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Resenha: Andy Hargreaves - O Ensino na Sociedade do Conhecimento: A educação na era da

insegurança*
Por Francisco Valente   
22 de abril de 2006
Hargreaves faz uma crítica severa às condições sociais e de trabalho impostas à
população pelo capitalismo selvagem que caracterizou a industrialização européia nos
séculos 18 e 19 e, por conseqüência, critica também o modelo capitalista atual,
marcado pelos apelos que faz ao consumismo desenfreado utilizando para isso, a mídia
e a telemática.

Introdução

Vivemos numa sociedade dinâmica. A partir desta constatação, Andy Hargreaves, neste
texto, examina o significado da sociedade do conhecimento, sua importância e seu
sentido para os professores de hoje.
São alguns de seus questionamentos: Como ensinamos os jovens a trabalhar e
prosperar a partir da sociedade do conhecimento? Como os protegemos (aos jovens)
contra o ritmo frenético da sociedade do conhecimento e seus efeitos descontrolados?
As sociedades do conhecimento necessitam das escolas para tornar-se sociedades
aprendentes criativas e solidárias e o autor apresenta alguns exemplos que servem de
inspiração para isso.
As escolas de hoje devem servir e moldar um mundo no qual pode haver grandes
oportunidades de melhorias econômicas se as pessoas puderem aprender a trabalhar de
forma mais flexível, investir em sua segurança financeira futura, reciclar suas
habilidades, ir reencontrando seu lugar enquanto a economia se transforma ao seu
redor e valorizar o trabalho criativo e cooperativo.

As noções de sociedade aprendente/organização aprendente já foram abordadas por


Hargreaves em livro anterior, escrito em parceria com Michael Fullan1 .
Nesse livro, fala em escola total e professor total, ambiente e profissional voltados para
a cultura cooperativa, onde a interdependência forma o cerne das relações entre
professores, fazendo com que cada um se sinta parte do grupo e de um trabalho em
equipe. Nesse texto, ainda, dá como exemplo de “escola aprendente” aquela focada em
novos resultados, voltada menos ao ensino tradicional e mais em termos do ensino para
a compreensão e desempenho num mundo em transformação. Certamente, um mundo
onde a sociedade do conhecimento torna-se uma verdadeira sociedade de
aprendizagem.

Capítulo 1. O ensino para a sociedade do conhecimento: educar para a


inventividade.

Hargreaves afirma que a sociedade do conhecimento processa informação de forma a


maximizar a aprendizagem, estimular a criatividade e a inventividade, desenvolver a
capacidade de desencadear as transformações e enfrentá-las.

“Ensinar é uma profissão paradoxal. Entre todos os trabalhos que são, ou aspiram a ser
profissões, apenas do ensino se espera que gere habilidades e as capacidades humanas
que possibilitarão a indivíduos e organizações sobreviver e ter êxito na sociedade do
conhecimento nos dias de hoje. Dos professores, mais do que qualquer outra pessoa,
espera-se que construam comunidades de aprendizagem, criem a sociedade do
conhecimento e desenvolvam capacidades para inovação, flexibilidade e o compromisso
com a transformação, essenciais à prosperidade econômica. Ao mesmo tempo, os
professores devem também mitigar e combater muitos dos imensos problemas criados
pelas sociedades do conhecimento, tais como o consumismo excessivo, a perda da
noção de comunidade e o distanciamento crescente entre ricos e pobres. No
atingimento desses objetivos simétricos reside seu paradoxo profissional. A educação –
e consequentemente, escola e professores - deve estar a serviço da criatividade e da
inventividade.

Capítulo 2. O ensino para além da sociedade do conhecimento: do valor do


dinheiro aos valores do bem.

Trata dos custos da economia do conhecimento, isto é, de um bem público do qual ela
não tem capacidade de tomar conta. A economia do conhecimento leva as pessoas a
colocarem o interesse próprio antes do bem social, a se entregaram ao consumo em vez
de se envolver com a comunidade, a desfrutar do trabalho temporário em equipe mais
do que desenvolver as emoções de longo prazo da lealdade e perseverança que
sustentam os compromissos duradouros da vida coletiva. A economia do conhecimento
é necessariamente sedenta de lucros. Deixada por conta própria, drena os recursos do
Estado, causando a erosão das instituições da vida pública, incluindo até mesmo as
escolas. Em sua expressão mais radical (o fundamentalismo de mercado), a economia
do conhecimento abre fendas entre ricos e pobres, no interior das nações e entre elas,
criando raiva e desespero entre os excluídos.

Capítulo 3. O ensino apesar da sociedade do conhecimento I: o fim da


inventividade.
(com Michael Baker e Martha Foote)

Capítulo 4. O ensino apesar da sociedade do conhecimento II: a perda da


integridade.
(com Shawn Moore e Dean Fink)

Os capítulos 3 e 4 (I e II) procuram demonstrar que os imperativos fundamentais da


reforma da educação não estão preparando as pessoas para a economia do
conhecimento nem para a vida pública além dela.
Vale-se, para isso, de evidências oriundas dos estados de Nova York, nos Estados
Unidos, e de Ontário, no Canadá.
Apresentam dados de pesquisas e entrevistas feitas em escolas de nível médio
demonstrando que os padrões curriculares degeneraram para uma padronização
insensível. Nas escolas com desempenho mais elevado isso mostrou-se irrelevante;
porém, nas escolas que têm grandes quantidades de alunos de educação especial ou
profissionalizante, níveis elevados nunca são atingíveis. Em lugar de graduação, os
alunos recebem degradação e seus professores são lançados em espetáculos de
fracasso e vergonha, erguendo diques de frustração que certamente explodirão quando
imensas quantidades de alunos não conseguirem se formar.

“A reforma educacional padronizada (isto é, que não leva em conta as peculiaridades,


necessidades e expectativas da clientela escolar) tem tanto valor para uma economia do
conhecimento vigorosa em uma sociedade civil forte quanto gafanhotos para uma
plantação de milho”.

Capítulo 5. A escola da sociedade do conhecimento: uma entidade em extinção.


(com Corrie Giles)

Trata das exceções. Descreve uma escola que conseguiu se construir como organização
de aprendizagem e comunidade de aprendizagem profissional.
A escola promove equipes nesse sentido, envolve a todos no contexto geral de seus
rumos, utiliza a tecnologia para promover a aprendizagem pessoal e organizacional,
baseia as decisões em dados compartilhados e envolve os pais na definição dos rumos
dos estudantes quando estes deixam a escola. É uma comunidade de cuidado e
solidariedade, bem como uma comunidade de aprendizagem que dá à família, aos
relacionamentos e a uma preocupação cosmopolita com os outros no mundo. Mas essa
escola do do conhecimento também sofre ameaças de ser submetida a reformas-padrão
insensíveis de ensino.

Capítulos 6. Para além da padronização: comunidades de aprendizagem


profissional ou seitas de treinamento para o desempenho?

Capítulo 7. O futuro do ensino na sociedade do conhecimento:repensar o


aprimoramento, eliminar o empobrecimento.

Os capítulos 6 e 7 buscam um caminho para sair desse impasse (aprendizagem


profissional ou seitas de treinamento para o desempenho?) O primeiro (6) analisa as
políticas de países fora da América do Norte e distritos no sub-continente que
experimentaram anos de padronização e agora compreendem a urgência de ir além
dela, especialmente quanto acontece uma crise de recrutamento de professores e uma
necessidade de atrair e manter pessoas capazes na profissão.
Em alguns locais existe autonomia, flexibilidade e comunidade profissional para
professores que têm bom desempenho. Todavia, escolas em comunidades e em países
mais pobres estão sendo sujeitadas a intervenções tendendo à padronização,
principalmente nas áreas de alfabetização e aritmética, assumindo a forma do que o
autor denomina “seitas de treinamento para o desempenho” e que oferecem apoio
intensivo ao ensino somente em aspectos considerados “básicos' do currículo. A
tendência, assim, expõe Hargreaves, é termos cada vez mais uma divisão entre ricos e
pobres, aqueles com acesso a um ensino diferenciado, com mais recursos de toda
ordem e estes (os pobres) sujeitados a uma escola com estrutura curricular padronizada
e não atendente às peculiaridades, necessidades e expectativas da clientela.
O Capítulo 7. se posiciona contra o “apartheid “ (apartamento) do desenvolvimento
profissional e do aprimoramento das escolas, questionando um mundo e um sistema
educacional que dividem aqueles que aprendem como criar uma sociedade do
conhecimento altamente especializada daqueles que apenas aprendem como servi-la,
por meio de tarefas de nível inferior nas indústrias de consumo e hospitalidade.

Conclusão

Como conclusão, Hargreaves preconiza, como tarefa essencial, redesenhar a melhoria


escolar a partir de linhas de desenvolvimento, de forma a fazer com que a comunidade
profissional esteja disponível a todos, e por fim ao empobrecimento educacional e social
que prejudica qualquer capacidade de avanço que muitas nações e comunidades
possam ter.
Diz ainda que a busca da melhoria não constitui um substituto para o fim da pobreza, e
ambas têm de ser conduzidas conjuntamente. Essa deveria ser uma das missões sociais
e profissionais fundamentais da reforma educacional no século XXI, um de seus grandes
projetos de inventividade social.

Introdução
Na introdução, o autor fala da economia do conhecimento que impulsiona uma busca desenfreada
“pela criatividade e pela inventividade”, atributos sobremaneira indispensáveis para o
desenvolvimento de uma nação. Essa economia do conhecimento é comparada em termos de
capacidade de destruição às outras formas de capitalismo, pois prevê o lucro, a produtividade e
interesses particulares. A escola deve tentar amenizar os danos ocasionados por esse tipo de
economia do conhecimento, ensinando valores que não são naturais desse modelo, como “a
compaixão, a comunidade e a identidade cosmopolita”. A escola deve preparar o indivíduo tanto para
(sobre)viver na sociedade do conhecimento quanto para ser um cidadão que consiga manter sua
integridade pessoal em uma sociedade fragmentada.

Os professores, no entanto, têm se tornado meros “repetidores das ambições anêmicas dos
formuladores de políticas para as possibilidades de sistemas com verbas insuficientes.”. Isso quer
dizer que hoje o professor fica sujeito às tendências de padronização curricular e cultural em um
sistema educacional que prevê baixo investimento, tanto em relação aos salários docentes quanto no
que diz respeito à formação dos mesmos e ainda se vê preso a resultados de avaliações externas e
metas de desempenho. Esses profissionais se tornam incapazes de promover a inventividade e
criatividade requeridas pela sociedade do conhecimento e também não conseguem promover
reflexões voltadas para os aspectos mais humanos, ligados aos sentimentos.
Contrapondo esse cenário sombrio, a proposta é a de promover um “sistema educacional de alto
investimento e alta capacidade, no qual professores extremamente qualificados sejam capazes de
gerar criatividade e inventividade entre seus alunos”, possibilitando aos professores que ultrapassem
a dimensão técnica de sua função, retomando seu espaço entre os “intelectuais mais respeitados da
sociedade”, preparando seus alunos para serem cidadãos do mundo, cultivando a identidade e
simpatia entre os povos, o que é desejável em um caráter cosmopolita.

Hargreaves fala que o termo sociedade do conhecimento parece equivocado, Mas ele o utiliza pois é o
mais amplamente conhecido, mas o ideal seria sociedade do aprendizagem. Na sociedade do
conhecimento deve haver o estímulo à inventividade e criatividade, utilizando-as em favor das
transformações necessárias Na economia do conhecimento existe uma noção de competitividade
bastante arraigada e a plasticidade necessária para se efetuar as diversas mudanças inerentes ao
desenvolvimento dos indivíduos e empresas.

Para se ensinar além da economia do conhecimento é preciso que se estimule o aprendizado


emocional juntamente com o cognitivo, estimulando a tolerância étnica e cultural, criando-se uma
responsabilidade com os grupos excluídos, dentro e fora da sociedade que nos cerca. O desafio da
educação está em “equilibrar as forças caóticas”.

Estabelecer parâmetros curriculares e de aproveitamento desejáveis é um procedimento injusto, na


medida em que os que não consegue atingir os níveis desejados sofrem um processo de degradação,
tanto estudantes quanto professores, que precisam carregar perante a sociedade um fardo de
vergonha e fracasso, ao mesmo tempo em que também fracassa o “desenvolvimento pessoal e social,
que é o alicerce da comunidade”, uma vez que os resultados de nível de letramento são mais
importantes que o trabalho que alicerça o caráter das pessoas.

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