Você está na página 1de 7

Doença periodontal e doença cardíaca: uma

revisão dos mecanismos


PERIODONTAL DISEASE AND CARDIAC DISEASE : A REVIEW OF THE MECHANISMS
Ana Cristina Posch Machado
Ricardo Vadenal
José Roberto Cortelli
Departamento de Odontologia da Universidade de Taubaté

RESUMO infecção e o desenvolvimento de lesões


As doenças cardiovasculares afetam milhões de indi- aterocleróticas não recebeu muita atenção até ser
víduos no Brasil, sendo atualmente considerada a maior descoberto que galinhas com a doença de Marek,
causa de morte nessa população. Entre as patologias infectadas com herpes vírus, desenvolveram
cardíacas destaca-se a aterosclerose. Por outro lado, a aterosclerose oclusiva (FABRICANT et al., 1978). Quan-
doença periodontal, patologia altamente prevalente do os estudos demonstraram a presença de Chlamydia
nessa população, demonstra aumentar o risco para o pneumoniae em ateromas (KUO et al., 1993) estimu-
desenvolvimento de doenças cardíacas. Baseado nes- lou-se intensa examinação dos possíveis agentes in-
ta condição, o propósito deste estudo foi revisar dife- fecciosos relacionados com a gênese do ateroma.
rentes estudos clínicos e epidemiológicos, os quais Com isso, numerosas hipóteses têm sugerido que
abordaram a interação infecção periodontal e doença doenças bucais crônicas, de natereza microbiana,
cardiovascular. Um dos possíveis mecanismos dessa podem contribuir para o processo de aterogênese.
interação pode ser representado por eventos Ambos, periodontite e cardiopatia são doenças
patogênicos similares entre as duas doenças. Assim, comuns, multifatoriais que dividem caminhos
pôde-se concluir que a prevenção e tratamento da etiopatológicos comuns. A periodontite crônica é uma
patologia periodontal parece minimizar o seu papel infecção causada por bactérias Gram negativas que
como fator de risco para as doenças cardiovasculares. afeta as estruturas de suporte do dente
(OFFENBACHER, 1996). Em resposta à infecção e à
PALAVRAS-CHAVE inflamação, certas pessoas podem exibir um grande
Doença periodontal. Doenças cardiovasculares. número de mediadores químicos locais e sistêmicos
Fatores de risco. que podem aumentar o risco de aterosclerose (BECK et
al., 1998). Existem diversos mecanismos propostos que
INTRODUÇÃO buscam explicar como infecções crônicas sistêmicas
Existem muitas evidências de que a doença por microrganismos Gram negativos oriundos de
periodontal pode influenciar a saúde geral e a sus- bacteremias dentais podem ativar eventos relacionados
ceptibilidade para certas doenças sistêmicas à formação do trombo, à oclusão da artéria coronária e
(OFFENBACHER, 1996; GROSSI; GENCO, 1998; KINANE, ao infarto do miocárdio (KINANE; LOWE, 2000).
1998; SCANNAPIECO; GENCO, 1999). Portanto, desde que a doença periodontal e a do-
Recentes estudos têm sugerido que a periodontite ença cardiovascular são freqüentemente encontradas
tem um papel importante no desenvolvimento da e dividem fatores de risco semelhantes como idade,
doença cardiovascular (BECK et al., 1998; HARASZTHY hábito de fumar, estresse, nível sócio-econômico, gor-
et al., 2000; KINANE; LOWE, 2000). Esta associação é dura corporal, entre outros, investigar a associação
baseada em evidências epidemiológicas, patológicas entre as duas doenças é de importância significativa
e microbiológicas em modelos de experimentação para a saúde da população.
animal ou observações clínicas. As condições ou agen- Baseado nestas afirmações, este artigo se propôs
tes infecciosos freqüentemente estudados são a fazer uma revisão dos diferentes mecanismos en-
Chlamydia pneumoniae, citomegalovirus, herpes sim- volvidos na relação entre a infecção periodontal e a
ples e Helicobacter pylori. A idéia de conexão entre doença cardiovascular.

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 153


A DOENÇA PERIODONTAL 1999). Aliado a isto, existem várias características ge-
As doenças periodontais são condições inflamató- néticas ou genes polimorfos associados à resposta
rias localizadas das gengivas e dos tecidos ósseos e inflamatória que aumentam a susceptibilidade à do-
conjuntivos circunvizinhos induzidos por infecção de ença coronária (FRANCIS et al.,1999). De acordo com
bactérias anaeróbias Gram negativas e por produtos (SCANNAPIECO; GENCO, 1999), as lesões afetam a
bacterianos (PAGE, 1998; AMERICAN ACADEMY OF camada íntima de músculo liso das artérias, largas e
PERIODONTOLOGY, 1999). médias e podem levar ao infarto dos vasos, trombo-
Existem aproximadamente 300 diferentes tipos de se e conseqüentemente morte do tecido.
bactérias que são isoladas dos tecidos moles da cavi- O processo da aterogênese pode ser explicado
dade bucal ou do biofilme dentário (placa dental), como sendo uma resposta a disfunção endotelial lo-
todavia, somente uma pequena parte destas bactéri- cal. Primeiramente, após a injúria, instala-se um pro-
as têm o potencial de causar destruição dos tecidos cesso inflamatório crônico na artéria. Ocorrendo mi-
periodontais (HAFFAJEE et al., 1999). gração e ativação de monócitos para o interior dos
A periodontite crônica (AMERICAN ACADEMY OF tecidos circunvizinhos o que leva a liberação de
PERIODONTOLOGY, 1999), forma mais freqüente de enzimas histolíticas, citocinas, fatores de crescimen-
doença periodontal, parece estar relacionada, na mai- to e fatores químicos, os quais induzem a futuras
oria dos casos, com bactérias anaeróbias estritas ou destruições e, conseqüentemente, a necrose local
facultativas Gram negativas, como por exemplo, (ROSS, 1999). Posteriormente ocorre o acúmulo de
Tannerella forsythensis , Treponema denticola , lipídeos formando as chamadas placas de ateroma,
Porphyromonas gingivalis (HAFFAJEE et al., 1999). que nos estágios mais avançados, podem ser
Com essa diversidade de espécies bacterianas, os recobertas por uma capa fibrosa. Estas podem se rom-
processos imunológicos e inflamatórios no tecido per e ao se destacarem levar a formação de trombos
periodontal não representam somente respostas a ou promover a oclusão de artérias com conseqüente
uma espécie, mas a um grande número de microrga- infarto (SCANNAPIECO; GENCO, 1999).
nismos.
PERIODONTITE E CARDIOPATIA - DADOS EPIDEMIOLÓGICOS
A DOENÇA CARDIOVASCULAR Existem atualmente evidências demonstrando que
O Ministério da Saúde (2004) define as doenças a doença periodontal está relacionada com a inicia-
cardiovasculares como aquelas que alteram o funcio- ção e progressão de várias doenças sistêmicas
namento do sistema circulatório, formado pelo cora- (OFFENBACHER et al., 1996; GROSSI; GENCO, 1998).
ção, vasos sangüíneos e linfáticos. Não há uma causa Estudos demonstraram o papel da doença periodontal
única para as cardiopatias, mas sabe-se que existem como fator predisponente ao desenvolvimento e exa-
fatores que aumentam a probabilidade da sua ocor- cerbação de problemas de ordem sistêmica, como
rência, os chamados fatores de risco cardiovasculares. as doenças cardiovasculares (DESTEFANO et al., 1993;
Entre eles, os principais são a hipertensão arterial, GENCO et al., 1997; ARBES; SLADE; BECK, 1999; BECK
dislipidemia (colesterol alterado), tabagismo, diabe- et al., 2001).
tes mellitus, sedentarismo, obesidade, hereditarieda- Dados provenientes de estudos epidemiológicos
de e estresse. associam a infecção periodontal com as doenças
A arteriosclerose é uma doença inflamatória que cardiovasculares. As características destes estudos es-
resulta de uma disfunção ou injúria endotelial, as quais tão descritas no Quadro I.
podem ser causadas por diferentes fatores, entre eles, A doença periodontal pode iniciar ou provavel-
colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) oxi- mente exacerbar a patogênese da doença cardíaca
dado ou modificado, radicais livres provenientes do por diversos mecanismos. Na arteriosclerose estes atu-
cigarro e da hipertensão, homocisteína, reações auto- am tanto levando à ruptura da placa quanto promo-
imunes, agentes infecciosos e produtos específicos vendo o seu crescimento.
de microorganismos como a Chlamydia pneumoniae, A passagem de bactérias e endotoxinas do
Helicobacter pylori, citomegalovirus e herpes vírus, periodonto para o interior da circulação sistêmica é
periodontopatógenos, entre outros (MATTILA et al., uma destas condições. A perda da integridade epitelial
1993,1995; BECK et al., 1996; CHIU et al., 1997; ROSS, da bolsa periodontal cria oportunidades para as

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 154


Quadro 1 Estudos epidemiológicos da associação periodontite e doença cardíaca
Estudos Indivíduos Metodologia/Associação Achados

MATILLA et al. Arteriosclerose (técnica de Judkin) Associação positiva entre infecção


1993 X periodontal, triglicérides e
Finlândia Exame radiográfico e ITD ateromatose coronária

DcESTEFANO et al. Mortalidade dos pacientes por DC e A periodontite, perda dentária e cári-
1993 novos eventos cardíacos es têm um efeito na incidência das
9760
EUA X cardiopatias principalmente em ho-
Dentes perdidos, índice de placa e PS mens < 50 anos

Mortalidade dos pacientes por DC e


MATILLA et al. ↑ ITD é um importante fator de risco
novos eventos coronarianos após 7
214 para recorrência dos eventos
1995 anos de infarto do miocárdio
coronarianos
Finlândia X
ITD e exame radiográfico

BECK et al. Mortalidade dos pacientes por DC e A cada ↑ de 20% da perda óssea
1996 1147 novos eventos cardíacos ou infarto ocorria ↑ de 40% da ocorrência de
EUA X doença coronariana
PS e perda óssea

Questionário para verificar a história de Associação positiva entre a perda


JOSHIPURA
1996 44119 DC e a condição bucal dental e DC
Associação negativa entre a
EUA
periodontite e DC
Risco 2,7 vezes > de infarto do
GENCO et al. Novos eventos de DC
1372 miocárdio em indivíduos com doença
1997 X
periodontal quando comparados com
EUA Perda óssea
saudáveis
ARBES et al. História de ataque cardíaco
5564 Forte associação principalmente nos
1999 X
pacientes com sítios > 3 mm de PIC
EUA PIC

HUJOEL et al. Mortalidade dos pacientes por DC e A periodontite não determinou au-
2000 8032 novos eventos cardíacos mento significativo nos riscos de
EUA X eventos cardíacos
Índice periodontal de Russel
BECK et al. História de ateriosclerose ou DC clínica
6017 A periodontite apresentou papel
2001 X
importante na patogênese do ateroma
EUA PIC
BUHLIN et al. Questionário sobre saúde bucal, DC e Demonstraram que a inflamação
2002 2839 condição sócio-econômico gengival está associada com DC
Suécia
DC = doença cardiovascular; PS = profundidade de sondagem; PIC = perda de inserção conjuntiva. ITD = Índice Total Dental

bacteremias assintomáticas. Concomitantemente, artéria, e a injúria associada com a resposta inflama-


ocorre o aumento de linfócitos, macrófagos, citocinas tória resultante, induzir ou acelerar a arteriosclerose.
e fatores de crescimento tecidual o que pode afetar A presença de microrganismos periodontopatogênicos
a função de sítios a distância (arteriosclerose). Por- em placas de ateroma ou em carótida tem sido
tanto, microrganismos podem afetar diretamente a identificada (CHIU, 1999; HARASZTHY et al., 2000). O

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 155


estudo in vitro desenvolvido por Deshpande, Khan e para iniciar a hemostasia e possível trombose. A po-
Genco (1998) mostrou evidências que Porphyromonas bre higiene bucal permite que a PAAP de certos
gingivalis pode invadir e proliferar na aorta e células patógenos como Porphyromonas gingivalis e
endoteliais do coração. Streptococcus sanguis tenham acesso à corrente san-
O aumento de endotoxinas (lipopolissacarídeos - guínea com subseqüente patologia vascular
LPS) no tecido periodontal e/ou a sua introdução na (HERZBERG; MEYER, 1996).
circulação sistêmica pode produzir arteriosclerose e Indiretamente, a infecção periodontal pode pro-
formar trombos (LIBBY; SHARL ATOS, 1997). Na duzir destruição no endotélio induzindo o próprio
periodontite os LPS podem penetrar intermitentemen- hospedeiro a aumentar sistemicamente vários tipos
te ou continuamente no tecido gengival contribuin- de mediadores inflamatórios principalmente
do, assim, para a resposta inflamatória aguda. Podem prostaglandinas, tromboxanas, leucotrienos e citocinas
atuar diretamente nos hepatócitos, promovendo a pró-inflamatórias. Outro efeito mediado pelo hospe-
lipogênese, ou de forma indireta através da ativação deiro é a ativação de monócitos/macrófagos e aumen-
de várias células que produzem citocinas, e também, to nos níveis de leucócitos no sangue, com conse-
com a elevação dos índices de fibrinogênio e proteí- qüente trombose e isquemia.
na C reativa. Por outro lado, microrganismos periodontais apre-
Estudos em humanos têm demonstrado um varia- sentam proteínas as quais podem produzir reações
do número de citocinas produzidas em resposta à cruzadas com constituintes do hospedeiro. Anticorpo
exposição sistêmica do LPS proveniente de bactérias produzido contra proteínas “heat shock” (HSP) de bac-
Gram negativas, as duas principais citocinas envolvi- térias periodontais pode reagir com HSP do hospedei-
das nesta resposta são: fator de necrose tumoral (FNT) ro que foram expostas na parede dos vasos frente a
e a interleucina 1, 6 e 8 (IL-1; IL-6; IL-8) (PAGE, 1998). uma injúria endotelial ou placa ateromatosa. Esta si-
As citocinas podem promover alterações nas milaridade de proteínas HSP produz eventos auto-imu-
lipoproteínas, as quais indiretamente predispõem os nes e podem contribuir para a formação do ateroma
pacientes à arteriosclerose devido ao aumento secun- (XU; WICK, 1996).
dário dos níveis de lipoproteína de baixa densidade
(LDL) e um decréscimo nos níveis da lipoproteína de DISCUSSÃO
grande densidade (HDL) resultando em situações pré- A doença cardiovascular é uma das principais cau-
arterioscleróticas (KINANE, 1998). sa de morte em muitos países. Por outro lado, a
Vários aspectos da resposta inflamatória aguda periodontite apresenta uma alta prevalência em dife-
como elevados níveis de fibrinogênio e proteína C rentes partes do mundo. Muitos estudos têm relacio-
reativa na circulação sistêmica são induzidos pela ex- nado a periodontite com efeitos significativos na saú-
posição aos LPS (EBERSOLE et al., 1997). Estas altera- de sistêmica. Portanto, pesquisas para estabelecer o
ções têm sido identificadas como fatores de risco para real papel de doenças bucais na iniciação e progres-
doenças cardiovasculares. são de processos patológicos sistêmicos são funda-
Outros estudos sugerem que a circulação de fato- mentais. Dentro deste contexto, questiona-se que me-
res de virulência de certas bactérias induzem agrega- canismos podem relacionar a periodontite com as
ção plaquetária a qual está associada com a formação doenças cardiovasculares. Assim, com o objetivo de
de trombos. Um destes fatores é a proteína conheci- elucidar alguns possíveis mecanismos, o presente
da com PAAP (proteína associada com a agregação estudo se propôs a revisar a relação entre infecção
plaquetária) que causa extenso crescimento vegetativo periodontal e doenças cardiovasculares.
nas válvulas cardíacas em modelos animais (HERZBERG Várias teorias têm sido sugeridas como possíveis
et al., 1992). Esta proteína bacteriana mimetiza um na relação entre infecção dental e a incidência de
receptor de plaqueta do hospedeiro que poderia ini- arteriosclerose. Sabendo da possibilidade das bactéri-
ciar a formação do trombo. Normalmente o colágeno as periodontais patogênicas invadirem a circulação
está coberto com uma camada de células endoteliais como resultado da mastigação, escovação traumáti-
e serve como marcador de receptores de plaquetas ca e procedimentos dentais, o seu contato direto com
na circulação sangüínea. Um trauma ou estímulo no- os vasos sangüíneos e invasão das células endoteliais
civo pode expor este colágeno e servir de estímulo poderiam tanto iniciar como exacerbar a patogênese

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 156


da doença coronária (PROGULSKE-FOX et al., 1999). Com referência aos efeitos indiretos ou aqueles
Evidências soroepidemiológicas atestaram a hipó- mediados pelo hospedeiro, há que se considerar que
tese de etiologia da infecção pela associação da arte- a periodontite induz uma resposta inflamatória que
riosclerose e níveis séricos elevados de anticorpos eleva o nível de proteína na fase aguda, tais como a
contra Chlamydia pneumoniae e Helicobacter pylori proteína C reativa e o fibrinogênio (EBERSOLE et al.,
(SCHUSSHEIM; FUSTER, 1999). Haraszthy et al. (2000) 1997). A proteína C reativa e o fibrinogênio são fato-
identificaram patógenos periodontais em ateromas res de risco independentes da doença coronária, logo,
através da reação em cadeia da polimerase (PCR). De se estes são induzidos, no mínimo em parte, pela in-
acordo com Chiu (1999), a presença de fecção periodontal, isto poderia explicar a ligação en-
microorganismos, como Porphyromonas gingivalis, tre doença periodontal e doença cardíaca (DANESH
podem influenciar a morfologia da placa predispon- et al., 1998). Sugere-se que o dano cardíaco pode
do-a a ruptura. ocorrer também por uma espécie de fenômeno auto-
Modificações semelhantes a arteriosclerose fo- imune induzido pelas bactérias, uma vez que as bac-
ram induzidas em coelhos com a introdução de térias periodontais produzem proteínas que têm rea-
Chlamydia pneumoniae no trato respiratório e manu- ção cruzada com as proteínas “heat shock” humanas.
tenção de dieta desprovida de colesterol (LAITINEN Outro fator a se considerar são as diferenças indi-
et al., 1997; MUHLESTEIN et al., 1998). Baseado nessa viduais da resposta do organismo à agressão
possibilidade, foi sugerido que a terapia antimicrobiana bacteriana, ou seja, da ação das células-T e a capacida-
poderia previnir cardiopatias. A administração do an- de secretoria dos monócitos. Alguns indivíduos po-
tibiótico azitromicina revelou sucesso na prevenção dem responder à agressão bacteriana ou de
de arteriosclerose em coelhos infectados com lipopolissacarídeos com uma resposta inflamatória
Chlamydia pneumoniae (MUHLESTEIN et al., 1998). exagerada anormal (BECK et al., 1996). Os monócitos
Por outro lado, surge mais uma questão, para destes indivíduos, denominados hiper-reativos
produzir uma injúria no endotélio, os microrganis- secretam de 3 a 10 vezes mais mediadores em res-
mos periodontais, deveriam estar intactos na pare- posta aos lipopolissacarídeos que indivíduos normais.
de dos vasos ou seriam os mesmos capazes de Esta diversidade de resposta inflamatória é conseqüên-
desencadear respostas inflamatórias e imunológicas cia de fatores genéticos e ambientais. Portanto, a pre-
a distância? sença de monócitos hiper-reativos coloca certos indi-
Porphyromonas gingivalis podem invadir células víduos com maior risco para periodontite e doenças
endoteliais da artéria coronária, provocando aumen- cardiovasculares, principalmente se outros fatores de
to da degradação de proteínas celulares, além de risco estiverem presentes (BECK et al., 1996).
poder atuar como disparador tromboembólico. Se- É também possível que a associação entre a doen-
gundo Herzberg et al. (1992), tal como Streptococcus ça periodontal e arteriosclerose seja meramente uma
sanguis, Porphyromonas gingivalis possui uma prote- coincidência. Por esta ótica, a associação seria explicada
ína associada á membrana externa que mimetiza um apenas como resultado dos fatores de risco em co-
receptor de plaqueta normal e inicia a formação de mum que acometem ambas doenças. Certamente pes-
trombo, quando de um trauma ou estímulo nocivo quisas adicionais são necessárias para determinar a
da parede do vaso. natureza e a extensão dos fatores que agem isolada-
Quanto à identificação de patógenos periodontais mente ou em conjunto para contribuir para a forma-
em ateromas pelo método PCR (HARASZTHY et al., ção da placa de ateroma.
2000), é importante considerar que nessa metodologia
ocorre a identificação somente das seqüências de áci- CONCLUSÕES
dos nucléicos específicos e não de células bacterianas As informações observadas nesta revisão sugerem
viáveis representativas de uma espécie patogênica a existência de uma forte associação entre a infec-
periodontal. É possível, portanto, que apenas algumas ção periodontal e as cardiopatias e que ambas as
seqüências de ácidos nucléicos de uma célula doenças dividem muitos fatores de risco e processos
bacteriana degradada esteja acumulada em ateromas patológicos.
que ocluem as artérias carótidas, sem produzir injúri- Portanto se a periodontite tem um importante
as no endotélio. papel na aterogênese e trombogênese e pode au-

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 157


mentar os riscos de doenças cardíacas, a prevenção BUHLIN, K. et al. Oral health and cardiovascular disease
e o tratamento das infecções periodontais podem in Sweden: results of a national questionnaire survey. J.
ser importantes na redução da mortalidade e Clin. Periodontol., v. 29, n. 3, p. 254-259, 2002.
morbidade associada com as doenças cardiovasculares.
CHIU, B. et al. Chlamydia pneumoniae, cytomegalovirus,
ABSTRACT and herpes simplex virus in atherosclerosis of the
Millions of people in Brazil are affected of carotid artery. Circulation, v. 96, p. 2144-2148, 1997.
cardiovascular diseases. This pathology, properly
atherosclerosis, is related to the first cause of death CHIU, B. Multiple infections in carotid
in this country. On the other hand, periodontal atheroscleroticplaques. Amer. Heart J., v. 138, p. 534-536,
diseases, the most common prevalent oral disease, 1999.
are associated to produce high risk factors of
cardiovascular disease. The aim of the present review DANESH, J. et al. Association of fibrinogen, C-reactive
is considered the relationship between periodontal protein, albumin, or leukocyte count with coronary
heart disease: meta-analyses of prospective studies.
and cardiovascular diseases by analyses of clinical and JAMA, v. 279, p. 1477-1482, 1998.
epidemiological studies. Some studies have been
shown that periodontal diseases are responsible for
DESTEFANO, F. et al. Dental disease and risk of coronary
high risk factor of cardiovascular disease including heart disease and mortality. BMJ, v. 306, n. 6879, p. 688-
initial events of pathogen of periodontal infection and 691, 1993.
atherosclerotic plaque formation. In conclusion, the
prevention and treatment of periodontal disease could
DESHPANDE, R. G.; KHAN, M. B.; GENCO, R. J. Invasion of
be important to reduce the risk factor of cardiovascular aortic and heart endothelial cells by Porphyromonas
disease. gingivalis. Infect. Immun., v. 66, p. 5337-5343, 1998.

KEY-WORDS EBERSOLE, J. L. et al. Systemic acute-phase reactants, C-


Periodontal disease. Cardiovascular diseases. Risk reative protein and haptoglobin, in adult periodontitis.
factors. Clin. Exp. Immunol., v. 107, p. 347-352, 1997.

REFERÊNCIAS FABRICANT, C. G. et al. Virus induced atherosclerosis. J.


AMERICAN ACADEMY OF PERIODONTOLOGY. Exp. Med., v. 148, p. 335-340, 1978.
International Workshop for a classification of
periodontal diseases and conditions. Ann. FRANCIS, S. E. et al. Interleukin 1 receptor antagonist
Periodontol., v. 4, p. 1-6, 1999. gene polymorphism and coronary artery disease.
Circulation, v. 99, p. 861-866, 1999.
ARBES, S. J.; SLADE, G. D.; BECK, J. D. Association
between extent of periodontal attachment loss and
self-reported history of heart atack: an anlysis of GENCO, R. et al. Periodontal disease is a predictor of
NHANES. J. Dent. Res., v. 78, p. 1777-1782, 1999. cardiovacular disease in a Native Americam population.
J. Dent. Res., v. 76, res. 3158, 1997.
BECK, J. et al. Periodontal disease and vascular disease.
J. Periodontol., v. 67, p. 1123-1137, 1996. GROSSI, S. G.; GENCO, R. J. Periodontal disease and diabe-
tes mellitus: a two-way relationship. Ann. Periodontol.,
______. Periodontitis: a risk factor for coronary heart v. 3, p. 20-29, 1998.
disease? Ann. Periodontol., v. 3, n. 1, p. 127-141, 1998.

______. Arteriosclerosis, thrombosis and vascular HAFFAJEE, A. D. et al. Plaque microbiology in health and
biology. American Heart Association, v. 21, p. 1816-1822, disease. Bioline, p. 255-283, 1999.
2001.
HARASZTHY, V. I. et al. Identification of periodontal
BRASIL. Ministério da Saúde. Doenças Cardiovasculares. patogens in atheromatous plaques. J. Periodontol., v.
Disponível em: <http://www.pgr.mpf.gov.br/pgr/ 71, n. 10, p. 1554-1560, Oct. 2000.
saude/doencas/dcardio.htm>. Acesso em: 23 ago. 2004.

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 158


HERZBERG, M. C. et al. The platelet interactivity ______. et al. Dental infection and the risk of new
phenotype of Streptococcus sanguis influences the coronary events: prospective study of patients with
course of experimental endocarditis. Infect. Immun., v. documented coronary artery disease. Clin. Infect. Dis., v.
60, p. 4809-4818, 1992. 20, n. 3, p. 588-592, 1995.

HERZBERG, M. C.; MEYER, M. W. Effects of oral flora on OFFENBACHER, S. et al. Periodontal infection as a
platelets: possible consequences in cardiovascular possible risk factor for preterm low birth weigth. J.
disease. J. Periodontol., v. 67, p. 1138-1142, 1996. Periodontol., v. 67, p. 1103-1113, 1996.

PAGE, R. C. The pathobiology of periodontal diseases


HUJOEL, P. et al. Periodontal disease and coronary heart may affect sistemic disease: inversion of a paradigm.
disease risk. JAMA, v. 284, n. 11, p. 1406-1410, 2000. Ann. Periodontol., v. 3, n. 1, p. 108-120, July 1998.

JOSHIPURA, K. J. et al. Poor oral health and coronary PROGULSKE-FOX, A. et al. Porphyromonas gengivalis
heart disease. J. Dent. Res., v. 75, p. 1631-1636, 1996. virulence factors and invasion of cells of the
cardiovascular system. J. Periodont. Res., v. 34, n. 7, p.
393-399, Oct. 1999.
KINANE, D. Periodontal disesases’ contributions to
cardiovascular disease: an overview of potential ROSS, R. Atherosclerosis – an inflammatory disease. N
mechanisms. Ann. Periodontol., v. 3, n. 1, p. 142-150, July Engl. J. Med., v. 340, p. 115-126, 1999.
1998.
SCANNAPIECO, F. A.; GENCO, R. J. Association of
periodontal infections with atherosclerotic and
KINANE, D.; LOWE, G. How periodontal disease may pulmonary diseases. J. Periodont. Res., v. 34, n. 7, p. 340-
contribute to cardiovascular disease. Periodontology, v. 345, June 1999.
23, p. 121-126, 2000.
SCHUSSHEIM A. E.; FUSTER V. Antibiotics for myocardial
KUO, C. C. et al. Detection of chlamydia pneumoniae in infarction? A possible role of infection in atherogenesis
aortic lesions of atherosclerosis by mmunocytochemical and acute coronary syndromes. Drugs, v. 57, p. 283-291,
stains. Arteriolscler Thromb., v. 13, p. 1501-1504, 1993. 1999.

LAITINEN, K. et al. Chlamydia pneumoniae infection XU, Q.; WICK, G. The role of heat shock proteins in
protection and pathophysiology of the arterial wall.
induces inflammatory changes in the aortas of rabbits.
Mol. Med. Today, v. 2, p. 372-379, 1996.
Infect. Immun., v. 65, p. 4832-4935, 1997.

Ana Cristina Posch Machado


LIBBY, P.; SHARLATOS, S. Role of infectious agents in aluna do Programa de Pós Graduação - Mestrado em Periodontia - UNITAU
atherosclerosis and restenosis: an assessment of the
Ricardo Vadenal
evidence and need for future research. Circulation, v. 96,
aluna do Programa de Pós Graduação - Mestrado em Periodontia - UNITAU
p. 4095-4103, 1997.
José Roberto Cortelli
Prof. Assistente Doutor do Departamento de Odontologia da
MATTILA, K. L. et al. Dental infections and coronary Universidade de Taubaté - UNITAU
atherosclerosis. Atherosclerosis, v. 103, p. 205-211, 1993. e-mail: cortelli@iconet.com.br
telefone: (012) 3632-0800

MUHLESTEIN, J. B. et al. Infection with Chlamydia


pneumoniae accelerates the development of TRAMITAÇÃO
atherosclerosis and treatment with azithromycin Artigo recebido em: 06/05/2004
prevents it in rabbit model. Circulation, v. 97, p. 633-636,
1998. Aceito para publicação em: 06/07/2004

Rev. biociên., Taubaté, v.10, n. 3, p. 153-159, jul./set. 2004 159

Você também pode gostar