Você está na página 1de 6

Caderno Virtual de Turismo

L DE TU
UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 3, N° 4 (2003)

RI
SMO
DE

CA

Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica


Por Prof. Dr. Davis Gruber Sansolo e
Profa. Dra. Rita de Cássia Ariza da Cruz *

Resumo

Quando ainda candidato à presidência da república, o atual Presidente já manifestava


publicamente a importância que daria ao turismo em sua gestão, caso fosse eleito. Com a
criação do Ministério do Turismo, logo no primeiro dia de mandato, e o posterior lançamento
do Plano Nacional de Turismo a tendência se confirmou agradando a vários setores da
sociedade. Nesse sentido, o objetivo desse estudo é tecer uma análise crítica das atuações
do poder público nesse primeiro ano de existência do Ministério.

www.ivt -rj.net
Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica

LTDS
Davis Gruber Sansolo e Rita de Cássia Ariza da Cruz

Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social

1
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 3, N° 4 (2003)

RI
SMO
Introdução brasileira tanto à criação do Ministério do
DE

CA Quando ainda candidato à Turismo como à implementação do Plano


presidência da república, o atual governo Nacional do Turismo.
já manifestava publicamente a importância Como estudiosos do planejamento
que daria ao turismo em sua gestão, caso governamental e das políticas públicas do
fosse eleito. A criação do Ministério do Turismo turismo julgamos, entretanto, necessária a
em 01/01/2003 (Medida Provisória nº 103), apreciação crítica deste momento da ação
primeiro dia de seu mandato, é emblemática pública relativa ao turismo no Brasil e de seu
do status conferido por este governo ao principal instrumento, o Plano Nacional do
turismo na administração pública federal, já Turismo. Tal apreciação objetiva, sobretudo,
que, pela primeira vez na história do país o contribuir para a construção de um
turismo tem um Ministério todo para si. conhecimento crítico sobre planejamento

À essa primeira medida administrativa governamental e política pública do turismo

somou-se, pouco tempo depois, o primeiro no Brasil, a partir de um documento central

documento de caráter generalizante deste neste processo, e de forma teoricamente

governo voltado à organização e ao fundamentada.

desenvolvimento do setor do turismo no Brasil,


que é o Plano Nacional de Turismo: 2003- Um Ministério e o paradoxo da
20071 . Considerando o curto interregno de gestão pública do turismo
tempo entre a criação do Ministério do A criação, pela primeira vez na nossa
Turismo, a organização da administração história, de um Ministério do Turismo é
pública federal de um modo geral e o paradoxal no que tange ao sentido e à
lançamento oficial do referido Plano, pode- importância que tem o turismo para este
se inferir a clara prioridade que tem o turismo governo.
nesta administração. Como uma atividade multifacetada,
Esse novo status adquirido pelo turismo capaz de mobilizar dezenas de setores
na administração pública federal nada mais produtivos, de movimentar contingentes de
é do que um reflexo da reconhecida e pessoas pelos territórios, de transformar os
crescente importância que tem esta lugares, o turismo mostra que não é um tema
atividade hoje, sobretudo no plano passível de ser tratado apenas por um
econômico, por sua capacidade de organismo da gestão pública. As interfaces
dinamizar diversos setores produtivos, gerar entre turismo e outras práticas sociais e
riqueza, renda e empregos. Em tempos de produtivas são fortes e evidentes e daí a
Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica

globalização, de desemprego estrutural, de problemática da concentração de ações


crescimento da pobreza, o setor serviços e, voltadas ao seu desenvolvimento em um
Davis Gruber Sansolo e Rita de Cássia Ariza da Cruz

inserido nele, o turismo, tem jogado um papel único órgão da administração.


cada vez mais importante para as Na Alemanha, por exemplo, o
sociedades. desenvolvimento do turismo não é submetido
A valorização do turismo por este há nenhum ato geral, nem na escala federal
governo agrada a muitos atores sociais como nem na escala estadual, sendo fortemente
empresários do setor, populações de núcleos influenciado por outras políticas setoriais
receptores de turistas, pesquisadores e como política de transportes, fiscais, de
*Docentes do Programa de Mestrado em
Hospitalidade da Universidade Anhembi estudantes da área, entre outros e daí saúde, trabalho, políticas sociais, de
Morumbi.
esperar-se, naturalmente, uma reação educação entre outras. Todas essas políticas
1 O Plano Nacional do Turismo foi lançado
oficialmente em 29/04/2003. predominantemente positiva da sociedade setoriais consideram o turismo como uma

2
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 3, N° 4 (2003)

RI
SMO
atividade relevante para a Alemanha e, diversos setores da administração púbica,
DE

CA neste sentido, deflagram ações específicas em suas diferentes escalas, serem refratários
voltadas para o setor. As políticas de turismo ao tratamento de temas pertinentes ao
na Alemanha estão em constante desenvolvimento do turismo, mantido,
comunicação com as outras políticas setoriais freqüentemente, fora das agendas das
que têm qualquer ingerência sobre o bom políticas públicas setoriais pelas deveria ser
desenvolvimento da atividade. considerado.

O turismo é tido na Alemanha como a


atividade mais importante do setor serviços, Planejamento governamental,
respondendo por 8% do PIB nacional e Plano e Política Pública
empregando 3 milhões de pessoas direta e Planejamento é um processo contínuo

indiretamente. Ao invés de um Ministério do de tomadas de decisão, voltado para o

Turismo, a administração pública federal futuro e para a perseguição de um ou mais

alemã tem uma Divisão de Política de Turismo fins. Como processo, o planejamento tem um

subordinada ao Ministério da Economia e do forte sentido de intangibilidade e não pode,

Trabalho. portanto, ser confundido com um plano, que


é um documento que reúne um conjunto de
O exemplo da administração pública
decisões sobre determinado tema/área/
federal alemã é também emblemático da
setor. Planejamento governamental nada
importância que pode ter o turismo para um
mais é do que o planejamento que se faz no
governo. Ao tratar o turismo como uma
âmbito das administrações públicas,
questão transversal a diversos ministérios, a
considerando-se suas diferentes escalas de
Alemanha demonstra claramente o grau de
gestão.
relevância atribuído à atividade.
A política pública, por sua vez, é parte
Conclusivamente, pode-se dizer que
do processo de planejamento gover-
a criação de um Ministério do Turismo é,
namental e envolve tudo aquilo que um
portanto, paradoxal: de um lado sugere que
governo decide fazer ou não relativamente
o setor está sendo elevado a um alto
a um dado setor da vida social1 . Vista assim
patamar de importância na administração
de forma tão abrangente, a política pública
pública; de outro, faz pensar que pelo fato
funde-se ao próprio processo de
de o turismo ser um tema inexistente ou
planejamento, com a diferença de que o
periférico nos ministérios que têm ingerência
planejamento é o processo e a política
direta sobre seu desempenho, a
pública é o posicionamento da
administração pública federal vê como
Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica

administração pública frente a um aspecto


única alternativa para tentar reverter este
da vida social em um dado momento. Este
quadro criar um Ministério só para o ele.
Davis Gruber Sansolo e Rita de Cássia Ariza da Cruz

posicionamento pode ser exposto na forma


Uma cultura de valorização do turismo
de um documento - tal como o plano - e ter,
não é algo que se constrói da noite para o
conseqüentemente, a visibilidade que se
dia ou por meio de atos administrativos ou
espera de uma política pública ou não.
de diplomas legais. Isto somente pode ser
A política pública pode ser mais ou
construído social e historicamente. E,
menos generalizante. No que se refere ao
historicamente, a administração pública
turismo, por exemplo, podem desdobrar-se
federal no Brasil jamais tratou o turismo, de
1-Segundo Collin Michael Hall (Planejamento
turístico: políticas processos e de uma política de turismo outras políticas
fato, como uma atividade relevante. Ao
relacionamentos. São Paulo, Contexto: 2001,
pp. 26) , “a política pública para o turismo é específicas como uma política de marketing
contrário, sua relevância resumiu-se apenas
tudo o que os governos decidem fazer ou não
com relação ao setor” turístico, de capacitação de mão-de-obra
ao plano do discurso. Daí, possivelmente,

3
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 3, N° 4 (2003)

RI
SMO
para o turismo, de apoio ao artesanato local/ objetivamente organizados, devidamente
DE

CA regional etc. Mas, a pergunta que não quer congruentes e necessariamente publicizados
calar é: o que vem antes, a política pública
ou o plano? O novo Plano Nacional do
Se partimos da premissa de que a Turismo e o velho discurso
governamental
política pública de turismo é tudo aquilo que
um governo decide fazer ou não Ao contrário do que coloca o

relativamente ao setor, temos de considerar Presidente da República, em sua Mensagem

o plano como um produto da política introdutória ao PNT, turismo não é uma

pública. Neste caso, em se tratando do Plano questão apenas de vocação, uma vez que

Nacional de Turismo do atual governo, cabe o potencial turístico não é dado

perguntar: qual é a política pública de naturalmente, mas sim como resultado de

turismo do governo Lula? uma construção cultural. Enquanto produto,


ele é fruto de um conjunto de condições
É precisamente aqui que vemos a
decorrentes de relações entre cultura,
primeira lacuna do planejamento
mercado e políticas públicas que venham
governamental do turismo do atual governo:
proporcionar o desenvolvimento da
a visibilidade da política pública de turismo
atividade.
alcançada no governo FHC está, neste
momento, perdida. Sabemos que o governo Este discurso governamental gera uma

Lula tem uma política para o setor turismo, espécie de crença generalizada de que

mas não a conhecemos na sua íntegra. temos todas as condições para nos

Conhecemos sim um de seus produtos, o Plano destacarmos no ranking internacional de

Nacional de Turismo, mas não temos clareza destinos turísticos quando, na verdade, o

de qual é a política pública de turismo que melhor posicionamento do Brasil neste ranking

está por trás deste Plano. Este governo depende não apenas das ações tomadas

apressou-se em elaborar um plano de ação, internamente, mas, inclusive, de

negligenciando a importância da definição, externalidades sobre as quais não temos

da clareza e da publicidade da política possibilidades de ingerência2.

pública como instrumento da gestão pública. Por outro lado, o tom da mensagem
Neste sentido, há uma perda relativamente do Sr. Presidente parece contribuir, também,
ao governo que o antecedeu. Apesar, com a repetida idéia de que o turismo é a
portanto, da nítida importância que o atual "salvação da pátria" e este é um risco que
governo atribui ao setor turismo, por opção um plano governamental não pode incorrer.
Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica

política ou por erro estratégico de O turismo é capaz, de fato, de trazer


planejamento perdeu-se uma importante grandes benefícios para o Brasil, como foi e
Davis Gruber Sansolo e Rita de Cássia Ariza da Cruz

conquista do governo anterior. Nunca antes tem sido com outras nações, mas somente
de FHC uma política nacional de turismo baseado em um processo lento e planejado.
alcançou a visibilidade da PNT 1996-1999. Não se pode esperar que o turismo, como
Por outro lado, a política pública de setor da vida social, traga a solução de todos
FHC previa a elaboração de um plano os problemas de emprego do país ou a tão
nacional de turismo que nunca foi feito. Ou sonhada justiça social. Ao contrário, o que se
seja, em termos de planejamento pode perceber em diversas partes do Brasil e
2 Entre essas externalidades podemos
destacar os modismos internacionalmente governamental, ainda não vivenciamos um do mundo é que o turismo segue a mesma
produzidos pelos agentes hegemônicos da
publicidade, do marketing, do agenciamento processo completo em que política pública lógica de produção industrial capitalista e,
de viagens bem como a competição cada vez
mais acirrada com outros destinos tropicais. federal e plano nacional de turismo fossem portanto também produz pobreza, exclusão

4
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 3, N° 4 (2003)

RI
SMO
social e espacial, degradação ambiental seu consumo, o discurso público privilegia a
DE

CA entre outros problemas. O que se deve abordagem do turismo como negócio. Se por
enfatizar é o modelo de desenvolvimento um lado, entretanto, os benefícios
que se quer e o tipo de turismo que, econômicos do turismo são uma prioridade
conseqüentemente, se deseja desenvolver para os governos, como, por outro lado,
e isto envolve todos os setores da alcança-los, negligenciando-se o território?
administração pública e, sobretudo, suas A abordagem regional que faz o Plano
políticas globais como política econômica e Nacional do Turismo restringe, a princípio, a
políticas sociais. escala regional a macro-regiões, ora
coincidentes com as macro-regiões político-
Por fim, o território administrativas ora a regiões econômicas ou
negligenciado fisiográficas (conforme se pode ver no
Que o turismo é capaz de gerar riqueza, Programa de Desenvolvimento Regional,
renda, postos de trabalho e movimentar parte do Macro Programa 3 - Infra-Estrutura,
diversos setores produtivos é fato que menciona como exemplos o Prodetur
amplamente discutido e unanimemente Nordeste II, Sul, Centro, Proecotur Amazônia
reconhecido. O que não se pode esquecer, e Programa Pantanal).
entretanto, são seus importantes efeitos sobre
O Programa de Roteiros Integrados não
os territórios.
é entendido pelo Plano como um programa
Tendo o espaço como principal objeto de desenvolvimento regional apesar de
de consumo, o turismo é uma prática social prever a organização de municípios em
fortemente territorializada e igualmente consórcios. Neste caso, parece haver uma
territorializante já que introduz nos lugares sua redução do sentido de região à dimensão
lógica de organização espacial, não raras político-administrativa, quando, em
vezes solapando lógicas pré-existentes. verdade, o conceito de região abarca

No Plano Nacional do Turismo 2003- diferentes escalas geográficas. Neste caso,

2007, o território é abordado - como tem sido perde-se a oportunidade de utilizar de forma

sistematicamente no planejamento mais efetiva a região como instrumento do

governamental do turismo no Brasil - como planejamento governamental e da gestão

uma questão secundária, ofuscada por uma pública dos territórios.

abordagem predominantemente A questão central e final que


econômica e economicista do fenômeno. poderíamos colocar aqui diz respeito às
Compreendemos que a cadeia produtiva limitações que tem o turismo assim entendido
Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica

tem de ser conduzida, orientada, para produzir os efeitos desejados pelas


normalizada pelo poder público, mas não sociedades, ou seja, um desenvolvimento
Davis Gruber Sansolo e Rita de Cássia Ariza da Cruz

planejada. O território sim é que tem de ser econômico traduzido em melhores condições
planejado. Ele tem de ser a base de limitações de vida para os brasileiros de um modo geral
e de incentivos; uma base normativa para e não apenas para agentes de mercado ou
que a dimensão econômica se desenvolva parte das populações de núcleos receptores
fundada no binômio concorrência/ de turistas. O turismo tem de ser entendido
colaboração. como um setor da vida social e, como tal,

Os objetivos gerais do Plano denotam com capacidade limitada para mudar as

claramente seu enfoque econômico. Sendo condições sociais historicamente construídas

esses objetivos gerais desenvolver o "produto no Brasil. O turismo tem de ser compreendido

turístico brasileiro" e estimular a facilitação de como uma atividade transversal a diversos

5
Caderno Virtual de Turismo
L DE TU
UA
RNO VIRT ISSN: 1677-6976 Vol. 3, N° 4 (2003)

RI
SMO
setores da vida social e se tiver de ser uma
DE

CA prioridade para este ou para os próximos


governos terá de ser lembrado pelas
agendas das políticas públicas de diversos
organismos públicos como demonstra o bem
sucedido exemplo da administração
pública alemã. O turismo pode ser sim um
meio para se melhorar as condições de vida
de muitos brasileiros, mas, para tanto, não
poderá mais ser tratado como um fim.

Plano Nacional do Turismo: uma análise crítica


Davis Gruber Sansolo e Rita de Cássia Ariza da Cruz

Você também pode gostar