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Nordenskiold tornou-se figura inamovível no qila~ lha, conseg'ue dar-nos a impressão de uma hospi-
dro do::; pesquisadores e divulgadores do Homem talidade, desdenh.osa e precária.
Americamo. Se1l espírito penetrante, a infatigável N ordenskiold enriqueceu a literatura america-
e niaravilhosa organização mental, rica de tôdas as nista com apartações preciosas. Estudoil pormeno-
informaçÕl\S possíveis, na biblioteca e no campo da res e genera.lidade com a mesma paixão do de-ta-
observação humana, a nobre simplicidade comuni- lhe e a mesma segurança magistral comunicativa.
ca·n te do seu estilo riarra.tivo, mantém sua presen- Qualquer estudo seu evidencia o mestre de Goten-
ça na cotidianidade da vida científica no continen- borg péla honesta indicação das f antes, uma a
t e. As buscas 11iais recentes, com aparelhagem uma, não dim.i nu.indo a visão ampla e serena da
m a.is moderna, poderri ni odificar suas conclusões paisagem pesquisada. Determinou um método de
ou alterar as próprias deduções feitas ante pro- exanie e disciplinou a imaginação americanista
vas ergológicas . Mas foram elas resultados de uma para os arro1Lbos i·n jalíveis nos resultados . Não
int eligência clara, desinteressada de doutrinas li- há f ôlha, sêca, exibição erudita, lição inoportuna,
1nitadoras das proposições, ditadas com lealdade e vaidade de borla e capelo, na sua bibliografia.
se1n pre respaldadas por uma margem prudente de Fixa o que viu e recorre aos livros para a documen-
reservas e pedidos de verificações posteriores .. tação no tempo. A poesia de N ordenskiold era a
Etnógrafo de campo, explorador de florestas e Verdade. D esconheceu a imagem popular do sé-
rios, amigo de indígenas, levando-os para sua re- culo XVI, como e,1xplicadora das jornadas fabu-
sidência em Gotenborg, parai melhor ouvi-los no losas: - Longas vias, longas mentiras ...
curso natural da informação, homem de erudição
insaciável, de biblioteca, consultando tôdas as f an-
tes ao seu alcance, possuiu a fina, alta e luminosa
liberdade de conclusão e de sentença, compreen-
dendo o complexo indígena dentro do mundo in- I'1
dígena afastando, distanciarido os padrões compa- A conq1Lista do zoólogo pela Etriogra.f ia de-
rat ivos para dizê-lo inferior ou retardado. Todos · terminou a série de mo1iografias inimitáveis pela
os seils livros são valorizações do H omt)m na A mé- originalidade do motivo e segurança documental.
rica, exposições de s1la mentalidade, invenção cria- N orderiskiold estudou as receitas niâ.gicas e 1nedica-
dora,, solucionando seus problemas na ecologia am- 1nentosas do Perru e da Bolívia (1908), as "Palisa-
bientadora.. O "selvagem" , ligado ou próximo às des and "noxious gases' ) among th e South Ameri-
técnicas do Neolítico ou do Epipaleolítico, resolvera can Indians'' (1918), o mosq·uiteiro; ameríndio 01t
seus problemas e vivia sem as angústias e as espe- de influência eilropéia (1922) , os cálculos de anos
ranças sucessivas que marcam a deriva espiritual e meses pelos quipos perua·1ios (1925) , a apicultura
do "Homo sapiens' ). Era "lógico" e era "natural" 1Za América indígena (1929), a balança (1929),
1io seu m undo. O "nosso)), depois de tanta bata- tantas outras "curiosidades" que eram deisconheci-
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10 ERLAND NORDENSKiõL.D PALIÇADAS E GASES ASFIXIANTES 11
mentos etnográficos. O nome, entretanto, ga- S. Henry Wassén o envio de um exemplar e as pa.-
nhou-o pelas pesquisas sistemáticas sôbre as ori- lavras mais animadoras para que N ordenskiold ti-
gens das civilizações indígenas na América do Sul,. vesse uma edicão brasileira. O sr. G . Alexanders-
~
a idade de bronze americana, as comparaçõe:s e in- son, secretário da " Svenska Siillskapet for Antro-
terdependência entre as culturas tribais, os qua- pologi oche Geografi'' , de Stockholm, escreveu-me
dros demonstrativos, relacionando os elementos- autorizando a versão e publicação, congratulando-
c?incidentes d_as culturas sul-americanas e poliné- se com a iniciativa . "We are happy that this valu-
1
sias e melanesia, embora I have become very scepti- able paper now \vill be available in your language,
~al of Indian culture having been appreciably and we would very much appreciate reprints of the
I~fluence~ ~rom Oceania; a cerâmica, a arqueolo- paper when it appears, afirmava-me. (l)
gia amazonica, f orarn outros tantos ângitlos de va- As ilustrações são as mesmas do original, o
liosa colaboração pa~a o conhecimento ameríndio . mapa sul-americano mostrando a localização das
Bem difícil será o assunto onde Nordenskiold não paliçadas, a grav'ura de Jea,n Cousin, figurando o
liaja deixado uma pegada visível. ataqu.e de fumaça dos iridígenas do Canadá, no
Seits coritos, que recolheu dos indígenas Cho- SINGULARITEZ de frei André Thevet, reproduzi-
co~, no ístmo do Panamá, .toram comentados e pu- da diretamente dêste volume, p. 421, da edição de
blicados por Henry Wassén, "Curator, Chief of the 1878, anotada por Paul Gaffa;r el. F iz incluir um
American Section'', no Etnografiska Museet de desenho de Bry ,' divulgado na VIAGEM AO BRA-
Gotenbora.
J
SIL, de Hans Stadóri, de uma aldeia fortificada dos
A tare/a a qu.e se impusera no Panamá, o es- Tupina·mbás, n o litoral de São Paulo . Podia-se
t dizer o que lv orderiskiold escreveu do desenho de
tudo sôbre os segredos religiosos e mágicos dos
Cuna, segue em continuação auspiciosa, realizada Cousin, sob inspiração de Thevet, even if its etheno-
1 por H enry Wassén, Ni.ls M. Holmer, e a coleção graphical value is very s.ligl1t, it is a curiosity.
a_r~iteol~gica que reunira no vale dtJ M izque, Bo-
livia, foi estudada e divulgada por Stig Rydén. .A.
sombra Çl,e N ordenskiold preside todo um ciclo de
trabalho, nobre trabalho, do grupo sueco, dirigido·
pelo sábio Karl Gustav Izikowitz.
Em português, êste PALISADES AND " NOXI- O emprêgo da. fumaça, como elemento dc:.f en.-
OUS GASES" AMONG THE SOUTH-.AMERICAN sivo ou agressivo, devia ter ocorrido ao homem pré-
IND_IANS.' é o primeiro ensaio publicado, graças ao
apoio e simpatia do Diretor da B i blioteca do Exér-
cito, Cel. Umberto Peregrino. ( 1) A tradução foi co11fiada a PriQtásio Melo, professor
de inglês no Ateneu Norte R io Grandense uo Colégio E sta -
Publicou-o o revista YMER, n. 3, de 1918,. dual, ~stabel ec ~in ento de ensino secundário erutão sob sua
Stockholm, tornando-se raríssimo. Devo ao Prof . direção.
12 ERLAND NORDENSKiõLD
PALIÇADAS E GASES ASFIXIANTES 13
hist6rico, bem antes das armadilhas de caça do
solutrense. Todos os povos primitivos conheceram tórios? Ainda em 1943, servindo na Diretoria Re-
o processo, usando-o para o levantamento e acôsso giona,l do Serviço de Defesa Civil Anti-Aérea, em
n,as caçadas niovimenta,das . Os grupos humanos Natal, tive de aprender sua história e tra1ismiti-la
de cultura rudimentar, tasmanianos e australianos, às turmas de "alertadores" , indo à classe dos "tá-
tiveram êste recu,rso . Inútil é voltar ao dogma da ticos'), persistentes, voláteis, penetrantes . Creio que
c1tltitra original e única como ponto irradiante . A tudo passou, ante ameaça bem maior.
solução impitnha-se pela presença dos mesmos mo- N ordenskiold não leu a coleção de "Lendas em
tivos provoca.dores e material de utilizq,ção ime- Nheêngatu e em Português'', reunida por António
diata . Brandão de Amorim (1865-1926), publicada na re-
Júlio César, DE BELLO GALLICO, VII, XXV, vista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 100,
descreve os gauleses sacudi1i.,do ao lu·me bolas de sêbn vol. 154, Rio de Janeiro, 1928.
e de pês, verdadeira cortina de fumaça, no assédio Brandão de Amorim, no conto A MôÇA E A
àe Bruges. Ainda em 1840, no cêrco de Mazagran, CURUPIRA, p. 471-472, regista docilmento que o
Argélia, Mustafá-beni -Tem.i, lugar-t€,1nente de Abd- grande etnógrafo gostaria de conhecer.
el-Kader, tentou expulsar o capitão Lelievre, a 4 de
Para vingar-se da Curupira que tentára rapta3'
fevereiro, provocando intensa fumarada com fo-
a avó e seus irmãos, a môça valente, ajudada por
gueiras de tojo.
todos, localizou a casa do duende, num ôco de ár-
Um simples besouro, o Brachinus stycornis,
vore:
emprega o seu la.nça-gases, aturdindo o persegui-
dor. A maritacaca, jaritacaca, Conepatus suffo-
cans, esguincha o líquido nauseante, afastando ma- 29: - Depois cliegou o pai dela, contou tam-
tilha e caçadores. A lulai, Calmar communis, se- bém, disse logo aonde era a casa da
guida de perto por peixe voraz, larga a descarga Curupira.
escitra de sépia. Incontáveis os animais que se ser-
vem des~a disposição natural, escapando aos inimi-
30: - Eles então se juntaram, logo viram pi -
menta porção, foram para casa da
gos . Parai agredir e mesmo atordoar a prêsa, ne-
Curupira, qua.n do ali chegaram fizeram
1ihum conhece a técnica. Coube à espécie "Sa-
piens-·), o melancólico copyright da iniciativa letal. fumaça para o buraco do pau.
Na guerra de 1914-1918, os gases tiveram cele-
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31 : - Daí a bocadinho, tian! tian! tian! êles
bridade e in6squecida ficou a data de 22 de abril de ouviram para a banda de dentro do
1915, quando os alemães os emprega,am no setor buraco.
NE de Ypres, contra uma divisão inglêsa. Quem 32: - Depois, contam, saiu um Curupira ve-
n ão aprendeu a nomenclatu ra aterradora? Gases lho para fora, seus olhos se vinham f e-
asfixiantes, lagrimogênios, vesicantes e estornuta- chando, aí já mesmo êles o mataram de
caidaru (Espada de madeira) .
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PALIÇADAS E G.A.SES ASFIXIANTES 15
11 ERLAND NORDENSKiõLD
tes, pergunta sôbre as lacunas que, em 1918, a Etno-
33: Outro logo saiu também, êles mataram. grafia não pudera pre,iencher. Existia a banana
34: Outra já daí a pouco, assim mesmo. antes de 1492 n ' América ( 1 )? O bodoque é amerín-
35: Mataram, contam, porção. dio ou trazido pelo português da tndia ( 2 )? O ca-
chimbo foi introduzido pelo €)uropeu (3)? O mos-
E' 'ltma tradição etiológica da cachoeira do Ca- q u iteiro é indígena ( 4 )? O arco-musical, de onde
rurit, no Rio Negro, Amazonas. Variante das es-
tórias dos Oiampis, da G'ltiana Francesa, divulga-
( 1) No Bra~:;il há nma banana-da-terra, p.aicova, pacoba_.
das por Walter E . .Roth. .que t alvez r epresente a espécie pré- cabralina. Tendo mais
As paliçadas só podiam revelar identidades na t anino que .as demais, deve ser previamente ooz.ida ou assada,
constritção. A finalidade é universal e não espera- servida em forma de papa ou n1i11gau. Gabriel Soares de
riam os indígenas sul-a1nericanos 1492 ou 1500 para S ouza, 1587, •i ndica-a como uma fruta natural desta terra,
iniciar fabricação utilitária. O f ôsso com espéques noti ciando a vinda poste.rior de bananas de S . T-omé, África
Oc:dental. Banana é v.ocábulo <lo C·o ng<> . Nenhuma font e
aparece nas áreas geográficas mais distantes. .de inf or mação colonial regista a banana, no sécul<0 XVI, nos
Idênticos a muitos exemplos ameríndios eram os don1ínios espanhóis . A p acova parece, entretanto , :respon-
modelos comuns de fortificação do exército romano, der pela espécie nativa, comum antes de 1500.
já clássicos no tempo de Júlio César, que os descre- (i ) O Pellet-b~"' , _Arc-à-balle, bod-0que, divulgou-se na
J>t>nín.sula ibér'.ca durante o .domínio ár,a.be, bodoque, de bon-
ve, DE BELLO GALLICO, VII, LXXIII; DE BELLO dok, t ambém denorriinado arco de pelouros, como Garcia de
CIVIL!, 1, XXVII. Creio que o comêço seria difi- Rezende cita no seu MISCELÃNlA . Quando os portuguêses
cultar acesso às feras. Depois aos homens . O es- f o!·am para a Índia, deixaram o b-odoque em casa , de velho
sencial porém, não é tatear a origem da paliçada, uso. E' conten1porâneo no Brasil e m u:to m.ais popular
.ent re os ser tanejos e mestiços do agrest e e litor al d<> que no
mas louvar o crttério de Nordtnskiold, decidindo-se inundo indígena. Ver, "Bodoque'', no SUPERSTIÇÕES E
pela legitimidade da invenção amerába. C OSTUlVIES, ·17-50, Antunes Ed. Rio de Janeiro, 1958, e
F1~e d <::rico Lane, "The p,e llet Bow among South American
Indians "', •sep. dos Anais <lo XXXI Cong. Inter . de Ameri-
·cf-l nistas, S. Paulo, 1955.
( 3) O .cachimbo, de tubo e fornilho, é influência euro-
péi-a . O pré-colombiano era tubular, ca sca de árvore ou
Êste ensaio é um dos mais expressivos para dar -pequeno cilinrlr·o vegetal que enchiam de fôlhas de tabaco.
idéia clara do método e, acima de tudo, da técnica ( 'l) N ordenskicld, "La Moustiquaire est-eUe indigéne
divulgativa de Nordenskiold. Vemos como a dedu- €l i Amérique du Sud? J ournal de la Société des Américanis-
ção avança lentamente sôbre o lastro documental. t es de Paris, n. s. t. XIV ( 1922, julgou-o de origem indíge-
na. Minha conclusão é divergente. Tenho-<> como de pro-
Um pormenor mínimo exige a prova imediata. Es- eedência européia. "O M·o squiteiro é ameríndio?", Revista
tabelece-se o reginie da confiança. . . mesmo que o de Dialectologia y Tradiciones Populares, t. XIII, cuaderno
aittor não fundamenta.sse a asserção. 4.0 , 451-457, Madrid, 1957: também in "Rêde de dormir",
E' de notar-se sua inquieta e transbordante 151-158, Ministério da Educação. Serviço de D<>cumentação,
R io de Janeiro, 1959. -
indagação. Tratando de paliçadas e gases asfixian-
PALIÇADAS E GASES .t\SFIXIANT~Es 17
16 ERLAND N ORDENSKiõLD
1ios veio ( 5 )? O tambor de co1Lro é elemento cultural loso e cordial dos colaboradores desta edição, para
aborígen a, e em que parte apareceu trazido pelos o estudo, defesa e ampliação da cultura americanis-
brancos ou pelos riegros ( 6 ) ? E' legitimamente i n- ta nos quadros da atividade mental do Brasil.
àígena o anzol ( 7 )? Qile espécie de remo os indíge-
nas copiaram dos negros? C')
Natal, 1959.
De 1918 para nossos dias, a Antropologia C·ul-
tural e a Etnografia Geral venceram muito cami-
nho. Estão capacitadas para uma resposta "defi-
nitiva'', para o qitfJ se sabe, e ((provisória" para o L UíS D.A CÂMARA CASCUDO.
que virá depois.
Evidentemente a referência não alude apenas Dobrizhof1fer pelos Abipones (-1), Martius (5)
à fumaceira porén1 ao uso do fumo de odor desa- pelos Chavantes e Du Tertre (6 ) pelos Caraíbas nas
gradável, determinado pela combustão da pimenta. .Pequenas Antilhas . S'ão ainda usadas pelos indí-
E' provável que o emprêgo de gases asfixiantes fôsse genas 1\ilataco no Grão Chaco (7 ) . Outro artifício,
um estratagema de guerra especialmente empre- registado por Stad,en, era o emprêgo de gases ve-
gado para si tiar vilas fortificadas. nenosos ou desagradáveis.
Com suas armas rudimenta,res os indígenas de- Oviedo y Va-ldez relata que numa luta entre
viam t er tido grand·e dificuldade para cercar uma Espanhóis, comandaclos por Diego de Ordaz, (1532)
aldeia bem fortificada. Nem isto fazia parte de e os indígenas das vizinhanças do Rio Orenoco doí~
suas técnicas. Seu método de guerra era preferen-
.
Jovens apresentaram-se, em sua frente, com ' uma
cialmente a emboscada e evitar ao máximo, como panela na mão e em punhado de pimentas ver-
regra, exporem-se a um perigo desnecessário . ·Por- melhas na outra. Quando o vento começou a so-
tanto, t e11tavam conquistar estas aldeia por meio prar contra os espanhóis, êles espalharam pimenta
de tôda sorte de estratagemas . Assim, o uso de sôbre os tições. u efeito foi quase que instantâneo
flechas incendiárias com que puzeram fogo à cida- causando não somente acessos de espirros com~
de de Buenos Aires, logo depois de sua funda- também o·bri.ganàç-os a uma desatinação completa.
ção (2 ) . Staden tan1bém se refere a.o emprêgo des- Em suma, os indígenas ,fizeram uso de gás num
tas flechas pelos Tupinambás. ( ~1 ) ataque, e Oviedo y Va.ldez foi de opinião que
os mesmos en1pregaram uma hábil maneira de
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g·uerrear. (8 )
11
2i ERLAND NORDENSKioLD
O prof. Santersson também me informou que Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
as substâncias irritantes da pimenta vermelha, pre-
sumivelmente não se transformam em vapor ao se-
PALIÇADAS 1~ GASES AS.l<~IXlANTBS 27
.l
,
( 32 ) Castellano.s, J_uan de . Elegias de Varones llust::-es T omo primero, Madrid, 1891, p. 25. (Primeira edição Sevilha,
1
Os curiosos fortins dos Jivaros não são paliça-· Amériéa do Sul, podemos obter um bom número de
das; são de uma construção bem diferente. (47, 48, 4v ) pormenores sôbre as mesmas.
Rivet os descr.eve da maneira seguinte: Ercilla ( 5 ~ ) canta louvores às paliçadas dos
"Quatre énormes et robustes poteaux de 25 metres Araucanos que parecem ter tido o caráter de praça-
de haut, choisis parmi les arbres les plur1 résistants forte ('> 3 ) . Latcha,n1, que é bem versado na velha
de la forêt, supportent une petite chambre carrée literatura do Chile, escreve sôbre estas paliça·d as:
de 3 metres de coté, à plancher de bois résistant, à - "Mais tarde tornaram-se exímios construtores de
to.it analogu.e à celt1i des mais,ons, entourée d'une fortificações. Estas eram geralmente construídas
paroi de chonta et de ca.fía sur une hauteur de 1 sôbre uma peq11ena colina, em forma._ de quadrado,
metre une grande échelle y donne acces. ,, sendo empregados fortes troncos de árvores,, pla.n ta-
A afirmativa de que os indíg,e nas Mundrucus dos ·e m sentido· vertical no so,10. Dentro desta cêrca
possuíam uma espécie de fortim é errôneo (r-0 ) . havia outra ine11or que formava o reduto verdadei-
Êles tinham apenas urna espécie de edificação en1 ro, arranjado em forn1a de paliçada com orifícios
que os homens dormiam e guardaVáin as armas, isto para atirar flecha-S. Numa grande extensão, do
1 é, uma "casa de hon1éns'' típica. (51) lado de fora, o chão estava cheio de fossos e bura-
cos, levemente cpbertos com ramos de árvores e
1
1
Na época da, descoberta da América os Quixuas relva, no fundo dos quais. estavam enterradas afia-
e os Aimarás não usavam pail içadas porém fortal·e- das estacas . " (''> 4)
zas de pedra e tijolos sêcos ao sol, denominados ado- Staden (155 ) dá uma desc.rição muito interessan-
bes. O país era em geral pobre de florestas e mes,- te de duplas paliçadas dos Tupinambás. A pali-
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1
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PALIÇADAS E GASES ASFIXIANTES 33
31 ERLA.ND NORDENSKi oLD
sôbre as paliçadas dos Tupinambás, diz que somen-
çada inter11a era evidentemente compacta e pro- te as aldeias das fronteiras eram protegidas por
vida de aberturas; na paliçada exterior as estacas paliçadas.
estavam enterradas numa distância tal que tor- Schmidel C' s), dá uma descrição· minuciosa das
nava impossível um homem passar restejando en- paliçadas que cercavam a al deia de Lambaré dos·
tre ·2las. Guaranis (Cários) . Disseram-nos que a aldeia
Os defensores ficava.m dentro da paliçada in- era cercada por unia dupla paliçada, formada de
terior, onde estavam bem protegidos e podiam, ar- troncos mais grossos que a cintura de um homem.
mados de arco e flechas, matar qualquer pessoa que Erarr1 enterradas com uma profundidade de seis·
tentasse penetrar na estacada exterior. O mate- pés, e tão altas que um ho·m em tinha de usar a
rial usado nestas paliçadas, que tinham mais. ou ponta da espada para alcançar o tôpo. Além da
menos l O pés de altura, era tronco de palmeira. pali.çada externa havia fossos profundos, e numa
"São também inclinadN; a fazer fortificações distância de 15 pés da estacada, buracos de regular
ao redor das suas ca.b anas; e o fazem assim: er- tamanho e profundidade, bem cobertos com ramos
guem, ao redor das cabanas, uma cêrca de troncos de árvore nos quais estavam escondidas afiadíssi-
•
rachados de palmeiras. A cêrca costuma ter bra- mas estacas .
ça e meia de altura, e fazem-na tão junta que ne- Schmidel ain.d a 11os dá descrição de uma pali-
nhuma flecha possa atravessá-la . Deixam umas çada tripla ao redor da aldeia Cário, perto de .As-
aberturas pelas quais atiram. Ao redor da cêrca sunção, chamada por êle Froendiere (5 º). Para
fazem outra cêrca de varas grossas e compridas, dominar esta aldeia os espan.hóis fizeram uso de
porém não as coloca.m muito cêrca uma da outra, grandes escudos feitos de pele de tapir.
apenas tanto a não deixar passar um hom,em ." As paliçadas que Nuf.lo de Chaves. encontrou
Lery (36 ), diz claramente que somente algumas entre os Travasicosis, em Chiquitos, eram evidente-
aldeias Tupinambás, e estas situadas na ifronteira,
possuia.m paliça.das, as quais tinham cinco ou seis
pés de altura. Diz também que ditas aldeias eram
e lhe sairen1 ao recolher, se en1baraçare.n1 de 1naneira, que
circundadas por estacas de pontas afiadas. Soares os possã.o f lexar, e desbarataT, como .aiconte.ce inu itas vezes".
de Souza (ií 7 ), que também fala detalhadamente Ver também à p. 296.
(iiS) S chin1idel, 1. e. p. 173. O interes.s ante livTo de
Schinüde·l é abundanten1ente ilustrado. l!:le parece, apoiado
LER Y, 1. c. p. 236.
(-'.!H ) nas ilustrações, crer na exíst ência <le. u1n outro povo :fóra os
( 57) SOARES DE SOUZA, 1. e. p. 277: - "se estas indígenas Guaraní, possuindo paliçadas no R io da Prata,
al<leas estão em frontaria de seus contrários, em lugares de mas Lafone Quevedo r ecomenda precaução com os desenhos.
guerra, faz êste gentio d·e roda da aldea hum a cer ca cLe páo Prólogo da edição espanhola de Schmidel, p. 69. As ilus-•
a pique muito forte com suas portas, e ~ eteiras, e afastado traçõ1es do livro de Schn1Í'del provém de Hulsius, (Nurem-
da .cer ca vinte, e trinta paln1os, fazen1 de redor <leUa huma berg, 1599) , na edição que fêz de suas viagens ,
r ede de madeira com suas entradas de f ó.ra para entrar ella, (30) Schmi-de1? 1 . e. p. 23(} ,
e a cerca, para que se lhe os contrá1·:os entraren1 t!entro,
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34 'ERLAND NORDENSKiõLD PALIÇADA_S E GASES 'ASFIXIANTES 35
mente cercadas por um fosso com afiadas estacas de madeira, bem fortificados; . as casas eram cons-
oct1ltas no solo. (60) tru.ídas sôbre estacn.das, com grossas. paredes de
Das paliçadas dos Baurés não possuímos ne- troncos de pa.Imeira, com orifícios em sentido hori-
nhum porm·e nor (6 1, 62 ) • Não há nenhum vestígio zontal.
de ,p aliçadas na Bolívia Oriental, porém restos de As paliçadas que Solano encontrou nos meados·
fossos que .cercavarr1 as aldeias ainda podem ser do século XVIII entre os indígenas Gui.punavi, no
vistos em vários lugares. Um dêstes., de tamanho alto Orenoco, estão descritas nas "Relacio11es Geo-
considerável, existe, por exemplo, em Matucare, no gráficas de V-enezuela" (65 ). Os postes tinham um
Rio Guaporé. · Ele deve ter protegido a aldeia, com pé de g·rossura, e estavam colocad.os bem juntos um
tôda a certeza, do lado de terra. Os campos cul- do outro. Entre um poste e o·u tro havia um ori-
tivados também estava1n, provàvelmente, cercados fício numa altura de três pés do solo. Cinco jar-
por esta.c adas. das (varas) (66 ), acim.a do solo havia uma balaus.-
Poucos são os pormenores que podemos inferir tra.d a interior, da qual se podia atirar sôbre a pa-
da descrição das paliçadas, mencionadas por Gas- rede. Ao .redor da paliçada corria um fosso pro-
par d·e Carvajal ( 6·~ ) nas vizinhanças de l\ianaus. fun.do no qual estavam colocadas afiadas estacas,
Uma aldeia que Orellana e s.eus comp·anhei.ros ten- untadas com forte veneno. .
taram conquistar estava aparentemente cercada · Gilij (67 ), também descreve uma paliçada dos
.
por uma paliçada, "
com uma entrada apenas. mesmos indígenas, a qual possuía sómente uma en-
As fortificações que os espanhóis encontraram trada visfvel para estranhos. Os Guipunavi, con-
no estuário do Amazonas, durante a expedição de tudo, tinham outros lugares por onde podiam pe-
Aguirre, o Tirano, eram inteiramente diversas das n-e trar nas paliçadas. Gilij também se refere às
paliçadas co-miu ns (6 ·1) • Eram verda.deiros edifícios citadas balaustradas interiores, nas quais eram co-
lo~adas sentinelas em certos lugares bem protegi-
( 60 )· Guz1nan, 1. . c. p. 10<)0. dos. Dentro da paliçada havia duas construções
( lõl) Lett.res edif iantes ~ 1. c.
(62) Altamirano, 1. c. - -·- -
( 63 ) Gaspar de Ca.rvajal, 1 . c. p. 48.
( G-1) ORTI GUERA, 1. c. p. 372: - ·"por -este puert-0 (G5) 1. e. p. 278: - "Estos indios fortifican sus pue-
y ensena.d a arriba dieran ·Con unas casas fuertes armadas blos con un recinto de -estaica.da.s gru•e sas de un pie de diâ-
sobre gruesos y · recios estantes que teni.an hincad-os en el metro y unida y abren entre cada dos estacas aspill(eira.s1 à ~a
p'l"op.rio cabo desta ensenada de ri-o ó ~ stero que por 13.Ui Ee altura de tres pies y à ti·-es varas de alto, cor.ren una ban-
hacia, ·en tal manera que no s10 podia- desembal'car por otra queta inte.rior, ,d e donde por cima de la . muralla tiran tam-
parte que por alli, por ser la r ibera de inucha altura, llena b:·en al enünig-0. Cir.c unda à 1esta :fortifica.cion paTa la cual
de cieno, iy: ·e n l'O más. alto grandes e,spesura.s y malezas de aprove,c han la del terreno un profundo f o,so de cuneta y en
canas y arbole<las; s obre estos €·stantes ó pil,a res estaban
1 el ponen por abrojos unas punba:s de. maidera durisima enve-
unas salas de tablas <le paln1as bravas, y .cereada.s à la re- nenadas, que con10 los indios. van descalzos .. . "
donda de la propria tablazon1 con rpucha~ tr·on~ra:s -y ven· ( 66 ) Vara, O. 8359 metros. 1. 1 O m . , no 13rasiL
til-nas , " ( 67 ) GiliJ, 1. e. p. gl~, ·
36 · ERLAND NORDENSKIÕLD PAI.1IÇADAS E GASES ASFIXIANTES 37
com paredes de barro, que pa,recem corresponder àrs· crições de Oviedo y Valdés (71 ) . As árvores foram
pali.çadas interiores da.s construções dos Tupinam- dispostas tão reunida.mente que ninguém poderia
bás ~ de outras tribos. Gilij diz que tôda a cons- p·assa.r entre elas .
trução não tinha mais d·e que 150 palmos de diâ- . Estas paliçadas na Colômbia e Venezuela, que
:metro. Oviedo y Valdés descreve, eram evidentemente mu-
· O mesmo autor também descreve detalhada.. ros obtidos pela junção de árvores, de considerável
mente um fortim dos indígenas Maipúri, no rio grossura. Creio mesmo ser provável que as p.ali.-.
Tea:p u (63 ) . Ela era protegj1da apenas de um lado çadas originais eram simples sebes. Como exem-
por· uma ·esta.cad.a, idêntica às dos indígenas Gui- plo, podemos1citar os Júries (72 ), no Norte da .Ar-
punavi, ·embora um pouco mais baixa. gentillá, que tinham aldeias inteiras protegidas p·e-
A entrada., onde havia uma ponte Ievadiça que· las cêrcas de cactus e de outras árvores, defend·en-
podia ser levantada, parece, na opiniã.o de Gilij, ter do-as de possíveis assaltos súbitos. (73 )
consistJdo d.e dois pares de estacas verticais, entre Herrera (7 4 ), ta.mbém, viu no norte da Argen··
as q·ua.is pesados toros foram col;ocados. Gilij diz tina, estas cêrcas de cactus e árvores espinhosas .
que ·elas era.m como a entrada de um dos nossos Estas cêrca.s era.m uma proteção co·n tra ataques
"currais de ovelhas" (69 ) . Dentro da entrada es-
tava uma pequena cabana murada. Nos lados (7 l) OVIEDO .Y VALDÉS, 1. c. T. li, p. 254 (p·e rto·
restantes., o local era protegido por um bosque es- de Cumana) . , p. 446: - "'fodas l•os mas. d·~ los puebJ.os que
f ie. ha.n ·<l'~.c ho, están cereados de muros, árboles mllly gruesos
pinhoso de uma espécie de bambu, que Gilij deno- é illeno·s cíe espinas l:as ra.mas é troncos dellos, é muy es-
n1ina "Guàdue". Se os defensores achassem qu.e pess-0·s é juntos, é son plantados é pue ..;;to.s- à mano· cün tanto
o recinto ia ser toma.do, desapareceriam imediata- ir,tervalo uno de io tro, quand-0 los plantan, quanto sabem. por
mente por meio de cavernas subterrâneas. experien.cia que cr,e sciendo pueden despues ieon el tie mpo 1
inimigos. A fortificação acin1a referida, entre os em Curuyuqui, perto de Ivu, com barricadas de
indígenas Maipú.ri, só era protegida em certos pon- árvores espinhosas e outros expedientes semelhan-
tos por aglo~era,dos de plantas de espinho. Schmi- tes. (77 , 77-A)
del ( 75 ), também menciona uma ald·eia ao norte do Jua.n de Castellanos (78 ), que também descreve
Chaco que era protegida por uma cêrca idêntica, as paliçadas da Venezuela, faz distinção entre as
de altura considerável, inteiramente de plantas es- ~·----
a chuva, a dita paliçada era coberta por um tolde muito, protegiam suas aldeias contra os jagua,-
de tecido de algodão grosso, oom 5 varas de lar- res; c 37' 88 )
gura, :e protegia tôda a defesa fortificada. A questão é a seguinte: - Eram as paliçadas
Cieza de Leon .menciona paliçadas em várias um elemento de cultura genuinamente indígena?
partes no oeste da Colômbia. . Pode parecer curioso que eu levante esta ques-
Falando sôbre estas fortificações na província tão, sabendo-se da existência de proyas tão antigas
de Arma, diz êle: - "Êles têm grandes fortalezas de paliçadas, não só na América do Sul, como na
construídas de grossos troncos arrancados pelas América Central €1 na América do Norte. Contudo,
r..aízes, que são colocados €·m número de 20, em fi- devemos lembrar-nos que as ditas fortificações fo-
leiras, co·m o uma rua, no centro da qual, tem ou ram usadas pelos primeiros conqu,i stadores, e que
tinha, quando visitei o. locat, uma plataforma alta, qs indígenas, em vários lugares pelo menos, não ti-
bem construída das mes1nas árvores com vários de- veram nenhuma i1otícia d~las senão em era post-
g-raus, onde eram. oferecidos sacr1fícios" (84 ) • Das colombiana. Porta.n.to a pergunta parece merece-
paliçadas que os indíg·enas possuíam em Pozo, le- dora de consideração. · .
mo§: - ''Nas.,portas das casas haviam grandes pali- Tambén1 enten·do qu'e, especialmente nesta
çadas e outras. ·defesas, construídas de troncos rijos, hora em que a distribuição geográfica dos elem·en~
e!}'t re · os quais havia largas táboas cobertas de pe- tos CiUlturais, é usada para as espécies de estudos,
qu'en,?ts hastes, de modo que era impossível os es- gra.ç as aos traball1os de Graebner e do Padre
panhóis passarem por elas nos seus cavalos''. (85 ) Schmidt, é importante conhecer sua história após
_yi~ d.e regra, naturalmente, :as paliçadas cons- Colombo - d-e outra maneira estaríamos fadados a
titui?-m· proteç.ã-0 contra assaltos inimigos. Entre- tirar conclusõ·es inteira.mente errôneas. Assim
. ' sa-
.
tanto, em vários lugares., serviam de defesa contra bemos qu-e n.ã o é possível asseverar com absoluta
as feras, especialmente os jaguares. Cieza de Leon certeza se a pana.n a já existia antes de Colombo ..
diz que êste era o caso e1n Cali, na Colômbia (86 ) •. Do mesmo modo, não acho que esteja absolutamen-
No país do chefe Vrraca, perto da Serra Verágua, na te provado que· o bodoque (Pellet-bow') não tenha
11
AméFica Central, quando Fra.ncisco Compafton en- sido introduzido na América do Sul depois de Co-
;
trou na região, em 1522, as .a ldeias indígenas, de lombo, pelos portuguêses vindos da índia. Esta
acôrdo com Herrera, eram circundadas por paliça- arma bastante característica não é mencionada por
das. Os espanl1óis pensavam que os in.d ígenas as 11inguém antes de Dobrizhoffer, e contudo possuí:-
haviam construído como proteção contra os seus ~\ ..
inimigos de Espanha, porém na realidade elas, há '( 87) Ant ônio de Herrera, "História General de los
Hechos de los Castellanos en las Islais· y ;fierra Firm•e del
l\1aP Oceano". Madrid, 1726. Deca.da III. Libro III, C~tp. IX.
( S4 ) Ciez'.a de L eo'n. , 1. e. p. 'iO. ,. ( 88 ), Há interessantes pormenores sôbre 'paliçadas na
( :35) . Cieza de Lel()'n,. 1. e. p. 70. ~olôn1bia, em Aguado, 1. e. nos manuscritos rec.-enteinente
(8H) Ci,eza de Leon, 1. e. p. 104. impressos. ··
PALIÇADAS E GASES ASFIXIANTES 45
44 ERtAND NORDENSKIÕLD
antropo-geográficos (89 ) . Esta é a razão por q~e
mos trabalhos inais antigos e mais pormenor~zad_?S fiz uma indagaçã,o tão detalhada e um exame tao
dos. lugares onde êle agora existe, e nos quais nao compl,eto da pergunta: - se ~s paliça~as ifepres~n
é registado. tam um elemento cultural pre-colomb1ano ou nao,
Co,m que certeza podemGs afirmar que os indí- embora para muitos seja evidente serem elas legi-
genas Onas não aprenderam co~ os Eu;opeus a tima1nente indígenas . Quero também esclarecer
obter fogo com piritas e pederne1ras? Ate onde ~s como será difícil responder uma tal pergunta, em-
Europeus introduziram o uso do cachimbo na Ame- bora sôbre um elemento cultural como as paliçadas,
... rica é outra questão de grande interêsse. Cert~. a respeito das quajs há tanta informação, minu-
mente ·existia na América do S'ul, nos tempos pre- cios.a , na literatura do século XVI. Há m.u ito para
colombianos, porém também é provável que os Eu- ser dito em ambos os lados.
ropeu_~ espalharam seu u so, depois da descoberta da
Parece que a existência das paliçadas nas al-
Amértêa entre tribos que até aquela época nunca deias amazônicas, já no tempo de Orellana, é uma
tinha·m ,h.uvid'O qualquer menção, sôbre isso. O a:_co prova ·e vidente que t ais fortificações eram usadas
u.sado por várias tribos para a limpeza do algodao, p elos indígenas antes d·e terem ciênc1a da.s m€smas
foi provàvelmente introduzido na América em tem- por intermédio dos europeus. Isto não é certo,
pos post-colombíanos; po rém não há certeza abso-
1
en su viaje al P eru. Col. Doe. Inédt. T. IV. l\fadrid,. 1865, ( 99 ) d' A vezac (A) . " Relation authentique d';1 v·o yage. du
p. 52. Capitaine de Gonneville. Annales voyages. Paris, 1869 .
18 ERLAND NORDENSKIÕLD
(),,,,,.
( I:OO )L. e.
(101) Carta de Di1ego Garc:iia, 1526. Revista do Instituto
o 18V. •
,
(
paliçadas naturais não foram certamente planta- çaram os indíg.e nas a fortificar as suas aldeias.
das depois dos indígenas terem sido .moliestados pe- S'imon (1º8 ) diz, fa.1 ando sôbre os Cuicos e os Timo-
los europeus, porém devem datar de um período tes, que habitavam ;regiões perto de Trujillo, na
mais remoto e e1n condições de perfeita paz, pois Venezuela, que o,s indígenas construiam p·a liçadas
elas levam vários anos para crescer oomo proteção como defesa contra os espanhóis, porém nada diz
eficaz. com relação a estas construções terem sido copia-
das dos mesmos. Podemos portanto concluir, como
Daí se conclui que estas construções na Vene- regra, que as aldeias indígenas, nos tempos dos pri-
zuela e na Colômbia devem ter sido um elemento 1
meiros descobri.dores, não eram cerca,d as por pali-
cultural pré-colombian o. Não temos certeza se çadas no Rio Paraná, na costa brasileira, nem no
•
eram. prcé-co1ombianas no Amazonas e na parte Chile, porém, foram fortificadas ma.is tarde como
oriental da Bolívia . Na costa brasileira no Para- uma proteção contra os portuguêses e os· espanhóis,
ná, e no Chile, parece, julga11do as fontes históricas, de mod·o que Schmidel e outros as encontrara.m for-
que elas foram post e não pré-colto mbianas. tificadas anos depois.
Deve-se co,n tudo afirmar com certeza qu.e ne- Podemos concluir que foi depois de ficarem ex-
nhum dos autores do século XVI, descrevendo cir- postos às inva.sões dos espanhóis que os indígenas
custancia.d amente as paliçada.s, em djferentes par- reconheceram seu poder e então passaram a cons-
t es da América do Sul, faz qualquer referência aos truir paliçadas como proteção contra os mesmos é
indígenas terem copiado a idéia de construir ~pa não como in1i tação dos europeus. Podiam ter tido
liçadas dos europeus. E' também curioso notar que conhecimento delas antes, porém somente vieram
escritores como Schmidel e Staden, que descreve- a construí-Las como houve n ecessidade das mesmas·
ram as paliçadas em reg·iões onde temos razão para sendo portanto a razão primordial aqui a invasão'
suspeitar que elas foram copiadas de modelos euro-
peus, tenham tomado tanto interêsse nelas, se sou- (1 º8 ) 1. e. p. 396 .
- \
PALIÇADAS E G.1\SES ASFIXIANTES 53
52 ERLAND NORDENSKiõLD
'
e é evidente que a fortificação exterior, com suas
e os ataques dos brancos. E', entretanto, provável
armadiJ.has, era uma proteção contra assaltos, en-
que as houvessem usado antes como meio defensivo
nas guerras com as outras tribos. • quanto que os defensores atira,-am através de ori-
Poder-se-ia pensar que a construção das pali- fícios feitos na paliçada interior. Eu, portanto,
çadas resolveria a questão de terem sido elas cons- acho muito provável que os Araucanos não copia-
truídas sob modelos europeus ou não. Isto não é ram modêlos espanhóis, porém construira.m imi-
tão fácil, contudo, porque os fôssos, armadilhas e tando lições de seus antepassados.
todos os detalhes que conhecemos sôbre as paliçadas Se concluirmos· que as paliçadas do Chile cons-
dos indígenas, eram familiares aos europeus. To- titu·ern um elemento cultural indígena legítimo, o
davia, não haveria alguma diferença essencial en- mesmo caso pode ser aplicado às fortiJicações do
tre as paliçadas dos indígenas e as construçõe.s eu- Rio Paraná e da costa do Brasil, onde as paliçadas
ropéias? Os fatos são os seguintes: - Os indígenas eram do mesmo tipo das dos Araucanos.
construiam uma espaçada paliçada exterior e outra Como coriclitsão final podemos dizer que, por
interior mais próxima, enquanto nas construções tôda América do Sul, onde quer que esta espécie de
européias as estacas eram aparentemente juntas. fortificação tenha sido usada pelo indígena, ela era
Nas fortificações indígenas, a paliçada exterior era essencialmente um elemento cultural pré-colom-
apenas uma proteção contra assaltos. Com os biano.
fôssos, arbustos esplnhentos, etc., tinha a mesma Pode também ter havido o caso dos europeus
finalidade das cêrcas de arame farpado na guerra terem construído paliçadas por modelos indígenas,
moderna. Vargas Machuca (1º9 ), num 1ivro pu-
uma vez que usaram os s.elvagens em trabalhos de
blicado em 1599, sôbre a arte de fazer guerra dos
indígenas, fala sàm.e n te de paliçadas construidas diversas espécies. Há referência em Sedefio que,
com estacas juntas. Devemos lembrar-nos que êste com o auxílio de vizinho e amigo, o chefe Chaco-
livro foi esçrito rios fins do século XVI, e, .as p·aliça- mar, e outros indígenas da vizinhança, construiu
das que os europeus construiram no princípio da- uma paliçada (LlO ) n!:l ilha de Trinidad . Não é
quele século são as que rea.Imente nos interessam. impossível que o p~,an.o da construção tenha si.do
• Mas, devemos notar que Valdivia menciona ter do chefe aborígene, e não de Sedefio .
1 construído paliçadas com um fôsso ao redor en-
1 .
quando !1-s paliçadas dos Araucanos, que se 'pode
pensar f assem construídas no mesmo modêlo eram
muito diferentes. Elas eram de construção 'dupla,
1
Está fora do âmbito dêste estudo tratar da
construção de paliçadas na América Central e na
(109 ) Vargas Machuca, Bernardo de; "Milícia y des-
cripcion de las indias". Golección de libros raros ó curiosos
que tl'1atan de América. T-0mo octav<>, Madrkl 1892 p. 214 (110) Sim()n, 1. e. p. 96.
(Primeii~a edição, Madrid, l\iDXCIX). ' '
54 ERIJ.l \N D NORDEN'SKfõLO
PALIÇADAS E GASE S ASFIXIANTES 55
América do Norte . Muito já foi escrito sôbre o as- A na.rracão de Thevet é sem dúvida exagera-
sunto sobretudo referente a esta última região. ( 111 ) ;>
-
1,