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Voto obrigatório?

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 1º,

dispõe que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal e constitui-se em Estado Democrático de

Direito.

Com o golpe militar de 1964, tivemos alguns anos de regime

ditatorial, no qual houve a supressão de garantias constitucionais, perseguições

políticas e censura. No início da década de 80, já se fazia uma pressão para a

redemocratização do país, sendo que o movimento das “Diretas Já” mobilizou uma

grande parte da população que passou a reclamar o direito de eleger, pelo sufrágio

direto, inclusive o seu representante máximo: o Presidente da República. O direito de

eleger o Presidente da República só foi readquirido com a Constituição de 1988.

Em seu art. 5º, a Constituição Federal declara a igualdade de todos

perante a lei, garantindo a todos os brasileiros direito à liberdade.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994, p. 84) afirma que:

O mundo é hoje unanimemente democrático. Todos os governos e todos os


povos pretendem ser democráticos. Todos se declaram pela democracia e,
não raro, se entredevoram pela democracia. [...] Entretanto, muito contribui
para essa unanimidade a obscuridade inerente ao termo democracia. Muito
diversas são as maneiras de se entender a democracia.

Ao mesmo tempo em que nossa Carta Magna nos apresenta como

um Estado Democrático de Direito e garante a todos o direito à liberdade, em seu art.

14, parágrafo 1º, determina a obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto para

os maiores de 18 anos.

Observando-se o resultado das eleições de do primeiro turno de

2006, cerca de 16% dos eleitores faltou às votações. Para aqueles eleitores que
faltam no dia do pleito e não apresentam justificativa em tempo hábil, a Justiça

Eleitoral aplica-lhes uma multa de R$ 3,51 (três reais e cinqüenta e um centavos) por

turno de ausência.

As pesquisas em relação à educação fundamental têm mostrado o

baixo nível do nosso ensino, principalmente na rede pública. A avaliação do ensino

fundamental de acordo com o índice de Desenvolvimento da Educação Básica

revelou notas muito baixas para os avaliados, demonstrando que nossos alunos não

tem tido uma boa formação acadêmica, nas matérias básicas do currículo escolar.

Diante de todos esse tópicos, surgem algumas indagações. Como

devemos entender a democracia no contexto brasileiro, onde, ao mesmo tempo em

que a Constituição garante a todos a liberdade, ela também obriga que todos os

cidadãos compareçam para eleger seus representantes?

De acordo com Hans Kelsen (1984, p. 83), a ordem jurídica

caracteriza-se pelo fato de estabelecer uma conduta e uma pena para quem pratica

a conduta oposta à estabelecida.

uma determinada conduta apenas pode ser considerada, no


sentido dessa ordem social, como prescrita - ou seja, na
hipótese de uma ordem jurídica, como juridicamente prescrita -,
na medida em que a conduta oposta é pressuposto de uma
sanção (no sentido estrito).

Diante da posição de Kelsen podemos questionar se a obrigação de

se alistar e votar realmente é efetiva ou há muito está sendo abrandada, uma vez

que, mesmo que o eleitor não compareça, basta que recolha a quantia de R$ 3,51

(menos de 1% do atual salário mínimo vigente) para ficar quite com a Justiça

Eleitoral. Para os cidadãos mais abastados a quantia é irrisória, portanto, não se

pode considerar tal valor como uma sanção pela ausência às urnas. Além disso, a
Constituição estabeleceu o voto facultativo para os alistados que tenham 16 ou 17

anos de idade e para quem já tenha mais do que 70 anos.

A obrigação é de votar ou é de comparecer? A urna eletrônica

permite a votação em branco ou nula e, nas eleições de 2006, para o cargo de

Senador do Estado de São Paulo tivemos 9,35% dos votos em branco e 11,60% dos

votos nulos.

Como obrigar igualmente todos a eleger seus representantes, se o

ensino não é suficiente para dar a base para que um cidadão tenha condições de

saber quais são exatamente os problemas da nação para poder escolher seus

representantes? Mais uma vez, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1994, p.

40),

para que um povo se governe é indispensável que certas condições estejam


preenchidas. A primeira delas é gozar de informação abundante e, para que
não seja doutrinado por noticiário deturpado, de informação neutra ou
contraditória.

Há a necessidade, se o voto é obrigatório, que seja dada ao cidadão

condições para bem poder decidir o futuro da Nação. Portanto, desde os primeiros

anos escolares, deveria haver uma disciplina que se ocupasse com a formação de

cidadãos. Não raras vezes, aqueles que trabalham nos Cartórios Eleitorais, ouvem,

às vésperas das eleições, absurdos sobre o verdadeiro papel de um senador, de um

deputado federal, enfim, de todos os cargos, incluindo os do Poder Executivo, pois

muitos são os que acham que o Presidente é capaz de legislar sozinho.

Conforme afirma Mônica Herman Salem Caggiano (2004), embora a

Constituição tenha ampliado a participação política com o aumento do corpo de

eleitores, a figura do cidadão eleitor ainda está prejudicada, sendo necessárias

“ações precisas no sentido de assegurar ao cidadão brasileiro, na sua plenitude, a

possibilidade de alcançar esse status”.


Todos aqueles que trabalham em Cartórios Eleitorais têm observado

a grande queixa dos eleitores em relação à obrigação de votar. Muitos são os que se

sentem desiludidos com os rumos da política nacional e muitos são os que acham

absurdo serem forçados a comparecer a uma seção eleitoral para manifestar sua

opinião, principalmente quando já sabem de antemão que irão anular o seu voto,

pois, de acordo com os resultados, há muitos eleitores que não tem comparecido às

urnas e muitos que, embora compareçam, anulam seu voto ou votam em branco.

Como Nação, não estamos vendo um desenvolvimento social

equilibrado. A desigualdade social tem aumentado e isto vem se refletindo no alto

índice de violência que estamos vivendo. Portanto, algo não está funcionando. A

simples obrigação de votar não faz com que o eleitor vote consciente e depois cobre

de seus representantes uma postura digna. Aliás, muitos são os eleitores que não se

lembram sequer em quais candidatos votaram nos cargos do Legislativo. A cidadania

se reduz à simples posse do título de eleitor ou exige algo mais por parte do

indivíduo e do Estado?

Apresenta-se como desafio obter uma resposta à questão de como

interpretar o que a Constituição afirma ser: Estado Democrático de Direito; direito à

liberdade e a obrigatoriedade do voto. Tais questões apresentadas são conflitantes

ou não? Para isso é necessário um estudo sobre o que é democracia e como

compreendê-la no contexto brasileiro. Resta saber se há a justificativa para a

obrigação de votar e o que é necessário para a formação de verdadeiros cidadãos.

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