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MAI-JUN 2017

Uma revista para pastores e líderes de igreja


Exemplar avulso: R$ 14,98

Quando o líder cristão


chega ao limite
EDITORIAL Wellington Barbosa

Ponto de equilíbrio

A
rotina de pastores e líderes cristãos é, no míni- números assustadores; porém, carecem de uma base
mo, intensa. Uma “lista básica” de atribuições cientificamente comprovada. Para além de dados im-
inclui visitação; aconselhamento conjugal e fa- pessoais e frios, a convivência e as conversas informais
miliar; assistência a enfermos; funerais; reuniões admi- e privadas com colegas de ministério indicam que mui-
nistrativas; gerenciamento de conflitos; estudo, preparo tos estão à beira da exaustão, se já não se apagaram
e apresentação de sermões e capacitações; estudos bí- completamente.
blicos; evangelismo; pequenos grupos; construções e No centro dessa condição, encontra-se o desequilí-


reformas; representação da igreja junto à comunida- brio entre “dar” e “receber”. Como pastores do rebanho,
de; mobilização para projetos sociais; participações em corremos o risco de ir a extremos para atender a todas
aventuris, camporis, reuniões campais e vigílias... e a re- as demandas, sejam elas quais forem, a fim de não per-
lação não acaba aqui. Se fossem colocados todos os itens mitir a frustração de membros, familiares, superiores
e suas ramificações, esta página talvez fosse insuficien- ou até de nós mesmos. Como resultado, podemos nos
te para conter todas as responsabilidades pastorais que tornar líderes apáticos, frios, desmotivados, insatisfei-
recaem sobre nós, ministros do Senhor. tos e que perderam o sentido do ministério e da vida.
Além da preocupação com os assuntos ligados à igre- O antídoto O antídoto contra o burnout está na busca intencio-
ja, temos outra faceta que às vezes acaba sendo es- contra o nal por uma vida equilibrada. Para isso, é necessário re-
quecida por muitos: somos seres humanos. Como tais, burnout está conhecer que o equilíbrio da vida passa pelo domínio do
lidamos com nossos dramas pessoais, com os desafios na busca tempo. Salomão afirmou: “para tudo há uma ocasião cer-
da vida familiar, com as preocupações do contexto so- intencional ta; há um tempo certo para cada propósito debaixo do
cial, econômico e político em que vivemos e com aspec- por uma vida céu” (Ec 3:1). Se quisermos fazer tudo em todo tempo, em
tos relacionados ao nosso desenvolvimento espiritual. equilibrada. breve não faremos nada em tempo algum! Por isso, re-
A soma dos elementos pessoais e ministeriais mencio- Para isso, é flita sobre estas perguntas: Quanto tempo você dedica
nados é suficiente para demonstrar um pouco da carga necessário à sua vida espiritual (oração, estudo da Bíblia, reflexão)?
que recai sobre nós, e também para começar a enten- reconhecer que Quanto tempo você investe em seu relacionamento fa-
der qual seja a origem do esgotamento que tem viti- o equilíbrio da miliar? Quanto tempo você destina ao desenvolvimento
mado muitos. vida passa pelo de amizades edificantes? Quanto tempo você gasta no
A síndrome de burnout (do inglês, burn out, esgo- domínio do cuidado com a saúde? Quanto tempo você separa para
tar, apagar) ou esgotamento é uma condição que vem tempo.” momentos de lazer e descanso? Quanto tempo você apli-
sendo investigada pela psicologia há cerca de 50 anos. ca em seu desenvolvimento intelectual? Quanto tempo
O pioneiro do estudo, Herbert Freudenberger, lidava você dedica às atividades ministeriais?
com a recuperação de toxicodependentes quando notou Quando definimos as prioridades certas e dedicamos
algo que lhe chamou atenção: com o tempo, os volun- o tempo adequado para cada uma delas, caminhamos
tários que trabalhavam com ele em favor dos depen- em direção ao equilíbrio entre “dar” e “receber”, que
dentes químicos demonstraram sinais de apatia, estafa mantém nossa sanidade. Por fim, jamais deveríamos
e depressão, apresentando uma condição tão caren- nos esquecer de que também se aplica a nós a promes-
te de atenção psicológica quanto os próprios pacien- sa de Cristo: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham
tes por quem trabalhavam. A partir dessa percepção, plenamente” (Jo 10:10).
Freudenberger deu início a pesquisas referentes à sín-
drome que, geralmente, atinge pessoas que se dedicam Wellington Barbosa,
ao cuidado de outras. doutorando em Ministério
(Andrews University), é editor
William de Moraes

As estatísticas relacionadas à incidência de burnout da revista Ministério


em pastores, especialmente na América do Sul, são in-
certas. Alguns sites dedicados ao assunto apresentam

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SUMÁRIO

10 Eles também sofreram


 erlinton P. de Oliveira
M
Como os personagens bíblicos lidaram com o esgotamento?

14 Entre alegrias e angústias


Felipe Mancilha Gondim e Luiz Carlos Lisboa Gondim
A importância da assistência psicológica
na dinâmica do trabalho pastoral
10

17 Criando hábitos saudáveis


Matthew Kim
Previna-se do esgotamento adotando
2 Editorial
4 Espaço do leitor
um estilo de vida equilibrado
5 Panorama

20 Provação no deserto
6 Entrelinhas
 ablo Rotman Garrido
P 7 Entrevista
Um estudo a respeito do caráter de Deus,
a partir de Números 21:4 a 9
32 Pastor com paixão
33 Dia a dia

23 Deus em questão
34 Recursos
John C. Peckham 35 Palavra final
O papel do questionamento teológico
14
para o crescimento espiritual

26 Discipulado na prática
Helder Roger e Everon Donato
As características que identificam as
igrejas discipuladoras na América do Sul

30Imprudência digital
 elipe Lemos
F
Princípios para proteger a reputação
20
da igreja nas redes sociais

Conselho Editorial Carlos Hein; Lucas Alves; Adolfo SERVIÇO DE ATENDIMENTO AO CLIENTE
Suarez, Jerry Page; Jeffrey Brown
Uma publicação da Igreja Adventista do Sétimo Dia Ligue Grátis: 0800 979 06 06
Colaboradores Alberto Peña; Arildo Souza; Cícero Gama; Segunda a quinta, das 8h às 20h
Ano 89 – Número 531 – Mai/Jun 2017 Cornelio Chinchay; Edilson Valiante;
Periódico Bimestral – ISSN 2236-7071 Sexta, das 7h30 às 15h45
Efrain Choque; Evaldino Ramos; Geraldo Domingo, das 8h30 às 14h
M. Tostes; Ivan Samojluk; Jadson Rocha; Site: www.cpb.com.br
Editor Wellington Barbosa Jair G. Góis; Luis Velásquez; Mitchel E-mail: sac@cpb.com.br
Editor Associado Márcio Nastrini Urbano; Raildes Nascimento; Rubén
Revisora Josiéli Nóbrega Montero; Tito Valenzuela Assinatura: R$ 72,70
Exemplar Avulso: R$ 14,98
Projeto Gráfico Levi Gruber CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
Capa Pathdoc / Fotolia Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia
Rodovia SP 127 – km 106 Todos os direitos reservados. Proibida a
Ministério na Internet Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP reprodução total ou parcial, por qualquer meio,
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Chefe de Arte Marcelo de Souza 5935 / 36077

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ESPAÇO DO LEITOR

Além da semeadura O pastor-teólogo A salvação de Israel


Parabéns pela edição sobre plantio de A Ministério do 2º bimestre está muito A Ministério tem sido uma excelente
igrejas (1º bim/17). Acredito que cada vez interessante. Os artigos estão excelentes ferramenta para pastores e líderes cris-
mais precisamos crescer nesse aspecto. e a abordagem direta dos autores sobre tãos. Gostei da exegese de Romanos 11 fei-
Foi comprovado que novas igrejas cres- a Bíblia e sua interpretação está atraen- ta por Kim Papaioannou (“Todo o Israel
cem muito mais do que igrejas estabe- te. Nos dias atuais, precisamos de temas será salvo”, 2º bim/17). O autor foi muito
lecidas há anos. O plantio de igrejas é abordados assim, com clareza e profundi- claro em sua argumentação, e seu mate-
saudável para o membro inativo, para a dade. Os assuntos tratados são relevantes rial contribuirá para o preparo de sermões.
igreja que envia, para o bairro ou a cidade para cada cristão do século 21; contudo, Conclui-se: “Todo o Israel: totalidade do
em que uma nova congregação é planta- cabe a nós, líderes, compartilhá-los com o povo de Deus ao longo dos séculos.” Que
da e, por fim, acima de tudo, essa iniciati- povo de Deus. Creio que todo pastor ou lí- visão gloriosa! Deixo como sugestão a ne-
va cumpre com exatidão o “ide” ordenado der que despreza os temas apresentados cessidade de reforçar o chamado para o
por Jesus. Que as Associações e os mem- nessa edição não estará apto a preparar o reavivamento e reforma que devem ocor-
bros criem uma cultura de plantio de igre- povo que está sob sua responsabilidade rer entre o povo de Deus, a começar pelos
jas que plantam outras igrejas. para os eventos que antecedem a segun- ministros (Jl 2:17).
Everaldo Carlos da vinda de Cristo. Carlos José de Lima
São Paulo, SP Passos, MG
Heber Toth Armí
Fraiburgo, SC

Contribua com a • Liturgia e temas relacionados, como mú-


A revista Ministério é um periódico internacional editado e publi- sica, liderança do culto e planejamento.
cado bimestralmente pela Casa Publicadora Brasileira, sob supervisão •A
 ssuntos atuais relevantes para a igreja.
da Associação Ministerial da Divisão Sul-Americana da Igreja Adventis-
ta do Sétimo Dia. A publicação é dirigida a pastores e líderes cristãos. Tamanho
• Seções de uma página: até 4 mil caracteres com
Orientações aos escritores espaço.
Procuramos contribuições que representem a diversidade mi- • Artigos de duas páginas: até 7,5 mil caracteres com espaço.
nisterial da América do Sul. Diante da variedade de nosso público, • Artigos de três páginas: até 11,5 mil caracteres com espaço.
utilize palavras, ilustrações e conceitos que possam ser com- • Artigos solicitados pela revista poderão ter mais páginas, de
preendidos de maneira ampla. acordo com a orientação dos editores.
A Ministério é uma revista peer-review. Isso significa que os
manuscritos, além de serem avaliados pelos editores, poderão ser en- Estilo e apresentação
caminhados a outros especialistas sobre o tema que seu artigo aborda. • Certifique-se de que seu artigo se concentra no assunto. Escreva de
maneira que o texto possa ser facilmente lido e entendido, à medi-
Áreas de interesse da que avança para a conclusão.
•C
 rescimento espiritual do ministro. • Identifique a versão da Bíblia que você usa e inclua essa informação
•N
 ecessidades pessoais do ministro. no texto. De forma geral, recomendamos a versão Almeida Revista
•M
 inistério em equipe (pastor-esposa) e relacionamentos. e Atualizada, 2ª edição.
•N
 ecessidades da família pastoral. • Ao fazer citações bibliográficas, insira notas de fim de texto (não notas
•H
 abilidades e necessidades pastorais, como administração do tem- de rodapé) com referência completa. Use algarismos arábicos (1, 2, 3).
po, pregação, evangelismo, crescimento de igreja, treinamento de • Utilize a fonte Arial, tamanho 12, espaço 1,5, justificado.
voluntários, aconselhamento, resolução de conflitos, educação • Informe no cabeçalho: Área do conhecimento teológico (Teologia,
contínua, administração da igreja, cuidado dos membros e assun- Ética, Exegese, etc.), título do artigo, nome completo, graduação e
tos relacionados. atividade atual.
•E
 studos teológicos que exploram temas sob uma perspectiva bí- • Envie seu texto para: ministerio@cpb.com.br. Não se esqueça de
blica, histórica ou sistemática. mandar uma foto de perfil para identificação na matéria.

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PANORAMA

Donos do tempo?
Saber administrar o tempo tem se tornado fundamental Uma pesquisa realizada em 2016 pela Sepal/Envisionar
neste mundo dinâmico e repleto de desafios. Pastores e líderes identificou as oito atividades que tomam mais tempo de
religiosos não estão isentos dessa necessidade. Ao contrário! pastores e líderes de diferentes igrejas evangélicas do Brasil.
Diante das variadas responsabilidades que estão nas mãos dos Os entrevistados podiam escolher, entre 20 itens, as tarefas
ministros, saber gerir os minutos de maneira eficaz torna-se que mais consumiam seu tempo. Os resultados indicam que o
um imperativo. ministério anda sobrecarregado e limitado a questões urgentes,
e não tem tempo de pensar na igreja a longo prazo. Confira:

96%
Oferecer
doutrina
96% sólida
Aconselhar
em decisões
da vida

Orientar
95% pessoas na Como os pastores
vida espiritual
investem seu
tempo?
Pregar (Os entrevistados podiam escolher
sermões mais de uma alternativa)
93% inspiradores

Incentivar
pessoas a trazer Ministrar
novos membros a enfermos e
Indicar e enlutados
Criar um
Imagens utilizadas: Madpixblue e AtScene / Fotolia

incentivar
92% o uso
clima 88%
acolhedor
dos dons

91% 91%

Fonte: Sepal/Envisionar, Como os Pastores Investem o Seu Tempo?, <sepal.org.br>, janeiro de 2017.

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ENTRELINHAS Lucas Alves

Barnabé, o encorajador

G
eralmente somos atraídos por personalidades Promoção. “Quando Paulo e Barnabé estavam sain-
caracterizadas por grandes feitos, que deixaram do da sinagoga, o povo os convidou a falar mais a res-
marcas carregadas de emoções, dramas, lutas e peito dessas coisas no sábado seguinte” (At 13:42).
vitórias. Contudo, há também aqueles que são lembra- A partir desse ponto, a ordem no texto não é Barnabé e
dos por sua atenção e seu compromisso em desenvol- Paulo, mas Paulo e Barnabé. Isso significa que Paulo se
ver pessoas. Entre tantos personagens da Bíblia, quero tornou o nome principal e assumiu a dianteira do traba-
destacar Barnabé, um homem que cuidava de gente. lho. Investir em alguém a ponto de tornar seu campo de
Barnabé é mencionado pela primeira vez em Atos ação maior do que o seu e vê-lo atingir uma posição mais
4:36, 37, quando fez uma doação significativa à igreja, elevada do que a sua é algo nobre. Essa era a intenção


que crescia repleta de desafios e necessidades. Um de- de Barnabé, e era isso que lhe proporcionava realização.
talhe que chama atenção nessa história é o fato de que Exemplo. “Barnabé queria levar João, também cha-
seu nome foi mudado pelos apóstolos, de José para Bar- mado Marcos. Mas Paulo não achava prudente levá-lo,
nabé, que significa “encorajador”. Essa mudança pode pois ele, abandonando-os na Panfília, não permanece-
provocar alguns questionamentos: Quais características ra com eles no trabalho” (At 15:37, 38). Por alguma razão,
Barnabé possuía para ser chamado assim? A quem ele Marcos desistiu de acompanhá-los à Panfília, e Paulo
encorajava? De que maneira ele fazia isso? Sem dúvida, não viu essa atitude com bons olhos. Por isso, fechou a
sua experiência ao discipular Paulo ajuda a responder Como líderes porta para ele, pois, na visão do apóstolo, não se mos-
essas perguntas. Nesse contexto, podemos destacar cristãos, não trara confiável. Entretanto, Barnabé defendeu Marcos
quatro princípios de encorajamento. podemos e lutou por ele, a ponto de romper com Paulo. Barnabé
Aceitação. “Então Barnabé o levou aos apóstolos e limitar o êxito poderia ter dito a Paulo: “Esqueceu-se de que lutei por
lhes contou como, no caminho, Saulo vira o Senhor, que de nosso você quando ninguém o queria por perto?” “Lembra-se
lhe falara, e como em Damasco ele havia pregado co- trabalho ao de que, quando todos o rotulavam, eu acreditei em você?”
rajosamente em nome de Jesus” (At 9:27). Havia muita volume de Posteriormente, Paulo se arrependeu de sua atitude e
resistência quanto à conversão de Paulo. Sobre ele re- atividades que considerou Marcos útil a seu ministério (2Tm 4:9-11).
pousavam acusações e muita desconfiança; entretanto, realizamos Sem dúvida, o exemplo de Barnabé falou ao coração do
Barnabé acreditou nele e o aceitou. Com convicção, apre- nem aos apóstolo em algum momento posterior.
sentou o novo convertido à liderança da igreja, assumindo resultados Como líderes cristãos, não podemos limitar o êxito de
assim, total responsabilidade por sua conduta. Isso ilus- que obtemos, nosso trabalho ao volume de atividades que realizamos
tra uma importante lição: apesar do histórico da pessoa, embora isso nem aos resultados que obtemos, embora isso tenha seu
devemos nos esforçar para aceitá-la e vê-la como Cristo tenha seu lugar. Acima de tudo, precisamos nos dedicar ao desen-
a vê, embora seus frutos ainda não tenham aparecido. lugar.” volvimento de pessoas, ao encorajamento daqueles que
Envolvimento. “Então Barnabé foi a Tarso procurar precisam de nosso ombro, nossa atenção e nosso apoio
Saulo e, quando o encontrou, levou-o para Antioquia. para viver à altura do chamado que receberam de Deus.
Assim, durante um ano inteiro, Barnabé e Saulo se Abraham Lincoln afirmou: “A maior habilidade de um líder
reuniram com a igreja e ensinaram a muitos” (At 11:25, 26 é desenvolver habilidades extraordinárias em pessoas co-
u.p.). Note os verbos: procurar, encontrar e levar. Paulo muns.” Faça disso uma prática. Seja um encorajador!
já havia sido aceito, mas isso não bastava para Barna-
bé. Ele queria mais! Queria vê-lo crescer e, por isso, foi Lucas Alves, mestre em Liderança (Andrews
à sua procura e o envolveu na obra missionária em An- University), é secretário ministerial associado
para a Igreja Adventista na América do Sul
tioquia. Envolver não é apenas dar oportunidade, mas
Gentileza DSA

estar junto no serviço, no desenvolvimento dos dons e


no aperfeiçoamento do caráter.

6 | MAI-JUN • 2017
ENTREVISTA CESAR VASCONCELLOS

Burnout
pastoral
“Sofrer estresse ou esgotamento
é algo da vida ‘moderna’. Se há alguma
vergonha a ser sentida, não é pelos
sintomas, mas pelo descuido para
com a saúde pessoal.”

Daniel de Oliveira
por Márcio Nastrini e Walter Steger
esgotamento são os que exercem ativi-
dades profissionais que exigem envolvi-
A incidência de pastores vítimas de esgotamento emocional tem aumentado con- mento frequente e próximo com pessoas
sideravelmente em várias partes do mundo. Talvez, um dos motivos pelos quais isso que os procuram, a fim de apresentar vá-
tem ocorrido seja o fato de não se discutir abertamente acerca do problema. Nes- rias situações e problemas. As novas tec-
ta entrevista, o doutor Cesar Vasconcellos de Souza apresenta o assunto de modo nologias, a competitividade desleal e
franco e didático, com o objetivo de ajudar pastores e líderes cristãos que se identi- impiedosa, a urgência na produção e na
ficam com essa condição. conquista de alvos, os prazos apertados,
Ele é médico psiquiatra, pós-graduado em Psicoterapia Breve e membro da Ame- as pessoas perfeccionistas, os chefes di-
rican Psychosomatic Society. Há 26 anos é membro do staff médico do Hospital Ad- tatoriais, a mídia que propaga o sentimen-
ventista Silvestre, no Rio de Janeiro. Além das atividades médicas, o doutor Cesar to de felicidade atrelado às conquistas,
Vasconcellos de Souza é autor de vários livros: Consultório Psicológico (CPB, 2001), os problemas matrimoniais, entre outras
Saúde Total (CPB, 2014) e Casamento: O que é isso? (audiolivro). Por mais de 25 anos, causas, podem produzir esgotamento fí-
colabora com a revista Vida e Saúde e, neste ano, estreou o programa “Claramente”, sico e emocional.
na TV Novo Tempo. Os principais sintomas do burnout in-
Casado com Mônica Seidel de Souza, o casal tem dois filhos, Pablo e Thaís, e qua- cluem cansaço constante e progressivo,
tro netos. dores musculares, dor de cabeça, altera-
ções gastrointestinais, insônia, infecções,
O que é a síndrome de burnout, e quais são seus sintomas principais? hipertensão arterial, desinteresse sexual,
Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas. A palavra inglesa burnout se refere raciocínio lento, sentimentos de solidão e
a algo que deixou de funcionar por exaustão. A síndrome de burnout é decorrente do impotência, diminuição da atenção e con-
estresse que se prolonga por muito tempo, gerando esgotamento emocional e físico, centração, irritabilidade, melancolia, de-
quando há um estilo de trabalho e relacionamento com pessoas, em geral, desgastan- pressão, impaciência, alterações no humor
te, podendo incluir as relações familiares. Os indivíduos que mais sofrem esse tipo de e perda de interesse pelo trabalho.

MAI-JUN • 2017 | 7
O burnout entre pastores e líderes re- Tende a fazer tudo para não machucar as chorar, pedir apoio a alguém que possa
ligiosos é maior ou menor do que em pessoas. Tolera o intolerável. Tem dificul- ouvi-la, compreendê-la, acolhê-la em sua
outras profissões e vocações? dade em dizer “não”, quando isso seria o dor, luta e desgaste emocional. Já ouvi mui-
Numa pesquisa feita pelo Ministério de adequado e o melhor. É pacificadora. Como tos sermões sobre Filipenses 4:13, que diz:
Apoio a Pastores e Igrejas (MAPI), envol- resultado, o codependente esconde os “Tudo posso nAquele que me fortalece”,
vendo 108 líderes denominacionais, foi feita problemas e tem dificuldade de enfrentá- mas nunca ouvi um pastor citar o verso
a seguinte pergunta: em quais áreas vo- los. Reprime sentimentos difíceis como a seguinte (v. 14), no qual Paulo menciona
cês sentiram que os pastores de suas de- raiva, o ressentimento e a frustração. En- como foi bom receber ajuda durante o pe-
nominações mais precisavam crescer? Dos tão, esgota a si mesmo. ríodo de aflição que ele passou!
nove itens listados, os participantes indica-
ram três: (1) Em relação a si mesmo (saúde Quais são as principais consequências É aconselhável manter essa situação
emocional, caráter cristão), 62%; (2) Na re- do esgotamento na vida dos pastores? em sigilo perante as igrejas?
lação com o cônjuge e os filhos, 55%; (3) Na Perda da força física para a realização do Sim. Os problemas de saúde do pastor
relação com Deus, 47%. Esse estudo re- trabalho; estresse na família, que pode de- devem ser mantidos em privacidade. Al-
velou que “a maioria dos líderes cris- guns membros talvez não saibam li-
tãos que caíram tragicamente nos dar com o sofrimento dos outros e
últimos 10 a 15 anos sentiu-se pres- não entenderão os detalhes do que
sionada (compelida) para o sucesso e ocorre na vida emocional de seu pas-
alto rendimento num ambiente ecle- tor. Pode-se dizer algo bem simples e
siástico com altas demandas e forte Muitos membros acham geral sobre a saúde do ministro, algo
senso de competição. [...] As disfun- como “estresse”, e basta.
ções que compelem líderes evangéli- que o pastor, pelo fato de
cos muitas vezes não são detectadas Pastores que sofrem com o bur-
e enfrentadas até que seja tarde de- ser remunerado, tem que nout se sentem culpados por não
mais” (saiba mais em http://pasto- estar desenvolvendo eficazmen-
ser um “tapete” para todos
reiodepastores.com.br). te o ministério e temem compar-
O esgotamento pode surgir por pisarem e um “trator” para tilhar a situação com seus líderes.
ambição exagerada, profunda ou de- O que a liderança pode fazer para
sesperada necessidade de aprovação, resolver tudo. ajudá-los?
medo de que o trabalho não esteja a Sofrer estresse ou esgotamento é
contento, necessidade de sentir que algo da vida “moderna”. Se há alguma
está no controle o tempo todo, ou vergonha a ser sentida, não é pelos sin-
qualquer comportamento, desejo tomas, mas pelo descuido para com a
e motivação que domina de forma saúde pessoal. Cientistas que estudam
incontrolável. sencadear nos filhos revolta contra o minis- e pesquisam sobre o burnout mencionam
Outro tipo de personalidade que favore- tério e a igreja; e, dificuldades no casamento, três momentos para a manifestação des-
ce o burnout são os líderes com tendência pelo fato de o pastor tentar suprir todas as se esgotamento: (1) quando as exigências
paranoide, ou seja, os que são desconfiados, demandas do ministério e dos membros, do trabalho são maiores do que os recursos
hostis, amedrontados e invejosos. Geral- que tendem a vê-lo como alguém de “mil e em geral, e produzem estresse; (2) quando
mente, esses indivíduos são muito sensíveis uma utilidades”, exigindo demais, como se a pessoa se esforça para se adaptar ao que
ao que os outros fazem ou dizem, e atuam ele fosse um semideus. Muitos membros está ocorrendo em termos de estresse, mas
com mão de ferro, algo que também favo- acham que o pastor, pelo fato de ser remu- surgem sinais de fadiga, tensão, ansiedade,
rece o estresse e possível esgotamento nas nerado, tem que ser um “tapete” para todos irritação, redundando numa diminuição do
pessoas ao seu redor e sob seu comando. pisarem e um “trator” para resolver tudo. interesse e da responsabilidade pela função;
Um tipo de líder que pode, ele mesmo, Muitos desenvolvem depressão como e (3) quando há um enfrentamento defen-
se esgotar é o codependente. A pessoa co- reação ao esgotamento. A depressão é um sivo na conduta e na atitude para se prote-
dependente assume responsabilidades por sinal de que há perdas, impotências que ger das tensões que experimenta, gerando
atitudes e sentimentos de outros, culpando não estão sendo respeitadas, talvez pela comportamento de distanciamento emo-
a si mesma pelas ações inadequadas deles.  própria pessoa, e necessidade de lamentar, cional, certo cinismo, apatia e isolamento.

8 | MAI-JUN • 2017
Estudos realizados com pastores mos- Existe alguma relação entre a espiri- Quais dicas o senhor dá aos pastores para
tram que, para se prevenir contra o bur- tualidade e a síndrome de burnout? A que não experimentem o esgotamento?
nout é importante implementar algumas espiritualidade ajuda no tratamento? Priorize a família. Não deixe que os pro-
atitudes: (1) Evitar que o pastor se sinta coa- Estudos feitos sobre o “coping [enfren- blemas e as dificuldades do ministério in-
gido, pressionado por normas e políticas tamento] religioso” têm demonstrado que terfiram em sua vida familiar. Quando Jesus
severas; (2) Cuidar para que pastores com a religião, a espiritualidade e/ou a fé aju- Se retirava para estar a sós com o Pai ou
filhos pequenos permaneçam mais tem- dam a lidar com o estresse. Harold Koe- com Seus discípulos, Ele deixava uma mul-
po no mesmo distrito, a fim de não cortar nig, da Universidade Duke, tem estudado tidão de pessoas à Sua procura, muitas de-
vínculos afetivos (amigos, escola, vizinhos), sobre o assunto durante vários anos. Suas las precisando de consolo, apoio, cura e
gerando estresse na família pelas constan- conclusões indicam que “crenças e práticas salvação. Ele acreditava que o Pai cuida-
tes mudanças; (3) Incentivar os pastores, religiosas estão associadas à melhor saú- ria delas de alguma forma, sem exigir Sua
mostrando que seu trabalho é sublime, por- de física e mental. Dos 225 estudos reali- presença naquele momento. Cristo tam-
que lida com a vida espiritual das pessoas; zados investigando a relação com a saúde bém sabia que muitas pessoas poderiam
(4) Promover valores humanos, a fim de ge- física, a maioria verificou resultados bené- esperar até que Ele as pudesse atender.
rar um saudável ambiente de trabalho,
lembrando que as pessoas são mais A esposa deve ser uma ajudado-
importantes do que as coisas (alvos, ra. Ela pode apontar áreas em que o
relatórios, etc.); (5) O ministro jamais pastor precisa colocar limites e cui-
deve se esquecer de que seu valor é dar melhor de si mesmo.
reconhecido por Deus, que é possível
não ter o reconhecimento desejado Não tente ser tudo o Tenha coragem de dizer “não”.
por parte dos membros, não porque Não tente ser tudo o tempo todo
o trabalho executado não esteja a con- tempo todo para todas as para todas as pessoas. Não se pode
tento, mas porque, naquela comuni- fazer isso e manter a saúde e o equi-
dade, pode haver o predomínio de
pessoas. Não se pode fazer líbrio emocional. A família pastoral
pessoas que priorizem outras áreas, isso e manter a saúde e o tem o direito de descansar, de pas-
e por isso não valorizam os esforços sear, de ter seu hobby, de ter sua pri-
dele; (6) O pastor precisa ter amigos. equilíbrio emocional. vacidade. Muitas vezes, o pastor irá
Pelo menos um amigo com quem con- descobrir que aquela “emergência”
fidenciar problemas pessoais. A meu do irmão X ou da irmã Y, que ele não
ver, o secretário ministerial deve- conseguiu atender, já foi resolvida.
ria exercer prioritariamente a função
pastoral. Ter mais tempo para orien- Proteja você e sua família. Cuidem-
tar, aconselhar e tratar dos assuntos se contra as fofocas. Protejam-se
de seus colegas que lutam com algum so- ficos do envolvimento religioso quanto à das pessoas “espaçosas”, “controladoras”,
frimento emocional, físico e até mesmo es- dor, debilidade física, doenças do coração, “manipuladoras”, sem “desconfiômetro”,
piritual; (7) É fundamental que o pastor se pressão sanguínea, infarto, funções neu- que querem usá-los como se fossem mor-
preocupe com sua saúde, evitando, assim, roendócrinas, doenças infecciosas, câncer domos delas. Usar é abusar.
desenvolver o burnout. Ele precisa estabe- e mortalidade”. Em cerca de 850 pesquisas
lecer limites para as exigências injustas e relacionadas à interação fé/saúde mental, Cuidado com pessoas do sexo oposto.
exageradas, sem temer as críticas; (8) Os lí- “a maioria endossa a associação do en- Seria prudente seguir o conselho de Ellen
deres podem permitir que o pastor adoen- volvimento religioso com maiores níveis G. White: “Não desçam os embaixadores
tado fique livre de certas responsabilidades de satisfação de vida, bem-estar, senso de de Cristo a frívolas conversações, a familia-
até que se recupere. Podem ajudá-lo a en- propósito e significado da vida, esperança, ridades com mulheres, sejam elas casadas
contrar um tratamento especializado. Ava- otimismo, estabilidade nos casamentos e ou solteiras. Que se mantenham no lugar
liar se a carga de trabalho é compatível com menores índices de ansiedade, depressão que lhes convém, com a devida dignidade;
seu perfil, caso contrário, podem estudar e abuso de substâncias”. (Saiba mais sobre entretanto, podem ser ao mesmo tempo
uma mudança de função ou de local de tra- isso em “Coping religioso/espiritual”, Psi- sociáveis, bondosos e corteses para com
balho. Afinal, não somos deuses. quiatria Clínica, 2007, v. 34, supl. 1). todos” (Evangelismo, p. 679).

MAI-JUN • 2017 | 9
CAPA

Eles também
sofreram

Aprenda com personagens


bíblicos a lidar com o
esgotamento emocional

Merlinton P. de Oliveira

A
Organização Mundial da Saúde esses problemas têm afetado os seres atenção, prioritariamente, ao âmbito es-
estima que, em breve, “os trans- humanos. piritual de cada um, não se esquecendo
tornos mentais atingirão cerca de Contudo, será que eles também afetam de que cada pessoa está inserida em uma
700 milhões de pessoas no mundo, repre- pessoas religiosas? Estariam os ministros realidade que inclui outras práticas além
sentando 13% do total de todas as enfer- de Deus imunes a esse mal do século? das religiosas, e que enfrenta questões que
midades”. No Brasil, dados do Instituto Embora seja um líder no sentido da- vão além das necessidades espirituais.
Nacional do Seguro Social revelam que quele que “deve ser ouvido, acatado e se- Jesus Se referiu a Si mesmo como o
“em 2014 essa instituição pagou auxílios- guido”,2 a função do pastor também está “bom pastor” (Jo 10:11), a fim de transmitir o
doença resultantes de transtornos men- associada à ideia de utilidade e serviço, sig- conceito de identidade de um líder com seu
tais e comportamentais para mais de nificando que ele é alguém que atua com povo.4 Para Simão Pedro, Ele disse: “Pasto-
William de Moraes

220 mil pessoas”.1 São números expres- o propósito de contribuir, orientar e cui- reie Minhas ovelhas” e, ainda, “apascente
sivos que indicam quão intensamente dar.3 O ministro precisa fazer isso dando Minhas ovelhas” (Jo 21:16, 17). Valendo-se

10 | MAI-JUN • 2017
de uma imagem bem conhecida por Seus acúmulo de problemas, dificuldades, obri- mais vulnerável a essa condição, formado
discípulos, Ele lhes transmitiu a preciosa li- gações e frustrações que promovem dese- por “aqueles que atuam em áreas onde li-
ção acerca daqueles que lideram. quilíbrio emocional. Problemas domésticos, dam com angústias alheias”.15 Ao trabalhar
Ellen G. White escreveu: “O pastor cui- remorsos por pecados cometidos e a crença com a tristeza, a ansiedade, o sentimen-
dava de seu rebanho dia e noite. Durante em doutrinas errôneas também “desequili- to de culpa, a dor, a desesperança, a mor-
o dia guiava-o às pastagens verdes e agra- bram a mente”.9 O esgotamento prejudica te e outros eventos inerentes à condição
dáveis, às margens do rio, através de coli- “o desempenho da pessoa na vida fami- dos outros, esses profissionais sentem as
nas rochosas e florestas. À noite vigiava-o, liar, na vida social, na vida pessoal, no tra- ressonâncias dessas situações. Estão, as-
guardando-o do ataque de animais selva- balho, nos estudos, na compreensão de si sim, em uma posição inigualável, na qual
gens e de ladrões que sempre rondavam mesmo e dos outros, na possibilidade de se conhece profundamente a condição
por perto. Com ternura cuidava das ove- autocrítica, na tolerância aos problemas, e humana,16 marcada pela ação do pecado
lhas fracas e doentes. Tomava os cordeiri- na possibilidade de ter prazer na vida em que destituiu o homem da glória de Deus
nhos em seus braços e os levava no colo. geral”.10 Seus sintomas podem ser variados, (Rm 3:23). Além de ser afetados, os prejuí-
[...] O pastor ia adiante de suas ovelhas e e geralmente incluem pensamentos nega- zos de sua situação se estendem aos que
enfrentava por elas todos os perigos.”5 Se tivos, alteração de humor, falta de ânimo, estão ao seu redor.
uma delas se perdia, ele enfrentava os ris- atitudes ríspidas e agressivas, deprecia-
cos da noite, os temporais, percorria va- ção dos relacionamentos familiares e pes- A angústia de Davi
les e montanhas sem descansar, até que a soais, diminuição do gosto por atividades No Salmo 27, Davi fez uma oração e
perdida fosse encontrada. que antes eram consideradas prazerosas e, apresentou um pedido: “que eu possa mo-
O cuidado pastoral é uma experiência de inclusive, reações psicossomáticas. Em al- rar na Casa do Senhor por toda a minha
encontro e se dá num movimento de recipro- gumas situações, o esgotamento mental vida” (v. 4). Ele havia sido um homem de
cidade e de intersubjetividade. Portanto, ele pode provocar o desejo de morte, e mes- muitos inimigos; pois, desde quando der-
consiste em relações interpessoais que mui- mo o suicídio.11 rotou Golias (1Sm 17), muitos outros adver-
tas vezes se caracterizam por circunstâncias Davi, quando sobrecarregado pela an- sários de Israel foram enfrentados por ele.
nas quais se “tem por objetivo prestar aju- gústia de seus pecados e com sua men- No entanto, quando Davi fez essa oração,
da a indivíduos que se encontram predomi- te esgotada por causa deles, gemia todo o desafeto era alguém de sua própria casa,
nantemente frustrados e insatisfeitos, no o tempo, sentia os ossos envelhecidos e Saul, o rei de seu povo (1Sm 10:1, 24), seu
sentido de recuperar suas realizações e seu desprezava a vida maldizendo o dia de seu próprio sogro (1Sm 18:20, 27).
bem-estar”.6 Nesses encontros, o significa- nascimento (Sl 32:3, 4; 51:5). Talvez Elias Saul havia sido escolhido por Deus para
do do existir, do agir, do modo de pensar a também tenha passado por um episódio atender a um clamor dos israelitas, que de-
vida e as convicções do pastor e do membro de esgotamento em razão das incerte- sejavam ter um rei “como todas as outras
se entrecruzam, ora se aproximando ora se zas e dúvidas quanto ao futuro, reforça- nações” (1Sm 8:5). “Ele não fez tentativas
distanciando, mas sempre em busca de re- das pela ameaça de Jezabel à sua vida.12 para manter pela força seu direito ao trono.
sultados que promovam o bem-estar. Isso foi tão intenso que ele desejou a mor- Em seu lar, pacificamente se ocupou com os
te (1Rs 19:4). Entretanto, eles se sentiram deveres de lavrador, deixando inteiramen-
Vítimas do esgotamento amparados pelo perdão e pela graça di- te a Deus o estabelecimento de sua autori-
De modo geral, bem-estar é entendi- vina, e se restabeleceram. Após confes- dade.”17 Inicialmente, Saul evidenciou uma
do como estado saudável de condição fí- sar seu pecado, Davi louvou ao Senhor, condição mental e emocional saudável e
sica, mental, emocional, social e espiritual.7 regozijando-se porque Ele lhe restituiu a equilibrada, que refletiu em suas atitudes e
Saúde mental é um estado de equilíbrio no alegria (Sl 32:5, 11; 51:12, 10). Elias se alegrou no comportamentos. Samuel derramou azeite
qual “um indivíduo utiliza suas habilidades Senhor. Deus não abandonou Seu servo sobre a cabeça de Saul e disse: “Não te un-
para lidar com as tensões normais da vida, fiel em sua hora de provação.13 Elias retor- giu, porventura, o Senhor por príncipe so-
trabalhar de forma produtiva e fazer con- nou ao seu ministério, enfrentou os de- bre a Sua herança?” (1Sm 10:1).18 Em certo
tribuições à sua comunidade”.8 É a condi- safios, superou as dificuldades, e um dia sentido, o serviço de Saul era um pastoreio.
ção necessária para que as pessoas tenham ascendeu “com os anjos de Deus à presen- Deus lhe proporcionou um coração re-
capacidade de pensar, emocionar-se, inte- ça de Sua glória”.14 novado e uma atitude mental orienta-
ragir e cuidar dos diversos âmbitos da vida. Qualquer pessoa está sujeita ao esgota- da, que possibilitaram bem-estar a ele e
Por sua vez, o esgotamento mental mento mental e suas consequências; con- a toda a nação que estava sob seus cuida-
é debilitante e se caracteriza a partir do tudo, existe um grupo significativamente dos.19 Entretanto, passados alguns anos,

MAI-JUN • 2017 | 11
Saul evidenciou uma condição mental dis- Seu olhar encontrou o olhar de Cristo, e ele Referências
tinta daquela inicialmente apresentada, o caiu em si (Lc 22:61). 1
 arolina Sanchez Miranda, “Esgotamento Mental”,
C
<linkedin.com>.
que afetou intensamente suas emoções e Em angústia mental, Pedro se viu como
2
 enedito Milioni, Dicionário de Termos de Recursos
B
seu comportamento. Sobrecarregado por um traidor ingrato, falso e teve o coração
Humanos (São Paulo: Fênix, 2003).
variadas situações, tornou-se presunçoso, quebrantado a ponto de se sentir tortu- 3
Eloy Anello, “Liderança moral”, em Núcleo de
impaciente, desanimado, incrédulo, inquie- rado, vagueando sem destino certo, en- Pesquisa Sobre Governança Global (Porto Alegre, RS:
to, impulsivo, ansioso e angustiado. Suas volvido por um impactante remorso. Ele Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2010).

faculdades se tornaram esgotadas, dese- chorou copiosamente, prestes a desejar a 4


Miroslav Kis, “Reavaliando a identidade pastoral”,
Ministério, mai-jun 2004, p. 28-31.
quilibradas e pervertidas, e isso trouxe de- morte.22 No entanto, esse não foi seu fim.
5
 llen G. White, Vida de Jesus (Tatuí, SP: Casa
E
sagradáveis consequências sobre ele, sua A Pedro foi concedida a oportunidade de Publicadora Brasileira, 2004), p. 75, 76.
família e toda a nação.20 sentir novamente paz mental. O conta- 6
 olanda Cintrão Forghieri, Psicologia
Y
O Senhor rejeitou Saul como rei, mas ele to com Jesus restabeleceu sua fragilizada Fenomenológica (São Paulo, SP: Pioneira, 2004),
p. 319.
não aceitou nem reconheceu sua própria condição, trazendo-lhe refrigério. “Em-
condição. Antes, buscou em Davi um “bode bora parecesse a Pedro que tudo estava
7
ONUBR/OMS, <nacoesunidas.org>.

expiatório” para o que estava acontecendo, perdido, incluindo a si mesmo, o amor do


8
 BIE, “Como identificar e diferenciar os sintomas do
S
esgotamento físico e mental”, <sbie.com.br>.
acusando-o de usurpador e traidor. Como Salvador o ergueu e o resgatou.”23 Anos 9
Ellen G. White, Mente, Caráter e Personalidade
consequência, decidiu matá-lo (1Sm 19:1). depois, ele aconselhou: “Portanto, mante- (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012), v. 1,
Saul sabia que Deus o havia abandonado nham sua mente preparada; sede sóbrios p. 59.

e que a ascensão de Davi ao trono de Israel e esperai inteiramente na graça” (1Pe 1:13). 10
 aia Prime, “O que é transtorno mental?”,
M
<maiaprime.com.br>.
em seu lugar não era uma escolha humana,
Conclusão  lvaro Roberto C. Merlo, “Sofrimento silenciado,
Á
11
mas uma deliberação divina. Logo, pensar
patologia da solidão e suicídio no trabalho: a
em Davi como um traidor era alimentar pen- O esgotamento mental pode levar o mi- questão da atenção à saúde”, em O Sujeito no
samentos distorcidos acerca da realidade. nistro a pensar que seu trabalho não é im- Trabalho: Entre a Saúde e a Patologia (Curitiba, PR:
Juruá, 2013).
Davi foi diretamente afetado pela ina- portante, suas relações são insignificantes, 12
 llen G. White, Profetas e Reis (Tatuí, SP: Casa
E
dequada condição do rei. Ele precisou fu- sua vida está cheia de injustiças e que sua Publicadora Brasileira, 2014).
gir e deixar para trás sua casa, a esposa, os própria existência não tem razão de ser. 13
Ibid.
amigos e tudo de que desfrutava. Entre- Muitas vezes, a insatisfação com a fun- 14
Ibid., p. 228.
tanto, encontrou na Casa do Senhor um lu- ção que desempenha, a busca incessante 15
 arisa Graziela M. M. Vandevelde, “Esgotamento
M
gar de paz (Sl 27). Saul não quis reconhecer por resultados, a falta de vinculação social mental”, <marisapsicologa.com.br>.

sua condição nem buscar solução para ela duradoura e as frequentes angústias que 16
Rachel Naomi Remen, O Paciente Como Ser
Humano (São Paulo, SP: Summus, 1993).
e, por fim, tirou a própria vida (1Sm 31:4). outros lhe apresentam podem afetá-lo
17
 llen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa
E
significativamente. Por isso, o Mestre nos
Publicadora Brasileira, 2014), p. 612.
O exemplo de Pedro convida: “Vinde vós, aqui à parte, e repou- 18
C
 omentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia
Pedro foi outro personagem bíblico que sai um pouco” (Mc 6:31). “Cristo é cheio de [CBASD] (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
viveu momentos de esgotamento mental ternura e compaixão para com todos os 2012), v. 2, p. 526.

e emocional. Os últimos dias haviam sido que se acham a Seu serviço.”24


19
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 613.

intensos: a entrada triunfal de Jesus em Atitudes preventivas também ajudam,


20
Ibid., p. 627-630.

Jerusalém, a ação popular aclamando seu como exercícios físicos, recreação, relacio- 21
 llen G. White, O Desejado de Todas as Nações
E
(Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1990), p. 680.
Mestre, o Getsêmani, a fuga dos demais dis- namentos afetivos sólidos e atitudes posi-
22
Ibid., p. 682.
cípulos, tudo isso mobilizou suas estruturas tivas. Além disso, condutas recuperativas
23
CBASD, v. 2, p. 573
psicoemocionais a ponto de sua fisiono- como reconhecer a condição de esgota-
24
Ellen G. White. O Desejado de Todas as Nações, p. 343.
mia vividamente expressar abatimento.21 mento, buscar apoios empáticos, recorrer
Assolado por pensamentos pessimistas aos serviços de um psicoterapeuta, reor-
e com medo de ser tratado como Jesus, ganizar a dinâmica diária e estabelecer la- Merlinton P. de Oliveira,
mestre em Psicologia (PUC-SP)
Pedro negou ser um de Seus seguidores ços familiares e sociais significativos são e em Teologia (SALT, Cachoeira,
Gentilaza do autor

(Mt 26:69-74). Ao ouvir o galo cantar, fundamentais. Acima de tudo, e principal- BA), é coordenador do curso
de Psicologia e professor de
lembrou-se das palavras do Mestre. mente, estar com Jesus todo instante.
Teologia na Fadba.

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12 | MAI-JUN • 2017
CAPA

Felipe Mancilha Gondim


Luiz Carlos Lisboa Gondim

Entre alegrias
e angústias

À
semelhança de outros trabalha- mais adaptadas às suas necessidades, Trabalho e sofrimento
dores, o ministro evangélico é favorecendo sua homeostasia. Esse tipo Os líderes religiosos são especialmente
constantemente submetido a es- de atividade é denominado pela psico- afetados pelas pressões do cotidiano. Di-
tímulos externos e internos, acumulando- dinâmica do trabalho como um trabalho versos autores têm suscitado discussões
os gradativamente. Essa retenção causa equilibrante. que envolvem a saúde física e emocional
um acúmulo no aparelho psíquico, poden- Em contrapartida, quando em determi- dos pastores. Embora trabalhem para uma
do produzir uma carga de sentimentos de nada atividade não existe a possibilidade instituição religiosa, as incertezas, os me-
desprazer e tensão. Assim, especialmente de utilização da via de descarga psíquica, dos e as angústias presentes em seu espa-
nessa atividade vocacional, há necessida- a energia pulsional acaba por acumular-se, ço de trabalho, e até o desenvolvimento de
de de se encontrar vias de descarga, sen- passando a ser uma fonte de sofrimen- algumas doenças, aproximam os ministros
do a psíquica uma das mais importantes.1 to, tensão e desprazer. Assim, a relação cada vez mais de outros trabalhadores de
homem-organização do trabalho fica di- contextos diferentes.4
Psicodinâmica do trabalho ficultada, e o sofrimento, antes ocasional, Uma vez que o ministério é geralmente
A abordagem da psicodinâmica do tra- torna-se dominante.3 reconhecido como uma atividade estres-
balho tem como núcleo a relação entre o Por essa razão, é fundamental com- sante, sua natureza intrapessoal não ape-
sujeito e a organização do trabalho, e como preender a maneira como se elaboram nas proporciona oportunidade para alegre
essa relação pode determinar o prazer ou os dois lados da organização do trabalho, intercâmbio com outras pessoas, como
o sofrimento psíquico.2 isto é, aquele que é fonte de sofrimento e também acarreta ocasiões de lutas e tris-
Se o trabalhador dispõe de liberdade o que é fonte de prazer. Tal análise é indis- tezas. Apresentar-se diante de um público
e de autonomia sobre sua tarefa, tende pensável para se tentar uma interpretação cada vez mais exigente, liderar administra-
a realizar-se ao cumpri-la e ser revitali- mais específica dos laços entre trabalho e tivamente um número crescente de igrejas,
zado por ela. Nessas situações, o traba- saúde e, também, para se encontrar alter- atender aos doentes e enlutados, obrigar-
lho geralmente oferece vias de descarga nativas satisfatórias. se a ter um exemplo de família ajustada

14 | MAI-JUN • 2017
Uma reflexão sobre as tensões
emocionais que cercam o
trabalho pastoral

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– tudo isso contribui para o estresse. Por Alguns textos da Bíblia confirmam permitem uma vida digna. Muitos deles,
isso, conhecer os próprios limites e contar essa tendência para a dor e o sofrimen- em função de suas habilidades, recebem
com um acompanhamento emocional ade- to no exercício do ministério (At 9:15-16; bolsas de estudos em cursos de pós-gra-
quado é vital para um ministério eficaz.5 Rm 5:3-5; 8:35-39). Contudo, não pare- duação, para que ampliem sua esfera de
Um estudo apresentado no Guia para Mi- ce coerente que se deixe o pastor a mer- utilidade na igreja.
nistros Adventistas do Sétimo Dia mostrou cê dessa amargura, sem um alento que o Diferentemente de outras denomi-
que 75% dos pastores vivenciaram períodos motive a continuar inspirado na execução nações, na Igreja Adventista há equidade
de grande esgotamento, caracterizados por resiliente de sua vocação. em relação aos salários, que são pagos de
um conjunto de reações físicas, emocionais acordo com uma escala padrão. Assim, não
e mentais resultante de reiterada agitação Trabalho e prazer existe diferença significativa entre a remu-
emocional derivada do constante envolvi- Por outro lado, estudiosos também se neração do pastor geral de determinada As-
mento com as questões espirituais das pes- referem às experiências de prazer vivencia- sociação e o salário do pastor da igreja mais
soas. O pastor, de modo geral, tem mais das por muitos ministros no convívio alegre humilde de seu Campo, desde que estejam
coisas para fazer do que é capaz, pois se es- com a família e suas igrejas; na valorização com a mesma pontuação na escala. Os líde-
pera que seja habilidoso em um maior núme- e no reconhecimento de seu trabalho; no res espirituais dos pastores, os secretários
ro de áreas do que lhe é possível. Além de ter cumprimento da missão em transformar ministeriais, são orientados a fornecer-lhes
menos recreação do que a maioria das pes- vidas; em ajudar os casais em seu relacio- importantes serviços, tais como visita pasto-
soas, o ministro fica entre as expectativas de namento conjugal; em ver sua igreja cres- ral, aconselhamento e assistência espiritual.
sua congregação e de sua liderança adminis- cendo em dons e atividades espirituais e Ellen White, cofundadora da Igreja
trativa e, infelizmente, tais expectativas nem em seus dias de folga bem aproveitados.7 Adventista, defendia a ideia de que a re-
sempre coincidem. No fim, tal situação pro- Pastores adventistas, por exemplo, são creação é necessária aos que se acham
voca um efeito ampulheta, levando o pastor incentivados a usar as manhãs para estu- ocupados em esforços físicos e, mais ain-
a se sentir pressionado de todos os lados.6 dar. Além disso, recebem auxílios que lhes da, àqueles cujo trabalho é especialmente

MAI-JUN • 2017 | 15
mental. Ela dizia que manter a mente em pesquisar sobre a incidência de depres- perante todas as pessoas (Sl 104:3-4;
contínuo e excessivo trabalho, mesmo so- são entre pastores evangélicos, consta- Pv 27:23-24; At 9:15-16).
bre temas religiosos, não agrada a Deus. tou que, em sua amostra de estudo, 26%
Além disso, a autora destacava que é pri- do total de pacientes atendidos eram mi- Referências

vilégio e dever de todo ministro procurar nistros protestantes. Quanto às causas do


1
 hristophe Dejours, Dominique Dessors e François
C
Desriaux. “Por um trabalho, fator de equilíbrio”, Revista
revigorar a mente e fortalecer o corpo por adoecimento deles, alguns relacionaram Administração de Empresas, v. 33, n. 3, p. 98-104.
meio de boas recreações.8 sua doença ao estresse do exercício da vida 2
 hristophe Dejours, A Loucura do Trabalho: Estudo
C
O mosaico de alegrias, consolações pastoral, aos problemas de relacionamento de Psicopatologia do Trabalho (São Paulo, SP:
Cortez, 1992).
e desafios observado neste artigo tam- conjugal, ao pecado e à falta de fé.11
3
Ibid.
bém pode ser encontrado nos alertas do Uma pesquisa feita com pastores ad-
4
Ibid.
apóstolo Paulo aos seus discípulos Tito e ventistas revela certa similaridade com os
5
 ssociação Ministerial da Associação Geral dos
A
Timóteo (Ef 4:10-13; 1Tm 6:11-12; Tt 2:7-8). resultados dos estudos mencionados.12 As
Adventistas do Sétimo Dia, Guia para Ministros
Parece claro que cuidar da igreja de pressões identificadas interferem na vida Adventistas do Sétimo Dia (Tatuí, SP: CPB, 2010),
Deus e lidar constantemente com o pecado emocional do ministro de tal maneira que, p. 27, 28.

das pessoas é um ofício que envolve o sem ajuda psicológica, ele tende a compro-
6
 ssociação Ministerial da Associação Geral dos
A
Adventistas do Sétimo Dia, Guia para Ministros
pastor em circunstâncias muitas vezes meter sua saúde física e psíquica, prejudi- (Tatuí, SP: CPB, 1995), p. 37
estressantes. Assim, o ministério contem- cando, consequentemente, suas funções 7
 ike Murdock, O Ministro Fora do Comum (Rio de
M
porâneo proporciona o alegre intercâmbio ministeriais. Janeiro, RJ: Central Gospel, 2007); Samuel Costa,
Psicologia Pastoral (Rio de Janeiro, RJ: edição do
com outras pessoas, mas também ocasiões Em resumo, os depoimentos dos pas- autor, 2005); J. MacArthur, Ministério Pastoral (Rio
de lutas, decepções e tristezas. tores apontam como elementos de prazer de Janeiro, RJ: CPAD, 2007).
em sua atividade pastoral a valorização e o 8
 llen G. White, Ministério Pastoral (Tatuí, SP: CPB,
E
Acompanhamento reconhecimento da igreja por seu trabalho, 2015).

psicológico a conversão de pessoas, as famílias auxilia-


9
 ernandes Dias Lopes, De Pastor a Pastor (São
H
Paulo, SP: Hagnos, 2010).
Muitos pastores que estão se afundan- das, as manhãs livres para estudo e os con- 10
 rancisco Lotufo Neto, Psiquiatria e Religião: A
F
do nas profundezas do mar do desânimo cílios de família. Por outro lado, o olhar dos Prevalência de Transtornos Mentais entre Ministros
ou saindo do ministério por variadas ra- ministros revela que são comuns as diver- Religiosos (tese de livre-docência). Faculdade de
Medicina da USP, 1996.
zões poderiam ser resgatados ou ter seu sas vivências de sofrimento, como a sen-
11
 érsio Ribeiro Gomes de Deus, “Um Estudo da
P
sofrimento atenuado se pudessem ser sação de despreparo, a impotência diante Depressão em Pastores Protestantes”, Ciências da
ajudados, em seu ministério e em suas re- das demandas complexas do trabalho, a Religião – História e Sociedade, v. 7, n. 1, p. 189-202.
lações de trabalho, por um acompanha- sobrecarga de atividades, o intenso des- 12
 elipe Mancilha Gondim, Fabiano Andrade Lyra e
F
Luiz Carlos Lisboa Gondim, “Vivências de Prazer
mento psicológico adequado. gaste físico e psíquico e, especialmente, a
e Sofrimento no Trabalho de Líderes Religiosos:
Para Hernandes Dias Lopes, há pasto- falta de um acompanhamento psicológico Um Estudo com Pastores da Igreja Adventista do
res emocionalmente doentes no ministério. no desempenho da função.13 Sétimo Dia”, Revista Brasileira de Psicologia, v. 3,
n. 1, p. 173-188
Entre eles, muitos deveriam estar sendo O frequente trabalho com as adversi-
13
Ibid.
pastoreados, mas estão pastoreando. In- dades psicossociais da igreja e da comu-
felizmente, esse é um sofrimento comum a nidade, as exigências morais por todos os
muitos. Além disso, a solidão e a própria na- lados e a dedicação exclusiva ao minis-
Felipe Mancilha Gondim,
tureza do ministério pastoral podem impe- tério proporcionam tremenda carga psí- graduado em Psicologia
dir o pastor de compartilhar seus desafios, quica ao pastor. É preciso entender que (Fadba), trabalha no Hospital
Gentilaza do autor

Adventista Silvestre, Rio de


suas dores e lutas, mesmo com alguém que a religião é um campo complexo de ativi-
Janeiro
tenha bagagem suficiente para ajudá-lo dade para qualquer profissional. Por isso,
como amigo ou conselheiro.9 a denominação, o psicólogo cristão, a fa-
Uma pesquisa feita por Francisco Lo- mília, os amigos e o próprio ministro têm Luiz Carlos Lisboa Gondim,
tufo Neto mostra que há grande índice de importantes papéis nesse processo, pois mestre em Família na
Sociedade Contemporânea
doenças mentais entre pastores protes- os pastores são labaredas de fogo e vasos
Gentilaza do autor

(UCSAL), é professor do
tantes, se comparados à população mun- escolhidos para preservar e levar o nome Seminário de Teologia da
dial.10 Pérsio Ribeiro Gomes de Deus, ao de Cristo, sob quaisquer circunstâncias, Fadba, em Cachoeiro, BA

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16 | MAI-JUN • 2017
CAPA

Criando hábitos saudáveis


Dicas para prevenir-se do esgotamento e desfrutar de saúde e bem-estar

Matthew Kim

O
ministério pastoral pode ser des- períodos de ministério (10 anos ou mais) Hábitos emocionais
gastante até mesmo para os mais o número salta para 50%.”3 Christine Uma vez que a vocação pastoral exige
talentosos e ativos líderes da igre- Maslach define burnout como “estado de ampla interação humana e a capacidade
ja. Os pastores estão insatisfeitos com o
1
exaustão física, emocional e mental marca- de avaliar as emoções dos outros, os minis-
ministério por uma ampla gama de razões. do pelo esgotamento físico, fadiga crônica, tros precisam de um rígido controle sobre
Talvez nós mesmos estejamos lutando sentimentos de desamparo e desesperan- sua própria condição emocional. Médicos
com as dificuldades do pastorado. Como ça, e pelo desenvolvimento do autocon- e conselheiros de saúde mental são co-
Derek Tidball observa, “ainda que muitos ceito negativo e de atitudes negativas mumente instruídos a manter distância
verdadeiramente considerem o ministério em relação ao trabalho, à vida e a outras emocional do sofrimento humano: “Não é
satisfatório, é preciso encarar a verdade de pessoas”.4 saudável estar em uma montanha-russa
que muitos não têm essa percepção”.2 Em- Em suas formas variadas, burnout pode emocional todos os dias com seus pacien-
bora pastores estejam saindo do ministério ser classificado como uma condição grave, tes e clientes.” Esse conselho não é neces-
por causa de várias angústias, um dos prin- mas pode ser evitado se tomarmos as de- sariamente a melhor maneira de lidar com
cipais fatores por trás desse afastamento é vidas precauções. A receita para ser vítima o estresse emocional no ministério. Con-
o desequilíbrio na vida deles. Simplifican- de esgotamento é muito simples. Como trolar as emoções ao ouvir o sofrimento
do, eles estão se esgotando rapidamente. pastores, somos excessivamente zelosos, e a dor das ovelhas do rebanho continua
Tendo servido como pastor distrital, digo sobrecarregados e ansiosos demais para sendo quase impossível para os pastores.
por experiência que somos responsáveis agradar as massas. Esquecemo-nos de Empurrar emoções desagradáveis para de-
pelo nosso bem-estar. Criar hábitos sau- dedicar tempo para férias e reflexão. Igno- baixo do tapete também não ajudará. Deve
dáveis ajudará a nos proteger do burnout ramos os pedidos de pausa de nosso cor- haver um modo melhor de lidar com isso.
e nos capacitará a servir a Deus por longo po. Frequentemente, nossas congregações Um recurso para monitorar as emoções
prazo no ministério da igreja. tomam nossa renúncia ao descanso como pode ser escrever os sentimentos em um
norma. O resultado? O burnout poderá diário. Em minha graduação no seminário,
Burnout pastoral ocorrer a qualquer momento. Para evitá-lo, recebi de minha esposa uma agenda nova
As taxas de burnout entre pastores es- nós, como pastores, devemos ser proati- em capa de couro. Fiquei grato pelo gesto,
tão aumentando. Roy Oswald, em seu li- vos na busca de uma vida plena. mas, na época, não havia pensado em usar
vro Clergy Self-Care: Finding a Balance Este artigo procura oferecer sugestões aquele presente para registrar meus sen-
For Effective Ministry, relata: “Aproxi- de como podemos criar hábitos saudáveis timentos. Com o tempo, escrever em meu
madamente 20% dos ministros com e promover o equilíbrio para nos prote- diário se tornou água curativa para minha
quem trabalhei em seminários alcan- ger do burnout pastoral. Vamos abordar alma, especialmente durante períodos di-
çaram uma pontuação extremamen- quatro hábitos cruciais relativos ao es- fíceis da vida. Nesse diário, revelei minhas
te alta no Levantamento de Burnout gotamento: emocional, físico, relacional e lutas a Deus e também O louvei por Sua fi-
Pastoral. Entre os ministros com longos espiritual. delidade e misericórdia.

MAI-JUN • 2017 | 17
Nos salmos, temos uma visão da verda- pode não ser a opção mais saudável, mas nos exercitar com regularidade nem que
deira pessoa de Davi, que expressava to- não temos uma alternativa melhor. Pode- praticaremos algum exercício.
das as suas emoções. Quando o salmista mos ter em nosso prato alimentos fritos, As estatísticas continuam a indicar
escrevia seus sentimentos e os lia, sua alma bebidas com alta concentração de açúcar, como o exercício beneficia a qualidade da
era restaurada e ele reconhecia muitos de batatas fritas, bolos e tortas. nossa vida em geral. David Biebel e Harold
seus problemas emocionais. Esses salmos No entanto, em muitas ocasiões, temos Koenig afirmam: “A atividade física regu-
serviram como orações de confissão, triun- uma escolha. Quando estou em um restau- lar reduz o risco de doença arterial corona-
fo, desespero e clamor. Dê a si mesmo a rante, tento selecionar alimentos mais sau- riana, acidente vascular cerebral e câncer
oportunidade de sentir cada emoção e dáveis e evitar a sobremesa. A dieta é um de cólon. A atividade física regular reduz o
entregá-la a Deus para restauração e cura. aspecto bastante negligenciado da vida risco de desenvolver diabetes tipo 2 ou hi-
Em segundo lugar, o riso tem uma po- pastoral. Contudo, nossos hábitos alimen- pertensão arterial. [...] A atividade física re-
sição central como hábito emocional va- tares podem impactar positiva ou negati- gular pode ajudar a reduzir o estresse e os
lioso, que recomendo a qualquer ministro. vamente nosso nível de energia, humor, sentimentos de depressão e ansiedade. A
Há uma razão pela qual as pessoas gostam autoimagem e bem-estar geral. atividade física regular pode ajudar a ali-
de assistir a comédias ou programas de te- O que escolhemos como alimento é viar ou prevenir a dor nas costas.”5 A lista
levisão, ou passam horas observando um muito importante. Em primeiro lugar, por- poderia ser muito extensa. Não se sinta
espetáculo humorístico. Elas gostam de que precisamos cuidar bem do corpo que culpado diante dos membros de sua igre-
se divertir e desfrutar de uma boa risada. Deus nos deu. Portanto, devemos ter uma ja porque frequenta a academia. Arranje
Precisamos aprender a rir de nós mesmos, dieta equilibrada. Você se lembra do que tempo para exercícios regulares. Isso tra-
dos nossos fracassos e das circunstâncias aprendeu na escola primária? Os profes- rá felicidade a você e beneficiará sua igre-
de nossa vida, e a não levar a nós mesmos sores nos ensinavam a comer os quatro ja também.
e a tudo com tanta seriedade. grupos básicos de alimentos: produtos de- Descanse. Ser pastor não é um trabalho
As emoções são dadas por Deus. Po- rivados do leite, proteínas, frutas, vege- realizado em horário comercial fixo, mas
demos aprender a controlá-las, bem como tais e grãos. Uma dieta balanceada nos dá um chamado que não tem escala definida.
a rir quando o momento requer isso. Ao a energia de que precisamos para realizar Quando nossas ovelhas precisam de nós,
equilibrar nossos sentimentos, não ape- a obra do Senhor. devemos estar presentes. Muitos pasto-
nas nos tornamos confortáveis com nos- Em segundo lugar, estamos dando res são pressionados pelo tempo. Depois
sa postura, mas também nos aproximamos exemplo aos membros da igreja e a nossos de cuidar dos nossos fiéis, há tempo para
do nosso Criador, à medida que experi- familiares. Um dos elementos que consti- o descanso pessoal e relaxamento?
mentamos todos os tipos de emoções que tuem o fruto do Espírito é o domínio pró- Apesar de tudo o que você tem para
Ele planejou para nós. prio, que envolve o aprendizado da arte de fazer a cada semana, tire um dia de folga!
cuidar de si mesmo. Não é difícil engordar. Saia, explore as belezas naturais e conheça
Hábitos físicos Uma grande quantidade de calorias pode pontos turísticos. Brinque com seus filhos
Deus nos deu o corpo e espera que ser consumida em um instante. Mostre- em um parque. Saia para nadar, ou leve seu
cuidemos dele. Em 1 Coríntios 3:16, 17, o mos aos membros da igreja que podemos cônjuge para uma caminhada romântica na
apóstolo Paulo diz: “Não sabeis que sois exercer bom senso em nossa dieta. praia. Tire uma soneca sempre que possí-
santuário de Deus e que o Espírito de Deus Exercite-se regularmente. Além de uma vel. Leia o jornal enquanto desfruta de um
habita em vós? Se alguém destruir o san- alimentação saudável, nosso corpo preci- copo de suco natural. Leve seus filhos para
tuário de Deus, Deus o destruirá; porque sa de exercícios físicos regulares. Muitas brincar com os amigos. Tire sua mente do
o santuário de Deus, que sois vós, é sagra- vezes os pastores são impelidos a um es- trabalho e permita que seu corpo relaxe
do.” Como vemos claramente, o Senhor se tilo de vida sedentário. Com exceção do enquanto se dedica a seu hobby favorito.
importa profundamente com Sua criação, tempo em que estamos em pé para pre- Quando não descansamos o suficien-
por isso, devemos cuidar de nós mesmos. gar, frequentemente estamos sentados, te, nosso corpo nos alerta de que algo não
Aqui estão três passos simples: seja no carro, na biblioteca ou na casa dos está bem. Agimos com irritação e indelica-
Tenha uma alimentação adequada. As membros da igreja. Visto que temos fle- deza com os outros. Não gostamos do que
pessoas esperam que os pastores comam xibilidade para determinar nossa agenda estamos fazendo. Em suma, o tempo em
tudo o que for servido na casa delas. Não diária, tente encaixar o exercício físico no que estamos acordados passa a ser de-
é elegante ser “exigente”. É aí que começa calendário semanal. Apenas matricular-se pressivo. Portanto, precisamos cuidar da
o problema. Às vezes, o que nos oferecem em uma academia não garante que vamos nossa saúde física.

18 | MAI-JUN • 2017
Hábitos relacionais dialogar além dos números. Isso pode exi- É possível estabelecer uma relação di-
Existem noções variadas sobre as ami- gir sua própria iniciativa, mas você vai achar reta entre nossa saúde espiritual e nosso
zades que os pastores podem nutrir. Um que vale a pena o esforço. Amizades en- grau de satisfação na vida. “Os pastores
grupo menor incentiva os ministros a bus- tre pastores são possíveis, mas precisamos que se sentem satisfeitos com sua vida de
car amizades com os membros da igreja. amenizar nossas inseguranças e colocar va- oração e devoção tendem a se sentir igual-
Por outro lado, uma considerável quan- lor em coisas que realmente importam. mente satisfeitos com sua vida conjugal e
tidade de líderes mais experientes insis- Preste contas a alguém. Billy Graham familiar, seu ministério, com o apoio da con-
te em dizer que os pastores não devem fazia questão disso para se proteger de gregação e com o respeito demonstrado
de nenhuma forma procurar ser amigos situações comprometedoras e do com- a eles pelos líderes da igreja local e da or-
próximos de suas ovelhas. Se os pasto- portamento licencioso. Prestar contas a ganização.”8 Quando não me importo com
res não podem buscar amizades dentro alguém é fundamental no ministério pas- minha saúde espiritual, fico mais facilmen-
dos limites de suas congregações, para toral. Precisamos de pessoas que nos apre- te desencorajado e cada vez menos otimis-
onde eles devem se voltar em busca sentem perguntas difíceis e façam tudo o ta em relação ao que Deus pode realizar. Os
de apoio? Todos, inclusive os pastores, pre- que é humanamente possível para nos im- pastores crescem com base no tempo sig-
cisam de um confidente! pedir de cair no pecado. Provérbios 18:24 nificativo dedicado ao Senhor. Estejam em
Faça um amigo no ministério. Como destaca que “o homem que tem muitos um contínuo relacionamento com o Deus
Gary Kinnaman e Alfred Ells testemu- amigos sai perdendo, mas há amigo mais verdadeiro e vivo. Não negligencie sua alma
nham, “a maioria das pessoas no ministé- chegado do que um irmão.” Esse tipo de nem seu corpo por causa das ocupações e
rio pastoral não tem amizades íntimas e, amizade é muito raro, mas, possível. Para atividades do ministério.
consequentemente, são assustadoramen- superar as tentações da vida e do minis-
Referências
te solitárias e perigosamente vulneráveis”.6 tério, precisamos de um amigo íntimo, um
1
 ma versão mais longa deste artigo foi publicada em
U
Por isso, parece natural que os relaciona- companheiro para o qual tenhamos que
Matthew D. Kim, 7 Lessons for New Pastors: Your
mentos sejam explorados por meio da prestar contas. Devemos encontrar al- First Year in Ministry (St. Louis, MO: Chalice Press,
amizade com outros pastores. guém em quem possamos confiar e com 2012), p. 59-76. Usado com permissão.

Contudo, construir amizade com um quem possamos abrir o coração. Pode- 2


 erek Tidball, Skillful Shepherds: An Introduction to
D
Pastoral Theology (Grand Rapids, MI: Zondervan,
colega infelizmente pode parecer difícil. mos desafiar um ao outro para ter uma 1986), p. 315.
Os pastores lutam com todos os tipos de vida santa. Esse tipo de amizade se desen- 3
Roy M. Oswald, Clergy Self-Care: Finding a Balance
insegurança quando se comparam com os volve com muito tempo e sacrifício, mas é for Effective Ministry (Nova York: The Alban
Institute, 1991), p. 3.
outros. Lembro-me de que, durante meu fundamental para nossa vida.
4
 hristine Maslach, “Burned-Out”, em Human
C
primeiro ano de ministério, recebi um con-
Behavior (1978): p. 17-20.
vite para um jantar de pastores. O clima Hábitos espirituais 5
David B. Biebel e Harold G. Koenig, Simple Health:
do lugar era abafado e estranho. Pergun- Exercitar as disciplinas espirituais nun- Easy and Inexpensive Things You Can Do to Improve
tas sobre números foram lançadas livre- ca foi meu forte. Talvez você se identifique Your Health (Lake Mary, FL: Siloam, 2005), p. 47.

mente, como “Quantos casais você tem com essa confissão. Durante o período 6
Gary D. Kinnaman e Alfred H. Ells, Leaders that Last:
How Covenant Friendships Can Help Pastors Thrive
em sua igreja?”, ou “Qual porcentagem de de estudos no seminário, a desculpa em (Grand Rapids, MI: Baker, 2003), p. 10.
sua oferta é destinada ao evangelismo?” que eu mais confiava eram as famosas 7
 ngie Best-Boss, Surviving Your First Year as Pastor:
A
Parecia que a agenda da noite era o jul- palavras de um seminarista: “Quando eu What Seminary Couldn’t Teach You (Valley Forge,
PA: Judson, 1999), p. 77.
gamento dos “competidores” presentes me tornar pastor, serei mais determina-
8
 illiam E. Hulme, Milo L. Brekke e William C.
W
no evento. do quanto à nutrição de minha vida espi-
Behrens, Pastors in Ministry: Guidelines for Seven
O que devemos admitir, especialmen- ritual. Não tenho tempo agora, mas terei Critical Issues (Mineápolis, MN: Augsburg, 1985),
te como pastores, é que Deus abençoa tempo no futuro.” Depois que me tornei p. 45.

cada pessoa de maneira diferente. Deve- pastor, a situação não melhorou muito.
mos superar a mesquinhez e parar com o A sequidão espiritual não é única entre os Matthew Kim, doutor
territorialismo que dificulta nossa eficiên- pastores. Angie Best-Boss diz: “O cultivo em Teologia (University
of Edinburgh), é professor
cia. Trabalhamos para o mesmo Empre- do crescimento espiritual pessoal talvez
Gentilaza do autor

no Seminário Teológico
gador, cujo nome é Deus. Como uma joia seja uma das áreas mais negligenciadas Gordon-Conwell, Estados
rara, existem pastores com quem podemos da vida dos pastores.” 7 Unidos.

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MAI-JUN • 2017 | 19
EXEGESE

Provação
no deserto

Um estudo de Números 21:4 a 9


em relação ao caráter do Deus da Torá

Pablo Rotman Garrido

P
ara amar alguém, devo primeiro O relato de Números 21:4 a 9 é um dos que pedaços a serpente de bronze que Moisés
conhecê-lo. Para amar a Deus, essa nos deixam perplexos em relação ao cará- fizera, porque até àquele dia os filhos de Is-
mesma atitude é necessária. Pri- ter divino. O objetivo deste artigo é ana- rael lhe queimavam incenso e lhe chama-
meiro devo conhecê-Lo. Quanto mais con- lisar alguns aspectos importantes desse vam Neustã.”1
hecermos a Deus, mais O amaremos. Não é episódio, a fim de compreender melhor o Esse é o único lugar na Bíblia Hebrai-
natural do homem amar o Senhor. Entre- caráter de Deus em sua relação com Seu ca em que se menciona especificamente
tanto, Seus atos amorosos alcançam nos- povo, Israel. uma serpente de bronze feita por Moi-
so coração. Nenhuma outra narrativa do Pentateu- sés. Esse relato nos mostra a atitude do
Às vezes, porém, o Deus apresentado co fala desse episódio. Adiante, um texto rei Ezequias ao destruir todos os objetos
no Antigo Testamento comete ações que que trata sutilmente do assunto é 2 Reis de adoração que não estavam em confor-
nos desconcertam, e que, à primeira vista, 18:4: “Removeu os altos, quebrou as colu- midade com o verdadeiro culto do Tem-
mostram-nos um Senhor cruel, sem amor. nas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em plo de Jerusalém.

20 | MAI-JUN • 2017
conduziu por aquele grande e terrível de- “Depois, foram Moisés e Arão e disse-
serto de serpentes abrasadoras, de escor- ram a Faraó: ‘Assim diz o Senhor, Deus de
piões e de secura, em que não havia água; Israel: Deixa ir o meu povo, para que me ce-
e te fez sair água da pederneira.” lebre uma festa no deserto’” (Êx 5:1).
O Senhor recorda aos filhos de Israel “Tendo Faraó deixado ir o povo, Deus
que, na fartura da Terra Prometida, nun- não o levou pelo caminho da terra dos fi-
ca se esqueçam de que foi Ele quem os fez listeus, posto que mais perto, pois disse:
caminhar e os protegeu no grande e ter- ‘Para que, porventura, o povo não se ar-
rível deserto, repleto de serpentes abra- rependa, vendo a guerra, e torne ao Egi-
sadoras e escorpiões. Deus guia Seu povo to’” (Êx 13:17).
apesar de toda hostilidade do ambiente.2 “Quando um de teus irmãos, hebreu ou
hebreia, te for vendido, seis anos servir-
Análise do texto te-á, mas, no sétimo, o despedirás forro”
No texto de Números 21:4 a 9, a críti- (Dt 15:12).
ca de Israel tem três partes: (1) A angústia “Deixarás ir, livremente, a mãe e os fi-
do povo está frequentemente associada a lhotes tomarás para ti, para que te vá bem,
“morrer no deserto”. Deserto é sinônimo de e prolongues os teus dias” (Dt 22:7).
morte.3 (2) No momento, eles não têm “pão “Vai ter com Faraó, rei do Egito, e fala-
nem água”. Essa é a primeira vez em que os lhe que deixe sair de sua terra os filhos de
dois elementos aparecem juntos em uma Israel” (Êx 6:11).
queixa dos israelitas. (3) O povo estava en- O itálico nos textos destaca a tradução
fastiado com o maná, chamado por eles de da forma Piel de š laḥ com o sentido de dei-
“pão vil”: “hapax (única vez que a expressão xar livre, deixar em liberdade.
aparece na Bíblia Hebraica (cf. Nm 11:6-9))”.4 Por outro lado, š laḥ, na forma Qal, tem
A crítica do povo desperta a reação di- o sentido de “enviar, enviar em missão”.
vina apresentada no versículo 6. Esse tex- O texto de Gênesis 32:4 ilustra isso: “En-
to é central em nossa discussão acerca do tão, Jacó enviou mensageiros adiante de
caráter de Deus: “Então, o Senhor mandou si a Esaú, seu irmão, à terra de Seir, terri-
[wayš laḥ] entre o povo serpentes abrasa- tório de Edom.”8
doras, que mordiam o povo; e morreram Assim, a tradução o Senhor mandou
muitos do povo de Israel.” não transmite o significado profundo da
As versões mais usadas em português ação de Yahweh. Lembremo-nos de Deu-
traduzem wayš laḥ como “mandou”.5 teronômio 8:15, que nos diz que o deserto
A Nova Versão Internacional diz: “Então estava infestado de serpentes abrasado-
Enriquebs / Fotolia

o Senhor enviou serpentes venenosas ras e escorpiões. Era a providência de Deus


que morderam o povo, e muitos morre- que preservava o povo do ataque de ani-
ram” (Nm 21:6). mais perigosos.
O versículo de 2 Reis confirma que o Uma primeira leitura desse versículo nas “Os filhos de Israel não queriam mais
texto da serpente de bronze de Moisés é versões mencionadas nos dão a impressão a intervenção sobrenatural de Deus. Não
muito antigo e, ao mesmo tempo, mos- de que Deus é um ser cruel, sem misericór- queriam mais o maná (pão vil) que Deus
tra o perigo que o povo corria de chegar a dia. O povo se queixou e o Senhor imedia- lhes dava. Eles desejavam uma existência
adorar um objeto, esquecendo-se do ver- tamente o puniu, enviando-lhe serpentes mais natural, mais normal. Então Deus, res-
dadeiro Deus de Israel. venenosas que picavam fatalmente.6 peitando o desejo do povo, deixou que as
Um texto-chave que nos ajuda a enten- É interessante que o verbo š laḥ apare- coisas seguissem seu curso normal. Deus
der o relato que estamos estudando está ce nesse versículo na forma verbal hebraica permitiu que as serpentes se movessem de
em Deuteronômio 8:14, 15: “[para não su- Piel. Nechama Leibowitz destaca que essa forma natural, no grande e temível deser-
ceder que] se eleve o teu coração, e te es- forma Piel tem o sentido de “deixar livre, to (tirou a cerca de proteção).”9
queças do Senhor, teu Deus, que te tirou da deixar em liberdade”. Ela foi utilizada nos Ao Deus permitir que as serpentes cir-
terra do Egito, da casa da servidão, que te seguintes textos:7 culassem livremente, elas começaram a

MAI-JUN • 2017 | 21
picar o povo. Como consequência, muitos seria “viver”. Quem seguiu exatamente as Quando o povo, de acordo com seu li-
israelitas morreram envenenados. ordens divinas recebeu cura (Êx 15:26). vre arbítrio, não mais quis depender do
No versículo 7 aparecem duas ações 7) A história de Números 21 é uma lem- Senhor, Ele deixou que as coisas seguis-
importantes: (1) O povo reconheceu: “ha- brança dos atos de amor de Deus para sem seu curso normal, retirando Sua pro-
vemos pecado”; e, (2) Moisés intercedeu com Seu povo durante toda a jornada no teção. Ele permitiu que as serpentes se
depois da confissão do povo. No versículo deserto. movessem livremente, no grande e terrí-
8, a ordem divina descrita é muito impac- vel deserto. Deus pediu a Moisés que le-
tante e inesperada: (1) Faça uma serpente Conclusão vantasse uma serpente de bronze, a fim
ardente; (2) ponha-a sobre uma haste; e Todas as partes principais do relato de de salvar aqueles que haviam sido pica-
(3) todo aquele que for picado e olhar para Números 21:4 a 9 nos mostram um Deus dos. Ele também enviou Seu Filho Jesus
a serpente viverá. que deseja cuidar de Seu povo e salvá-lo Cristo, permitindo que fosse levantado na
Algumas observações em relação ao ca- em sua viagem à Terra Prometida. Seu cruz e desse Sua vida pela humanidade
ráter de Deus podem ser deduzidas des- amor implica respeito pelas decisões de Is- que está perdida.
se episódio. rael. Por isso, Ele permitiu que as serpentes Olhando a cruz, para o Cristo crucifica-
1) No começo do relato (v. 4, 5), o povo que havia mantido fora do acampamen- do, teremos não somente vida para con-
falou, desempenhando um papel ativo, e to durante toda a jornada ficassem livres. tinuar nossa viagem até a Canaã celestial,
isso o conduziu à morte. Moisés agiu so- A tradução habitual de Números 21:6, mas também vida eterna junto ao nosso
mente no versículo 7 (v. 7b, 9), e conduziu “então, o Senhor mandou entre o povo querido Salvador. “E do modo por que Moi-
Israel à vida. O Deus do Pentateuco é um serpentes abrasadoras”, pode induzir ao sés levantou a serpente no deserto, assim
Deus de ação. conceito equivocado de que o Deus reve- importa que o Filho do homem seja levan-
2) Há um contraste acentuado entre a lado no Antigo Testamento é cruel e sem tado, para que todo o que nele crê tenha a
principal reclamação do povo, “para que nenhuma misericórdia. Contudo, a tradu- vida eterna” (Jo 3:14, 15).
morramos neste deserto” (v. 5), e a pro- ção que respeita a forma Piel do verbo
Referências
messa de vida apresentada por Deus, š laḥ, com o sentido de “deixar livres”, e
1
Cf. H. H. Rowley, “Zadok and Nehushtan”, em Journal
“todo mordido que a mirar viverá” (v. 8). o contexto geográfico e histórico real-
of Biblical Literature 58 (1939), p. 113ss; K. R. Joines,
3) A narrativa de Números 21:4 a 9 é çado pelo texto de Deuteronômio 8:15, “The Bronze Serpent in the Israelite Cult”, em Journal
uma das mais importantes entre os re- permitem-nos visualizar um Deus de of Biblical Literature 87 (1968), p. 245-256.

latos de murmuração. É o último acon- amor, preocupado em cuidar de Seu povo 2


 ammōlî ă ā (Dt 8:15) Hifil particípio. O sentido
H
atemporal do particípio indica que Yahweh agora
tecimento antes da entrada do povo na e de protegê-lo de todos os perigos pos- também está fazendo-os marchar até a Terra
Transjordânia. Ele estava pedindo pão e síveis em sua viagem à Terra Prometida. Prometida. P. Jouon, Grammaire de L’hebreu Biblique
(Roma, 1982), p. 333, 121ª
água, que é a base da subsistência. Nes- Por meio da intercessão de Moisés, o Se-
3
Cf. Nm 16:13; 20:4, 5; Êx 14:11, 12; 16:3.
se sentido, estava duvidando da capa- nhor pôde mostrar a Seu povo Sua gra-
4
Hapax “pão vil” [balleḥem haqqəlōqêl]; Koelher-
cidade de Deus para sua salvação. Esse ça e Seu amor.
Baumgartner Lexicon, p. 841 aproxima esse
incidente permitiu que o Senhor mos- Um dos textos mais conhecidos do hapax com o árabe Qulqulan, que significa “uma
trasse dois de Seus atributos mais im- Novo Testamento é João 3:16: “Deus amou leguminosa”.

portantes: Sua justiça e misericórdia ao mundo de tal maneira que deu o Seu
5
ARA, ARC, NVI, NTLH.

(Êx 34:6, 7). Filho unigênito, para que todo o que nele 6
Serpentes, cf. Is 6:2, 6; 14:29; 30:6; Dt 8:15.

4) Independentemente de qual fosse crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” 7
Nechama Leibowitz, Studies in Bamidbar (Numbers),
traduzido e adaptado do hebraico por Aryeh
a origem da serpente de bronze, não era Nesse contexto, a referência histórica Newman (Jerusalém: The World Zionist Organisation,
ela que salvava, mas Deus, que estava por que ilustra o grande amor de Deus ao le- 1980), p. 262, 263.
detrás dessa representação. vantar o Messias para que, mediante Sua 8
Cf. Êx 24:5; Nm 13:3; 13:17; 20:14.
5) Esse importante relato de murmu- crucifixão, pudesse salvar a humanidade, 9
Nechama Leibowitz, Ibid.
ração enfatiza dois aspectos fundamen- é precisamente o relato da serpente de
tais. Por um lado, a contínua desobediência bronze no deserto.
do povo no deserto; por outro, o contínuo O Deus do Pentateuco amou profunda- Pablo Rotman Garrido,
perdão e misericórdia de Deus. mente Seu povo. O deserto estava infesta- doutor em Ciências
Religiosas (Université de
6) A promessa de cura era condicional, do de serpentes abrasadoras e escorpiões.
Gentilaza do autor

Strasbourg), é professor no
uma prova de fé para o povo. Israel devia Era a providência divina que preservava Seminário de Teologia da
obedecer a ordem: “mirar” e o resultado Israel do ataque dos animais perigosos. Fadba, Cachoeiro, BA

22 | MAI-JUN • 2017
TEOLOGIA

Deus
em questão

As perguntas teológicas
e sua importância para
o crescimento espiritual

John C. Peckham

T
anto quanto me lembro, sempre tive resposta.” Às vezes encontrava respostas profundo sobre Deus. “Não importa o que
muitas perguntas. Em minha infân- que considerava satisfatórias. Com o tem- sabemos”, dizem alguns. As tendências
cia, mais de uma vez não consegui po, porém, aprendi que mesmo essas res- da cultura nos últimos tempos parecem
dormir à noite, em virtude das várias ques- postas levavam a mais perguntas. apoiar isso. Como Martin Luther King de-
tões que surgiam em minha mente, parti- Continuo fazendo uma série de pergun- clarou: “Raramente encontramos homens
cularmente sobre Deus, Seu amor e Sua tas atualmente. De fato, essa tem sido uma que voluntariamente se engajam em pen-
justiça. Lembro-me de lutar com a pergun- das chaves que tenho utilizado para co- samento profundo. Há uma busca quase
ta, “Por que um Deus amoroso finalmen- nhecer a Deus profundamente. No en- universal por respostas fáceis e soluções
te destruiria os pecadores?” Eu imaginava tanto, talvez você tenha ouvido alguém precipitadas. Nada dói mais a algumas pes-
que a resposta estaria em algum dos livros dizer que devemos ter cuidado para não soas do que ter de pensar.”1
de meu pai. fazer muitas perguntas, principalmente É importante buscar conhecimen-
Então eu orava e buscava uma solução. teológicas. to sobre Deus? É claro que devemos dis-
À medida que a noite avançava, eu con- Em vários círculos, é comum minimi- tinguir entre o verdadeiro conhecimento
Cmlndm / Fotolia

tinuava pensando: “Se eu apenas buscar zar a importância de se fazer questiona- e o “que é falsamente chamado conhe-
um pouco mais, certamente encontrarei a mentos e buscar um conhecimento mais cimento” (1Tm 6:20, NVI). O verdadeiro

MAI-JUN • 2017 | 23
conhecimento é frequentemente elogia- ainda assim e não pouparás o lugar por Moisés em virtude do aumento da carga
do em toda a Bíblia. Por exemplo, “o te- amor dos cinquenta justos que nela se de trabalho imposto sobre eles pelo Fa-
mor do Senhor é o princípio do saber, mas encontram? Longe de Ti o fazeres tal coi- raó após o pedido por libertação, o profe-
os loucos desprezam a sabedoria e o en- sa, matares o justo com o ímpio, como se ta perguntou: “‘Ó Senhor, por que afligiste
sino” (Pv 1:7, cf. Pv 10:14, 12:1, 14:18, 19:2). o justo fosse igual ao ímpio; longe de Ti. este povo? Por que me enviaste? Pois, des-
Em Oseias 4:6, Deus proclamou enfa- Não fará justiça o Juiz de toda a Terra?’” de que me apresentei a Faraó, para falar-
ticamente: “O Meu povo está sendo des- (Gn 18:24, 25). lhe em Teu nome, ele tem maltratado este
truído, porque lhe falta o conhecimento. Deus respondeu: “‘Se Eu achar em So- povo; e Tu, de nenhuma sorte, livraste o
Porque tu, sacerdote, rejeitaste o conhe- doma cinquenta justos dentro da cidade, Teu povo’” (Êx 5:22, 23; cf. 32 – 34; Nm 21).
cimento, também Eu te rejeitarei, para que pouparei a cidade toda por amor deles.’ Deus respondeu a Moisés? Sim, com mila-
não sejas sacerdote diante de mim; visto Disse mais Abraão: ‘Eis que me atrevo a gres maravilhosos e libertação, culminan-
que te esqueceste da lei do teu Deus, tam- falar ao Senhor, eu que sou pó e cinza’” do com o próprio Êxodo.
bém Eu me esquecerei de teus filhos.” De modo semelhante, Gideão per-
Jesus disse que o primeiro grande guntou a Deus sobre a severa opres-
mandamento é amar o Senhor nosso são dos midianitas: “‘Ai, Senhor meu!
Deus com todo nosso coração, alma, Se o Senhor é conosco, por que nos
força e mente (Lc 10:27). Paulo, por sobreveio tudo isto? E que é feito de
Se você acha que sabe
sua vez, enfatizou a batalha da men- todas as suas maravilhas que nossos
te: “Porque as armas da nossa milí- o suficiente, é muito pais nos contaram, dizendo: Não nos
cia não são carnais, e sim poderosas fez o Senhor subir do Egito? Porém,
em Deus, para destruir fortalezas,
improvável que aprenda agora, o Senhor nos desamparou e
anulando nós sofismas e toda alti- algo. Se não está disposto nos entregou nas mãos dos midiani-
vez que se levante contra o conheci- tas’” (Jz 6:13). Novamente, Deus ine-
mento de Deus, e levando cativo todo a fazer perguntas e quivocamente respondeu a Gideão,
pensamento à obediência de Cristo” trazendo libertação ao Seu povo.
buscar respostas, como
(2Co 10:4, 5; Fp 1:8-11). O Salmo 88:14 expressa de for-
chegará ao conhecimento ma angustiante os pensamentos de
Perguntas e respostas muitos que estão passando por pro-
O conhecimento de Deus a que de Deus? vações: “Por que rejeitas, Senhor, a
Paulo se referiu requer aprofun- minha alma e ocultas de mim o ros-
damento na revelação divina, par- to?” (cf. Is 63:15). Perguntas como
ticularmente em Sua Palavra. Isso essa, que exigem uma resposta di-
demanda muita humildade e dispo- vina para a agonia pessoal e o sofri-
sição para ser ensinado. Se você acha mento, são comuns em toda a Bíblia.
que sabe o suficiente, é muito improvável (Gn 18:26, 27). Observe que Abraão faz per- Considere o caso de Jó ou leia o livro de
que aprenda algo. Se não está disposto a guntas difíceis e contundentes. Entretan- Lamentações. A lição que devemos apren-
fazer perguntas e buscar respostas, como to, de modo muito humilde e reverente. der é: fazer perguntas a Deus, mesmo que
chegará ao conhecimento de Deus? O patriarca não parou com sua primei- difíceis, é aceitável, se elas forem apresen-
Embora muitos tenham medo de ques- ra pergunta. Ele a repetiu outras vezes: tadas humildemente, no espírito correto.
tionar Deus, é impressionante ver nas Es- E se houver apenas 45, apenas 40, apenas No entanto, esteja preparado para receber
crituras quantas vezes Ele dá atenção às 30, apenas 20, e finalmente: “‘Não se ire o a resposta divina, que pode não ser o que
perguntas. Gênesis 18 registra uma con- Senhor, se lhe falo somente mais esta vez: você espera ou busca. Veja, por exemplo, a
versa que Abraão teve com o Senhor. Se, porventura, houver ali dez?’ Respon- experiência de Habacuque. No Novo Tes-
A pergunta do patriarca se refere às cida- deu o Senhor: ‘Não a destruirei por amor tamento, João Batista, aprisionado e pro-
des extremamente perversas de Sodoma dos dez’” (Gn 18:32). fundamente desanimado, pediu que seus
e Gomorra: “‘Destruirás o justo com o ím- Moisés também questionou Deus re- discípulos perguntassem a Jesus: “‘És Tu
pio?’” (Gn 18:23). Deus respondeu: “‘Não!’” petidamente com perguntas difíceis. Para aquele que estava para vir ou havemos de
Abraão não desistiu: “‘Se houver, porven- tomar apenas um entre muitos exemplos: esperar outro?’” (Mt 11:3). O próprio Cristo,
tura, cinquenta justos na cidade, destruirás quando os israelitas murmuraram contra pendurado na cruz, faz a pergunta mais

24 | MAI-JUN • 2017
surpreendente: “‘Deus Meu, Deus Meu, por tantas perguntas assim!” No entanto, nes- Nicodemos em João 3 e da mulher junto ao
que Me desamparaste?’” (Mc 15:34). ta era de crescente apatia bíblica, teológi- poço em João 4).
De fato, essas questões são muito difí- ca e espiritual, deveríamos ficar animados Na busca por respostas, devemos nos
ceis. Entretanto, Jesus nos encoraja a pedir, quando as pessoas (especialmente os jo- lembrar de quão pouco sabemos; na ver-
sempre com fé: “‘Peçam, e lhes será dado; vens) perguntam “por que?”, em vez de dade, de que nem sabemos o quanto não
busquem e encontrarão; batam, e a por- ignorá-las porque suas perguntas nos dei- sabemos. Às vezes, encontramos o que
ta lhes será aberta’” (Mt 7:7, NVI). Assim, xam desconfortáveis. consideramos ser respostas satisfatórias
os bereanos foram elogiados e chamados Muitos reagem negativamente às per- às nossas perguntas; entretanto, cada
de “nobres” porque “receberam a palavra guntas porque percebem tais questões “resposta” pode levar a mais perguntas.
com toda a avidez, examinando as Escri- como uma ameaça. Creio, porém, que De fato, cada resposta pode ser apenas
turas todos os dias para ver se as coisas quanto mais conhecermos a Deus, mais O algo parcial, mais uma peça do grande
eram, de fato, assim” (At 17:11, ver 1Ts 5:21). amaremos e menos ameaçados nos senti- quebra-cabeça que ainda estamos ten-
remos por perguntas honestas. A verdade tando reunir, embora não possamos es-
A teologia é relacional não perde nada frente a uma investigação perar completá-lo.
Contudo, parece que ouvimos cada vez minuciosa. Uma coisa, porém, que devemos fazer é
mais as seguintes expressões: “Eu não Assim como fez Jacó (Gn 32), lutar com responder regularmente ao convite de Tia-
quero teologia, eu só quero Jesus” (como Deus é aceitável, enquanto o ser humano go 1:5 (NVI): “Se algum de vocês tem falta
se fosse possível receber um sem o ou- se recusar a abandoná-Lo. Algumas pes- de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos
tro). “Não me dê religião, dê-me um rela- soas tentam afastar Deus de seus questio- dá livremente, de boa vontade; e lhe será
cionamento.” Como professor de Teologia namentos. Todavia, enquanto estivermos concedida.” Fazer perguntas teológicas me
Sistemática, sou consciente de que alguns apegados a Ele, buscando a verdade em levou a algumas das mais profundas expe-
têm opiniões muito negativas sobre teo- Sua Palavra, o Senhor pode lidar com riências de adoração de minha vida.
logia. Muitas vezes, as pessoas pensam na nossas perguntas. Ele é muito maior do Minha fé em Deus e meu amor por Ele
teologia como algo frio, abstrato e seco. que todas elas. Não devemos ser céticos cresceram e criaram raízes cada vez mais
Teologia não é nada disso! O que está (Jo 20:24-27), mas pedir com fé. Ao mesmo profundas, que espero que se manifes-
no centro da verdadeira teologia? Deus! E tempo, precisamos estar sempre “prepara- tem em minha vida. Claro, ainda tenho
qual é o caráter de Deus? Amor. E o que é dos para responder a todo aquele que [nos] outras perguntas. Contudo, não quero
o amor, se não algo relacional? É um terrí- pedir razão da esperança que há em [nós]” parar de conhecer melhor a Deus, assim
vel mal-entendido dizer: “Amo a Deus, mas (1Pe 3:15). No entanto, ao fazê-lo, não de- como gosto de crescer em meu relaciona-
não quero teologia.” É quase como dizer vemos estar na defensiva. mento com minha esposa, ano após ano.
à minha esposa: “Eu amo você, mas não Como saber se estou fazendo a pergun- Como poderíamos dizer ao Senhor: “Eu
quero saber nada sobre sua vida. Não me ta certa? Não é o conteúdo que a torna boa amo o Senhor, mas não quero conhecê-Lo
faça perguntas, e eu não vou lhe pergun- ou má, mas a motivação. Você pergunta mais profundamente?”
tar nada.” Não é assim que um casamen- porque não quer acreditar? Ela é um ata- Quero conhecer a Deus cada dia mais.
to funciona. Porque amo minha esposa, que velado? Você pretende que sua per- E você?
quero conhecê-la tão intimamente quan- gunta seja um mecanismo de defesa?
Referência
to possível. Uma pergunta lançada como uma arma
1
 artin Luther King Jr., Strength to Love (Filadélfia,
M
De forma análoga, a teologia é relacio- é algo ruim. Por outro lado, as boas per-
PA: Fortress, 2010), p. 2.
nal. Embora exista muita teologia falsa, a guntas são motivadas pela busca since-
teologia genuína leva ao conhecimento do ra por respostas. Você está perguntando
próprio Deus de amor! “E a vida eterna é porque realmente deseja saber e reco-
esta: que Te conheçam a Ti, o único Deus nhece que a resposta pode ir além de sua
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem envias- compreensão?
te” (Jo 17:3). Jesus frequentemente debatia com pes- John C. Peckham, doutor
em Teologia (Andrews
Às vezes, reagimos aos questionadores: quisadores honestos, levando-os a fazer as University), é professor
Gentilaza do autor

“Você faz muitas perguntas!”, “Você não perguntas certas que os levariam a respos- do Seminário Teológico da
Andrews University, Estados
tem fé suficiente!”, “Não devemos fazer tas importantes (por exemplo, a história de
Unidos

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MAI-JUN • 2017 | 25
IGREJA

Discipulado na prática
Pesquisa sul-americana aponta características das igrejas bem-sucedidas
no processo discipulador

Helder Roger
Everon Donato

“C omo vocês formam discípulos


em sua igreja?” Foi em busca de
respostas a essa pergunta que a
de vida, cujo objetivo é o desenvolvimento
e crescimento espiritual das pessoas. Seus
programas são adaptados em função des-
Iniciativa pastoral
Em todas as igrejas avaliadas, a influên-
cia do pastor distrital foi fundamental para
sede administrativa da Igreja Adventista sa visão, e a liderança é capacitada e de- despertar a visão e desencadear o proces-
para a América do Sul iniciou uma série de safiada a praticar esses princípios. O foco so discipulador na congregação, a partir
visitas a congregações locais em diferentes é ajustado para o que realmente impor- de um grupo-base. Expressões como “o
partes de seu território. Entre as 16 Uniões ta. Um dos pastores entrevistados disse: preço teve que ser pago” e outras seme-
que formam a Divisão Sul-Americana, nove “O discipulado não se propõe a ser uma lhantes foram usadas, demonstrando que
foram escolhidas para indicar a igreja com nova metodologia ou estrutura de traba- o ministro teve que agir com determina-
a melhor proposta de discipulado em sua lho; propõe-se a mudar os paradigmas da ção e ousadia, uma vez que se deparava
jurisdição, a fim de ouvir o depoimento de igreja, utilizando metodologias e estrutu- com uma mudança de cultura. Verificou-se
pastores distritais e líderes locais. O sele- ras. Por vezes, os melhores métodos da que, em quase todos os casos, a participa-
cionado conjunto de congregações varia igreja (enquanto organização) esbarram ção da Associação/Missão esteve restrita à
em tamanho, segmentos sociais e cultu- nas limitações locais que geralmente giram permissão para começar uma experiência
ras. Os critérios adotados para a escolha em torno de questões como problemas na inovadora. Em casos específicos, o Campo
das igrejas foram: liderança, secularismo, distorcido senso de apoiou financeiramente e flexibilizou o ca-
1) Índice de membros por batismo supe- missão, entre outros. Isso não pode ser re- lendário de atividades.
rior à média da Associação/Missão (Cam- solvido com eventos ou métodos. É neces- Sobre o valor da iniciativa, Ellen G. Whi-
po) a que pertence a igreja. sário trabalhar o coração e a mente dos te declarou: “Alguns dos que se entregam
2) Crescimento real acima da média do membros. Isso exige tempo, compromisso ao serviço missionário são fracos, sem
Campo (Entradas [batismo e rebatismo] – com um grupo de pessoas que, por sua vez, energia, sem entusiasmo e facilmente de-
Saídas [apostasia e desaparecimento]). gerará a massa crítica para mudar a igreja.” sanimáveis. Falta-lhes a iniciativa. Não têm
3) Funcionamento de um sistema de Essa prática lembra o ensino de Cristo aqueles positivos traços de caráter que dão
cuidado dos membros. sobre a prioridade que Seus discípulos de- a força para fazer alguma coisa — o espíri-
4) Experiência mínima de quatro anos, veriam ter: “Portanto ide, fazei discípulos to e energia que iluminam o entusiasmo.
para garantir a consolidação e a continui- de todas as nações” (Mt 28:19). Para Jesus, Aqueles que desejam o sucesso devem ser
dade do projeto, mesmo após as transfe- o discipulado não era uma grande opção, corajosos e otimistas. Devem cultivar não
rências pastorais. mas a grande comissão dada à Sua igreja. só as virtudes passivas, mas as ativas.”2
Este artigo é um relato de experiência Acerca desse ponto, Bill Hull afirma: “Creio
e tem o objetivo de apresentar as práticas que a crise da igreja seja uma questão de Formação intencional
comuns observadas nas igrejas visitadas produção, o tipo de pessoas sendo produ- de líderes
zidas. Proponho que a solução seja a obe- Desenvolveu-se um processo transfor-
Prioridade no discipulado diência à comissão de Cristo para ‘fazer mador na visão e preparação dos líderes
As congregações analisadas consideram discípulos’, e ensinar os cristãos a obede- com uma forte ênfase espiritual. O pastor
o discipulado um processo de transferência cer tudo o que Cristo ordenou.”1 distrital foi responsável por selecionar um

26 | MAI-JUN • 2017
pequeno grupo de líderes e vivenciar com da rede. O modelo utilizado pela maioria igreja e, os Pequenos Grupos, nas casas.
eles, na prática, os princípios do discipulado deles inclui coordenadores, supervisores, Observou-se também que a integração
por meio de uma proposta relacional. Nas líderes e líderes aprendizes. (fusão) dessas estruturas é variável. Con-
palavras de um dos participantes da ava- 2) Pequenos grupos. Assim como a base tudo, as entrevistas demonstraram que
liação: “O método foi simples, mas o efeito de líderes foi discipulada em um grupo pe- o aspecto primordial para o êxito não é o
na vida das pessoas foi grande, pois o pla- queno, o processo é reproduzido de modo foco nas estruturas, mas na compreensão
no e o propósito eram divinos.” semelhante para toda a igreja. Nesse as- e prática dos princípios do discipulado.
O período de convivência em grupo pecto, os pequenos grupos são conside-
teve um tempo variável. Em um deles, a rados essenciais em todos os casos. Em Novas gerações
duração foi de quatro meses e, nos demais, algumas circunstâncias, aparecem integra- As igrejas que se destacam no discipu-
um período de nove a 18 meses, depen- dos às unidades de ação da Escola Sabati- lado demonstram preocupação especial
dendo do grau de amadurecimento dos lí- na. Esses pequenos grupos não são apenas com as novas gerações, envolvendo-as no
deres que estavam sendo discipulados. Em um programa semanal, mas uma estrutu- processo e investindo nas classes de Escola
todos os casos, a formação de um pequeno ra contínua de pastoreio. Sabatina das divisões infantis, nos Desbra-
grupo protótipo foi a estratégia adotada. 3) Supervisão. Os líderes dos pequenos vadores, Aventureiros e Pequenos Grupos
Os líderes entrevistados ressaltaram que grupos têm alguém que os encoraja, ora direcionados a elas.
não deve haver pressa, para que o proces- por eles e os ajuda a resolver seus proble- Essas congregações estão dizendo que
so seja realizado com consistência. mas pessoalmente. Consequentemente, as próximas gerações colherão os frutos
Eles se sentiram pastoreados e, na se- eles fazem o mesmo com aqueles que es- das sementes lançadas atualmente. Ao
quência, aptos a pastorear as pessoas. Al- tão sob sua supervisão e pastoreio. discutir sobre o cuidado com as novas ge-
guns disseram que “a experiência vivida 4) Encontros regulares. Existem en- rações, Don MacLafferty adverte: “Muitas
foi transformacional e com efeitos eter- contros regulares entre os níveis de lide- crianças estão crescendo sem ter alguém
nos”. Outros ainda declararam: “É preciso rança e as pessoas que estão dentro da para segurá-las, amá-las ou guiá-las.
trabalhar primeiro na transformação para rede de discipulado. As reuniões ocorrem Muitas estão educando a si mesmas [...]
ter pessoas motivadas, e não o contrário.” com frequência semanal ou quinzenal, Elas crescem sem ter alguém para ouvir
Robert Coleman declara que o método para interação, troca de experiências e seus questionamentos, amá-las o bastan-
de Cristo tinha por base as pessoas. “É in- encorajamento. te para desafiá-las ou preocupar-se o bas-
teressante destacar que Jesus começou a 5) Capacitação e formação de novos lí- tante em guiá-las a descobrir Jesus por si
reunir aqueles homens antes de organi- deres. Há preocupação com a formação de mesmas.”5
zar campanhas evangelísticas ou mesmo novos líderes para garantir o cuidado e
de pregar em público. As pessoas eram a desenvolvimento das pessoas. Em alguns Envolvimento na missão
base de seu método de ganhar o mun- casos, membros do grupo ainda não bati- As igrejas entrevistadas também de-
do para Deus [...] Ao que parece, a neces- zados estão sendo preparados para o ba- monstram preocupação em envolver a
sidade não era apenas a de recrutar uns tismo e também para assumir o pastoreio maior parte dos membros em algum minis-
poucos leigos, mas manter o grupo sufi- de um novo grupo. tério ou atividade missionária. São usadas
cientemente pequeno para que pudesse David Cox contribui com a ideia de rede expressões como voluntariado, capacita-
ser bem trabalhado.”3 de pastoreio ao dizer que “todas as igre- ção e envolvimento total dos membros.
jas precisam de uma rede abrangente de Em algumas dessas igrejas, o engajamento
Pastoreio em rede Pequenos Grupos, que ajudem a cons- dos membros em ministérios para servir e
Essas igrejas apresentam um sistema truir uma comunidade verdadeiramente salvar pessoas é superior a 60%.
de cuidado, atenção e desenvolvimento de cristã.”4 Quanto a essa característica, Jair Miran-
seus membros à semelhança de uma rede da afirma: “Uma vez que os membros es-
interconectada. Em essência, há pasto- Estruturas viabilizadoras tão unidos para a adoração e saem juntos
reio efetivo. Cada congregação tem uma A investigação mostrou que duas es- para servir o próximo com atos desinteres-
rede com suas particularidades. Entretan- truturas, Escola Sabatina e Pequenos sados de compaixão, os amigos da igreja
to, existe um padrão com algumas carac- Grupos, destacam-se na viabilização do que ainda não assumiram um compromis-
terísticas essenciais: discipulado. Ambas apresentam prin- so com o Senhor Jesus se admirarão com o
1) Níveis de liderança. Identificou-se cípios semelhantes e complementares. cuidado da igreja, e seu coração será toca-
uma conexão entre os diferentes níveis A Escola Sabatina com maior atuação na do pelos estímulos do amor.”6

MAI-JUN • 2017 | 27
Comentando sobre o envolvimento dos Essa recomendação converge com as a) Desenvolver uma cultura de disci-
membros na missão, Ellen G. White declarou: pesquisas que indicam que igrejas saudá- pulado que contemple as diferentes ge-
“Há por toda parte a tendência de substituir veis simplificam seus programas. Thom rações, em que planejamento, ações e
pela obra de organizações o esforço indivi- Rainer e Eric Geiger afirmam: “Muitas de avaliações se constituam num processo e
dual. A sabedoria humana tende à consolida- nossas igrejas se tornaram complexas [...]. não em programas isolados.
ção, à centralização, à edificação de grandes Tão complexas que muitas pessoas estão b) Ampliar as atividades dos departa-
igrejas e instituições. Muitos deixam às insti- ocupadas fazendo igreja em vez de ser igreja mentais e administradores para que haja
tuições e organizações a obra da beneficên- [...]. O acúmulo de coisas pode fazer parecer apoio significativo ao pastor distrital na
cia; eximem-se do contato com o mundo, e que está tudo bem. O excesso de atividades implementação do discipulado. É necessá-
seu coração se torna frio. Ficam absorvidos é um ótimo disfarce para a falta de vida.”8 rio concentrar o foco nos princípios e práti-
consigo mesmos e insensíveis à impressão. 3) Processos contínuos. Igrejas que em- cas e não em modelos ou estruturas.
É extinto no coração deles o amor para com preendem o processo discipulador preci- c) Estabelecer uma rede de pastoreio
Deus e o homem. Cristo confia a Seus segui- sam de pastores dispostos a permanecer para que haja gente cuidando de gente.
dores uma obra individual – uma obra que por mais tempo, pois a mudança de pa- d) Utilizar o tempo necessário, de acor-
não pode ser feita por procuração. O serviço radigma é lenta. Ministérios mais longos do com a realidade de cada lugar, para que
aos pobres e enfermos, o anunciar o evan- favorecem essa proposta. Além disso, é ne- os processos transformadores aconteçam
gelho aos perdidos, não deve ser deixado a cessário que o próximo pastor dê continui- naturalmente.
comissões ou caridade organizada. Respon- dade ao processo estabelecido. Que tal refletir sobre essas práticas e
sabilidade individual, individual esforço e sa- 4) Materiais e modelos flexíveis. Cada começar a empreendê-las em seu minis-
crifício pessoal são exigências evangélicas.”7 igreja tem seu próprio contexto, e é im- tério? É hora de causar uma grande revo-
portante não restringir materiais nem lução!
Recomendações modelos. No processo, o que deve ser ine-
Referências
Os pesquisadores ouviram as suges- gociável é a disposição de levar a igreja a
1
Bill Hull, El Pastor Hacedor de Discipulos (Bogotá:
tões dos entrevistados sobre o que pode- viver os princípios do discipulado.
Ediciones Berea, 2012), p. 6
ria facilitar a implantação de um processo 5) Papéis ampliados. A sugestão é que 2
 llen G. White, A Ciência do Bom Viver (Tatuí, SP:
E
discipulador consistente. As principais re- administradores e departamentais atuem Casa Publicadora Brasileira, 2004), p. 497.
comendações são as seguintes: também como discipuladores, priorizando 3
 obert Coleman, O Plano Mestre de Evangelismo
R
1) Pastores com visão discipuladora. Um as pessoas e o apoio ao processo discipula- (São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2006), p. 17, 20.

dos fatores que desencadearam o proces- dor na igreja local. Durante as entrevistas, 4
 avid Cox, Pense em Grande, Pense em Grupos
D
Pequenos (Lisboa: Publicadora Atlântico, 2000),
so discipulador consistente dessas igrejas um dos participantes afirmou: “É preciso p. 32.
foi a iniciativa pastoral. Isso comprova a viver o discipulado em todos os níveis.” 5
 on MacLafferty, De Dentro para Fora (São Luís,
D
grande influência da liderança do pastor MA: Visualgraf, 2010), p. 25.
distrital. Portanto, sugere-se que: Conclusão 6
Jair Miranda, Igreja em Missão (São Paulo, SP:
a) Os pastores em atividade aprofun- As práticas comuns observadas nes- Regente, 2015), p. 50.

dem seu conhecimento e prática sobre o sas congregações contribuem para a for-
7
Ellen G. White, Op. cit., p. 147.

discipulado, por meio de leitura, participa- mação de discípulos de Cristo. Por terem
8
 hom Rainer e Eric Geiger, Igreja Simples (Brasília,
T
DF: Palavra, 2011), p. 32.
ção em seminários e troca de experiências vivenciado uma experiência transforma-
com outras pessoas que estejam viven- dora, os membros apresentam alto nível de
ciando o processo. satisfação. Muitos deles relataram como
Helder Roger, doutor em
b) Os pastores sejam preparados des- deixaram de ser meros espectadores e se Teologia Pastoral (Unasp,
de o Seminário Teológico com uma visão transformaram em pessoas ativas e bem EC), é vice-presidente da
Divulgação DSA

Igreja Adventista para a


discipuladora. integradas. Como resultado, o percentual
América do Sul
2) Programas adaptados. Os participan- de membros envolvidos na missão, bem
tes relataram que, para discipular, é neces- como o número de batismos nessas igre-
sário tempo para investir em pessoas. Por jas, está acima da média do Campo local, e Everon Donato, mestre
essa razão, os programas locais deveriam as perdas são bem menores. em Liderança (Andrews
University), é líder de
ser reduzidos e adaptados de acordo com Portanto, para que haja multiplicação
Divulgação DSA

Ministério Pessoal e Ação


a realidade de cada igreja, a fim de dar su- do número de igrejas e grupos vivendo Solidária Adventista para a
porte à visão de discipulado. essa experiência, sugerimos: América do Sul

28 | MAI-JUN • 2017
CONCURSO
DE ARTIGOS

A revista está promovendo pela primeira vez o Concurso


PRÊMIOS
1º lugar: Coleção
de Artigos para estudantes de Teologia. Todos os alunos matriculados em
Minicentro
programas de graduação ou pós-graduação podem participar. Ellen G. White
2º lugar: Coleção Comentário
TEMA E REQUISITOS PARA INSCRIÇÃO: Bíblico Adventista
1. Em 2017 serão celebrados os 500 anos da Reforma Protestante iniciada 3º lugar: Bíblia de Estudo
por Martinho Lutero. Aproveitando essa ocasião histórica, o tema dos Andrews
A comissão avaliadora será
artigos deverá relacionar-se com esse evento. Os textos podem explorar
formada pela equipe editorial
aspectos bíblicos, históricos, teológicos e aplicados que dialoguem com da Ministério, por representantes do
a Reforma. Seminário Adventista Latino-americano
de Teologia e da Associação Ministerial
da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
2. O
 s textos deverão ser enviados em MS Word para o e-mail
ministerio@cpb.com.br. Por favor, inclua as seguintes informações Publicação
no cabeçalho do artigo: nome, endereço, e-mail, telefone, 1. Não haverá devolução dos artigos
afiliação religiosa, nome da instituição educacional em que está enviados.
2. Os ganhadores do concurso darão à
matriculado e o título do manuscrito.
revista Ministério os direitos de publicação
do artigo. Embora os editores pretendam
3. Ao fazer citações bibliográficas, identifique as fontes. Insira publicar esses textos, a publicação não é
notas de fim de texto (não notas de rodapé) com referência garantida.

completa. Use números arábicos nas notas. Utilize a


Data limite de inscrição:
fonte Arial, tamanho 12, espaço 1,5, justificado. Os textos Os textos deverão ser enviados até 30 de maio de 2017
deverão conter no máximo 15 mil caracteres com espaço.
Apoio:
Seminário Adventista
4. Será aceito somente um artigo por autor. Latino-americano de Teologia
Associação Ministerial
COMUNICAÇÃO

Imprudência digital

Como as redes sociais


podem prejudicar
a reputação da igreja

Felipe Lemos

Phasin / Fotolia

O
bserve estes dois textos escritos se percebe a partir do comportamento da ou compartilham. Em última instância,
por Ellen G. White: “Caso o povo de instituição ou de pessoas ligadas a ela. José querendo ou não, todos os membros da
Deus mostrasse genuíno interesse Carlos Thomaz e Eliane Brito afirmam que igreja são representantes da denominação
em seu próximo, muitos seriam alcançados “a reputação corporativa se desenvolve ao perante os públicos com os quais se rela-
pelas verdades especiais para este tempo. longo do tempo e é resultado de interações cionam. Por isso, alguns cuidados são vá-
Coisa alguma dará, ou jamais poderá dar repetidas e de experiências acumuladas lidos ao interagir nas redes sociais:
reputação à obra, como ajudar o povo indo nos relacionamentos com a organização. Coerência. Ellen G. White ensina que
ao seu encontro onde se acham.”1 [...] Considera-se, ainda, que a reputação a reputação da igreja está relacionada
“Ele sacrificou sua nobre liberdade va- corporativa emerge e é determinada pe- ao cumprimento da missão adventista.
ronil e se tornou um servil escravo da opi- las imagens principais ou percepções de Na prática, isso significa que, quando um
nião pública. [...] Convicto como estivesse uma empresa, comunicadas rotineiramen- membro ou pastor posta algo nas redes
do valor dos conselhos dados por Jeremias, te pela empresa e percebidas pelos seus sociais, deve ser consciente da necessidade
não tinha a energia moral para obedecer; vários públicos”.3 de demonstrar claramente os princípios
e como consequência avançou firmemen- Portanto, a forma pela qual a Igreja Ad- nos quais afirma acreditar. Desse modo,
te na direção errada.”2 ventista é vista depende do tipo de rela- eles efetivamente pregam o evangelho. Em
Essas duas citações estão em contex- cionamento que as pessoas interessadas contrapartida, ao agir de forma preconcei-
tos diferentes, mas, de certa forma, tratam têm com ela. Seja por meio de um conta- tuosa, desrespeitosa, hostil ou condenató-
da mesma questão de fundo. A primeira to nas redes sociais da denominação, uma ria, eles acabam depreciando a imagem do
diz respeito ao que efetivamente contribui visita a uma congregação ou mesmo por evangelho. A melhor forma de pregar nas
para estabelecer uma boa reputação para meio da convivência com um membro da redes sociais é exaltar as verdades das Es-
a Igreja Adventista do Sétimo Dia. A últi- igreja. Essa experiência vai compor a per- crituras, em vez de criticar os conceitos e
ma se refere ao imprudente rei Zedequias, cepção que se tem sobre os adventistas e, ensinos divergentes da cosmovisão bíblica.
pouco antes do exílio babilônico, e à sua em última instância, sua reputação. Respeito. Alguém que procura uma con-
incapacidade de cumprir a vontade divi- Nas redes sociais, pastores e mem- gregação adventista geralmente o faz por
na, preferindo satisfazer a opinião pública. bros contribuem, direta ou indiretamente, entender que nela encontrará um ambien-
Segundo especialistas, a reputação de para tornar melhor ou pior essa reputação. te acolhedor, amistoso e benéfico para sua
uma organização está relacionada ao que E isso ocorre de acordo com o que postam vida. O visitante espera também contar

30 | MAI-JUN • 2017
com certa privacidade enquanto frequenta pastores e membros nas redes sociais, da igreja da qual você e sua família fazem
o local. Entretanto, a empolgação típica de pode parecer uma ótima contribuição, mas, parte.
nossos dias no mundo virtual faz com que, efetivamente, não é. Geralmente, essa con-
Referências
muitas vezes, o desejo de realizar a primeira duta alimenta raiva, promove discussões
1
Ellen G. White, Testemunhos Seletos (Tatuí, SP: CPB,
postagem sobre a presença de alguém co- infindáveis e poucas vezes resulta em mu-
2008), v. 2, p. 518.
nhecido do grande público em uma progra- danças na organização. 2
 llen G. White, Profetas e Reis (Tatuí, SP: CPB, 2014),
E
mação da igreja gere incômodo à pessoa que Quer ajudar a Igreja Adventista a ter p. 458.
só queria ir a um culto e nada mais. Fotos, uma boa reputação? Excelente! Então, seja 3
 liane Brito e José Carlos Thomaz, “Comunicação
E
vídeos e textos sobre tais visitantes preci- um bom usuário das redes sociais. Pense Corporativa: Contribuição para a Reputação das
Organizações”, Organicom – Revista Brasileira de
sam passar pelo crivo do bom senso, do res- antes de postar, avalie o tipo de mensa- Comunicação Organizacional e Relações Públicas,
peito à imagem e do direito à privacidade. gem que deseja compartilhar, que alcan- ano 4, n. 7, p. 143.
Críticas. Criticar uma organização para ce isso terá e qual será o objetivo. Pese os
que ela corrija seus erros é algo muito im- prós e contras de sua manifestação públi- Felipe Lemos, mestrando em
Comunicação (Universidade
portante. Contudo, essa atitude deve ser ca, porque depois que algo é postado, é Católica de Brasília), é gerente

Divulgação DSA
feita de maneira correta e no ambien- impossível anular suas consequências. E da Assessoria de Comunicação
da sede sul-americana da Igreja
te apropriado. A crítica pública, feita por estas, muitas vezes, prejudicam a imagem Adventista do Sétimo Dia

Diga-nos o que achou deste artigo: Escreva para ministerio@cpb.com.br ou visite www.facebook.com/revistaministerio

EM UM MUNDO REAL
~
NAO VIVA DE FORMA SURREAL

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PASTOR COM PAIXÃO Evaldo Krähenbühl

Meu ministério, minha vida

M
inha vontade de ser pastor co- Desbravadores e grupos musicais. De lá
meçou ainda na infância. Quan- seguimos para Araras e, mais uma vez, fo-
do eu tinha dez anos, morava em mos surpreendidos com um trabalho dife-
um bairro rural, numa comunidade alemã rente. Diante da necessidade de um casal
predominantemente luterana, entre as ci- pastoral que cuidasse de um Lar Infantil
dades de Campinas e Indaiatuba, no esta- em Hortolândia, aceitamos o desafio de
do de São Paulo. Ocasionalmente, o pastor assumir essa responsabilidade. Foram dois
luterano vinha de Campinas para visitar anos envolvidos nesse ministério.
os fiéis de nossa congregação. Como eu Quando a saudade de pastorear igrejas

Gentilaza do autor
conhecia bem a comunidade, sempre o apertou o coração, recebemos um chamado
acompanhava nas visitas. Assim, comecei para assumir o distrito de Indaiatuba. A par-
a gostar de visitar as famílias da igreja e de tir desse retorno, segui meu ministério lide-
orar por elas. Em 1980 conclui meus estudos. Na rando igrejas até minha jubilação, em 2013.
Tempos depois, aceitei a mensagem ocasião, meus dois primeiros filhos, Ellen Não consigo me lembrar de quantas
adventista e fui batizado. Certo dia, meu e Samuel, já haviam nascido, e havia che- pessoas batizei, mas sempre estive con-
pastor me disse: “Você precisa estudar em gado a hora de iniciar uma nova fase de centrado na missão. Se começasse mi-
nosso internato. Você pode ser um pas- nossa família e de nosso ministério. Uma nha jornada novamente, confiaria mais
tor.” Eu nem sabia o que era internato, peculiaridade de minha trajetória é que nas pessoas e delegaria mais trabalho a
mas a proposta reviveu em mim aquele sempre fui pastor em meu estado natal, elas. Deus concede dons maravilhosos aos
sonho juvenil. São Paulo. Meu primeiro distrito pasto- membros de Sua igreja, e lamento por não
Em 1969 comecei a estudar no Instituto ral foi Porto Feliz. Embora tenha ficado ter dado mais atenção a esse assunto. Às
Adventista Campineiro, atual Unasp cam- apenas um ano ali, tive a oportunidade vezes, quis fazer tudo sozinho. Discipular,
pus Hortolândia, de onde saí casado, em de plantar quatro igrejas em cidades di- confiar, delegar e motivar, eis o segredo
1976, para o Seminário Teológico do Ins- ferentes. No ano seguinte, 1982, fomos do sucesso!
tituto Adventista de Ensino, hoje, Unasp transferidos para Presidente Prudente, do Infelizmente, pouco antes de completar
campus São Paulo. Em meus dois últimos outro lado do estado. Um tremendo desa- dois anos de jubilação, perdi minha esposa,
anos de IAC, trabalhei no departamento fio! Quatorze igrejas e uma série de dificul- a companheira da minha vida, em um trági-
contábil, mas, sentindo o chamado, deixei dades administrativas. Ainda assim, pude co acidente de carro. Esse fato me abalou
uma carreira promissora em busca de um batizar mais de 60 pessoas naquela região. profundamente. Quase à beira da depres-
sonho: o de ser pastor. De Presidente Prudente fui para Avaré são, com ajuda de Deus e o apoio de mi-
Ruth, minha esposa, era secretária da e, na sequência, para São João da Boa Vista. nha família, fui aos poucos me reerguendo.
sede administrativa da Igreja Adventista Nessa cidade nasceu minha filha mais nova, Em Sua infinita bondade, o Senhor pre-
para o estado de São Paulo. Nossa ideia Kristyellen. Depois, assumi o distrito de Jun- parou uma esposa para mim. Atualmen-
era que ela continuasse trabalhando en- diaí. Certo dia, enquanto me dirigia a um te, estou vivendo uma nova fase, ao lado
quanto eu estivesse no Seminário, mas concílio, fui surpreendido com um chamado de Marizete. Somos ativos em nossa igre-
Deus tinha outros planos. Então, recebe- para ser preceptor no Instituto Adventista ja e, quando sou convidado, vou pregar em
mos um convite para cuidar do Lar de Ido- São Paulo (antigo IAC), colégio em que ha- outros lugares. Juntos, trabalhamos para
sos mantido pela igreja. Após três anos, via começado minha jornada na Obra. Per- apressar a vinda de Cristo. Nosso desejo
decidimos deixar a administração da enti- manecemos ali por dois anos e meio. é que Ele nos encontre ocupados quan-
dade para poder concluir o curso de Teolo- Do IASP fomos para Mogi Guaçu, lu- do voltar.
gia em quatro anos. Pouco tempo depois, gar em que mais me senti realizado, pois
fui chamado para ser um dos preceptores meus filhos estavam todos conosco, en- Evaldo Krähenbühl mora em
auxiliares no dormitório masculino do IAE. volvidos com a igreja em atividades como Hortolândia, SP

32 | MAI-JUN • 2017
DIA A DIA Alceu Nunes

Na hora do adeus
A
morte é sempre uma visitante ino- horário em que o culto começará. Se possí-
portuna e indesejável. Ela alcança vel, a cerimônia deve terminar pouco antes
de maneira democrática pobres e do momento em que o corpo será condu-
ricos, cultos e iletrados, atingindo toda a zido do velório à sepultura. A sequência do
humanidade. Nesse momento de dor, em culto é simples: introdução, oração, hinos
que familiares e amigos lamentam a perda (pode-se cantar alguns hinos favoritos do
de um ente querido, o procedimento ade- falecido), biografia, sermão e hino de con-
quado do ministro responsável pela ceri- solação e esperança.
mônia fúnebre se torna essencial.
Sermão. Ao entregar a mensagem, o
Atenção à família. Em primeiro lugar, oficiante deve ter em mente que não é mo-
o pastor deve manifestar sua empatia e mento de exibicionismo homilético e teo-
solidariedade com o sentimento da famí- lógico. Deve-se evitar cair na tentação de
lia, visitando-a imediatamente após rece- usar a cerimônia para doutrinar as pessoas
ber a notícia do falecimento, colocando-se presentes acerca da verdade bíblica sobre
à disposição para auxiliá-la no que for ne- o estado dos mortos. O momento é pró-
cessário. Às vezes, porém, em virtude dos prio para oferecer o consolo da Palavra e
procedimentos que envolvem o velório e não para ferir crenças pessoais. Após uma Kzenon / Fotolia

o sepultamento, a oportunidade para esse cerimônia fúnebre conduzida com respeito


contato mais prolongado do oficiante com e amor cristão, é comum que pessoas sejam
a família se dá no local em que o corpo está despertadas e queiram conhecer melhor a
sendo velado. Bíblia, especialmente o que ela diz sobre a porque as primeiras coisas passaram.” Oca-
vida eterna, a vinda de Cristo e o Céu. sionalmente, poderá ser conveniente orar
Sensibilidade. É preciso ter sensibili- de mãos dadas o Pai Nosso com todos os
dade para compreender e respeitar as lá- Duração. Com frequência, a cerimônia presentes, enfatizando o significado da ex-
grimas e expressões de dor. As pessoas fúnebre é realizada em lugares nos quais pressão “venha o Teu reino” proferida na
estão tentando assimilar a nova condição, os ouvintes não têm onde se assentar. Em oração. Nessa súplica, encontra-se o an-
de como vão seguir a vida adiante sem algumas situações, eles se encontram sob seio pela vinda do Senhor e a consequen-
aquela companhia, sem o marido, a espo- o calor do sol ou sob a chuva. Evidente- te vitória obtida por Ele sobre a tirania da
sa, o filho, a filha, o pai ou a mãe. Nesse mente, quando o culto é realizado na igre- morte.
momento, o pastor deve oferecer seu com- ja, as pessoas se encontram em um lugar
panheirismo cristão, que pode se expres- mais confortável. Contudo, independente- Despedida. Após a cerimônia, o ofician-
sar por meio da palavra de alento ou do mente do local, não é prudente se esten- te não deve ter pressa de ir embora. Ele
silêncio solidário. Se ele tinha alguma pro- der na pregação. deve demonstrar que esteve ali não so-
ximidade ou mesmo amizade com o fale- mente para cumprir um compromisso reli-
cido, será confortador para a família ouvir Sepultamento. Nunca é demais relem- gioso, mas para ser portador de esperança
palavras de apreciação e de sincero lamen- brar a importância de utilizar devidamen- e consolo aos enlutados.
to pelo ocorrido. te a Bíblia ao apresentar suas passagens
mais confortadoras. Junto à sepultura, as Alceu Nunes, doutor em
Organização da cerimônia fúnebre. palavras de Apocalipse 21:4 serão sempre Teologia Pastoral (Unasp,
EC), é capelão da Casa
William de Moraes

Cabe ao pastor ou ancião organizar os de- oportunas: “E lhes enxugará dos olhos Publicadora Brasileira
talhes da cerimônia fúnebre. Em consul- toda lágrima, e a morte já não existirá,
ta com a família, deve-se estabelecer o já não haverá luto, nem pranto, nem dor,

MAI-JUN • 2017 | 33
RECURSOS

Andando com o Tanque Vazio


Wayne Cordeiro, Vida, 2015, 192 p.
Você já chegou a ponto de perder o entusiasmo pelo que estava fazendo? Liderar quando não
havia mais vontade? Em meio às demandas e pressões do ministério, alguns pastores se sentem
horríveis, arrastando-se o dia inteiro. Outros agem como um pato que parece calmo na superfície,
mas que bate as patas embaixo da linha d’água como louco para se manter flutuando.
Como você tem se sentido nos últimos tempos? Se você é pastor ou líder de igreja, é bem pro-
vável que se identifique com a experiência de Wayne Cordeiro. Sentindo-se esmagado pelas exi-
gências do ministério, ele passou por uma jornada de três anos num período de esgotamento
extremo, o chamado burnout.
Neste livro, o autor compartilha suas experiências de modo franco, na esperança de que isso
ajude outras pessoas que podem estar seguindo pelo mesmo caminho. Ele conseguiu recupe-
rar a vida, voltar ao equilíbrio e permitiu que Deus concedesse novo ânimo em seu ministério.
Andando com o Tanque Vazio contém 11 capítulos, entre os quais: “Quando o ponteiro aponta
o zero”; “Primeiros sinais de advertência”; “Sete lições duramente aprendidas” e “Encontrando o
caminho de volta para casa”. Eles vão ajudar você a superar o desafio do esgotamento e a reno-
var sua paixão pelo ministério. Aprenda com o autor a desenvolver um pastorado frutífero. Me-
lhor ainda, beneficie-se de seus conselhos e evite o burnout.

Cuidando de quem cuida


Roseli M. Kühnrich de Oliveira, Grafar, 2012, 134 p.
A autora, a psicóloga Roseli de Oliveira, tem ampla experiência no acompanhamento psicoló-
gico de líderes cristãos, especialmente de pastores e suas famílias. Nesta obra, ela une sua expe-
riência de consultório com a investigação bibliográfica e a enriquece com entrevistas com pessoas
que exercem o ministério na igreja. Sua abordagem é cuidadosa, de tal maneira que Psicologia e
Teologia, razão e emoção, combinam-se na dose certa.
Partindo do conceito de cuidado teológico e psicológico, Roseli de Oliveira se aprofunda nos
enredos da vida pastoral, no descuido como o inverso do cuidado, coletando declarações e inves-
tigando teorias. A questão é complexa, e a autora nos ajuda a navegar pelas contribuições das
várias ciências, com maestria e profundidade. Seu livro traz reflexões que alertam sobre a resis-
tência ao tratamento do estresse, que culmina com a síndrome de burnout, e convida todos os
que cuidam de outras pessoas a repensar a forma de tratar a si mesmos.

34 | MAI-JUN • 2017
PALAVRA FINAL Marcos Blanco

Os lírios não se cansam

F
az algum tempo, participei de uma assembleia de- será que Ele não vai, com toda a certeza, cuidar de vo-
nominacional em algum lugar da América do Sul. cês, gente de pequena fé? Portanto não se preocupem
Os sintomas de esgotamento pastoral saltavam de forma alguma com a necessidade de comida ou be-
à vista, não somente no rosto, mas também no corpo bida ou com a roupa. Não sejam como os pagãos! Pois
de muitos de nossos colegas. O esgotamento pastoral eles é que têm intenso interesse nessas coisas. Mas o
é uma realidade que se manifesta de diversas formas e Pai celeste sabe muito bem que vocês precisam delas.
em diferentes áreas do ministério, e que atinge gran- Coloquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e
de porcentagem de pastores em terras sul-americanas. a Sua justiça, e Ele dará a vocês todas essas coisas”
Estamos tão rodeados de expectativas que nos preo- (Mt 6:25-33, Nova Bíblia Viva).
cupamos muito se não estivermos à altura dos objetivos Se Deus Se preocupa com as flores e os pássaros, não
e alvos que nos são propostos. Certamente, boa parte do Se preocupará muito mais com aqueles que fez à Sua
esgotamento pastoral é proveniente das preocupações própria imagem? Dessa maneira, a doutrina da Criação
em alcançar expectativas próprias ou alheias. ensina descanso ao pastor. Será que o Senhor ungiria e


A preocupação de não estar à altura das circunstân- dotaria Seus servos para depois abandoná-los? Quem
cias, de não ferir ninguém ou de não alcançar as eleva- poderia estar mais comprometido com o bem-estar da
das metas que impusemos a nós mesmos se transforma igreja do que Aquele que deu Sua vida por ela? O bem-
em uma carga pesada a longo prazo. Os aspectos físi- estar da igreja não é tarefa do pastor: é promessa do
co, mental e social acabam nos cobrando um preço ele- Senhor. O trabalho do pastor é simplesmente usar seus
vado. Ficamos exaustos ao querer engrossar cada vez dons, dados por Deus, no ministério evangélico.
mais a lista de nossos desafios ou por temer não alcan- Jesus também lembrou Seus ouvintes de que eles
çar o mínimo que se espera de nós. O bem-estar têm um Pai que conhece suas necessidades e Se ocupa
Tão simples quanto pareça, a receita para o esgo- da igreja em satisfazê-las. Além dEle, ninguém sabe melhor do
tamento pastoral se encontra no Sermão do Monte: não é tarefa que necessitamos.
“Portanto, Minha palavra é a seguinte: Não fiquem do pastor: é O problema do excesso de trabalho (causa do esgo-
preocupados a respeito de coisas: com a própria vida, promessa do tamento), segundo Jesus, pode derivar da nossa falta
quanto ao que comer ou beber, nem com seu próprio Senhor.” de fé. Queremos suprir com nossa sabedoria e agitação
corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais impor- a falta de confiança em Deus. Longe de ser indolentes,
tante do que a comida, e o corpo mais importante que quando aprendemos a descansar em nosso Pai celestial,
a roupa? Olhem os passarinhos no céu! Eles não se Ele se encarrega de que coloquemos nossos esforços no
preocupam com a comida; eles não precisam semear, que realmente conta, e deixemos os resultados com Ele.
nem colher, ou guardar a comida em depósitos, pois A mordomia de nosso tempo, nossa mente, nosso
o Pai celeste os alimenta. Será que vocês não valem corpo e nossa família começa colocando Deus em pri-
muito mais do que os passarinhos? Será que com to- meiro lugar. Quando Deus é o primeiro, o esgotamen-
das as preocupações juntas poderão acrescentar um to desaparece. .
único momento à vida de vocês? E por que ficar preo-
cupados com a roupa? Olhem os lírios do campo! Eles Marcos Blanco, doutorando em Teologia
não trabalham nem tecem. No entanto, nem o rei Sa- (Adventist International Institute of
Advanced Studies), é editor da revista
lomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer
Gentilaza do autor

Ministerio, edição em espanhol


um deles. Se Deus cuida tão maravilhosamente das
flores, que hoje estão aqui e amanhã já desaparecem,

MAI-JUN • 2017 • 2017 | 35


MKT CPB | William de Moraes
Há 125 anos Transformando vidas

NOVO
FORMATO &
ILUSTRADO

Agora com um lindo


box comemorativo
para você adquirir e
presentear.

“Se nos voltarmos para Deus tal como somos, convencidos do nosso desamparo e dependência;
se, com humildade e confiante fé, levarmos nossas necessidades Àquele cujo conhecimento é
infinito, [...] Ele atenderá nosso clamor e fará com que Sua luz brilhe em nosso coração” (p. 96).

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