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S OLANGE S UELI DE S ALES G UIMARÃES

A S T RAMAS DA I NCLUSÃO /E XCLUSÃO S OCIAL


M EDIADAS PELA E CONOMIA S OLIDÁRIA

P R O G R AM A D E E S T U D O S P ÓS -G R AD U AD OS E M P S I C O L O GI A S OC I AL
P ON T I F Í C I A U N I V E R S I D AD E C AT Ó LI C A D E S Ã O P AU L O

S Ã O P AU L O
2005
S OLANGE S UELI DE S ALES G UIMARÃES

A S T RAMAS DA I NCLUSÃO /E XCLUSÃO S OCIAL


M EDIADAS PELA E CONOMIA S OLIDÁRIA

Dissertação apresentada à
Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção
do título de MESTRE em Psicologia
Social, sob a orientação da Profª. Drª.
Bader Burihan Sawaia.

PUC-SP
2005
BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________
À minha mãe, Lia,
eterna lição de perseverança
A GRADECIMENTOS

Muitas foram as pessoas que caminharam comigo nesta jornada e para as

quais desejo expressar meus mais sinceros agradecimentos.

À professora Bader Sawaia, que recuperou em mim a felicidade de agir

com o outro e de viver em ato.

À professora Fúlvia Rosemberg, por me apresentar à Psicologia Social e

estimular a prosseguir mesmo nos momentos mais difíceis.

Aos professores do Departamento de Psicologia Social, em especial a

Mary Jane Spink, Antônio da Costa Ciampa, Odair Sass, Raul Albino, Peter

Spink e Salvador Sandoval pela generosidade e paciência em acolher uma

aluna de outra formação.

Ao Programa Internacional de Bolsas de Pós-graduação da Fundação

Ford, na pessoa de Joan Dassin, pela oportunidade oferecida a mim de

retornar à vida acadêmica e realizar um antigo sonho.

Ao apoio da Fundação Carlos Chagas, nas figuras de Maria Luisa Ribeiro,

Márcia Caxeta e Meire Lungaretti, minhas interlocutoras constantes e dos

professores Maria Regina Pahim e Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.

A Altamiro Borges, Glauce Rocha e Carlos A C. Teixeira, cujos

ensinamentos na fase pré-acadêmica foram essenciais para minha seleção na

PUC/SP.
À Alessandra Saraiva, Giseli Cabrini, André Barrocal e Hermógenes

Saviani, amigos jornalistas que estiveram presentes em todas as etapas deste

período acadêmico.

E aos novos amigos conquistados pelo caminho como Mabel, Neisa, José

Raimundo e Agnaldo e os companheiros do Nexin, com carinho especial para

Margarida Dionísia, Augusta e Tereza.

Ao Paulo Alexandre, minha alma companheira.

E ao meu pai e meu irmão.

Obrigada!
Guimarães, Solange S. S. (2005) As tramas da inclusão/exclusão social
mediadas pela Economia Solidária. Dissertação de Mestrado em Psicologia
Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

RESUMO

Esta pesquisa se propõe a analisar os limites do cooperativismo


como meio de inserção social no contexto capitalista. Partindo da perspectiva
da Psicologia Sócio-Histórica, desenvolvida pelo NEXIN, a análise busca
compreender se esta forma de produção potencializa atitudes e sentidos
mediados pela solidariedade.
Como geradora de emprego e renda, a cooperativa estabelece novas
relações de produção que rompem com valores capitalistas, tais como,
individualismo, competitividade, submissão, opressão, a desqualificação social
e a cultura da culpa. Esta pesquisa analisa se esta nova relação muda valores
e potencializa o sujeito para uma ação coletiva de transformação da sociedade.
Da cooperativa escolhida – situada em uma das maiores favelas do
Brasil, no Rio de Janeiro, e formada por costureiras que há mais de duas
décadas tentam combinar os ideais cooperativistas com bons resultados
financeiros tendo conseguido sucesso econômico (dentro do conceito
capitalista de empresa bem-sucedida) – optou-se por analisar o processo de
subjetivação em um dos sujeitos: uma costureira fundadora da cooperativa e
que hoje participa de outra entidade na mesma comunidade.
A análise dos dados obtidos por meio de entrevistas busca
compreender como se dá a maneira de pensar, sentir e agir e como as
relações cotidianas e o contexto social foram se singularizando na experiência
pessoal. É um estudo da tensão entre a ação transformadora e a ação
disciplinadora das políticas de afetividades

PALAVRAS-CHAVE: dialética inclusão-exclusão, Economia Solidária, sofrimento


ético-político, abordagem sócio-histórica, mulher pobre, cooperativa
Guimarães, Solange S. S. (2005) The net1 of Social Inclusion/Exclusion by
Means of the Solidary Economy. Speech for Master Degree in Social
Psychology, PUC/ SP.

ABSTRACT
This research analyse the limits of the cooperativism as means of
social insertion in the capitalist context. The analysis is based on the
perspective of Social-Historic, developed by NEXIN, and tries to understand if
this way of production potentizes attitudes and fellings mediated by solidarity.
As generating of job and income, the cooperative establishes new
relations of production that breach with capitalist values, such as, individualism,
competitiveness, submission, oppression, the social disqualification and the
culture of the guilt. This research analyzes if this new relation changes values
and potentizes the citizen for a collective action of transformation of the society.
Of the chosen cooperative - situated in one of the biggest slum
quarters of Brazil, in Rio De Janeiro, and formed for dressmakers who for two
decades try to combine the cooperativism ideals with good financial results
being had obtained economic success (in the capitalist concept of well-
succeeded company) - it was opted to analyzing the process of subjectivation in
one of the subjects: one of the founders of the cooperative and that today she
participates of another entity in the same community.
The analysis of the data gotten by means of interviews intend to
understand the way to think, to feel and to act and as the daily relations and the
social context had been singular in the personal experience. It is a study of the
tension between the transforming action and the action disciplinarian of the
politics of affectivities.

KEY WORDS: inclusion-exclusion dialectic, solidary economy, ethical-political


suffering, social-historical approach, poor woman, cooperative.

1
In Portuguese the word “trama” has diverse meanings as net, web, set of wires that if cross forming one
fabric, structure of elements that if they cross and they establish connection forming as if they formed a
net, private project against the life or the security of somebody or an institution, intrigues, scheme.
S UMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................... 1

JUSTIFICATIVA .............................................................................. 6

CAPÍTULO 1 – O FIO DA MEADA: O OBJETIVO DA PESQUISA ............ 14

CAPÍTULO 2 – CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA COOPERATIVISTA NA


DIALÉTICA EXCLUSÃO/INCLUSÃO .................................................. 21
CAPÍTULO 3 – TECENDO A TRAMA ANALÍTICA DA PESQUISA ............. 31
A . SENTIDO E SIGNIFICADO .................................................... 32
B . POLÍTICAS DE AFETIVIDADE: A DISCIPLINARIZAÇÃO DAS EMOÇÕES
................................................................................................... 41
CAPÍTULO 4 – A TRAJETÓRIA DA PESQUISA ................................... 46
SÍNTESE DO PROCESSO DE CONFIGURAÇÃO DE UMA ARTESÃ ..... 51
CAPÍTULO 5 – DO FIO À TRAMA: A HISTÓRIA DE MARIA QUE SE
ENTRELAÇA COM A DA COMUNIDADE ............................................. 57
CAPÍTULO 6 – A TECITURA DA TRAMA ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS
DADOS ........................................................................................ 78
1 . O LUGAR: A FAVELA DA ROCINHA ...................................... 80
MEDO E AMOR AFETOS CONSTITUTIVOS DO SENTIDO DE LUGAR ... 82
2. ATIVIDADE SOLIDÁRIA........................................................ 85
MEDO BOM/MEDO RUIM ......................................................... 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 104

ANEXOS ...................................................................................... 108


Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre outros galos.

E se encorpando em tela, entre todos,


se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

Tecendo a Manhã, da obra A Educação pela pedra, de


João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Editora do
Autor, 1966.

0
I NTRODUÇÃO

“...se dois indivíduos, absolutamente da mesma


natureza, se unem um ao outro, formam um
indivíduo duas vezes mais poderoso que cada um
deles separadamente. Portanto, nada mais útil ao
homem que o homem”

Espinosa

1
O objetivo da presente dissertação é compreender, da perspectiva

psicossocial como a cooperativa pode contribuir para a transformação das

relações de trabalho. Esta pesquisa está ancorada em motivos que começaram a

se formar no final da década de 1980, quando militava na categoria bancária em

São Paulo, e foram impulsionados pelo meu interesse pelas soluções para a crise

do emprego. Acompanhei naquele período a dramática redução dos postos de

trabalho provocada pela informatização e automatização dos bancos. A categoria

que chegou a ter 764.923 trabalhadores em 1986 reduziu-se a 679.931 em 1991.

A esta crise emendou-se outra provocada pelo fenômeno da globalização, que

resultou na entrada de diversos bancos estrangeiros no País que, ao invés de

gerar emprego, iniciou uma onda de fusões e aquisições que reduziu ainda mais

as vagas de trabalho nos bancos.

Na mesma época, a política neoliberal do governo Collor dá início às

privatizações, continuadas por seus sucessores. A venda de bancos estaduais,

acompanhada do enxugamento dos quadros de funcionários, reduziu ainda mais

a categoria. No levantamento realizado pelo Sindicato dos Bancários de São

Paulo2, em outubro de 2002, havia apenas 392.882 bancários na base.

O que eu acompanhei de perto como dirigente sindical dos bancários,

ocorreu também em maior ou menor grau em diversas outras categorias. Como

pude comprovar a partir de 1997, quando passei a trabalhar como repórter do

Jornal Notícias Populares, em São Paulo. No jornal pertencente ao grupo Folha

2
Dados elaborados pelo Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos Sociais e Econômicos (Dieese) –
subseção Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo (Seeb-SP) com base na
Rais (Relação Anual de Informações Sociais)
2
de S.Paulo – e que foi fechado em 2001 - trabalhei na editoria de Economia e

Trabalho produzindo reportagens de prestação de serviços para leitores das

classes D e E.

No jornalismo popular constatei que a maior preocupação do leitor era o

desemprego, o desaparecimento de algumas profissões, a falta de instrução e

qualificação para competir no novo mercado de trabalho e a busca pelos

chamados “bicos”, empregos temporários e desqualificados. Ouvi relatos de

pessoas que se sentiam extremamente derrotadas por não conseguirem

ocupação; trabalhadores que, por vergonha, escondiam da família sua condição

de desempregado; profissionais que adoeceram junto com a perda do emprego; e

famílias que perderam tudo o que tinham por falta de ocupação e,

conseqüentemente, de salário.

Fiz reportagens sobre trabalho escravo em pleno centro da capital

paulista3, de exploração da mão-de-obra infantil4 e do surgimento das chamadas

“gatoperativas” ou “coopergatos”, falsas cooperativas criadas com o objetivo de

burlar a legislação trabalhista e reduzir direitos dos empregados de forma a

aumentar a lucratividade patronal. Em algumas, as empresas demitiam seus

funcionários e os convenciam a se associarem a uma cooperativa para continuar

exercendo a mesma função com salários menores e sem os direitos que teriam se

continuassem com o vínculo empregatício. Em outros casos, o empreiteiro

3
Imigrantes ilegais bolivianos escravizados no bairro do Bom Retiro. As famílias eram recrutadas em uma
praça no Brás para trabalhar e morar em oficinas de costura, porém a remuneração paga era sempre inferior
ao valor cobrado pelo aluguel do espaço de moradia e pela alimentação, caracterizando escravidão por
dívida. Apesar de jornadas de 14 horas de trabalho e de colocarem até os filhos pequenos para ajudar no
trabalho, as famílias bolivianas não conseguiam comprar a liberdade e viviam sob a constante ameaça da
denúncia da situação de clandestinidade. Nos dois casos que acompanhei, a exploração da mão-de-obra
escrava vinha de imigrantes coreanos tradicionais comerciantes de roupas na região do Brás e Bom Retiro.
4
Crianças a partir dos 4 anos de idade trabalhando em fábricas de tijolos e telhas nas cidades de Taboão da
Serra e Embu, na região Metropolitana de São Paulo. O Ministério Público estadual ainda investiga
ocorrências de mão-de-obra escrava e infantil na capital e imediações da cidade de São Paulo.
3
organizava a falsa cooperativa, contratava a mão-de-obra e a levava para outra

região para trabalhar em condições precárias. Ou seja, observei de perto a

degradação do trabalho e do trabalhador, principalmente o mais pobre, com

menor grau de instrução, o migrante e o imigrante sem recursos.

Também neste jornal, acompanhei as primeiras iniciativas de geração de

emprego, a criação de frentes de trabalho urbanas, o desenvolvimento de

programas de requalificação profissional e o crescimento dos bancos de

empregos. Atividades realizadas tanto pelo poder público quanto por sindicatos e

centrais sindicais. Iniciativas diversas que não deram conta de atender o grande

volume de mão-de-obra dispensada pela indústria, pelo comércio e pelo setor de

serviços.

Depois da experiência com o jornalismo popular fui trabalhar

simultaneamente no jornal Gazeta Mercantil e na Revista Raça, a primeira revista

comercial brasileira destinada ao leitor da raça negra. No jornal pude observar

que a preocupação dos empresários era a de produzir mais com menos

funcionários e contribuir, em contrapartida, para programas que mostrassem sua

“responsabilidade social”.

Na revista percebia o quanto o tema trabalho gerava interesse ao leitor,

cada vez mais interessado em descobrir o seu “lugar ao sol” e como “se

encaixar”, ou seja, encontrar emprego em um mercado já saturado. As cartas dos

leitores, vindas dos mais diversos cantos do País, traziam relatos de preconceito,

humilhações e exclusão. Trabalhei nesta revista desde o lançamento e mantive

durante um ano e meio uma coluna que tratava apenas de Trabalho, com

destaque para oportunidades de empregos, cursos de qualificação profissional e

4
histórias de vida de profissionais negros que se destacaram nos mais diversos

campos de atuação.

Estimulados pela mensagem otimista da revista negra, os leitores

passaram a falar de experiências positivas de trabalho, muitas destas

experiências fora do mercado de emprego formal, como associações,

cooperativas e oficinas que produzem de bolsas, bonecas negras, doces e

salgados e artesanatos variados.

Diferentemente das “coopergatos” ou “gatoperativas”, as experiências

cooperativas citadas pelos leitores tinham um forte componente de solidariedade,

de união para superação das adversidades, de busca ou resgate da identidade –

seja ela negra, nordestina ou indígena – e faziam parte da chamada Economia

Solidária, ou seja, eram empreendimentos que combinavam o princípio da

unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição com o princípio

da socialização destes meios, com a administração autogestionária e com a

divisão da receita de acordo com critérios estabelecidos pelos próprios

trabalhadores em assembléia.

Com estas constatações fui ampliando o campo de análise do emprego e

do desemprego até abranger a cooperativa, interessada em compreender como

ela poderia colaborar para a transformação das relações de trabalho.

5
J USTIFICATIVA

“Uma definição,
para que seja dita perfeita,
deverá explicar a essência íntima da coisa”

Espinosa

6
Para tal reflexão escolhi estudar as cooperativas bem-sucedidas.

Na época, começava a ganhar destaque nas magazines de todo o mundo

a modelo Gisele Bündchen e o design brasileiro. Estilistas apresentavam nas

passarelas internacionais uma tal moda brasileira, miscigenada, com influências

negras, indígenas e elementos da tradição nordestina, como rendas, retalhos e

fuxicos (trouxinhas feitas com pequenos retalhos que unidas podem ser a base

para vestidos, blusas, bolsas, almofadas, colchas, cortinas, redes, abajures).

Entre os nomes conhecidos do ambiente fashion, chamava a atenção a sigla

Coopa-Roca - uma cooperativa de costureiras nascida no ponto mais alto da

Rocinha, a maior favela da América Latina.

A Rocinha é uma das favelas mais populosas do Rio de Janeiro. Está

localizada no Morro Dois Irmãos, entre os bairros de São Conrado e Gávea, na

zona sul da cidade. A entrada principal fica na subida da Estrada da Gávea. Seu

nome é o diminutivo de roça e faz referência às plantações de legumes e

verduras dos primeiros moradores.

Marcada por contradições, a Rocinha está localizada em um dos bairros

mais ricos do Rio de Janeiro, tem uma vista privilegiada, que costuma atrair

turistas de todos os cantos, enquanto em seu interior funciona um intenso tráfico

de drogas rodeado de crimes e violência.

Em 1992, a Rocinha passou oficialmente à condição de bairro, dentro do

Programa Favela Bairro da Prefeitura do Rio de Janeiro que tinha como objetivo a

urbanização das favelas cariocas. O programa se propunha a transformar a favela

– espaço informal, resultado da exclusão de uma parcela da população – em


7
bairro, através da intervenção urbana, promovendo então a integração da favela

com a cidade formal, ou seja, trazendo elementos da cidade formal para dentro da

favela, e obtendo desta forma a pretendida integração, através de uma

identificação formal.

O novo status trouxe uma expansão considerável do comércio local,

concentrado na parte baixa do morro – Via Ápia e Largo do Boiadeiro – onde se

encontram desde armarinhos e quitandas até lojas de móveis de grandes redes.

Há ainda uma vasta rede de prestação de serviços, como cabeleireiros,

manicures, pais-de-santo, rezadeiras, cozinheiras, lavadeiras, costureiras,

lanchonetes, bancos e posto dos Correios.

O fato de pertencer à Rocinha atribui também um certo encanto à Coopa-


Roca, tornando-a visita quase obrigatória para estilistas, fotógrafos e
jornalistas que vêm de fora, atraídos por seu contexto especial. (MOURA,
2001:94)

Na minha perspectiva, o fato de pertencer a uma favela faz com que a

Coopa-Roca apresente o cenário ideal para a análise das contradições do mundo

do trabalho e da cooperativa no capitalismo. A moda e a alta costura são

atividades capitalistas por excelência, ligadas a elite.

8
A COOPA-ROCA

A Coopa-Roca5, surgiu em 1981, quando uma professora de sociologia e

arte-educação começou a desenvolver trabalho com técnicas de reciclagem com

um grupo de crianças da Rocinha, na época um gigantesco aglomerado de

barracos de madeira com o esgoto correndo a céu aberto, bem diferente da

paisagem urbanizada que apresenta atualmente.

A oficina de artes utilizava sucata e materiais alternativos para desenvolver

a criatividade das crianças. Mas uma certa doação atraiu a atenção das mães.

Eram retalhos de tecidos vindos de uma indústria têxtil. As mulheres acharam que

aquele material teria melhor serventia em suas mãos.

Dias depois, elas apresentaram à socióloga uma variedade de colchas,

toalhas, tapetes, almofadas e cortinas. As mulheres, em sua maioria migrantes

nordestinas, traziam consigo técnicas artesanais que utilizavam em casa. Elas

cosiam, emendavam os panos e aproveitavam os retalhos de diversas maneiras,

eram todas um pouco costureiras que usavam suas habilidades na lida do dia-a-

dia e, eventualmente, como complemento a renda dos maridos.

5
As informações históricas sobre a Rocinha e a Coopa-Roca foram obtidas em entrevistas com lideranças
comunitárias, relatos da coordenadora da cooperativa e dados que constam dos sites www.rocinha.com.br e
www.vivafavela.com.br.

9
E assim nasceu a Coopa-Roca, como desdobramento de uma experiência

com reciclagem para as crianças da comunidade. A cooperativa foi formada com

o objetivo gerar renda a partir da criação de peças artesanais de alta qualidade.

Uma forma de oferecer um meio de vida às mulheres que vivem na comunidade,

criam os filhos, cuidam da casa e precisam de uma renda para a sobrevivência.

Uma das preocupações iniciais era dar condições às cooperadas de participarem

do orçamento familiar sem saírem da comunidade, podendo, simultaneamente, se

ocuparem das atividades domésticas e do cuidado com os filhos.

(A Coopa-Roca) se apresenta como um microorganismo social


cercado por valores de produção e mercado de moda em
interação com aspectos simbólicos e conteúdos visuais,
especialmente no que se refere ao saber fazer das mulheres
artesãs e suas histórias guardadas na memória. (MOURA, 2001:
3)

Inicialmente a produção foi orientada para feiras de artes e bazares

organizados em datas comemorativas, obrigando a cooperativa a longos períodos

de vendas fracas. Legalizar a entidade, promover os próprios produtos através de

pequenos eventos e buscar um financiamento governamental para a compra de

uma sede foram soluções encontradas na época para aumentar os ganhos.

A Cooperativa de Trabalho Artesanal e de Costura da Rocinha Ltda., a

Coopa-Roca, foi oficializada em 1987. Em 1988, as artesãs conseguem

empréstimo no BNCC (Banco Nacional de Crédito Cooperativo) para a construção

da sede da entidade, as obras contam com o apoio da Codin (Companhia de

Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro), órgão da Secretaria da Indústria,

Comércio e Tecnologia voltado para o apoio à pequena indústria e ao comércio

de produtos artesanais, e duram quatro anos.

10
O prédio de três pavimentos está localizado em uma das vielas da rua Um,

um dos pontos mais altos da Rocinha. Ele abriga a oficina de costura, com cerca

de 40 máquinas de costura, sala de reuniões, a área administrativa e o estoque

da cooperativa.

A estrutura da cooperativa é composta por uma coordenação exercida por

uma pessoa de fora da favela – a socióloga que ajudou na formação do grupo –,

por uma diretoria eleita em assembléia de quatro em quatro anos entre as

cooperadas e cargos técnicos que são exercidos preferencialmente por pessoas

da própria Rocinha.

A primeira virada que redefiniria os rumos da Coopa-Roca viria em 1995,

ano em que a moda da Rocinha começa a ganhar destaque nos grandes eventos

do calendário da moda brasileira. O sucesso dos modelos artesanais no mundo

fashion foi quase instantâneo. A coordenadora lembra que logo após a primeira

participação das roupas da cooperativa no Phytoervas Fashion, editoras de

revistas como Elle e Vogue disputavam qual seria a primeira a conseguir uma

reportagem exclusiva.

Esse primeiro sucesso permitiu a valorização dos produtos artesanais e

sua inserção dentro de um mercado de classe média onde, até aquele momento,

não eram devidamente valorizados. Por outro lado, outros desafios começaram a

surgir desse primeiro contato com a indústria da moda permitindo muitos

aprendizados que acabariam levando a total reformulação do plano de negócios

da entidade.

Na sua origem, a cooperativa utilizava refugos doados pela indústria têxtil

como matéria prima, isso obrigava não só as artesãs a separar cada um dos

retalhos como vinculava a produção aos materiais disponíveis. O resultado era


11
que as criações da Coopa-Roca eram obrigatoriamente modelos exclusivos, que

tinham muito mais valor como obras de arte do que como roupas ou acessórios e,

portanto, muito mais difíceis de produzir e vender na quantidade necessária. Para

continuar a crescer e envolver mais mulheres era preciso reformular esse quadro.

Para criar parcerias que contribuíssem para reformular o modelo de

negócios, a Coopa-Roca organizou uma mostra, em 2000, e convidou estilistas,

artistas plásticos e designers a criarem peças feitas a partir ou incorporando

elementos artesanais. A intenção da exposição REtalhar6 era criar mecanismos

que permitissem a incorporação do artesanato por criadores e empresários de

moda, de forma que as artesãs da Coopa-Roca pudessem concentrar o trabalho

na produção por encomenda de peças em série e insumos.

Nesta época inicia a parceria entre a cooperativa e Carlos Miele, dono e

principal criador da M.Officer (uma das griffes mais conhecidas do país). Esta

união ajudou a aumentar a divulgação do trabalho da cooperativa e permitiu que

ela crescesse de 16 para 60 mulheres.

A cooperativa estruturou-se basicamente entre a cidade e a


favela, apoiada nas bases e nos referenciais da favela, mas
contando com as possibilidades da cidade como espaço receptor
de seus produtos e meio possibilitador das trocas e intercâmbios,
fundamentais para seu desenvolvimento. (MOURA, 2001:87)

Aos poucos a relação entre Coopa-Roca e M.Officer foi se aproximando de

uma exclusividade, o que as costureiras avaliaram que não seria do interesse do

6
A Coopa-Roca informa que Retalhar significa talhar novamente, dar nova forma, no caso, dar nova forma
para a própria cooperativa. A exposição exibiu produtos confeccionados a partir de técnicas artesanais da
cooperativa, desenvolvidos por conceituados artistas plásticos e designers ligados à moda, decoração e
mobiliário. Dentre os artistas estavam os brasileiros Antônio Dias, Carlos Vergara e Ernesto Neto e os
alemães Michael Wesely e Hermann Hiller
12
grupo. A saída para ampliar a base de clientes foi lançar, em 2002, uma nova

edição da Exposição REtalhar.

Com a segunda REtalhar, o número de artesãs sobe para 90 e, além da

M.Officer, a cooperativa passa a ter as marcas Osklen e C&A como parceiras

comerciais e entram também para o calendário oficial do São Paulo Fashion

Week, o maior evento de moda do país.

O contrato com a rede de varejo C&A, assinado em 2003, e a expansão

dos negócios motivaram as cooperadas a planejar o início da construção de uma

nova sede7 da entidade, com potencial para reunir até 300 mulheres, num terreno

doado por Carlos Miele, dono da M.Officer, e com apoio do Ministério da Cultura.

7
em março de 2005, a obra ainda não estava concluída
13
C APÍTULO 1
O F IO DA M EADA : D O O BJETIVO DA P ESQUISA

“Quanto mais conhecemos as coisas como necessárias,

tanto maior é a potência da alma para pensar”

Espinosa

14
De todos os desafios colocados para a Coopa-Roca, o mais instigante é o

de manter o modo de produção cooperativo, solidário e participativo ao mesmo

tempo em que interage com organizações capitalistas tradicionais. "O que

estamos fazendo não é um projeto, mas uma alternativa social. Queremos fazer

negócios, mas negócios limpos e humanos, negócios que tenham uma ética

diferente da empresarial", resume a socióloga-coordenadora da cooperativa. Ela

também afirma que o atual desafio do grupo é "encontrar formas de criar pontes

com as grandes empresas, uma vez que elas não seguem a mesma lógica que

orienta nossa cooperativa e isso exige pensar com cuidado o que queremos ou

não aceitar", comenta.

Além da grande dificuldade que é continuar crescendo de forma

sustentável num mercado competitivo e sem precisar violar os valores do trabalho

humanizado, as artesãs mantém o firme propósito de fazer o resgate das

referencias culturais e artísticas nacionais. “Também é preciso manter a atenção

voltada para que, a medida em que cresce o número de artesãs, a Coopa-Roca

seja cada vez mais um espaço democrático que mantenha todas as participantes

envolvidas”, afirma a socióloga.

Nesse sentido, a coordenadora destaca os esforços que ela e a direção da

entidade desenvolvem para manter sempre fortalecida a identidade do grupo e o

processo de produção e tomada coletiva de decisões, como a promoção de

dinâmicas de cooperativismo e a criação de critérios que beneficiem as mais

participativas dentre as cooperadas.

15
Apesar destas iniciativas, destaca-se no grupo o papel de liderança da

coordenadora; que também atua como interlocutora entre a cooperativa e

fornecedores, clientes, entidades parceiras e jornalistas. Depoimento de uma ex-

cooperada revela que o poder exercido pela coordenação motivou a saída de

algumas costureiras, descontentes com a gestão da entidade.

Ao conhecer a experiência da Coopa-Roca é difícil conter a tentação de

usá-la como modelo, um referencial para outras comunidades que estejam em

busca de soluções sócio-econômicas e que queiram para tanto utilizar a riqueza

de sua própria herança cultural, visto que a tradição do trabalho manual – corte e

costura, bordado, tricô ou crochê – é mantida de geração em geração nas áreas

rurais e periferias urbanas sem, contudo, se transformar em fonte de renda.

A riqueza de sua história sugere diversas abordagens, suscita muitas

perguntas de perspectiva econômica, política e psicossocial.

Como a cooperativa conseguiu romper a barreira cidade-favela? Como se

processou a gestão que elas denominam de democrática? Qual o impacto desta

experiência na comunidade? A manutenção da estrutura cooperativista em mais

de 20 anos de Coopa-Roca, apesar do constante contato com empresas

capitalistas tradicionais, reforçaria a intenção destas costureiras em criar uma

nova forma de produção que não reproduzisse o sistema excludente? Como a

participação cooperativa afetou estas mulheres individualmente e em suas

relações sociais? A participação na cooperativa potencializou estas mulheres para

uma ação transformadora?

Sobre as relações entre a Coopa-Roca, moda, arte e cultura; a antropóloga

e artista plástica Regina Moura nos dá importante contribuição em sua

dissertação “Recorte da Moda: Coopa-Roca, um conceito de arte”, em que conclui


16
que “em meio à globalização, à fragmentação das identidades e do saber local,

admitimos que a Coopa-Roca pode ser um pequeno núcleo de resistência cultural

na medida em que incorpora, preserva ou resguarda nossa identidade cultural.”

(MOURA, 2001:138).

Como já dito, a questão que me move, enquanto jornalista e pesquisadora,

é buscar compreender de que forma a cooperativa pode contribuir para uma

transformação social, entendendo que, para tanto, é preciso transformar cada

indivíduo e a relação entre eles. Para isso, é preciso saber se a cooperativa

prepara e estimula seus membros para a busca de novos horizontes, novos

valores e qual o impacto desta experiência na comunidade.

Em São Paulo, pesquisa elaborada pela Secretaria do Desenvolvimento,

Trabalho e Solidariedade da prefeitura da capital8, em julho de 2002, sobre os

impactos decorrentes da adoção dos programas sociais em 13 distritos da cidade

desde julho de 2001 verificou que o processo de inclusão trouxe consigo a

valorização das pessoas atingidas, houve melhora no desempenho escolar (a

taxa de evasão caiu de 2,7% para 1,4%) e redução de 10% no índice de mortes

violentas nos distritos onde os programas sociais foram implantados e que eram

considerados os mais violentos da cidade.

Foram quatro programas: Renda Mínima (famílias de baixa renda com

dependentes de 0 a 15 anos) e Bolsa Trabalho (jovens de baixa renda

desempregados entre 16 e 20 anos), que garantem temporariamente renda

associada à ampliação da escolaridade e ao envolvimento com atividades

comunitárias. E Operação Trabalho (desempregados de longa duração e de baixa

8
Disponível em:
http://www.trabalhosp.prefeitura.sp.gov.br/conteudo/pesquisas/avaliacao_programas_sociais.pdf
17
renda na faixa etária de 21 e 39 anos) e Começar de Novo (pobres

desempregados acima de 40 anos), direcionados à garantia temporária de renda

combinada à educação para aprendizagem em atividades comunitárias, para o

trabalho assalariado e para a incubação de empreendimentos

populares/cooperativas.

O economista e professor Paul Singer, grande defensor do caráter

revolucionário da economia solidária, considera que a participação cooperativa

abre aos seus integrantes a perspectiva de superar a condição de mero paliativo

contra o desemprego e a exclusão.

Para pessoas humildes, que sempre foram estigmatIzadas por


serem pobres – sobretudo mulheres e negros, vítimas da
discriminação por gênero e raça – a experiência cooperativa
enseja verdadeiro resgate da cidadania. Ao integrar a cooperativa,
muitos experimentam pela primeira vez em suas vidas o gozo de
direitos iguais para todos, o prazer de poderem se exprimir
livremente e de serem escutados e o orgulho de perceber que
suas opiniões são respeitadas e pesam no destino coletivo.
(Singer, 2000: 27)

De acordo com Singer, é possível considerar a organização de

empreendimentos solidários como o início de revoluções locais, que mudam o

relacionamento entre os cooperadores e destes com a família, vizinhos,

autoridades públicas, religiosas, intelectuais etc. “A cooperativa passa a ser um

modelo de organização democrática e igualitária que contrasta com modelos

hierárquicos autoritários, como os da polícia e o dos contraventores, por

exemplo”, afirma.

Excluindo-se, logicamente, as coopergatos citadas no início deste texto,

óbvio exemplo de fraude trabalhista, podemos observar que as experiências

cooperativas comprometidas com a emancipação do trabalhador – independente


18
do grau de maturação em que se encontram – estão caminhando em busca deste

gozo e prazer vislumbrado por Singer, porém, as dificuldades encontradas neste

percurso são das mais diversas.

Dozzi nos alerta, por exemplo, do perigo de adotar o raciocínio de causa e

efeito, de maneira que basta ser cooperativa para promover a emancipação do

trabalhador e engendrar relações solidárias. “A cooperativa precisa enfrentar

conflitos de valores e de emoções, e não impor a solidariedade como imperativo

moral, para criar o desejo do comum”. (DOZZI, 2003:98)

E é exatamente a tensão entre sentimentos individualistas, baseados em

valores mercantis capitalistas, e sentimentos de solidariedade e cooperação o

tema central desta dissertação, que procura compreender se a participação

cooperativa promove mudanças subjetivas e se essas mudanças potencializam o

sujeito para uma ação coletiva de transformação da sociedade, no plano das

relações sociais, das atividades e da afetividade.

As experiências recentes de organização cooperativista ainda são

minúsculas se comparadas à produção massiva de miséria e desemprego

proporcionada pelas políticas neoliberais. A região metropolitana de São Paulo,

por exemplo, encerrou o ano de 2004 com um desempregado para cada grupo de

quatro pessoas economicamente ativas9.

Porém, a despeito de sua pequena eficácia econômica, tais

empreendimentos trazem à luz um modelo de geração de emprego e renda que

pode vir a possibilitar uma mudança real de situação, pois propõe um novo

9
dados da Pesquisa Emprego Desemprego PED do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos (Dieese) apontaram que a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo foi
de 17,1% em dezembro de 2004. Já a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feita
em seis regiões metropolitanas do país (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre) registra índice de desemprego de 9,6% da população economicamente ativa.
19
paradigma: a troca da competição pela cooperação nas relações de trabalho e

devolve ao homem o trabalho com liberdade e criatividade. Em outras palavras, a

economia solidária oferece uma nova forma de participação social

transformadora.

Colaborar para a reflexão sobre esta possibilidade ou não é o objetivo

desta dissertação.

20
C APÍTULO 2
C ONSIDERAÇÕES SOBRE A P ROPOSTA C OOPERATIVISTA
NA D IALÉTICA E XCLUSÃO /I NCLUSÃO

“Só os homens livres são utilíssimos uns aos outros e


se ligam uns aos outros pelo laço mais estreito de
amizade e se esforçam, por um movimento de amor
igual, por fazerem bem uns aos outros, e, por
conseguinte, só os homens livres são gratíssimos uns
aos outros”

Espinosa

21
A economia solidária vislumbra uma possibilidade geração de emprego e

renda para milhões de brasileiros excluídos do mercado de trabalho e que, por

conseguinte, estão alijados de todas as possibilidades de manutenção de uma

vida digna. Esta proposta tornou-se uma alternativa diante da recente

radicalização dos processos de empobrecimento, de fome e de desemprego no

país, ou seja, transformou-se em mais um instrumento para vencer a extrema

pobreza que maltrata 56 milhões de brasileiros10.

Pobreza esta que constitui a negação manifesta dos direitos humanos

fundamentais11 e atenta contra princípios preconizados pela Constituição, tais

como, o da cidadania, da dignidade humana, da construção de uma sociedade

justa, livre e solidária, e a erradicação da pobreza e da marginalização social.

A terceira revolução industrial, o fenômeno da automação e da

globalização e suas conseqüentes inovações tecnológicas, organizacionais e

gerenciais, juntamente com o crescimento da importância do mercado de capitais

em relação à produção de bens tiveram como efeito uma redução brutal de mão-

de-obra; isto ampliou o desemprego estrutural do qual a população brasileira é

vítima desde o período pós-abolição, conforme nos mostra o professor Hélio

10
Este número consta do “Mapa do Fim da Fome 2”, estudo elaborado pela Fundação Getúlio Vargas em
2004 com base em dados do Censo de 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Nele,
são considerados miseráveis aqueles com renda mensal inferior a R$ 79,00.
11
Em artigo publicado na internet (www.dhnet.org.br), traduzido por Jeanne Sawaya, Ignacy Sachs, da École
des Hautes Etudes en Sciences Sociales, Paris et Cercle Condorcet, Paris, afirma que o reconhecimento
pelas Nações Unidas da miséria como violação dos direitos humanos deve muito aos esforços do Movimento
Internacional ATD Quarto Mundo e representa o resultado de pedido formulado, em 1987, pelo Padre Joseph
Wresinski, fundador deste Movimento. Ver também PNUD (1997, p. 106).

22
Santos12, mestre em Finanças e doutor em Administração pela USP

(Universidade de São Paulo) em que identifica o caráter racial deste desemprego,

que atinge majoritariamente a população negra:

Procuremos entender o dia seguinte ao 13 de Maio de 1888, data


em que a princesa Isabel promulgou o ato de libertação dos
escravos. Com a Abolição mais de 700 mil pessoas foram
colocadas de uma só vez em disponibilidade num mercado de
trabalho fictício. Fictício porque, após 350 anos de escravidão, o
que tínhamos no Brasil era um desemprego imenso. A magnitude
numérica desse fato foi tão aguda que ainda hoje se faz sentir os
seus efeitos danosos junto à população negra. (SANTOS, 2002)

O autor destaca que os 700 mil libertos, que representavam, à época da

Lei Áurea, 5% da população brasileira, são incluídos de forma a reproduzir e

ampliar o contexto do desemprego estrutural brasileiro. “Trata-se de um

desemprego e subemprego permanentes; tão antigos que já fazem parte da

cultura do mercado de trabalho brasileiro, onde sempre há uma multidão

disponível de pessoas mal capacitadas para qualquer vaga que surja. O dia

seguinte ao fim do escravismo marca o início de uma saga de subcidadania que

tem 114 anos”. (op.cit.)

Cabe neste momento tratar de dois termos que já apareceram em

momentos anteriores e devem permear esta dissertação, são eles: inclusão e

exclusão.

Por estarmos falando de pobreza, a palavra exclusão é inevitável até pelo

seu caráter de termo guarda-chuva, que abriga definições das mais diferentes e

12
Em artigo publicado na Revista Carta Capital, de 20/11/2002 – ano IX – número 216, sob o título “Os dois
brasis”, o professor Hélio Santos faz um apanhado no campo econômico do círculo vicioso de
constrangimentos pelo qual os negros passam ao longo da história. O tema também é desenvolvido em seu
livro “A busca de um caminho para o Brasil – a trilha do círculo vicioso”, em que propõe conceitos como o da
tecnologia da inclusão, instrumento para desenvolver e implementar políticas massivas de inclusão.
23
até opostas. Porém, a exclusão não é entendida aqui como uma categoria

estanque, mas como um processo que ocorre de forma dialética.

Com base na teoria marxista, compreendemos que os termos exclusão e

inclusão realizam um movimento dialético em que cada um dos termos contém

em si a sua própria negação e não existe sem o outro. A exclusão é parte do

capitalismo, que não sobrevive sem explorar o trabalho e a mais-valia, e o

explorado por sua vez está incluso neste sistema pela exclusão.

“a exclusão é um processo complexo e multifacetado, uma configuração


de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É um processo
sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte
constitutiva dela.” (SAWAIA, 2001: 9)

Sawaia alerta para o caráter ilusório da inclusão, que designa como

perversa por ser determinante da ordem social desigual de uma sociedade que

inclui para excluir.

Todos estamos inseridos de algum modo, nem sempre decente e digno,


no circuito reprodutivo das atividades econômicas, sendo a grande maioria
da humanidade inserida através da insuficiência e das privações, que se
desdobram para fora do econômico. (SAWAIA, 2001: 8)

Esta reflexão foi desenvolvida por Marx na análise do trabalhador alienado

no capitalismo. O trabalho, a capacidade de transformar a Natureza é o que

distingue o homem dos outros seres viventes na Terra. É através do trabalho que

o homem se hominiza - ou seja, torna-se efetivamente homem - e humaniza a

natureza, imprimindo nela a marca da vontade e das necessidades humanas. Ao

transformar a Natureza, em busca de sobrevivência, o homem dela se distingue e

produz a sua vida coletiva como sociedade. É “um processo entre o homem e a

24
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e

controla seu metabolismo com a Natureza” (Marx, 1983:149),

Este processo de “hominização” – em que o homem se torna sujeito, por

meio da atividade consciente e na relação com outros homens – ocorre pela

própria ação do trabalho e pelo resultado das experiências contidas nesta ação.

Porém, o processo que caracteriza o homem enquanto tal – o trabalho –

sofreu revezes ao longo da história como, por exemplo, a divisão social do

trabalho e o advento da propriedade privada. Com o capitalismo, o trabalho deixa

de ser criador e passa a ser alienado porque deixa de ser constitutivo do ser

humano e passa a ser externo ao homem. E mais, retira do homem a

possibilidade de se apropriar de seu trabalho.

O modo de produção capitalista aliena o homem do fruto de seu trabalho,

os bens produzidos se transformam em mercadoria. O resultado do trabalho,

criado para satisfazer as necessidades das pessoas, perde o seu valor de uso e

torna-se mercadoria: um produto para ganhar dinheiro. A mediação do dinheiro

transforma tanto o trabalho, quanto o trabalhador e o fruto do seu trabalho em

mercadorias. A produção de mercadorias deixa de ser uma realização para

atender às necessidades humanas e torna-se a sua própria finalidade.

Por conseguinte, o trabalho não cria somente bens, ele cria a si mesmo e

ao trabalhador como objetos alienados. No trabalho alienado infiro uma coisa

externa ao ser humano, da qual o trabalhador tenta se apropriar, porque já não é

mais dono do trabalho. A lei do mercado é a mesma lei que define o valor do

trabalho. Então, o trabalho também se torna mercadoria. É a lei da oferta e da

procura que passa a definir o valor do trabalho, sem que o trabalhador tenha

consciência da expropriação.
25
Paralelamente à reprodução da inclusão perversa, um outro Brasil

ancorado em avanços científico-tecnológicos inseria-se no processo de

globalização da economia, a partir da segunda metade do século XX. Não é

intenção deste texto debater como se deu a participação brasileira nesta nova

ordem mundial, mas, como esta economia assentada no consumo e na “lógica de

mercado” ampliou a variedade do processo de inclusão/exclusão social no país.

Boaventura de Sousa Santos (1997) analisa que estas mudanças no

modelo capitalista extrapolaram as esferas do econômico e atingiram também o

princípio de Estado e de comunidade acarretando a desregulação econômica,

social e política. Isto traz como conseqüência o agravamento da injustiça social

É neste contexto marcado por desigualdade que o cooperativismo cresceu

na última década no Brasil como um canal de inserção social e uma das

alternativas encontradas pelas comunidades para fazer frente ao avanço do

desemprego, que em dezembro de 2004 chegava a 17,1% da População

Economicamente Ativa (PEA) na Região Metropolitana de São Paulo, segundo

dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Departamento

Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

O gráfico a seguir, elaborado pela Organização das Cooperativas

Brasileiras (OCB), demonstra o forte incremento das cooperativas de trabalho a

partir de 1996, o que corrobora nossa afirmativa anterior de crescimento do

cooperativismo nos anos 1990, mas, para o bem do rigor científico, o leitor (a)

deve considerar duas variáveis para ponderar o dado estatístico.

26
Grafico I

Evolução do número de Cooperativas, dos principais ramos, registradas na

OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras), desde 1990

8.000

6.000

4.000

2.000

-
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

A gropecuário Educacional T rabalho C rédito Saúde T otal


O bs.: 1.) de 1990 a 1995 as cooperativ as m édicas faziam parte do ram o de trabalho. A partir de 1996, elas foram excluídas daquele ram o.
2.) Ano 2002 - As cooperativ as de transporte estão inclusas no R am o Trabalho, apesar de ter sido criado o R am o T ransporte em julho/2001.
Fonte : Núcleo Banco de Dados - elaboração : G ETEC/O CB

A primeira consideração a ser feita é que a OCB é a entidade que

representa em nível nacional as cooperativas oficiais, regidas pela Lei 5.764, de

1971, que determina apenas que todos os membros do empreendimento se

responsabilizam pela atividade econômica a que se propuseram. O texto da lei

não faz referência à estrutura da cooperativa, o que abre brecha para que entre

as cooperativas oficiais existam aquelas que reproduzem a hierarquia das

empresas capitalistas. Esta é a principal diferença entre o cooperativismo oficial e

a economia solidária, que defende o princípio da autogestão e da democracia

onde cada cabeça é um voto, os problemas são resolvidos coletivamente, a renda

obtida é dividida igualmente (ou seguindo proporções previamente estabelecidas

em conjunto) e não há hierarquia.

27
Também se deve considerar que muitas empresas associativas que

funcionam sob os princípios da economia solidária não podem ser consideradas

cooperativa e estão em situação de informalidade porque a lei determina um

número mínimo de 20 pessoas para constituir uma cooperativa. Assim, há muitas

cooperativas de fato que não o são de direito e muitas cooperativas de direito que

não o são de fato.

As experiências que se alimentam dos princípios do cooperativismo gerado

em Rochdale, Inglaterra, em meados do século XIX, aperfeiçoados e recriados

nos diferentes contextos socioculturais, ganharam múltiplas formas e maneiras de

expressar-se.

A 90ª Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT),

realizada em 20 de junho de 2002, instituiu Recomendação definindo o conjunto

de regras e a identificação dos valores que inspiram os conceitos éticos e morais

do cooperativismo, adotados internacionalmente.

28
Tabela I

Princípios Cooperativistas

As Cooperativas são organizações abertas a todas as pessoas


aptas a usar seus serviços e dispostas a aceitar a responsabilidade
Adesão livre e voluntária
de sócio, sem discriminação social, racial, política ou religiosa e de
gênero.

As cooperativas são organizações democráticas controladas por


seus sócios os quais participam ativamente no estabelecimento de
Controle democrático pelos sócios suas políticas e na tomada de decisões. Homens e mulheres, eleitos
como representantes, são responsáveis para com os sócios. Os
sócios têm igualdade na votação (um sócio – um voto).

Os sócios contribuem de forma eqüitativa e controlam


democraticamente o capital de suas cooperativas. Parte deste capital
é propriedade comum das cooperativas. Usualmente os sócios
recebem juros limitados (se houver algum) sobre o capital, como
Participação econômica dos sócios condição de sociedade. Os sócios destinam as sobras aos seguintes
propósitos: desenvolvimento das cooperativas, possibilitando
formação de reservas, parte dessas podendo ser indivisíveis; retorno
aos sócios na proporção de suas transações com as cooperativas; e
apoio a outras atividades que forem aprovadas pelos sócios

As cooperativas são organizações autônomas para ajuda mútua,


controladas por seus membros. Entrando em acordo operacional com
Autonomia e independência outras entidades, inclusive governamentais, ou recebendo capital de
origem externa, elas devem fazê-lo em termos que preservem o seu
controle democrático pelos sócios e mantenham sua autonomia.

As cooperativas proporcionam educação e treinamento para os


sócios, dirigentes eleitos, administradores e funcionários, de modo a
contribuir efetivamente para o seu desenvolvimento. Eles deverão
Educação, treinamento e informação
informar o público em geral, particularmente os jovens e os líderes
formadores de opinião, sobre a natureza e os benefícios da
cooperação

As cooperativas atendem seus sócios mais efetivamente e


Cooperação entre cooperativas fortalecem o movimento cooperativo, trabalhando juntas através de
estruturas locais, nacionais, regionais e internacionais.

As cooperativas trabalham pelo desenvolvimento sustentável de


Preocupação com a comunidade suas comunidades, através de políticas aprovadas por seus
membros
Fonte: os princípios cooperativistas foram extraídos da definição de cooperativismo feita pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo - SESCOOP/SP, instituição que trabalha pelo desenvolvimento do Cooperativismo Paulista, a partir da Recomendação da
OIT Organização Internacional do Trabalho feita na 90 Conferência da entidade ocorrida em 20 de junho de 2002 e está disponível no
endereço eletrônico: http://www.portaldocooperativismo.org.br/sescoop/ocesp/formularios/DefinicaodeCoopparaportal.doc.
O texto original da Recomendação da OIT está disponível no seguinte endereço eletrônico:
http://www.ilo.org/public/spanish/standards/relm/ilc/ilc90/index.htm

A recente experiência do cooperativismo é tema do livro organizado por

Paul Singer e André Souza: “A economia solidária no Brasil – a autogestão como

resposta ao desemprego”. Para os vários autores do livro o problema do

29
desemprego só pode ser enfrentado com a articulação da sociedade, tanto para a

cobrança de medidas efetivas por parte do poder público, quanto para a

promoção de ajuda mútua entre os trabalhadores.

Singer (1998, p.) afirma que “a solidariedade deixaria de ser uma questão

ética para se tornar também um princípio de organização econômica, a chamada

Economia Solidária, responsável pela criação de oportunidades através de um

novo setor de reinserção produtiva, do qual fariam parte as cooperativas”.

Estas experiências têm sido analisadas não só pelo seu impacto

econômico local, mas como portadoras de novos conceitos e até de profundos

questionamentos aos sistemas tradicionais de produção, de crédito, de

organização social, de mercado, de políticas sociais, etc.

Queremos, aqui, oferecer uma contribuição a essa análise focada na

dimensão psicossocial da cooperativa.

30
C APÍTULO 3
T ECENDO A T RAM A AN ALÍTICA DA P ESQUISA

“Aos homens, é-lhes útil, primeiro que tudo, estreitar


as relações e unirem-se pelos vínculos que melhor
podem fazer deles todos uma só e única coisa, e de
maneira geral, é-lhes útil fazer aquilo que serve para
consolidar as amizades”

Espinosa
Ética

31
A . SENTIDO E SIGNIFICADO

O objetivo deste trabalho, como já dito, é contribuir para o debate sobre a

economia solidária como meio de participação social. Uma discussão que está na

pauta do dia e torna-se cada vez mais necessária àqueles que vislumbram uma

outra sociedade diferente desta opressora em que estamos inseridos.

Porém, um debate que precisa ser analisado por outras dimensões que o

constitui, além da econômica, tais como a dimensão da justiça, da ética, da

política, bem como, a dimensão subjetiva, do sujeito, suas emoções e sofrimento,

necessidades, experiência e relação sentido/significado e da intersubjetividade

como o preconceito, a desqualificação, a identidade negativa, a cultura da culpa e

da potência de ação.

Sawaia (1997) propõe um olhar analítico capaz de penetrar na intimidade

dos movimentos sociais para captar as pessoas de carne e osso, com seus

dramas particulares, as quais, em relação umas com as outras, constroem os

movimentos, isto é, um olhar capaz de captar a intersubjetividade participativa

constituinte e constituída.

A perspectiva da Psicologia Sócio-histórica pode ajudar a compor um olhar

capaz de captar as múltiplas dimensões do debate sobre economia solidária

32
porque considera que o ser humano é construído nas relações sociais e pelas

relações sociais estabelecidas em um contexto histórico. Lane (2001) afirma que

“é papel da Psicologia recuperar o indivíduo na intersecção de sua história com a

história de sua sociedade – apenas este conhecimento nos permitiria

compreender o homem enquanto produtor da História”. Nesta perspectiva

analítica, a participação social é condição básica à hominização e à cidadania.

Um fenômeno subjetivo que é configurado socialmente.

Para entender o homem em sua completude e trazer novos elementos para

a análise do papel da experiência cooperativa para a emancipação do sujeito,

lançaremos mão, seguindo orientação teórica do Núcleo de Estudos sobre

Exclusão e Inclusão Social (Nexin), de alguns conceitos do filósofo judeu

holandês Baruch Espinosa (1632-1677), que lutou contra todas as formas de

alienação e servidão, trabalhando na fronteira entre as rígidas cisões promovidas

pela ciência.

Monista, a grande contribuição de Espinosa foi superar a fragmentação

presente na prática histórica de construção do conhecimento. Ele não separava

necessidade e ética, razão e emoção, corpo e alma, Natureza e Deus. Tudo, para

ele, vem da mesma substância. O corpo não domina a alma, nem a alma domina

o corpo. Ambos fazem movimentos recíprocos e paralelos.

Outro pensador que nos inspira é Vygotsky13, fundador da escola soviética

de psicologia, cuja obra permite trabalhar a unidade entre a singularidade e o

coletivo/universal.

13 Lev S. Vygotsky (1896-1934), professor e pesquisador foi contemporâneo de Piaget, e nasceu em Orsha,
pequena cidade da Bielorrussia em 17 de novembro de 1896, viveu na Rússia, onde morreu, de tuberculose,
aos 37 anos. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um
processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento. Sua
questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
33
Leitor de Espinosa, Vygotsky buscava na obra dele a orientação para

superar as cisões que a ciência promovia, como homem/sociedade e

razão/emoção, por exemplo. Vygotsky buscou a Psicologia para entender e

aprimorar a criatividade humana, apesar das determinações sociais. Nenhuma

sociedade consegue anular essa criatividade humana, por mais ditatorial e

cerceadora que seja porque temos uma capacidade de atribuir significados e

sentidos, o que nos liberta da fisicidade.

Ambos, Espinosa e Vygotsky entenderam o homem como um ser que para

se manter vivo, crescer e evoluir precisa do contato com o outro14.

É no contexto grupal que nós nos identificamos com o outro e é


nele também que nos diferenciamos deste, e assim construímos a
nossa identidade, sendo o grupo condição para a sua manutenção
e metamorfose. (LANE, 1996: 32)

A interação social tem papel fundamental no desenvolvimento humano

porque toda função no desenvolvimento cultural aparece primeiro no nível social,

entre as pessoas, e depois no nível individual, dentro do próprio sujeito. Apesar

de ser determinado socialmente, o sujeito é singular e individual. Orientado por

esta perspectiva, Vygotsky oferece-nos uma importante análise da linguagem, em

que distingue duas dimensões do sentido, uma sócio-cultural que denomina de

significado, e outra de base afetivo-volitiva – o sentido.

Na concepção vygotskyana a palavra, possui duas zonas de sentido. Uma

é estável, dicionarizável e coletivizada (é o significado), mas há também outra

dimensão infinitamente variável que é da ordem da singularidade, ou seja de

como o sujeito é afetado (é o sentido).

14
Sobre a influência de Espinosa sobre Vygotsky, ver Sawaia (2001) e Van der Veer (1991)
34
O sentido depende do momento e de todas as conexões estabelecidas ao

longo da vida. Observe que esta singularidade do sentido é mediada pelo

significado. Sentido é afetação, é sentir, é experienciar.

Sentido e significado são termos distintos que dialeticamente integram-se

um ao outro. Dessa forma, é por meio das palavras, seus significados (coletivo) e

sentidos (individual) que o ser humano se relaciona socialmente. E,

dialeticamente, é nas e pelas interações sociais do dia-a-dia, na relação com o

outro que ele configura a sua singularidade.

Para Vygotsky (2000), toda a vida humana está impregnada de

significações e estas, são construídas mediante as relações que os sujeitos têm

com os outros, com o ambiente e a maneira como ele se apropria destas relações

e constrói os sentidos, afetos e emoções. É a interação social que dá a matéria-

prima para o desenvolvimento psicológico do indivíduo.

Por ser construído socialmente, o significado é político e, portanto,

ideológico15. Dessa forma, é como significado que a ideologia media as

configurações da subjetividade e da intersubjetividade, afetando o sujeito na

forma de emoção e necessidade. Pode-se exemplificar este processo com a

análise marxista de alienação. Esta alienação atinge o ser humano de forma

profunda porque cria uma relação alienada do homem consigo mesmo, com os

demais homens e com a Natureza. Ela quebra o vínculo com as pessoas e o que

nos faz humanos é justamente o vínculo com os outros.

15
Por ideologia entende-se o conjunto de idéias presentes nos âmbitos teórico, cultural e institucional das
sociedades, que se caracteriza por ignorar a sua origem materialista nas necessidades e interesses inerentes
às relações econômicas de produção, e, portanto, termina por beneficiar as classes sociais dominantes.Vale
salientar que ideologia é a totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de idéias
que legitima o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o conjunto de idéias que
expressa os interesses revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista)
35
Vygotsky e Espinosa ajudam a entender como a alienação do trabalho se

converte em alienação subjetiva e intersubjetiva, com destaque à mediação das

emoções e do sentido.

As emoções são, portanto, determinantes na transformação dos signos em

sentidos pessoais, na forma como a pessoa é afetada nas intersubjetividades.

Elas podem ser manipuladas pelo poder dominante para a manutenção do

sistema, o que chamamos de política de afetividade, como podem vir a promover

ações políticas transformadoras. Resta saber como transformá-las em potência

de ação. A emoção, “pela função que ocupa na configuração da consciência e

pelos nexos que estabelece com as determinações sociais, constitui na

perspectiva vygotskyana, categoria analítica fundamental da análise da ação

política”, Santos Souza (2003).

Espinosa é o filósofo que relaciona emoção, política, ética e servidão.

Na sua filosofia, os seres são definidos pelo seu poder de afetar e de

serem afetados por outros seres e são as experiências dessas afecções que

aumentam ou diminuem sua força de agir. Trata-se de encontros de corpos e de

idéias, que podem ser considerados bons ou maus de acordo com a qualidade de

afecção que provocam. Um mau encontro, segundo Espinosa, é aquele em que a

pessoa experimenta emoções tristes, que enfraquecem o seu conatus. O bom

encontro é o que, ao contrário, fortalece minha natureza e aumenta minha

potência de ação.

São emoções em que a gênese não está no próprio ser,mas nos outros.

Três são os afetos fundamentais da ética de Espinosa: a alegria, a tristeza

e o desejo. A alegria é o sentimento que temos do aumento de nossa força para

existir e agir; a tristeza é o sentimento que temos da diminuição de nossa força


36
para existir e agir; e desejo é o sentimento que nos impele a existir e agir de uma

determinada maneira.

As paixões podem ser alegres ou tristes. Somente uma paixão vence outra

paixão, e apenas se for mais forte e contrária a ela. Enquanto as paixões tristes

nos levam à servidão, as alegres são o caminho para a felicidade e a liberdade.

Potência de ação (SAWAIA, 2001: 123) é a capacidade de ser afetado pelo

outro, num processo de possibilidades infinitas de criação e de entrelaçamento

nos bons e maus encontros. “É quando me torno causa de meus afetos e senhor

de minha percepção. A potência de padecer, ao contrário, é viver ao acaso dos

encontros, joguete dos acontecimentos, pondo nos outros o sentido de minha

potência de ação”.

Para Espinosa, o sujeito é um grau de potência, ao qual corresponde um

certo poder de ser afetado; poder este que é, necessariamente, precedido pelas

afecções do corpo nos encontros. O desejo é produzido no indivíduo pela

necessidade de auto-preservação (conatus), mas também é determinado material

e relacionalmente. De acordo com Espinosa, Sawaia (2001) afirma que “o objetivo

de cada indivíduo é rentabilizar maximamente a sua potência, mas, também

salienta, que o indivíduo só o consegue quando se une a outros, alargando,

portanto, o seu campo de atuação (ou seja, seus direitos).

A entre-ajuda é essencial para uma vida conseguida, porque a vontade

comum a todos é mais poderosa que o conatus individual. “Se a potência de dois

indivíduos é reforçada pela união de seus conatus, há que procurar um modus-

vivendi que possibilite este reforço”. (Espinosa, 1977)

Nesta perspectiva, a participação (bom ou mau encontro) é constitutiva do

ser humano, mas, “(...) no capitalismo, em que, pela mediação das forças sociais,
37
a subjetividade é apropriada e devorada pela lógica do lucro, a participação torna-

se pseudo-participação como o individualismo ou participação interesseira ou

interessada”.

Outro aspecto a ressaltar sobre participação é sua dimensão singular e

coletiva.

Sawaia (1997) defende que “mesmo quando o indivíduo age em nome do

bem comum, a participação implica em exercício da motivação individual,

portanto, a vontade e a afetividade são duas dimensões fundamentais”.

Ressalta ainda Sawaia (1998) que, para a ontologia espinosana, individual

e coletivo são figuras transubstancializadas. Tanto no indivíduo quanto no coletivo

atua um mesmo desejo de afirmação e de expansão do ser. “O sujeito não é

coletivo ou individual, mas potência, força produtiva de ser afetado que se torna

inteligível, como ser intrinsicamente histórico, cuja qualidade depende das

afecções do corpo, nos bons e maus encontros”.

Estas reflexões são importantes à presente pesquisa, pois oferece

orientação à análise da dimensão subjetiva da cooperativa. Elas apresentam duas

categorias de análise que podem orientar a reflexão sobre a qualidade da

participação: sentido e afeto, uma vez que são fenômenos constitutivos e

constituídos por meio da participação.

Como os afetos são gerados na relação com o outro, a afetividade é a

maneira de se penetrar no que há de mais singular na vida coletiva, é um

fenômeno privado, cuja gênese e conseqüência são sociais (VYGOTSKY apud

SAWAIA, 2003: 40), constituindo-se em ponto de tramitação do social e do

psicológico, da mente e do corpo e, principalmente, da razão e da emoção.

38
As emoções constituem a base da ética, que é a capacidade do corpo e do

pensamento em selecionar, nos encontros, o que permite ultrapassar as

condições de existência na direção à liberdade e felicidade, como um aprendizado

contínuo. (SAWAIA, 2003:59)

A concepção vygotskiana de emoção é próxima à definição de afeto de

Espinosa. Ela promove a transição do sistema psíquico, é produto da experiência

e base dos sentidos e da ação. Segundo ele, para se entender o sentido das

coisas para um sujeito, é preciso captar o subtexto de suas palavras, que é dado

pela base afetivo-volitiva. A emoção envolve afecção, ou seja, é preciso ser

sentida para existir. Elas são configuradas socialmente, pela história, memória e

relações sociais, porém sem perder a radicalidade biológica.

A afetividade é base da atribuição de sentido e, portanto, é a base da

criatividade e da liberdade. Ao refletir sobre ética e política Espinosa faz um

tratado dos afetos e remete a outra qualidade fundamental do homem, a relação

com o outro. Nós somos sempre afetados por outros corpos. Esse corpo pode ser

um indivíduo, a sociedade etc. E a forma como somos afetados vai diminuir ou

aumentar a nossa potência de ação, podendo nos encaminhar tanto para a

heteronomia quanto para a autonomia.

O ideal da proposta cooperativista é propiciar bons encontros capazes de

colaborar com a configuração de uma base afetivo-volitiva de sentidos

potencializadores do conatus de seus participantes, o que significa gerarem

paixões alegres e transformadoras, que os mobilizem para romper com a

opressão, com o individualismo e os potencializa à vida e à felicidade em comum.

Negri (apud SAWAIA, 2003: 39) defende que “o nível ontológico da

resistência, frente à globalização imperial, à lógica fundamentalista e ao


39
enaltecimento da felicidade privada, é o desejo de construir conjuntos, a paixão

pelo comum”, o que significa eleger como meta da ação revolucionária a

construção da liberdade e da alegria de estar em conjunto.

Porém, não se pode esquecer a função repressora e alienante das

emoções e significados como salientado por Espinosa e Marx (embora de

perspectivas analíticas diferentes) e disciplinar como aponta Foucault.

Para realçar tal dimensão sociológica e política das emoções, Sawaia

propõe o conceito de Política de Afetividade, que será desenvolvido a seguir.

40
B . POLITÍCAS DE AFETIVIDADE: A DISCIPLINARIZAÇÃO DAS EMOÇÕES

O teólogo e escritor Frei Betto16 comentando a atual sede de consumo por

produtos ditos de marca dá um bom exemplo de como a mercadoria,

intermediária na relação entre seres humanos (pessoa-mercadoria-pessoa),

passou a ocupar os pólos desta relação (mercadoria-pessoa-mercadoria). “Se

chego à casa de um amigo de ônibus, meu valor é inferior ao de quem chega de

BMW. Isso vale para a camisa que visto ou para o relógio que trago no pulso. Não

sou eu, pessoa humana, que faço uso do objeto. É o produto, revestido de fetiche,

que me imprime valor, aumentando a minha cotação no mercado das relações

sociais.”

É a reificação do homem: a transformação do homem em um objeto. O

homem se “coisifica” e deixa de reconhecer o outro como igual e sim como um

concorrente, um competidor. Então, é comum, aceitável e até louvável, neste

sistema, que uma pessoa se sinta feliz por ultrapassar seu melhor amigo em uma

competição, pois o que importa é vencer. As relações interpessoais tornam-se

utilitaristas. Um mercado onde o que conta é o que o outro pode me dar em troca.

16
Em artigo intitulado “A religião do consumo” publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de março de
2001. Frei Betto volta ao tema no artigo “Valores de uma nova civilização”, escrito com Michael Löwy, para o
II Fórum Social Mundial Porto Alegre 2002. Disponível em: http://www.adital.com.br
41
A esta maneira como a sociedade faz a disciplinarização das emoções, Sawaia

dá o nome de política de afetividade.

As emoções são fenômenos históricos, cujo conteúdo e qualidade


estão sempre em constituição. Cada momento histórico prioriza
uma ou mais emoções como estratégia de controle social.
(SAWAIA, 2001, P.102).

A definição crítica acerca da política de afetividade vem de longo estudo de

Sawaia sobre a filosofia da liberdade de Espinosa17, a ideologia marxista, a

psicologia sócio-histórica de Vygotsky e o conceito de políticas de

disciplinarização da sociedade de controle de Foucault. Uma das políticas de

manutenção da ordem social é a disciplinarização dos afetos, que pressupõe a

criação e defesa de modelos de afetividade dominantes, aceitáveis, valorizáveis

para manipular esses afetos. Todo tirano sabe, por exemplo, como utilizar do

medo para perpetuar-se no poder.

Como já vimos, o homem espinosano nasce para perseverar-se na própria

substância. Este esforço de se manter e expandir é chamado de conatus. E é no

contato com o outro que o sujeito é afetado por emoções. Estas emoções podem

ser alegres (que aumentam o conatus) ou tristes (que diminuem o conatus). As

alegres potencializam a liberdade, as tristes favorecem a tirania. uma vez que

dimnuem a potencia de ação . Mas ambas apóiam a tirania quando emergem na

forma de paixão. Por paixão Espinosa define os afetos que tem a gênese em

idéias inadequadas, que não correspondem as afecções do corpo. Por exemplo,

ser bom para receber recompensa ou ficar feliz com a morte de alguém.

17
denominação usada por Chauí.

42
Marx, de certa forma, fala da disciplinarização dos afetos nos Manuscritos

Econômicos Filosóficos e na Ideologia Alemã e também nas reflexões sobre a

mercadoria, que disciplina as necessidades e os desejos e gera significados que

encobrem a exploração.

Portanto, ao lado da dominação, há sempre a potência de preservar a

própria liberdade. Mas a disciplinarização dos afetos faz com que o homem vá

perdendo a sua potência e concordando com uma servidão voluntária.

Muitas vezes, por exemplo, as pessoas excluídas socialmente sentem-se

incluídas. Nesses casos, o sentimento de inclusão tem que ser analisado

criticamente, podendo ser indicador da inclusão perversa. O desemprego, que

afeta hoje milhares de famílias, ao invés de ser tratado como sintoma da crise

capitalista é apresentado como problema individual do desempregado. Ou porque

ele não está qualificado para as transformações do mundo do trabalho; ou porque

tem a saúde debilitada não rendendo o suficiente para as necessidades da

empresa; ou porque não se empenha o necessário ou simplesmente porque não

tem sorte mesmo.

É praxe da política de afetividade em voga direcionar para o indivíduo a

culpa e a solução para os seus problemas. Sawaia (2001) observa que,

paradoxalmente, vive-se na atualidade o enaltecimento das emoções na política,

na saúde, educação...e, ao mesmo tempo, a banalização do sofrimento do outro.

Trata-se do uso da afetividade como estratégia de disciplinarização e modelo de

conduta emocional. A subjetividade está em alta, o que pode significar não a

valorização do singularidade, mas a massificação, bem como a desmobilização

do público.

43
É o que se pode apreender do uso indiscriminado do prefixo “auto”, que

retratam pensamentos de “eu me basto”, “eu me entendo”, “eu me culpo”, “eu me

odeio”, “eu me amo”; e da proliferação dos livros de auto-ajuda. A felicidade e o

bom humor passaram a ser obrigatórios. As pessoas são adestradas a

transparecer felicidade e quando não conseguem têm que descobrir (e corrigir)

sozinhas o que há de errado nelas mesmas.

Esse quadro de fórmula do bom humor full time está sustentado num

monitoramento e gerenciamento da afetividade, que constitui um caminho único e

homogêneo de felicidade.

A política de afetividade nega a relação e a concepção de que a autonomia

e a alegria são conquistadas, apenas, nos bons encontros. Ela reforça o

individualismo. Hoje não existe mais tristeza, se fala “estou deprimida”. É difícil

falar estou triste, porque a tristeza é da ordem da afecção de outro corpo ou da

sua ausência, a qual vou curar no ombro de um amigo. A depressão vou curar

sozinho no meu quarto tomando um Prozac, por exemplo. Eu valorizo a minha

felicidade, que é uma felicidade que eu consigo sozinho, não dependo de mais

ninguém. Com isso, há uma negação daquilo que é fundamental ao ser humano,

as relações, a capacidade de afetar e ser afetado e a participação, da qual

depende o aumento ou diminuição da minha potência de ação. Anestesia-se o

corpo ao afeto e ao sentido, impondo-os, desta forma, como significado.

O que está crescendo, nesta virada de século, é a tendência à


proliferação de receituários e tecnologias de rápida aplicação para
manipular e regular sentimentos. Cursos para desenvolver a
inteligência emocional de gerentes e executivos surgem com
velocidade espantosa, ensinando que o chefe emocionalmente
inteligente evita atritos pessoais e passa ao trabalhador a
sensação de que são amados e reconhecidos, embora mal
remunerador, é claro. (SAWAIA, 2001: 29)

44
É por tudo isso que Sawaia (2001:123) identifica a transformação da

afetividade em um conceito “fashion”, que constitui hoje um dos principais

ingredientes do “Zeitegeist” (Espírito da Época), Ela alerta para que olhemos com

criticidade para este conceito de uso utilitarista e de valorização do individualismo.

Hardt e Negri (2002) afirmam que o intimismo e o neoliberalismo

deslocaram o antigo cenário da luta de classes para o biopoder. A nova

organização política mundial se concentra na ordem emocional, destacando que o

valor afeto é tão importante quanto o valor trabalho. O valor afeto é a produção e

circulação de emoções e sentimentos.

A biopolítica tem como estofo a dimensão físico-emocional. A


vitalidade de nossos corpos e mentes é vendida e comprada,
disciplinada e gerenciada, configurando uma “política de
afetividade” ou o biopoder já anunciado por Foucault, o qual
alertava, nos anos 80, que a economia não é independente
dos territórios particulares dos desejos dos homens.
(SAWAIA, 2003: 42-43)

Relacionando política de afetividade com o conceito de sentido e

significado de Vygotsky, cabe, com relação as emoções, a mesma análise feita

pelo referido sociólogo às palavras. Os afetos têm dois níveis de sentido - o

cultural-histórico e o singular (experiência).

Na presente dissertação pretende-se adotar como pano de fundo de

análise esta lógica analítica, relacionando os sentidos e afetos levantados pela

pesquisa com a política de afetividade em torno do trabalho e da cooperativa .

45
C APÍTULO 4

A TRAJETÓRIA DA P ESQUISA

“Tive todo o cuidado em não ridicularizar as paixões,


nem lamentá-las ou detestá-las,
mas compreendê-las”

Espinosa

46
O projeto de pesquisa inicial previa a análise da participação cooperativa a

partir das histórias de vida das artesãs. Após algumas visitas à comunidade

percebi que o grupo de artesãs aumentava e diminuía de acordo com a demanda

de serviço e nem todas as costureiras eram cooperadas. O grupo com direito a

voz e voto era composto por 32 pessoas e em véspera de desfile a cooperativa

abrigava quase 100 profissionais que recebiam de acordo com a produção.

A influência da cooperativa na comunidade é grande. O trabalho das

artesãs é freqüentemente tema de matéria na rádio comunitária e na TV Roc. No

Centro de Visitação e Comercialização da Rocinha18 não há peças da Coopa-

Roca em exposição, mas percebe-se que o estilo desenvolvido pela cooperativa

serviu de inspiração para outras costureiras.

O período pesquisado - de maio de 2003 a janeiro de 2004 - também foi

um dos mais conturbados na história recente da comunidade. A disputa pelo

comando do tráfico de drogas na zona sul carioca deu início a uma sangrenta

batalha entre traficantes da Rocinha e da favela vizinha no Morro do Vidigal. Logo

em seguida veio a ocupação policial e a intervenção do Exército.

A atuação policial, sob o pretexto de devolver a paz ao morro, trouxe ainda

mais violência. Barracos invadidos, trabalhadores surrados e até denúncias de

assédio sexual foram feitas pela Associação de Moradores da Rocinha.

Moradores realizaram diversas manifestações contra a violência policial e para

18
O Centro de Visitação e Comercialização da Rocinha foi criado em 2001, com o apoio do Governo do
Estado do Rio de Janeiro e do Sebrae, para escoar a produção de artistas e artesãos moradores da Rocinha.
O centro recebe mensalmente mais de 1.000 turistas sendo que 90% deles são estrangeiros.
47
resgatar a imagem da comunidade como um lugar de predomínio de pessoas

trabalhadoras.

Mesmo com o conflito no morro, a cooperativa continuava a todo vapor. Os

primeiros contatos foram feitos por telefone e e-mail com a socióloga

coordenadora da Coopa-Roca e interlocutora entre a cooperativa e fornecedores,

clientes e jornalistas, como eu.

As informações sobre a história da cooperativa foram obtidas em

entrevistas que fiz com a coordenadora e no vasto material encontrado na

imprensa, cuja principal fonte de informação também foi a socióloga.

Nas primeiras visitas à sede da cooperativa percebi uma grande resistência

das costureiras. As entrevistas eram agendadas para os horários em que a

coordenadora pudesse estar presente, mas, mesmo assim, as costureiras

alegavam não ter tempo disponível para conversa em razão do grande número de

encomendas ou do curto espaço de tempo para atender os pedidos. Mesmo as

reuniões previamente marcadas eram canceladas por motivo de agenda. (veja no

anexo 1 a lista de eventos)

As poucas frases ditas pelas costureiras repetiam o mesmo discurso. “A

cooperativa melhorou a qualidade de vida e a renda familiar”, ”sinto orgulho de

fazer parte da cooperativa”, “aprendo muito aqui”, “mudou a minha vida”,

“precisamos de novos parceiros comerciais para aumentarmos o número de

artesãs”,.

De fato, não há como negar o caráter inovador da Coopa-Roca e os

benefícios que a cooperativa trouxe para a comunidade, mas para saber se

contribuiu de alguma forma para a emancipação de suas integrantes era preciso ir

além.
48
O trabalho de campo, prejudicado pelos conflitos locais e pela agenda da

cooperativa, prosseguiu. Busquei ambientar-me com a comunidade e descobrir

como os moradores viam o sucesso daquela cooperativa. Estas conversas

informais me levaram a Maria19. Um nome que eu já conhecia dos recortes de

jornais.

Em uma destas reportagens descobri que uma ex-fundadora da Coopa-

Roca liderava uma ONG que também trabalhava com artesanato, mas cujo foco

principal era a paz. Pesquisando, perguntando, investigando e cruzando

informações consegui chegar até esta artesã. Encontrei uma mulher agitada,

alegre, de fala fácil, envolvida com os problemas da comunidade e decidida a unir

para vencer.

Tivemos uma longa conversa, que ocupou uma tarde inteira. Enquanto

estávamos em sua casa tudo foi gravado, sua história de artesã, sua vida e a

história da comunidade. Em certo ponto da entrevista, ela não resiste e nos

convida a conhecer de perto o que é a Rocinha. Fazemos então um passeio de

aproximadamente uma hora pelas vielas, paramos diversas vezes para

cumprimentar pessoas da comunidade, conhecidos de Maria, admiradores do seu

trabalho. Muitos queriam saber sua opinião sobre a eleição para representante da

favela, processo que estava em andamento na época. Sem pestanejar, ela falava

de seu candidato, tecia críticas ao concorrentes e convidava a pessoa a ajudar na

campanha.

19
O nome de nossa entrevistada foi mudado para preservar sua identidade. Todas as frases em itálico são
transcrições da fala da entrevistada

49
Na caminhada, ajudou um carteiro comunitário a encontrar o destinatário

de uma correspondência e agendou com uma aluna um encontro para à noite

para ensiná-la a fazer bolsa de zíper.

50
A SÍNTESE DO PROCESSO DE CONFIGURAÇÃO DA ARTESÃ SOLIDÁRIA

Maria viu a Rocinha crescer e acompanhou o crescimento de boa parte dos

adolescentes do morro. Preocupada com a falta de ocupação para estes jovens,

principalmente as garotas, passou a ensiná-las as técnicas de crochê e de

trabalhos manuais que aprendeu com a mãe.

Tornou-se conhecida no morro por sua habilidade e, juntamente com

outras costureiras e a socióloga, participou da fundação da Coopa-Roca. Na

cooperativa, ela aprendeu e ensinou técnicas de artesanato, desenvolveu

produtos, participou de eventos fora do Rio e conheceu estrangeiros dispostos a

comprar e divulgar seus trabalhos.

Segundo ela, sua saída da cooperativa foi ocasionada por fofocas dentro

do grupo devido a situação de privilégio que tinha junto à socióloga, coordenadora

do cooperativa . Preferiu afastar-se da cooperativa a alimentar boatos.

Por ironia, a técnica artesanal que tornou a cooperativa conhecida chama-

se fuxico, que significa mexerico, bisbilhotice, intriga, futrica, ou seja, comentário

que é espalhado com base em suposições, quase sempre desleal20. O nome

fuxico vem da origem da técnica criada pelo artesanato do interior nordestino,

20
Conforme definição do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa.
51
onde as mulheres tinham o costume de se reunir para costurar e aproveitavam

para fazer fofoca... fazer fuxicos.

Na entrevista, apesar de tecer elogios ao trabalho da coordenadora, Maria

deixa escapar a insatisfação de algumas colegas, principalmente nos períodos em

que havia escassez de trabalho, com o poder centralizado na coordenação da

cooperativa.

Fora da organização, ela voltou a ensinar adolescentes a fazer artesanato.

Das meninas rebeldes que sentavam com ela no Terreirão (um terreno baldio que

serve de praça e fica próximo a casa de Maria) para fazer fuxicos e nozinhos,

muitas já estão casadas e com filhos. “Encontraram um rumo na vida”, diz.

Maria também encontrou seu rumo. O acaso a aproximou de duas

brasileiras que estudam design na Alemanha. Elas compraram a produção do

grupo – não mais uma cooperativa, mas um movimento, uma ONG (organização

não-governamental) chamada Movimento Social Unidos pela Paz – e fizeram

sucesso na Alemanha. Principalmente a técnica de usar lacres de latinhas de

refrigerantes para confeccionar bolsas, cintos e roupas. Novos pedidos oram

feitos e o trabalho do Movimento Unidos pela Paz pode ser visto em alemão (e

comprado) pelo site www.fushico.de.

Ela tem orgulho de ser uma exportadora, mas quer que a ONG tenha

autonomia, por isso, busca espaço para comercializar os produtos no Rio de

Janeiro. Um destes espaços é o Centro de Visitação e Comercialização da

Rocinha, que a comunidade batizou de Geisa Firmo Gonçalves, em homenagem

a professora morta durante um seqüestro de ônibus ocorrido em 2000. O

seqüestro e a morte da professora foi transmitido ao vivo pela TV.

52
Até no nome da ONG organizada por Maria o tema violência está presente.

O Movimento Unidos pela Paz busca dar ocupação, profissão e novos objetivos

para os adolescentes da favela assediados pelo tráfico e ameaçados pela polícia.

Na véspera da primeira entrevista para esta pesquisa, o filho único da

vizinha dela foi morto pela polícia enquanto soltava pipa em cima da laje da

própria casa. A morte do menino confundido com traficante, foi o estopim de uma

série de manifestações que fecharam avenidas e túneis da zona sul do Rio e

causou novos conflitos com a polícia. Era um indício de que a Rocinha estava

prestes a explodir pressionada entre traficantes e policiais.

Sempre sorridente, Maria foi me buscar na estrada da Gávea e, por entre

as vielas me levou a sua casa no Terreirão, no alto da Rocinha, em um dia

extremamente chuvoso. Serviu café, mostrou fotografias, recortes de jornal e

muitas bolsas, roupas e cintos. Depois da entrevista, andamos pela comunidade e

fui apresentada a diversas lideranças comunitárias. Ela me levou para conhecer o

Centro de Visitação, o grupo comunitário que distribui as correspondências no

interior da favela, a TV Roc (que eu já conhecia) e as “modernidades” do local:

fast-food, lojas de móveis de grandes redes e o banco.

Entre as vielas encontramos um grupo de turistas norte-americanos

realizando um favela tour, um pacote turístico muito procurado no Rio de Janeiro

porque apresenta toda a crueza da vida no morro enquadrada em uma das mais

belas paisagens do Brasil.

Na história de Maria pude observar diversos aspectos da tensão do

trabalho entre a criação e a servidão. Uma questão que precisa ser observada

nesta fase de construção da economia solidária no Brasil.

53
Desde jovem Maria carrega em si uma certa vontade de ajudar as pessoas,

ensinando os trabalhos manuais que aprendeu com a mãe. Este tom se mantém

na história dela e ganha complexidade com as experiências que adquire ao longo

dos anos. Descobre a cooperativa e percebe o valor do seu trabalho na

possibilidade de exportá-lo para além dos limites da favela, conhece uma forma

de organização diferente do trabalho assalariado, mas nem por isso

suficientemente desenvolvida para evitar a fofoca entre as participantes. O

problema, no diagnóstico dela, é o dinheiro. Em tempos de vacas magras a

insatisfação entre as costureiras é maior.

Fora da cooperativa, ela continua o trabalho de agregar mulheres em torno

do artesanato e encontra na luta contra a violência um motivo além do dinheiro

para o trabalho coletivo. Enquanto se preocupa com as questões locais do morro

seu trabalho ganha o mundo. Globalizada, ela exporta para a Alemanha e de lá

suas mercadorias são vendidas pela internet para diversos outros países. Ela não

sabe por quanto suas peças são revendidas, não há um contrato firmado, nem a

garantia de que novos pedidos serão feitos. No Brasil, seus produtos são

vendidos no centro de visitação da Rocinha e em feiras de artesanato.

Se “Unidos pela Paz” expressa o desejo de mudar a realidade a sua volta,

o termo “ONG” é uma estratégia para obter apoio. Ela sabe que é a sigla da

moda, que atrai a atenção dos “politicamente corretos” e dá mais visibilidade ao

trabalho. “O nome poderia ser cooperativa ou até mesmo associação”, diz, o que

mostra que para ser aceita há que se fazer concessões, adequações ao gosto do

sistema. Ela quer autonomia, tem claro os caminhos que deve traçar, mas

aguarda pela ajuda externa de alguém “estudado” que possa trazer fornecedores,

clientes e a atenção da mídia para as questões locais.


54
O MOVIMENTO SOCIAL UNIDOS PELA PAZ

O Movimento Social Unidos pela Paz começou a existir em dezembro de

2001 a partir da iniciativa de sete mulheres da comunidade que tinham como

objetivo produzir peças artesanais de vestuário e decoração, sob a liderança de

Maria,que é sua presidente.

Além de comercializar as peças, o grupo formado por ex-costureiras da

Coopa-Roca, tem pretende ensinar o ofício para os jovens e adolescentes da

comunidade para que eles ocupem o tempo livre e aprendam uma profissão. Esta

é a principal diferença entre as duas instituições salienta Maria. “Nosso trabalho é

mais amplo, voltado para a comunidade”, afirma. “Queremos oferecer cursos e

mostrar para as pessoas a importância da paz na vida da comunidade. E

aproveitar para mostrar que na favela não existe só violência, mas paz, lazer e

beleza também".

A organização existe de fato e tem até coordenação eleita, mas ainda não

foi formalizada oficialmente, nem conseguiu um espaço que sirva de sede. As

reuniões acontecem nas casas das costureiras. As primeiras peças feitas pelo

Movimento, como é chamado, foram vendidas em feiras organizadas pelo Sebrae.

A matéria prima é comprada individualmente pelas costureiras e o resultado da

55
venda vai para a pessoa que confeccionou a peça vendida. Além das feiras, as

costureiras também expõem seus trabalhos no Centro de Visitação da Rocinha.

O encontro com as estudantes de design abriu ao grupo a perspectiva de

trocar as vendas esporádicas por um fluxo freqüente de trabalho, mas o projeto

ainda não chegou a este nível de produção. A primeira coleção exportada para

Alemanha deu visibilidade internacional ao grupo. Outro pedido foi feito e, desta

vez, as estudantes bancaram a compra da matéria-prima. Pelo acordo entre as

costureiras e as estudantes, o Movimento tem liberdade para vender no Brasil e

as estudantes têm exclusividade para a distribuição das peças

internacionalmente. Porém, as encomendas externas cessaram inesperadamente

e o grupo não sabe como prosseguir.

É consenso no grupo que o Movimento necessita de doação de retalhos e

outras matérias-primas, uma sede para reunião, estoque e oficina de costura,

equipamentos, espaço para um desfile de modas e, principalmente, de ajuda para

divulgação e captação de recursos, que só pode ser feita por pessoas de fora.

Nos anexos 2, 3 e 4 estão matérias sobre a parceria entre as costureiras

da Rocinha e as brasileiras que estudam design na Alemanha e separando os

capítulos desta dissertação estão fotos do desfile da Fushico na Europa.

56
C APÍTULO 5
D O FIO À TRAMA - A H ISTÓRIA DE M ARIA QUE SE
E NTRELAÇ A COM A DA C OMUNIDADE

“Se duas pessoas concordam entre si e unem as suas forças, terão mais poder conjuntamente

e, consequentemente, um direito superior (...) que cada uma delas não possui sozinha e,

quanto mais numerosos forem os homens que tenham posto as suas forças em comum, mais

direito terão eles todos”

Espinosa

57
Numa conversa muito descontraída, Maria me contou sua história, com

certa dificuldade em falar de sua infância e da adolescência, como se sua história

começasse mesmo a partir do momento em que ela sai do interior do estado, a

cidade de Campos, e vai morar na capital: o Rio de Janeiro.

Como ainda não me conhecia, começa sua história me falando seu nome,

sua idade e a cidade de onde veio:

Meu nome é Maria D. O., eu vou fazer 51 anos, 52, eu sou campista. Eu sou

natural de Campos, no Estado do Rio. Eu vim da minha cidade, da minha terra

natal com 15 anos de idade. Chegando aqui eu comecei a desenvolver esse

trabalho, com os adolescentes, com as crianças aqui da nossa comunidade.

Como eu já sabia. A minha mãe quando era viva, ela fazia muitos trabalhos

manuais, então ela passou a experiência pra gente. Inclusive meus parentes

todos sabem fazer trabalhos manuais e tudo. Aí chegando aqui, aqui nessa minha

área não existiam trabalhos artesanais. É quando eu vim da minha terra eu tinha

15 anos, eu vou fazer 52. Vários anos já.

(...) Eu tenho o meu marido. Só somos eu e minha filha solteira. Meu netinho, a

mãe dele ta trabalhando ele fica aqui comigo. Meus filhos são todo maior. Todos

eles trabalham. Um é porteiro chefe, mora em Copacabana com a esposa. E tem

minha outra filha que também é casada, ela mora lá embaixo. E tem a solteira que

mora aqui.

(...) Eu nunca fui em outro morro, desde que eu vim pra cá. Porque eu tenho

medo. Porque eu vejo aqui a Rocinha tão legal (...), tudo de gringo que passeia,

sobe. Então tem lá dentro, tem a mata ali dentro. Tem o campo, eles vêm visitar.

58
É uma coisa fora de série, fora do comum. Porque a pessoa vê a Rocinha, a

pessoa olha assim a Rocinha com outra visão. Violência tem em todo lugar, mas

intriga assim de várias favelas que eu vejo, a Rocinha é super calma. Entendeu?

É um bairro. A Rocinha, gringo, pode chegar qualquer uma pessoa. Qualquer

pessoa que chegar aqui dentro da nossa comunidade, ninguém implica com

ninguém.

(...) Há muitos anos que eu venho desenvolvendo esse trabalho. Então, eu já

participei da Cruzada do Menor21, é, levando os trabalhos com as próprias

adolescentes. A gente fazia, levava lá, apresentava os trabalho, eles levavam

num lugar pra vender e tudo mais, eles compravam das adolescentes. Então daí a

comunidade começou: “Pôxa, Maria que trabalho legal!”, me incentivando e tudo

pra eu poder continuar o trabalho. Inclusive tem muita menina aqui perto da minha

casa que hoje já tem filho, que aprenderam a fazer os trabalhos manuais que eu

mesmo passei a experiência pra elas e tudo, né? Aí depois disso eu dei uma boa

parada, né? E o pessoal morador: “Pôxa, Maria, porque você não continua?”

Depois dessa parada que eu dei, já trabalhei como balconista, como caixa. Já fiz

várias atividades, entendeu? Além desses trabalhos artesanais que eu

desenvolvo, né?

O trabalho com a comunidade era uma forma de partilhar aquilo que ela

havia aprendido com a mãe, mas este trabalho não lhe garantia a subsistência,

por isso, era necessário que ela desenvolvesse outras atividades:

21
Cruzada do Menor, uma instituição social sem fins lucrativos, cuja finalidade é promover o desenvolvimento
social de crianças, adolescentes, idosos e suas famílias - todos de comunidades populares - através de
programas e projetos educativos e culturais. Criada em 1920 para atender crianças com tuberculose, a
instituição passou em 1985 a priorizar também o direito de crianças e jovens à educação, à alimentação e à
iniciação profissional
59
Eu só passava a minha experiência. Fui passando, fazendo várias, qualquer

coisa de artesanato que você imaginar, eu sei fazer, entendeu? Eu tive essa

iniciativa de dividir com as pessoas, porque pôxa, a minha mãe já passou pra

mim, entendeu? E sempre ela me ensinou, entendeu? Porque sempre é bom a

gente dividir as experiências com as pessoas. Porque desde o momento que a

pessoa aja com a gente de boa fé, né? Reconheça que a gente ta passando as

experiências com boas intenções, então eu resolvi dividir esse trabalho meu

com as adolescentes, que é pra elas poder ter um futuro melhor. E muitas delas

já fazem os trabalhos, vendem, entendeu?

Mas eu trabalhei de balconista, caixa. Já trabalhei também com distribuição de

tíquetes, na época aqui mesmo na Fundação Aurora, participei da Coopa-Roca,

da Fundação Aurora22 mesmo. E da Cruzada do Menor, entendeu?

Na Coopa-Roca, eu fui uma das fundadoras e muitas dessas meninas que estão

no movimento já foram também da Coopa-Roca. Agora a Coopa-Roca está

começando a crescer de novo, porque teve uma época que a Coopa-Roca deu

uma caída, entendeu?

(...)Quando eu entrei pra Coopa-Roca, a gente só trabalhava com retalhos, era

só retalhos. Agora não, agora já faz crochê, desde que eu entrei pra lá eu já

fazia esse trabalho, tricô, crochê, boneca de porcelana. Uma vez, há muitos

anos, a coordenadora foi receber o presidente da Nicarágua lá em São Paulo.

Fui eu e uma outra senhora, foram três pessoas. Fizemos uma exposição. E a

linha da Coopa-Roca não era nem negócio de boneca de porcelana, tricô,

crochê, mas a falou: não, Maria, você pode expor seu trabalho, você bota tudo

junto. Era só tapete de retalho, era fuxico, colcha de retalho. Agora não. Agora

ela tem de tudo. Elas fazem bolsa de crochê e fazem muita coisa. Menos isso

22
Entidade que participa do Centro Comunitário União Faz a Força

60
aqui, cestaria não faz. E assim, biquíni assim, trabalho manual eu não soube

que fizeram não.

Na comunidade ela já participou de todos os movimentos em que podia

contribuir de alguma forma, mas resolveu parar. Esta parada que ela dá não é

explicada de início, mas o que nos diz é que esta atitude não é aceita pela

comunidade:

Então eu dei uma boa parada. Aí depois as meninas mesmo: “Ah, Maria, volta a

fazer aquele trabalho que você fazia. Tão legal e tudo!” Aí, me ajudaram, me

incentivaram com a força deles. Aí eu agora voltei de novo com esses trabalhos.

E neste momento nos fala do grupo que ela organiza, de sua formação e

estrutura:

Ah, minha filha, tem bem umas 13, fora as adolescentes, né. Mas só que nós

não temos espaço, entendeu?

(...)Têm jovens e já tem senhoras também. Temos senhoras de 40, 40 e pouco.

Essa mesmo que faz as cesta, ela deve ter na faixa de uns 50 e pouco.

(...) Essa coitada! Se você ver o tanto que ela faz cesta, você precisa ver o tanto

que tem na casa dela. Inclusive a Professora Marina, não tem a Professora

Marina da PUC? Ela sempre promove uma exposição aqui no centro

comunitário (que é coordenado por uma senhora da comunidade). Eu também já

dei curso lá. Mas também era outro inferno porque essa coordenadora é assim:

você tá ali juntinho com ela, ajuda, ajuda, ajuda. Depois ela bota o ouro na mão

de quem não tem nada a ver. Ela falou: “Ah, Maria, tem aqui um espaço”. As

61
pessoas falaram: “não, Maria, no centro comunitário, não”. Eu posso reunir as

pessoas tudinho, te apresento, pra ver se eu estou mentindo. Então fica assim.

Eu falei: gente, vamos ver se a gente consegue arrumar um espaço pra gente

fazer um trabalho legal, uma cooperativa

As adolescentes são vistas dentro do grupo como aprendizes, mesmo já

possuindo um domínio da técnica:

Elas são aprendizes, mas tem muitas que já fazem. A minha neta inclusive faz

bolsa. A minha neta faz. Olha essa minha netinha aqui, olha, tem uma neta

minha de 10 anos que vende, que já exportou bolsa também pra Alemanha.

Tem as meninas do grupo entendeu? Vou até mostrar as fotos pra você. Aí nós

estamos aí, né? Nessa luta. Nós estamos em busca do... de um espaço,

entendeu? Pra ver se a gente consegue levar.

A produção do grupo é diversificada, mas as artesãs dependem da

exportação, por enquanto restrita a uma única loja na Alemanha, chamada

Fushico, para obter retorno financeiro. A realização e continuidade deste trabalho

ainda dependem de fora:

Foi assim, essa moça da Alemanha, a Patrícia, ela é brasileira, mas mora há

mais de 15 anos na Alemanha, conheceu uma comadre da minha filha, ela

treina, ela corre na equipe daqui mesmo da Rocinha, ela é corredora. Então ela

tava em Ipanema correndo. Aí, essa Patrícia ela viu essa comadre da minha

filha com a camisa escrito Equipe Rocinha. Aí se aproximou dela e perguntou:

“Ah, você mora na Rocinha? Você conhece alguém que desenvolva algum

62
trabalho social na comunidade e tudo?” Ela falou: “Ah, conheço sim. A Maria.”

“Ah, dá pra você me dá o telefone dela?” ela falou: “Com certeza.” Porque ela

também faz parte do nosso grupo. Foi, já tem o quê? Já tem quase três anos. É,

tem quase três anos já. Aí então tudo bem, ela falou: “Maria, vai ligar uma moça

aqui que ela está interessada em ver os trabalhos”. Eu falei: tudo bem. Aí no dia

que ela ligou ela queria vir. Eu falei: não. Você deixa pra vir amanhã que eu vou

reunir o grupo, pra eu poder apresentar o grupo pra você, os trabalhos. Aí

começou. Eu a levei em cada uma das casas das artesãs. Pra ver os trabalhos.

(...) No momento nós estamos aguardando agora a Patrícia ligar, as mulheres já

têm bolsa já pronta e tudo. Só estamos aguardando ela ligar, né? Ou a amiga

dela Viviane ligar pra gente pra poder comprar as bolsas, entendeu?

(...) A Patrícia lá da Alemanha, ela não quer que a gente divulgue, mostre aqui

os trabalhos. Eu falei: “não, as mulheres estão tudo doida querendo dinheiro”.

Eu falei: “não, minha filha, vamos colocar nossas peças na rua”. Se a gente

encontrar lugar pra botar, pra gente poder vender, se a gente encontrar pessoas

que se interessem em comprar nosso produto...

(...) No começo a Patrícia estava dando a linha. No começo a gente fazia com a

linha e com o lacre da gente. Aí depois ela combinou com a gente de dar a linha

e a gente comprar o lacre. E estava assim. Mas só que agora está demorando

muito a Vivi, não sei o que está acontecendo. Tem muita coisa bonita,

entendeu?

(...) ela não quer. A Patrícia quer que passa primeiro pela Fushico – loja alemã -

que as pessoa tudo encomendem a ela. E ela faz o pedido pra gente. Tudo

bem. Então nós não temos nem noção de como é exportar nada. Tudo bem, é

uma boa pra gente. Importante que as mulher tão ganhando o dinheirinho delas.

Ligou gente de Berlin. Então o que foi que eu fiz: procure a Fushico, dei o nome

63
da Patrícia. Aí quando a Patrícia me ligou, eu dei o endereço direitinho que o

rapaz me passou, pra entrar em contato com ela. Entendeu?

(...) Porque ela está divulgando lá fora, entendeu? Aí a pessoa vem e liga pra

mim. Eu não vou pegar, ela levou o nosso trabalho lá pra fora, entendeu? Eu

não vou pegar e passar por cima das ordens dela, porque foi através dela que

está levando o nosso trabalho lá pra fora. Lá passa, está passando na televisão

da Alemanha. As pessoas ligam de lá pra cá pra saber como é que é o trabalho,

querem encomendar na nossa mão, que dizem que sai mais barato. Aí eu falei:

não. Eu mando passar lá por ela.

Maria sai um pouco do que estávamos conversando e nos fala sobre o

material utilizado para a confecção dos trabalhos:

A gente compra nos ferro-velhos os lacres. O meu marido também, ele trabalha

de porteiro, ele também junta. Mas sempre a gente mesmo compra os lacres.

Os lacres são todos comprados e a gente está vivendo disso, entendeu? A

gente faz muita coisa, muita coisa. Olha, biquínis, olha aqui, olha! Olha, esse

daqui é top, foi eu que fiz. Esse aqui é crochê, trabalho manual, entendeu? É

muito bem feito. Nós fomos expor ali no Colégio Teresiano. Olha esse aqui,

esse aqui foi eu que fiz. Porque tem muita... Ali no centro de visitação, você

precisa ver as roupas de lacre, saia de lacre com símbolo da bandeira do Brasil.

Porque tem muita coisa de lacre, de latinha, mas assim igual a da gente... Todo

mundo fala.

Ela também fala da sensação de ver o trabalho dando certo, sendo

divulgado, as encomendas chegando e sendo atendidas:

64
Menina foi uma benção! Menina não estou falando pra você. Veio o Estadão de

São Paulo, fez a matéria. A Redetv, através da TVRoc, que tem o canal aqui da

Rocinha, a TVRoc. Saiu essa matéria que a Patrícia ela é da Alemanha, ela

falou sobre o nosso trabalho. Tem a vizinha ali que fez essa matéria. Esqueci o

nome dela. Então ela veio aqui na minha casa, viu os trabalho. O Estadão de

São Paulo veio bateu foto das meninas desfilando. No dia que o Estadão veio

aqui tava chovendo pra caramba. Aí as meninas vestiram as roupa, desceram

eles filmando elas. O Estadão de São Paulo. Então foi bem legal. Mas só que é

isso, o trabalho ta assim. A gente quer divulgação.

A ONG e o trabalho realizado nela é visto como uma forma de ajuda à

comunidade, uma forma de dar uma ocupação para as jovens:

Olha, ajuda e muito, ajuda e muito. Principalmente essas meninas adolescentes

pra elas ter uma renda, né? Porque é um trabalho que a gente vai tirar essas

meninas da rua, não só pras meninas, é pros menino também, porque isso não

é só, menina mulher que faz esses trabalhos, até os meninos também. É um

trabalho legal, muito bacana. Qualquer menino também pode fazer.

(...) Olha, quando apareceu essa menina da Alemanha, as pessoas, Maria que

benção! Olha as pessoas super feliz e sempre pergunta; Ah Maria, vamos correr

atrás, arranjar lugar pra gente expor os nossos trabalhos. Com certeza, eu vou

correr atrás entendeu? Ali embaixo, no centro de visitação têm muitas dessas.

(...) O Zé Luis do centro de visitação lá embaixo falou: traz suas coisa pra cá.

Porque vende pros gringos lá. Mas é isso, nós estamos com esse trabalho super

legal, super bacana, mas a gente está precisando de uma pessoa pra nos

65
orientar e que venha multiplicar, somar com a gente. Pra divulgar nosso

trabalho. O objetivo é esse.

Segue relatando as dificuldades sentidas para a realização dos trabalhos,

ressalta que o grupo precisa de uma pessoa de fora que ajude na divulgação:

A dificuldade que a gente sente, é porque a gente precisa de uma pessoa que

esteja do nosso lado entendeu? Nos ajudando, nos orientando, correndo atrás

pra gente. Porque eu só faço mesmo é produzir. Eu não tenho muito tempo.

(...) Porque se a gente, nós não queremos só viver de exportação. Se a gente

encontrar alguém que se interesse pelo nosso trabalho, entendeu? Que compre

o nosso trabalho, ou arranje um lugar pra gente deixar lá, uma loja pra gente

poder vender e tudo. Até que seria uma boa, entendeu? Porque a gente precisa

mesmo é divulgação, né?

(...) Então, pra esse negócio assim de ir atrás, eu sou muito parada. Por isso

que eu falo que tinha que ter uma pessoa pra estar com a gente nos orientando.

Eu sou parada, parada, parada. Elas estão produzindo. A gente corre atrás, que

a gente está precisando de divulgação pra divulgar o trabalho da gente. Pra

começar a poder ganhar dinheiro, porque só viver de exportação não tem

condições.

(...) Mas eu sou péssima pra sair, fazer uma divulgação. Eu sou muito parada. E

elas também ficam: “eu estou com vergonha, não sei onde vender”. Inclusive

essa menina que eu acabei de falar, essa coitada. Ela faz bolsa e leva pra PUC

pra vender. Minha filha eu acho é isso, conforme assim, quando nós fomos pra

essa exposição lá do Sebrae, então nós levamos as coisas de todo mundo.

Então não tem erro de você esconder, botar atrás as coisas da tua amiga e

66
botar a sua na frente pra vender. E essa senhora, coitada, eu tive a maior pena

dela, cada coisa linda que ela faz, bolsa e tudo. Então as mulheres que levam

as cestarias botam as dela tudo na frente, vendem as delas e escondem as da

pobre da mulher. Aí ela como é uma pessoa cristã, não gosta de confusão, ela

coitada, pegou, passou a mão e veio embora. Lá na PUC a Professora Marina já

comprou muitos trabalhos comigo.

Entra novamente no tema da exportação e das dificuldades que vem

sentindo:

A Viviane mora na Tijuca, aí ela vem leva os trabalhos e exporta lá. Mas agora,

faz tempo, nós estamos esperando, não sei o que aconteceu. Eu não sei se elas

se desentenderam. Porque a Patrícia me ligou: Maria o que aconteceu? Não vai

mandar mais bolsa mais não? Aí as meninas do grupo ficaram até meio assim,

sabe? Eu falei: ó, Patrícia, eu já mandei as bolsas. Ah! Mas não chegou aqui

ainda. Então eu acho que as pessoas do grupo estão achando que essa que se

diz ser namorada do irmão daquela que mora na Alemanha está desviando as

bolsas. Quando ela vem pegar as bolsas, ela logo paga. Essas bolsas que a

Patrícia perguntou: cadê as bolsas? Ela já tinha vindo aqui pego as bolsas e

pago a gente. Mas só que a Patrícia não recebeu as bolsas lá na Alemanha.

Entendeu? Não recebeu as bolsas lá na Alemanha. Aí, as meninas falaram

assim: pôxa, Maria! E agora? Tem um bocado de bolsa. Aí eu falei: Vivi, quando

que a Patrícia vai vir pegar as bolsas? Sabe o que foi que aconteceu? Ah,

Maria, eu passei um e-mail pra Patrícia e ela não me respondeu o e-mail.

67
Sua vontade de transformar o grupo de trabalhos manuais em uma outra

cooperativa é grande, mas esbarra mais uma vez na dificuldade de orientação:

E com pessoas de fora que queira colaborar com a gente. A pessoa que tenha

instrução pra nos guiar, né? Divulgar nosso trabalho. Correr atrás, né? Porque a

gente não tem. Inclusive a Patrícia, ela concluiu o curso dela de designer com

esses trabalhos da gente, lá na Alemanha. Ela estava no último ano. Está tudo

escrito aí. Porque lá foi super interessante esse trabalho, lá. Mas só que nós, as

mulheres tão assim chateadas com a Viviane, com a Vivi, essa que faz parceria

com ela. Porque assim, pôxa! Eu fico com a minha cara no chão: quando ela vai

vim, Maria? Tal dia marca. Então, eu falei: gente, vamos ver se a gente arruma

outras pessoas que queiram nos ajudar, entrar com a gente. Porque o que vier

pra dentro da comunidade é muito bem vindo. As pessoas que vierem a querer

ajudar a comunidade, não tem essa, é muito bem vinda, entendeu?

As costureiras têm consciência de que precisam de uma pessoa

especializada, como toda empresa necessita, mas elas também estão

preocupadas com os riscos que esta colaboração podem acarretar:

(...) porque aqui, o que tem mais aqui é olho grande. Então é por isso que eu

ainda estou parada. Eu falei: gente, deixa como está. No dia que aparecer uma

pessoa que queira trabalhar com a gente aqui dentro da nossa comunidade, que

se interesse e que valorize o nosso trabalho. Porque o meu medo mais é a

gente se misturar com essas pessoas aí, que elas são tudo macaca velha, tudo

muito esperta. E você tem um grupo legal, um grupo bacana e vem essas

68
pessoas que já têm esses projetos malucos aí: ah! Vamos juntar o projeto!

Depois começa a me sacanear, aonde fica a minha reputação?

(...) Aqui na comunidade tem vários projetos. O pessoal me convida, mas eu não

vou. Sabe por que eu não vou? Se eu for, eu tenho muita gente. Se falar que a

gente vai montar uma cooperativa, muitas pessoas estão do meu lado. Olha

aqui, minha filha, pode ver as foto, as meninas. Muita gente. Aí quando a

Patrícia veio aqui, eu levei de casa de uma por uma das pessoas. Entendeu?

Então pra gente trabalhar assim com uma comunidade, se você fizer uma coisa

bacana, todo mundo te elogia. Agora, se você ficar de palhaçada, com sujeira,

ninguém quer te ajudar. Porque eu acho que a gente tem que ver o lado da

comunidade. Tudo bem ver o lado da gente e estar melhorando a comunidade,

não acha você? É por isso que fica nessa. Fica todo mundo, eu fico assim. Deus

me livre, tem umas senhoras decentes, essa moça que faz cestaria é uma

pessoa cristã. As pessoas decentes. Deus me livre. Olha, quando parece uma

coisa assim, as pessoas: Ah, Maria, graças a Deus! Quando a Patrícia chegou

pra exportar essas bolsas, porque inclusive elas faziam bolsa de lacre. Elas

fazem muito bem. Tem vários tipos de bolsa. É muita bolsa. Faz mochila. Muitas

coisas. Tem umas pessoas decentes. Então eu não quero palhaçada, sabe

como é que é? Porque as pessoas que querem: Ah, Maria, vamos juntar! As

vezes quer pegar até a sua idéia. Daqui de dentro mesmo. Porque bolsa de

lacre, tem muita bolsa de lacre, mas por isso que a Patrícia falou: Ah, Maria, não

divulgue, não vende as bolsas, porque você pode andar no Rio e ver muita

bolsa de lacre, mas com o símbolo da bandeira do Brasil, a gente faz assim com

B do Brasil. Vários modelos, entendeu? Tem sim, bolsa de lacre, mas esse

modelo da gente que a gente faz com o símbolo da bandeira, assim triangular,

com a letra B, não tem. Entendeu? Mas é por isso que a Patrícia fica com medo

69
que a gente divulgue o trabalho. Mas as mulheres não vão ficar também sem

ganhar dinheiro.

Intervenho mostrando as diversas instituições que poderiam ajudar na

organização e divulgação da ONG ao que Maria compara a situação do seu grupo

à das costureiras da Coopa-Roca:

Pra isso a gente precisa de uma pessoa, a Coopa-Roca tem muitas pessoas...

Neste momento ela relembra a ruptura com a Coopa-Roca:

Até noutro dia a menina disse: “a coordenadora da Coopa-Roca quer falar com

você. Aí as mulheres falaram: se você voltar pra lá, então não vai dar. Muitas

pessoas não querem. (...) eu não tenho nada contra ela, mas muitas pessoas

que trabalharam lá têm por causa de um rolo de pagamento. A pessoa trabalha

pra ela, só trabalha pra ela entendeu?

Noto que a Coopa-Roca na comunidade é identificada como uma

organização pertencente à socióloga e não à comunidade, por isso repito a fala

de Maria e pergunto qual o motivo de sua saída:

Eu saí mais da Coopa-Roca porque era uma fofocada medonha. Porque a

coordenadora pegava os trabalhos pra vender, então eu fazia os tapetes bem

bonitinhos, então mesma hora que eu entregava os trabalhos, a coordenadora

me pagava. Aí começaram a fofocar: não, Maria porque que ela te paga, se está

demorando pagar a gente? Aí começava aquela fofocada toda.

70
Em sua fala ela deixa claro que não tinha problemas com a socióloga,

mas que sua participação na cooperativa estava gerando “fofocadas”:

Eu me entendo mais a coordenadora da Coopa-Roca. Ela sabe da minha

existência. Sabe que eu não peguei idéia de ninguém. Todo mundo sabe que eu

desenvolvo esse trabalho, sabe que eu não peguei idéia de seu ninguém. Sabe

que quem puxou esse trabalho, inclusive a coordenadora na época não tinha

espaço, a gente fazia os trabalho aqui no meio do caminho. Depois foi que a

Coopa-Roca foi crescendo. Mas aí eu saí mesmo da Coopa-Roca, porque as

pessoas falavam: Ah, Maria, com aquela coordenadora não dá. Porque ela já foi

até pra Alemanha também. Então, inclusive quando a Patrícia veio queria até

conversar com ela e tudo. Aí as mulheres do grupo: Ih, minha filha, nem

conversa, porque ali é só ela só. Ela não gosta, se você dá uma entrevista ela

quer te cobrar, é um inferno. Então se chegar uma pessoa ali, porque ela tem

medo de vir outras pessoas de fora, entendeu? E aí instruir as pessoas que

trabalham ali com ela. Então ela não aceita idéia de ninguém. A Patrícia ela

queria: Ah, Maria me apresenta. Tentei o contato com ela, mas ela não quis

conversar não.

Perguntada se não seria mais viável unir sua ONG a outros grupos da

comunidade nos responde:

Com a Coopa-Roca? Minha filha, a coordenadora de lá não quer não, ela não

aceita não outra pessoa de fora. A gente aqui? Eu não sei se ela vai querer. Ela

até já me convidou. A menina aqui também. Ela está até aqui na foto, a menina,

que é a minha vice, é de lá. Ela disse: “Ah, Maria, vamos pra lá, agora está bom

71
e tudo”. Mas as meninas falam: “Ah, Maria se você voltar pra lá, acho que eu

não vou ficar mais não. Eu não quero voltar pra lá”. Muitas delas, pode ver aí

(mostra matéria de jornal sobre o grupo), está até escrito aí que muitas delas até

já foram da Coopa- Roca.

(...) Tem espaço pra todo mundo. Terça agora, nós estamos fazendo uma

reunião pra gente conversar pra gente poder, ver como é que vai ficar esse

negócio da Patrícia, das bolsas. Como é que vai ser. Porque a Vivi: Ah, Maria,

passei um e-mail pra Patrícia e ela não me respondeu. Esse ano ela nem veio,

porque no ano passado ela estava vindo, estava aqui no Brasil, levou bastante

coisa e tudo. Mas agora, esse ano ela não veio. Se ela viesse já tinha me

ligado. Eu estou esperando. Eu tenho até o telefone lá da Alemanha, tentei ligar

lá pra ela, mas não sei como liga, faz ligação lá pra Alemanha. Porque tem tudo.

Tem endereço, tem até endereço dela. Que a menina mandou lá de outra favela

pra mim. Mandou o endereço. Eu tenho os e-mail dela. Porque a Patrícia, pelo

jeito, parecia que ela estava com pouca bolsa. Todo mundo gostou dela. Até as

menina falou: Ah, Maria, depois que entrou essa tal de Vivi, a Patrícia foi dá olho

pra essa tal de Vivi porque ela mora no Brasil, agora estragou tudo. Todo mundo

revoltada. Eu falei: gente, calma! De repente a gente arranja outra pessoa que

se interesse pelo nosso trabalho, que queira nos ajudar, estar aqui dentro com a

gente da comunidade.

O trabalho na ONG ainda não deu os resultados esperados porque ainda

não contam com uma sede, um espaço próprio, mas já começa a render seus

frutos:

72
Porque nós não temos espaço ainda, mas se Deus quiser, o nosso objetivo é

esse, entendeu? Porque eu to trabalhando com meninas adolescentes, menina

rebelde, menina muito rebelde que também não queira fazer nada, depois que

nós fundamos a ONG, elas mesmo já fizeram os trabalho, já exportaram

também fuxico, essas coisa. Aí todas elas ficaram satisfeitas. Receberam um

dinheirinho: Ah, Maria, que legal! Quando vai vir mais encomenda pra gente

fazer e tudo? E não é tão bacana assim? Eu também tenho meus filho, tenho

meus neto, então tem que pensar no futuro deles também. Apesar de eu ter, eu

tenho 4 filhos, todos eles são maiores né? Então, eu não tenho mais assim que

me preocupar porque eles já tão de maior, já sabem o que faz. Mas tem meus

netos também. Tem que pensar não só nos meus netos, mas nesse

adolescente, essas criança aí tudo.

Os projetos de futuro estão ligados ao desenvolvimento da organização:

Daqui pra frente, meu sonho é ver essa ONG dar certo. Transformar numa

cooperativa, tudo. O que vier vai ser bem vindo. Alguém que se interesse pra

juntar, ajudar na cooperativa. Nós queremos é botar o trabalho pra frente,

começar a desenvolver os trabalhos com a comunidade, com os adolescentes,

com a 3ª idade também, entendeu? Nosso objetivo é esse também.

(...) A construção da sede não custa muito caro. Porque a gente tem que ter ao

menos um cubículo. A gente tem que ter um cubículo pra um começo. Porque

vem essa menina da Alemanha e muita gente conhecida que às vezes ligam: “E

aí, Maria, como é que estão indo os trabalhos?” Sempre me ligam pra saber,

querem vir ver, visitar os trabalhos. As pessoas ligam até de Berlim, que viram

passando na TV lá na Alemanha. Eu te juro perante os meus netos que estão

aqui.
73
Pergunto como se deu a escolha do nome do movimento e porque

escolheram um nome relacionado com a paz e não outro que fizesse referência

ao trabalho artesanal que elas realizam:

Porque, minha filha, é tanta violência que a gente vê por aí e pôxa! A gente tem

que dar um basta nessa violência. pôxa! O Brasil todo, o mundo todo está

pedindo paz. Então é por isso que o nome da ONG é Movimento Social Unidos

pela Paz. É por isso, por um mundo melhor, né?

(O trabalho com artesanato pode mudar a vida das pessoas) Porque a mente

vazia é oficina do diabo. Como diz o outro, né? Então, tendo alguma coisa pra

ocupar, né? Eles não vão pensar assim em fazer besteira. Eles tão ali

trabalhando, então eles se interessam por aquele trabalho, ta sabendo que dali

vai sair o dinheirinho do próprio suor dele. O objetivo da ONG é esse entendeu?

Ao falar de paz ela faz questão de deixar claro que quando ocorre

violência na Rocinha, ela vem de fora, geralmente da polícia, a mesma que matou

o filho da vizinha poucos dias antes.

Quando acontece de acontecer alguma coisa que acontece, é a própria polícia.

Eu te juro por Deus, garota. A própria polícia, eles entram, conforme saiu no

jornal. O filho dessa menina, até eu conheço a menina ali de baixo da Rua 2. a

polícia chegou, o menino soltando pipa em cima da laje, na rua 2. A polícia

chegou atirando do nada.

(...) Foi ontem. Não teve ninguém, não teve conflito de vagabundo, de nada. Te

juro! Mas eles subiram aqui e falou. Olha, eu fico super revoltada. Eu tenho

74
meus também, tenho meus netos. Eu não to querendo ver o pior pros meus

filho. Tudo bem. Eles são autoridade. Eles têm todo direito de entrar pra fazer o

trabalho deles. Mas tem que respeitar a comunidade. Eu acho que eles têm que

respeitar. Menina, uma coisa incrível, essa menina, até ela tinha só um filho, um

menino decente. Até passou na reportagem na Band, né, que eu tinha assistido,

que os policiais metia a bala porque o menino era traficante. O que é isso? Eu vi

essa reportagem na Band e ontem eu comprei o jornal e aí. Os vizinhos todos

revoltado, entendeu? O menino decente, o bichinho. A mãe dele é uma pessoa

super legal, entendeu? Eles tiveram coragem, a capacidade de fazer isso.

Gente, eles quer entrar pra fazer o trabalho deles, tem todo direito, mas pôxa,

vamos respeitar a comunidade. Entra, faz o trabalho deles que eles tiver que

fazer, mas não fazer isso, pôxa! Chegar, entrar atirando. Vem cá! Eles são os

piores vagabundos, vagabundos fardados são eles. Só que os próprios

vagabundo, eles respeitam a comunidade. Jamais, Deus me livre meu Deus. Eu

moro aqui esses anos todos. Eu graças a Deus. Olha, eu subo, desço, todo

mundo, qualquer pessoa pode subir que eles num perturba ninguém. Não é

dizer: Ah, a Rocinha é violenta. Não. A violência é a polícia que faz, a polícia

mesmo que chega. Acaba fazendo isso, pra dar tiro, e a comunidade fica toda

revoltada, como esse negócio desse garoto. Tinha nada a vê o menino. O

bichinho soltando pipa. E tinha mais criança aí de menor em cima da laje. O

policial matou o garoto. Aí o jornal da Band diz que foi, que o menino era

traficante. Aí ontem saiu no jornal a matéria direitinho. Mas a pessoa tem que

fazer justiça. Eles fecharam o pessoal. Porque a polícia não tem nada a ver

fazer uma coisa dessas. Eu acho que tudo bem fazer o trabalho deles, mas não

é assim também. Chegar dentro da comunidade atirando, né? Faz o trabalho

deles que tiver que fazer, mas sem, né? Isso que é uma cachorrada. Eles

mesmo que são os vagabundos fardados. Isso eu fico revoltada, tem hora que
75
eu fico assim olhando, tanta cachorrada, tanta safadeza, com licença da

palavra, que a pessoa fica assim revoltada. Eles sobem o morro, nessa

palhaçada toda. Meu filho às vezes vai descer pra trabalhar: Ah, mãe vamos até

lá embaixo comigo. Eu falei: é vamos embora. Meu filho, não vai esculachar

meu filho, não. Meu filho é trabalhador. Eu falo. Não, não vai esculachar meu

filho, trabalhador, meu filho tem 29 anos. Tem a que tem 25, que é minha

caçula. Eu falei: não. E se eu perceber eles subindo e esculachar qualquer filho

de vizinho meu, que seja uns meninos tudo adolescente trabalhador. Eu vendo,

eu falo: não, meu senhor, faz o trabalho de vocês, um trabalho limpo. Deus me

livre, não mexe com filho meu. Eu falei: meu senhor, não me leve a mal não,

não vem esculachar meu filho não, meus filho são trabalhador, entendeu. Toda

documentação. Leva pra fazer o teste se usa droga ou não. Juro por Deus,

entendeu? Graças a Deus não fumo, não tenho nada contra a quem fuma a

quem bebe. Meu filho, esse que é pai desse menininho, o único vicio que ele

tem é tomar uma cervejinha e fumar cigarro. Não usa droga, entendeu? Meu

filho que mora em Copacabana, ele é obreiro da Igreja Universal. Meu marido e

a minha sogra, do meu segundo casamento. Que o meu marido que eu casei

com ele na minha terra, eu vivo separada, então eu vivo com esse rapaz há 24

anos. Ele trabalha há mais de 17 anos num condomínio ali, uma pessoa super

decente. Se você passar por ele, não fuma não bebe. Se falar com ele, ele fala,

se não falar, ele ta até dormindo, descansando. Então, porque que eu vou

aceitar que venha uma polícia de lá pra esculachar meu filho? Ou um filho de

um vizinho meu que eu to vendo que são umas pessoas decentes? Deus me

livre, eu fico doida. Às vezes meu filho chama e eu digo: bora, meu filho. . Eles

não vão fazer nada com você. A gente tem que ficar vigiando. Eles botam até

fragrante no bolso. Forja. Eles são ordinários, eles. Eles forjam, eles forjam. Não

viu no jornal esse negócio da polícia que matou esse menino? O próprio rapaz
76
era garçom lá na PUC, eles bateram no rapaz porque confundiram ele com

vagabundo traficante, roubaram o cordão do rapaz, pintaram e bordaram. Tá

tudo na matéria no jornal. Mas é uma cachorrada. Menino, eu fico revoltada. Eu

não sei que Brasil é esse.

Preocupada com o futuro dos jovens da comunidade e com o bem-estar

dos idosos, a costureira vê no trabalho artesanal coletivo um caminho para

melhorar de vida.

Eu quero ajudar a comunidade. Claro, me ajudar também. Mas meu sonho é ver

a comunidade feliz, as pessoas, essas meninas sabendo, aprendendo uma

profissão, entendeu? Ganhando o dinheirinho com o próprio suor. Elas têm que

aprender ganhar com o próprio suor e ter o dinheirinho delas, né? Não é fácil,

ganhar dinheiro fácil. Que isso também não dá certo. Tem que lutar, né?

(..) Felicidade pra mim é tudo. É tudo, tudo mesmo. Eu sou uma pessoa que eu

gosto de ajudar as pessoas, entendeu? O, meu Deus do céu! A pessoa chegar:

aprendi isso assim, assim. A Maria arrumou isso assim, assim pra mim. Me

ensinou a fazer. Ah! Eu fico super feliz. Eu não sou egoísta, eu não quero a

coisa só pra mim. Eu quero ajudar a comunidade. Eu tenho fé em Deus. Meu

sonho, eu falei: gente, antes de eu morrer eu quero realizar esse meu sonho.

Tem menina já, que já aprendeu comigo e falou: Maria assim que tiver o espaço,

o que você passou par mim, eu to juntinho com você pra passar pra outras

pessoas.

Tem até uma aqui junto comigo na foto, entendeu? Ela tem filho já. Até inclusive

o irmão dela também vem nessa luta junto comigo. Ela era novinha, ela era

adolescente na época, agora ela tem dois filho. Na época ela era novinha. Ela

77
mora aqui perto de mim mesmo. Ela faz até hoje. Sabe que a loucura é tão

grande, é tanta coisa que outro dia eu falei: Jussandra, você sabe o ponto

lacinho? (mostra as fotos). É isso, nós estamos precisando de um empurrão,

entendeu?

78
C APÍTULO 6
A T ECITURA DA T RAM A :
A NÁLISE E I NTERPRETAÇÃO DOS DADOS

“..o temor experimentado em comum pela maioria dos cidadãos se


transforme em indignação

Espinosa

79
A história de Maria e de como a cooperativa entra em seu processo de

subjetivação já revela a tensão entre a ação criativa e transformadora e a ação

disciplinadora ideologicamente imposta pelo sistema dominante.

Mas relatar sua história não basta para concluirmos este trabalho, é

necessário buscar o subtexto do qual fala Vygotsky.ou seja, além do significado

estável, histórico-cultural, há o sentido interno, o subtexto, vital para o processo

de compreensão, uma vez que revela a base afetivo-volitiva das ações e das

falas.

Vamos, então, buscar na fala de Maria os momentos em que a construção

de sua história se entranha afetivamente com a construção das histórias de tantas

outras pessoas da comunidade para refletir sobre a questão central da presente

dissertação: Que sentido a experiência na Coopa-Roca tem para Maria? E a

participação no Movimento Social Unidos pela Paz e nas entidades para as quais

colaborou anteriormente? Qual a qualidade da transformação que a experiência

do trabalho cooperativo proporciona? A atuação na cooperativa potencializou

Maria para a solidariedade? Qual é o alcance social desta mudança? Chega a ser

pública?

No discurso de Maria visto no capítulo anterior saltam duas unidades de

análise, cada uma delas caracterizada por um sistema de afetos que permitem

analisar a qualidade da participação:

1. o lugar , cujas emoções de fundo são o amor e o medo

2. a atividade, cuja emoção de fundo é a solidariedade, a alegria e a

esperança
80
1. O LUGAR: A FAVELA DA ROCINHA

É interessante notar, como já foi dito na apresentação de sua história, que

ela não começa a contar sua história pela infância, não identifica a adolescência,

mas sua história é contada a partir do momento em que ela sai da cidade de

Campos, interior do Estado do Rio de Janeiro e vai morar na capital, na favela da

Rocinha23.

“Eu sou natural de Campos, no Estado do Rio.Eu vim da minha cidade, da minha

terra natal com 15 anos de idade”

A história de vida de Maria se confunde muitas vezes com a história da

própria comunidade em que ela vive. Em todos os momentos, ela coloca a história

do grupo ao qual faz parte como sua própria história.

Não sabemos os motivos que a levaram até a Rocinha, o que sabemos é

que ela se identifica com o lugar e que o trata como seu, dividindo,

compartilhando aquilo que tinha (a experiência com trabalhos artesanais), com as

outras pessoas do bairro, em especial com as jovens do sexo feminino.

23
Sawaia também constatou tal fato na pesquisa que fez com mulheres moradoras de uma favela em São
paulo. (Sawaia, 1987)
81
Em nenhum outro momento de seu relato ela torna a falar de sua cidade

natal ou de seus vínculos com ela. Seu lugar, sua comunidade é a Rocinha. Lugar

que ela enaltece e ama a despeito da própria realidade. Esse seu lugar de

moradia é um núcleo de significado dominante em sua fala, indissociável da

atividade de artesã e da ação solidária.

Ela nunca morou em outro lugar na cidade do Rio de Janeiro e não

costuma sair da favela. Tem medo. Um medo que segrega, isola e limita seus

horizontes, mas que também gera ações de modo a se sentir segura na Rocinha,

na sua comunidade.

O lugar e as pessoas se confundem, são um mesmo ser. Para Maria, falar

de si é como falar da Rocinha e dos diversos grupos pelos quais ela passou. É se

preocupar com os jovens da comunidade, tentando passar aquilo que aprendeu

com a mãe para estes jovens, na esperança de mostrar-lhes um outro caminho,

que não o das drogas e da violência.

A Rocinha é o seu lugar, o lugar onde se sente segura, lugar bom de se

viver, habitado por pessoas boas. Quando alguma coisa de ruim acontece no

morro, é trazido por pessoas de fora, que não pertencem a comunidade, quase

sempre, pela polícia:

“A Rocinha tão legal (...), todo gringo que passeia, sobe. Então tem lá dentro, tem

a mata ali dentro. Tem o campo, eles vêm visitar. É uma coisa fora de série, fora

do comum. Porque a pessoa vê a Rocinha, a pessoa olha assim a Rocinha com

outra visão. Violência tem em todo lugar, mas intriga assim de várias favelas que

eu vejo, a Rocinha é super calma. Entendeu? É um bairro. Quando acontece de

acontecer alguma coisa que acontece, é a própria polícia. Eu te juro por Deus,

82
garota. A própria polícia, eles entram, conforme saiu no jornal. O filho dessa

menina.Eu até conheço a menina ali de baixo da Rua Dois. a polícia chegou, o

menino soltando pipa em cima da laje, na rua Dois. A polícia chegou atirando do

nada.

Ao mesmo tempo em que tenta provar que a Rocinha não corresponde à

imagem negativa de violência que o senso comum reproduz ao se falar de favela,

ela reproduz o mesmo discurso estereotipado quando se refere aos outros morros

cariocas.

“Eu te digo, eu tenho medo de ir em outro morro. Eu tenho medo, porque eu me

acostumei com a Rocinha. Na Rocinha, gringo pode chegar, qualquer uma pessoa.

Qualquer pessoa que chegar aqui dentro da nossa comunidade, ninguém implica com

ninguém.

MEDO E AMOR – AFETOS CONSTITUTIVOS DO SENTIDO DO LUGAR

Na análise da base afetivo-volitiva do sentido de lugar, imediatamente

ressalta o amor, amor pelo lugar e pelas pessoas, sendo que o medo aparece de

forma difusa e indireta, mas com muita força, é o medo do desconhecido, medo

do outro que invade a favela atirando e tirando a vida dos conhecidos, dos

vizinhos.

O medo também de sair do morro, de visitar outros morros e outros bairros.

É o de ir em busca de algo fora da comunidade: de divulgação dos trabalhos, de


83
incentivos financeiros e organizacionais, ou mesmo de conhecer experiências

semelhantes em outras comunidades.

O medo a imobiliza Maria, mas também gera ação pela força do outro

sentimento, o amor. No capítulo anterior vimos que a polícia que invade a favela

atirando e tirando a vida de pessoas próximas tem o poder de imobilizar, mas

Maria a enfrenta quando tem que defender seus filhos que precisam descer o

morro para trabalhar.

“Então, porque que eu vou aceitar que venha uma polícia de lá pra esculachar

meu filho? Ou um filho de um vizinho meu que eu to vendo que são umas

pessoas decentes? Deus me livre, eu fico doida24.”

Uma pessoa da comunidade é morta pelos policiais que deveriam defendê-

los. Uma mãe perde um filho e ela se identifica com esta mãe, uma igual. Ela não

quer que seus filhos tenham o mesmo fim, por isso desce com eles, enfrenta seu

medo e enfrenta a polícia.

O medo que a impede de sair do morro não é maior que o desejo de

defender os filhos, de garantir que eles sejam respeitados como trabalhadores. O

medo de perder os filhos é que lhe impele a enfrentar a polícia apresentando seus

filhos e dando a garantia de uma mãe de que seus filhos não são “vagabundos”.

É interessante notar o esforço de Maria para mudar o sentido da palavra

“vagabundos”. Os ditos “vagabundos”, que tanto impõem medo as pessoas de

fora do morro, são vistos por ela como pacíficos, pessoas que não agridem os

visitantes e nem mesmo as pessoas da comunidade. Eles são vistos por ela como

24
Maria não suporta injustiça
84
membros da comunidade ao qual ela faz parte, portanto são iguais. Mas há

diferenças. Ela sabe que gente decente e trabalhadora não deve ser confundida

com vagabundos e protesta toda vez que isso acontece.

As pessoas que realmente são violentas são de fora. São os policiais,

chamados por ela de “verdadeiros vagabundos” ou “vagabundos fardados”.

85
2. ATIVIDADE SOLIDÁRIA

O outro da comunidade é visto como um igual, por isso ela luta por ele, ela

o respeita, divide seus conhecimentos com ele. Junto com as pessoas da

comunidade ela se reúne, participa de movimentos, projetos, é liderança.

Maria, desde que chega a Rocinha age como liderança reunindo as

mulheres e as jovens e ensinando a arte que sua mãe lhe ensinou. Esta potência

de ação, que vinha germinando, ganha nova dimensão ao entrar na Coopa-

Roca25. A cooperativa dá outros sentidos para essa atividade.

A Coopa-Roca burilou e racionalizou a vontade de participar que Maria

carrega desde muito jovem

Quando eu vim da minha terra eu tinha 15 anos, eu vou fazer 52. Vários anos já.

(...) Então, eu já participei da cruzada do menor, é, levando os trabalho com as

próprias adolescentes. A gente fazia, levava lá, apresentava os trabalhos, eles

levavam num lugar pra vender e tudo mais, eles compravam das adolescentes.

Então daí a comunidade começou: “Poxa, Maria que trabalho legal!”, me

incentivando e tudo pra eu poder continuar o trabalho. Inclusive tem muita menina

aqui perto da minha casa que hoje já tem filho, que aprendeu a fazer os trabalhos

25
Fundada em 82
86
manuais que eu mesmo passei a experiência pra elas e tudo, né? Aí depois disso

eu dei uma boa parada, né? E o pessoal morador: “Pôxa, Maria, porque você não

continua?” Depois dessa parada que eu dei, já trabalhei como balconista, como

caixa. Já fiz várias atividades, entendeu? Além desses trabalhos artesanais que

eu desenvolvo, né?

É uma das fundadoras da Coopa-Roca atuando na coordenação e depois

saindo por conta de falatórios, de “fofocada” como ela mesma diz. Mas sair da

Coopa-Roca não significava ficar parada. Depois deste momento, a própria

comunidade reclama sua volta, sua forma de liderança.

Na Coopa-Roca, eu fui uma das fundadoras e muitas dessas meninas que estão

no Movimento Unidos pela Paz já foram também da Coopa-Roca. Agora a Coopa-

Roca está começando a crescer de novo, porque teve uma época que a Coopa-

Roca deu uma caída (...) Porque assim, eu Maria, não tenho nada assim contra a

coordenadora. Porque nunca ela ficou me devendo. Mas muita gente fala porque

as pessoas pegam as coisas das pessoas e custam sempre a pagar,

(...)Quando eu entrei pra Coopa-Roca, a gente só trabalhava com retalhos, era só

retalhos. Agora não, agora já faz crochê, desde que eu entrei pra lá eu já fazia

esse trabalho, tricô, crochê, boneca de porcelana. Uma vez, ela foi receber o

presidente da Nicarágua lá em São Paulo. Foi eu, uma outra senhora, foram três

pessoas. Fizemos uma exposição. E a linha da Coopa-Roca não era nem negócio

de boneca de porcelana, tricô, crochê, mas ela falou,: não, Maria, você pode

expor seu trabalho, você bota tudo junto. (...) Até noutro dia a menina disse: a

coordenadora da Coopa-Roca falou que quer falar com você. Aí as mulheres

falaram: se você voltar pra lá, então não vai dar. Muitas pessoas não querem. (...)

87
eu não tenho nada contra ela, mas a pessoa trabalha pra ela, só trabalha pra ela,

entendeu?

É a comunidade que faz com que ela saia da Coopa-Roca e é a própria

comunidade que faz com que ela volte, não para a cooperativa, mas para um

novo trabalho, semelhante, mas com uma outra estrutura e um outro nome.

Ao contrário da emoção negativa que acompanhou o sentido de lugar, a

felicidade é o afeto positivo que predomina nas narrativas das experiências com o

trabalho na cooperativa, ligada à solidariedade.

Na lida com o outro, ela se sente responsável, tem que jogar limpo,

honestamente. Às vezes se esforça mesmo por agradar a este outro. Junto a ele,

ela age, tem força, tempo, dedicação, iniciativa. A felicidade para ela é estar

ajudando a este outro.

Felicidade pra mim é tudo. É tudo, tudo mesmo. Eu sou uma pessoa que eu gosto

de ajudar as pessoas, entendeu? O, meu Deus do céu! A pessoa chegar: aprendi

isso assim, assim. A Maria arrumou isso assim, assim pra mim. Me ensinou a

fazer. Ah! Eu fico super feliz. Eu não sou egoísta, eu não quero a coisa só pra

mim. Eu quero ajudar a comunidade. Eu tenho fé em Deus. Meu sonho, eu falei:

gente, antes de eu morrer eu quero realizar esse meu sonho. Tem menina já, que

já aprendeu comigo e falou: Maria assim que tiver o espaço, o que você passou

par mim, eu estou juntinho com você pra passar pra outras pessoas.

Tem até uma aqui junto comigo na foto, entendeu? Ela tem filho já. Até

inclusive o irmão dela também vem nessa luta junto comigo. Ela era

novinha, ela era adolescente na época, agora ela tem dois filhos. Na época

88
ela era novinha. Ela mora aqui perto de mim mesmo. Ela faz até

hoje.(mostra as fotos). É isso, nós estamos precisando de um empurrão,

entendeu?

O sonho de Maria é formar lideranças capazes de continuar seu trabalho. É

a esperança de esperançar. Para tanto sabe que sozinha não conseguirá. Pede

ajuda. Clama por um outro de fora da comunidade para consolidar

financeiramente a cooperativa. Essa ajuda já tem o sentido de uma esperança de

esperar.

O que mais chama a atenção na fala de Maria, é que ela sempre acha um

espaço para falar da necessidade de um outro, de fora do morro, que venha

ajudá-la a divulgar o trabalho do grupo fora da comunidade. É uma limitação que

o grupo tem. É preciso o trabalho de pessoas especializadas para a captação de

recurso, parcerias e contratos. O limite técnico, que pode ser confundido com um

limite mais de ordem subjetiva, de retorno à submissão, fica claro quando ela

tenta estabelecer regras para esta ajuda e a relaciona com o receio de perda de

autonomia.

(...) mas não temos assim... nós não temos uma pessoa que dê uma força pra

gente, que nos guie, entendeu? Que esteja junto com a gente, explicando assim:

é isso, é isso. Não andei em lugar nenhum ainda. E... mas é porque eu sou assim,

até as pessoa dizem: Maria, você não quer formar uma cooperativa? Eu falei: tudo

bem, eu gostaria de tivesse algumas pessoas junto nos instruindo pra gente poder

fundar uma cooperativa, nós temos só aqui a Coopa-Roca, né? Outra cooperativa

e outras mais que viessem seria melhor, né?

89
(...) A dificuldade que a gente sente, é porque a gente precisa de uma pessoa que

esteja do nosso lado entendeu? Nos ajudando, nos orientando, correndo atrás pra

gente. Porque eu só faço mesmo é produzir. Eu não tenho muito tempo.

(...) E com pessoas de fora que queira colaborar com a gente. Uma pessoa que

tenha instrução pra nos guiar, né? Divulgar nosso trabalho. Correr atrás, né?

Porque a gente não tem

O encontro com Patrícia e Viviane, duas estudantes de design que vivem

na Alemanha, é um momento importante para ela e para o grupo ao qual faz

parte. Elas são as pessoas de fora da favela que vão dar visibilidade ao seu

trabalho. Levam as peças para fora do país, divulgam através da internet,

vendem, dão retorno financeiro às artesãs.

(...) Olha, quando pareceu essa menina da Alemanha, as pessoas, Maria que

benção!

Ao contar como seu grupo foi descoberto pelas estudantes de design,

Maria ressalta o acaso do encontro e sua preocupação em garantir a

transparência do processo.

(..)Aí no dia que ela ligou ela queria vir. Eu falei: não. Você deixa pra vim amanhã

que eu vou reunir o grupo, pra eu poder apresentar o grupo pra você, os trabalho.

Aí começou. Eu levei ela em cada uma casa das artesãs. Pra ver os trabalhos.

90
No entanto, este outro, que é visto em um primeiro momento como aquele

que vai ajudá-las a crescer organizacionalmente e financeiramente, logo começa

a fazer suas imposições: exclusividade. Este outro torna-se atravessador.

(...) Eu sou uma pessoa que eu gosto de jogar limpo, entendeu? Graças a Deus,

montar um projeto ah, você Maria, todo mundo já sabe que eu sou uma pessoa

super, entendeu? Certinha. Eu não gosto de passar por cima de ninguém, certo?

Eu respeito o trabalho das pessoas, pras pessoas respeitarem o meu trabalho.

Então muitas pessoas, elas respeitam o meu trabalho porque sabem o que eu

sou, sabem a minha pessoa. Então, eu acho que tem espaço pra todo mundo a

partir do momento que cada um respeite o espaço de cada um.

Logo elas vêem que estas pessoas não vão ajudar naquilo que elas

queriam, por isso cedem apenas em parte a esta exigência. Quando recebem

telefonemas de pessoa de fora do Brasil, indicam Patrícia e Viviane como os

contatos que poderão ajudar.

As pessoas ligam até de Berlim, porque viram passando lá na Alemanha. Eu te

juro perante os meus netos que estão aqui. A Patrícia quer que passe primeiro

pela Fushico, a loja da Alemanha, que as pessoas encomendem a ela. E ela faz o

pedido pra gente. Tudo bem. Então nós não temos nem noção de como é

exportar nada. Tudo bem, é uma boa pra gente. Importante que as mulheres tão

ganhando o dinheirinho delas

Maria sabe que precisa delas, que são especialistas em design, e de

pessoas com contato social mais amplo. Porém, dentro do Brasil, a história é
91
outra. Não prometem exclusividade, querem sim, buscar uma maior divulgação de

seus produtos e um mercado que possa comprá-los, mas não sabe como fazê-lo.

(...) nós não queremos só viver de exportação. Se a gente encontrar alguém que se

interesse pelo nosso trabalho, entendeu? Que compre o nosso trabalho, ou arranje um

lugar pra gente deixar lá, uma loja pra gente poder vender e tudo. Até que seria uma boa,

entendeu? Porque a gente precisa mesmo é divulgação, né?

MEDO BOM / MEDO RUIM

É importante notar que o medo retorna neste momento, como medo de sair

da comunidade para buscar instituições que as apóiem nesta empreitada. A

mesma pessoa que desde os 15 anos de idade toma a iniciativa de ensinar e

organizar as mulheres da Rocinha em torno do artesanato como possibilidade de

expansão, tem medo de buscar ajuda com um outro que é diferente dela, que não

faz parte de sua comunidade.

Então, pra esse negocio assim de ir atrás, eu sou muito parada. Por isso que eu

falo que tinha que ter uma pessoa pra ta com a gente nos orientando. Eu sou

parada, parada, parada.

Diante deste medo ela espera. A comunidade espera por Maria, e Maria

espera por outro que venha de fora para agir também lá fora. São dois espaços

92
distintos: dentro da comunidade ela é autônoma, fora da comunidade ela precisa

que um outro aja por ela. E assim ela clama por alguém que faça pelo seu grupo

o que a socióloga fez pela Coopa-Roca.

Esta pessoa daria visibilidade ao grupo, traria divulgação, mais

compradores e, em conseqüência, um retorno financeiro para as pessoas que

fazem parte do grupo.

Pra isso a gente precisa de uma pessoa. Porque a Coopa-Roca tem muitas

pessoas, eu não tenho assim.

ONGs, empresas capitalistas de todos os portes e até governos estão hoje

debruçados na questão da captação de recursos e em oportunidades de

escoamento da produção. Vêm desta preocupação, os crescentes debates em

torno de zonas de livre comércio e o surgimento de diversos cursos de formação

de captadores de recursos para o chamado Terceiro Setor.

A ansiedade de Maria em ter alguém mais abalizado para fazer os contatos

comerciais faz parte desta tendência. Por isso espera e seu medo demonstra

cautela. Ela tem consciência de que sua competência é a produção e não a

competição por espaço no mundo da moda ou mais especificamente no universo

dos empreendimentos populares que trabalham com artesanato.

Porém também tem medo de trazer pessoas que explorem as artesãs, ela

sabe dos riscos que podem advir desta ajuda, como a exploração, a perda da

autonomia, a volta da relação patrão-empregado, a cópia das técnicas

desenvolvidas pelo grupo. Tudo isso pode comprometer seu prestígio na

comunidade e destruir anos de trabalho de conscientização.


93
Mesmo clamando por uma ajuda externa, ela deixa claro que esta pessoa

não teria plenos poderes sobre o grupo, as mulheres continuariam trabalhando

para si, não para esta pessoa. A autonomia do grupo deve ser mantida.

Eu falei: gente, deixa como está. No dia que aparecer uma pessoa que queira

trabalhar com a gente aqui dentro da nossa comunidade, que se interesse e que

valorize o nosso trabalho. Porque o meu medo mais é a gente se misturar com

essas pessoas aí, que elas são tudo macaca velha, tudo muito esperta. E você

tem um grupo legal, um grupo bacana e vem essas pessoas que já tem esses

projetos malucos aí: ah! Vamos juntar os projetos! Depois começa a me sacanear,

aonde fica a minha reputação?

O medo de Maria, que pode ser visto como um padecimento, também pode

ser um medo potencializador: de um lado revela a idéia adequada de que a

cooperativa precisa ter o trabalho especializado dentro do grupo. De outro, a

consciência de que o de fora não pode exercer seu poder, como na Coopa-Roca,

mas seria convidado a participar como um igual, sem deixar de ser diferente, ou

seja, ele teria sua função dentro do grupo, seu lugar, sem dominá-lo.

Na filosofia espinosana, somente uma paixão vence outra paixão, se for

mais forte e contrária a ela, nem mesmo uma idéia verdadeira ou a razão

consegue vencer uma paixão porque alma e corpo estão juntos e apenas uma

idéia, por mais correta que seja não consegue vencer esta união.

Na obra de Espinosa, somente uma paixão vence outra paixão, se for mais

forte e contrária a ela, nem mesmo uma idéia verdadeira ou a razão consegue

vencer uma paixão porque alma e corpo estão juntos e apenas uma idéia, por

94
mais correta que seja não consegue vencer esta união. O medo e a esperança

são afetos instáveis que deixam o espírito inquieto e jamais se cristalizam em

hábitos ou virtudes. O filósofo define a esperança como uma alegria inconstante,

nascida da imagem de uma coisa futura ou passada, cujo êxito é duvidoso. E o

medo é uma tristeza inconstante nascida da idéia de uma coisa futura ou passada

de cujo desenlace também duvidamos. Em suma, temos medo de que coisas

más ocorram e coisas boas não aconteçam e, contraditoriamente, temos

esperança de que coisas boas ocorram e coisas más não acontecem.

São, segundo Espinosa, paixões de espera, que levam à servidão, à

heteronomia, onde o ser é dirigido pelas emoções do outro. São afecções que

mantém a tirania. O medo de um futuro pior – uma contingência que pode ou não

acontecer e que não podemos controlar – nos faz nos submeter ao tirano. O

tirano vive do medo alheio, o servo vive no medo e o sacerdote apieda-se dos que

sofrem. Opor-se ao medo era, em termos políticos, rechaçar o absolutismo e, em

termos religiosos, repudiar o temor a Deus. Opor-se a esperança era combater o

cerne da religião: a promessa do reino dos céus.

São os afetos que irão aumentar ou diminuir a potência do homem em

persevera-se na própria existência.e isto se dá na relação com o outro.

O amor pelo lugar e pelo outro e a felicidade que permeia a atividade de

Maria, sua alegria em participar, em ajudar, em influenciar positivamente a vida

das adolescentes da comunidade está em luta constante com as forças externas

despotencializadoras. É o que se percebe na análise do medo, que a aprisiona

aos limites do morro, mas que a faz “pôr a boca no mundo” para defender um

jovem qualquer da comunidade, honesto e que poderia ser seu filho.

95
Com a esperança, o processo se repete. Identificamos momentos de apatia

e acomodação quando se trata de procurar ajuda externa. Também percebemos,

uma certa prudência em não comprometer a integridade e a autonomia do grupo

com esta colaboração de fora, mas quando se trata de projeto para o futuro e da

atuação dentro da Rocinha, a esperança de Maria muda de tom. Ela se torna,

ativa, guerreira, desafia a lógica do sistema dominante ao propor uma saída para

esta juventude que não seja o tráfico de drogas.

Aqui, a esperança citada anteriormente como uma paixão de espera que

leva o homem à servidão adquire outro significado. Paradoxalmente, a esperança

que aparece com grande força na fala de Maria tanto pode expressar sua

servidão como sua busca por autonomia.

O substantivo “esperança” tanto pode derivar do verbo esperar quanto do

verbo esperançar. O educador Paulo Freire distingue a esperança de esperar da

esperança de esperançar, afirmando que a primeira é uma esperança passiva

enquanto a outra, uma esperança ativa26.

A solidariedade impulsiona a esperança de esperançar.

Eu quero ajudar a comunidade. Claro, me ajudar também. Mas meu sonho é ver a

comunidade feliz, as pessoas, essas meninas sabendo, aprendendo uma

profissão, entendeu? Ganhando o dinheirinho com o próprio suor. Elas têm que

aprender ganhar com o próprio suor e ter o dinheirinho delas, né? Não é fácil,

ganhar dinheiro fácil. Que isso também não dá certo. Tem que lutar, né?

26
Sobre a diferença entre esperança de esperar e esperança de esperançar ver palestra proferida por
Sawaia no Conselho Regional de Psicologia de Campinas. mimeo 2004
96
É, não é fácil ganhar dinheiro fácil. Também não é fácil convencer os

jovens de que o repetitivo gesto de emendar tecidos com agulha e linha pode

significar trabalho honesto, dignidade, futuro. Pior ainda quando não consegue

escoar a produção para que as artesãs tenham receita com certa regularidade.

Quando consegue, o reconhecimento da comunidade é um bálsamo que a inspira

a continuar na batalha. A felicidade e a solidariedade se confundem.

(..) Felicidade pra mim é tudo. É tudo, tudo mesmo. Eu sou uma pessoa que eu

gosto de ajudar as pessoas, entendeu? O, meu Deus do céu! A pessoa chegar e

dizer: aprendi isso assim, assim. A Maria arrumou isso assim, assim pra mim. Me

ensinou a fazer. Ah! Eu fico super feliz. Eu não sou egoísta, eu não quero a coisa

só pra mim. Eu quero ajudar a comunidade. Eu tenho fé em Deus.

Lentamente ela vai contagiando as pessoas e sua esperança já é coletiva,

formando um “comum” de desejos.

Tem menina já, que já aprendeu comigo e falou: Maria assim que tiver o espaço,

o que você passou par mim, eu estou juntinho com você pra passar pra outras

pessoas.

Daqui pra frente, meu sonho é ver essa ONG dar certo. Transformar numa

cooperativa, tudo. O que vier vai ser bem vindo. Alguém que se interesse pra

juntar, ajudar na cooperativa. Nós queremos é botar o trabalho pra frente,

começar a desenvolver os trabalhos com a comunidade, com os adolescentes,

com a 3ª idade também, entendeu?

E ela vai esperançando.


97
98
C ONSIDERAÇÕES F INAIS

A A UTO - GESTÃO COMO P OTÊNCIA DE A ÇÃO

“A felicidade não é o prêmio da virtude, mas a


própria virtude; e não gozamos dela por refrear as
paixões, mas, ao contrário, gozamos dela por poder
refrear as paixões”

Espinosa

99
A expressão “na prática a teoria é outra coisa” é o que me vem em mente

ao comparar a vasta literatura sobre cooperativismo com a situação por que

passa as costureiras da Rocinha. Nestas considerações finais, colocarei algumas

idéias para que possamos avançar neste processo de busca por soluções

emancipadoras para vencer a imensa desigualdade social em que vivemos.

As dificuldades enfrentadas no cotidiano; a cruel competição com o

mercado capitalista; os longos períodos de “vacas magras” provocados tanto pela

grande quantidade de empreendimentos disputando o mesmo naco de espaço no

ainda pequeno reino das empresas que se dizem socialmente responsáveis,

quanto pela própria crise econômica que tem abalado ate grandes grupos

empresariais; muitas vezes colocam em segundo plano o ideal de aprender e

crescer em conjunto e a alegria da solidariedade.

Cumprir prazos, atingir metas de produção e qualidade e atender as

expectativas do cliente, que é uma empresa comercial criada na lógica do lucro,

pode levar a cooperativa aderir a uma relação do tipo patrão/empregado em vez

de estimular a autogestão e o debate para a solução coletiva dos problemas. O

ritual de busca de apoios e patrocínios e organização de feiras e eventos, cada

vez mais profissionalizado pelo chamado Terceiro Setor, estimula as pessoas

humildes, que procuraram na cooperativa o sopro de vida digna em meio a

miséria, a buscar por colaboração especializada, gente estudada, com acesso a

informação e ao dinheiro que possam trazer visibilidade ao trabalho desenvolvido.

100
Esta ajuda pode garantir bons negócios, mas pode também desagregar e

ameaçar a autonomia e a tecitura solidária do grupo.

Por estar na mais famosa favela brasileira e uma das que mais recebe

projetos sociais, Maria já tem experiência suficiente para perceber os perigos em

torno do seu projeto social.

Analisando a processualidade dos sentidos que foram se configurando

na medida em que ela foi afetada pelas diversas instituições por onde passou

vemos que a participação na Coopa-Roca deu vazão ao ideal de solidariedade

que já existia em Maria. Ela era solidária muito antes de descobrir a cooperativa.

Mas foi na cooperativa que percebeu o poder que a criatividade das costureiras

tem, descobriu o potencial e o valor mercadológico do trabalho manual e, ao

mesmo tempo, percebeu que o crescimento econômico do grupo passa pela ação

em parceria com outros setores da sociedade.

É interessante observar que na cooperativa existente há mais de 20

anos e cujo sucesso comercial é incontestável, Maria não desenvolveu o lado

afetivo e sim o comercial.

Dozzi (2003) pesquisou uma cooperativa de costura na região do ABC

paulista formada por mulheres em situação de exclusão social que, ao mesmo

tempo em que tornam-se capazes do exercício de uma administração auto-gerida

de uma "empresa coletiva", vêm apresentando dificuldades de sobrevivência no

mercado capitalista. Durante toda a intervenção investigativa, a pesquisadora

observou que os sentidos revelados por estas mulheres, apontavam para a

cooperativa enquanto um espaço de re-significação do trabalho e das relações

interpessoais que aí se configuram. Mesmo sem ganho financeiro, as mulheres

101
continuavam a freqüentar a cooperativa porque identificavam ali um espaço de

afetividade e de potência de vida.

Analisando as cooperativas agrárias de pequeno porte, e de produção

direta que têm sido muito incentivadas na sua criação por organismos

governamentais e não-governamentais, Albuquerque (2005) concluiu que

diferentemente do que afirmam os representantes destes organismos, estas

cooperativas criadas a partir de influências externas, tendem a fracassar. E Esta

tendência deve-se, principalmente, à forma como são constituídas e à falta de

participação efetiva de todos os sócios.

Mesmo estando longe do fracasso, a Coopa-Roca é vista pelas ex-

participantes como espaço de participação apenas relativa. A influência da

coordenadora é referência constante quer como a pessoa que conseguiu

transformar o grupo no sucesso que é hoje, quer como aquela que controla os

pagamentos e a chegada de outras pessoas de fora da comunidade no grupo.

Sendo um espaço apenas para ganhar dinheiro, em época de vendas

fracas, a insatisfação aumenta e as desistências também, porque perde-se de

vista o objetivo revolucionário deste tipo de empreendimento. Rosa Luxemburgo

em “Reforma ou Revolução?” (1946) já decretava que a morte das cooperativas

de produção vem da necessidade contraditória dos operários governarem a si

mesmos. “É desta contradição que morre a cooperativa de produção, quer pela

volta à empresa capitalista, quer, no caso de serem mais fortes os interesses dos

operários, pela dissolução” (apud Singer, 2000).

Para Maria, que já carregava o espírito solidário, a cooperativa ensinou

uma lição. Aprendeu que este trabalho pode ser rentável e passou a buscar a

criação de outra cooperativa para oferecer bons encontros potencializadores de


102
vida às jovens da favela, em que o resultado financeiro pudesse ser combinado

com autonomia das pessoas. Logo, o trabalho manual não pode ter um fim em si

só. É preciso que se transforme em potência de vida para as adolescentes e para

as senhoras da terceira idade. Além de ser uma bandeira de luta constante contra

a violência, identificada pelas moradoras como o principal problema da

comunidade.

Identidade segundo Ciampa (1987), é movimento, é desenvolvimento

do concreto... é metamorfose, mas é transformação na permanência. Não há

como negar que o processo de participação na Coopa-Roca influenciou Maria. Ela

tem novos problemas hoje, precisa de parcerias, quer recuperar o controle das

exportações de suas peças, quer preparar o desfile da nova coleção, necessita de

uma sede, teme que as pessoas que se propõem a ajudar ajam de má-fé e

copiem as idéias desenvolvidas pelo grupo ou ainda que prejudiquem o trabalho

do grupo e comprometam a sua imagem na comunidade. São preocupações

novas para aquela mulher que desde os 15 anos reúne as meninas para ensinar

tricô e crochê.

Na prática, Maria reiterou que alguns princípios cooperativistas não

podem ser encarados apenas como uma carta de intenções ou um quadro na

parede da sala de reuniões. A adesão livre e voluntária, o controle democrático

pelos sócios, a participação econômica dos sócios, a autonomia e independência,

a preocupação com a formação, o treinamento e a educação do grupo, a

cooperação e a preocupação com a comunidade são o eixo central de um

empreendimento que queira conduzir seus membros para a autonomia.

Sawaia (2001) afirma que a participação é definida na sociedade e na

subjetividade, dentro e fora do indivíduo, tendo como pressuposto o encontro pois


103
é na relação que a participação acontece. Considerando como pressuposto que a

participação é imanente à condição humana, participar é uma necessidade, uma

condição para o homem ser livre.

Participar para não ser governado, para viver em alegria de não


ser comandado e para evitar que o desejo de não ser governado
de uns, transforme-se em desejo de governar e o poder se
personalize (SAWAIA, 2001: 123)

Na cooperativa (que ainda não pode usar este nome porque não está

legalizada como tal) que Maria coordena, esta participação conquistada nos bons

encontros está mais presente. A alegria, que conduz o homem a superar a

passividade, está em luta constante com as paixões tristes, como o medo e a

esperança. As ações mais fortes do ponto de vista das questões internas da

comunidade e da produção da cooperativa mostram sinais de que se caminha

para a liberdade, mas em relação as questões externas, de comercialização e

visibilidade do grupo, as paixões tristes ainda dominam.

Nesta processualidade, as costureiras precisam atrair as coisas que

aumentam a potência de existir e ao mesmo tempo afastar-se daquelas que

causam sofrimento.

Nesta perspectiva, a autogestão é o princípio fundamental que deve

nortear a cooperativa a desenvolver a potência de ação.

A cooperativa para existir como tal deve surgir da vontade espontânea

de seus membros. Deve ser um espaço de afetividade, de aprendizado, de ação e

de escuta onde cada um pode falar com a própria boca, com suas próprias

palavras. Deve abolir a ordem de sujeição que foi imposta ao trabalhador a vida

inteira. Na autogestão ele deixa de ser subordinado, embora haja funções e

104
competências diferentes. É preciso realizar a transformação das pessoas

envolvidas para uma passagem necessária da submissão a autonomia. Uma

transformação que ocorra em diversas dimensões, capaz de mudar a forma de

sentir, de desejos, vontades, relações e intersubjetividades de forma que os

participantes da cooperativa contem com a ajuda de especialistas e compitam no

mercado, sem perder a liberdade e as relações de solidariedade.

105
R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, J.F.M. Considerações não-ortodoxas sobre as cooperativas e o

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109
Anexo 1

Principais eventos dos últimos anos:

Desfile COOPA-ROCA no São Paulo Fashion Week, com direção de estilo de Marcelo Sommer, junho 2003 e
fevereiro 2004;
Workshop e Performance, Teatro Volksbuhne, Berlin, Alemanha, novembro 2003;
Exposição REtalhar 2002, SESC Belenzinho/São Paulo/julho a setembro 2002, Rio Design Barra/novembro 2002
a janeiro 2003, Centro Cultural Justiça Federal abril a junho 2003;
Desfile Fashion Rio, julho 2002;
Participação especial na exposição Morro Labirinto, do Goethe Institut Rio, Paço Imperial, Rio de Janeiro, março
2002;
Participação especial no Desfile da M.Officer, São Paulo Fashion Week, janeiro 2002;
Participação especial no Desfile de Carlos Miele, London Fashion Week, set 2001;
Desfile COOPA-ROCA & M.Officer, Semana Barrashopping de Estilo, Rio de Janeiro, julho 2001;
Participação especial no Desfile da M.Officer, São Paulo Fashion Week, janeiro 2001 e junho 2001;
Participação especial no Desfile da Amazon Life, Rock in Rio, janeiro 2001;
Exposição Design nos 500 Anos, Pinacoteca do Estado de São Paulo, dezembro 2000;
Decoração de Natal do Metrô do Rio de Janeiro, dezembro 2000;
Exposição REtalhar 2000, Galeria do Parque das Ruínas, abril 2.000, Rio de Janeiro e Galeria
do SENAC-Esmod, São Paulo, julho 2000;
Participação Exposição "A culpa é do Pau Brasil", Semana Barrashopping de Estilo, Rio de Janeiro, julho 2.000;
Participação especial no Desfile da M.Officer, no Morumbi Fashion, junho 2000;
FIDEM’99 (Feira Internacional de Empresárias), Granada/Espanha, outubro 1999;
Premiação "Mulher, Pequena Produção e Desenvolvimento", Representante do Brasil na Pesquisa coordenada
pela REPEM (Rede de Educação Popular entre Mulheres da América Latina e Caribe), Montevideo/Uruguai,
dezembro 1998;
Semana Barrashopping de Estilo, Barrashopping, Rio de Janeiro, agosto 1998;
Produção cenográfica da cantora Fernanda Abreu/tourné Brasil e Europa 1998;
Participação especial na exposição de fotografias do estilista alemão Karl Lagerfeld, a convite do Goethe Institut,
MAM-Rio de Janeiro, agosto 1997;
Exposição "Brahma Reciclarte", Jardim Botânico-Rio de Janeiro, outubro/novembro 1997
Exposição "Desenvolvimento Sustentável : 100 Experiências Brasileiras", Consulta Nacional/Agenda 21, no
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Rio de Janeiro, março 1997;
Desfile lançamento quiosque Riosul, Centro Cultural Banco do Brasil/Rio de Janeiro, novembro 1995;
Desfile Hause Der Kulturen Der Welt/Berlin, Alemanha, março 1995;
Desfile Semana de Estilo/Museu Nacional de Belas Artes/Rio de Janeiro, setembro 1994;
Desfile Phytoervas Fashion/São Paulo, julho 1994;
Desfile Moda Mix, Fundição Progresso/Rio de Janeiro, abril 1994;
Exposição ¨Artesãs da Rocinha¨, Solar Grandjean de Montigny/PUC-Rio, Rio de Janeiro, outubro 1990;
Exposição ¨Retalho:Feminino, Plural¨, Instituto Nacional do Folclore FUNARTE/Ministério da Cultura, Rio de
Janeiro, setembro 1987;
Parceiros para o Progresso, XIV Feira de Berlim, Alemanha, setembro 1986.

Fonte: Coopa-Roca. Disponível no endereço eletrônoco http://www.coopa-roca.org.br/eventos_lista01.html

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Anexo 2

Fonte: Artigo publicado no site do jornal alemão Welt am Sontag em 23 de maio de 2004. Disponível em:

http://www.wams.de/data/2004/05/23/281327.html

111
Anexo 3

Fonte: Notícia publicada no site do jornal alemão Kölnische Rundschau, em 19 de outubro de 2004. Disponível em:

http://www.rundschau-online.de. Nota: o conteúdo do texto é idêntico ao artigo publicado por outro jornal alemão em maio

do mesmo ano.

112
Anexo 4

113
114
Fonte: Viva Favela. Disponível em: http://www.vivafavela.org.br

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