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imigração
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
e a questão racial
no Brasil ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
GIRALDA SEYFERTH
GIRALDA SEYFERTH
é professora do
Departamento de
Antropologia, Museu
Nacional – UFRJ.
a
OS PRINCÍPIOS DA COLONIZAÇÃO
EUROPÉIA
questão racial estava subjacente A noção de princípios alude ao trabalho
aos projetos imigrantistas desde do geógrafo Leo Waibel, que estabeleceu
1818, antes da palavra raça fa- um modelo analítico dos sistemas agríco-
zer parte do vocabulário cientí- las produzidos pela imigração européia nas
fico brasileiro e das preocupa- regiões de floresta do Rio Grande do Sul,
ções com a formação nacional. Santa Catarina e Paraná. Definiu a coloni-
Desde então, a imigração pas- zação como um sistema econômico diver-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ sou a ser representada como um so da grande propriedade, porque baseado
amplo processo civilizatório e forma mais numa classe de pequenos proprietários de
racional de ocupação das terras devolutas. origem européia (Waibel, 1958), princípio
O pressuposto da superioridade branca, igualmente presente na motivação imi-
como argumento justificativo para um mo- grantista desde 1818, quando D. João VI
delo de colonização com pequena proprie- assinou o tratado de Nova Friburgo. O in-
dade familiar baseado na vinda de imigran- teresse na diversificação da agricultura
tes europeus – portanto distinto da grande marcou a fundação de Nova Friburgo (RJ)
propriedade escravista – foi construído mais com imigrantes suíços, em 1819, e sinali-
objetivamente a partir de meados do século zou para os desdobramentos da coloniza-
XIX. Menos evidente nas leis e decretos ção: a localização em colônias ocorreu na
relativos à colonização, o conteúdo racista periferia da grande propriedade escravista,
está presente, sobretudo, na discussão da ou longe dela, em terras devolutas – privi-
política imigratória articulada ao povoa- legiando-se correntes imigratórias euro-
mento e na externalização nacionalista dos péias. A questão racial está implícita no
problemas de assimilação especificados Decreto Real que autorizou o estabeleci-
através das probabilidades do caldeamento mento dos imigrantes suíços na região ser-
racial. Ambas as discussões são significati- rana do Rio de Janeiro aludindo à civiliza-
vas quando envolvem a colonização euro- ção e, principalmente, no artigo 18 do tra-
péia efetivada no Sul durante mais de um tado acima referido, que trata da criação de
século – num contexto de povoamento em uma milícia de 150 suíços, capazes de em-
que os imigrantes alemães aparecem como punhar armas, colaborando na manutenção
antítese da brasilidade. dos regimentos portugueses de cor branca
tes das empresas colonizadoras (14) ou expressam posições políticas, conforme se 16 O manual de Topinard foi publi-
cado na década de 1870 (sua
agentes nomeados pelo governo imperial, verifica no texto de Menezes e Souza 3a edição é de 1879), ocasião
em que as tipologias raciais já
num sistema de imigração subsidiada em (1875). Mas os imperativos da política de eram numerosas no âmbito da
grande parte pelo Estado (como se observa colonização não estiveram prioritariamente antropologia (física), muitas
apregoando a desigualdade a
na legislação sobre colonização e nos de- atrelados aos determinismos mais minucio- partir de diferenças morfológi-
cretos de contratação dos serviços dos agen- sos das doutrinas tipológicas sobre raça. cas. Sobre os usos (e abusos) da
idéia de raça, ver: Poliakov
ciadores e de autorização das atividades das O europeu genérico, portanto, continuou (1974) e Banton (1979).
vel com essa “inferioridade”. No volume termo usado como metáfora para formação 40 O livro, de fato, defende a
economia latifundiária em
que escreveu associado aos resultados do do povo. Mais claramente existe aí não só nome da suposta condição
ariana do colonizador portu-
recenseamento de 1920, Oliveira Vianna o enunciado da assimilação, quando diz que guês que conquistou o territó-
(1938) considerou o Brasil um vasto cam- não deve ser tolerada a preponderância de rio – isto é, os “paulistas” das
entradas e bandeiras! Na mais
po de fusão de raças radicalmente diferen- um elemento étnico sobre os nacionais em perfeita apropriação da tese
ariana de Arthur de Gobineau
tes que produziu um caos étnico, revoltoso nenhum lugar do país, mas igualmente a (que impôs a noção de aristo-
e confuso, de onde vai sair o tipo brasileiro. crença do que a estabilidade do tipo depen- cracia natural) procurou legiti-
mar o poder político e econô-
Especulando sobre os efeitos da mistura, de da integração dos imigrantes. Dessa mico nas mãos da elite de gran-
anuncia a inferioridade das “raças bárba- percepção resulta a condenação (principal- des proprietários. Cf. Oliveira
Vianna, 1938; 1952;
ras” (negros e índios), razão do “caos”, a mente em textos do apêndice) do ingresso Gobineau, 1853.
r
da colonização e do promissor mercado tos raciais nipônicos existentes em São
59 Sobre os interesses do Japão
representado pelo Japão como potência Paulo, no Paraná, no Mato Grosso, no no Brasil ver: Sakurai (2000).
imperialista no cenário asiático (59), como
ga
pode ser verificado na parte final do opús-
culo de Niemeyer.
Outros autores que trataram favoravel-
mente da imigração japonesa, principal-
mente na década de 1930, tinham opiniões
semelhantes, acentuando as possibilidades
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de assimilação. Opiniões divergentes das 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
que prevaleceram no âmbito do Conselho 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
de Imigração e Colonização e que aponta- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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ção
vam para a inconveniência dessa imigra- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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1234567890123456789012345678901212345678901234567890
ção apelando para a eugenia racial. No ce-
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nário mais tenso da Segunda Guerra Mun- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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dial, a discussão da política imigratória, 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
mais do que nunca, apelou para exclusões 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
de natureza racial.
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Quando se avizinhou o fim do conflito 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
1234567890123456789012345678901212345678901234567890
mundial (e, conseqüentemente, a probabi- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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lidade de nossos fluxos compostos, sobre- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
tudo, por refugiados), o encaminhamento 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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da questão imigratória apelou para diretri- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
zes de natureza racial e eugenista, ao con- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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siderar “indesejáveis as correntes imigra- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
tórias de ascendência não européia” e as 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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etnias não assimiláveis que tendem a for- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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mar quistos. Japoneses e alemães estavam 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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entre estas últimas, em alguns textos cha- 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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mados de perversos e sanguinários (uma 1234567890123456789012345678901212345678901234567890
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classificação que reflete os desdobramen-
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tos da guerra). Esse formato classificatório,
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