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AS CRUZADAS

UM DEBATE HISTORIOGRÁFICO

Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciências da


Sociedade e Desenvolvimento Regional
O trabalho apresenta duas análises com relação ao período das Cruzadas. O primeiro
artigo é “Cavalaria e Cruzada no Período Avisino” da Katiuscia Quirino Barbosa. O
texto propõe a discussão do processo de ressignificação do período das Cruzadas após o
início da Dinastia de Avis em Portugal. O segundo artigo se chama “A Primeira
Cruzada e o Reino de Jerusalém: novas perspectivas historiográficas” do Thiago Ribeiro
Chaves. Esse trabalho propõe uma melhor compreensão do reino de Jerusalém que se
originou do processo das Cruzadas. Para se analisar o evento das Cruzadas em si, temos
de observar o período que culminou nessa batalha. Essa tensão começou a ser
fundamentada no inicio da Idade Média a partir da formação do sistema feudal, em que
o poder foi sendo fragmentado, isso gerou a particularização da atividade militar, ou
seja, apenas quem detinha riquezas tinha sua segurança preservada. Essa ausência de um
poder para manter a paz gerou grandes conflitos entre exércitos particulares e deixavam
vulneráveis pessoas com baixo poder aquisitivo em meio a essas batalhas privadas. De
acordo com Katiuscia Barbosa “as guerras privadas eram custosas a toda população
medieval, pois além de intermináveis, devastavam campos e matavam inocentes”. É já a
partir dessa análise do processo de formação das Cruzadas que os autores divergem, a
Katiuscia considera que não foi um processo meramente religioso e que as condições
políticas influenciaram para a tomada da Terra Santa, ela relata que “progressivamente a
preocupação da Igreja com a violência dos homens de armas fundamentou uma
ideologia cavaleiresca, baseada nos valores da moral cristã, tais como a piedade e a
justiça”, já o Thiago Ribeiro relata que foi um processo puramente religioso e ainda
considera que o processo de laicização das áreas de conhecimento, como a História,
contribuíram para que a historiografia passasse a desconsiderar as Cruzadas como um
processo simplesmente religioso. O autor usa como exemplo dessa aversão a religião a
tese marxista, segundo ele:
“A partir da total negação da religião e da grande importância dada às macroestruturas
econômicas, as Cruzadas se justificavam pela descoberta de novas rotas comerciais no Oriente
ou por “imperativos demográficos”5 (HEERS, 1995) teses muito difundidas, sobretudo pelos
manuais (inclusive escolares) dos anos 80 e 90, para as quais o dinheiro pode explicar tudo o
que torna tudo verdadeiramente explicável por interesses econômicos.” (CHAVES,2011:04)

Os fatores que culminaram nas Cruzadas não são unanimes na historiografia, e essa é a
discordância central dos autores. O Thiago Chaves demonstra como de acordo com o
passar dos séculos a visão sobre esse período foi alternando. Ele conclui relatando como
a história se altera de acordo com o presente e para ele a tese que melhor demonstra os
motivos em que ocorresse as Cruzadas é o religioso, enquanto a Katiuscia considera a
religião um fator importante contudo os fatores políticos também interferem, ela relata
que “assim, observamos que as principais motivações que levavam os cavaleiros a
engajarem-se nesse movimento, iam da devoção religiosa à avidez mercenária”. A partir
daí, os autores tomam rumos opostos. A Katiuscia Barbosa faz uma análise de como
esse processo da cavalaria gerado pelas Cruzadas vão influenciar a política portuguesa
na dinastia de Avis. O Thiago Chaves faz uma análise do reino de Jerusalém após a
tomada pelos cavaleiros.
Começando com análise da coroa portuguesa, podemos analisar que a Katiuscia
considera que muito dos valores das Cruzadas se mantiveram durante a dinastia de Avis.
Esse período do século XIV foi de grandes crises e instabilidade do sistema feudal, por
isso o governo português adotou uma estratégia de centralização do poder, processo
oposto do que pregava o feudalismo de pulverização do poder. Com isso, o rei D. João I
procura formar de gerar uma coesão social e segundo Katiuscia Barbosa essa forma foi
“uma ideologia assente em valores caros a cultura portuguesa como a propagação e
afirmação da fé cristã, a honra cavaleiresca bem como a fama e a glória”, ela continua
relatando a importância das crônicas para o predomínio dessa mentalidade:

“Nesse sentido, a produção cronística portuguesa do século XV irá atuar como um poderoso
instrumento político, propagando a ideologia salvacionista-messiânica portuguesa e
legitimando as guerras de expansão em território africano, sobretudo a partir das obras de
Gomes Eanes de Zurara.Este autor começa a exercer o cargo de cronista mor do reino em
1448 substituindo Fernão Lopes. Seus escritos narram a história de Portugal a partir da
tomada de Ceuta em 1415, é, portanto o primeiro cronista a relatar a expansão portuguesa em
África, empresa por muitos criticada. Suas crônicas são marcadas pela exaltação dos feitos de
armas da nobreza portuguesa nas praças africanas. Entre as obras atribuídas a ele estão a
Crónica da Tomada de Ceuta, a Crónica de D. Pedro de Meneses, a Crónica de D. Duarte de
Meneses e a Crónica dos feitos e Conquistas da Guiné” (Barbosa,2009:06)

Por fim, a autora demonstra como a partir dessas crônicas Portugal se colocava como a
“nação” que expandiria o cristianismo pelo mundo seguindo a linha ideológica das
Cruzadas. Muito dessa visão se deu a partir da guerra na África.

A partir de então analisaremos a formação do reino de Jerusalém, diante do trabalho do


autor, já citado, Thiago Chaves. Ele já inicia sua análise colocando em questão a
influencia da Igreja na formação do Estado de Jerusalém. O autor considera que na
historiografia tradicional se acredita na influência da instituição na produção do reino da
Terra Santa, contudo para ele “o silêncio do papado não permite uma tal interpretação e,
portanto, mais recentemente, tem-se reconhecido que não havia nenhuma pretensão da
Igreja em tornar a Cidade Santa em um protetorado seu”. Outro fator que o autor debate
é de onde se começa o reinado em Jerusalém, ele demonstra como até o século XIX a
origem da monarquia havia sido com Godofredo, o que passou a ficar mais claro a partir
da ampliação dos estudos é que ele assumiu a função de Proteção do Santo Sepulcro, o
que segundo Thiago Chaves, era “uma outra categoria, exclusivamente militar,
diferente, pois, da monarquia”, a partir dessa divisão de funções pode-se entender que a
monarquia se originou com Balduíno. Por fim, o autor dá foco a falta de um projeto de
governo para Jerusalém quando se deu inicio as Cruzadas, ele entende que se havia o
interesse de tomar a Terra Santa e expulsar os mulçumanos daquela região contudo não
se tinha um plano político determinado, isso refutaria os argumentos, da chamada
historiografia tradicional, de que “a Cristandade queria expandir-se a partir das
Cruzadas, ou combater com o Islã, ou mesmo que o papado queria estender seu cetro
político até o Oriente”

Podemos concluir que os autores tomam caminhos diferentes ao longo do texto, contudo
há uma grande divergência quanto a historiografia dos fatores que culminaram nas
Cruzadas. A Katiuscia considera a religião um fator importante contudo, para ela sem os
fatores políticos herdados daquele sistema feudal não haveria o impulsionamento para
as Cruzadas. O Thiago Chaves, fazendo contraponto ao que ele considera a
historiografia tradicional, relata que o motivo para que ocorresse as Cruzadas era
unicamente religioso, ele define que a historiografia passa a considerar outros fatores
após um processo de laicização e que esse processo gerou uma aversão aos fatores
religiosos.

Thomaz de Campos

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