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D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v11n4a2
1
UENF. Cognição e linguagem. Campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro. Brasil.
evandroadv2009@hotmail.com
2
ISECENSA. Psicologia. Campos dos Goytacazes. Rio de Janeiro. Brasil.
erikacostabarreto@yahoo.com.br
ABSTRACT - This article has the goal of introduce considerations of the moral limits of
the genetic manipulation in approach the platonics ideals until the most modern thinks of
the north-american philosopher Michael Sandel, and this, against the newest techniques
and discoveries of the biomedicine and genetic engeneering and above all, in the prism
of the law and bioethics.
1. Introdução
Na Idade Antiga, Hipócrates (460 – 370 a.c.) defendia a hipótese do Pangênese, segundo o
1
Vocabulário técnico e crítico da filosofia. André Lalande. – 3º ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1999.
2
A Companion to Bioethics. Second edition. 2009. P. 4.
3. Problema
A partir de agora adentraremos num dos assuntos mais discutidos no âmbito da bioética,
para chegarmos ao nosso escopo principal, que diz respeito à questão dos limites morais da
manipulação genética, um sonho antigo dos homens que se tornou realidade no século
passado.
Falemos então sobre a eugenia, um termo que vem do grego e que traduz, segundo
consta no dicionário Michaelis, a “Ciência que se ocupa com o estudo e cultivo de condições
que tendem a melhorar as qualidades físicas e morais de gerações futuras, especialmente
pelo controle social dos matrimônios” 4.
Esse conceito, que por si só já é polêmico, principalmente em virtude das ações
empreendidas com vistas a esses objetivos em determinados momentos da nossa história,
foi forjado, segundo alguns membros da comunidade científica por Francis Galton (1822 –
1911), que não foi o primeiro a pensar em colocá-la em prática, visto que já na antiga
Grécia, o filósofo Platão, em sua magnífica obra A República almejava uma sociedade se
aperfeiçoando por processos seletivos, porém, Platão planejava uma classe elitizada, que
seria a classe dos guardiões, ou seja, a eugenia de Platão não estava direcionada a toda a
sociedade.
Galton acreditava ser possível evitar problemas de doenças e garantir
melhoramentos da espécie humana evitando cruzamentos indesejáveis, mas o que nos
inquieta hoje é que a engenharia genética já é capaz de aperfeiçoar o indivíduo,
independentemente dos cruzamentos.
3
Idem. P. 5.
4
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues
portugues&palavra=eugenia. Consultado em 15/02/2016.
[…] God has framed you differently. Some of you have the power of
command, and in the composition of these he has mingled gold, wherefore
also they have the greatest honour; others he has made of silver, to be
auxiliaries; others again who are to be husbandmen and craftsmen he has
composed of brass and iron; and the species will generally be preserved in
the children. But as all are of the same original stock, a golden parent will
sometimes have a silver son, or a silver parent a golden son. And God
proclaims as a first principle to the rulers, and above all else, that there is
nothing which they should so anxiously guard, or of which they are to be
such good guardians, as of the purity of the race. Such is the tale; is there
any possibility of making our citizens believe in it? (PLATO, 2008, book V).
The proper officers will take the offspring of the good parents to the pen or
fold, and there they will deposit them with certain nurses who dwell in a
separate quarter; but the offspring of the inferior, or of the better when they
chance to be deformed, will be put away in some mysterious, unknown
place, as they should be. (IDEM).
Segundo Glauco, no diálogo com Sócrates, esse seria o meio eficaz para preservar a
pureza da raça dos guardiões.
Além disso, foram traçadas por Campanella algumas diretrizes básicas para o
sucesso nos cruzamentos, como por exemplo, o que fora apresentado no diálogo entre o
Ospitalario (Grão Mestre) e o Genovese (Almirante) no livro poético:
5
Ibidem.
6
Ibidem.
Na década de 1930, com a ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, seu livro
de doutrina política, Mein Kampf, foi lido pela maior parte da população alemã como uma
bíblia.
Naquele momento importante da história do mundo, a sociedade germânica estava
sendo completamente influenciada pelos aspectos legais norte-americanos, e pela obra do
"Conde de Gobineau" intitulada como Essai sur l'inégalité des races humaines (1855), em
português Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, considerada por muitos como
um dos primeiros trabalhos sobre eugenia e racismo publicados no século7.
Como já vimos, o que se prezava na época era a pureza da raça Ariana, que
contrariamente ao que propusera Platão, visava um melhoramento genético que englobasse
todo o povo alemão, o que permite a observação de que no entendimento do governo do
Terceiro Reich as pessoas também não deveriam se misturar, mas sim realizar cruzamentos
segundo um rigoroso critério:
Every animal mates only with a member of the same species. The titmouse
seeks the titmouse, the finch the finch, the stork the stork, the field mouse
the field mouse, the dormouse the dormouse, the Wolf the she-wolf, etc.
(HITLER, 1943. P. 284).
7
J.A.Gobineau: "Moral and intellectual diversity of races." J.B.Lippincott & Co, Philadelphia (1856). (P
.337/338).
Nesse interim, cabe mencionar a tentativa de criação de uma raça perfeita pela Irma
do filósofo Friedrich Nietszche, a partir de uma ideologia oriunda do compositor preferido de
Adolf Hitler, nada mais nada menos do que Richard Wagner, e isso foi experimentado aqui
na América do Sul, como pode ser conferido:
“In Paraguay there is an isolated village with an unusual name: Nueva
Germania, New Germany. Its inhabitants look quite different from their
neighbors. Many have bold hair and blue eyes. Their names are not
Spanish, but are more likely to be Schutte or Neumann. These people
are the descendants of an experiment, an experiment in improving
humanity. Their ancestors were chosen from the people of Saxony in
1886 by Elisabeth Nietzsche-sister of the philosopher, who himself
uttered the immortal phrase “What in the world has caused more damage
than the follies of the compassionate”? – The idea was suggested by
Wagner (who planned to visit, although he never did). They were
expected to found a community so favored in its genetic endowment that
it would be the seed of a new race of superman”. (JONES, 1944, P. 224).
O referido autor chegou a mencionar em sua obra que: “No serious scientist now has
the slightest interest in producing a genetically planned society. But the explosion in
knowledge means that society will soon, like it or not, be faced with ethical problems of the
kind comprehensively ignored by the founders of eugenics”10.
8
Ibidem.
9
Ibidem.
10
Ibidem. (P. 225).
O pretexto para a decisão do casal era que as duas (eram duas mulheres) eram
acometidas da deficiência auditiva absoluta, todavia se orgulhavam dessa característica,
sustentando que esse era um traço de identidade dos membros da comunidade do orgulho
surdo.
A propósito, devemos nos atentar para um ponto importante nessa história toda, o
fato de que temos aqui um caso de autoritarismo, não do Estado, mas por parte dos
indivíduos, o que denota um problema moral.
Diante do exposto acima, cabe-nos imaginar os seguintes casos hipotéticos para que
possamos analisar a questão dos limites morais da manipulação genética:
1- Casal heterossexual e ambos surdos quer ter um filho. Há algo de imoral
nisso?
2- Homem heterossexual que é surdo procura uma mulher surda para a
finalidade de ter uma prole surda. Há algo de imoral nisso? Observem que
nesse caso não houve apelo a biotecnologia.
Contra a tese do casal que projetou um filho surdo há várias argumentações: em
primeiro lugar, uma coisa é querer ter um filho com características parecidas com a dos
progenitores (biológicos ou mesmo os que adotam), outra coisa é querer um deficiente, ao
passo que, vale também a assertiva, por mais absurdo que isso possa parecer, de que eles
poderiam deixar o filho crescer e escolher ser surdo quando tivesse maturidade para auferir
tal juízo.
Entre diversos dilemas, o filósofo abarca o fato de que o nosso conhecimento
genético, tão aprimorado nos últimos anos, nos permite manipular nossa própria
natureza, ou seja, “[...] to enhance our muscles, memories, and moods; to choose
the sex, height, and other genetic traits of our children; to improve our physical and
cognitive capacities; to make ourselves "better than well11”, e, conforme a opinião do
11
Idem. (P. 6). A frase “melhor do que a encomenda” (better than well) é Carl Elliot, Better Than Well:
What exactly is wrong with creating a child who is a genetic twin of his or her
parent, or of an older sibling who has tragically died, or, for that matter, of an
admired scientist, sports star, or celebrity”. (IBIDEM).
American Medicine Meets The American Dream (Nova York: W.W. Norton, 2003, que, por sua vez,
cita Peter D. Kramer, Listeningto Prozac, ed. Rev. (Nova York: Penguin, 1997).
12
Jones, Steve. The lenguage of genes: Solving the mysteries o our genetic past, presente and future. Anchor
Books. 1944. (P. 228)
13
Idem. (P. 21).
Nesse sentido, o autor condena até mesmo a prática eugênica para fins desejáveis,
tomando como exemplo o talento musical e aptidão para esportes, e assevera que mesmo a
escolha dos pais por essas qualidades viria a conduzir a prole a uma escolha de vida
determinada, negligenciando a autonomia do indivíduo, violando o direito de escolha e
liberdade daquele ser.
Existem, todavia, melhoramentos almejados por nós que não seriam nada além de
benéficos para nossa espécie, como a eliminação de doenças hereditárias e características
físicas limitadoras, como baixa estatura, obesidade e outras como problemas de visão. Que
mal haveria nisso?
A galopante evolução de várias esferas da ciência, direcionam pesquisadores a
acreditar ser possível descartar tais características genéticas indesejadas, para que
tenhamos uma vida melhor, o que não se confunde com o projeto embrionário de eugenia
desde os gregos (de cunho militar e dominador), transpassando os pensadores de séculos
posteriores, até o surgimento do Nazismo (também de cunho militar, mas ideológico racial),
sua queda e os dias de hoje.
Em se tratando do lado bom de se pensar a eugenia, são apresentadas por Sandel
questões que não somente filósofos e pensadores alguma vez chegaram a pensar, mas
também pessoas do senso comum, como por exemplo:
Would sex selection under those conditions be unobjectionable? What if
it became possible to select not only for sex but also for height, eye color,
and skin color? What about sexual orientation, IQ, musical ability, and
athletic prowess? Or suppose that muscle enhancement, memory-
enhancement, and heightenhancement technologies were perfected to
the point where they were safe and available to all. Would they cease to
be objectionable? (IDEM).
Nessa linha, até que ponto seria moral melhorar a espécie humana através da
engenharia genética, tendo em vista que isso torna o problema atual diferente da proposta
de Platão?
14
Sandel. M. J. Justice: what´s the right thing to do?. Farrar, Straus and Giroux. New York. 2009. (P. ver com
júlio). Na versão traduzida está entre 36/39).
Personal DNA patterns can track down damaged genes and allow parents to
choose whether to risk having a child with an inborn disease. Nearly five
thousand such diseases are known and if we include, as we should, all
ailments (such as cancer and heart disease) which have an inherited
component, then most people die because of the genes they carry”. (IDEM).
Através do conhecimento já alcançado pela ciência é possível sanar todo esse mal
[...] a eugenia, um tema que parecia ter sido extinto ao final da Segunda
Grande Guerra com a queda do império nazista, todavia encontra-se cada
vez mais atual. De fato, pode-se afirmar que jamais deixou de ser atual, pois
acompanha o homem por toda a sua evolução. Na verdade, o instinto
eugênico é inerente a todos os animais, assim como o instinto de
sobrevivência. (ALBUQUERQUE, 2011)
This moral theory starts from an account of the good life, or the
intrinsically desirable life. And it characterizes this life in a distinctive way.
Certain properties, it says, constitute human nature or are definitive of
humanity—they make humans human. The good life, it then says,
develops these properties to a high degree or realizes what is central to
human nature. Different versions of the theory may disagree about what
the relevant properties are and so disagree about the content of the good
life. But they share the foundational idea that what is good, ultimately, is
the development of human nature. (HURKA, 1993, P. 3).
Por fim, uma questão que paira sobre nosso trabalho, porém será abordada em outra
oportunidade: Seria moralmente permissível não desejar a perfeição?
A partir do modelo de perfeição adotado é que seriam determinados os cruzamentos
para a finalidade de se atingir o que se almeja dos resultados genéticos, e, nesse sentido
deve haver um limite moral para que não seja desordenadamente possível a determinação
dos pais, e por parte do Estado, para o que os filhos irão ser, ou como irão nascer em
relação as suas características físicas (altura, cor dos olhos etc.) e ou habilidades como
(velocidade, inteligência, memória, entre outras).
Segundo o imperativo categórico de Kant, o Estado deve se justificar perante o
indivíduo, daí não se admitir medidas eugênicas determinadas pelo Estado, mas o que fazer
diante da facilidade atual de se praticar eugenia entre particulares, sem que o próprio
Estado venha a ser consultado?
5. PERORAÇÃO
Acreditamos que o objeto de estudo deste artigo, a saber, considerações sobre questões
importantes do direito, da ética e da bioética, mais especificamente sobre os limites morais
da manipulação genética, seja verdadeiramente significativo pelas seguintes razões.
A primeira deve-se ao fato de que acreditamos ser necessário discutirmos questões
relacionadas à moralidade e seus possíveis fundamentos em qualquer contexto, sobretudo
em uma sociedade como a nossa, cada vez mais marcada por um relativismo moral e,
porque não dizer, por um ceticismo moral, sem contar que se trata de uma sociedade que
desenvolve a cada dia uma técnica nova na esfera da biomedicina, descobertas na seara da
genética e grandes inventos no que toca engenharia genética e biotecnologia.
Justamente por esses motivos, o presente artigo é relevante na medida em que
estabeleceu discussões sobre os limites morais que são encontrados em situações de
extrema importância, pois colocam a espécie humana em um dilema. Benefícios ou perigos?
Será o começo da glória ou o final de tudo?
A segunda diz respeito a uma questão estritamente acadêmica, visto que, este tema
vem sendo discutido em todo o mundo por filósofos, médicos, bioeticistas, psicólogos,
juristas e estudiosos de diversas áreas, devido à relevância do assunto que não é novo, mas
sempre atual.
Nesse sentido, este artigo justifica-se uma vez que acreditamos ter encontrado
questões cardinais em relação ao tema, questões estas que consideramos obrigatórias
moralmente aos que cuidam de tão elevado assunto.
Referências
HITLER. A. Mein Kampf. A Mariner Book. Houghton Mifflin Company. Boston – New
York. 1943.
JONES, S. The lenguage of genes: Solving the mysteries o our genetic past, presente
and future. Anchor Books. 1944.
PLATO. The Republic. Release Date: August 27, 2008 [EBook #1497], Last Updated:
November 5, Book V). www.gutenberg.org .
SANDEL, M. J. The case against perfection: ethics in the age of genetic engineering.
First Harvard University Press paperback edition, 2009.
SANDEL. M. J. Justice: what´s the right thing to do? Farrar, Straus and Giroux. New
York. 2009.