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Material retirado da apostila do Curso de Verão do Departamento de Psicobiologia

da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)- esse material não pode ser
reproduzido e alterado.

2. PSICOLOGIA EXPERIMENTAL: APRENDIZAGEM


Em todas as espécies, e a todo o momento, se observa diversas experiências
influenciando profundamente os mais variados comportamentos. Nós humanos, por
exemplo, aprendemos a andar, a falar, a planejar e a amar. Assim como aprendemos a
enganar, a odiar e a ter certos medos. Pode-se dizer então que aprendizado é uma
base para a melhor adaptação do indivíduo, apesar de nem todo aprendizado ser
adaptativo.
Aprendizagem pode ser definida como um processo por meio do qual um
comportamento é instalado ou é modificado, em função de um determinado estímulo.
Isto é, são observadas mudanças duradouras no comportamento, em resposta às
interações entre o organismo e o seu ambiente.
No entanto, para caracterizar-se como aprendizado, essa modificação não deve ser
decorrente de tendências inatas de respostas (instinto ou reflexo), maturação, ou
estados temporários do organismo (como fadiga). Sendo assim, trata-se de um
processo que se manifesta por alterações adaptativas no comportamento individual
como resultado da experiência. Também é importante salientar que o aprendizado não
é medido diretamente: o que medimos é o desempenho.
Existem duas formas distintas de aprendizado:
1) Aprendizagem não associativa, na qual o organismo aprende sobre as propriedades

de um tipo específico de estímulo;

2) Aprendizagem associativa, na qual é aprendida uma relação entre dois estímulos ou

entre um estímulo e uma resposta.

Antes de partir para definições dos diferentes tipos de aprendizagem, é fundamental

definir dois termos que serão amplamente utilizados ao longo deste capítulo:

ESTÍMULO e RESPOSTA. Estímulo refere-se a uma parte do ambiente no qual o

organismo está inserido e que é capaz de afetá-lo. Os estímulos podem ser públicos ou

privados: os públicos são externos ao organismo e os privados ocorrem dentro do


organismo, não sendo acessíveis a observadores. Os estímulos têm a capacidade de

eliciar ou evocar respostas, sendo que estas se referem a componentes do

comportamento do sujeito. O comportamento pode ser entendido como a interação

entre o ambiente e o organismo, ou, mais especificamente, entre estímulos e

respostas.

2.1. Aprendizagem Não-Associativa


Habituação: é um comportamento adaptativo, observado em todas as espécies - de
protozoários a humanos - e que não implica na aquisição de respostas novas e sim na
perda de velhas. A habituação ocorre quando um estímulo específico, que não possui
caráter de ameaça ao indivíduo, é apresentado repetidamente, culminando na
diminuição ou até mesmo na supressão da resposta inicialmente eliciada por esse
determinado estímulo. O comportamento é adquirido rapidamente, mediante
intervalos pequenos de exposição ao estímulo. No entanto, qualquer alteração no
estímulo desencadeará as respostas inicialmente observadas, e o sujeito voltará a se
comportar em função do estímulo até que haja nova habituação. Um exemplo é
quando estamos estudando em um local que possui um ventilador ruidoso. No início,
teremos maior dificuldade para nos concentrarmos e nossa atenção será voltada ao
barulho. No entanto, após algum tempo expostos a tal ruído, nos habituaremos a ele e
poderemos estudar tranquilamente, sem ao menos notar sua presença. Porém, caso o
ventilador tenha a velocidade de rotação aumentada de maneira perceptível
(alteração nas propriedades do estímulo), é possível que voltemos a nos incomodar
com o ruído, assim como, caso o ventilador seja desligado, notaremos que houve uma
mudança no ambiente (notaremos a ausência do ruído).
Porém, é válido lembrar que nem todos os estímulos apresentados repetidamente
levam à habituação. É muito difícil que esse fenômeno seja observado na presença de
um estímulo muito intenso como, por exemplo, o som de um bate-estaca enquanto se
estuda.
Sob algumas circunstâncias, a repetição de estímulo pode levar a uma consequência
oposta à da habituação, como a potenciação. Assim, no processo de potenciação, há
um aumento na resposta a determinado estímulo depois de repetidas apresentações
deste, sendo mais provável de ser observada quando o estímulo apresentado tem
valor aversivo ou oferece algum risco ao organismo, do que quando este possui caráter
neutro ou reforçador. Por exemplo, choques elétricos geralmente eliciam guinchos em
ratos. Se repetidos choques forem apresentados, é possível que ocorra aumento na
magnitude da resposta do animal.
Outro processo semelhante é a sensibilização. Na sensibilização, observa-se o
aumento do poder eliciador de certos estímulos quando estes são apresentados após
um dado estímulo. Por exemplo, determinados sons eliciam resposta de sobressaltos
em ratos, e choques usualmente eliciam guinchos nos animais. Caso seja estabelecido
um procedimento no qual o animal recebe um choque, e seguidamente é apresentado
um som (não associado ao choque), é provável que o sobressalto eliciado pelo som
tenha uma magnitude maior do que quando o som é apresentado sem a presença
prévia do choque. Assim, diz-se que o choque sensibiliza o animal para o som. Desse
modo, apesar de não haver nenhuma associação entre a resposta de sobressalto e o
choque, esta é eliciada em maior magnitude devido à sensibilização causada pelo
choque. Outro exemplo é quando estamos muito estressados com uma prova, e
acabamos por nos irritar com diversas outras situações. Nesse caso, o estresse da
prova nos sensibilizou, e respondemos de modo exacerbado a outros estímulos (não
associados à prova) em função dessa sensibilização.
2.2. Aprendizagem Associativa
Estampagem ou imprinting: aprendizagem baseada em uma única associação entre
estímulos e respostas, com efeitos geralmente irreversíveis, em um determinado
período da vida do organismo, após o qual não pode mais ser estabelecida. Um
exemplo clássico é ilustrado por ninhadas de patos que seguem sua mãe, um tipo de
estampagem desenvolvida logo no início da vida dos filhotes e com caráter altamente
adaptativo, pois assegura que os filhotes fiquem sempre próximos a ela. Quando um
patinho sai da casca do ovo, é provável que a primeira coisa em movimento que ele
veja seja sua mãe, de quem ficará perto e a quem seguirá. Todavia, se a mãe não
estiver presente e o patinho vir, de início, alguma outra coisa em movimento (por
exemplo, uma pessoa ou uma máquina), ele irá responder a esse estímulo como teria
feito em relação à sua mãe biológica, seguindo-o.
O etólogo Konrad Lorenz foi um dos pesquisadores que mais se dedicou à investigação
deste fenômeno, sendo comumente lembrado quando se cita este tipo de
aprendizagem. Lorenz costumava estar presente no nascimento de novos patinhos,
sendo o primeiro estímulo que os animais entravam em contato, passando a ser
seguido por todos os patos. Nesse caso, o estímulo estampado não foi a mãe pata, e
sim o primeiro objeto em movimento visto pelo filhote, o próprio Lorenz. Como dito
anteriormente, há um período crítico para o desenvolvimento da estampagem. Desse
modo, usando o exemplo do patinho, se o estímulo não for apresentado
suficientemente cedo na vida do animal, a estampagem pode não ocorrer mais.
2.3. O Comportamento Reflexo ou Respondente (Eliciado)
Todas as espécies animais possuem algumas conexões inatas, chamadas reflexos.
Evolutivamente selecionado, o comportamento reflexo é fundamental por permitir ao
organismo responder adaptativamente a certos estímulos ambientais, sendo estas
respostas essenciais para a sobrevivência do organismo (por exemplo, imagine os
danos causados à visão se não fosse o mecanismo reflexo de piscar os olhos diante de
determinados estímulos).
O estudo do comportamento reflexo iniciou-se na fisiologia. No entanto, com a
observação de que determinados estímulos e respostas estavam associados em
relações regulares, causais e observáveis, os psicólogos também passaram a se voltar
para o estudo das respostas reflexas, as quais podem ser definidas por meio do
seguinte paradigma:
Esta é uma fórmula geral e pouco precisa do reflexo, pois não diz sobre como R é
dependente de S. Assim, dentro do paradigma do comportamento respondente,
existem algumas leis que são importantes para compreensão dessa dependência e
regem a regularidade da relação entre os estímulos eliciadores (S ou US) e os
respondentes (R ou UR), as quais serão brevemente descritas a seguir.
1) Lei do Limiar: Existe um limite determinado de intensidade do estímulo a partir do
qual a resposta sempre ocorrerá, e abaixo do qual não ocorrerá nenhuma resposta.
Assim, é preciso que o estímulo tenha certa intensidade para que possa eliciar uma
determinada resposta.
2) Lei da Latência: Entre a apresentação de um estímulo e o início da resposta, há um
pequeno intervalo de tempo, chamado de latência ou período latente. De acordo com
a lei da latência, à medida que aumenta a intensidade do estímulo eliciador, diminui o
tempo transcorrido (período latente) até o aparecimento da resposta eliciada.
3) Lei da Intensidade-Magnitude: À medida que aumenta a intensidade do estímulo
eliciador, aumenta a magnitude da resposta eliciada. Todas as respostas que podem
ser eliciadas em um organismo mantêm essa relação de dependência com a
intensidade do estímulo. Os estímulos eliciadores podem então ser explicitados por
meio de um espectro de intensidade, estando a magnitude da resposta relacionada à
intensidade do estímulo.
3. CONDICIONAMENTO CLÁSSICO
O processo de condicionamento clássico (ou condicionamento respondente) foi
primeiramente estudado no início do século XX pelo fisiologista russo Ivan Petrovich
Pavlov, que inicialmente fez observações básicas e bastante simples. Pavlov constatou,
enquanto realizava estudos sobre o mecanismo fisiológico da digestão em cães, que
certos ácidos diluídos ou comida posta na boca de cães famintos levava à produção de
saliva pelas glândulas apropriadas, ou seja, ele observou o reflexo salivar. Até aí,
nenhuma novidade, e de fato não foi essa observação que lhe concedeu seu destaque
na psicologia. Além de observar tal reflexo, Pavlov constatou que saliva também era
produzia nos cães mesmo antes da comida chegar à boca, bastando apenas o animal
faminto sentir o cheiro ou ver o alimento. E até mesmo a simples presença do homem
responsável por alimentar o cão também era capaz de fazer salivar o animal faminto.
Estas observações levantaram questionamentos em Pavlov, que acreditava que
certamente essa salivação produzida apenas pela visão da comida ou do alimentador
não era um mecanismo inato entre estímulo e resposta, e sim uma relação aprendida
de acordo com as experiências vivenciadas pelo animal. Ou seja, havia algum outro
elemento além do estímulo (comida) e resposta (salivação), e esse estímulo é o
chamado ESTÍMULO CONDICIONADO (CS, de conditioned stimulus), estímulo que,
precedendo exata e diretamente o estímulo eliciador do reflexo (US), poderia, por si
só, eliciar a salivação.
Através de um experimento clássico, Pavlov conseguiu então demonstrar a aquisição
de novas relações entre estímulos e respostas, e passou a estudar exaustivamente a
generalidade desse paradigma, que veio a ser chamado posteriormente de
condicionamento clássico, ou condicionamento respondente, ou mesmo
condicionamento pavloviano.
No experimento clássico, um cão foi colocado em uma sala experimental, e por meio
de uma cânula posta na sua mandíbula, era possível quantificar sua resposta de salivar.
Por repetidas vezes, era apresentado um som e, logo em seguida, era servido um
pouco de alimento ao cachorro. Esse pareamento (ou emparelhamento) foi repetido
diversas vezes, por dias seguidos, até que, com o passar do tempo, a própria
apresentação do som era capaz de fazer o animal produzir saliva.
Desse modo, no paradigma do condicionamento clássico, há um estímulo previamente
neutro (CS – ex: um som) que adquire a propriedade de eliciar uma resposta (CR – ex:
salivar) que originalmente era eliciada por outro estímulo (US – ex. comida). E esse
processo através do qual o CS passa a ter capacidade de eliciar CR após sucessivos
pareamentos com o US é o que chamamos CONDICIONAMENTO. Tal paradigma pode
ser esquematizado do seguinte modo:
Sendo:
CS: um estímulo previamente neutro (som)
US: um estímulo incondicionado (comida)
UR: uma resposta incondicionada (salivar)
Após sucessivos pareamentos entre CS-US, têm-se:
No entanto, para que haja essa “associação” dos estímulos, é necessário um
treinamento prévio, por meio do qual ocorra seguidos emparelhamentos entre CS e
US, numa relação temporal de estreita proximidade. Nota-se então que é preciso
eliciar uma resposta antes de condicioná-la a outro estímulo. É importante ressaltar
que o condicionamento clássico permite que novos estímulos passem a controlar
respostas já existentes, mas não é capaz de instalar novas respostas ao repertório
prévio do organismo.
O termo “resposta condicionada” foi assim denominado para que houvesse uma
distinção da “resposta incondicionada”, isto é, das respostas reflexas ou inatas. Desse
modo, resposta condicionada equivale ao termo “resposta adquirida”, pois se trata de
uma resposta adquirida por meio da experiência do organismo (ou seja, por meio do
pareamento entre um estímulo incondicionado e um estímulo anteriormente neutro).
Seguindo o mesmo raciocínio, falar em “resposta incondicionada” equivale a falar de
respostas inatas, pois são reflexos inatos, que independem de qualquer tipo de treino
prévio ou aprendizagem.
Assim, no processo do condicionamento clássico, o organismo muda seu
comportamento em função de uma nova contingência estabelecida entre um
estímulo condicionado (CS) e um estímulo incondicionado (US). Esse tipo de
associação varia muito em termos de complexidade, e trata-se de um processo
muito importante para sobrevivência do organismo, pois lhe permite adaptação ao
meio e às suas frequentes modificações. Figura 1: Desenho esquemático do aparato
utilizado por Pavlov em seus experimentos de Condicionamento clássico.
Retirado de: www.simplypsychology.pwp.blueyonder.co.uk.

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