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RESENHA

WORLD SYSTEM ANALYSIS: AN INTRODUCTION


WALLERSTEIN, I. World System Analysis: an introduction. Duke University Press
Books,Year: 2004. Cap 3.

Capítulo 3

Em vez do conceito de estado-nação, até então utilizado pelas ciências


sociais, o sociólogo estadunidense Immanuel Wallerstein desenvolveu, na década de
1970, a teoria do sistema-mundo para a análise do mundo capitalista moderno. O
sistema-mundo estuda as interdependências das nações, seus diferentes graus de
desenvolvimento baseado na exploração de umas nações sobre as outras e na divisão do
mundo em países centrais, semiperiféricos e periféricos. A mudança epistemológica
desta teoria está em analisar os processos históricos de forma abrangente e não como
campos distintos como política, sociologia, economia e história.
Na obra “World System Analysis: an introduction”, o autor apresenta uma
visão geral de sua teoria e no capítulo 3 aborda a ascensão do sistema de estados-nação,
soberania e sistemas inter-estados. Wallerstein afirma que o estado moderno é um
estado soberano e que soberania é um conceito que foi inventado. Ele remete a ideia de
um poder estatal autônomo, mas, de fato, os estados compõem um círculo maior de
estados que se inter-relacionam, portanto, é preciso investigar o grau e o conteúdo dessa
autonomia presumida.
O surgimento das "novas monarquias" na Inglaterra, França e Espanha no
final do século XV seria o início do sistema mundial moderno. E as relações entre os
estados teria começado com a diplomacia italiana e a paz na Westphalia, em 1648,
assinada pela maioria dos estados europeus da época. O absolutismo e suas estruturas
centralizadoras tinham o poder de cobrar impostos, criar leis, burocracias e utilizar de
violência para manter sua estrutura local, mesmo assim – apesar do termo absoluto –
não tinham o poder de fato, pois precisavam se relacionar com outros países e ser
reconhecidos por eles.
A soberania é, portanto, uma reivindicação de autoridade interna e
externamente, determina que dentro daquela fronteira física nenhum outro estado tem o
direito de interferir em seus assuntos domésticos. No entanto, como em toda
reivindicação, a soberania só tem significado se for reconhecida pelos outros países. No
sistema mundial moderno, a legitimidade da soberania requer reconhecimento recíproco
e este é um fundamento do sistema inter-estado.
A reciprocidade também opera internamente: as autoridades locais precisam
reconhecer a autoridade central como legítima, em muitos locais isso é definido por uma
Constituição ou outra lei específica que determine a divisão de poderes. Se o
reconhecimento não ocorre, o colapso pode chegar a uma guerra civil.
O autor destaca que, “do ponto de vista dos empresários que atuam na
economia mundial capitalista, os estados soberanos afirmam autoridade em pelo menos
sete arenas principais de interesse direto para eles: (1) Os Estados estabelecem as regras
sobre, se e em que condições mercadorias, capital e trabalho podem cruzar suas
fronteiras. (2) Eles criam as regras relativas aos direitos de propriedade dentro de seus
estados. (3) Eles estabelecem regras relativas ao emprego e à pensão dos empregados.
(4) Eles decidem quais custos as empresas devem internalizar. (5) Eles decidem que
tipos de processos econômicos podem ser monopolizados, e a que nível. (6) Eles
tributam. (7) Finalmente, quando as empresas com base em seus limites podem ser
afetados, eles podem usar seu poder externamente para afetar o decisões de outros
estados”. (pág. 45)
Apesar de os capitalistas afirmarem que os governos não devem interferir no
mercado, o que se observa é que, no movimento transfronteiriço (item1) de
mercadorias, capitais e pessoas, qualquer decisão de governo favorecerá uma das partes
envolvidas, não há neutralidade possível. O mesmo vale para os demais itens. Por isso,
sem algumas proteções garantidas pelo estado, o sistema capitalista não pode funcionar.
Na medida que bens, capital e pessoas ultrapassam fronteiras, as empresas
não são afetadas apenas pela política de seus estados, mas também pela dos estados com
os quais negocia. As empresas estrangeiras podem lidar com os diversos governos de
forma direta como fazem em seu país de origem (ou seja, com suborno, pressão política
ou troca de vantagens) ou de forma indireta, se a empresa tem origem em um país forte,
ela pode pedir para que o seu governo pressione o governo do outro país.
O sistema capitalista prevê um modo de dividir o excedente valor que é
produzido. Quanto maior for a parcela destinada à acumulação de capital, menor será
alocado como compensação para aqueles que trabalharam, criando a mais-valia. Essa
divisão não será de 100 para um lado e zero para o outro. A gama possibilidades
intermediárias estimulará uma luta constante sobre a alocação da mais-valia, chamada
de luta de classes. O estado é um ator central na variação dessa alocação.
A Revolução Francesa trouxe as duas mudanças fundamentais na geocultura
do sistema-mundo: criou o conceito de progresso, bastante utilizado pelo Iluminismo, e
reorientou o conceito de soberania como sendo uma legislatura voltada ao povo,
definido como cidadão. Ser cidadão significa ter o direito de participar das decisões do
estado, em igualdade com todos os outros cidadãos. Mas, ainda hoje, nem todas as
pessoas são cidadãs plenas, há muitos excluídos.
Da Revolução Francesa saíram três grupos ideológicos: Conservadores,
liberais e radicais (anti-sistêmicos). Desses, foram os liberais que dominaram a cena do
sistema-mundo a maior parte do tempo. A movimentação dessas tendências eram
afetadas pela força do estado em que se encontrava. Wallerstein define essa força como
a capacidade de fazer com que as decisões legais sejam executadas, como a capacidade
de receber o imposto cobrado, ou seja, países com alta evasão fiscal seriam mais fracos,
teriam menos capacidade de manter a sua burocracia, estariam mais facilmente expostos
à corrupção e a perder o controle do país, por exemplo, para os militares. Não por conta
de políticas erradas, mas pela fraqueza endêmica das estruturas do estado em zonas
onde a grande maioria dos processos de produção são periféricos e são, portanto, fontes
fracas de acumulação de capital.
O autor destaca que essa fraqueza impulsiona poderes locais não-estatais,
como as máfias, que monopolizam setores e atuam para acumular o capital entre o ilegal
e o legal. Uma das maneiras pelas quais os estados tentam reforçar sua autoridade e
diminuir o papel das máfias é transformar sua população em uma "nação". O status de
estad0-nação é um desejo dos países porque o nacionalismo é uma identidade de grupo
crucial para manter o sistema-mundo moderno.
Todos os estados são soberanos, mas os estados fortes pressionam os
estados fracos para manter os fluxos dos fatores de produção que são úteis e lucrativos
para as empresas dos estados fortes, resistindo a qualquer demanda de reciprocidade. A
mesma pressão ocorre na política interna, educacional e financeira, entre outras. É a
relação de colônia justificada pelas potências com argumentos racistas de superioridade
cultural e o papel civilizador das metrópoles.
A relação entre países fortes apresenta uma contradição, segundo
Wallerstein. Eles são rivais, competem entre si, mas estão unidos na manutenção do
sistema-mundo e no fluxo de exploração dos países fracos. Um papel especial cabe aos
países semiperiféricos que precisam fazer alianças e cuidar das oportunidades
econômicas para se fazerem relevantes no jogo, tanto como produtores, acumuladores
de capital ou força militar. Os semi-periféricos, de fato, competem uns com os outros.
Existem duas maneiras pelas quais um país forte pode realizar deu domínio:
(1) transformando a economia mundial em um império mundial, ou seja, uma única
autoridade política para todo o sistema-mundo (o que nunca aconteceu) ou (2) obtendo a
hegemonia, ou seja, estabelecendo as regras do jogo no sistema inter-estados para
dominar a economia, a política e a cultura do sistema mundo. No livro ele cita os
Estados Unidos em meados do séc. XX.
Wallerstein termina o capítulo explicando por que nenhum país conseguiu
chegar a ser um império mundial e por que as hegemonias duraram pouco. Para ele, isso
ocorreu porque a estrutura peculiar de uma economia mundial (divisão de trabalho
única; múltiplas estruturas estatais, embora dentro de um sistema inter-estados; e várias
culturas, embora com uma geocultura) é peculiarmente consoante com as necessidades
de um sistema capitalista.
Um império mundial iria sufocar o capitalismo ao colocar a estrutura
política como prioridade em vez do acumulo de capital. Já a hegemonia, apesar de ser
lucrativa para as empresas ligadas ao poder hegemônico, principalmente as
monopolistas, não resiste muito tempo porque é caro manter as eficiências necessárias e,
ao mesmo tempo, os outros países também melhoram suas eficiências reduzindo a
superioridade entre eles. Nesse momento, o hegemônico é forçado a usar o poder
militar, o que é considerado um sinal de fraqueza tanto externa como internamente.
A economia capitalista precisa dos estados, do sistema de relação entre eles
e do aparecimento periódico de potências hegemônicas. Mas, a prioridade dos
capitalistas nunca é a manutenção de qualquer uma dessas estruturas. A prioridade
permanece sempre na acumulação de capital, o que é melhor alcançado por uma
mudança constante no conjunto de dominações políticas e culturais dentro do qual as
empresas capitalistas obtém apoio dos estados, mas procura limitar seu domínio.

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