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Boletim da SBNp - Atualidades em Neuropsicologia

09.18
www.sbnpbrasil.com.br

Funções
Executivas
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp)

Presidente Leandro Malloy-Diniz Membros da SBNp Jovem


Deborah Amaral de Azambuja José Neader Abreu Alberto Timóteo (MG)
Paulo Mattos Alexandre Marcelino (MG)
Vice-presidente Ana Luiza Costa Alves (MG)
Rochelle Paz Fonseca Conselho Fiscal Ana Paula Toome Wauke (RS)
Fernando Costa Pinto André Ponsoni (RS)
Tesoureira Geral Lucia Iracema Mendonça Emanuelle Oliveira (MG)
Andressa Moreira Antunes Marina Nery Júlia Scalco (RS)
Luciano Amorim (PA)
Tesoureira Executiva SBNp Jovem Maila Holz (RS)
Beatriz Bittencourt Ganjo Marcelo Leonel (RJ)
Presidente Mariana Cabral (MG)
Secretária Geral Victor Polignano Godoy Mariuche Gomides (MG)
Katie Almondes Nathália Cheib (MG)
Vice-presidente Priscila Corção (RJ)
Secretária Executiva Thais Dell’Oro de Oliveira Waleska Sakib (GO)
Luciana Siqueira
Secretário Geral
Conselho delibetarivo Lucas Matias Felix
Annelise Júlio Costa

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Expediente

Editora-chefe Avaliadores desta edição


Giulia Moreira Paiva Alina Teldeschi
Mestre em Ciências da Saúde -
Editoras assistentes (PGCM - UERJ). Especialização
Mariuche Rodrigues Gomides em Geriatria e Gerontologia -
Thaís Dell’Oro de Oliveira UNATI/UERJ. Consultora da SBNp
Jovem.
Coordenador editorial
Alexandre Marcelino Giulia Moreira Paiva
Mestranda em Neurociências
Projeto gráfico (ICB-UFMG). Tutora do Programa
Rennan Antunes de Capacitação em Neuropsicolo-
gia realizado pela Federação das
Editoração APAEs de MG. Editora-chefe da
Luciano da Silva Amorim SBNp Jovem.

Revisores Isabela Sallum Guimarães


Alina Todeschi Mestre em Medicina Molecular
Giulia Moreira Paiva (UFMG). Pesquisadora no Labora-
Isabela Sallum Guimarães tório de Investigações em Neuro-
ciência Clínica (NCT-MM). Editora
assistente da SBNp Jovem.

Editada em: fevereiro de 2019


Última edição: agosto de 2018
Publicada em: fevereiro de 2019

Sociedade Brasileira de Neuropsicologia

Sede em: Avenida São Galter, 1.064 - Alto dos Pinheiros


CEP: 05455-000 - São Paulo - SP
sbnp@sbnpbrasil.com.br
www.sbnpbrasil.com.br

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03
Sumário

05 REVISÃO HISTÓRICA
Funções Executivas: O que são e qual seu papel na neurociên-
cia cognitiva?

15 REVISÃO ATUAL
Funcionamento Executivo em Indivíduos Obesos: Implicações
Comportamentais e de Intervenção

22 RELATO DE PESQUISA
Relações das Funções Executivas com Aspectos Acadêmicos
e Clínicos em Crianças com Leucemias

29 ENTREVISTA
Funções Executivas na Prática Clínica

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REVISÃO HISTÓRICA

Funções Executivas: O Que


São e Qual Seu Papel na
Neurociência Cognitiva?
Mariana Castro Marques da Rocha

As Funções Executivas (FEs) são uma família de processos cognitivos


de controle necessários em atividades que exigem raciocínio, con-
centração e controle de impulsos. Esses processos de controle são,
em grande parte, mediados pela função cortical pré-frontal (Logue &
Gould, 2014) e são essenciais para o comportamento voltado ao cum-
primento de objetivos (Diamond, 2012), tais como estudar para uma
prova, escrever um artigo ou escolher dentre diversas alternativas.

É possível destacar três Funções Executivas centrais: a inibição, que


inclui o controle inibitório (resistir a tentações e a comportamentos
impulsivos) e o controle de interferências (atenção seletiva e inibição
cognitiva), a Memória Operacional (MO) e a flexibilidade cognitiva.
Destas habilidades, derivam-se outras, mais complexas, chamadas
FE’s de alta ordem, que exigem o funcionamento combinado de FE’s
centrais (Diamond, 2013). Dentre elas poder-se-ia apontar o raciocí-
nio, o planejamento e a tomada de decisão.

As Funções Executivas exibem associação direta não apenas com ín-


dices claramente dependentes de controle cognitivo, como o sucesso
acadêmico e profissional, mas também com medidas de saúde física
e mental, além de desenvolvimento cognitivo, social e psicológico
(Diamond, 2013; Johnson, 2012). Déficits em FE’s são características
de diversos Transtornos do Desenvolvimento, o que leva à sugestão de

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que as FE’s atuam como fator protetivo no curso do desenvolvimen-


to humano, prevenindo a manifestação dos sintomas de transtornos
como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o
Transtorno do Espectro Autista (TEA) (Johnson, 2012).

O conceito de Função Executiva foi definido, pela primeira vez, na


década de 1970, muito embora a discussão a respeito de processos
cognitivos de controle estivesse em curso desde a década de 1840
(Goldstein et al., 2014). Foi nessa década, em 1848, que o caso de
Phineas Gage, famoso entre neurocientistas, ocorreu. Gage era um
trabalhador de ferrovia que, em um acidente de trabalho, foi atingido
por uma grande barra de ferro, tendo grande parte de seu lobo frontal
esquerdo destruído. Gage sobreviveu ao acidente e, após sua recupe-
ração, mudanças em seu comportamento chamaram a atenção, sendo
descrito por seus amigos como “não mais o Gage”. Antes admirado e
bem quisto por seus colegas, Gage não foi mantido em seu trabalho
por agora apresentar um comportamento “imprevisível, irreverente,
entregando-se, às vezes, à mais profana grosseria” (p.301, tradução
nossa) (Harlow, 1868). O caso de Gage contribuiu para o interesse
na realização de pesquisas a respeito do conceito de funcionalidade
executiva e do papel dos lobos frontais, interesse que se intensificou
na década de 1950 com a investigação da relação entre a atividade
cortical pré-frontal e a inteligência (Goldstein et al., 2014).

De lá para cá, a distinção entre processos cognitivos automáticos e de


controle e a proposta de modelos para estes enriqueceu a literatura
científica que persegue a compreensão de nossas funções mentais
complexas. O ponto de partida para a elaboração dos modelos de fun-
cionamento cognitivo está nos estudos com pacientes com lesões no
córtex pré-frontal (CPF). A observação de que o funcionamento cogni-
tivo desses pacientes estivesse comprometido, muito embora funções
específicas como a memória ou a linguagem estivessem preservadas,
sugeriu a existência de uma função de gerenciamento de recursos
cognitivos (Goldstein et al., 2014). A seguir, a Tabela 1 apresenta,
resumidamente, os modelos de FE’s propostos nas últimas sete déca-
das para descrever este sistema de gerenciamento, com um pequeno
resumo contendo suas principais contribuições.
Atualmente, as Funções Executivas caracterizam um campo de pes-
quisa de intensa projeção e desenvolvimento dentro da neurociência
cognitiva. Seu papel de destaque em áreas importantes como a saúde
e o aprendizado tem motivado pesquisas voltadas à possibilidade de

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Tabela 1 - Modelos de Funções Executivas


Autor(es) Ano Nome Descrição

Donald 1953 Processos Neste modelo, também conhecido como Modelo do Filtro, Broa-
Broa- Automá- dbent propõe que um filtro é responsável por selecionar, dentre
dbent ticos e de as informações concorrentes disponíveis no ambiente, aquelas
Controle relevantes para a atenção consciente. As demais seriam ignoradas
e o fluxo de informação se afunilaria, como acontece com o líquido
no gargalo de uma garrafa. Tal alusão conferiu à proposta de Broa-
dbent um terceiro nome, de Teoria do Gargalo.
Posner & 1975 Controle Uma extensão da Teoria do Gargalo, de Broadbent, este mode-
Snyder Cognitivo lo examinou o papel da atenção na execução de tarefas de alta
complexidade. Além disso, ele sugere que o controle cognitivo,
definido como o conjunto de processos que guiam o comporta-
mento, participa da administração de pensamentos e emoções e é
responsável por suplantar respostas automáticas.
Schiffrin 1977 Processos Este modelo de processamento dual distingue processos au-
& Sch- de Con- tomáticos e de controle, estando estes implicados na ativação
neider trole temporária de uma sequência de elementos que exigem o uso da
atenção. Para seus autores, a atenção é um recurso limitado e os
processos de controle, que a exigem, requerem esforço e são mais
lentos do que os automáticos.
Baddeley, 1996 Executivo Esta proposta percebe o funcionamento executivo como um siste-
Sala & Central ma unificado composto por diversas funções. Além do Executivo
Robins Central, são descritas funções a ele subjacentes, como atenção
seletiva e ativação temporária da memória de longo prazo.
Fuster 1997 Modelo Este modelo é baseado em três conceitos: controle de interfe-
Cross- rência, planejamento e Memória Operacional, sendo seu principal
-Temporal objetivo a organização do comportamento. Diferentemente do
modelo proposto por Baddeley, Sala & Robbins, este não conta
com um processador central.
Shallice 2002 Sistema Neste modelo, dois mediadores, o cronograma de contenção e o
Atencional sistema atencional supervisor, são responsáveis por selecionar
Supervisor dentre comportamentos concorrentes e lidar com situações fora
da rotina, respectivamente. Ambos os mediadores trabalham com
a inibição: no caso do cronograma de contenção, as ações não
selecionadas são inibidas e no sistema atencional supervisor, a
inibição pode ser necessária no processo de tomada de decisão
em uma situação nova.

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Tabela 1 - Modelos de Funções Executivas


Autor(es) Ano Nome Descrição

Miller & 2001 Modelo O funcionamento executivo, um conjunto de processos cognitivos


Cohen Integrativo responsáveis pela manutenção de comportamentos voltados a
objetivos, é um sistema que promove a interação de áreas senso-
riais e de processamento motor.
Banich 2009 Cascata Neste modelo, uma cascata (sequência) de regiões cerebrais é
de Con- responsável pela manutenção da atenção, a começar pela região
trole dorsolateral do córtex pré-frontal.
Barkley 2011 Fenótipo Para Barkley, o funcionamento executivo é formado por: Memória
Estendido Operacional, manejo de emoções, resolução de problemas e aná-
lise e síntese de novos objetivos comportamentais.
Diamond 2013 Modelo Embora não tenha sido proposto como um modelo em si, o artigo
de Revi- de revisão de Diamond tem sido utilizado como principal base
são das para aplicação das funções executivas na clínica e em pesquisa.
Funções Propõe a existência de três domínios básicos das funções
Executivas

treinamento e reabilitação dessas funções, apontam para uma realida-


de na qual é possível melhorar as Funções Executivas a partir de uma
variedade de atividades (Diamond, 2012).

Agora, que adquirimos uma perspectiva geral sobre o desenvolvimento


histórico das FE’s no contexto de pesquisa, passaremos a uma varre-
dura breve, embora um pouco mais detalhada, na evolução dos con-
ceitos referentes aos construtos centrais das FE’s.

Memória Operacional
A Memória Operacional tem recebido, dentre as FE’s, grande atenção
das pesquisas no campo da neurociência cognitiva devido a seu papel
primordial na cognição, aprendizado e comportamento (Kirk et al.,
2015). O conceito de MO emergiu na psicologia cognitiva como uma
evolução do conceito de Memória de Curto Prazo (MCP) (Baddeley,
2012). Em 1974, Baddeley & Hitch sugeriram que a visão de arma-
zenamento até então baseada no paralelo MCP / Memória de Longo
Prazo fosse substituída por uma pautada em MO / Memória de Longo
Prazo. Apesar de frequentemente usadas como termos equivalentes,
vários autores defendem a diferenciação, ainda que não completa,

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entre MO e MCP: enquanto a última corresponde a funções de arma-


zenamento, a MO indica tanto o armazenamento quanto o processa-
mento/manipulação de informação (Baddeley, 2012; Vulchanova et al.,
2014; Cowan, 2008).

Um dos mais influentes modelos da MO é o de Baddeley (2000), no


qual ela é definida como um sistema (ou conjunto de sistemas) de
capacidade limitada responsável por manter, temporariamente, deter-
minadas informações disponíveis à consciência enquanto estas são
manipuladas. Neste modelo multicomponente, a MO é composta por
uma unidade geral de controle e processamento, chamada executi-
vo central, e por três subsistemas: a alça fonológica, encarregada de
informações verbais, o esboço visuoespacial, responsável pela inte-
gração, retenção e manipulação de conteúdos visuais e espaciais e,
finalmente, pelo buffer episódico, encarregado de integrar informações
provenientes da memória de longo prazo e dos demais subsistemas.
A manutenção de informações verbais na alça fonológica conta, neste
modelo, com o mecanismo de reverberação subvocal, responsável por
adiar o decaimento de informações do sistema.

Outro modelo de MO bem aceito pela comunidade científica é o pro-


posto por Cowan (1999) em seu Embedded Processes Model (Modelo
de Processamento Embutido). Este modelo destaca o link entre me-
mória e atenção e define a MO como os “processos cognitivos que re-
têm informação em um estado não usual de disponibilidade, ideal para
a realização de qualquer tarefa que apresente um componente mental”
(p. 62, tradução nossa). Sua ativação ocorre na Memória de Longo
Prazo e tem duração limitada, enquanto sua propriedade de foco aten-
cional é limitada em termos de capacidade (quatro itens ou chunks,
pedaços de informação). O estado ativo de consciência, chamado de
awareness, possui um papel importante neste modelo, sendo capaz de
influenciar o processamento ao permitir o aumento de codificação na
percepção e novas representações de evocações explícitas.

A literatura acerca do constructo da MO se mostra vasta e, muitas


vezes, confusa e contraditória, o que denuncia a falta de uma ideia
clara sobre o que é, de fato, a Memória Operacional (Miyake & Shah,
1999; Cowan, 2008). Tal confusão encontra raízes tanto na varieda-
de de modelos que se propõem a explicar a MO, quanto em erros de
interpretação em relação ao que já foi produzido por grandes estudio-
sos da área. Cientes dessa dificuldade encontrada pela comunidade

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científica, Miyake & Shah (1999) compararam, sistematicamente,


influentes modelos atuais da MO, incluindo os de Baddeley e Cowan,
e definiram-na como “aqueles mecanismos ou processos envolvidos
no controle, regulação e manutenção ativa de informações relevantes
para a tarefa a serviço da cognição complexa, incluindo tanto tarefas
novas quanto familiares, cuja solução é conhecida” (p.450, tradução
nossa).

Inibição
Apesar do conceito de inibição ter se tornado um tópico de interes-
se na psicologia cognitiva apenas no início dos anos 1990 (Houdé,
2000), ele apresenta uma história muito mais longa, tendo sido intro-
duzido nos campos da psicologia e da fisiologia no início do século XIX
(Macmillan, 1996). Segundo Macmillan (1996), a mais utilizada defi-
nição do conceito é aquela proposta por Brunton em 1883: “Por inibi-
ção nos referimos à interrupção das funções ou órgão pelas ações de
outro, enquanto seu poder de executar tais funções permanece retida
e pode ser manifestada assim que o poder de restrição for removido”
(Brunton, 1883; citado por Macmillan, 1996, tradução nossa).

Os mecanismos inibitórios possuíam um papel importante nas te-


orias clássicas do desenvolvimento humano, sendo apresentados
com diferentes níveis de análise, como aponta Harnishfeger (1995). A
autora observa, por exemplo, que as considerações de Pavlov (1927)
sobre aprendizado e condicionamento traziam mecanismos de baixo
nível, enquanto aquelas tecidas por Luria (1961) a respeito do controle
comportamental focaram em mecanismos inibitórios de alto nível. Ou-
tras teorias, como a de Freud (1915/1957), trouxeram a inibição para o
controle de comportamentos nem sempre conscientes ou intencionais,
através do mecanismo de repressão.

Diamond (2013), em sua revisão sobre as Funções Executivas, reúne


contribuições contemporâneas sobre o construto da inibição e define
o controle inibitório como a habilidade de controle de “atenção, com-
portamento, pensamentos e/ou emoções a fim de sobrepor uma forte
predisposição interna ou tentação externa, conseguindo, assim, fazer o
que é mais apropriado ou necessário (p. 137, tradução nossa). A autora
sugere a organização do controle inibitório a partir de dois componen-
tes gerais: o controle de interferência (que engloba o controle da aten-
ção e a inibição cognitiva) e a inibição de respostas. Enquanto o pri-
meiro nos auxilia a direcionar nossa atenção para um dentre diversos

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estímulos, além de resistir a determinados pensamentos ou memórias,


o segundo é crucial para o autocontrole (Diamond, 2013).

Flexibilidade Cognitiva
No curso do desenvolvimento humano, a flexibilidade cognitiva é a úl-
tima dos três principais componentes das FE’s a emergir, dependendo
do estabelecimento das demais. A flexibilidade cognitiva envolve tanto
a mudança de perspectiva (espacial e interpessoalmente), quanto a
capacidade de adotar novas maneiras de pensar, o que permite criar
uma nova solução para um problema antigo, por exemplo (Diamond,
2013).

Dajani & Uddin (2015) apontam que a flexibilidade cognitiva é uma


propriedade emergente de eficiência executiva. Na literatura, a flexibi-
lidade cognitiva é discutida e descrita de diversas maneiras, tanto no
contexto de processos que exigem mudanças atencionais (por exem-
plo, flexibilidade atencional, switching atencional, set-shifting atencio-
nal), quanto em operacionalizações de tarefas usadas para medi-la,
como set-shifting e task switching (Dajani & Uddin, 2015).

A literatura sobre a evolução do conceito de flexibilidade cognitiva é


muito reduzida e, para a redação da presente revisão, não foi encontra-
do material nos canais de publicação científica pesquisados. Uma das
mais antigas menções ao construto foi encontrada no artigo de William
A. Scott (1962), no qual a flexibilidade cognitiva é definida como “a
prontidão com a qual o sistema conceitual de uma pessoa muda sele-
tivamente em resposta a estímulos ambientais apropriados” (p. 405,
tradução nossa). Em 1950, John Rockwell já salientava a importância
da flexibilidade, aqui entendida de maneira muito mais geral, para o
ser humano. Ele destaca, em seu texto, a inerência da variabilidade ao
comportamento humano, assim como a capacidade do indivíduo reter
informações adquiridas na experiência para utilizá-las em face de no-
vos problemas, dando ênfase ao processo de aprendizado (Rockwell,
1950).

Conclusão
A importância do estudo das Funções Executivas na neurociência
cognitiva é inegável. Elas estão em ação ao longo de todos os nossos
dias. Acordam conosco, nos ajudam a resistir ao botão da soneca no
despertador, participam da escolha da roupa que vestiremos, do que

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comeremos, assim como são cruciais nos momentos de estudo e


trabalho. Desenvolvem-se e entram em declínio à medida em que nós
mesmos o fazemos (De Luca et al., 2003).

Nesta revisão, passamos pelo desenvolvimento do raciocínio por trás


da evolução das Funções Executivas dentro da neurociência cognitiva,
tanto no panorama geral quanto no específico dos construtos centrais
sob este grande guarda-chuva de funções mentais de alta complexi-
dade. Para tanto, entramos em contato com alguns dos mais impor-
tantes modelos desenvolvidos por pesquisadores ao longo da história.
Cabe destacar que os modelos, mesmo quando se dedicam a explicar
um mesmo fenômeno, nem sempre caminham na mesma direção,
sendo possível, e fácil, encontrar, na literatura, propostas bem distintas
e, por vezes, contraditórias. Embora essa multiplicidade de propostas
possa nos confundir, ela oferece vasto material para discussão e pre-
para o caminho para novas e, quem sabe, mais uníssonas conclusões.

É possível entender bastante sobre as FE’s a partir de publicações atu-


ais, que trazem as mais recentes conclusões. Mas apenas o estudo de
sua história nos leva ao entendimento do processo de construção de
seus conceitos e nos familiariza com as perguntas por trás de todas as
respostas que facilmente encontramos hoje em estudos da comunida-
de científica. Este é um bônus para aqueles que se dedicam à pesquisa
e que, mais do que interesse em resultados, cultivam a curiosidade
sadia que motiva toda descoberta importante. A presente, e breve,
revisão histórica teve o objetivo não apenas de oferecer informações,
mas de despertar o interesse pela busca do aprofundamento.

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REVISÃO ATUAL

Funcionamento Executivo
em Indivíduos Obesos:
Implicações Comportamentais
e de Intervenção
Nathália Falconi Cheib

Atualmente vivemos uma epidemia de sobrepeso e obesidade, o que


resulta em altos custos econômicos, sociais e individuais. Em termos
de saúde, o excesso de peso contribui para o desenvolvimento de
inúmeras doenças, como diabetes, doenças cardiovasculares, além de
ser fator de risco para transtornos psiquiátricos (Yang, Shields, Guo &
Liu, 2018).

A obesidade é causada pelo consumo excessivo de calorias compa-


rado ao gasto calórico. Estudos avaliando aspectos neuropsicológicos
ligados à obesidade sugerem uma possível relação entre o aumento
do Índice de Massa Corporal (IMC) e o declínio no desempenho cog-
nitivo (Bourassa & Sbarra, 2017). Em parte, dificuldades na tomada
de decisão relativa à comida podem ser uma das raízes da obesidade.
Tais déficits se assemelham àqueles observados também em outros
comportamentos aditivos (Chen et al., 2018).

As pesquisas que avaliam a associação entre o sobrepeso e a cogni-


ção propõem que as funções executivas seriam especialmente vulne-
ráveis a grandes mudanças de peso (Appelhans, 2009). As funções
executivas são uma gama de processos cognitivos de alta ordem que
permitem o comportamento e pensamento direcionado à meta. De

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acordo com Diamond (2013), existem três funções executivas nuclea-


res que servem de base para processos mais complexos. Seriam eles:
Controle Inibitório (permite controle dos comportamentos, pensamen-
tos e atenção para sobrepor predisposições automáticas internas ou
externas), Memória Operacional (capacidade de manter informações
por um curto período de tempo e manipulá-la) e Flexibilidade Cognitiva
(envolve ser capaz de mudar a maneira como pensa e se comporta, e
se ajustar a novas demandas). A partir desses três processos emer-
gem funções executivas superiores, como o raciocínio, a resolução de
problemas, a tomada de decisão, e o planejamento.

As teorias relativas à associação entre obesidade/sobrepeso e funções


executivas postulam prejuízos nas funções executivas associados ao
excesso de peso, apesar de não conseguirem explicar ainda a exata
razão e direção desta associação (Yang, Shields, Guo & Liu, 2018).

O modelo proposto recentemente chamado Modelo Imunológico de


Falha na Auto-Regulação (Shields, Moons & Slavich, 2017), explica a
relação entre massa corporal e déficits em funções executivas através
da ativação do sistema imunológico. Segundo esta teoria, processos
inflamatórios estariam associados tanto à obesidade quanto à déficits
na autorregulação e nas funções executivas. Neste sentido, é possível
que déficits no sistema imunológico se reflitam em piora da autorregu-
lação e, assim, diminuição do controle alimentar (levando à obesidade).
Também é possível que o aumento de acúmulo de gordura (associado
à obesidade) prejudiquem as funções executivas através do aumento
de processos inflamatórios, visto que o tecido adiposo serve como
local de armazenamento de citocinas pró-inflamatórias.

De acordo com a meta-análise e revisão desenvolvida por Yang e cola-


boradores (2018), indivíduos obesos apresentam pior funcionamento
executivo em todos os domínios das funções executivas quando com-
parados a controles de peso saudável, porém estas diferenças foram
significativas apenas nas habilidades de inibição e memória opera-
cional. O estudo avaliou também os possíveis moderadores desta
relação, e encontrou que idade, gênero e IMC não moderam os efeitos
da obesidade sobre as funções executivas, porém as medidas usadas
para avaliar memória operacional e tomada de decisão sim. Uma pos-
sível explicação para o papel moderador das tarefas seria sua sensibi-
lidade, já que algumas tarefas neuropsicológicas são criadas para uso
em população com lesões cerebrais e isso diminuiria sua sensibilidade

16 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018


09.18

a prejuízos sutis relativos à população obesa. Os autores encontraram


também relação entre baixo desempenho de funções executivas com
comportamentos ligados ao sobrepeso/obesidade, como maior inges-
tão de alimentos gorduroso, menor ingestão de frutas e vegetais, pior
aderência a intervenções, menos atividade física, maior IMC, ganho
de peso além de piores resultados das intervenções de perda de peso.
Encontraram também alterações e indivíduos obesos na conectividade
entre regiões cerebrais, anormalidades estruturais e disfunções em
regiões associadas ao funcionamento executivo, como menor ativa-
ção de regiões pré-frontais (córtex pré-frontal dorsolateral e córtex
pré-frontal ventrolateral) com relação a indivíduos de peso saudável,
hipoativação em áreas corticais relacionadas à obesidade (giro frontal
inferior) durante desempenho em tarefas de funcionamento executivo
(tarefa GO/NO GO), relação entre excesso de peso e pior conectivida-
de funcional em redes fronto-estriatais do córtex pré-frontal, incluindo
giro frontal superior, grito frontal medial, giro frontal inferior e córtex
orbitofrontal.

É possível também que diferenças em funções executivas predispo-


nham indivíduos a excesso de peso, indicando uma relação bidire-
cional entre excesso de peso e funções executivas. De acordo com
modelos de processamento duais, dois processos seriam responsáveis
pela modulação do comportamento, o sistema impulsivo e automático,
e o sistema reflexivo, de controle executivo (Hofmann, Friese & Strack,
2009). Indivíduos com funcionamento executivo prejudicado estão
mais susceptíveis a comportamentos relacionados à obesidade do
que aqueles com boa habilidade de controle executivo. O córtex pré-
-frontal dorsolateral, muito envolvido nas funções executivas, parece
desempenhar um papel causal no desenvolvimento de comportamen-
tos alimentares, como a inibição de desejos e consumo de alimentos
altamente calóricos (Hall, Vincent & Burhan, 2017).

O processo de tomada de decisão pode ser guiado por pistas am-


bientais, como aquelas relacionadas a alimentos e envolve as funções
executivas no processamento das opções. Um sistema de controle
executivo prejudicado, que envolve a capacidade de postergar o refor-
ço, seria, então, sobreposto pelo sistema de recompensa, que motiva
aquele comportamento e que oferece gratificação imediata, podendo
levar a escolhas alimentares não saudáveis. De acordo com um estudo
conduzido por Carr & Epstein (2017), a capacidade de memória opera-
cional e o controle atencional seriam alguns dos processos envolvidos

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018 17


09.18

na tomada de decisão envolvendo alimentos. Tem sido argumentado


que uma melhor capacidade de memória operacional leva o indivíduo
a uma melhor comparação entre custos e benefícios dos diferentes ali-
mentos. Memória de trabalho parece moderar a relação entre atenção
para pistas alimentares e a eficácia do reforço de aperitivos (snacks).
Indivíduos com melhor capacidade de memória de trabalho parecem
ter melhor habilidade de ignorar, evitar ou até mesmo prevenir a cap-
tura da atenção por pistas alimentares, além de menores gastos com
snacks. A capacidade de memória de trabalho, assim como a capaci-
dade atencional, parece influenciar as medidas comportamentais de
ativação do sistema de recompensa.

Controle inibitório e memória de trabalho parecem ser importantes


determinantes para o comportamento alimentar (Allom & Mullan,
2014). Indivíduos com prejuízos na capacidade de controle inibitório e
memória operacional são menos propensos de seguir sua intenção de
alimentação saudável, já que para alcançar o objetivo de aderir a uma
dieta saudável, é preciso manter em mente e atualizar informações
relevantes à meta, e inibir desejo de consumir alimentos palatáveis
não saudáveis. É mais provável que a intenção leve ao comportamento
quando o indivíduo tem maior controle inibitório, e de fato essa capa-
cidade parece moderar a relação entre intenção e consumo de frutas
e vegetais. Diferenças individuais no controle inibitório parecem pre-
dizer o consumo de gordura saturada em indivíduos com intenções
alimentares saudáveis. O controle inibitório também parece influenciar
a execução de objetivos de alimentação saudável. De acordo com os
modelos de processo duais de modulação do comportamento, quando
surge um conflito entre alcançar uma meta ou seguir predisposições
automáticas que atrapalham esse objetivo, é necessário inibir tais
tendências automáticas para realizar com sucesso o comportamento
direcionado àquela meta.

A capacidade de auto-regulação, um aspecto do controle inibitório, se


refere à capacidade de regular comportamento e cognição para alcan-
çar objetivos em longo prazo e é facilitada pelas funções executivas.
Essa habilidade parece ser importante tanto para inibição de compor-
tamentos não saudáveis que podem levar à obesidade, como a inicia-
ção e comportamentos saudáveis.

Diferentes comportamentos sofrem diferentes influências das funções


executivas, e um funcionamento executivo superior em um domínio

18 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018


09.18

não necessariamente leva a um bom desempenho em todos os com-


portamentos saudáveis. Por exemplo, comportamentos que envolvem
uma busca ativa por consumo saudável de alimentos parecem estar
mais associados à capacidade de updating, atualização e monitora-
mento de objetivos, enquanto comportamentos que envolvem parar
respostas impulsivas parecem estar relacionados à capacidade de
controle inibitório (Allom & Mullan, 2014). Logo, não parece haver
generalização, ou seja, a capacidade de inibir um comportamento não
saudável não leva necessariamente a iniciação de um comportamento
saudável.

As funções cognitivas também afetam o processo de perda e ma-


nutenção da perda de peso em indivíduos obesos, sendo um dos
sistemas cognitivos mais implicados no gerenciamento de peso
bem-sucedido (Gettens & Gorin, 2017). Dois preditores importantes
de comportamentos saudáveis estão relacionados às funções exe-
cutivas. A autorregulação é um preditor importante de mudanças nos
comportamentos de saúde bem sucedidas, e o controle inibitório é um
forte preditor de escolhas alimentares saudáveis em indivíduos com
bom desempenho executivo. Comportamentos de engajamento em
escolhas saudáveis, como consumo de frutas e vegetais e realização
de atividade física estão relacionados ao controle executivo, upda-
ting, enquanto a evitação de comportamentos de risco parece estar
relacionado ao controle inibitório e flexibilidade cognitiva, o que indica
diferenciação entre as funções executivas que predizem padrões de
alimentação saudável daquelas que predizem alimentação não sau-
dável. Comportamentos específicos ligados à perda e a manutenção
da perda de peso podem atuar como mediadores através dos quais as
funções executivas impactam as diferenças individuais na capacidade
de manter a perda de peso ao longo do tempo. As funções executivas
parecem ser parte integrada do processo de controle de peso e são,
portanto um excelente alvo para futuras pesquisas e intervenções em
manutenção da perda de peso.

Infelizmente, a obesidade é um problema que não afeta apenas indi-


víduos adultos. As taxas de obesidade infantil e em adolescentes vêm
crescendo rapidamente ao redor do mundo. Déficits em funções exe-
cutivas em crianças e adolescentes obesas se comparados a crianças
e adolescentes de peso saudável já estão sendo documentados na
literatura (Liang et al., 2014.). Em jovens, os comportamentos de risco
estão associados à disfunção executiva, habilidades motoras preju-

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018 19


09.18

dicadas e baixa conquista acadêmica. Além disso, algumas áreas do


funcionamento executivo, como controle inibitório e a postergação do
reforço tem sido muito associadas ao sobrepeso. Assim como na vida
adulta, a relação entre obesidade e funções executivas é bidirecional.
É possível que os déficits em funções executivas aumentem o risco
do desenvolvimento e promoção de comportamentos obesogênicos,
precedendo assim a obesidade, e/ou que a obesidade leve a prejuízos
no funcionamento executivo. Essa informação é crucial para o desen-
volvimento de focos de intervenção mais eficazes. Caso o déficit no
funcionamento executivo venha antes do ganho de peso, podem ser
usados programas de prevenção que trabalhem esses déficits, influen-
ciando o desenvolvimento das funções executivas. Se a obesidade for
causadora dos prejuízos, apesar de ainda não se saber se tais prejuízos
podem ser reversíveis com a perda de peso, intervenções focadas na
própria perda de peso podem ser eficazes em melhorar estas habilida-
des. Logo, o papel desse construto no tratamento da obesidade infantil
e em adolescentes deve ser considerado para aperfeiçoar os trata-
mentos disponíveis.

A literatura dispõe de inúmeros trabalhos mostrando a presença de


déficits no funcionamento executivo em indivíduos obesos compa-
rados a indivíduos de peso saudável, porém os mecanismos causais
subjacentes a essa associação ainda não são claros, ou o efeito de
intervenções focadas nas funções executivas no processo de perda
e manutenção da perda de peso. Devido a sua importante implicação
na saúde pública, esse é um assunto que merece grande atenção de
pesquisadores e clínicos da área.

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Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018 21


09.18

REATO DE PESQUISA

Relações das Funções


Executivas com Aspectos
Acadêmicos e Clínicos em
Crianças com Leucemias
Julia Scalco

As funções executivas, enquanto conceito neuropsicológico, dizem


respeito a um conjunto de habilidades que possibilitam aos indivíduos
interagir com o mundo, executando ações para chegar a determina-
do objetivo. É a partir das funções executivas que somos capazes de
reconhecer o que é necessário para realizar determinadas atividades,
planejando, organizando e levantando hipóteses, para que se possa
dar uma resposta apropriada às demandas do ambiente (Cosenza &
Guerra, 2011; Uehara, Mata, Fichman, & Malloy-Diniz, 2016).

Dentre as funções cognitivas que compõem as funções executivas
pode-se elencar a memória de trabalho, o controle atencional e inibitó-
rio, a flexibilidade cognitiva, o planejamento, a organização e execução
de comportamentos, bem como o monitoramento de autorregulação.
O comprometimento das funções executivas na criança podem se
manifestar de diferentes formas, como, dentre outras, nas dificulda-
des na seleção e organização das informações, distrações com maior
freqüência, dificuldades na tomada de decisões (Tisser, Costa, Bauer-
mann, & Malloy-Diniz, 2017; Uehara et al., 2016)

As funções executivas são as últimas a terem um amadurecimento

22 Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018


09.18

completo ao longo do ciclo vital e são importantes tanto para a or-


ganização do indivíduo no seu cotidiano e, inclusive, para que possa
apresentar um bom desenvolvimento de suas aprendizagens acadê-
micas. As funções executivas têm recebido maior atenção no contexto
de pesquisa brasileiro atual, visto que há uma crescente demanda de
avaliação dessas funções cognitivas, mas ainda assim a escassez de
instrumentos adaptados e validados, principalmente no que se refere
às crianças pequenas (Tisser et al., 2017; Uehara et al., 2016).

Diferentes perfis clínicos na infância têm sido associados com com-
prometimento das funções executivas. Um exemplo disso são crian-
ças com Leucemias, que apresentam declínio cognitivo significativo,
como conseqüência do tratamento da patologia (Armstrong & Briery,
2004; Campbell et al., 2007; Cheung & Krull, 2015). As dificuldades
mais pontuais em funções cognitivas podem ser observadas quanto à
flexibilidade cognitiva, alternância e fluência verbal, atenção e memória
de trabalho (Armstrong & Briery, 2004; Cheung & Krull, 2015).

Em contrapartida, pouco se sabe a respeito da interação dessas difi-


culdades com aspectos emocionais e comportamentais, assim como
fatores acadêmicos nessa população. Apesar de existirem diretrizes
nacionais que ressaltem a importância de ambientes educativos nas
instituições de saúde que oferecem serviços de pediatria (como as
Classes Hospitalares), não há evidências consistentes sobre quais
fatores dentro dos acima descritos têm influência no desempenho
cognitivo da criança ao longo do tratamento.

Dessa forma, o estudo “Crianças hospitalizadas com leucemia: aspec-


tos neuropsicológicos, comportamentais, clínicos e educacionais na
Classe Hospitalar” (Pereira et al., 2018), realizado pelo Núcleo de estu-
dos em Neuropsicologia Cognitiva (Neurocog) da UFRGS, teve como
objetivo central avaliar funções executivas, incluindo atenção, memória
de trabalho e velocidade de processamento da informação (Barkley,
2012), em crianças com Leucemia, durante o tratamento oncológico.
Além da avaliação cognitiva, foram analisadas características compor-
tamentais e de competência social.

Foram também investigados dados referentes ao nível socioeconômi-


co das famílias, frequência/intensidade da participação à Classe Hos-
pitalar, além de variáveis relacionadas ao tempo e tipo de tratamento
médico escolhido. Participaram da pesquisa doze crianças, com idades

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018 23


09.18

entre 6 e 10 anos, hospitalizadas ou em atendimento ambulatorial con-


tínuo em um hospital de Porto Alegre, devidamente matriculadas em
escolas de Ensino Fundamental (públicas ou privadas), que atendiam
ao Programa de Apoio Pedagógico (PAP) da instituição de saúde. A
coleta dos dados ocorreu entre agosto de 2016 e fevereiro de 2017.

Os instrumentos utilizados para avaliação neuropsicológica das


crianças foram o Teste de trilhas – Parte A e B – escolares e pré-es-
colares (Montiel & Seabra, 2012), para avaliar flexibilidade cognitiva e
alternância da atenção, e os subtestes de atenção (visual e auditiva),
memória de trabalho (Span de dígitos e de pseudopalavras, além de
tarefa de memória visuoespacial) e funções executivas (fluência verbal
e go-no go auditivo) do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica
Breve Infantil – Neupsilin Inf (Salles et al., 2016), para avaliar com-
ponentes como atenção seletiva, fluência verbal, controle inibitório e
memória operacional.

Para avaliação dos comportamentos foi aplicado o Inventário de Com-


portamentos para Crianças e Adolescentes – CBCL (Achenbach &
Rescola, 2001), que avalia distintos problemas de comportamento.
Também foi utilizado o questionário SNAP-IV, que busca avaliar sinto-
mas ligados à déficit de atenção e hiperatividade. Para compreensão
das práticas pedagógicas na Classe Hospitalar foi desenvolvido um
instrumento especificamente para o estudo. O instrumento possui 20
itens, com objetivo de verificar os tipos de estratégias utilizadas pelos
professores de Classe Hospitalar para realizar as intervenções peda-
gógicas, bem como a frequência/intensidade (horas, periodicidade) de
participação das crianças (Pereira et al., 2016).

Foi escolhido como delineamento de análise de dados o estudo de sé-
ries de casos (Schwartz & Dell, 2010). Foram realizadas comparações
entre os escores brutos nas tarefas/habilidades neuropsicológicas de
cada caso clínico com os padrões normativos de cada instrumento/
escala, bem como agrupamentos para essas tarefas através de Análi-
se de Cluster, de modo a compreender conjuntos de padrões entre os
participantes. Os dados foram relacionados com as variáveis clínicas,
comportamentais e pedagógicas coletadas.

Foi possível observar, através dos resultados obtidos, que a população
clínica não apresentou déficits significativos na atenção conforme ob-
servado pela testagem cognitiva, apesar de haver indicadores de alerta

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09.18

nos relatos realizados pelas famílias através do Questionário SNAP-IV


para metade das crianças da amostra. Isso demonstra que esta função
(ao menos considerando os instrumentos utilizados no estudo) tende
a estar mais preservada durante a avaliação cognitiva da criança, ainda
que tenha algum impacto na sua rotina diária.

Quanto à memória de trabalho, os resultados observados abaixo da


normalidade para a faixa etária na tarefa de span de dígitos em ordem
inversa e memória de trabalho visuoespacial sugerem que os com-
ponentes executivo central e visuoespacial tendem a ficar mais com-
prometidos ao longo do processo de tratamento oncológico. Em razão
do componente executivo central estar presente em ambas as tarefas
acima mencionadas, pode-se inferir que este tenha um papel prepon-
derante para o desempenho deficitário observado. Já o componente
fonológico, avaliado através da tarefa de span de pseudopalavras,
parece permanecer mais estável.

Em contrapartida, não foram observados déficits importantes em


tarefas de fluência verbal e controle inibitório e flexibilidade cognitiva,
mantendo-se essas funções mais preservadas ao longo do tratamen-
to nessa amostra. Esses dados se opõem aos achados recentes da
literatura, que evidenciam declínio de curto e longo prazo em tarefas de
fluência verbal, flexibilidade cognitiva, controle inibitório, resolução de
problemas, entre outros componentes das funções executivas.

Por outro lado, um achado importante nas tarefas de atenção e flexibili-


dade se refere ao tempo despendido pelas crianças para responder às
tarefas. Mais da metade das crianças levou mais tempo para resolver
as tarefas quando comparadas com crianças com desenvolvimento
típico. Essas crianças rastreavam visualmente desde o início, várias
vezes, para tentar dar continuidade à resolução dos testes, outras ‘se
perdiam’ no que estavam fazendo e acabavam desistindo de terminar
a tarefa. Tal dificuldade pode estar relacionada tanto com o compro-
metimento do componente executivo central da memória de trabalho,
já que a flexibilidade cognitiva implica a mudança de foco do proces-
samento da informação, como pode estar associada à lentificação do
processamento da informação, necessários à resolução das tarefas.
Estratificando o nível de comprometimento das crianças quanto ao seu
desempenho nas tarefas neuropsicológicas, foi possível perceber pa-
drões importantes para compreender o funcionamento cognitivo dos
participantes. Dois casos tiveram desempenho mais preservado, com

Boletim SBNp, São Paulo, SP, v.1, n.5, p. 1-34, setembro/2018 25


09.18

déficit em apenas uma tarefa, cinco casos apresentaram comprometi-


mento em duas a três tarefas e cinco casos tiveram desempenho com
déficits em quatro ou mais tarefas.

No primeiro grupo (com déficit em apenas uma tarefa), ambos eram


provenientes de escolas particulares, com melhor nível socioeconômi-
co dentro do perfil dos casos estudados (B1, de acordo com as normas
da ABEP), além de estarem realizando pela primeira vez tratamento
para leucemia, ainda que estivessem em momentos distintos da qui-
mioterapia. Além disso, esse grupo é formado por crianças que estão
nos primeiros anos do Ensino Fundamental (2º e 1º ano, respectiva-
mente), que tiveram pouco do seu período de escolarização afetados
pelo processo do tratamento.

No segundo grupo (com déficit em duas a três tarefas) as crianças


eram predominantemente de escola pública, que estavam em início de
tratamento ou que, apesar de recidiva, têm nível socioeconômico mais
elevado (comparado às demais crianças avaliadas). Entre essas crian-
ças, duas têm um tipo de comportamento com déficit na avaliação
pelo CBCL e os outros três têm escores limítrofes para problemas de
comportamento. Nesse grupo foi possível perceber também escores
mais altos na subescala Ansiedade/depressão do CBCL.

No último grupo (com déficits múltiplos), as crianças apresentaram


combinação de recidiva da doença com retenção escolar. Os perfis
comportamentais se mostraram difusos, três pacientes apresentando
escores com déficits ou limítrofes e outros dois sem queixas compor-
tamentais. Ao mesmo tempo, foram observados em três casos os es-
cores mais altos na subescala de Problemas de atenção, bem como os
pais das crianças desse grupo reportaram que elas apresentam mais
dificuldades nas competências sociais e escolares. Um dos participan-
tes desse grupo veio a óbito quatro meses após a avaliação neuropsi-
cológica, em decorrência da doença.

Adicionalmente, as crianças que obtiveram melhores escores nas


tarefas neuropsicológicas apresentaram maior pontuação em avalia-
ção das estratégias de aprendizagem, através de escala padronizada
(Oliveira, Boruchovitch, & Santos, 2010). Nesse sentido, parece haver
uma relação importante entre perfis cognitivos mais preservados ao
longo do tratamento e boas habilidades metacognitivas.

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09.18

No que se refere ao apoio pedagógico dentro do hospital, pode-se


perceber que, apesar de haver uma boa aceitação da proposta por
parte das famílias, as crianças apresentaram baixa adesão à participa-
ção nas atividades da Classe Hospitalar, assim como existiam muitas
lacunas nos registros de atividades da Classe Hospitalar. É importante
salientar que a baixa adesão à Classe Hospitalar, aliada ao prolonga-
mento do tratamento, pode implicar em pior desempenho em tarefas
neuropsicológicas, necessitando da proposição de estratégias mais
eficientes para intervir junto à oncologia pediátrica.

Como limitações desta pesquisa pode ser apontada, inicialmente, a


escolha por uma avaliação breve neuropsicológica, não sendo possível
dar um panorama mais completo da influência causada pela doença e
pelo tratamento escolhido na cognição, de modo geral. Da mesma for-
ma, o número amostral necessitaria ser ampliado, para que possam ser
feitas inferências mais consistentes em relação às variáveis analisadas.
É necessário ressaltar que foi observada grande heterogeneidade de
desempenho em habilidades cognitivas na amostra pesquisada, não
havendo um padrão comum de déficits entre os participantes. Ao mes-
mo tempo, os resultados nos testes podem sofrer influência indireta
do estado de saúde de cada criança e do próprio ambiente de interna-
ção hospitalar, que não é o mais adequado para avaliação cognitiva,
mesmo sendo tomados todos os cuidados para diminuir sua possível
influência.

Portanto, o estudo possibilitou demonstrar, ainda que de modo inicial,


que crianças com perfis mais preservados nos aspectos comporta-
mentais e de competências sociais, em geral, mostraram desempe-
nhos mais preservados em funções executivas. Estudo futuros na área
podem tomar como desafio a ampliação da compreensão a respeito
dessas relações, bem como as possibilidades de intervenção de curto
e longo prazo, para prevenir e reduzir déficits cognitivos ao longo do
tratamento para leucemias.


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RELATO DE PESQUISA

Funções Executivas na
Prática Clínica
Alberto TImóteo

Nesta edição, entrevistamos Leandro Fernandes Malloy-Diniz, Psicó-


logo, Mestre em Psicologia e Doutor em Farmacologia Bioquímica e
Molecular pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente, é
Professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de
Medicina da UFMG. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Neurop-
sicologia nos biênios 2012-2013 e 2013-2015. É membro fundador e
atual presidente da Associação Brasileira de Impulsividade e Patologia
Dual. É membro da International Neuropsychological Society na qual
integra o Consulting Board of Editors do Journal of the International
Neuropsychological Society. É Editor Associado das revistas Frontiers
in Psychopatology e Revista Brasileira de Psiquiatria. É Editor de Área
da Revista Clinical Neuropsychiatry.

1. Qual sua opinião em relação à importância das funções execu-


tivas para a prática clínica em Neuropsicologia?

Elas são importantes assim como as outras funções. Aqui no Brasil,


uma vez conversando com um grande amigo psicólogo professor
universitário ele falou que aqui no Brasil só se fala de funções executi-
vas e aprendizagem. E na verdade, cada módulo cognitivo que a gente
tem é resultado de um processo de seleção natural em que estes
módulos cognitivos se mostraram suficientes para alguma coisa, para
algum nível de adaptação. E a importância das funções executivas é no
sentido de que nós possamos exercer algum tipo de controle sobre os

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nossos automatismos e ter um comportamento direcionado à metas.


No exame neuropsicológico, elas são particularmente importantes na
medida em que na maioria dos transtornos psiquiátricos, algum ní-
vel de disfunção executiva é encontrado e estes indivíduos acabam
ficando à mercê dos seus esquemas mais automatizados em virtude
de não conseguir exercer esse controle cognitivo mais sofisticado que
as funções executivas garantem.

2. Onde você percebe que há a maior dificuldade em relacionar a


teoria e a prática no que diz respeito às funções executivas?

A quantidade de bobagens que se diz sobre funções executivas é mui-


to grande, por exemplo muita gente fala que função executiva é função
de lobo frontal. Na verdade, o lobo frontal é um terço do cérebro, tem
N outras funções. E as funções executivas na verdade estão associa-
das à circuitos que envolvem o lobo frontal, mas não estão ali. Elas são
mediadas por circuitos que envolvem diferentes regiões corticais, o
que formam subsistemas relacionados às funções executivas. Mas as
pessoas às vezes fazem uma inferência equivocada e irresponsável
de associar função executiva como sendo sinônimo de função frontal,
e na verdade, nós sabemos que não é bem assim. São dois níveis de
análise relacionados, mas nós temos que falar de testes de avaliação
de função e não de avaliação de região. Além disso, as pessoas não
têm crítica em relação a conceitos que são particularmente perigosos,
como por exemplo, função executiva quente e fria. De fato existe muita
facilidade para sustentar a diferença entre estes dois tipos de funções,
mas na prática clínica é muito difícil você falar que uma tarefa mede
só funções executivas quentes ou só funções executivas frias, porque
elas vão depender de uma série de características que vão além da
tarefa, características de personalidade, envolvimento, motivação, ida-
de. Então, às vezes, as pessoas fazem uns saltos conceituais que não
se sustentam na prática clínica. A última dificuldade é em relação ao
desconhecimento de modelo teórico de neuropsicologia cognitiva para
sustentar a interpretação dos fenômenos. As pessoas muitas vezes
acham que as funções executivas são uma coisa só, não conhecem os
modelos, e aí acabam fazendo inferências equivocadas em cima deste
desconhecimento. Então acho que sabe-se muito menos do que se
deveria na hora de avaliar, intervir e interpretar as funções executivas.

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3. Tendo em vista a importância dos testes na avaliação como


ferramenta complementar à observação clínica, qual é a melhor
forma de se avaliar as funções executivas?

Primeiro lugar, entender que a maioria dos testes tradicionais, como


Trail Making ou Fluência Verbal, que são usados na avaliação das Fun-
ções Executivas, foram desenvolvidos muito antes do conceito ter sido
refinado e para outros propósitos. Então é interessante a gente pensar
que um teste de funções executivas geralmente não mede só funções
executivas, assim como outros testes, afinal não existem testes puros.
Então, nós temos que entender que o resultado de um teste de função
executiva pode estar afetado não por uma disfunção executiva, mas
por outros aspectos da cognição. Outra coisa é de que a maioria das
tarefas foi desenvolvida sem a preocupação com a validade ecológi-
ca, então são muito distantes da realidade. As funções executivas são
extremamente dinâmicas, então o mesmo sujeito pode ter uma varia-
bilidade de resposta muito grande dentro de uma avaliação neuropsi-
cológica. As funções executivas são particularmente demandadas em
contexto de novidade, então, uma tarefa que é muito novidade vai de-
mandar muito mais funções executivas do que uma tarefa que o sujeito
já conhece, ou se de alguma forma possui semelhança a algo que ele
já faz no dia-a-dia. Então, uma tarefa pode estar mais ou menos exe-
cutiva de acordo com características do próprio sujeito, e as pessoas
muitas vezes não fazem esse tipo de interpretação. Tarefas ecológicas
como as tarefas da BADS, uma bateria de avaliação de funções execu-
tivas, são bastante úteis por elas serem mais próximas do dia-a-dia e
eu posso averiguar um comportamento em direção a uma meta. O pro-
blema é que nós temos poucas tarefas assim, aí nós acabamos usando
ou tarefas experimentais, a observação, e mais constantemente as es-
calas de preenchimento por outras pessoas e pelos próprios pacientes.
Que elas devem ser sempre utilizadas para interpretar o desempenho
do sujeito além do teste.

4. Como foi dito em resposta à segunda pergunta, as funções


executivas não são exclusivas do lobo frontal ou pré-frontal, cor-
reto? Você pode explicar mais essa questão?

Não se pode dizer que o fato de um paciente ir mal em um teste de


funções executivas é característica de um comprometimento no lobo
frontal ou pré-frontal. Os testes de funções executivas podem ser

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afetados por alterações em N outros sistemas cognitivos ou sistemas


neurais. Por exemplo, uma alteração de linguagem, de memória, aten-
ção, ou de psicomotricidade podem afetar o desempenho nas nossas
tarefas clássicas de funções executivas. Além disso, nós sabemos
que o córtex pré-frontal é extremamente rico em conexões, conexões
córtico-corticais, córtico-límbicas, córtico-subcorticais, córtico-ce-
rebelares e alterações em qualquer estação destes circuitos podem
de alguma forma prejudicar o funcionamento executivo e impactar o
resultado teste em questão. Então essa localização frontal dos tes-
tes neuropsicológicos de funções executivas acaba não sendo muito
razoável. E além disso tudo, ainda há uma diferenciação entre os níveis
de estrutura função, estrutura e função são dois níveis de análise di-
ferente quando queremos explicar um determinado fenômeno. Então,
muitas vezes vemos profissionais falando de teste de lobo frontal ou
teste de lobo pré-frontal, o que não é correto, nós não falamos de teste
de hipocampo, teste de lobo occipital, etc. Para a função executiva é
muito comum escutarmos esse tipo de menção até porque existem
algumas escalas e testes que possuem “frontal” no nome, porém não
é adequado utilizar esta nomenclatura para os testes, uma vez que
lesões subcorticais, por exemplo, podem alterar significantemente o
desempenho neste teste. Então não é adequado dizer que um teste
mede o desempenho de uma área cerebral, e sim que o teste mede o
desempenho de uma função cognitiva específica.

5. Qual é a maior dificuldade encontrada na avaliação das fun-


ções executivas em contexto clínico?

Primeiramente volto ao que já falei das particularidades dos pacientes,


em que as características pessoais de motivação, personalidade, fami-
liaridade com a tarefa ou situação de novidade para uma determinada
tarefa podem ser significativas para o desempenho daquele paciente.
Geralmente um paciente desmotivado, que foi obrigado por terceiros a
estar sendo submetido à avaliação, ou que já demonstra cansaço após
algum ponto da aplicação dos testes, vai apresentar resultados nos
testes piores do que um paciente com outras características, porém,
não quer dizer que ele possua as funções cognitivas comprometidas
ou que há algum problema em seus circuitos neurais ou corticais. Este
tipo de dificuldade pode ser bem trabalhada com uma boa observação
clínica sobre o caso e com baterias de avaliação que sejam mais focais
em relação ao que se quer avaliar, como por exemplo, caso a queixa

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seja em relação à memória, não é interessante aplicar vários testes


de linguagem, somente se foi percebido durante a entrevista clínica
um certo comprometimento naquele domínio cognitivo. Além disso,
uma outra dificuldade que pode acontecer na clínica tem a ver com
a apresentação das instruções de uma determinada tarefa ou teste.
Foi discutido em uma revisão recente sobre a avaliação de funções
executivas que mudanças sutis na apresentação da tarefa de funções
executivas pode levar a resultados completamente alterados de de-
sempenho. Por exemplo, o teste de Fluência Verbal em que você fala
para o paciente abertamente para que ele não faça variações de uma
mesma palavra, vai, de alguma forma, influenciar o uso de outros mó-
dulos cognitivos como o sistema semântico, sistema fonológico, e isso
se você aplica o teste sem essa instrução em um determinado sujeito
e depois compara os resultados com uma tabela em que as instruções
foram diferentes, você terá um parâmetro equivocado para interpretar
os resultados do teste naquele sujeito.

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