muitas ações
funcionários (Loiola, Néris, & Bastos, 2006). Tais organizacionais são desenvolvidas em torno de seus
ações seriam planejadas e executadas com o objeti- princípios fundamentais. Segundo Abbad e Borges-
vo fundamental de as organizações não se tornarem Andrade (2004), a variabilidade conceitual no campo
obsoletas e defasadas em relação ao mercado, e se- de aprendizagem aplicada ao contexto das organi-
rem capazes de efetuar inovações constantes a par- zações permite verificar que há intensa complexi-
tir do reconhecimento de necessidades impostas pelo dade teórica relacionada a este assunto, o que gera
cenário globalizado. implicações práticas importantes, tal como a falta
Algumas dessas ações, voltadas ao aperfeiço- de consenso acerca das suas principais definições,
amento contínuo e adaptação constante por parte dos por exemplo.
indivíduos nas organizações, são planejadas e execu- De acordo com Salvador (1994), o conceito de
tadas em torno de princípios fundamentais de apren- aprendizagem possui um importante valor heurístico,
dizagem, tradicionalmente por meios formais já que encerra grandes possibilidades de ser um efe-
sistematizados em torno de eventos ou sistemas tivo instrumento de análise, reflexão e planejamento
instrucionais, principalmente treinamento (Abbad & de ações. Segundo Abbad e Borges-Andrade (2004)
Borges-Andrade, 2004; Huber, 1991; Salas & e Abbad, Freitas e Pilati (2006), o ato de aprender
Cannon-Bowers, 2001). Porém, mais recentemente, pode ser considerado como de fundamental valia à
em virtude de reduzir consideravelmente os custos manifestação de desempenho competente no traba-
das organizações e por apresentar igual ou maior efi- lho. Este seria manifestado a partir de variáveis de
cácia em relação aos sistemas instrucionais formal- nível individual (querer fazer, motivação para), variá-
mente instituídos, as organizações vêm investindo veis relacionadas à tarefa (saber fazer, ter conheci-
maciçamente em ações informais de aprendizagem, mento sobre) e relacionadas ao contexto (poder fazer,
com o objetivo de capacitar seus funcionários de perceber suporte no ambiente de trabalho). Verifica-
maneira mais rápida e menos dispendiosa (Abbad, se que o empreendimento do indivíduo em ações de
2003; Abbad & Borges-Andrade, 2004; Boud & aprendizagem no âmbito das organizações é impulsi-
Garrick, 1999; Leslie, Aring, & Brand, 1998;). Ações onado, principalmente, pela necessidade do mesmo
de aprendizagem vêm, então, sendo historicamente em manifestar conhecimentos e habilidades requisi-
aplicadas no contexto das organizações com o objeti- tados pelo desempenho em uma dada atividade, rela-
vo último de maximizar seus resultados. Passou-se a cionando-se ao aperfeiçoamento de seu repertório
utilizar procedimentos, práticas e ações de apren- atual de competências em torno do exercício de suas
dizagem com vistas à garantia da empregabilidade atribuições.
dos indivíduos, bem como de sustentabilidade das Assim, após breve contextualização acerca da
organizações. importância da aprendizagem no âmbito das organi-
Neste contexto, tornou-se relevante a discus- zações, objetiva-se, neste artigo, apresentar alguns
são acerca dos principais usos e definições relacio- dos principais usos do conceito de aprendizagem na
nadas ao termo aprendizagem, especialmente em linguagem cotidiana e em estudos organizacionais,
virtude de sua grande aplicabilidade no contexto das bem como discutir algumas das principais caracterís-
organizações. Passou a ser importante verificar quais ticas por meio das quais tal conceito vem sendo tra-
Coelho, F. A., Jr. & Borges-Andrade, J. E. (2008). Análise do conceito de aprendizagem no trabalho 223

dicionalmente investigado neste campo de estudos (ad- Conforme discutido por Coelho Jr. (2004) e
ministração e psicologia organizacional e do traba- Abbad, Coelho Jr., Freitas e Pilati (2006), é de funda-
lho). Pretende-se, ainda, problematizar o uso acrítico mental importância que haja um alinhamento apropri-
que vem tradicionalmente sendo realizado acerca ado entre o conceito que embasará uma dada pesquisa
deste conceito, sem considerar seus pressupostos e o tipo de medida a ser utilizado, de modo a alcançar
fundamentais e, principalmente, seus níveis de análi- validade de construto (Pasquali, 2005). Uma das pre-
se, quando das inferências encontradas em relatos missas fundamentais para a definição constitutiva e
empíricos. Estas inferências são realizadas assumin- operacional de um dado construto (Pasquali, 1999)
do-se que alguns conceitos de nível macro (tais como refere-se à análise conceitual do mesmo, especial-
aprendizagem organizacional e organizações de mente em torno da discussão sobre sua amplitude
aprendizagem) são capazes de predizer variância semântica e de interpretação.
significativa de alguma variável critério associa- Não se pretende, porém, neste ensaio, que se
da. Porém, comumente, tais conceitos são investi- esgote a discussão acerca da aplicação do conceito
gados apenas no nível individual, assumindo-se que de aprendizagem em estudos organizacionais, mas sim
seu impacto se dá no nível organizacional. Esta debater algumas de suas definições mais freqüentes,
constatação pode ser considerada uma importante promovendo-se uma análise crítica sobre seus princi-
falha metodológica nos estudos da área, por isso a pais usos a partir das recomendações apresentadas
relevância de sua discussão neste trabalho. por Ryle (1970). Algumas possibilidades de aplicação
Tal problematização objetiva fornecer um im- do referido conceito no âmbito das organizações se-
portante referencial teórico aos gestores de recursos rão discutidas, com vias à maximização de sua utilidade.
humanos, quando da decisão sobre que tipo de apren- Nota-se que a finalidade última deste artigo
dizagem investir no contexto de sua organização de consiste em colaborar para o desenvolvimento de
trabalho. Espera-se que este trabalho suscite refle- ações de aprendizagem mais eficazes nas organiza-
xão crítica acerca da importância de se ter um me- ções, reforçando-se a idéia de que o investimento
lhor planejamento relativo à aplicação do conceito de nelas, se realizado de maneira tática e alinhado aos
aprendizagem no âmbito das organizações, com mai- objetivos das empresas, pode ser capaz de prover
or eficácia e eficiência, provendo resultados mais aumento significativo em seu desempenho. Assim,
positivos em torno da melhoria de desempenho. espera-se oferecer subsídio teórico que seja capaz
Hipotetiza-se ser de extrema importância in- de sustentar práticas de promoção de aprendizagem
vestigar a lógica do uso de um dado conceito, es- e estas, então, impactarem no desempenho. Este últi-
pecialmente quando se produz conhecimento mo objetivo não se limita apenas a uma visão utilitária
científico, já que os conceitos, tradicionalmente, re- e acrítica acerca do conhecimento produzido em psi-
presentam a unidade sobre a qual o pesquisador cologia organizacional, na medida em que o presente
irá desenvolver seu método de trabalho. Tal trabalho espera que a transferência de conhecimen-
constatação é igualmente válida quando se analisa to, importante finalidade da produção de conhecimento,
o conceito de aprendizagem aplicado em estudos seja realizada efetivamente nas organizações.
organizacionais, operacionalizado por meio de in- Em pedagogia, administração e psicologia, ve-
tensa variedade metodológica, conforme discutido rifica-se que os estudos sobre aprendizagem carac-
por Abbad e Borges-Andrade (2004); Guimarães, terizam-na como um conceito interdisciplinar, em que,
Angelim, Barbosa, Alves e Magalhães (2002) e Loiola tradicionalmente, há articulação teórico/prática entre
e cols. (2006). distintos campos de saber associados, como encon-
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trado em Silva e Fridman (2007), o que se revela típi- Ryle (1970), que se consiga extrair suas idéias princi-
co de sua ampla diversidade de definições e aplica- pais disseminadas a partir de sua utilização nas mais
ções. Importante base teórica em psicologia diversas situações. Muito seria compreendido sobre
organizacional e do trabalho e administração tem con- um dado conceito a partir do entendimento de seu
tribuído para as reflexões e inferências nos estudos uso cotidiano, presente no senso comum.
relacionados à aprendizagem humana no trabalho
(Abbad, 2003; Abbad & Borges-Andrade, 2004; Usos do conceito de aprendizagem na lingua-
Conlon, 2004). gem cotidiana
Neste ínterim, algumas questões podem ser Segundo Aulete (2004), Ausubel, Novak e
formuladas com o objetivo de se refletir sobre aspec- Hanesian (1983), Ferreira (1999) e Salvador (1994),
tos relacionados à aprendizagem no âmbito do traba- os principais usos do conceito de aprendizagem na
lho. Qual a importância efetiva das ações de linguagem cotidiana referem-se a: (1) ação de reter
aprendizagem no trabalho? Tais ações são, efetiva- algo, de fixar algo na memória, qualquer ofício, arte,
mente, eficazes? Há tipos distintos de aprendizagem ciência ou uma profissão (saber como, tornar-se ca-
no trabalho? Se afirmativo, qual a importância de se paz de); (2) ato, processo ou efeito de obter conheci-
definir previamente o tipo de aprendizagem que sus- mento por meio de escolarização/estudo, ficar sabendo
tentará alguma prática organizacional? Ações de (de algo com alguma finalidade); (3) aprender algo
aprendizagem são capazes de maximizar desempe- ou alguma coisa (conhecimento ou habilidade) por
nho entre indivíduos e setores de trabalho? Por que meio de escolarização e estudo, instruir-se em e ins-
indivíduos utilizam estratégias de aprendizagem dife- truir-se para; (4) adquirir habilidade prática (em apren-
rentes, mesmo executando o mesmo tipo de rotina de der um esporte); (5) conhecimento ou habilidade obtido
trabalho ou estando no mesmo cargo/função? Toda por meio de treino e/ou estudo, aplicada a principian-
aprendizagem ocorrida no trabalho é necessariamen- tes em torno da aquisição de algo; (6) reter algo na
te bem vinda ou aplicável às rotinas e tarefas? Por memória, esforço deliberado para se obter conheci-
que há maior ou menor interesse e disposição para a mento sobre algo e que se relaciona à vontade de
consecução de aprendizagens significativas entre in- aprender; (7) vivência, carga afetiva e de sensibilida-
divíduos no trabalho? Por que certas aprendizagens de “aprendeu com a vida”.
funcionam em determinados contextos, para os mes- Verifica-se, em geral, que os principais usos
mos indivíduos, e podem não funcionar em outros cotidianos do conceito de aprendizagem remetem à
contextos? Quais os possíveis fatores de mediação aquisição de algum tipo de conhecimento ou habilida-
e/ou moderação capazes de produzir maior motiva- de, por meio de atividades formais de instrução. Tais
ção, impulsionando o indivíduo à busca por novas conhecimentos e habilidades são direcionados a al-
aprendizagens e competências? Como otimizar pro- gum tipo de desempenho. Os indivíduos aplicam o
cessos de aprendizagem e sua transferência nas or- que foi adquirido para alguma finalidade. O ato de
ganizações? Enfim, estas e outras questões podem aprender, portanto, seria uma ação proposital, e ocor-
ser consideradas bastantes pertinentes para a refle- reria em função do preenchimento de algo (alguma
xão crítica sobre a promoção de ações de aprendiza- demanda ou necessidade) no repertório apresentado
gem nas organizações. pelo indivíduo.
A seguir, serão apresentados os principais usos Aprendizagem, também, relaciona-se à vivência
do conceito de aprendizagem encontrados na lingua- individual. Remete ao uso de conhecimentos e expe-
gem cotidiana. A análise do uso cotidiano de um dado riências passadas que foram incorporadas pelo indi-
conceito, como o de aprendizagem, permite, segundo víduo, auxiliando-o em suas novas aquisições. Este
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passaria a aprender, segundo esta perspectiva, de conhecimento sem, necessariamente, existir desem-
acordo com aquilo que já vivenciou, e tal aprendiza- penho, tal como aprender que exercícios físicos após
gem seria capaz de nortear sua ação futura. A seguir, o almoço não são recomendáveis, apesar destes nun-
discute-se o conceito aprendizagem por meio de al- ca terem sido praticados). Diferenciar a natureza da
gumas técnicas propostas por Ryle (1970). aprendizagem é de fundamental valia à proposição
de ações gerenciais nas organizações, que depende-
Análise conceitual do termo aprendizagem riam, sobremaneira, da finalidade desta aprendizagem.
No que tange à análise do conceito aprendiza- Existem tipos de aprendizagem que são informativos
gem, verifica-se que o verbo dele derivado, “apren- ou que não ultrapassariam os níveis de conhecimento
der”, é considerado como um verbo adverbial, e compreensão na taxonomia de aprendizagem apre-
segundo Ryle (1970), pois se caracteriza por repre- sentada por Bloom (1956), e tipos associados à apli-
sentar uma descrição incompleta de algo. Ou seja, cação efetiva e explícita de algum conhecimento que
quem aprende, aprende algo, em torno de alguma meta chegariam aos níveis de análise, síntese e solução de
ou finalidade. O ato de aprender, usualmente, vincu- problemas na mesma taxonomia.
la-se à consecução de algum objetivo, implícito ou A título de exemplificação, caso estabeleça-se
explícito, contido na motivação do aprendiz. como objetivo de aprendizagem “aplicar ferramentas
A ação de aprender requer, então, um verbo do aplicativo Word na configuração de relatórios se-
complementar, que não necessariamente represente manais”, os objetivos de ensino planejados numa ação
ações mas que seja capaz de descrever a maneira formal de treinamento, por exemplo, devem ser ca-
pela qual a aprendizagem se justifica. No entanto, o pazes de permitir que se alcance este nível de apren-
verbo aprender e seu complemento não indicam o dizagem no contexto da taxonomia proposta. Eles não
modo ou a qualificação específica de uma ação, con- serão alcançados caso sejam repassadas apenas in-
forme se espera de um advérbio. Tal complemento formações superficiais sobre o aplicativo em questão,
apenas esclarece quais foram os objetivos anteriores tais como sua origem histórica ou importância. É um
à aprendizagem. Como exemplo ilustrativo, tem-se: tipo de aprendizagem que, portanto, requer ocorrências
aprender a efetuar cálculos em matemática, apren- explícitas de comportamento nas práticas de trabalho.
der a dirigir um automóvel, aprender uma língua es- Ainda utilizando técnicas de análise conceitual
trangeira, aprender a utilizar determinado software, de Ryle (1970), verifica-se que aprendizagem refere-
aprender a manusear uma ferramenta. Todas estas se a um conceito disposicional aberto, pois é capaz
ações são realizadas em torno de um objetivo espe- de resumir ocorrências passadas, observadas e/ou já
rado e implicam em comportamentos de aprendiza- conhecidas e, ainda, é capaz de prever ocorrências
gem que serão adotados visando à consecução deste futuras. Esta é uma característica básica deste con-
objetivo. ceito. Aprende-se determinada maneira de agir e exe-
O ato de aprender seria, então, justificado em cutar tarefas específicas no trabalho a partir de
torno do(s) objetivo(s) de aprendizagem estabelecido(s). conhecimentos prévios contidos no atual repertório
Mas este ato também vincula-se à natureza desta de competências do indivíduo. Por exemplo, se ele já
aprendizagem. Isto porque tal ato vincula-se a “apren- retém o conhecimento necessário à utilização do
der como” (especificamente relacionado a uma ocor- aplicativo Word, é provável que tenha menos dificul-
rência episódica ou situacional, tal como aprender a dade quando comparado a um novato na utilização
desempenhar alguma tarefa ou atividade) ou “apren- de outros aplicativos do Office (como o Excel), es-
der que” (especificamente relacionado a um elemen- pecialmente quando algumas ferramentas de traba-
to informacional, em que é retido certo tipo de lho forem comuns aos aplicativos (as ferramentas
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“salvar como” e “recortar”, por exemplo). O conhe- produção mental do conteúdo aprendido entre os
cimento prévio foi fundamental à aquisição e reten- aprendizes. Nesta situação ocorre apenas a etapa de
ção de novos conhecimentos relacionados à utilização aquisição de conhecimento, segundo o autor, menos
do novo aplicativo. freqüentemente retenção e muito provavelmente não
A aprendizagem se torna significativa, segun- ocorre sua aplicação. Tal constatação pode ser en-
do Ausubel e cols. (1983), caso se estabeleçam rela- contrada em estudos desenvolvidos na área
ções entre o conteúdo da aprendizagem e o repertório organizacional e do trabalho, quando se verifica, por
atual do indivíduo. À medida que o indivíduo conse- exemplo, alguns tipos de treinamento que não geram
gue incorporar a nova aprendizagem aos seus conhe- o impacto esperado por causa da percepção que os
cimentos e habilidades atuais, a aquisição ocorre de indivíduos têm da externalidade deste treinamento às
maneira mais eficiente e eficaz, e há uma probabili- suas rotinas e tarefas.
dade maior de ocorrer retenção e aplicação. Desta Outra característica do conceito de aprendiza-
forma, a identificação das competências atuais do gem, ainda analisando-o por meio das técnicas pro-
indivíduo se torna de fundamental valia à incorpora- postas por Ryle (1970), refere-se ao seu princípio polar.
ção de novos conhecimentos e habilidades em seu Este princípio considera que o conceito deve ser
repertório. Para que a aprendizagem ocorra, devem- analisado em torno de seu significado contrário, a
se construir novos significados cada vez que são fim de se verificar a viabilidade do mesmo. No
estabelecidas relações substantivas e não arbitrárias caso do conceito de aprendizagem, seu oposto
entre tudo aquilo que é adquirido e tudo aquilo que já corresponderia à ausência de aprendizagem, e não
é conhecido. A maior ou menor riqueza de significa- à “desaprendizagem”, termo inadequadamente utili-
dos dependerá da maior ou menor riqueza de signifi- zado por alguns autores em textos prescritivos na área
cados e/ou relações estabelecidas anteriormente e de administração. Esta ausência de aprendizagem
elevará as chances de retenção e aplicação. seria constatada pela falta de aquisição ou retenção
Há autores que argumentam que a aprendiza- de conhecimentos e habilidades, e não pela
gem pode ser intrínseca, mais contextualizada à rea- “desaprendizagem” de um dado conhecimento. A falta
lidade e interesse dos indivíduos, e extrínseca, mais de aprendizagem pode ocorrer por diversos fatores
impessoal e externa a eles (Salvador, 1994). Estraté- (tipo de linguagem utilizada, procedimentos utili-
gias de reprodução automática (por exemplo, deco- zados para repassar o conhecimento, dentre ou-
rar normas de funcionamento da organização, regras tros), normalmente relacionados à dificuldade de
de manual de condutas, contatos de outros departa- compreensão pelo indivíduo. Deste modo, o conceito
mentos) podem ser consideradas como de aprendi- aprendizagem é considerado válido de acordo com o
zagem extrínseca, pois dificilmente se relacionam à princípio mencionado, pois tal polaridade indica a pos-
motivação e demandas do aprendiz. Quando há ma- sibilidade de sua fundamentação.
nifestação de interesse em aprofundamento em deter- Em síntese, segundo as técnicas de análise
minado tema ou assunto, e o decorrente empreendimento conceitual propostas por Ryle (1970), verifica-se que
de estratégias voltadas a tal, isto é aprendizagem in- o conceito de aprendizagem remete a um verbo ad-
trínseca, o que aumenta a probabilidade de aquisição, verbial (aprender), disposicional aberto, relacionado
retenção e aplicação. ou não à ocorrência de uma situação episódica ou
A título de curiosidade, Salvador (1994) apon- situacional, intrínseco ou extrínseco e com duas pola-
ta que toda a pedagogia tradicional seria estruturada ridades. De acordo com Salvador (1994), a polissemia
em torno de ações extrínsecas de aprendizagem, prin- do conceito de aprendizagem, bem como a diversida-
cipalmente por meio do incentivo à estratégia de re- de de significados que vêm, historicamente, se acu-
Coelho, F. A., Jr. & Borges-Andrade, J. E. (2008). Análise do conceito de aprendizagem no trabalho 227

mulando em torno do mesmo, explica, em grande par- aprendizagem. Espera-se, por exemplo, que haja
te, o seu atrativo e a sua utilização generalizada. Ao motivação por parte do aprendiz em torno do
mesmo tempo, exige cautela em relação ao seu uso. direcionamento de suas ações de aprendizagem. Es-
É um conceito que não possui uma significação úni- pera-se que sejam utilizados processos que facilitem
ca, o que proporciona seu uso indiscriminado e acrítico, a aquisição, retenção e posterior aplicação do con-
principalmente nos estudos organizacionais. Algumas teúdo aprendido, dependendo de um ambiente favo-
definições podem ser contraditórias, especialmente rável. Espera-se, então, que o contexto seja de apoio
quando da origem da ação de aprender e o nível de e suporte à ação de aprendizagem. Tais fatores são
análise correspondente, como será apresentado a complementares e interdependentes quando se anali-
seguir. Uma discussão acerca dos seus principais usos sa o ato de aprender no contexto de trabalho.
no contexto de trabalho e da amplitude de definições As definições mais comuns, no nível individu-
e medidas associadas pode ser encontrada em Abbad al, relacionam-se a três abordagens, a saber: apren-
e cols. (2006). dizagem refere-se à mudança de comportamento
A análise de suas características sugere que o resultante de treino ou experiência, aprendizagem
ato de aprender é um processo pessoal, gradativo, refere-se ao desenvolvimento de capacidades e estru-
cumulativo, contínuo e intransferível a outrem. Cada turas inatas ao indivíduo; e aprendizagem refere-se à
indivíduo tem seu ritmo de aprendizagem (na escola, aquisição, retenção e organização do conhecimento
no trabalho), com estilos e estratégias diversificados por meio de estruturas ou redes construídas a partir
(Chaves, 2007; Salles, 2007). O nível de análise fun- da interação ativa do indivíduo em seu meio. Estas
damental deste conceito é o individual, ou seja, quem definições permitem vislumbrar algumas possibilida-
aprende é o indivíduo. Porém, seu uso é extrapolado des da aplicação deste conceito no âmbito das orga-
para outros níveis que não apenas o individual, como nizações. Por meio de cada uma delas, é possível
o organizacional, conforme se discute adiante. planejar, executar e avaliar ações dentro das empre-
sas a fim de que as pessoas aprendam.
Usos do conceito de aprendizagem em estudos Estudos empíricos vêm sistematicamente sen-
organizacionais do desenvolvidos, voltados à investigação de elemen-
Segundo Abbad e Borges-Andrade (2004), tos e/ou variáveis relacionadas à aprendizagem no
aprendizagem refere-se a um processo psicológico trabalho. Em administração, diferentemente de parte
de nível individual, voltado à aquisição, retenção, ma- significativa dos estudos encontrados em psicologia,
nutenção, generalização e transferência de novos o conceito de aprendizagem é usualmente aplica-
conhecimentos e habilidades relacionados às rotinas do em um nível mais macro, distal, vinculado à
de trabalho. Esta definição do conceito, consideran- organização. É comum a utilização de termos tais
do-o como pertencente ao nível individual, é mais como organizações de aprendizagem, aprendizagem
comumente encontrada em estudos de tradição psi- organizacional, clima para aprendizagem e cultura de
cológica. O ato de aprender envolveria, ainda segun- aprendizagem contínua.
do essa tradição de estudos, mudanças duradouras e Há vasta literatura tratando desses conceitos
necessariamente vinculadas à experiência do apren- e definições (Loiola e cols., 2002). Nota-se que estas
diz, pois este deve ser capaz de expressar claramen- definições são, em sua maioria, imprecisas e apre-
te isto em seu desempenho. sentam bastante similaridade entre si. Muitas
Alguns fatores (individuais, relacionados à vezes, confundem-se com outros conceitos de
tarefa e ao ambiente de trabalho) são capazes de natureza mais distal à aprendizagem, como cul-
determinar o sucesso ou fracasso de uma ação de tura, clima e mudança organizacionais, dificultan-
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do, assim, a operacionalização desse fenômeno para cognitivos eminentemente humanos (atenção, memó-
sua adequada investigação. ria e outros) e características individuais (motivação
Marquardt (1996) define organização de apren- para aprender, por exemplo). Por outro lado, organi-
dizagem como aquela organização que está continu- zações de aprendizagem apresentam características
amente transformando a si mesma com o objetivo de de contexto mais amplas capazes de incentivar ou
facilitar a incorporação e disseminação de novas in- restringir as ações de aprendizagem organizacional
formações, conhecimentos e tecnologias em sua rea- (Tsang, 1997). O nível de análise do termo aprendi-
lidade. Há uma relação direta entre a aquisição e zagem é a característica fundamental que diferencia
compartilhamento de conhecimento com o empreen- tais conceitos. Nota-se, porém, que a diferenciação
dimento de ações aprendizes por parte dos indivídu- entre estes dois conceitos precisa ser mais bem deli-
os. Conseqüentemente, incentiva-se a aprendizagem mitada empiricamente, até mesmo verificando-se a
contínua, ou uma cultura de aprendizagem contínua, viabilidade prática, no contexto das organizações,
segundo Tracey, Tannenbaum e Kavanagh (1995) dos destes conceitos, aparentemente coincidentes e
indivíduos a fim de prover adaptação dos mesmos fren- complementares.
te às modificações constantes às rotinas de trabalho.
Outra questão referente ao uso do conceito de
Aprendizagem contínua, segundo Ferigotti aprendizagem refere-se à definição do agente da
(2007), diz respeito à aquisição e uso constantes de aprendizagem e do nível de análise correspondente,
novos conhecimentos e habilidades relacionados ao se quem aprende efetivamente são as pessoas ou as
trabalho, de modo que há uma relação direta entre a organizações (Kim, 1993). Ou seja, se a aprendiza-
implementação de novas ações organizacionais, ino- gem ocorre no nível do indivíduo ou no nível da orga-
vação e aperfeiçoamento de desempenho. Como re- nização. A aprendizagem como um conceito referente
flexão sobre a consistência deste conceito, segundo
à organização seria resultado da aplicação do que foi
o princípio polar apresentado Ryle (1970), no caso da
adquirido no nível do indivíduo, e a conseqüência do
aprendizagem contínua, como seria caracterizada
impacto desta aprendizagem pessoal no ambiente
uma aprendizagem descontínua? Há sentido teórico
organizacional representaria o fluxo da aprendizagem
na diferenciação entre uma aprendizagem continua-
nas organizações (Bell, 1984; Ferigotti, 2007). Re-
da e uma aprendizagem que é caracterizada por mo-
presentaria sua conversão de uma aprendizagem in-
mentos de corte ou ruptura? Ou o ser humano aprende
dividual para o nível mais macro, organizacional.
em todo momento (no trabalho, no cotidiano) e, desta
forma, seria impossível estabelecer tal ruptura? Caso A lógica da utilização do conceito de aprendi-
seja possível estabelecer o inverso de uma dada defi- zagem no nível da organização consistiria na idéia de
nição (o que torna, no mínimo, impensável a ocorrên- que as empresas são capazes de criar condições por
cia descontínua de aprendizagem), delimita-se a meio de uma cultura de suporte e apoio à aprendiza-
abrangência de um dado conceito. gem que viabilizem a aprendizagem entre seus mem-
Bastos, Loiola, Gondim, Menezes e Navio bros, bem como o compartilhamento e impacto da
(2002); Guimarães e cols. (2002); Loiola e cols. mesma nas tarefas e rotinas organizacionais. Isto é
(2006); Moilanen (2005); Sun e Scott (2003), fazem distinto da noção antropomorfizada de que as organi-
a distinção entre os termos organizações de aprendi- zações “aprendem” (Abbad & Borges-Andrade,
zagem e aprendizagem organizacional. A aprendiza- 2004; Pantoja & Borges-Andrade, 2002). Elas não
gem organizacional pode ser considerada como uma executam, ativamente, a ação de aprender. Quem o
das características principais das organizações de faz são os indivíduos (Kim, 1993), pois este é um pro-
aprendizagem. Há processos individuais relacionados cesso psicológico eminentemente humano, como an-
ao ato de aprender, tais como o uso de mecanismos teriormente formulado.
Coelho, F. A., Jr. & Borges-Andrade, J. E. (2008). Análise do conceito de aprendizagem no trabalho 229

A origem da aprendizagem é outro aspecto dizagem da tarefa ensinada não afeta sobremaneira
fundamental relacionado à sua aplicação nas organi- o desempenho em sua transferência.
zações. Ou seja, se ela ocorre de maneira natural e Algumas outras diferenças entre a aprendiza-
espontânea no trabalho ou se é induzida, por meio de gem formal e a informal aplicadas no contexto de
sistemas de ensino planejados para tal. A diferencia- trabalho, segundo Leslie e cols. (1998), são apresen-
ção entre estes dois tipos de aprendizagem, e seus tadas a seguir. A aprendizagem formal possui rele-
efeitos nos âmbitos pessoal e organizacional (Abbad vância variável às necessidades dos trabalhadores e
& Borges-Andrade, 2004; Dogdson, 1993; Muñoz, é pautada na programação e organização prévia de
Duarte, & Gantois, 2001) torna-se de fundamental conhecimentos e habilidades que serão apresentados
importância ao planejamento e execução de ações aos aprendizes. Tem foco na condução por um tutor/
voltadas à capacitação contínua dos indivíduos em treinador e é caracterizada por apresentar lacuna tem-
suas rotinas de trabalho. poral entre a aprendizagem e sua aplicação no traba-
A aprendizagem no trabalho pode ser induzida, lho. A aprendizagem informal é extremamente
proposital, por meio de programas sistematizados e relevante às necessidades atuais dos trabalhadores e
tem aplicabilidade imediata. É pautada na esponta-
formais de TD&E (treinamento, desenvolvimento e
neidade, sem qualquer tipo de planejamento prévio
educação), ou natural, espontânea, por meio do con-
ou condução formalizada e possui outras fontes di-
tato com colegas mais experientes (busca por auxí-
versas de acesso aos conhecimentos e habilidades
lio) e comportamentos de imitação ou auto-didatismo.
(tentativa e erro, imitação, auto-didatismo, busca de
Aprendizagem por meio de TD&E refere-se a uma
ajuda interpessoal) diferentemente das ações formais
ação de aprendizagem totalmente planejada, intenci-
aprendizes no trabalho.
onal, dirigida e pautada por meio de princípios
Verifica-se que a aprendizagem que ocorre
instrucionais, ao contrário da aprendizagem que ocorre
naturalmente no ambiente de trabalho acontece
de maneira natural ou não-planejada no trabalho, con-
provavelmente em virtude de alguma demanda
siderada mais emergencial e espontânea.
emergencial por parte do indivíduo. As ações formais
Os principais usos do conceito de aprendiza- seriam previamente planejadas em torno do desen-
gem permitem sua aplicação tanto em contexto for- volvimento de competências esperadas pela organi-
malizado de ensino (aprendizagem formal) quanto no zação, com foco na sua estruturação prévia. Ambos
contexto cotidiano de trabalho (aprendizagem infor- os tipos de aprendizagem, informal e formal, são am-
mal ou natural). O que é importante considerar refe- plamente recomendados e devem ser utilizados de
re-se ao produto desta aprendizagem, posto que é acordo com as principais demandas da organização,
recomendável que toda ação de aprendizagem deve reforçando-se a necessidade de melhoria contínua do
ser expressa em termos de desempenho pelo indiví- desempenho dos indivíduos.
duo, e deve ser voltada à maximização de seus resul- A aprendizagem formal refere-se a ações
tados. Ressalta-se que a relação entre aprendizagem, específicas quanto aos objetivos e tarefas que se
transferência e desempenho, segundo Abbad e devem cumprir, de forma que há métodos, técni-
Borges-Andrade (2004), pode ser de natureza positi- cas, lugares e condições específicas prévias cri-
va (quando os comportamentos aprendidos facilitam adas deliberadamente para suscitar idéias,
o desempenho do indivíduo na tarefa de transferên- conhecimentos, valores, atitudes e comportamen-
cia), negativa (quando os comportamentos aprendi- tos. É aquela aprendizagem que tem por finalidade
dos interferem dificultando ou piorando o desempenho específica apresentar ao indivíduo determinado tipo
na tarefa de transferência) e nula, quando a apren- de conhecimento e/ou habilidade, esperando que o
230 Paidéia, 2008, 18(40), 221-234

mesmo seja capaz de adquirí-la e desempenhá-las de apoio e incentivo às ações informais de aprendiza-
após a situação de treinamento. gem. Haveria, neste caso, maior probabilidade de que
A aprendizagem informal pode apresentar re- o comportamento de ajuda ao colega fosse repetido
sultados muito positivos, já que tende a ser mais in- pelo indivíduo que solicitou apoio. Criaria-se, então,
trínseca ao indivíduo e está, normalmente, associada um ambiente pautado no suporte efetivo à aprendiza-
a algum tipo de demanda imediata relacionada a de- gem, suporte este advindo dos colegas e pares de
sempenho no trabalho. Ou seja, sua aplicabilidade e trabalho, bem como da chefia imediata e da própria
transferência têm impacto instantâneo no trabalho do organização como um todo, o que poderia impactar
indivíduo. É um tipo de aprendizagem menos sensivelmente em seus resultados e desempenho fi-
dispendioso, diferentemente de ações formais de trei- nal. No que tange aos principais usos do conceito
namento. Por outro lado, estas podem ter um impac- aprendizagem aplicado às organizações, o gestor de
to mais intenso. recursos humanos deve ser capaz de propor ações
Uma das mais importantes tarefas do gestor que incentivem a aprendizagem informal entre seus
de recursos humanos consiste na criação de um am- membros, valorizando a ampla disseminação e
biente organizacional de apoio e suporte à aprendiza- compartilhamento de conhecimentos e habilidades
gem informal no trabalho. Um ambiente que seja necessários à aquisição de competências e ao de-
caracterizado por manifestações positivas em torno sempenho no trabalho.
do incentivo às ações de aprendizagem por parte do Nota-se, porém, que nem toda aprendizagem,
indivíduo. Ainda com base no exemplo anteriormente seja ela de natureza formal ou informal, no trabalho,
citado, assim que o funcionário percebesse algumas é diretamente aplicável às rotinas de trabalho do indi-
dificuldades na utilização de algumas ferramentas do víduo, ou mesmo passível de desempenho relaciona-
software estatístico, caso ele procurasse um colega do às suas tarefas e responsabilidades. Tem-se,
mais experiente para tirar suas dúvidas e esse colega portanto, dois tipos de aprendizagem: (1) direta ou
reagisse de maneira pouco amistosa “mas isso é uma central: aprendizagem formal e/ou informal diretamen-
dúvida banal, não acredito que você não saiba isto, vá te aplicável às tarefas e rotinas organizacionais do
estudar, corra atrás”, por exemplo, identifica-se um indivíduo (relacionada necessariamente a desempe-
exemplo claro de um ambiente que é restritivo ou de nho); (2) indireta ou periférica: aprendizagem formal
nenhum apoio à aprendizagem informal do trabalho. e/ou informal não necessariamente aplicável ao tra-
Caso este colega reconhecesse a importância balho, mas que não deixa de ser aprendizagem. A
de sanar as dúvidas daquele funcionário, e o acolhes- representação esquemática destes dois tipos de
se, resolvendo tais dúvidas, verifica-se um ambiente aprendizagem pode ser visualizada na Figura 1.

Aprendizagem no Trabalho

Aprendizagem Formal Aprendizagem Informal

Direta ou Central Indireta, Periférica ou Direta ou Central Indireta, Periférica


Auxiliar ou Auxiliar

Figura 1. Representação esquemática dos tipos de aprendizagem no trabalho.


Coelho, F. A., Jr. & Borges-Andrade, J. E. (2008). Análise do conceito de aprendizagem no trabalho 231

A distinção entre a aprendizagem diretamente onam os processos de outros setores e a ter uma
aplicável ao trabalho e aquela não necessariamente visão sistêmica do negócio organizacional. Tal
aplicável é de fundamental valia ao planejamento de ação promoveria, por exemplo, visão estratégica
ações estratégicas de recursos humanos nas organi- organizacional aos indivíduos, porém sem se relacio-
zações. Quando um indivíduo, por exemplo, aprende nar diretamente aos afazeres e desempenho atual do
informalmente (por repetição mental, a título de ilus- mesmo. Desta forma, deve-se incentivar aprendiza-
tração) todos os nomes de outros chefes de outros gens que sejam relevantes à organização como um
departamentos, ou mesmo todos os telefones e ra- todo, sejam elas formais ou informais, embora nem
mais dos outros departamentos, tal aprendizagem não sempre estejam vinculadas ao comportamento atual
necessariamente está vinculada ao desempenho es- do indivíduo em seu cargo.
pecífico de suas atribuições e responsabilidades. Ou
seja, não há uma relação direta entre o conteúdo Considerações finais
aprendido e o posterior desempenho no trabalho. É Abbad (2003); Dogdson (1993); Guimarães e
uma aprendizagem indireta ou periférica, portanto, já cols. (2002); Huber (1991); Kim (1993); Loiola e cols.
que o indivíduo não manifesta tais conhecimentos em (2002) consideram que a literatura no campo de apren-
suas rotinas de trabalho. Porém, pode ser que, even- dizagem em organizações ainda se encontra dispersa
tualmente, este indivíduo necessite realizar algumas e fragmentada. Não há concordância sobre os tipos
ligações telefônicas a outros indivíduos lotados em de procedimentos de coleta e análise de dados, além
outros setores, para tirar dúvidas relacionadas a de grande diversidade de vertentes teóricas e
seu trabalho. Neste caso, sua aprendizagem dei- metodológicas relacionadas ao conceito de aprendi-
xaria de ser periférica para se tornar central, já zagem. Falta sistematização acerca de conteúdos,
que provavelmente haveria seu impacto no resul- agentes e processos de aprendizagem nas organiza-
tado final de seu trabalho. ções, a fim de garantir unicidade na teoria e os acha-
Quando não tem conhecimento sobre como dos empíricos da área.
realizar uma tarefa específica, o indivíduo pode pro- Torna-se de extrema valia, tanto aos teó-
curar um colega mais experiente para sanar sua dú- ricos da área quanto para a prática efetiva nas
vida e, então, voltar a desempenhar seu trabalho. Isto organizações, identificar os principais usos do con-
é um exemplo de uma aprendizagem informal central ceito de aprendizagem humana aplicada ao contexto
ou direta. Quando um programa de treinamento apre- de trabalho, bem como suas principais característi-
senta o impacto esperado, tem-se uma aprendizagem cas. Conforme apresentado neste artigo, há diversos
formal central ou direta. Um treinamento mal plane- usos associados ao conceito de aprendizagem em or-
jado, por outro lado, provavelmente não gerará o efeito ganizações. Hipotetiza-se que muito do que se pro-
esperado, sendo caracterizado como uma aprendiza- põe, em termos de práticas e procedimentos de
gem formal indireta ou auxiliar. O tipo de aprendiza- recursos humanos relacionados a processos de apren-
gem realizado dependerá fortemente de sua relação dizagem no trabalho, pode ser repensado de maneira
com o desempenho do indivíduo no trabalho. crítica e sistemática, em termos de uma maior ou
Nota-se, entretanto, que nem sempre menor proximidade com o desempenho do indivíduo
aquele tipo de aprendizagem periférico ou indi- no trabalho. Espera-se que a análise crítica do con-
reto deve ser evitado pelas organizações. Há ceito aprendizagem, conforme proposto e realiza-
situações em que aprendizagens mais periféri- do neste artigo, incentive uma contínua reflexão
cas são até desejáveis, por exemplo, quando se acerca de sua transposição para os estudos
incentiva os indivíduos a aprender como funci- organizacionais, contribuindo para o desenvolvi-
232 Paidéia, 2008, 18(40), 221-234

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Endereço para correspondência:


Francisco Antonio Coelho Junior. Universida-
de de Brasília. Instituto de Psicologia. Campus Uni-
versitário Darcy Ribeiro. CEP 70910-900. Brasilia-DF,
Brasil. E-mail: fercoepsi@yahoo.com.br

Francisco Antonio Coelho Junior é douto-


rando pelo Departamento de Psicologia Social, do
Trabalho e Organizacional da Universidade de Brasília.
Jairo Eduardo Borges-Andrade é Professor
Titular do Departamento de Psicologia Social, do Tra-
balho e Organizacional da Universidade de Brasília.

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