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Clínica Psicanalítica
Aula #11
Na verdade essas duas ideias estão contidas numa mesma perspectiva, afinal o
segundo tempo do trauma está dentro da ideia do “só depois”. Com essa ideia
podemos retomar a nossa primeira aula, aquela que contém a frase: não compreender
rápido demais. Espere chegar até o fim, até colocar o ponto final, o analisando pode
fazer uma pausa, ficar em silêncio e depois retomar, ou muitas vezes cabe ao analista
repetir a frase final em tom reticente para que o analisando retome sua fala. Assim,
aquilo que foi dito no começo, uma palavra, a ideia inicial da sessão, o resquício de uma
sonho, algum detalhe do dia a dia, que poderia ser só uma fala vazia, pode se articula
com algo dito no final da sessão, mais ou menos assim: o analista escuta algo e diz para
si mesmo - vamos ver onde isso vai dar. Talvez o “só depois” apareça numa outra sessão,
num sonho, num lapso, etc.
Essa ideia estes presente em vários momentos da obra de Freud, mas trago aqui dois
exemplos:
A jovem de 19 anos que numa tarde, em um hotel, avista Freud caminhando a vai até lá
falar com ele. Na conversa conta de um sintoma de falta de ar, como se alguém
apertasse seu peito, somado a imagem de um rosto medonho que aparece em sua
mente. Freud começa uma investigação para chegar ao início do sintoma, e a jovem traz
uma cena que vê seu tio em cima de Franziska, e esse era seu tio amado, com quem ela
sempre brincou, subia em seu colo, se perdia em suas pernas, etc. Um novo significante
entrou em cena e mudou tudo, como o ultimo capítulo de um livro que modifica a
história toda, algo mais ou menos assim:
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O tempo 2 agiu retroativamente sobre o tempo 1. Perceba que isso é exatamente igual
ao modelo formação do inconsciente em que o surgimento do S2 aponta para a pré-
existência do S1, o S1 que não era traumático, passa a ser, e ai está a divisão do sujeito.
S2/S1 —> $
Outro exemplo claro desses dois tempos são as ameaças sofridas por Hans, de que
teria seu “faz-pipi” arrancado e que primeiramente não causou medo nenhum, mas, só
depois, numa segundo momento, ao assistir ao nascimento ensanguentado da irmã e a
constatação de que ela não tinha um “faz-pipi” que transformou as ameaças de
castração em algo que realmente poderia acontecer, dando início à sua neurose infantil.
TEMPO 1 TEMPO 2
A importância desse raciocínio é muito grande na clínica, primeiro que atesta que o
analista NÃO SABE do analisando. Só é possível saber depois, e depois que o
analisando falar. O analisando vai para analise escutar o que ele mesmo tem a dizer; vai
lá receber sua mensagem invertida do Outro. O analista está ali com seu desejo de que
o analisando continue a falar. Por exemplo: muitas pessoas carregam a ideia de que o
analista irá interpretar o sonho, seus símbolos e significados, mas quem faz isso é
analista junguiano, ou apontador de jogo do bicho. O analista lacaniano escuta o relato
de um sonho, um trecho, uma vaga lembrança, e não chega com uma significação e sim
com uma postura de: vamos ver onde isso vai dar. Quase da ordem da invenção!!!
Esse raciocínio também ajuda em não tomarmos a situação traumática relatada como
sendo a única cena, ou até mesmo a cena causadora. Ex: uma analisanda procurou
análise pois uma vez estava no ônibus e assistiu a um assalto na rua, e começou a ter
sintomas de pânico, não queria sair na rua… será que ela se viu na cena? será que
pensou: nossa como São Paulo é violenta, não sairei mais? Eu só poderia saber depois,
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e esperei, esperei, até que a cena foi sendo retomada muitas vezes e ela se recordou
que enquanto acontecia o assalto escutou de alguém no ônibus (que também assistiu
ao assalto): “nessa vida a gente não é ninguém”. Que depois a frase foi associada à cena
da infância de um assassinato de um vizinho (que levou um tiro de um assaltante) que
ficou caído no asfalto e que seu pai disse: olha só que horror, nessa vida a gente não é
ninguém, estava vivo até ontem, saiu na rua hoje e morreu.
Precisamos “pensar” na sessão desse formato, e para isso utilizamos basicamente duas
intervenções: a pontuação e a retroação.
Pontuação e retroação
“O inconsciente não está dentro nem fora, mas sim na própria fala do analisante,
cabendo ao analista fazer com que esse inconsciente exista. Como fazer isso? A
primeira proposta de Lacan é pontuando. É por intermédio da pontuação do texto do
analisante que o analista fará com que o inconsciente exista (…) isso entra em oposição
com a técnica que visa provocar a tomada de consciência (…) seja com interpretações
tiradas de uma espécie de hermenêutica edipiano ou pré-edipiana, como a do bom e
mau objeto” (Quinet, p. 52). A pontuação pode ser a repetição da frase (abrindo para o
sentido antitético); pode ser a desmontagem de palavras: “amador" —> “ama a dor”, a
"mulher que se disputa" —> "a mulher que se diz puta”; pontuar o ato falho; o plural
numa palavra que era pra ser singular; etc, etc. A pontuação pode causar o efeito de
fechamento da cadeia na estrutura do trauma em dois tempos, ou o “só depois”, ou
ainda a retroação. O corte da sessão é uma forma de um ponto final ser colocado, um
segundo tempo fechando o sentido de um primeiro tempo, e que diz precipita-se um
sujeito, mais uma vez a estrutura: S2/S1 —> $.
Veja como Lacan é simples! Pois essa é a estrutura básica da comunicação:
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Esse esquema também pode ser pensado como o percurso do reencontro com o
Nome-do-Pai e a castração:
Vamos tomar esse grafo, que é uma matriz simples, como se fosse a própria experiência
psicanalítica. O indivíduo tem em sua história pontos enigmáticos, de tal forma
condensados que apontam para um determinado gozo, o que faz com que esse ponto
volte sempre em seu discurso. Esse ponto enigmático retorna na compulsão à
repetição, emergindo na fala que o sujeito dirige ao Outro onde coloca o analista. Esse
ponto, aparentemente sem sentido para ele, é um enigma, e como todo enigma pleno
de sentido. O sujeito começa, então, a conferir um sentido a esse evento para, mais
adiante, atribuir-lhe um outro sentido; um tempo depois conferirá ainda um outro
sentido e assim por diante.
Sabemos que a análise, como uma experiência de ressignificação, vai permitir diversas
interpretações do mesmo evento, ou seja, diversos outros significantes podem ser
associados ao evento, por ele ter uma estrutura significante.
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Existem dois termos que Lacan utiliza em relação a cada momento dessa interpretação
de um evento psíquico: ressubjetivação e reestruturação.
O exemplo dado por Lacan dessa estrutura é a análise do Homem dos Lobos, que
produzirá uma série de reestruturações retroativas de um evento para ele fundamental:
a cena primitiva do coito anal. Isso permitirá ao sujeito assumir sua história, ou seja,
inserir nela sua própria participação; história construída por meio dessa fala dirigida ao
analista, possibilitando várias ressignificações.
Essa escansão, no meio psicanalítico lacaniano, veio a ser sinônimo de corte, não se
confundindo, no entanto, com ele. Escansão é um termo da análise poética que
significa pontuar, sublinhar, ritmar, pronunciar destacando as sílabas ou os grupos de
palavra. Veremos mais adiante como é importante que esse corte tenha uma estrutura
de escansão.
Ao situar-se o analista como aquele que vai suspender a sessão num determinado
momento (ou seja, o que dará o ponto final na frase), aponta-se que é o analista que
decidirá do sentido, que é sempre o sentido do Outro. O analista é, sob este aspecto, o
senhor da verdade, desmistificando assim a suposta neutralidade do analista.
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