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PME-2350 – MECÂNICA DOS SÓLIDOS II

AULA #3: TRANSFORMAÇÃO DE TENSÃO E DE DEFORMAÇÃO1

3.1 Motivação e objetivos


É comum em problemas de Engenharia haver a necessidade de expressar determinadas grandezas
mecânicas (a exemplo das componentes de tensão e deformação) em outros sistemas de coordenadas
que não o sistema cartesiano. Em muitos casos, esta necessidade surge da facilidade com que as
equações governantes são obtidas quando sistemas de coordenadas apropriados são introduzidos. Como
exemplos para motivar a introdução destas equações de transformação de tensão, podemos citar o uso
das coordenadas cilíndricas para a solução do problema de um vaso cilíndrico de parede espessa
submetido a carregamentos axissimétricos decorrentes de pressão interna e externa, conforme ilustrado
na Fig.1, e o uso das coordenadas esféricas para a solução de problema análogo (aplicado a vaso de
pressão esférico de parede espessa), conforme ilustrado na Fig.2.

Fig. 1 Tubulações cilíndricas submersas submetidas a pressões interna e externa [1]

Fig. 2 Vasos de pressão esféricos [2]

1
Notas de Aula preparadas pelo Prof. Dr. Roberto Ramos Jr., email: rramosjr@usp.br

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Av. Prof. Mello Moraes, 2231, São Paulo, SP, Tel: (11) 3091-5355
O objetivo destas notas é apresentar um método de transformação de tensões (ou deformações) de
um dado sistema de coordenadas para outro sistema de coordenadas. Em particular serão apresentadas
as fórmulas de transformação de coordenadas cartesianas para coordenadas cilíndricas (e vice-versa) e
também de coordenadas cartesianas para coordenadas esféricas (e vice-versa). Deve-se ressaltar que
todas as bases de versores associadas aos sistemas de coordenadas aqui tratados serão sempre bases
ortonormais com orientação positiva.

3.2 A fórmula de transformação


Consideremos que seja conhecido o estado de tensões de um dado ponto P de um sólido deformável
submetido a um dado carregamento conforme indicado na Fig. 3.

P
z
ߪ௭

௭
߬௭௬

௬
߬௭௫ ߬௬௭
ߪ௬

௫
߬௫௭ ߬௬௫
߬௫௬
ߪ௫

Fig. 3 Estado de tensões num dado ponto (P) de um sólido

Sabemos que tal estado tensional fica perfeitamente caracterizado através do conhecimento do
tensor das tensões o qual pode ser expresso (por exemplo) na base   ௫ , ௬ , ௭  associada ao
sistema de coordenadas cartesianas Oxyz indicado na Fig.3. Assim, escrevemos:
௫ ௬௫ ௭௫

௕  ௫௬ ௬ ௭௬ 
௫௭ ௬௭ ௭
(1)

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Queremos, contudo, expressar o estado de tensões deste mesmo ponto do sólido (mantidas todas as
demais circunstâncias, como carregamento aplicado, instante de tempo considerado, etc) em outro
sistema de coordenadas (que pode ser, ou não, um sistema de coordenadas cartesianas) e, portanto,
segundo outra base de versores (também ortonormal positiva). Denotaremos este novo sistema de
coordenadas por Ox’y’z’, e a base de versores associada a este novo sistema por ′  ௫ᇱ , ௬ᇱ , ௭ᇱ . A
figura 4 ilustra o novo sistema, a nova base e o estado de tensões segundo os eixos desta nova base.

P
z ߪ௭ᇱ
߬௭ᇱ௬ᇱ ߬௬ᇱ௭ᇱ ߪ௬ᇱ
z’
y’
௭ᇱ ௬ᇱ
߬௭ᇱ௫ᇱ ߬௬ᇱ௫ᇱ

߬௫ᇱ௭ᇱ ߬௫ᇱ௬ᇱ
yy
௫ᇱ
ߪ௫ᇱ

x
x’

Fig. 4 Estado de tensões no mesmo ponto (P) do sólido na nova base b’

O tensor das tensões (no mesmo ponto P), escrito na nova base  ᇱ  ௫ ᇲ , ௬ ᇲ , ௭ ᇲ  será:

௫ ᇲ ௬ᇱ௫ᇱ ௭ᇱ௫ᇱ

௕ᇲ
 ௫ᇱ௬ᇱ ௬ᇱ ௭ᇱ௬ᇱ 
௫ᇱ௭ᇱ ௬ᇱ௭ᇱ ௭ᇱ
(2)

Naturalmente, as componentes do tensor das tensões na nova base devem estar relacionadas, de
alguma forma, às componentes do tensor das tensões na base antiga, e queremos justamente encontrar
tais relações. Para tanto, será necessário obter a matriz de mudança de base de b para  ᇱ , a qual pode
ser obtida escrevendo os versores da base nova (ᇱ ) em função dos versores da base antiga (b).
Consideremos que tais relações sejam dadas por:

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௫ ᇲ = ଵଵ ௫ + ଶଵ ௬ + ଷଵ ௭

௬ ᇲ = ଵଶ ௫ + ଶଶ ௬ + ଷଶ ௭ (3)

௭ ᇲ = ଵଷ ௫ + ଶଷ ௬ + ଷଷ ௭

Assim, considerando que  seja um vetor qualquer do espaço (podendo ser, por exemplo, o
vetor tensão, , atuando num determinado plano inclinado de normal , ou o próprio versor  normal
ao plano inclinado citado), podemos escrever  em qualquer uma das duas bases indicadas, de tal
forma que:
Na base antiga,  = ௫ , ௬ , ௭
, escrevemos:

 ௕ = ௫ ௫ + ௬ ௬ + ௭ ௭ (4)


E, na base nova,  ᇱ = ௫ ᇲ , ௬ ᇲ , ௭ ᇲ
, escrevemos:

 ௕ᇱ = ௫ᇱ ௫ᇱ + ௬ᇱ ௬ᇱ + ௭ᇱ ௭ᇱ (5)

Substituindo as relações (3) em (5) e reagrupando os termos, de forma a colocar em evidência os


versores da base antiga, virá:

 ௕ = ଵଵ ௫ᇱ + ଵଶ ௬ᇱ + ଵଷ ௭ᇱ


. ௫ + ଶଵ ௫ᇱ + ଶଶ ௬ᇱ + ଶଷ ௭ᇱ
. ௬

+ ଷଵ ௫ᇱ + ଷଶ ௬ᇱ + ଷଷ ௭ᇱ


. ௭
(6)

Comparando as relações (4) e (6), e lembrando ainda que um vetor se escreve de forma única numa
dada base (note que tanto em (4) quanto em (6), estão explícitos os versores da base antiga), teremos a
conhecida fórmula de mudança de base que relaciona as componentes do vetor  nas duas bases, a
saber:
௫ ଵଵ ଵଶ ଵଷ ௫ᇱ
 
 ௬  =  ଶଵ ଶଶ ଶଷ  . ௬ᇱ  (7)
௭ ௕ ଷଵ ଷଶ ଷଷ ௭ᇱ ௕ᇱ

Ou, de forma abreviada:

 ௕ = ௕ᇱ
௕ . 
 ௕ᇱ (8)

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Deve-ser observar que, na montagem da matriz de mudança de base ௕ᇱ
௕ , as componentes do j-

ésimo versor da nova base (escritos como combinações lineares dos versores da base antiga) ocupam
respectivamente a j-ésima coluna, respeitando-se a ordem em que a base foi montada. Também é
importante ressaltar que, uma vez que as duas bases indicadas não são bases quaisquer, mas bases
ortonormais de orientação positiva, a matriz ௕ᇱ
௕ tem as seguintes propriedades:

i) []ିଵ = []௧ (a inversa de [M] é igual a sua transposta) e,


ii) det = +1
Consideremos, por fim, a conhecida relação:

 = . {} (9)

a qual pode ser escrita, de forma consistente, em qualquer uma das bases indicadas, ou seja:
Na base antiga  = ௫ , ௬ , ௭
:

 ௕ =  ௕ . {}௕ (10)

E, na base nova ᇱ = ௫ᇲ , ௬ᇲ , ௭ᇲ


:

 ௕ᇱ = ௕ᇱ . {}௕ᇱ (11)

Utilizando, porém, a relação de mudança de base (8), tanto para o vetor  quanto para o versor
{}, teremos:

 ௕ = ௕ᇱ
௕ . 
 ௕ᇱ (12)

 ௕ = ௕ᇱ
௕ . 
 ௕ᇱ (13)

E substituindo (12) e (13) em (10), virá:

௕ᇱ
௕ . 
 ௕ᇱ =  ௕ . ௕ᇱ
௕ . 
 ௕ᇱ (14)

Ou utilizando a 1ª propriedade da matriz de mudança de base, conforme indicado acima:

 ௕ᇱ = ௕ᇱ

. ௕ . ௕
. 
 ௕ᇱ
௧ ௕ᇱ (15)

Comparando, por fim, as relações (11) e (15), e observando que a relação deve ser válida para
qualquer versor  (ou seja, para qualquer plano inclinado que passe pelo ponto P), resta evidente que a
seguinte relação deve existir entre as componentes do tensor das tensões nas bases  e ′:

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௕ᇱ = ௕ᇱ

.  ௕ . ௕

௧ ௕ᇱ (16)

Relação análoga existe também para as componentes do tensor das deformações nas duas bases, ou
seja:

 ௕ᇱ = ௕ᇱ

.  ௕ . ௕

௧ ௕ᇱ (17)

3.3 Exemplo 1: Transformação de tensão de coordenadas cartesianas para


coordenadas cilíndricas
Consideremos o caso em que se deseja obter as componentes do tensor das tensões (ou das
deformações), para um dado ponto do sólido, no sistema de coordenadas cilíndricas, uma vez
conhecidas suas componentes no sistema de coordenadas cartesianas. As bases associadas a estes dois
sistemas são:
Sistema de coordenadas cartesianas: base  = ௫ , ௬ , ௭
(“antiga”)
Sistema de coordenadas cilíndricas: base ′ = ௥ , ఏ , ௭  (“nova”)

Para montar a matriz de mudança de base ௕ᇱ


௕ precisamos apenas expressar os versores da base ′

em função dos versores da base  (ver Fig.5):

௥ = cos. ௫ + . ௬

ఏ = −. ௫ + cos. ௬ (18)

௭ = ௭
Resultando:

 − 0
௕ᇱ
௕ =   0 (19)
0 0 1

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y

݁Ԧఏ
݁Ԧ௥
݁Ԧ௬ P
݁Ԧ௫ r ݁Ԧ௭

z ݁Ԧ௭ x
θ

Fig. 5 Relações entre versores ௥ , ఏ , ௭  e ௫ , ௬ , ௭ 

Utilizando a fórmula de transformação de tensão, dada por Eq.(16), virá:


௕ᇱ  
௕ᇱ
௕  . 
௕ . 
௕ 
௧ ௕ᇱ

Onde 
௕ᇱ
௕ já está indicada em (19) e,
௥ ఏ௥ ௭௥ ௫ ௬௫ ௭௫

௕ᇲ  ௥ఏ ఏ
௭ఏ  e 
௕  ௫௬ ௬ ௭௬ 
௥௭ ఏ௭ ௭ ௫௭ ௬௭ ௭

Resultando, após as multiplicações (verifique!!):


௥  ௫ .  ଶ   ௬ .  ଶ   ௫௬ . 2
ఏ  ௫ . ଶ   ௬ .  ଶ   ௫௬ . 2
௭  ௭
 ௫  ௬ 
௥ఏ  ఏ௥  ௫௬ . 2  . 2
2
௥௭  ௭௥  ௫௭ .   ௬௭ . 
௭ఏ  ఏ௭   ௫௭ .   ௬௭ . 

Observe também que as fórmulas dadas acima também coincidem com as apresentadas em diversas
outras referências (ver, por exemplo, Gere e Goodno [3], cap.7). Também é digno de nota que, como
era de se esperar, temos de imediato a seguinte relação de invariância:

௥  ఏ  ௭  ௫  ௬  ௭ (20)

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3.4 Exemplo 2: Transformação de tensão de coordenadas cartesianas para
coordenadas esféricas
Consideremos agora um segundo caso em que se deseja obter as componentes do tensor das tensões
(ou das deformações), para um dado ponto do sólido, no sistema de coordenadas esféricas, uma vez
conhecidas suas componentes no sistema de coordenadas cartesianas. As bases associadas a estes dois
sistemas são:
Sistema de coordenadas cartesianas: base   ௫ , ௬ , ௭  (“antiga”)
Sistema de coordenadas cilíndricas: base ′  ௥ , ఝ , ఏ  (“nova”)
Para montar a matriz de mudança de base 
௕ᇱ
௕ vamos inicialmente expressar os versores da base ′

em função dos versores da base  (ver Fig.6):

௥  . cos. ௫  . . ௬  . ௭

ఝ  . cos. ௫  cos. sen. ௬  . ௭ (21)

ఏ  . ௫  cos. ௬


Resultando:

. cos . cos 



௕ᇱ
௕  .  cos. sen cos  (22)
  0

z
݁Ԧ௥
P
݁Ԧఏ

݁Ԧఝ
φ r
݁Ԧ௭
݁Ԧ௬
݁Ԧ௫
y
θ

Fig. 6 Relações entre versores ௥ , ఝ , ఏ  e ௫ , ௬ , ௭ 

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Utilizando a fórmula de transformação de tensão, dada por Eq.(16), virá:

௕ᇱ = ௕ᇱ

.  ௕ . ௕

௧ ௕ᇱ

Onde ௕ᇱ
௕ já está indicada em (22) e,
௥ ఝ௥ ఏ௥ ௫ ௬௫ ௭௫
 ௕ᇲ =  ௥ఝ ఝ
 ఏఝ  e  ௕ = ௫௬ ௬ ௭௬ 
௥ఏ ఝఏ ఏ ௫௭ ௬௭ ௭
Resultando, após as multiplicações (verifique!!):
௥ = ௫ .  ଶ .  ଶ  + ௬ .  ଶ .  ଶ  + ௭ .  ଶ  + ௫௬ . 2 .  ଶ  + ௫௭ . .  (2)
+ ௬௭ . .  (2)
ఝ = ௫ .  ଶ .  ଶ  + ௬ . ଶ .  ଶ  + ௭ .  ଶ  + ௫௬ .  2 .  ଶ  − ௫௭ . .  2
− ௬௭ . .  (2)
ఏ = ௫ . ଶ  + ௬ .  ଶ  − ௫௬ . 2
(2) 2.  (2)
௥ఝ = ఝ௥ = . ௫ .  ଶ  + ௬ . ଶ  − ௭
+ . ௫௬
2 2
+ cos2 . ௫௭ .  + ௬௭ . 

 .  2 


௥ఏ = ఏ௥ = − . ௫ − ௬
+ . cos2  . ௫௬
2
+ cos . −௫௭ .   + ௬௭ . 

 .  2 


ఝఏ = ఏఝ = − . ௫ − ௬
+ . cos2  . ௫௬ + . ௫௭ .  − ௬௭ . 

2
Novamente podemos comprovar a relação de invariância:

௥ + ఝ + ఏ = ௫ + ௬ + ௭ (23)

3.5 Referências
[1] http://subseaworldnews.com/2012/09/25/uk-pii-pipeline-solutions-cfas-facilitates-pipeline-flaw-
detection/
[2] http://www.bbbtankservices.com/asme.htm
[3] Gere, J.M., Goodno, B.J., Mecânica dos Materiais, (trad. 7ª edição americana), Cengage Learning,
2010, 859p.

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