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CAPITALISMO E A PRODUÇÃO DE MIGRANTES E REFUGIADOS: LIMITES E

POTENCIALIDADES DO SISTEMA1

Renata Gonçalves Ribeiro Lucas2


Luiza Miranda Zechlinski3

OBJETIVOS
O presente trabalho busca fazer uma análise acerca das possíveis relações
entre o fenômeno do capitalismo e as migrações internacionais. Pretende-se, a partir
de então, posteriormente, a construção de uma pesquisa com viés critico e
propositivo no que tange aos atuais fluxos migratórios internacionais.
A história mostra que as relações entre o capital e o trabalho tem caráter
complexo e problemático. No entanto, a revolução na filosofia realizada por Marx
com o surgimento do materialismo dialético e histórico alçou o pensamento e o
mundo para uma nova concepção, principalmente entre as forças produtivas e as
relações de produção. Foi no desenvolvimento socioeconômico e político da
humanidade que sedimentou-se o regime capitalista; nas suas contradições
intrínsecas e na luta do proletariado e da burguesia.
O capitalismo está assentado na propriedade privada dos meios de
produção e na exploração do trabalho assalariado. A finalidade da produção
capitalista e a fonte do enriquecimento é a apropriação dos meios de produção e a
mais valia. E, a principal contradição é a existente entre o caráter social da produção
e a forma privada de apropriação. Samir Amim em Le Développement inégal escreve
que, “o modo de produção capitalista é caracterizado por uma contradição imanente:
a que opõe o crescente caráter social das forças produtivas ao persistente caráter
acanhado das ralações de produção” (AMIM, 1974).
A partir de suas análises, Marx constata que, a acumulação de capital
constituí o imperativo ou a força motriz da sociedade burguesa. Ela se baseia na
exploração da mão de obra operária que submete à produção mecanizada, com a
finalidade de assegurar a mais valia. Consequentemente, há a formação de um

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Trabalho apresentado no XI Encontro Nacional sobre Migrações, realizado no Museu da Imigração
do Estado de São Paulo, em São Paulo, SP, entre os dias 9 e 10 de outubro de 2019.
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Graduanda em Direito pela Universidade Católica de Pelotas e pesquisadoras do grupo de estudos
em políticas migratórias e Direitos Humanos – GEMIGRA, da Universidade Católica de Pelotas.
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Graduanda em Direito pela Universidade Católica de Pelotas e pesquisadoras do grupo de estudos
em políticas migratórias e Direitos Humanos – GEMIGRA, da Universidade Católica de Pelotas.
exército industrial de reserva e sobre ele recai a Lei Geral de Acumulação Capitalista
onde “O mecanismo da produção capitalista e da acumulação adapta continuamente
esse número (de trabalhadores) e essas necessidades (de expansão do capital). O
começo deste ajustamento é a criação de uma superpopulação relativa ou de um
exército industrial de reserva, e o fim da miséria de camadas cada vez maiores do
exército ativo e o peso morto do pauperismo” (MARX, 1984).
Esse processo pode ser compreendido historicamente a partir das primeiras
migrações de caráter fundamentalmente econômico, as quais se iniciam com o
desenvolvimento do capitalismo e, paralelamente, com o decurso da industrialização
e urbanização; o que, na época, acarretou no declínio das sociedades rurais, bem
como, no desenvolvimento dos burgos e da classe trabalhadora (SASAKI; ASSIS,
2000).
Marx, em “Contribuição a Crítica da Economia Política” (1984), demonstra
que no transcurso da produção social, os homens contraem determinadas relações
necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção, que
correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das forças produtivas
materiais. E, o conjunto destas relações de produção forma a estrutura econômica
da sociedade, a base real sobre a qual se ergue a superestrutura jurídica e política e
àquelas que correspondem a determinadas formas de consciência social.
No entanto, diferentemente do êxodo rural no fervor da revolução industrial,
é a partir das expedições para o Novo Mundo, onde as pessoas em situação de
pobreza e miserabilidade, principalmente devido a exploração do trabalho na lógica
capitalista, migraram, ou melhor, dizendo, fugiram para as colônias, para
distanciarem-se das crises cíclicas que a produção industrial de larga escala
estabelecia, ou também, devido a superpopulação e o consequente desemprego que
se instaurava nestes centros (SASAKI; ASSIS, 2000). Esta superpopulação é
produto inerente do processo de produção e valorização do capital, decorrente não
só das condições de exploração que impõe o processo produtivo, mas ainda, na
determinação dos níveis salariais.

Uma população trabalhadora excedente é produto necessário da


acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo,
essa super-população torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação
capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista.
Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao
capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria

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custa […]. Não basta à produção capitalista de modo algum o quantum de
força de trabalho disponível que o crescimento natural da população
fornece. Ela precisa, para ter liberdade de ação, de um exército industrial de
reserva independente dessa barreira natural (MARX, 1984, p. 200 e 202).

Em sequência, pode-se distinguir outro movimento migratório, o Novo


Mundo incipiente e “não-civilizado” na tentativa de reproduzir instituições ocidentais
torna-se, no caso das colônias de exploração, o 3º Mundo, o qual a partir de
movimentos migratórios proporciona uma grande fonte de massa trabalhadora de
reserva, mobilizada às necessidades do capital (SASAKI; ASSIS, 2000).
Estes imigrantes são designados para trabalhos marginalizados, de caráter
informal, os quais, por vezes, em razão da própria dificuldade na regularização do
seu status no país, acabam por privá-los do acesso aos institutos de proteção
trabalhista tal como o direito do trabalho e os sindicatos. Relativo a isso, demonstra
Gaudemar que:

Os trabalhadores imigrantes também não dispõem dos mesmos direitos


sindicais, nem de um modo geral do direito de associação e de expressão
cultural própria. Esta discriminação social e política que se encontra em
todos os aspectos da vida dos imigrados (trabalho, alojamento, saúde,
tempos livres...) implica grandes dificuldades para a organização e luta dos
trabalhadores imigrados, mesmo para os seus direitos elementares, para
escaparem à sua condição de novos escravos... (GAUDEMAR, 1977, p. 28).

Ressaltando ainda, a posição de vulnerabilidade dos imigrantes ilegais, em


evidência as mulheres e minorias étnicas, que sofrem em grau superior para compor
o corpo operário. É também nesses momentos em que valores culturais ocidentais
são rechaçados, tais como igualdade, direitos fundamentais e estado de bem estar
social, em prol do capital (KIZEK, 2016).
Em consonância:

O estatuto político inferiorizante e a fraca qualificação dos imigrados


permitem às empresas explorá-los ao máximo (salários baixos, horários
frequentemente prolongados, ritmo de trabalho muito intenso). Mas a sua
forte taxa de mobilidade traz igualmente aos capitalistas economias
apreciáveis sobre as massas salariais: a rápida rotação de trabalhadores
imigrados suprime todas as regalias de antiguidade e permite manter uma
fraca taxa salarial. Do mesmo modo, os trabalhadores imigrados, que têm
uma taxa de atividade superior à média, contribuem para instituições sociais
de que só raramente se beneficiam (doença, desemprego, velice)
(GAUDEMAR, 1977, p. 27).

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Partindo desses princípios defendidos por Sasaki; Kizek e Gaudemar um
ponto a ser analisado é o paradoxo existente entre a produção de migrantes e a
exclusão deles do capital nacional resultante da sua força laboral. Começa-se
observando como os migrantes são formados na conjuntura atual: o capitalismo é a
resposta chave para tal. Parafraseando as palavras do doutorando Allisson Goes, a
cultura capitalista constrói barreiras físicas e simbólicas para o trânsito de pessoas,
principalmente para os menos favorecidos economicamente, os quais, teoricamente,
não tem nada a ofertar àqueles que os receberão. Contudo, de forma controversa,
esse sistema, ao mesmo tempo, permite que capitais, bens e mensagens sejam
dissimulados pelo mundo de forma imediata.
Portanto, percebe-se que o migrante é necessário para o sistema capitalista,
porém ele não é aceito na lógica social, em outras palavras, o capitalismo produz e
precisa dos imigrantes para aqueles trabalhos com mão de obra barata, sub-
remunerados e precarizados, mas em contra partida, exclui eles do resultante da sua
produção laboral e, mais preocupante ainda, os exclui do corpo social, por meio de
uma sociedade regada a preconceitos, que vê aquele que migra como forasteiro e
indigno de permanência no país.
A migração surge como uma maneira de potencialização de ganhos no
momento em que projeta essas pessoas nesses esquemas de trabalho debilitados,
já que existe a fuga de condições degradantes no país de origem, almejando uma
nova perspectiva de vida, entretanto são recebidos com novas formas de exploração
que seguem perpetuando desigualdades e conjunturas de insegurança. Nesse
aspecto, os refugiados são o extremo dessa estrutra decorrente do capitalismo e do
processo de globalização, uma vez que são os que mais sofrem para sair de seus
países e também quando conseguem chegar ao seu destino, são os que mais
passam por preconceito e exclusão. Z. Bauman constata que: “eles deixam suas
terras, mas são preteridos aonde tentam chegar e assim empurrados para lugar
algum, rejeitados pelo medo do estrangeiro, da diferença, do outro; pelo medo da
“desestabilização” social, econômica e cultural que a presença do outro pode
causar” (BAUMAN, 2009).
Por conseguinte, eles seguem em frente indefinidamente e são repelidos na
medida que o lucro chega a seu ápice; esses migrantes tem sua força da trabalho
sugada ao máximo e depois, ao chegarem as crises econômicas naturais de um
sistema capitalista, são os primeiros a serem descartados do conjunto social, isso

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fora o ocorrido na França, pós Segunda Guerra, com a utilização do trabalho
argelino para a reconstrução econômica francesa, bem ilustrado por Sayad (1998),
desse modo pode-se depreender que, no mundo capitalista e globalizado atual, o
capital circula preferencialmente e em seguida migram as pessoas.
Lembra, ainda, Marx que, o modo de produção capitalista é forçado a
revolucionar incessantemente a produção, e, portanto, igualmente forçado a
revolucionar incessantemente as relações de produção para adaptá-las à exigências
do desenvolvimento contínuo das forças produtivas. A história do Capitalismo é,
necessariamente, a história deste processo de ajustamento das relações de
produção às exigências do progresso das forças produtivas. Este processo é
constituído por fases de expansão e cada fase é caracterizada por um modelo
particular de acumulação (AMIN, 1978).
No cenário atual há uma progressão da estrutura de mercado, em vista do
processo de globalização e internacionalização da produção, dispersando as
relações de trabalho e criando uma flexibilização das antigas estruturas de emprego.
Portanto, percebe-se a imigração como um processo da própria estrutura de
acumulação flexível (SASAKI; ASSIS, 2000).
Sustentado por Sassen "Globalization has also produced sites that
concentrate a growing demand of particular types of labor supplies. Strategic among
these are global cities, with their sharp demand for top-level transnational
professionals and for low-wage workers, often women from the global south”
(SASSEN, 2008).
Sob outra perspectiva da globalização fundamenta Zizek a partir de
Sloterdijk:

En su obra En el mundo interior del capital, Peter Sloterdijk demuestra


cómo, en la globalización actual, el sistema mundial completó su desarrollo
y, en cuanto que sistema capitalista, acabó determinando todas las
condiciones de vida. […]. El alcance global del capitalismo se fundamenta
en la manera en que introduce una división radical de clases en todo el
mundo, separando a los que están protegidos por la esfera de los que
quedan fuera de su cobertura.

METODOLOGIA
O método de abordagem utilizado para o presente projeto de pesquisa é o
materialismo-histórico. Ele consiste em uma pesquisa qualitativa de caráter

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bibliográfico-documental caracterizada pelo olhar interdisciplinar e o viés crítico
sobre o problema proposto.

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se


preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não
podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (p. 21-22).

É utilizado para explicar a migração uma análise bibliográfica marcada pelas


referências de autores de cunho marxista para determinar a relação do migrante e o
empresariado, em outras palavras, a própria luta de classes. Da mesma forma,
serão utilizados outros autores para compreender o migrante para além da sua
função laboral.
O objetivo do presente trabalho se propõe em denunciar a migração como
um processo que advém do próprio capitalismo e de seus interesses evidenciando
profundamente seus mecanismos de exploração. Assim como, explicar o paradoxo
entre a produção do migrante dentro da lógica capitalista e sua decorrente exclusão
dentro do sistema.

CONCLUSÃO
É possível, portanto, perceber que o movimento de migração,
fundamentalmente econômico, tem seu alicerce sedimentado na história das
relações de trabalho onde o detentor dos meios de produção desloca o capital
variável, mão de obra excedente dos países de capitalismo dependente, às
necessidades do capital. Tal fato reflete a intenção de maximizar os lucros por meio
da contratação de trabalho imigrante cuja baixa remuneração da mão de obra
propicia a acumulação do capital.
Outro aspecto a relevar, é a percepção de que a globalização naturalizou o
processo de migração como parte da lógica do próprio funcionamento, em outras
palavras, do próprio capitalismo. Este sistema traz no seu cerne contradições entre
as duas classes, empresariado e o trabalhador, sendo no presente trabalho utilizado,
em específico, o caso dos migrantes.
A conjuntura atual demonstra que políticas migratórias são retrógradas,
intensificam as adversidades e maculam a imagem do imigrante. Percebe-se

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também que o imigrante é explorado em seu máximo pelo país que desembarca, em
posições degradantes e precárias, servindo apenas como fornecedor de lucro, sendo
facilmente descartado quando o país assim deseja. O capitalismo fez com que, no
cenário atual, as pessoas sejam preteridas em função do capital, servindo aquelas
apenas como mão de obra barata, em se tratando de imigrantes e refugiados.

REFERÊNCIAS
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development. New York, NY: Monthly Review Press, 1974.
GAUDEMAR, J. P. Mobilidade do trabalho e acumulação de capital. Lisboa:
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SASAKI, E. M.; ASSIS, G. O. Teorias das migrações internacionais. In: ENCONTRO
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SASSEN, S. Três migrações emergentes: uma mudança histórica. Sur – Revista
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SASSEN, S. Two stops in today„s new global geographies: shaping novel labor
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ZIZEK, S. La nueva lucha de clases los refugiados y el terror. Barcelona:
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