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DIVERSIDADE SEXUAL E FORMAÇÃO CONTINUADA NA REDE PÚBLICA DE ENSINO


DO DISTRITO FEDERAL.

RESUMO

O presente artigo busca identificar como a questão da diversidade sexual foi apresentada
nos cursos de formação continuada, oferecidos pela Escola de Aperfeiçoamento dos
Profissionais da Educação – EAPE, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, entre os
anos 1990 a 2014. A partir da análise dos programas e dos conteúdos apresentados por
esses cursos, foi possível constatar que, no decorrer do tempo pesquisado, diferentes
abordagens sobre o tema, ora silenciaram, ora oportunizaram o debate sobre a diversidade
sexual.
Palavras-chave: Educação Sexual; Diversidade Sexual; Formação Continuada.

ABSTRACT

This article seeks to identify how the issue of sexual diversity was presented in continuing
education courses, offered by the School for the Improvement of Education Professionals -
EAPE, from the Education Department of the Federal District, between the years 1990 to
2014. From the analysis from the programs and content presented by these courses, it was
possible to verify that, during the time researched, different approaches on the theme,
sometimes silenced, and sometimes made possible the debate on sexual diversity.
Keywords: Sexual education; Sexual Diversity; Continuing education.

RESUMEN

Este artículo busca identificar cómo se presentó el tema de la diversidad sexual en los
cursos de educación continua, ofrecidos por la Escuela para el Mejoramiento de los
Profesionales de la Educación - EAPE, del Departamento de Educación del Distrito Federal,
entre los años 1990 a 2014. Del análisis A partir de los programas y contenidos presentados
por estos cursos, fue posible verificar que, durante el tiempo investigado, diferentes
enfoques sobre el tema, a veces silenciados, y a veces hicieron posible el debate sobre la
diversidad sexual.
Palabras clave: educación sexual; Diversidad sexual; Educación contínua.
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Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás, chefiou o Núcleo de Diversidade


da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação, entre os anos de 2012 e
2015, atualmente atua como professor da educação básica da rede pública de ensino do
Distrito Federal
https://orcid.org/0000-0003-2789-2443

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, a questão da diversidade sexual no Brasil, deixou definitivamente


o “armário”. A movimentação da comunidade sexodiversa 1 passou a exigir muito mais do
que apenas visibilidade. Com a articulação política de movimentos sociais pelos direitos
humanos, de pesquisadoras/es e de profissionais das mais variadas áreas, essa parcela da
população passou a exigir que o Estado lhes garantisse, a partir de políticas públicas
específicas, maior proteção, protagonismo e participação social.
Seja por causa da orientação sexual ou pela identidade de gênero, estas pessoas,
além de não terem seus direitos plenamente reconhecidos, continuam sendo vítimas de todo
tipo de violência, abusos, perseguições, agressões e assassinatos que estão diretamente
relacionados a uma ideia de “afronta” e de “desvio” aos papéis sexuais determinados para
homens e mulheres.
Na tentativa de reverter essa situação, não há como desconsiderar o importante
papel da educação. Algumas iniciativas em relação à inclusão na perspectiva de gênero e
sexualidade nas políticas educacionais, foram formuladas e colocadas em prática, pelo
Ministério da Educação - MEC, por Secretarias Estaduais e Municipais de Educação.
Dentro dessas ações, os processos de formação inicial e continuada de professores
e professoras tiveram relevante importância uma vez que esses/as profissionais podem
assegurar tanto a possibilidade da escola intervir adequada e criticamente nas questões que
envolvem gênero, sexualidade e orientação sexual, assim como podem contribuir para a
reprodução e perpetuação de preconceitos e a consequente exclusão de estudantes
sexodiversos.
Nesse sentido, o presente artigo, busca investigar de que maneira a temática da
diversidade sexual foi tratada nos cursos de formação de professores e professoras
oferecidos pela Secretaria de Educação do Distrito Federal – SEDF, por meio da Escola de
Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação - EAPE. Para tanto, utilizaremos como
ponto de referência, a análise documental dos programas e conteúdos dos cursos
1
Utilizo, neste artigo, o conceito de sexodiversidade, que contempla as pessoas gays, lésbicas,
bissexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, não-binárias, assexuadas além de pessoas
heterossexuais que não se enquadram nos estereótipos e normas, considerados adequados.
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oferecidos, entre os anos de 1991 a 2014, tendo como fonte de pesquisa, os arquivos de
seu Centro de Documentação – CEDOC-EAPE.
O presente estudo justifica-se por apresentar um panorama do debate sobre o tema
da educação sexual de modo geral e da diversidade sexual, de modo específico, no âmbito
da SEDF, possibilitando analisar as visões que nortearam a execução dos cursos e que tipo
de referencial teórico os fundamentaram.
O CAMPO DA DIVERSIDADE SEXUAL

Temos presenciado, nos últimos anos, um significativo número de pesquisas e a


criação de vários grupos de estudos, vinculados às universidades, com o objetivo de
analisar a sexualidade humana. Como são várias as perspectivas para se compreender um
fenômeno fortemente pautado pela diversidade de concepções, são inevitáveis as
controvérsias e as divergências sobre os resultados e os caminhos utilizados para se
entender esse tema.
A partir dessas pesquisas, temas como homofobia, orientação sexual, diversidade
sexual, heteronormatividade, expressão de gêneros, entre outros conceitos, passaram a
fazer parte do vocabulário acadêmico. E pelo seu caráter, polissêmico, torna-se
imprescindível a definição do conceito de gênero, que fundamenta este trabalho e de onde
se originam a maior parte dos estudos atuais sobre sexualidade.
Butler (2003) aos analisar as relações entre os sexos, tem como objetivo, historicizar
as relações entre o corpo e o sexo, criticando a forma dicotômica em que os conceitos de
sexo x gênero eram tratados. Dessa forma, permite que o movimento feminista problematize
as diferenças entre homens e mulheres, fundamentadas na Biologia e na anatomia dos
corpos. Conforme a autora, haveria uma “ordem compulsória” que determina quais papéis
sociais devem ser desempenhados, a partir dessa perspectiva meramente biológica.
Nesse sentido, Scott (1995, p. 72) apresenta a ideia de que o termo gênero (gender),
foi proposto por pesquisadoras ligadas ao movimento feminista a partir da década de 1960.
O objetivo principal destas duas frentes, a pesquisa e o movimento social, era a mudança de
paradigmas de abordagem científica e não-científica sobre o “gênero feminino”.
Como estratégia de articulação, o movimento feminista passava então a questionar a
invisibilidade das mulheres nas ciências dando aos estudos feministas do período, um
caráter eminentemente político.

... eles (os estudos) tiveram o mérito de transformar as até então esparsas referências às
mulheres – as quais eram usualmente apresentadas como a exceção, a nota de rodapé, o
desvio da regra masculina – em tema central. Fizeram mais ainda: levantaram informações,
construíram estatísticas, apontaram lacunas em registros oficiais, vieses nos livros
escolares, deram voz àquelas que eram silenciosas e silenciadas, focalizaram áreas, temas
e problemas que não habitavam o espaço acadêmico, falaram do cotidiano, da família, da
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sexualidade, do doméstico, dos sentimentos. Fizeram tudo isso, geralmente, com paixão, e
esse foi um importante argumento para que tais estudos fossem vistos com reservas. Eles,
decididamente, não eram neutros. Louro (1997, p. 19).

Ainda para a autora, estes estudos tinham (e ainda têm) como premissa questionar o
fato de que as diferenças entre homens e mulheres não possuem uma origem biológica,
como predominantemente se acreditava uma vez que, para essas pesquisadoras e ativistas,
as origens dessas diferenças são essencialmente sociais. Substituem então a palavra
“sexo” ou “diferenças sexuais” por “gênero”, que torna-se ao mesmo tempo, uma ferramenta
analítica e uma ferramenta política. Louro (1997, p. 21).
Ao romper com a perspectiva biológica e a visão binária, que coloca em oposição
dois sexos e dois gêneros, a diversidade sexual permite várias conexões entre o gênero, a
sexualidade e o corpo, dando origem a várias outras identidades de gênero distintas da
heterossexualidade.
Conforme Prado e Machado (2008, p. 69) se por um lado entendemos que o gênero,
assim como a classe social, nacionalidade, a raça e religião, por exemplo, são partes
constitutivas da identidade dos sujeitos, suas identidades sexuais são constituídas a partir
da forma que vivenciam e interpretam sua sexualidade. Já o direcionamento do desejo
erótico para pessoas do mesmo sexo, de sexos diferentes ou para nenhum sexo, é parte
constitutiva da orientação sexual.
A partir dessa perspectiva, entende-se que a identidade de gênero está relacionada
ao binário sistema macho/fêmea. As pessoas que se identificam com esse binarismo são
chamadas de cisgêneras. Já as pessoas travestis e transexuais transpõem esse binarismo,
identificando-se com o sexo biológico oposto ao qual nasceram, e isso independe da
orientação sexual e são denominadas como transgêneros.
Mesmo que haja intersecções, aproximações e distanciamentos, zonas de contato e
de transposição entre a identidade de gênero e identidade sexual de uma pessoa, isso não
quer dizer que esses conceitos são a mesma coisa. Ao contrário. Isso quer dizer que a
pessoa pode nascer biologicamente de um sexo, porém identificar-se com outro. Dessa
situação surgem ou a vontade de corrigir o corpo, adequando-o à percepção da sua própria
identidade de gênero, como acontece com transexuais, ou pode até surgir o desejo de
realizar mudanças em seu corpo com o objetivo de aproximar a aparência à sua identidade
de gênero, mas sem negar o órgão genital, como no caso de travestis.
Apesar de toda essa variedade de possibilidades, a maior parte das sociedades
estabelece como hegemônica, a heterossexualidade como a única forma capaz de vivenciar
plenamente a sexualidade. Assim, todas as outras passam a ser vistas como sexualidades
desviantes ou deficientes. Essa perspectiva é denominada de heteronormatividade, ou seja,
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a heterossexualidade é a maneira considerada adequada de se viver a sexualidade e todas


as outras formas são consideradas como um desvio, passível de ser corrigido.
A percepção de que existe uma única forma de expressar a sexualidade não é um
fenômeno dos nossos dias. Seus registros datam de tempos imemoriais e variam de acordo
com a concepção de corporeidade que cada sociedade constrói no decorrer da história. O
corpo, mais do que uma relação puramente individual ou subjetiva, sofre uma variedade de
condicionalidades e determinações sociais.
Segundo Borrillo (2010, p. 72), os elementos precursores da segregação imposta aos
sexodiversos, no Ocidente, têm suas origens na tradição judaico-cristã. Para o autor,
enquanto em várias culturas pagãs, a diversidade sexual era vista como parte constitutiva
das pessoas, entre os judeus, por exemplo, os homossexuais, e os atos que praticavam, os
afastavam da salvação e os colocavam à margem da natureza.
Mesmo depois que a Igreja Católica tivesse perdido o poder de julgar e condenar as
pessoas, para os Estados Nacionais em formação, a perseguição contra a população
sexodiversa não cessou. Por causa da influência do Direito Canônico, mesmo com a
laicização do Estado, o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo continuou a ser visto como
algo abominável. Para o Estado, isso passou a ser considerado crime, um atentado à
normalidade social, portanto passível de multa, prisão ou execução.
O século XIX viu surgir uma nova forma de justificar a diversidade sexual como um
desvio, não apenas como um pecado ou crime. As ciências irão se juntar à religião e ao
Estado, com objetivo de buscar “explicações” para diferenciar e segregar a sexodiversidade.

Ao defender a ideia de uma hierarquia racial do desenvolvimento baseada na Biologia, assim também
as primeiras teorias sexológicas justificaram a subordinação das mulheres ao afirmar seu caráter
biologicamente determinado; e, paralelamente, em razão de seu destino anatômico, os homossexuais
acabaram sendo situados numa posição marginal no âmago da hierarquia sanitária dos sexos e das
sexualidades. Borrillo (2010, p. 66)

Enquanto que, para os religiosos, os vícios da homossexualidade, por exemplo,


estavam na alma, para os médicos do século XIX, eles estavam no corpo. Dessa forma,
essas pessoas não deveriam ser consideradas, pelas ciências médicas, como pecadoras ou
criminosas mas sim, como sujeitos de outra espécie que, por meio de punições ou terapias
de recuperação, poderiam voltar à “normalidade”. Essa perspectiva somente foi modificada
na década de 1980, quando a Associação Americana de Psiquiatria deixou de ver a
homossexualidade como uma doença, seguida pela Organização Mundial da Saúde – OMS,
na década de 1990. Lionço e Diniz (2010, p. 49). A transexualidade somente passou a ser
vista como natural, e não como desvio de gênero, apenas no ano de 2018.
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As teorias psicanalíticas também se debruçaram sobre as origens da


homossexualidade. É por isso Louro (2009, p. 102) nos chama a atenção para o fato de
Freud ter desenvolvido a ideia de que há em cada ser humano uma bissexualidade original.
Para ele, era a heterossexualidade que permanece como referência e a homossexualidade
seria considerada como um contratempo na evolução sexual, portanto, não deveria ser
considerada nem crime, nem doença, mas um desvio ou um acidente de percurso
decorrente da forma em que estabeleceu-se a relação da criança com os seus pais.
Borrillo (2010, p. 58) ainda cita que também no limiar do século XX, a Antropologia
sugeria uma nova leitura sobre a homossexualidade. A aceitação, ou não, das relações
homossexuais estava diretamente ligada ao estágio de desenvolvimento das sociedades se
comparadas, evidentemente, com as sociedades industriais europeias e cristãs da época.
Essas perspectivas atravessaram o tempo e ainda hoje são utilizadas para
justificarem discursos e ações que impedem o avanço de direitos da população sexodiversa
em todo o mundo. E como não poderia deixar de ser, os muros das escolas não impedem
que as concepções originadas há milênios, circulem entre os/as estudantes, entre as/os
profissionais da educação e suas metodologias, os currículos e materiais didáticos, como
veremos a seguir.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPAÇO ESCOLAR

Desde o nascimento, um verdadeiro aparato simbólico e institucional é acionado para


que os bebês, a partir de seu sexo biológico, sejam acomodados em determinados e
diferenciados espaços e papéis sociais. Várias são as instituições responsáveis pela (re)
produção dessa lógica, sendo as principais, a família, a religião, os meios de comunicação,
a cultura e evidentemente, a escola. Ela, assim como as outras, delimitam espaços,
estabelecem normas e exigem comportamentos considerados adequados, esperados e
valorizados.
Ao fazer a fila de meninos e meninas, ao estabelecer em quais brincadeiras meninos
e meninas podem se divertir, ao escolher o currículo a ser apresentado, os materiais
didáticos e brinquedos permitidos, entre tantos outros aspectos, as relações de poder entre
gênero e sexualidade orientam e estruturam a organização dos tempos e dos espaços
escolares. Ao partir do pressuposto que a escola (re) produz e (re) significa a cultura, ela irá
acionar vários mecanismos de controle e de vigilância para sua manutenção.
A escola produz e pratica uma Pedagogia da Sexualidade que, para a autora, tem o
objetivo de disciplinar os corpos, utilizando-se de instrumentos sutis, discretos e contínuos,
por isso, quase sempre, eficientes e duradouros. Apesar de tantas outras questões sobre as
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quais se debruça a escola, a sexualidade está ali, presente, intervindo sempre quando um
aluno ou aluna, ou ainda, professores e professoras, subvertem a lógica esperada. Há,
dessa forma, um intenso controle e vigilância sobre os corpos e suas interações uns com os
outros, a fim de evitar contatos e principalmente, a fim de evitar desvios.
Sendo a escola um espaço privilegiado para a formação humana, portanto, repleta
de significados e pautada pelos interesses hegemônicos e antagônicos, o tipo de homem e
mulher definidos como modelos a serem seguidos, serão exaustivamente apresentados às
crianças e jovens, como positivos, esperados, e principalmente, naturalizados, enquanto que
as outras expressões da diversidade sexual humana serão apresentados invariavelmente,
de forma negativa.

Ao longo de sua história, a escola brasileira estruturou-se a partir de pressupostos fortemente


tributários de um conjunto dinâmico de valores, normas e crenças responsável por reduzir à figura do
“outro” (considerado “estranho”, “inferior”, “pecador”, “doente”, “pervertido” “criminoso” ou
“contagioso”) todos aqueles e aquelas que não se sintonizassem com o único componente valorizado
pela heteronormatividade e pelos arsenais a ela ligados – centrados no adulto, masculino, branco,
heterossexual, burguês, física e mentalmente “normal”. Junqueira (2009, p. 14).

Crianças e adolescentes sexodiversos, além de heterossexuais que não


correspondem aos comportamentos esperados, são alvo de todo tipo de agressão,
simbólica ou física e dificilmente encontram a segurança necessária entre os/as
professores/as.2 Assim, na escola, como entre os/as amigos/as da vizinhança, as crianças
precisam provar que já reconhecem seu lugar e seus respectivos papéis sociais e sexuais.

...em virtude desse processo de construção de mentes e corpos afinados com tal modelo
heteronormativo, se verificam a produção e a distribuição desigual social do “fracasso escolar” entre
meninos e meninas. Tais produção e distribuição apresentam nexos com as diferenças inerentes aos
processos de socialização de meninos e meninas (e, por conseguinte, de construção e hierarquização
de identidades de gênero), alimentadas por estruturas curriculares e cotidianidades escolares que,
por sua vez, reforçam ulteriormente ou são continuamente reforçadas por concepções
heteronormativas. Assim, não por acaso, meninos e rapazes têm apresentado maiores problemas
em suas situações e trajetórias educacionais. Ou seja, a escola, ao discriminar formas não
hegemônicas de masculinidades, paradoxalmente, produz maiores dificuldades no desenvolvimento
de capacidades comumente entendidas como atributos femininos, tais como ler e narrar histórias.
Louro (2009, p. 33).

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A pesquisa “Perfil dos Professores Brasileiros”, realizada pela UNESCO, em 2002 revelou que para 59,7% dos
professores e professoras, é inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais e que 21,2% deles
tampouco gostaria de ter vizinhos homossexuais.
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Tanto a invisibilidade e o silenciamento, como os discursos sobre a diversidade


sexual não estão restritos aos debates, currículos e estratégias pedagógicas no interior da
escola. Há ainda, um silenciamento sobre a diversidade sexual nos livros didáticos.
Segundo Lionço e Diniz (2010)

Nos livros didáticos, o caráter heteronormativo das relações sociais está presente nos padrões de
representação de gênero e de organizações familiares, nos discursos sobre afetos e também na
ausência do tema da diversidade sexual. A heteronormatividade impõe um silêncio sobre essa
temática: não há gays nas obras literárias, não há relações homossexuais nos textos de orientação
sexual e, muito precocemente, as crianças aprendem a indexar o universo social pela dicotomia de
gênero. Não existem corporificações para além desse binarismo, por isso não se fala de
homossexuais, bissexuais, travestis ou transexuais. O silêncio é a estratégia discursiva dominante,
tornando nebulosa a fronteira entre heteronormatividade e homofobia (p.52).

Dentro e fora das escolas, dentre todos os grupos minoritários, os/as homossexuais
são os “mais odiados”, o que contribui para que o Brasil seja o país com o maior número de
assassinato de homossexuais e transgêneros no mundo3. As pesquisas realizadas no
interior da escola, com o objetivo de identificar os discursos homo-lésbico-transfóbicos e
excludentes revelam um quadro preocupante.
Uma dessas pesquisas, que tiveram as escolas públicas do Distrito Federal como
foco de análise, revelaram que o tipo de discriminação mais recorrente estava direcionada
aos/às que são ou parecem ser homossexuais. A partir dos dados coletados na pesquisa,
Abramovay, Cunha e Calaf (2009), afirmam que 63,1% dos/as estudantes já presenciaram
algum tipo de violência contra homossexuais e 27, 8% dos/as estudantes não gostariam de
dividir a mesma sala de aula com colegas que são ou parecem ser homossexuais.
Essa situação torna-se mais visível nas turmas das séries iniciais, uma vez que,
segundo a pesquisa, quanto mais jovens, mais os/as alunos rejeitam estudantes que são ou
parecem ser homossexuais. Enquanto que entre crianças de até 11 anos, o índice de
rejeição era de 48,7%, entre os/as estudantes com mais de 18 anos, este índice cai para
16,3%.
E por causa da construção da masculinidade heterossexual que se forma, entre
outros fatores, pela polarização com aqueles que parecem ou são homossexuais, entre os
meninos pesquisados, 44% rejeitam homossexuais como colegas de classe enquanto que
entre as meninas, a rejeição é registrada por 14,9% das alunas participantes da pesquisa.

3
O Grupo Gay da Bahia - GGB, divulga todo ano, o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais.
Conforme o GGB, o Brasil confirma a posição de primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos
homofóbicos, concentrando 44% do total de execuções de todo o mundo. Disponível em
http://www.ggb.org.br/direitos.html Acesso em 20 de maio de 2013.
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Entretanto, como todo e qualquer espaço social, a escola não é um espaço neutro ou
apenas responsável pela (re) produção da lógica dominante. Por isso, em seu interior e em
outros espaços de reflexão sobre a escola e a educação, algumas ações foram
implementadas a fim de enfrentar a violência homofóbica e a invisibilidade de sexodiversos
no interior da escola.
Do debate entre Estado e Sociedade foi elaborado o Plano Plurianual - PPA 2004-
2007 que, juntamente com o planejamento econômico, previu uma série de ações no campo
social e na garantia e ampliação de direitos. (Brasil, 2003). Assim, a partir do Programa
“Direitos Humanos, Direitos de Todos”, constitutivo do PPA, definiu-se a elaboração do
Plano de Combate à Discriminação contra Homossexuais, formado por um conjunto de
propostas de políticas públicas destinadas a garantir uma série de direitos a essa parcela da
sociedade (Brasil, 2004).
Para fazer efetivo este compromisso, a Secretaria Especial de Direitos Humanos -
SDH, ligada à Presidência da República, lançou o Programa Brasil Sem Homofobia que
continha as intenções do Estado nessa área e que conseguiu articular vários setores do
Governo Federal. E como não poderia deixar de ser, o Programa Brasil sem Homofobia
reserva à educação, um espaço central.
Sob a responsabilidade da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão – SECADI, ligada ao Ministério da Educação - MEC, o “Projeto
Escola Sem Homofobia” foi planejado por entidades de defesa dos direitos humanos e da
população sexodiversa sob monitoramento governamental, como parte do “Programa Brasil
sem Homofobia”.
Entre os objetivos do programa destacavam-se a promoção dessa população a partir
da equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação homo-lesbo-
transfóbica, respeitando a especificidade de cada um desses grupos populacionais além de
questionar práticas, posturas, princípios e valores presentes no ambiente escolar que
reproduzem e legitimam as hierarquias sexuais. (Brasil, 2010).
Para atingir tal objetivo, o Programa propôs diversas ações voltadas para o apoio a
projetos de fortalecimento das instituições, criação e disseminação de conhecimentos sobre
direitos e o incentivo à denúncia de violações dos direitos humanos da população
sexodiversa. Dessa forma, foram estabelecidos dois eixos principais: a elaboração de um
conjunto de recomendações elaborado para a orientação da revisão, formulação e
implantação de políticas públicas de enfrentamento à homofobia nos processos gerenciais e
técnicos dos sistemas públicos de ensino, além da formação de gestores/as públicos sobre
os direitos da população sexodiversa e a incorporação e institucionalização de uma
estratégia de comunicação para trabalhar a homossexualidade nas escolas e contextos
educativos que repercuta nos valores culturais atuais (Brasil, 2010).
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Além disso, esse programa também previa a criação de um kit de materiais


educativos que abordariam aspectos das manifestações das fobias a sexodiversos no
ambiente escolar, direcionado para gestores/as, docentes e estudantes. Outro ponto
importante do programa tratava da necessidade da capacitação de técnicos/as em
educação e de representantes de movimentos sociais ligados à questão da diversidade
sexual, de todos os estados do país para a utilização apropriada do kit junto à comunidade
escolar.
Apesar da importância do citado programa, a simples divulgação desta iniciativa, nos
meios de comunicação, articulou grupos religiosos e setores conservadores da sociedade,
liderados por parlamentares tanto evangélicos/as como representantes de setores
conservadores, que intensificaram uma ampla campanha contrária ao programa,
pejorativamente chamado de “kit gay”. Em 2010, a presidenta Dilma Rousseff, no início de
seu mandato, vetou a continuidade do programa, impedindo-o de ser plenamente efetivado.
O que podemos concluir é que qualquer iniciativa destinada ao reconhecimento por
parte do Estado, da diversidade sexual (criminalização da homofobia, união homoafetiva e a
expansão e consolidação dos direitos a sexodiversos) são acompanhadas de uma reação
cada vez mais articulada e violenta dos segmentos religiosos, principalmente de evangélicos
em conjunto com setores conservadores da sociedade.
Entretanto, apesar do veto presidencial, outras iniciativas governamentais, tanto em
nível federal, como estaduais e municipais, foram implementadas a fim de possibilitar,
aos/às profissionais da educação, o (re)conhecimento da importância de se debater essas
questões, no interior da escola. E no caso do Distrito Federal, essa demanda passou a ser
de responsabilidade da Escola de Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação – EAPE,
responsável pela formação continuada de profissionais da educação básica da rede pública
de ensino.

DIVERSIDADE SEXUAL E FORMAÇÃO DOCENTE: EXPRESSSÕES DE UM EMBATE


IDEOLÓGICO NA EAPE.

A partir do que foi exposto, os programas de formação inicial e continuada tem um


importante papel no processo de inclusão da população sexodiversa, nas escolas e
universidades. É possível que a partir deles, professores e professoras, (re) conheçam que
a diversidade sexual, mais do que presente nas escolas, precisa fazer parte das reflexões
sobre educação, sobre currículo, diversidade cultural, além da reformulação de
metodologias e materiais didáticos.
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Como vimos, o campo da sexualidade é um espaço propício para posições


antagônicas, decorrentes de diferentes perspectivas sobre princípios morais, culturais e
religiosos e sobre a laicidade do Estado.
Assim, ao analisar os cursos que trataram dessa temática, oferecidos pela Escola de
Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação – EAPE, foi possível observar como eles
foram influenciados por diferentes abordagens que permeiam esse debate, partindo-se da
análise dos programas e ementas dos referidos cursos oferecidos entre os anos de 1991 até
2014.
A EAPE, ligada à Secretaria de Educação do Distrito Federal, surgiu a partir da
Resolução 2.416/88, quando o então Secretário de Educação e Presidente do Conselho
Diretor da Fundação Educacional do Distrito Federal – FEDF, Fábio Vieira Bruno, criou a
Escola de Aperfeiçoamento Profissional – EAP, com o objetivo de oferecer a formação
continuada e treinamento destinado a professoras e professores da rede pública de ensino
do Distrito Federal. As demandas para a formação continuada, à época, estavam sob a
responsabilidade da Diretoria de Recursos Humanos da SEDF, conforme Cerqueira (2002,
p.34).
Em 1995, durante o governo de Cristovam Buarque (1995-1999), a então EAP é
extinta e por meio da Lei Distrital 1.619, é criada a atual EAPE, que possuiria autonomia
para definir seus próprios programas de formação, englobando também, o pessoal da
carreira assistência à educação. Castro (2011, p. 46)
Segundo Cerqueira (2002, p. 43), essa mudança trata de um redirecionamento nas
concepções de formação continuada de professores/as e dos/as demais profissionais da
educação. Mesmo que mantendo a linha do aperfeiçoamento, a reorganização da EAPE
possibilitou que as categorias participassem de forma mais ativa na definição das políticas
de formação.
Dentre inumeráveis propostas de formação, nas mais diversas áreas, desde o início
da década de 1990, a EAPE tem oferecido cursos a professores/as, orientadores/as e
profissionais da carreira assistência na área de Educação Sexual.
O primeiro destes cursos, “Educação Sexual” foi oferecido em 1991, teve 71
cursistas concluintes e 80 horas/aula e teve como objetivo de possibilitar aos/às cursistas a
identificarem os papéis sexuais a serem desempenhados por homens e mulheres, além de
analisarem o desenvolvimento psicossexual, conhecendo a anatomia e fisiologia humana,
além de apresentar métodos contraceptivos e os aspectos biopsicossociais da gravidez na
adolescência e a prevenção de DST/AIDS.
No ano seguinte, em 1992, o mesmo curso de 80 horas foi oferecido a 92 cursistas,
sendo 26 deles, médicos da Fundação Educação do Distrito Federal - FEDF. Em 1993, o
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mesmo curso foi oferecido para outros/as 28 cursistas e em 1994, 31 cursistas concluíram
essa formação.
No ano de 1995, a EAPE ofereceu um curso de 40 horas a 24 cursistas, denominado
“Educando para a Vida” que além de discutir as questões já elencadas nos cursos
anteriores, tratava também sobre alcoolismo, fatores que levam crianças e jovens às drogas,
prevenção do uso e tipo de drogas e efeitos no organismo.
Nestes primeiros cursos, como podemos observar, a perspectiva biológica da
sexualidade é a matriz de referência. Considerava-se nestes cursos, que o sexo stricto
sensu pertence ao nível biológico, portanto, a Educação Sexual deve se ater aos estudos
dos fenômenos ligados à fisiologia e às patologias da atividade sexual, bem como às demais
questões pertinentes ao uso do aparelho reprodutor. O que chama a atenção, no curso
oferecido em 1995 é discutir, num mesmo curso, sexualidade e uso de drogas, o que nos
leva a identificar um caráter moralizador e profilático.
Naquele ano, em 1995 a questão da sexualidade tornou-se parte de uma política
educacional. Ela foi constituída, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais -
PCNs, como um tema transversal com o objetivo de possibilitar que a discussão sobre o
assunto passasse a ser trabalhado em todas as disciplinas, passando assim, a fazer parte
das preocupações fundamentais das ações pedagógicas nas escolas.
Mas como afirma Altmann (2001, p.245), a Educação Sexual não surge na escola a
partir dos PCN´s, mas o tema é reinserido nas unidades escolares dentro de um contexto
histórico e demandas atuais. Para o autor, a reinserção do tema “orientação sexual” nas
escolas, parece estar mais associada, por um lado, a uma dimensão epidêmica, como
aconteceu anteriormente em relação à sífilis, e por outro, a uma mudança nos padrões de
comportamento sexual. Dessa forma, essa nova perspectiva, evoca, intervenções numa
escala, tanto populacional, como individual.
À partir de uma nova abordagem sobre o tema, em referência à política educacional
nacional estabelecida pelos PCNs, a EAPE, ofereceu, em 1995, o curso “PCNs: Introdução
a questão da Educação Sexual”, promovido em parceria com o Centro de Defesa e
Promoção de Direitos Humanos – CDPDH, para 60 cursistas com 80 horas.
A partir de então, os PCN´s tornam-se uma referência constante para os cursos
sobre Educação Sexual oferecidos pela EAPE, mas isso não quer dizer que houve uma
mudança significativa nos programas dos referidos cursos, ainda fundamentados no caráter
biológico, fisiológico e patológico da sexualidade. Tanto é verdade que em 1996, o curso
“Preparando o Educador Sexual Escolar – PESE”, de 100 horas, é oferecido aos/às
orientadores/as educacionais cujo programa era praticamente o mesmo que os outros
oferecidos anteriormente.
13

Com a eleição de Cristovam Buarque, a rede pública de ensino do Distrito Federal


passa a se estruturar a partir do projeto da Escola Candanga que tinha o objetivo de
reformular o currículo, rompendo com o modelo tradicional de um currículo linear,
hierárquico e fragmentado. A partir de pressupostos teóricos e metodológicos freirianos, os
princípios da Escola Candanga fundamentavam-se num currículo interdisciplinar, dialógico,
democrático, crítico e contextual. Brasília (1995). Por essa razão, a EAPE teve uma
participação significativa nas reformas decorrentes da implementação da Escola Candanga.
As mudanças na perspectiva de se trabalhar a questão Educação Sexual nas
escolas já puderam ser percebidas no ano de 1997, quando a EAPE, ofereceu o curso
“Escola Candanga: Diversidade Cultural de Gênero e Raça na Escola”. Nas 100 horas de
curso, o programa incluía metodologias e reflexões sobre as origens do preconceito racial e
pela primeira vez, tratando a sexualidade como parte constitutiva dos sujeitos a partir de
uma perspectiva sociocultural.
Nos anos de 1998 e 1999, os cursos oferecidos foram direcionados aos professores
e professoras que atuavam em turmas de Educação de Jovens e Adultos – EJA. Apesar do
programa do curso ainda discutir aspectos biológicos e fisiológicos da reprodução humana,
consequências da gravidez na adolescência e tratar de Doenças Sexualmente
Transmissíveis/Aids – havia um tópico, em que era discutida as questões de gênero,
englobando as questões relacionadas à heterossexualidade e homossexualidade.
No ano 2000, há uma ruptura sobre a abordagem que começava a ser feita pela
EAPE, havendo um retrocesso na formação continuada na área de Educação Sexual. O
curso, de 120 horas, com a participação de 60 cursistas, “Adolescência e Sexualidade”,
introduz uma perspectiva religiosa no debate sobre sexualidade. Além dos já mencionados
temas como gravidez precoce e abuso e violência sexual na infância, presentes em todos os
cursos analisados até então, são apresentados, neste curso, outros temas, como a
necessidade de se evitar uma vida sexual ativa na adolescência, além de relacionar a
sexualidade apenas com fins reprodutivos. O programa do curso apresentava a
homossexualidade (ou homossexualismo, como apresentado no programa) como um desvio
da sexualidade humana.
Entre os anos de 2001 e 2003 a EAPE ofereceu o curso “Sexualidade e Prevenção
em DST/AIDS”, de 180 horas, para professores/as e orientadores/as educacionais cujo
programa contemplava os seguintes temas: contextualização da Educação Sexual;
Sexualidade; Papéis da sexualidade; Aspectos biológicos e psicossociais da adolescência;
Gravidez; Aborto, doenças sexualmente transmissíveis e abuso e exploração sexual.
Como consequência dos debates promovidos que resultaram no Plano Plurianual do
Governo Federal, a partir de 2003, segundo Weller e Paz (2011, p. 122), houve um aumento
de ações e debates em torno das necessidades de formulação de políticas educacionais
14

com o objetivo de promover a equidade de gênero e o enfrentamento das desigualdades


étnico-raciais, e do preconceito a homossexuais e outros grupos identitários.
A criação da Secretaria Especial de Política para as Mulheres – SPM, da Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, ambas com status de
ministério e da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECADI,
ligada ao Ministério da Educação – MEC, articularam uma série de programas educacionais
destinados à formação de professores/as e à orientação de produção de materiais didáticos
e pedagógicos.
Também em 2003, a aprovação da Lei 10.639 estabeleceu a obrigatoriedade do
ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana a fim de analisá-las como
constituintes da sociedade brasileira, valorizando o pensamento e as ideias de importantes
pensadores negros e negras, a cultura e as religiões de matriz africana além de estabelecer
parâmetros para a confecção de material escolar.
Apesar dessas novas orientações, houve um hiato na oferta dos cursos sobre
sexualidade entre os anos de 2004 e 2007, voltando a ser ofertado no ano de 2008, a partir
da Rede de Educação para a Diversidade, responsável pela formação de professores/as
nas áreas de gênero e sexualidade e igualdade étnico-racial que passou a oferecer cursos
em todo o país, incluindo o Distrito Federal, numa parceria entre a EAPE e a Universidade
de Brasília – UNB.
O curso “Gênero e Diversidade na Escola – GDE”, ofertado entre os anos de
2008/2009 e 2009/2010, ofereceu 280 vagas para os/as professores/as da rede pública de
ensino do Distrito Federal. O curso de extensão, de 200 horas, estava estruturado em cinco
módulos: Diversidade, Gênero, Sexualidade e Orientação Sexual, Raça e Etnia e Avaliação,
objetivava transformar as práticas de ensino, desconstruir preconceitos e romper o ciclo de
sua reprodução na escola, além de realizar a formação continuada em gênero, raça e
orientação sexual para profissionais da educação básica.
Além desses objetivos, o curso também tinha a intenção de desenvolver a
capacidade dos/as cursistas em compreender e posicionar-se diante das manifestações de
preconceito e discriminação, (re)produzidas pela escola. Para isso, uma das ações do curso
era a elaboração, por parte dos/as participantes, de propostas e estratégias de intervenção,
nas escolas, capazes de fazer esse enfrentamento.
Nas duas edições analisadas do curso GDE, o debate sobre sexualidade e relações
étnico-raciais caminharam juntas. Partia-se da ideia de que diversidade possua uma relação
com a necessidade do reconhecimento e autodeterminação das pessoas com a sua
liberdade de ser. Dessa forma, o conceito de diversidade relaciona-se com a perspectiva de
construção de sociedades democráticas a partir do respeito às liberdades individuais
fundamentais.
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No ano de 2011 a EAPE ofereceu 60 vagas o curso “Educação e Diversidade:


Pensando as relações de gênero e sexualidades nas escolas”, para professores/as,
monitores/as, orientadores/as, profissionais da carreira assistência, coordenadores/as e
supervisores/as pedagógicos/as, num total de 60 horas. Como objetivos do curso podemos
citar a formação continuada, com vistas à promoção de atitudes refletidas no que tange às
questões de gênero, identidade e orientação afetivo-sexual, bem como ao enfrentamento da
discriminação e da homofobia, promovendo a igualdade de direitos, o acesso, a inclusão e a
permanência na escola.
Além disso, esperava-se que os cursistas pudessem refletir sobre práticas
educativas, na perspectiva do gênero e das sexualidades, com vistas ao enfrentamento da
homofobia, do sexismo e da discriminação de toda ordem, promovendo a igualdade de
direitos, o acesso, a inclusão e a permanência na escola.
No final de 2011, a EAPE assume status de Subsecretaria, elevando sua importância
dentro do organograma da SEDF, rompendo com a lógica de subordinação da formação
continuada a outros setores da própria Secretaria, e adquire o mesmo nível de relevância
exercido por outras dimensões da estrutura de gestão dessa Secretaria.
A partir então dessa mudança institucional, em 2012, a EAPE passa por uma
reestruturação e os cursos relacionados à questão da Educação Sexual passaram a integrar
o Núcleo de Diversidade, Educação Inclusiva e Transtornos Funcionais. Este Núcleo tinha a
responsabilidade de formular políticas de formação nas áreas de Gênero e Diversidade
Sexual, Relações Étnico-Raciais, Educação Ambiental, Educação para o Campo, Educação
Inclusiva e Transtornos Funcionais. Como consequência dessa reestruturação, os cursos
oferecidos pelo Núcleo de Diversidade buscavam convergir a questão da inclusão de forma
interseccional, ampliando as possibilidades de debates sobre o tema da Educação Sexual.
Entre os anos de 2012 a 2014, a EAPE ofereceu o curso “Cine Diversidade” com o
objetivo de promover, a partir da apreciação de filmes e leitura/discussão de textos, a
reflexão e o debate acerca da temática Gênero e Diversidade Sexual, com vistas a subsidiar
os(as) profissionais da Educação no enfrentamento à discriminação e violência misógina e
homo-lesbo-transfóbica e tinha como eixos; Identidades e Expressões de Gênero;
Diversidade Sexual; Histórico do movimento feminista e LGBT e Gênero e Diversidade
Sexual na escola, sendo oferecido para 40 profissionais de educação com duração de 60
horas.
Nestes mesmos anos, a EAPE, a partir do Núcleo de Diversidade, Educação
Inclusiva e Transtornos Funcionais, ofereceu outros dois cursos que abordaram o tema da
sexualidade. O curso, “História da Sexualidade Humana e o Cotidiano escolar”, de 80 horas
foi oferecido para 40 cursistas, em cada uma de suas edições e tinha como objetivo,
aprofundar o conhecimento acerca da sexualidade brasileira no período colonial, imperial e
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republicano, bem como as conexões deste campo com o cotidiano escolar, favorecendo a
inclusão e a permanência na escola.
O outro curso, “Diversidade, Direitos Humanos e Inclusão: Desafios para a Educação
do Século XXI”, com 120 horas, foi oferecido para 700 cursistas, em cinco polos diferentes
(Plano Piloto, Planaltina, Gama, Taguatinga e Guará) que a partir de uma perspectiva
transversal que englobava as questões da Diversidade sexual, de raça e etnia,
sustentabilidade e direitos humanos, tinha como objetivos, possibilitar debates sobre a
exclusão de grupos historicamente marginalizados na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre avanços e retrocessos, o tema da educação sexual foi tratado a partir de


diversas perspectivas, nos programas de formação continuada, oferecidos pela EAPE.
Pudemos observar que foi no decorrer da última década que a diversidade sexual
passou a fazer parte efetivamente dos cursos oferecidos às/aos profissionais da
educação da rede pública do Distrito Federal.
Entretanto, essa mudança de paradigma não passou incólume pelos setores
conservadores, tanto no âmbito da própria SEDF como por integrantes da Bancada
Evangélica da Câmara Legislativa do Distrito Federal que questionaram não somente a
oferta, mas os princípios dos cursos oferecidos, no ano de 2014.
Com o avanço desses setores na política local e nacional, essa temática passou
a ser alvo de intensas campanhas difamatórias, culminando com a extinção da
SECADI - MEC nos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) e a
retirada das ações que promoviam a inclusão de minorias, nas políticas organizadas
pelo Plano Nacional de Educação.
Num contexto adverso para o debate sobre a questão da diversidade sexual
nas escolas, é imprescindível que movimentos sociais, sindicatos e educadoras/es
comprometidos com a democracia, continuem a luta por uma educação inclusiva, uma
vez que temos presenciado a ascensão de um projeto que propõe o silenciamento e a
proibição de se debater as questões da sexualidade humana em suas múltiplas
formas, não apenas no espaço escolar, mas também a negação de políticas públicas
destinadas à população sexodiversa. Como consequência desse projeto, uma parcela
significativa da população brasileira tem negado seus direitos fundamentais.
Diante do exposto, justificamos e ratificamos a necessidade da oferta de cursos
pela EAPE, na perspectiva da formação docente para a diversidade e as relações de
gênero e sexualidades, no âmbito da educação pública, no Distrito Federal.
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Somente nos últimos anos, os cursos oferecidos pela EAPE, tem demonstrado
uma leitura da sexualidade para além dos aspectos moralizantes e biológicos. Neste
sentido, estes programas devem promover a reflexão do conteúdo social e a dimensão
do afeto que dão significado à conduta sexual humana; apoiar e promover o direito dos
indivíduos de vivenciarem livremente as orientações e alternativas de sua conduta
sexual; pautar a atividade sexual humana como uma forma saudável de prazer e de
comunicação interpessoal e principalmente, respeitar os valores do indivíduo e do
grupo social e acreditar que a sexualidade humana é um fator de crescimento da
pessoa e da sociedade, opondo-se ao emprego do sexo como um instrumento de
poder e dominação.
Por essa razão, acredito ser fundamental que educadores e educadoras,
juntamente com movimentos sociais pelos direitos humanos, se articulem em duas
frentes; a frente política, com o objetivo de que o Parlamento, o Executivo e o
Judiciário garantam a essa população a plenitude de sua inserção social; e a frente no
campo educacional, com o objetivo de estabelecer políticas capazes de formar novos
homens e mulheres, livres de preconceitos capazes de viverem sua sexualidade de
forma livre.
Por isso, a formação de professores e professoras é fundamental para que o
debate sobre a sexualidade humana seja feita a partir de princípios democráticos e
igualitários. Para que possamos possibilitar um ambiente escolar em que as
diversidades deixem de ser apenas princípios para se tornarem em efetiva prática no
cotidiano das salas de aula.
Ainda é preciso enfatizar a necessidade de aprofundamento sobre o tema, que,
pela natureza desse trabalho, não puderam ser contempladas, abrindo assim, um
amplo leque de possibilidades de trabalhos futuros sobre como outras Secretarias de
Educação, tanto estaduais como municipais, trataram a questão da diversidade sexual,
nas escolas e os impactos dessas formações no dia-a-dia das escolas.

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