Você está na página 1de 2

2781

RESENHAS BOOK REVIEWS


Kubler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. Rio se mescla ao ressentimento e à inveja daqueles que
de Janeiro: Editora Martins Fontes; 1985. estão saudáveis. A equipe precisa, por meio da
empatia, entender esse período e contornar situa-
Selene Beviláqua Chaves Afonso 1 ções que fazem parte do choque pela nova condi-
ção e do processo em curso. É comum que as equi-
1
Serviço de Psicologia Médica, Instituto Fernandes pes evitem os pacientes.
Figueira, Fiocruz. No terceiro estágio, o da barganha, há uma
tentativa de adiar a morte como um prêmio por
O livro descreve como a autora, através de entrevistas bom comportamento. Há promessas de novas ati-
com pacientes gravemente doentes e desenganados de tudes e de mudanças de estilo de vida, na esperança
um hospital de Chicago, chegou aos cinco estágios de prolongar um pouco mais a sobrevivência.
emocionais pelos quais eles passam durante o proces- Arrependimentos por situações concretas ou
so de morrer. Além disso, descreve as dificuldades en- fantasiosas vividas como pecados fazem que o ado-
contradas pela equipe multiprofissional ao lidar com ecimento seja sentido como castigo pelo doente.
o paciente, as notícias difíceis e os familiares. A depressão no quarto estágio decorre não
Em linguagem simples e clara, ao longo das 278 somente do impacto da doença sobre o indivíduo,
páginas divididas em doze sessões, encontram-se as mas sobre a família e as alterações sofridas por
discussões sobre o assunto, fartamente ilustradas ela. Há o enfraquecimento financeiro, a necessida-
por entrevistas ocorridas nesses seminários. de de o outro cônjuge trabalhar e o afastamento
Na primeira sessão, a autora aponta como as dos filhos, que por vezes precisam ficar aos cuida-
inovações tecnológicas afetavam o manejo com es- dos de parentes. A autora encontrou dois tipos de
ses pacientes. Embora o medo da morte continuasse depressão: a reativa e a preparatória. Na primeira
universalmente presente, a forma de lidar com ela e sugere uma abordagem multidisciplinar com apoio
com os moribundos tornou-se impessoal e solitá- e orientação, especialmente na área social. O se-
ria. A urgência em tratar e restaurar a vida restringiu gundo tipo é o que ocorre quando o doente se dá
a autonomia dos pacientes. conta de que perderá, em breve, tudo que ama.
Na segunda sessão, analisa as atitudes diante da O último estágio, de aceitação, coincide com o
morte e do morrer afirmando que nossa sociedade é período de maior desgaste físico. Nele, parece ser
propensa a evitar a morte, mas, sobretudo a ignorá- mais difícil viver do que morrer e os sentimentos
la. Constata que os estudantes de medicina têm a desvanecem. É um período em que o paciente pode
seu alcance farto material científico, mas não rece- querer falar sobre seus sentimentos, mas precisa
bem qualquer treinamento sobre a relação médico- que haja pessoas disponíveis e preparadas inter-
paciente. Sugere que os profissionais reflitam sobre namente para esse contato.
sua própria morte como aspecto componente e cen- Pode haver uma sobreposição desses estágios
tral da vida, auxiliando assim a transmissão de va- e a autora afirma que em todos eles, mesmo para
lores humanos aos alunos e facilitando a lida com os pacientes mais realistas, há sempre uma ponta
os pacientes e seus familiares. de esperança que não deve ser retirada com verda-
Na terceira sessão são exemplificadas as dificul- des cruéis ditas de forma direta.
dades dos profissionais, especialmente médicos, so- Na sessão dedicada aos familiares ela cita alguns
bre a falar a verdade ao paciente. A questão não é dos aspectos afetados na dinâmica familiar, refor-
falar, mas como fazê-lo. Para Ross a negação dos çando sempre a importância de os profissionais co-
pacientes está intimamente ligada à do médico. Afir- nhecerem o contexto em que vivem seus pacientes.
ma que a reação do doente diante da condição ame- Faz referência à preservação da saúde física e mental
açadora não depende apenas da transmissão da dos cuidadores principais, e das vicissitudes que en-
notícia difícil, mas que a comunicação deveria rece- frentam, especialmente na fase terminal.
ber especial atenção na formação médica e na super- Dá ênfase à comunicação entre os atores; à fle-
visão dos residentes. xibilidade de algumas normas hospitalares nas si-
As próximas cinco sessões do livro descrevem os tuações especiais em favor do doente e sua família;
estágios por que passa o paciente moribundo. No dos prejuízos causados pela fragmentação do cui-
primeiro, de negação e isolamento, que geralmente dado e da necessidade que as equipes reflitam con-
vem com o diagnóstico, o paciente procura provar tinuamente suas práticas e relações.
de todas as formas que houve um engano, necessi- Há uma sessão inteira dedicada à entrevista
tando de tempo para absorção da ideia. com os pacientes, transcritas de alguns seminá-
No segundo estágio, confirmado o diagnóstico, rios, que colorem vivamente as argumentações da
a raiva por interromper seus planos e a própria vida autora ao longo do livro.
2782
Resenhas Book Reviews

Uma sessão sobre as reações aos seminários peito à autonomia do paciente e sua família, a
sobre a morte e o morrer descreve a resistência, coparticipação e a construção de projetos tera-
por vezes violenta, das equipes profissionais. À pêuticos consensuais que visem dar mais vida
despeito do posterior sucesso dessa prática, que aos anos, que anos à vida.
foi integrada ao currículo da faculdade de medi- A comunicação entre os atores, inclusive os
cina, a morte era vivida pelos médicos como um profissionais de saúde, prenunciam fundamen-
insucesso. A enfermagem estava dividida, mas tos de atuais protocolos de comunicação de no-
gradativamente juntou-se ao seminário, partici- tícias difíceis2 que chamam a atenção para a for-
pando ativamente. ma como são transmitidas essas informações, o
Não fosse pela surpreendente adesão imedi- setting, a preparação do paciente para recebê-las
ata dos pacientes a autora confessa que teria de- e o compromisso de posterior acompanhamen-
sistido. Eles perceberam mudanças positivas das to clínico e psicológico de pacientes e familiares.
equipes após o início dos seminários. A autora O livro de leitura fácil, mas densa, é indicado
afirma que a maioria sabia da gravidade da do- para todos profissionais de saúde, voluntários,
ença, mesmo que não tivessem sido comunica- cuidadores, familiares e religiosos que acompa-
dos formalmente. E ficavam gratos pela aborda- nham casos de pacientes adultos ou infantis, em
gem das notícias difíceis. Mas ressentiam-se quan- estado terminal ou mesmo em condições crôni-
do elas eram transmitidas cruamente, fora do cas que ameaçam a vida.
setting adequado, sem preparação prévia e sem o
acompanhamento posterior dos ouvintes.
Referências
O texto claro e acessível mostra que, já em
1965, as consequências da transição epidemioló- 1. Ayres JRC. Cuidado e humanização das práticas de
gica requeriam visão mais intergral do paciente. saúde. In: Deslandes SF, organizadora. Humaniza-
Ela incentiva o tratamento interdisciplinar evi- ção dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e prá-
tando a fragmentação do cuidado, mais valori- ticas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 49-83.
zado que o tratamento curativo, especialmente 2. Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Baele A,
Kudelka AP. Spikes. A six-step protocol for delive-
quando este é fútil. Enfatiza aspectos estreitamen- ring bad news: application to the patient with can-
te ligados à humanização1 em saúde como o res- cer. Oncologist 2000; 5(4):302-311.

Você também pode gostar