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Porquê estudar as notícias num contexto televisivo? Uma primeira aproximação é dada
por Umberto Eco (2007) quando explica que a frase que abre este texto, “Não existem
factos, só interpretações”, se encontra imbuída de um relativismo radical e como tal
não deve ser levada em conta nas nossas análises de factos. Ao mesmo tempo essa
leitura lembra-nos que apesar de os jornalistas serem formados para descrever e analisar
factualmente a realidade há tantos jornalismos quanto escolas de formação (Burgh,
2005). Igualmente, podemos argumentar que, se todos os factos são conhecidos através
da nossa interpretação (Eco, 2007), então todo o processo de mediação onde os factos
sejam descritos, analisados e transmitidos a terceiros, através de um processo de
mediação (Silverstone, 2006), incorre em duplas interpretações: a do jornalista e a do
destinatário (ouvinte, telespectador, leitor ou utilizador).
Como sugere Silverstone (2006), os media encontram-se vocacionados para, através das
suas narrativas, horários e ordenação temática, criarem grelhas para a resolução da
ambiguidade, reduzir a insegurança e criar conforto. Estudar os media é estudar a sua
contribuição para a textura geral da experiência, pois as nossas distinções e juízos
formam-se através dos media também. Os media medeiam a dialéctica que se estabelece
entre a classificação que forma a experiência e a experiência que dá cor à classificação
(Silverstone, 2002). Ou seja, os media dão-nos grelhas que nos permitem situar no
tempo e no espaço da nossa vida do dia a dia. Daí que seja fundamental compreender as
1
formas como essa grelha é construída, como a classificação da experiência é formada,
que critérios a regem, isto é, estudar os factos enquanto notícias.
Uma das dimensões de classificação da experiência promovida pelos media são as
notícias e o formato mais difundido de as transmitir na televisão é o dos telejornais. Isto
é, súmulas e análises dos factos decorridos num dado momento temporal, normalmente
associados à presença de um pivot e a horários regulares de transmissão.
As notícias, pelas suas características representam uma das faces da classificação da
experiência, sendo a outra dada pela ficção. De algum modo, como poderemos analisar
posteriormente neste texto, a valência negativa muitas vezes associada às notícias tende
a ser complementada pelos finais felizes associados à ficção, o desenrolar temporal
lento das histórias relatadas nas notícias ao longo de dias ou semanas tendem a ser
contrapostas pela duração dos filmes e séries que relatam o inicio e fim das situações
em hora e meia a duas horas. Exemplos desse papel dual da relação entre notícias e
ficção na televisão são, por exemplo, as temáticas associadas ao crime e à saúde. As
notícias sobre saúde tendem a fazer ressaltar as dificuldades vividas no quadro do
sistema nacional de saúde, quer por utentes quer profissionais, na sua relação com uma
qualquer hierarquia, seja ela o gestor da unidade de saúde ou o Ministro da Saúde
(Cardoso, 2007). As séries de ficção sobre saúde mostram-nos os profissionais que face
a todas as contrariedades salvam o paciente (Espanha, 2007). À valência negativa das
notícias de saúde opõem-se as valências positivas das séries sobre saúde. O mesmo
pode ser demonstrado pelas notícias associadas à criminalidade perpetrada e as séries de
ficção onde o criminoso nunca escapa, é mais tarde ou mais cedo apanhado.
As notícias relatam factos e porque, a televisão é a tecnologia de mediação mais
presente nas nossas vidas (Cardoso, 2006) e produz, em grande medida, a classificação
que forma a experiência (Silverstone, 2002) o seu estudo é fundamental para a
compreensão das sociedades contemporâneas (Cardoso, 2006; Castells, 2000;
Silverstone, 2002; Giddens, 1999).
2
realidade portuguesa face ao acesso à informação noticiosa e posteriormente pela sua
comparação num contexto internacional mais vasto.
Quando comparamos a relação entre audiência de notícias e os três meios mais comuns
de lhe aceder (Televisão, Rádio e Imprensa), as notícias transmitidas pela Televisão –
vulgo telejornais – são habitualmente vistas por 97,4% da população portuguesa
enquanto apenas 67,2% leram durante a última semana um qualquer jornal. E se 86,9%
costumam ouvir rádio já desses apenas 33,6% são ouvintes de rádios onde a dimensão
informativa é maioritária (Cardoso 2006). A televisão ocupa um papel de destaque tanto
na escolha de meios de informação sobre um acontecimento local/nacional como
internacional (Cardoso, 2006). Quando questionados sobre “Quando há um
acontecimento local/nacional, qual o principal meio que utiliza para se informar?” as
respostas dos portugueses são sempre superiores a 85% para a televisão, excepto no que
respeita aos grandes acontecimentos internacionais (Cardoso, 2006).
Quadro 2.1 – Programas de Televisão mais vistos e de mais gostou, por género em
Portugal (%)
Programas de Televisão Os normalmente Aqueles que
por Género mais vistos mais gostou
n % de ver
n na sua
%
Noticiários 1189 48,5 530 21,6
Telenovelas 354 14,5 350 14,3
Concursos 160 6,5 265 10,8
Outros programas de 146 6 134 5,5
informação
Talk show da Manhã 84 3,4 80 3,3
Talk show de Celebridades 63 2,6 68 2,8
Talk show vida real 64 2,6 101 4,1
Documentários 58 2,4 113 4,6
Humor 57 2,3 86 3,5
Programas de Música 54 2,2 89 3,6
Cinema 55 2,2 76 3,1
Desporto 28 1,1 26 1,1
Séries e séries de culto 28 1,4 68 2,7
Programas de 18 0,8 61 2,5
Entretenimento e
Variedades
Teatro, Opera e Dança 16 0,3 15 0,6
Reality Show (Vida Privada 7 0,2 62 2,5
e Musical)
3
Desenhos animados 3 0,1 15 0,6
Outros 19 0,8 17 0,7
Não vê TV 14 0,8 35 1,4
Não Responde 41 1,7 258 10,5
Total 2450 100 245 100
0
Fonte: Cardoso, G. (2006), Os Media na Sociedade em Rede, Lisboa, FCG.
Quadro 2.2. Relação entre utilização de media e fruição de notícias, por países (2002-
2003) (%)
Países Visioname Leitura Audição Visioname Leitura Audição
nto diário diária diária de nto diário diária de diária de
televisivo de Rádio de notícias Notícias notícias
Jornais na TV sobre na
política Rádio*
e
1
Dada a periodicidade temporal da notícia, os valores relativos à informação na memória de médio-longo prazo, são de algum modo
significativos. Pois, apesar do entretenimento constituir próximo de 80% das escolhas existem ainda uma percentagem de mais de 20% que
considera ser o noticiário o programa que mais gostou na sua vida.
2
Há no entanto também especificidades nacionais, dado que a Dinamarca é onde há mais pessoas a ver telejornais (97,7%), bem como
documentários. Os filmes são mais vistos em França (89,6%) e na Alemanha (89,4%). É na Suécia (62.9%) e Finlândia (62.8%) que mais se
vê desporto na televisão.
4
assuntos
corrente
s3
Portugal 98,7 (2) 54,5 (-3) 70,7 (-3) 96,2 89,2 81,5
Áustria 94,3 86,7 89,0 95,9 91,7 93,8 (1)
Bélgica 97,2 60,6 83,5 93,0 79,5 81,6
Suíça 92,5 89,9 83,6 94,4 91,3 88,2
República 98,9 (1) 83,3 85,3 96,6 88,8 75,0
Checa
Alemanha 97,9 84,1 87,8 96,7 93,7 91,8 (2)
Dinamarca 98,5 (3) 76,3 88,4 97,5 (3) 92,5 90,1 (4)
Espanha 97,6 53,5 (-2) 66,6 (-2) 90,4 84,9 71,9
Finlândia 97,0 92,6 84,5 98,2 (2) 91,7 74,2
França 95,7 61,7 (-4) 81,1 94,1 83,8 76,2
Reino Unido 97,9 76,1 81,2 92,6 78,5 (-4) 76,4
Grécia 97,2 36,5 (-1) 60,2 (-1) 85,7 80,8 47,4
Hungria 96,5 79,2 80,6 94,5 82,1 89,7
Irlanda 98,2 87,1 92,4 90,9 83,3 82,7
Israel 91,3 70,9 81,8 88,7 75,6 (-3) 81,6
Itália 98,4 (4) 69,3 66,6 (-2) 95,1 67,0 58,1
Luxemburgo 96,4 77,8 84,3 92,8 75,0 88,1
Holanda 98,3 82,9 83,1 97,2 (4) 90,5 82,6
Noruega 98,7 (2) 96,4 87,8 98,5 (1) 92,4 90,8 (3)
Polónia 96,1 62,5 77,6 (-4) 96,1 75,0 (-2) 87,9
Suécia 98,2 90,9 79,6 96,5 88,6 83,3
Eslovénia 95,4 81,1 88,2 91,5 67,9 (-1) 79,9
Média 96,85 75,18 81,78 94,23 83,81 80,58
Fonte: European Social Survey 2002/2003. Nota: os valores apresentados para todas as
colunas são a soma agregada de todas as respostas que indicam a realização dessa
actividade independentemente do tempo, e regularidade semanal, a ela destinados.
Também na relação entre a utilização dos media e fruição de notícias (European Social
Survey, 2002/2003) ser verifica na maioria dos países que a prática de fruição dos
media obedece a uma segundo uma regra de precedência TRJ (Televisão, Rádio e
Jornais). Apenas a Suíça, Finlândia, Itália, Noruega e Suécia colocam em maior ênfase a
actividade leitura de jornais face à audição de rádio.
Tradicionalmente, o espaço das notícias na televisão é organizado sob a forma de
telejornais, os quais podem ser diferenciados em função dos seus conteúdos e também
da sua dimensão enunciativa e performativa (Simonelli, 2001). Num estudo conduzido
3
Os valores referem-se à audição também de programas sobre política e assuntos correntes (definidos
como: sobre assuntos de governação e política pública e sobre as pessoas a eles ligadas).
5
por Simonelli sobre os telejornais italianos, o autor identificou dois modelos
enunciativos : o modelo generalista-objectivo e o modelo interpretativo-explicativo. O
modelo generalista centra-se na informação, isto é na peça jornalística, tendo o
jornalista um papel secundário. O pivot tem a função de ordenar e de estabelecer
relações entre as várias peças apresentadas. Segundo Simonelli, “neste modelo de
Telejornal, o espectador tem a impressão de se encontrar directamente defronte aos
acontecimentos, enquanto o discurso sobre os acontecimentos é feito através da
própria apresentação dos mesmos” (2001: 21). As peças jornalísticas não se apresentam
como um discurso sobre a realidade, mas como uma visão directa do acontecimento. O
repórter tem um papel secundário, na grande maioria dos casos não aparece na imagem,
relatando os factos em voz off. No modelo interpretativo explicativo é privilegiado no
telejornal o directo e o pivot como peças chave na transmissão de informação. Enquanto
o primeiro modelo se define como objectivo pela primazia dada ao objecto jornalístico,
ao acontecimento em si, este é caracterizado como interpretativo pelo centrar no sujeito
informador, pela importância dada ao espaço e ao tempo da produção informativa. O
apresentador do telejornal para além de apresentar as notícias também as interpreta,
podendo o seu discurso assumir vários registos possíveis, de um tom paternalista ao
coloquial, do discurso familiar ao uso de provérbios e clichés, a um discurso de cariz
mais erudito. Enquanto no modelo generalista objectivo, o primeiro bloco de notícias é
o mais importante, no modelo interpretativo explicativo ocupa-se de temas mais ligeiros
(curiosidades e histórias de interesse humano) neste modelo o ritmo mantêm-se, de uma
forma circular sendo a última notícia muitas vezes um retorno à notícia de abertura. No
modelo generalista objectivo as peças jornalísticas são apresentadas com recurso a
separação entre si, já no modelo interpretativo explicativo as diversas peças estão
relacionadas entre si numa relação de dependência e de integração recíproca, como as
peças de um puzzle que na sua junção final apresentam uma explicação dos problemas
afrontados. A marca distintiva do modelo interpretativo explicativo de telejornal pode
resumir-se assim, “não só representam o processo de transformação dos acontecimentos
em notícia, a interpretação da realidade e os sujeitos-informadores responsáveis por esta
operação, como trazem também à cena o seu esforço de tornar compreensíveis e
inteligíveis os acontecimentos” (Simonelli, 2001:27). A caracterização dos vários canais
portugueses demonstra que, hoje, no panorama televisivo nacional há lugar tanto a
modelos híbridos (Telejornal da 2, Jornal das Nove da SIC Notícias, e Jornal Nacional
6
da TVI) como à presença de um modelo generalista- objectivo (praticado pelo Jornal
da Noite da SIC e o Telejornal da RTP1).
Independentemente do modelo enunciativo pelo qual se opta, um telejornal é
também um espaço de espectacularização da notícia, um espaço performativo, no
sentido em que pela associação da palavra, e cada vez mais do texto, à imagem, se
transforma uma informação em representação. Como propõe Mazzei, “nada no
telejornal é imune ao elemento espectacular” (2002). O modo de sentar-se, de vestir, de
gesticular, de falar, o enquadramento escolhido pelos jornalistas para o seu stand-up ou
para as ligações com o exterior, a gestão do espaço no estúdio, o modo como o
apresentador interpreta o seu papel, o alinhamento, tudo é espectáculo conjuntamente
com as notícias e as suas imagens” (Mazzei, 2002: 54/5). Essa espectacularização não é
objectivamente negativa, pois é nela que reside a mais valia da televisão. Quando se vê
um telejornal na televisão esperamos visualizar, tal como nos habituámos desde a
infância, uma conjugação entre texto, som e imagem, que nenhum dos outros media,
antes do aparecimento da Internet nos podia oferecer. O primeiro objectivo do telejornal
é ser visto, desta forma tem que captar a atenção dos espectadores desde o primeiro
momento de transmissão. E esse objectivo é essencialmente produto da escolha das
notícias.
Uma das tarefas diárias da redacção do telejornal é a escolha das notícias, já que de
entre as centenas de notícias diárias têm que ser escolhidas vinte ou trinta para o
alinhamento. Trata-se assim da combinação de um exercício ao mesmo tempo
subjectivo e objectivo. Objectivo, porque uma análise extensiva das notícias pode
demonstrar a regularidade temática. Subjectiva, porque a escolha também tem a ver
com a qualidade e o tipo de pessoas que em cada dia trabalham na redacção e,
consequentemente, com todos os factores de contingência com que o jornalismo se
confronta. Embora muitas vezes enunciada, essa diferença de temas (“assuntos”) entre
diferentes canais só é possível de ser argumentada com base numa análise empírica
comparada e extensiva no seu período de análise. A figura que a seguir se apresenta é
uma análise comparativa de categorias de assuntos entre os canais generalistas de onze
países (Shoemaker, Cohen, 2006) e Portugal, permitindo-nos uma melhor compreensão
da génese da identidade nacional dos canais televisivos, a partir da escolha de temas.
7
Portu Austr Chi Chi Alema Ind Isra Jordâ Rus Afri EU Total
gal alia le na nha ia el nia sia ca A
do
Sul
8
Política 14.0 5.1 27. 29. 14.5 33. 6.6 17.3 20.1 19. 10. 17.9
Interna 5 8 0 0 8
Desporto 14.9 26.0 7.5 .6 5.6 8.4 18. 9.2 3.9 14. 29. 13.8
0 6 1
Ordem 12.8 11.1 10. 3.8 14.1 17. 10. 2.7 13.0 13. 10. 10.4
Interna 2 6 4 1 8
Política 11.5 4.5 5.4 9.5 1.2 13. 4.7 39.1 17.5 14. .7 10.2
Internaciona 2 6
l
Negócios/In 2.3 4.3 3.6 12. 8.8 6.6 1.4 3.1 2.6 7.3 5.2 5.6
dústria 1
Eventos 3.1 1.8 4.2 7.6 11.6 .7 19. .0 3.9 1.5 1.8 4.6
Culturais 9
Histórias de 6.4 11.1 2.1 1.9 4.4 .4 8.1 3.4 1.3 2.9 6.3 4.5
interesse
humano
Tempo 2.0 7.1 .3 .6 5.6 5.1 .0 6.1 3.2 .7 9.6 4.3
Desastres/ac 6.1 9.8 2.7 .6 7.6 2.9 2.8 .3 3.2 6.6 2.2 4.0
identes/
Epidemias
Saúse/serviç 5.4 3.3 5.1 7.0 3.2 1.5 1.4 3.7 2.6 2.2 4.5 3.7
os sociais
Transportes 1.7 5.8 3.6 6.0 3.2 .0 .9 .3 .6 3.6 4.7 3.3
Cerimónias 2.9 1.8 5.7 2.5 2.0 1.5 2.8 3.4 5.8 1.5 1.6 2.7
Economia 3.15 .5 3.3 6.0 2.0 .4 2.4 2.7 3.9 2.9 2.2 2.5
Educação 1.9 .8 3.9 1.0 2.0 .0 3.8 4.1 .6 2.9 2.9 2.2
Ambiente 0.4 1.3 1.2 2.5 .8 1.1 4.3 .0 .0 1.5 1.3 1.4
Relações 1.5 .3 2.4 .3 3.2 1.1 2.8 1.7 .6 .0 .4 1.2
Sociais
Habitação 1.0 .0 1.5 1.3 5.2 .4 2.4 .0 1.3 .0 .4 1.1
Militares e .9 1.0 .6 .6 .4 .7 .5 .7 9.1 .0 .4 1.0
defesa
Comunicaçã 1.4 1.0 1.5 1.0 1.6 .7 1.4 .7 .6 .0 .9 1.0
o
Ciência/tecn .5 .5 .9 3.5 .4 .0 .5 .0 3.2 .0 1.6 1.0
9
ologia
Energia .0 .0 .3 1.3 1.6 2.9 .0 .7 .6 .0 1.1 .8
Entretenime .0 1.8 .6 .0 .0 .0 .0 .7 .0 1.5 .0 .5
nto
Moda/Beleza .4 .3 .0 .0 .0 .4 3.8 .0 .0 .0 .0 .3
População .6 .0 .0 .0 .4 .7 .0 .0 1.3 .0 .4 .2
Total4 100.0 10 100 100.0 10 10 100.0 100. 100 10 100.0
(N) (396) 0.0 .0 (249) 0.0 0.0 (294) 0 .0 0.0 (2946
(33 (31 (27 (21 (15 (27 (44 )
4) 5) 3) 1) 4) 4) 6)
Fonte: Shoemaker, P., Cohen, A. (2006), News Around the World: Content,
Practitioners, and the Public, Routledge, London.
Para Portugal: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de
Telejornais - Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE.
4
Os elevados valores para a categoria desporto devem-se à participação da selecção nacional de futebol no
mundial da Coreia de 2002. A análise desta figura refere-se apenas ao ano de 2002 na TV portuguesa.
1
Rússia. Israel aparece como a excepção, dado que o seu modelo de agendamento de
tópicos incide mais sobre a ordem interna do que sobre a política internacional,
porventura resultado da sua política face aos territórios palestinianos. Ainda no campo
das particularidades partilhadas, é possível verificar que o desporto é rei nos EUA e
Austrália, reflectindo uma proximidade de modelos televisivos informativos entre estes
dois países. O mesmo pode ser dito do destaque dado à meteorologia nesses mesmos
países. Por último, podemos verificar a ocorrência de escolhas que parecem ser apenas
características de um país, esse é o caso da Rússia com a atenção dada às matérias
militares, à educação na Jordânia, aos desastres, epidemias e acidentes tanto na
Austrália como na Alemanha ou à saúde na China e aos sindicatos no Chile.
1
argumentar que o modelo de serviço público pode encontrar um novo rumo através da
procura de resposta para duas questões nos seus diferentes contextos nacionais: “Em
que sociedade queremos viver? Quais os valores a serem protegidos?” (Iosifidis, 2007).
Numa sociedade com rosto humano e não totalitária, como as que constituem a União
Europeia, os valores chave são o pluralismo, a independência, acessibilidade, qualidade
de conteúdos, coesão social e protecção da privacidade (Iosifidis, 2007). Embora esses
valores constituam uma carta de princípios que deve estar presente nas direcções de
programas e de informação de todas as televisões, públicas ou privadas, tal não chega
para diferenciar qual a missão da televisão de serviço público. Para falarmos em missão
da TV pública temos de ir mais além, passar para lá do informar, educar e entreter e
focar a atenção na criação de autonomia comunicativa5 dos cidadãos (Castells, 2003),
dando-lhes a opção de escolha de qualidades diferentes, no leque de programas
oferecidos, e inovação face ao actualmente feito nos outros canais e ao já experimentado
no passado. Se este parece ser o mote para a identidade cultural das televisões de
Serviço Público no quadro europeu do início do Séc. XXI, que informação de Serviço
Público é aquela oferecida hoje aos portugueses pela RTP 1 nos seus serviços de
notícias? Apresenta, essa informação, contributos essenciais à formação da autonomia
comunicativa? Isto é, diversidade, pluralismo, acessibilidade e inovação? Ao longo das
próximas páginas tenta-se responder-se a essas questão.
1
A amostra constituída para levar a cabo esta análise compreendeu 42 edições do
Telejornal, distribuídas por três períodos de duas semanas ao longo do ano: as 3
semanas de 6 a 26 de Maio, as 2 semanas de 24 de Junho a 7 de Julho, e a semana de 7 a
13 de Outubro. Na base desta dispersão encontra-se uma tentativa de assegurar uma
representatividade sustentada pela diluição do efeito que alguns acontecimentos mais
mediáticos poderiam causar num período de tempo mais concentrado.
As categorias temáticas utilizadas para enquadramento de cada peça noticiosa remetem
para conceitos abstractos, designadamente política interna, política internacional,
militares e defesa, ordem interna, economia, assuntos laborais e sindicatos, negócios
comércio e indústria, transportes, saúde, bem-estar e serviços sociais, população,
educação, comunicação, habitação, ambiente, energia, ciência / tecnologia, relações
sociais, desastres / acidentes / epidemias, desportos, eventos culturais, moda / beleza,
cerimónias, histórias de interesse humano, tempo, e entretenimento.
A distribuição das peças noticiosas do canal 1 de Serviço Público, em função da sua
categoria temática, revelou para o cômputo geral dos cinco anos considerados nesta
análise da RTP1, uma incidência de notícias relativas a questões de natureza política
traduzida na sua presença em mais de um terço (39%) do total das peças analisadas.
Consideradas individualmente, as quatro categorias temáticas mais presentes conhecem
a seguinte distribuição: 21% exploram eventos de política interna, 19% dizem respeito
a desporto, 18% abordam questões de política internacional, e 13% focam temáticas de
ordem interna. Reunidas, estas quatro categorias compreendem quase três em cada
quatro peças emitidas (71%).
1
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
1
de ordem interna não apresentam, durante os anos considerados, e à excepção do ano de
2005, uma variação significativa, com valores na ordem de 13% em 2002 e 14% em
2006.
Figura 2.2 – Principais categorias temáticas noticiadas pelo Telejornal, por ano.
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
1
Figura 2.3 – Principais temas noticiados pelo Telejornal, por ano
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
1
que versam acções executivas / governamentais/ presidenciais cerca de 19.1%,
enquanto que as relações internas a um partido são a tónica de 11.8% das notícias, e as
que tratam a actividade legislativa / parlamentar ascendem a 12.8%. As notícias sobre
autarquias / freguesias / regiões metropolitanas ascendem a 2.8% do total. Parece, pois,
surgir um padrão na medição das temáticas políticas onde a actividade dos órgãos
centrais de Governo e legislativos se sobrepõe à atenção dada à política local, por
definição mais próximo das matérias do dia-a-dia do cidadão.
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Figura 2.5 – Temas abordados nas peças sobre política interna, por ano
1
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
1
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
1
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Os dados recolhidos para o período 2002-2006 revelam uma tendência de subida para os
principais temas desta categoria. Em primeiro lugar, de 10.5% para 25.4% na presença
de peças sobre manifestações pacíficas, e de 10.5% para 14.3% nas que abordam as
forças policiais. Em segundo lugar, concretamente nas notícias relacionadas com
criminalidade, observa-se um decréscimo significativo na presença de peças sobre
crimes (37% para 25.4%) e sobre corrupção não-política (35% para 3.2%), e ligeiro nas
de pequenos crimes (25% para 14.3%), emergindo e desaparecendo neste período a
cobertura a violência sobre crianças (0% em 2002, 52.5% em 2003 e 0% novamente em
2006).
A conclusão a retirar da extrema variabilidade de algumas das tipologias de
criminalidade identificadas prender-se-á, com alguma probabilidade, e de acordo com a
observação da figura anterior, com uma estratégia de substituição de temas dentro da
mesma categoria, de que os anos de 2002, 2003 e 2006 são ilustração fidedigna. Com
efeito, observa-se nos anos de 2002 e 2006 uma preponderância de temas típicos desta
categoria temática (crimes e corrupção não-política) face à inexistência de ênfase em
peças relativas a violência sobre crianças. No entanto, no restante período e em
particular no ano de 2003, é sobretudo este último tema a assumir o protagonismo
temático neste âmbito, em detrimento dos anteriores temas dominantes surgindo outros
temas como representativos desta categoria temática no alinhamento .
2
Outra das dimensões de análise das notícias reside na significância social das mesmas
para a relação estabelecida entre o cidadão / telespectador e o alvo temático da notícia.
No que se refere ao impacto que o conteúdo do Telejornal pode produzir na relação
entre os cidadãos e as “instâncias de Poder”, verifica-se que, em média, 23% das
notícias apresentaram matéria discursiva com significância política moderada ou
acentuada, para apenas 4.4% de matéria visual. Ou seja, o relato é de maior impacto que
a imagem que acompanha essas notícias, muitas vezes de arquivo ou contextualizando o
tempo e o espaço do assunto abordado, mas não se referindo, em imagens, directamente
a ele.
Quanto à evolução temporal desse indicador de significância social foi observado um
ascendente contínuo na presença de conteúdos verbais politicamente significantes até
2005 e visuais até 2004, períodos após os quais se verificam quedas percentuais em
ambas.
Figura 2.8 – Significância política verbal das notícias do Telejornal, por ano
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
2
de análise o ano de 2002, a tendência seria de decréscimo continuado, quer verbal
(20.2% em 2003 para 17.1% em 2006), quer visual (4.1% para 2.9%, respectivamente).
Figura 2.9 – Significância pública verbal das notícias do Telejornal, por ano
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Figura 2.10 – Significância económica verbal das notícias do Telejornal, por ano
2
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Figura 2.11 – Significância cultural verbal das notícias do Telejornal, por ano
2
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Num outro registo qualitativo é possível, a partir dos dados recolhidos, avaliar a carga
tendencialmente mais positiva ou negativa inspirada pelas linguagens de uma peça
jornalística, a valência. Neste âmbito, o primeiro dado a registar prende-se com a
qualidade maioritariamente (78.3%) neutra dos conteúdos visuais. Nos conteúdos
verbais essa neutralidade é também a característica central, mas com menor expressão
(45%), tendendo o restante conteúdo para um registo mais negativo.
A evolução traçada a partir da amostra em análise indica tendências gerais distintas
consoante o tipo de valência a que nos reportamos. No âmbito da valência negativa,
observa-se um decréscimo continuado ao longo do período considerado de
aproximadamente 10%. Em sentido inverso manifesta-se a valência neutra, com um
acréscimo de pouco mais de 10%. A valência positiva apresenta ao longo do período
considerado uma aparente tendência para a estabilização em torno dos 20%.
Contudo, estas evoluções gerais assumem um comportamento distinto se o período sob
escrutínio for desagregado, um prolongando-se de 2002 a 2005, e um outro de 2005 a
2006: para o primeiro, foi observado um aumento da neutralidade nos conteúdos verbais
(39.9% em 2003 para 58.7% em 2005) e visuais (75.3% para 88.3%, respectivamente),
caminhando portanto a valência das peças do Telejornal para uma relativa
homogeneidade. No segundo período, mantendo-se a neutralidade como dominante, é
no entanto menos predominante.
2
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
2
laboral, económica, social e política tout court, com contraponto nas que lidam com
assuntos de entretenimento – desporto, histórias pessoais e culturais.
RTP
Cerimónias
6 Rel.Sociais
Transportes
P. Interna
Regional Economia Sindicatos
Ambiente
Des./Acid./Epid. Educação
Proeminência
Lisboa
Comunitário
Resto País
Comunicação P. Internacional
5 O. Interna
Saúde/S.Sociais
Nacional
Estrangeiro
Porto Local
Negócios
Internacional
Prox. Nacional
Eventos culturai
Hist. I.humano
Desportos
Entretenimento
3
1 2 3 4 5
Complexidade
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
2
intervenção. A variação conhecida por este indicador no mesmo período segue um
sentido ascendente, dos 54.1% de 2003 aos 57.6% de 2006, indiciando um aumento na
estratégia de auscultação de intervenientes/envolvidos na matéria noticiada. Uma das
marcas contemporâneas do Telejornal parece, assim, ser a personalização no quadro da
notícia ou, se preferirmos, a sua humanização.
Em termos da origem dos intervenientes, é significativo que o conjunto dos
agentes eleitos para actividade de representação política tenha intervido numa média de
108,5 peças por ano. Entre o conjunto dos agentes desportivos a média de presença por
ano cifra-se em 44 notícias.
Considerando individualmente as categorias de intervenientes, verifica-se que a
presença mais frequente – em média, no cômputo geral dos cinco anos considerados – é
a de cidadãos, constantes em 83 notícias/ano, a considerável distância dos
intervenientes mais próximos: Ministros e Secretários de Estado (32.3 peças por ano),
atletas, jogadores, treinadores e árbitros de grande notoriedade (26.5), líderes
parlamentares e líderes políticos (25.8), Deputados e líderes políticos regionais (17.8),
e Chefes de Estado (16.3). Sintomático é também o facto de que a presença do
Primeiro-Ministro assume um valor médio significativamente inferior ao total da
presença média dos seus Ministros (12 peças para 32.3). O indivíduo, enquanto
agente/actor ou figura pública/comentador, parece ter ganho um papel de
preponderância da dimensão noticiosa.
2
Cidadãos Atletas /
Jogadores,
treinadores e
árbitros de
grande
notoriedade
Ministros, Chefes de
Secretários de estado
Estado
Líderes Deputados,
parlamentares, líderes políticos
líderes políticos regionais
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Figura 2.15 – Intervenientes (agregados) nas notícias presentes no Telejornal, por ano
2
140
120
100
80
cidadãos
agentes políticos
60 agentes
desportivos
40
20
0
2003 2004 2005 2006
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
2
120
100
Cidadãos
Ministros, Secretários de
Estado
80
Atletas / Jogadores,
treinadores e árbitros de
grande notoriedade
Líderes parlamentares,
60 líderes políticos
Deputados, líderes
políticos regionais
Chefes de estado
40 Primeiro-Ministro
20
0
2003 2004 2005 2006
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
3
Apenas no âmbito da ordem interna parece diluir-se a diferença entre as
presenças relativas de intervenientes de primeiro (33.9%), segundo (35.4%, ou seja, a
mais representada) e terceiro nível (19.7%), mantendo-se uma tónica marginal da
intervenção de anónimos (5.5%).
70,0%
60,0%
50,0%
20,0%
10,0%
0,0%
1º 2º 3º Anónimo Outros
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
3
70%
60%
50%
40% BE
CDU
PS
PSD
30%
CDS/PP
20%
10%
0%
GovPSD GovPS
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
3
70.0%
60.0% Act.
Legislativa/Parlamentar
Acções Executivas
Eleições
Nomeações/demissões
50.0% Act. polititicos
Individuais
Relações
Interpartidárias
Relações internas dos
40.0% partidos
Abuso Poder/Corrupção
Política
Julgamentos e
decisões judiciais
30.0% Outros - política
Comunidade Europeia
Outros
20.0%
10.0%
0.0%
BE CDU PS PSD CDS/P
P
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
3
100.0%
90.0%
Presidente da República
80.0% Presidente da Assembleia
da República
Primeiro-Ministro
Ministros, Secretários de
Estado
Líderes parlamentares,
líderes políticos
Deputados, líderes
70.0%
políticos regionais
Dirigentes políticos locais,
militantes políticos
Presidentes do Governos
Regionais
Presidentes de Autarquias
das grandes cidades
60.0% Presidentes de autarquias
de pequenas e médias
localidades, e outros
dirigentes autárquicos
Outros Política
Cidadãos
Outros
50.0%
40.0%
30.0%
20.0%
10.0%
0.0%
BE CDU PS PSD CDS/PP
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
3
A última dimensão de análise refere-se à localização das notícias, isto é, a sua
Proximidade e o seu Tratamento Geográfico. Quanto à localização dos eventos
noticiados, constata-se que a maioria das notícias analisadas - cerca de 29% - dizem
respeito a eventos ocorridos fora do país, sendo Lisboa a segunda localização mais
frequentemente noticiada (24% das peças). O território Nacional considerado na sua
totalidade é a terceira mais presente (21.9%).
30
25
20
15
10
0
Lisboa Porto Resto do Estrange Nacional N. Ident.
País iro
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
Figura 2.22 – Localização dos eventos noticiados pelo Telejornal, por ano
3
35
30
25
Lisboa
20 Porto
Resto do País
Estrangeiro
15 Nacional
N. Ident.
10
0
2003 2004 2005 2006
Figura 2.23 – Tratamento geográfico dos eventos noticiados pelo Telejornal, por ano
3
70
60
50
40 Local
Regional
Nacional
Internacional
30
Comunitário
20
10
0
2003 2004 2005 2006
Fonte: Belo, A., Shoemaker, P. e Silveira, J., (orgs; 2003), Análise de Telejornais -
Base de Dados 1, Lisboa, CIMDE
As nossas sociedades são sociedades onde se junta, cada vez mais, ao face a face a
mediação. A mediação é hoje fundamental para dar sentido ao mundo que nos rodeia,
ao nosso dia a dia. Dá-nos segurança, faz-nos sentir parte de algo mais vasto que a
família que continua, apesar das mudanças na sociedade, a ser o elemento primordial de
identificação e pertença para a maioria das pessoas (Castells, 2005; Cardoso, 2005).
A mediação é hoje um factor fundamental nas nossas vidas e na nossa busca de ordem e
sentido para a vida, bem como é, também, um elemento da nossa constante luta pelo
poder e pelo controlo sobre o simbólico e o material, quer no espaço quer no tempo.
Cada época tem os seus géneros predominantes e modos de representação (as notícias,
os talk shows, as novelas e séries), e tem também formas diferentes de expressar a
3
dimensão singular de cada indivíduo (música, blogues, mensagens, partilha de ficheiros,
etc).
Sendo a mediação central, é fundamental compreender que a mediação ocorre num
ambiente que é, ele próprio, produto de forças opostas que procuram ditar rumos.
Rumos, nos modelos de representação e nas oportunidades de expressão individual. Daí
que o gatekeeping seja hoje muito mais complexo do que em outros momentos
históricos. Ele já não se refere apenas aos jornalistas, vai para além deles, tocando-nos a
todos nós, nas nossas escolhas de resultados de pesquisas online, na forma como
criamos ratings de livros vendidos, canais vistos, jornais lidos, etc.
A mediação e os media são, ao mesmo tempo, elementos fundamentais para o
desenvolvimento económico dos países e para o exercício da democracia.
Não vale já a pena falar só de Internet ou só de TV. Todas as pessoas, no seu dia a dia,
cruzam-se com múltiplos media, dos jornais à rádio, da Internet aos telemóveis, etc. No
entanto, a televisão continua a ser o elemento central da mediação nas nossas vidas.
Vale a pena salientar que o futuro do desenvolvimento e da Democracia passa pela
mediação e pela forma como a mesma é exercida. Que é o mesmo que dizer, que
depende da forma como estiver enquadrado o sistema dos media (sua regulação, seus
players, custos e barreiras de acesso aos indivíduos e empresas) e também de quem são
os que lhes podem aceder.
Em primeiro lugar, a mediação é fundamental porque, dependendo da forma como nela
se retrata “o outro”, seja um outro próximo (o membro do outro partido, o médico, o
ministro, o professor, o desempregado, o i(e)migrante, o jornalista, etc) ou um outro
distante (o basco, o catalão, o chinês, o muçulmano, o budista, o cristão copta, o
americano, etc), depende também a forma como iremos organizar a nossa realidade, a
nossa experiência face a essas realidades, face a essas pessoas, os nossos valores e,
quem sabe, as nossas próprias acções, propostas, práticas. É a partir da forma como essa
mediação é exercida que também a autonomia comunicativa dos actores sociais é ou
não fomentada e é ou não dificultada. A autonomia comunicativa no quadro da
informação televisiva implica diversidade, pluralismo, acessibilidade e inovação nas
formas de comunicar. Quando essas vertentes estão ausentes o fomento da autonomia
ou o seu efectivo exercício por parte dos telespectadores é colocada em causa.
Quanto à diversidade, verifica-se que as tendências gerais da mediação noticiosa do
Telejornal da RTP1, para o período considerado, apresentam uma redução média das
suas edições, bem como do seu intervalo publicitário, a transmissão de um número cada
3
vez maior de peças com uma duração cada vez menor. No entanto, a categoria temática
mais noticiada pelo Telejornal é o desporto, cuja presença tende a aumentar ao longo do
intervalo analisado. Paralelamente, sem prejuízo do facto de que mais de um terço das
notícias analisadas abordar temas políticos, a presença das categorias de política interna
e política internacional conhece, desde 2003, uma redução substancial, à semelhança da
redução conhecida pela presença da categoria temática ordem interna. Reunidas, estas
quatro categorias compreendem cerca de 60% da matéria noticiada pelo Telejornal.
Analisando a proeminência das peças noticiadas pelo Telejornal, verifica-se que as
cerimónias, relações sociais, política interna, economia, e sindicatos constituem as
categorias temáticas mais utilizadas nas aberturas e reaberturas, o que revela a
atribuição de um elevado valor-notícia às peças que sobre elas versam – o mesmo se
verificando para eventos ocorridos em Lisboa e os de tratamento geográfico
comunitário. No extremo oposto encontram-se as notícias sobre entretenimento, sobre
desporto, e sobre histórias de interesse humano, bem como as de proximidade nacional
e as de tratamento geográfico internacional. Já a observação do indicador
complexidade permite constatar que as notícias sobre sindicatos, sobre política
internacional, sobre economia, e sobre ordem interna, bem como as de tratamento
geográfico comunitário ou internacional, e ocorridos fora do país, constituem os
contingentes nos quais é mais frequente a existência de conteúdos Desviantes ou
Significantes, ou seja, mais imprevisíveis e potencialmente de maior impacto sobre a
sociedade – ao contrário do observado para as notícias sobre entretenimento, sobre
desporto, e sobre histórias de interesse humano, à semelhança das que versam eventos
ocorridos no Porto e no resto do país, e de tratamento geográfico local. De uma leitura
cruzada da proeminência e da complexidade das peças noticiadas no Telejornal resulta,
assim, a constatação de que as questões políticas constituem o cerne deste noticiário,
traduzida numa dúplice valorização de temáticas da esfera laboral, económica, social e
política tout court, com contraponto nas que lidam com assuntos de entretenimento.
A diversidade implica também a origem geográfica da temática. Em termos da estrutura
do Telejornal, três abordagens concorrem para uma mesma perspectiva. Privilegiando
uma divisão do noticiário em duas partes, a primeira etapa apresenta maior número de
peças noticiosas de natureza política, de âmbito nacional, com impacto potencial sobre
todo o território ao nível da significância política, pública e económica, e conteúdos
tendencialmente mais inesperados do ponto de vista estatístico, normativo e de
mudança social – uma primeira parte mais apelativa do ponto de vista noticioso puro. A
3
segunda parte privilegia o desporto como categoria temática, enfatizando também mais
as questões internacionais, e as de natureza mais cultural. Se a abordagem escolhida
compreender uma divisão do Telejornal em blocos de 15 minutos, verifica-se uma
concentração de peças noticiosas de natureza nacional no início e no final da emissão,
sendo as de natureza internacional desenvolvidas nos blocos intermédios.
Paralelamente, as notícias de carácter político surgem sobretudo durante a primeira meia
hora, a partir da qual é o desporto a categoria dominante. Quanto à evolução das várias
formas de significância ao longo do Telejornal, a tendência identificada é comum às
suas variantes política, económica e pública: as peças com algum grau deste tipo de
impacto surgem sobretudo no início, decrescendo à medida que se aproxima o intervalo,
e aumentando progressivamente após o reinício. Apenas na sua variante cultural as
peças com maior impacto potencial são mais frequentes à medida que nos aproximamos
do final do Telejornal. Também o carácter desviante dos conteúdos noticiados se
concentra essencialmente no início do serviço noticioso, decrescendo à medida que nos
aproximamos das etapas de saída, ou seja, do intervalo e do fecho de edição.
Se o enfoque se centrar nos momentos-chave do Telejornal, ou seja, abertura, intervalo,
reabertura e fecho, verificamos que a notícia de abertura versa tendencialmente questões
de natureza política, com um ligeiro ascendente nas questões políticas nacionais,
assumindo a forma de reportagem de âmbito/espectro nacional e tratamento de
proximidade também tendencialmente nacional, e com uma valência verbal
maioritariamente negativa e visual maioritariamente neutra. Imediatamente antes da
saída para intervalo, o Telejornal exibe apenas reportagens, na sua maioria sobre
desporto, com um enquadramento tendencialmente nacional mas um tratamento de
proximidade centrado em Lisboa, e valência visual e verbal neutra. Na sua maioria, as
peças de reabertura deste noticiário possuem valência visual e verbal tendencialmente
neutra, com um enquadramento geográfico nacional mas de tratamento de proximidade
que é tão frequentemente nacional como internacional. Paralelamente, ainda que o
território nacional – considerado na sua totalidade – seja apenas a terceira localização
mais noticiada (atrás de eventos ocorridos fora do país e em Lisboa), observou-se para o
período considerado um aumento na presença de peças com impacto sobre o espaço
nacional como um todo, em contra-ciclo com o verificado para eventos ocorridos nas
duas principais cidades portuguesas. Esta dinâmica é acompanhada de uma acentuação
progressiva do número de peças de tratamento geográfico nacional em detrimento das
de natureza local.
4
Tematicamente, o desporto constitui o tema mais frequente de reabertura do Telejornal.
Para o encerrar o tema mais frequentemente utilizados foi também o desporto, sendo as
peças emitidas nesta etapa de âmbito e tratamento de proximidade nacional, e valência
maioritariamente neutra, quer na sua dimensão verbal quer visual. Ao nível das
diferenças na significância dos conteúdos, a tendência verificada nas suas dimensões
política, pública e económica aponta para valores bastante superiores verificados nas
"entradas" (abertura e reabertura) em relação ao das "saídas" (intervalo e fecho).
Inversamente, é sobretudo nas "saídas" que se concentram os conteúdos com
significância cultural. No campo específico da desviância, variações observadas
sobretudo no sentido da redução da sua presença nas peças que antecedem o fecho do
Telejornal, com particular expressão nas variantes verbais. Neste sentido, os dados
apontam no sentido da aproximação entre as características mais incisivas das peças de
abertura e de reabertura, por um lado, e mais neutras ou esbatidas das peças que
antecedem o intervalo e o fecho do noticiário.
Na dimensão da diversidade pode-se concluir que a mesma é de certo modo mitigada,
pela grande concentração de peças num conjunto reduzido de temáticas. No entanto,
essa concentração não é apenas apanágio do serviço público ela ocorre em todas as
diferentes emissões dos canais portugueses, privados ou de Serviço Público. No entanto,
cabe a este último não apenas ter uma análise mais repartida de temáticas como
também, caso queiramos cumprir com os pressupostos fomentadores de autonomia
comunicativa, devem ser ampliadas as presenças em horário nobre de temáticas com
menor apetência de presença nos restantes canais mas de elevado valor social para a
comunidade como o ambiente, a saúde e a ciência.
Quanto ao pluralismo e acessibilidade, entendidos aqui, respectivamente, enquanto um
leque abrangente de expressão pública de posições diferenciadas e enquanto a
possibilidade de uma diversidade alargada de actores sociais de diferentes origens e
contextos sociais e profissionais, há também que referir algumas características e
particularidades. Assim, no que respeita os intervenientes nas peças analisadas, a
maioria (56%) incluía algum tipo de intervenção, tendendo esta presença a aumentar - o
que indicia uma estratégia de auscultação de intervenientes/envolvidos na matéria
noticiada. Considerando individualmente as categorias de interveniente, verifica-se que
a presença mais frequente é a de cidadãos, a considerável distância dos intervenientes
mais próximos. Sintomático é também o facto de a presença do Primeiro-Ministro
assumir um valor médio significativamente inferior ao total da presença média dos seus
4
Ministros. No entanto, verifica-se uma tendência para o decréscimo da participação de
agentes políticos nas peças noticiadas, acompanhada pela dos cidadãos em contraponto
com o verificado para as lideranças parlamentares – em crescendo contínuo desde
2003.
Uma análise do enquadramento ideológico dos intervenientes em função dos períodos
de governação revela um dado extremamente significativo: à excepção do BE,
encontram-se sempre presentes com maior assiduidade nas peças noticiosas do
Telejornal intervenientes dos principais partidos na oposição. Quanto ao tema em que
foi observada presença de intervenientes dos principais partidos políticos portugueses, é
no sobretudo no âmbito das relações inter-partidárias que tal intervenção se joga.
Apenas ao nível dos segundo e terceiro temas mais frequentemente participados se
vislumbram diferenças. Relativamente ao perfil institucional e ideológico dos
intervenientes nas peças, os dados revelam uma ênfase transversal a todos os partidos
políticos na participação mais frequente de Líderes parlamentares e líderes políticos e
de Deputados ou líderes políticos regionais. Numa análise partido a partido, algumas
impressões devem ser retidas. A primeira dá conta do facto de o BE ser o único partido
no qual se observa alguma descentralização institucional da intervenção dos seus
membros: ao invés da aparente centralização institucional das intervenções verificada
nos casos da CDU, PSD e sobretudo no CDS/PP.
Conclusão
4
Os factos – ou, se preferirmos, as notícias – são sempre produto de duplas
interpretações: as dos emissores/jornalistas e as dos receptores/audiências. No entanto,
na relação que se estabelece no quadro da autonomia comunicativa entre quem emite,
quem recebe e realiza feedback perante a origem da informação há que ter presente que
ela só se pode consumar se houver dos dois lados o domínio das literacias de media.
Pois, a mediação pressupõe que sejamos literatos. Literatos para compreender a novela e
as notícias. Mas também para telefonar, para participar em votações de SMS, para
escrever e-mails, ler e editar blogues, para navegar e preencher formulários. Ter
literacias para trabalhar na disseminação de conhecimento, sua inovação e aplicá-lo.
Ora, as literacias podem ser de dois tipos. As centradas no modelo escolástico
tradicional: ler, escrever, contar, interpretar, digitar e pesquisar. Ou, seguirem o padrão
das necessidades de uma sociedade informacional, isto é, uma sociedade assente na
criação de riqueza através do conhecimento e já não apenas assente na aprendizagem
desse mesmo, sem a sua transformação posterior e aplicação em novos contextos,
produtos e serviços.
As literacias hoje permitem simultaneamente o domínio das ferramentas necessárias à
participação cívica (organização, contactabilidade, mobilidade, acesso à informação e
transformação do conhecimento) e à criação de riqueza (exactamente as mesmas). Mas
é a escolha da sociedade, a escolha realizada pelos que gerem o conhecimento, a
riqueza, a cultura (seja em seu próprio nome ou por delegação de todos nós) de quem
dependerá o futuro.
As opções são claramente duas: podemos apostar nas literacias para os media como
factores fundamentais do desenvolvimento e da democracia; ou apostar num modelo
baseado no condicionamento, a exemplo do que no passado foi condicionamento
industrial limitador da iniciativa privada nos tempos da ditadura, e que no nosso
presente e futuro, poderá ser o condicionamento do acesso ao conhecimento e às
ferramentas de acesso a ele. No entanto, não se trata de censura. Porque tudo existe e
tudo é dito no campo da mediação, não há exclusões de temas ou de notícias. Pode
haver condicionamentos na interpretação, na triangulação de conhecimentos de
diferentes origens, mas não censura.
A falta de literacias assemelha-se à censura, apenas no facto de deixar espaços vazios,
espaços que poderiam ser preenchidos caso as literacias pudessem agir, transformando
esse conhecimento em algo novo, em algo que permita agência, acção, produção,
criação, transmissão. É esse o poder da literacia dos media e que hoje tem de ser um
4
elemento inato, tão importante como aprender a mexer, a fazer, é ter aprendido a
organizar, dissecar, interpretar, enfim, fazer o remix necessário, tanto à inovação de
produtos e serviços, quanto à criatividade, à defesa de ideias e ideais, à construção de
alternativas e à transformação do tradicional em novo e do novo em realidade. Para
produzir um noticiário realizam-se escolhas, as quais são produto das literacias dos
jornalistas. No entanto, sem as literacias das audiências, a representação da realidade
pode ficar aquém de atingir os valores do novo Serviço Público de televisão. É esse o
desafio contemporâneo da mediação na televisão: compreender as literacias de
jornalistas e audiências, como as mesmas contribuem para a criação de autonomia
comunicativa e o papel do serviço público nesse processo.
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