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Eu estava destruído de sono, de drogas, de bebida, de tristeza.

Eu já não sabia porque estava


onde estava. A batida do tamborzão saía direto do paredão e empurravam minha alma para
fora do corpo em direção a outro risco de pó.

O dia já ia amanhecendo e como eu odiava chegar em casa com o sol socando a minha cara
decidi comprar mais um cone e ir pra casa esperar o sono chegar. Meu corpo implorava por
cama mas minha mente era uma sinfonia de bundas rebolando até o chão no nível mais alto
da dança do créu.

Eu estava tão alterado que consegui pegar no dente uma mosca que tinha passado próximo da
minha orelha. Quando peguei a droga da mão do traficante ele olhou pra mim e perguntou? —
tá bem não hein viciado. Tá parecendo um zumbi.

— É a última, vou pra casa já. — Peguei meu bagulho e fui em direção ao ponto de ônibus. O
som sincopado do funk ia ficando cada vez mais longe como se agora estive espalhado pelo
céu vermelho de Caxias. Atravessei a passarela sozinho e sem medo como se meu cu não
existisse. Lá no meio daquela altura coloquei um teco entre os dedos polegar e indicador. Dei
um tiro no superfly que chegou a levantar minha cabeça de tão forte. Olhei o céu sem estrelas
encoberto por nuvens vermelhas que saíam da refinaria. Tudo rodou em volta de mim e eu
tive que me segurar pra não cair. A merda que aquele traficante me deu tava estragada. Filho
da puta, vou morrer do coração. Consigo sentir o ataque cardíaco chegando, eu pensei
enquanto me apoiava no ponto de ônibus em baixo da passarela azul.

É.. eu não morri mas o que me aconteceu foi um pouco pior. Talvez eu tenha enlouquecido de
vez porque depois que eu parei naquele ponto de ônibus senti uma mãozinha no meu ombro.
Senti um cheiro podre de mijo e terra e achei que era um cracudo daqueles que ficam na pista
pedindo dinheiro mas quando me virei, vi um zumbi babando com a cara toda carcomida e
vermes saindo de seu globo ocular vazio.

Eu dei um chute naquela aberração que caiu no chão me dendo tempo de subir a passarela
novamente já que não tinha perspectiva alguma de que o ônibus viria. Olhei lá embaixo e o
zumbi ainda estava no chão se contorcendo, mas agora tinha outros zumbis o ajudando. Eu
tinha mexido com a família de zumbis.

Entrei novamente no beco que dava pra biqueira. No lugar que estava o trafica tinha um zumbi
sentado em seu lugar com um fuzil pendurado no pescoço. A sua frente um caixote com
drogas, dinheiro e uma pistola. Sorrateiramente, me aproximei agachadinho sem fazer barulho
enquanto o zumbi traficante mexia distraidamente no nariz. Peguei a pistola que estava em
cima do caixote e quando o zumbi olhou para mim com a aqueles olhos vermelhos pulando
para fora, eu descarreguei todo as balas da pistola nele.

Que sensação foi aquela? Agora eu sei porque todos adoram filmes de zumbi. Enquanto eu
sorria ou sei lá o que acontecia com minha cabeça, ouvi passos em minha direção. Peguei o
fuzil que estava no trafica e me escondi num beco qualquer. Outros dois zumbis ficaram vendo
o zumbi morto no chão e antes que eles pudessem reagir eu atirei neles. Fui lá e peguei as
armas que estavam com eles e saí em direção à rua.

Na rua, o som ainda tocava alto e vários zumbis dançavam funk iguais ao clipe do Michael. Não
pensei duas vezes e descarreguei todo o pente do fuzil neles. Acertei algumas balas na parede
de som. Os zumbis tentavam correr mas andavam lentamente como todo bom zumbi. Depois
que minhas balas acabaram andei por um lago de tripas e miolos e corpos dilacerados pelas
ruas. O som já não tocava mais. O que eu ouvi foi o som da sirene de polícia.

Graças a deus alguma ajuda nesse apocalipse de merda. Eu já estava me acostumando com a
ideia de ser a lenda. Olhei para as viaturas paradas a alguns metros. Para minha surpresa delas
não saíram policiais para me ajudar mais sim zumbis fardados.

Como eram muitos eu saí correndo pelos becos e vielas da favela. Parei em algum bequinho
apertado e dei um teco naquela merda mesmo que tinha me feito mal. Senti aquela desgraça
entrando na minha alma e me deixando mas preparado para a guerra. Agora sim, eu era o Will
Smith. Eu era a lenda.

Ouvi um grunido estranho e logo após um tiro passou de raspão no meu ouvido. Eu estava tão
TRINCADO que consegui ver a bala passando pelo meu nariz em câmera lenta. Me senti com
superpoderes. Eu era o escolhido para salvar humanidade daquela loucura. Mas aqueles não
eram zumbis normais. Eles eram organizados e corriam atrás de mim atirando. Atirei no zumbi
fardado que estava correndo atrás de mim. Um tiro certeiro na cabeça do maldito depois corri
e pulei em cima da primeira laje que eu vi.

Entrei numa casa qualquer que estava com porta aberta. Fui direto para o quarto pequeno e
uma mãe zumbi com seus filhos zumbis me olhava assustada com seus olhos esbugalhados. Eu
deveria mata-los mas senti alguma coisa parecida com pena. Apenas me escondi nos guarda
roupas. Alguns minutos depois ouvi uma batida muito forte de porta estourando e o som de
botas se arrastando.

Pela fresta dos guarda roupas vi um zumbi fardado de preto entrando no quarto segurando
uma pistola. Era um zumbi em estágio muito avançado de decomposição. Toda sua carne já
tinha sido devorada pelos vermes e agora só restava a caveira. Seu crânio sem olhos usava
uma boina preta com uma faca bordada delicadamente de vermelho sangue. Ele chegou perto
da zumbi mãe e grunhiu alguma coisa que eu não entendi. Ele deu um soco na cara dela e
depois atirou friamente no zumbi pre adolescente que estava nos braços da mãe. Agora
apontando para a zumbi menina grunhiu mais alguma coisa e a mãe zumbi apontou para o
guarda roupa onde eu estava.

Depois que vi aquela cena grotesca e a caveira zumbi se virando em direção ao meu
esconderijo apenas atirei com nele da fresta do guarda roupa. O impacto das balas fez o bicho
cair no chão me dando tempo para pular a janela do quarto. Olhei para trás um segundo e a
caveira estava se levantando como se meus tiros não tivessem feito efeito algum em seu
corpo.

Corri pelos becos e vielas até encontrar a saída da favela. Ao chegar na rua vi um zumbi
andando de moto. Parecia o motoqueiro fantasma com aquela cabeça amarela e decrépita.
Apontei a arma e o fiz descer depois subi na moto e entrei na avenida vazia e desértica.

Ao chegar em casa ainda não tinha amanhecido. Pensei que depois que eu dormisse aquele
sonho insano talvez acabasse. Só podia ser isso, um sonho. Não era possível que todo mundo
tivesse virado zumbi menos. Abri a porta de casa com minha chave e entrei devagarinho para
não fazer barulho. Subi para o segundo andar onde ficava meu quarto e me joguei na cama.
Depois tirei a arma da minha cintura e joguei ao chão.

Minha cabeça rodava e rodava. Porque aquilo tudo aconteceu comigo? Eu tenho a impressão
que algumas pessoas foram colocadas no mundo para perder. Talvez seja para equilibrar a
balança. Mas a sensação de atirar era foda. Eu queria ter feito isso antes mas nunca tive culhão
pra ser bandido nem pra porra nenhuma. O medo sempre me dominou até eu conhecer a coca
e agora o poder de uma arma nas mãos.

Meu coração pulsava acelerado e minhas mãos tremia. Meus olhos fechados rodavam abaixo
das pálpebras. Eu precisava de mais um teco. Coloquei a mão no bolso e ainda estava lá o
resto daquela merda que deu início a toda essa loucura. Sentei na cama peguei na cabeceira
da cama a bíblia preta que minha mãe me deu. Coloquei o que restava da droga na capa, fiz
umas duas carreiras e cheirei as duas numa fungada só. Depois abri a bíblia no apocalipse e li
um trecho qualquer que dizia: “Por que não és quente nem frio, mas morno vomitar-te-ei da
minha boca”.

Eu não queria ser morno como todo mundo. Eu queria ser quente e não o vomito que a
sociedade esconde debaixo do tapete. Fechei a bíblia e olhei pela janela. O dia estava
amanhecendo. Alguns zumbis iam trabalhar lentamente. Eu fiquei horrorizado com a cena e
percebi que todos tinham virado zumbi mas continuavam com suas vidas normais. Peguei a
arma do chão coloquei na cintura e corri pra fora do quarto.

Ao chegar na cozinha dei de cara com minha mãe. Aaaah não! Ela tinha virado zumbi também,
agora eu tinha que matá-la. Apontei a arma e ela assustada grunhiu alguma coisa na língua dos
zumbis que eu não entendi. Ela apontou para o espelho a sua direita e quando olhei para mim
mesmo, vi que eu também me transformei em zumbi. Coloquei a arma na cabeça pra essa
história chegar ao fim.

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