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Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/

Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e


Psicologia – ISSN 2178-1281

PENSANDO A CIDADE: A RELAÇÃO ENTRE CULTURA E EXPERIÊNCIA NA


CONSTITUIÇÃO DE REDES DE COMUNICAÇÃO.*

Letícia Siabra da Silva/UFU**

Este trabalho tem como objetivo pensar a constituição dos movimentos


comunicativos na cidade de Uberlândia- MG entre os anos de 1999 e 2009, no que
tange os grupos de moradores ao articular a dinâmica social. Destacamos a análise
de duas fontes da pesquisa a fim de investigar uma relação entre televisão e
imprensa. Ao analisar o material produzido pela TV Vitoriosa, a partir do Programa
Linha Dura e também seus desdobramentos pelos bairros da cidade com o evento
Linha Dura no seu bairro; compreendemos como necessário construir uma
investigação que articula a relação entre as vivências dos moradores na cidade,
integrando e constituindo formas de se comunicar.
No campo da imprensa destaca-se o Jornal Correio de Uberlândia (impresso)
de circulação local na cidade. Visando perceber a cidade a partir dos meios de
comunicação propomos uma discussão que direciona para a definição da
problemática evidenciando questões condizentes com a investigação. Dessa
maneira, sugerimos enquanto abordagem teórico-metodológica autores como;
Raymond Williams, Stuart Hall, Eduard P. Thompson e Grupo Memória Popular.
Portanto, uma reflexão em termos de metodologia de pesquisa é relevante,
oferecendo subsídios para análise de fontes.
Durante os anos de 2008 e 2009 acumulei um material áudio visual referente
às gravações de um programa de televisão transmitido na cidade de Uberlândia pela
Rede Vitoriosa1. Tal programa se propôs a fazer um jornalismo que acompanhasse
os moradores na cidade: “O Linha Dura fala a linguagem do povo. É solidário. Faz
campanhas sociais, acompanha cidadãos em juízo, hospitais e prefeituras. Cobra e
exige respostas...”2 Percebi que muitas pessoas mencionavam o Linha Dura
enquanto estratégia para que suas reivindicações chegassem onde deveria chegar.
Nas exibições do Programa Linha Dura percebe-se um apelo quanto ao povo, pois,
vemos nas falas do âncora, a ênfase para determinar que “Aqui a televisão é do
povo”3.
Também este programa conta com a presença de profissionais da área do
direito, uma vez que o morador liga para o programa e ao vivo conversa com a
*
As discussões em termos de debate teórico-metodológico presentes neste texto foram apresentadas
inicialmente na disciplina Trabalho e Representações, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Regina Ilka Vieira
Vasconcelos, na Linha de Pesquisa Trabalho e Movimentos Sociais no Programa de Pós-Graduação
em
**
História da Universidade Federal de Uberlândia, durante o primeiro semestre de 2011.
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Uberlândia.
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Pesquisa em
andamento,
1
orientada pela Prof.ª Drª. Marta Emísia Jacinto Barbosa.
Conforme o relatório de pesquisa Cpqd, a Rede Vitoriosa pertence à Wellington Salgado de Oliveira
aparece ainda como Diretor e Sócio (Juntamente com Wallace Salgado de Oliveira) da Rede
Vitoriosa de Comunicações donos da TV Vitoriosa em Ituiutaba-MG, 148 retransmissora do SBT
(SBT, 2006) além da TV Goiânia no Estado de Goiás. Para maiores informações, ver: FUNDAÇAO
PADRE URBANO THIESEN. Cartografia Audiovisual Brasileira de 2005; um estudo quali-quantitativo
de
2
TV e cinema. Cosette Castro (coordenadora)/ Relatório de Pesquisa CPqD, 2006, p. 238.
REDE VITORIOSA. Disponível em: http://www.redevitoriosa.com.br/index.html . Acesso em: dez/
2009.
3
JORNALISTICO. Programa Linha Dura. Uberlândia: TV Vitoriosa. Programa de televisão,
23/04/2009.

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advogada. Esta por sua vez orienta o telespectador como deve proceder. Percebe-
se no programa a ponte entre quem perdeu os documentos pessoais e quem os
encontrou e levou até a recepção da Rede Vitoriosa. A aproximação com o público
se faz de distintas maneiras, ligações telefônicas, agradecimentos transmitidos pelo
programa, emails, cartas, dentre outros.
Existe um espaço destinado ao balanço dos crimes ocorridos durante a
semana: os mais violentos, a quantificação de mortes em homicídios e acidentes de
transito, ou mesmo acidentes de trabalho. Outro ponto que merece destaque em
relação ao programa é o modo como a pauta de matérias é formada uma vez que
parte de denuncias de moradores/ telespectadores. Pois se trata de uma maneira
como os moradores participam da programação.
Acompanhar a cidade que o programa Linha Dura propõe, através das
matérias e reportagens sobre os moradores e suas reivindicações nos bairros, me
permite investigar a relação entre experiência e comunicação: como que esta
relação configura os modos de vida dos moradores pobres na periferia da cidade?
Moradores ligam para o programa solicitando que melhorias nos bairros mais
pobres sejam feitas, seja quanto a limpeza de terrenos baldios, duplicação de ruas,
acabar com buracos, dentre outros. Daí o programa se dispõe a cobrar que estes
serviços sejam feitos. Isso sugere uma prática dos moradores de bairros mais
pobres quanto à maneira como chegar até estes órgãos competentes, mas a partir
da comunicação. Tanto porque essa comunicação aparentemente funciona.
Nesse sentido, podemos pensar nos caminhos encontrados pelos moradores
para vivenciar a cidade enquanto prática uma vez que temos aí a relação inicial que
permite pensar essa interação entre o programa e os moradores, mas também se
torna necessário partir dessas experiências comunicacionais nos bairros das
periferias da cidade visto que diante de várias formas de construção/intervenção no
espaço urbano este movimento é concreto na cidade.
Minha intenção em acompanhar o programa Linha Dura no presente permite
entender no campo da história porque e como determinada prática jornalística
assume importância e aumenta cada vez mais? Por que ganha legitimidade no
cotidiano, e como as apropriações de uma linguagem que se populariza é
interpretada e utilizada pelos moradores na periferia da cidade enquanto estratégia
para reivindicação de direitos? E como isso constitui práticas habituais entre os
moradores pobres na periferia da cidade?
Considerando a presença do Jornal Correio de Uberlândia na cidade, e
analisando a tiragem e circulação do jornal, percebe-se a distribuição diária de
10.000 exemplares, sendo a maioria do público leitor composta de assinantes 4.
Entretanto, o jornal se apresenta como sendo o jornal da cidade:

Com mais de 70 anos de tradição e 50 mil leitores, o Correio faz


parte da história da população de Uberlândia. De olho no que
acontece no país e no mundo, é um jornal moderno, completo e
dinâmico... O Correio de Uberlândia é o lugar de se ver e ser visto
por toda a cidade.5

4
Trata-se de um estudo de mídias da empresa ALGAR, incluindo tiragem do Jornal Correio. Ver:
ALGAR. Mídia Kit. Disponível em: http://midiakit.algarmidia.com.br/?secao=inicio. Acesso em:
05/08/2011.
5
Idem.

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O jornal é dividido em cadernos e sessões, dentre estes procurando


evidencias da presença dos moradores estabelecendo um campo de comunicação
destacamos a seção Boca no Trombone, onde moradores utilizam daquele espaço
no jornal para também fazerem reivindicações, na maioria das vezes, tais
reivnidicações são referentes à falta de saneamento básico e infra estrutura, neste
caso o direcionamento da fala é perante o poder público, então o jornal assume um
papel de intermediário , veículo de comunicação, torna-se essencial investigar como
esta relação de comunicação é estabelecida e acima de tudo articulada, o meio é
carregado de intenções e posicionamentos, mas também não está a parte dos
sujeitos que o compõe, isso permite pensar em termos culturais como são estas
relações estabelecidas a partir da palavra impressa. Será que o jornal enquanto
forma de reivindicação destes moradores é eficaz em relação à prestação de
serviços?
Esta é uma pergunta pertinente porque possibilita confrontar com outro
formato jornalistico que é o programa de televisão e acima de tudo permite investigar
no campo dos fazeres sociais o papel social de cada um. Para quem o jornal é
eficaz enquanto veiculo de reivindicação? E para quem o programa Linha Dura é
eficaz enquanto veiculo de reivindicação? Como estes dois formatos participam do
cotidiano das pessoas de grupos distintos de moradores leitores e telespectadores,
e porque não dizer classes distintas?
Pensar em como surgiu determinada prática jornalística que envolve os
víveres dos trabalhadores no âmbito da cidade e se relaciona com estes, permite
investigar as relações que são estabelecidas a partir das reivindicações destes
trabalhadores através da imprensa e da televisão, segmentos de comunicação
distintos que se cruzam a partir de redes construídas entre os moradores, uma vez
que evidencio a reivindicação por direitos enquanto questão central na pesquisa
para analisar porque estes trabalhadores em diversos segmentos escolhem estes
meios de comunicação enquanto formas de terem suas reivindicações resolvidas?
Trata-se de uma inquietação que perpassa a maneira como me direciono para a
análise de fontes a fim de construir pontes de articulações entre variadas formas de
comunicação na cidade.
Considerar a relação entre imprensa e televisão sinaliza uma compreensão
de popular a partir do momento em que estes segmentos apropriam de maneiras
diferentes e desiguais de uma noção de povo localizada no cotidiano das
experiências de moradores, permite fazer a distinção entre quais os sentidos de
popular estão em questão e porque é tão importante que as categorias de povo e
popular sejam incorporadas por estes segmentos de comunicação, a princípio na
cidade de Uberlândia, mas também não está isolado e percebemos este movimento
no país na ocasião em que (pensando nas maneiras como prolifera, sobretudo na
década de 1990) presenciamos o aumento significativo de programas que se
intitulam popular.
Um grande desafio é sair da dicotomia entre dominantes e dominados na
mídia para não tratar as pessoas enquanto seres submetidos a um grande sistema
de comunicação que incisivamente controla tudo. Tentar compreender as relações
entre meios de comunicação e cidade a partir dos sujeitos seria de certa forma
romper com uma visão de estrutura indissociada do processo histórico. Nesse
sentido, pensar em processo histórico impõe reconhecer muitas vezes a falta de
sequencia e linearidade tão cômodas na escrita.

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Questiono como alguns aspectos do que é caracterizado como povo na mídia


entra em conflito com outros, mas que não se tornam dominantes 6, uma vez que
percebemos sinais de ocultação em determinados aspectos da sociedade: por
exemplo, se levarmos em conta os bairros na periferia da cidade de Uberlândia
através da mídia o que se apreende é uma rotulação em termos de submissão da
pobreza que fica subordinada à boa vontade de grupos dominantes.
Isso não quer dizer que estas pessoas são necessariamente dependentes da
boa vontade tanto da televisão, quanto do poder público. Mas que é preciso lidar
com essa oscilação entre o que alcança domínio público e o que se torna
dominante.
Pressupondo que o alcançar o domínio público também pode significar a
produção de visibilidades tão necessária na mídia, mas por outro lado passa pela
espetacularização desta mesma imagem que embora perpasse a mídia, os
significados acabam reduzidos em banalização do cotidiano e quiçá a humilhação
pública.
De outra maneira, discorrer sobre a necessidade de produzir visibilidade pelos
moradores pobres na periferia da cidade pode levar a outros direcionamentos 7 visto
que nos coloca em confronto com a produção e transformação de vários espaços e
aprofunda a discussão a partir do momento em que me lanço na investigação das
redes de comunicação construídas.
Outro ponto plausível de mencionar seria a questão do espaço público
midiático: neste aspecto é importante avaliar a partir do momento em que me faz
adentrar na discussão de como os moradores estabelecem determinados espaços e
legitimam outros ao mesmo tempo em que as formas de ressignificação da ação
política se modificam a partir de quando determinado segmento da comunicação
ganha notoriedade no cotidiano.
Precisamos considerar que a mídia é um campo forte de atuação na última
década do século XX e na primeira década do século XXI, a datação nesse sentido
não se mostra de maneira fechada, mas trata-se de uma delimitação necessária
para a pesquisa, portanto, as maneiras como os moradores reivindicam direitos
básicos como moradia, saneamento, dentre outros, merece uma atenção especial
ao passo que me faz questionar os sentidos da atuação comunitária.
Pergunto-me de quais maneiras uma empresa que trabalha no campo da
comunicação comercial se presta a desenvolver a “comunicação comunitária” uma
vez que entra em confronto com os modos de organização social na cidade, pois,
atua no espaço físico e empreende transformações visíveis nestes espaços, tais
como pavimentação de ruas, limpeza de terrenos, construção de casas, etc.

6
Em diálogo com o Grupo Memória Popular, quanto à discussão dos “processos reais de dominação
no campo histórico”. Ver: GRUPO MEMÓRIA POPULAR. Memória popular: teoria, política, método.
In: ALMEIDA, Paulo Roberto de; MACIEL, Laura Antunes; KHOURY, Yara Aun. (orgs.). Outras
histórias:
7
memórias e linguagens. São Paulo: Olho d’Água, 2006, p.282-295.
Não é de maneira dicotômica que opõe espetáculo e visibilidade, mas a proposta que empreendo é
investigar a complexidade entre estes movimentos a partir “dos sujeitos reais”. Nesse sentido,
compartilho com as discussões de autores que propõem problematizar as relações entre os sujeitos
sociais em suas complexidades. Ver: CRUZ, Heloisa de Faria et alii. Introdução. In: ALMEIDA Paulo
Roberto de; MACIEL, Laura Antunes; KHOURY, Yara Aun (Orgs.). Outras histórias: memórias e
linguagens. São Paulo: Olho D’Água, 2006. P. 9-21. Para a discussão sobre a produção de
visibilidades e sua relação com o espetáculo, ver: BUCCI, Eugênio.; KHEL, Maria. Rita. Videologias:
ensaios sobre televisão. São Paulo: Boitempo, 2004. (Estado de sítio); CHAUÍ, Marilena. Simulacro e
poder: uma análise da mídia. São Paulo:Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.

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Entretanto existe uma relação com o poder público na cidade uma vez que
perpassa a cobrança dos moradores através destes “veículos” de comunicação que
se destinam aos órgãos governamentais locais. Desta maneira, me faz indagar
quem resolve o quê? E com quais objetivos? Como os moradores vão se
movimentando na cidade, e como que também vão construindo a cidade a partir de
disputas no campo da comunicação?
Um ponto destacado é a concepção de bairro, uma vez que tal concepção
também é construída a partir de interesses diversos. Nesse sentido esta afirmação
se baseia na indagação sobre em quais parâmetros uma comunidade ganha status
de bairro?
As estratégias dos moradores no campo da comunicação são várias que vão
desde cartas enviadas a programas de televisão os quais se prestam a esta
finalidade, como também para jornais. O que estou percebendo até agora é que não
existe uma maneira de reivindicação padrão destes moradores, e nem tanto um
programa de televisão específico que comporte todas as formas encontradas por
estas pessoas.
Contudo, os meios de comunicação elencados por mim na pesquisa são
significativos enquanto estratégias dentre as variadas formas que sobressaem como
dominantes no segmento. Daí permite pensar no que se torna dominante (e talvez
hegemônico), mas que não é único, em relação com outras estratégias que vão
desde aquelas organizadas em grupos de moradores, mas que também podem ser
individuais.
Nesse sentido, acreditamos na importância de investigar estas questões a
partir dos movimentos dinâmicos considerando o processo histórico e a realidade
social na qual estas relações compõem, ao passo que novas indagações são
colocadas através do diálogo com as fontes. Dessa maneira, ao propor que os
conceitos não são dados, mas revelam enquanto movimentos históricos ainda não
definidos, a discussão de Williams propicia pensar na produção e apropriação de
conceitos como necessidade para explicar a sociedade, visto que não podemos
pensar sociedade, cultura e economia isoladamente, mas investigar o porquê de
estarem separados em determinados momentos. Isso traz implicações quanto aos
porquês de certas colocações; pensar as estratégias que levam a apropriação de
conceitos é imprescindível.
A reflexão de Williams sobre cultura enquanto “modos de vida” é
aparentemente simples, entretanto, uma investigação mais profunda permite
adentrar pelas complexidades enquanto prática, ao passo que ter esse suposto nos
coloca enfrentamentos necessário para pensarmos como efetivamente visualizar e
compreender de quais maneiras os sujeitos experimentam as relações sociais a
partir dos modos como organizam suas vidas. Tais organizações não estão
necessariamente em uma maneira esquemática e simples, pois muitas vezes se
apresentam sem uma sequencia e linearidade, chegando a supor que não exista
sentido.
Corremos os riscos enquanto pesquisadores em menosprezar as sutilezas
que compõem as formas de sobrevivência e atuação dos sujeitos sociais. Por
exemplo, no campo da comunicação. Como os modos de comunicação entre os
sujeitos na cidade se configuram enquanto aspecto cultural que interfere e constitui
a dinâmica social?

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Trata-se de uma questão que tem me provocado inquietações para abordar a


cidade e suas relações no espaço urbano. É possível que a concretude das
experiências de comunicação de moradores esteja pautada nesta relação. Como
estas experiências se manifestam em redes de comunicação e qual o poder destas
redes?
Pensar que estratégias distintas de comunicação têm ganhado notoriedade a
qual superficialmente é colocada como manifestações individuais através dos meios
de comunicação e que são deslocadas para o campo individual na relação entre
emissor e telespectador nos direcionaria para um labirinto que não resolveria a
questão, mas por outro lado se considerarmos a abrangência deste segmento
comunicacional e apontarmos para a constituição de redes de comunicação; sugere
a complexidade e indica a dimensão gigantesca da comunicação e dos processos
de hegemonia neste campo.
O que se torna dominante? Quais as complexidades das forças internas que
movimentam os moradores ao se relacionarem com os meios de comunicação na
cidade? Isso me remete para a discussão de linguagem. Daí, considero outra
proposição de Williams, ao pensar linguagem enquanto constitutiva e constituinte do
social.
Nesse sentido, pensar em meios de comunicação e redes de comunicação a
partir da produção de linguagens é importante para a pesquisa por que, permite a
concretude das experiências dos moradores enquanto aspecto cultural, uma vez que
perpassa pela maneira como estes moradores reivindicam direitos que deveriam ser
condições mínimas de sobrevivência, supondo que temos uma política de governo
que se propõe a essa garantia enquanto direito dos moradores nos bairros.
A proposição de Williams em pensar a linguagem enquanto consciência
prática, para além das atividades da linguagem, torna necessário considerar a
linguagem em si como essa consciência que determina os modos como os sujeitos
se relacionam. A língua constitui o próprio sujeito social.
Pensar nas experiências diferentes e desiguais trata-se de uma consideração
importante para não cairmos no engodo de cultura como sendo o lugar onde cabe
tudo e qualquer coisa, excluindo as desigualdades que compõe o processo de
disputas por hegemonia.
Nesse sentido, a reflexão de Williams sobre hegemonia como processo é
importante também para não confundir, hegemonia com dominação, embora a
dominação esteja presente na complexidade das disputas por hegemonia, mas que
esta é muito mais complexa, pois necessita de compreensão enquanto processo.
O que se torna hegemônico em determinada época pode não ser somente
dominante, mas é preciso considerar as inter-relações de sujeitos e grupos sociais,
nesse sentido pensar em classe nos coloca um desafio ao passo em que tais
processos exigem a mutação do que seria classe.
Pautada nas experiências, Thompson, considera classe enquanto a
experiência vivida de sujeitos que se identificam em relação a outros. Portanto existe
aí uma disputa no sentido que a relação é desigual (e diferente), impulsiona pensar
o que faz com que estes sujeitos se identifiquem em divergência com outros grupos
não significa necessariamente que os sujeitos precisem se encontrar num espaço
dado, mas também a partir do momento em que disputam determinado espaço,
como por exemplo, o espaço público midiático.

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A questão que apresento, neste aspecto é: seria possível pensar em uma


tradição de reivindicação que torna cânone determinados meios de comunicação
como eficazes? É importante considerar a tradição seletiva, daí os processos de
hegemonia de incorporação seletiva em determinados fazeres comunicacionais que
acontecem paulatinamente nas cidades através da TV.
É uma mudança de hábitos e costumes que ganha força na linguagem da
imagem em movimento na década de 1990 e parece comum nos anos 2000. Uma
vez que estamos habituados com esses “formatos” comunicativos. Ao ponto de
transformá-los em estratégias de luta e reivindicação. Todavia conflitam interesses
que divergem a partir do momento em que são grupos distintos se relacionando.
Pensar a produção de notícias e opinião nos sistemas de comunicação, por
outro lado a socialização dentro de uma mesma classe também traz problemas, por
exemplo; moradores pobres nas periferias da cidade reivindicando direitos.
É necessário enfrentar a questão, uma vez que não é simples, pois coloca os
movimentos de hegemonia concomitante aos de contra-hegemonia. Mas devemos
tomar cuidado para não transformar a contra-hegemonia no inerte se considerarmos
a contra-hegemonia enquanto o alternativo. O que devemos valorizar para que o
trabalho de contra-hegemonia tenha dimensão ampla? Cabe pensar no que significa
buscar a “totalidade do processo cultural” 8.
Acredito que passa pela questão de ir além do dominante em nossas
investigações quando pensamos em uma totalidade do processo cultural impõe não
reduzir a dicotomias a pesquisa no campo da história social. As discussões de
hegemonia e contra-hegemonia sinalizam para esse ir mais além e buscar a
totalidade.
Não significa abordar tudo, mas buscar a compreensão de profundidade nas
relações. Sair da superficialidade, ir além da dominação, mas pensar nos resíduos e
no que emerge no processo de hegemonia. O residual traz elementos do passado
que são incorporados no presente diante das disputas hegemônicas, mas é diferente
do arcaico porque tem um vigor no presente e assim tornado habitual.
Muitas vezes é o elemento residual que atribui sentido na cultura dominante
aparecendo como tradição. Já o emergente é bastante diferente dos sentidos de
inovação, não é apenas uma fase, mas está em relação com “novos valores e
instituições sociais” 9.
Possivelmente a emergência pode aparecer enquanto um caminho de contra-
hegemonia, a partir desses novos valores, o que remete para a incorporação que
também é seletiva. Contudo, Williams atenta para não confundirmos com a
alternativa (esta não sugere conflitos nem desigualdades).

O que importa, finalmente, no entendimento da cultura emergente,


em distinção da cultura dominante e residual, é que ela não é nunca
apenas uma questão de práticas imediata. Na verdade, depende
crucialmente de descobrir novas formas ou adaptações da forma.
Repetidamente, o que temos de observar é, com efeito, uma

8
WILLIAMS, Raymond. Dominante, Residual e Emergente. In:____. Marxismo e literatura. Rio de
Janeiro:
9
J. Zahar, 1979, p. 124.
Idem, p.127.

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emergência preliminar atuante e pressionante, mas ainda não


perfeitamente articulado10.

Thompson11 alerta para duvidarmos da superfície das evidencias. Tomar


cuidado para não atribuir fatores externos a uma classe enquanto constituintes da
mesma. Nesse sentido as reflexões de Thompson em “A Formação da Classe
Operária Inglesa” é pertinente ao passo que diante das interpretações corriqueiras
sobre a Revolução Industrial enquanto fator (exterior) de formação dessa classe é
desmontado pelo autor, onde aponta: “A classe operária formou a si própria tanto
quanto foi formada” 12
A contribuição do autor permite pensar a experiência como central para
investigar o fazer-se classe, a partir do seu interior. Também chama atenção para
não atribuir a fatores econômicos (isolados) as explicações sociais. O que abre
possibilidade de pensar a tomada de consciência da classe enquanto classe. Parece
ser um avanço quando pensamos em consciência de classe da própria classe que
permite a ela se reconhecer enquanto tal, e como potencia.
Pensando nos desafios que os estudos culturais nos impõem, é essencial
abordar a questão da cultura popular como algo que, conforme chama atenção Hall
em diálogo com Williams transgrediu as fronteiras da classificação cultural13
tornando insuficiente pensar em lugares alto e baixo, de modo segregados.
Convida ao debate em outros termos para além do que estamos habituados a
identificar, daí podemos relacionar com Thompson ao sugerir a noção de classe
para além dos estigmatizados enquanto burguesia e proletariado. Pensar esta
inscrição no âmbito da cultura coloca em xeque as certezas que tínhamos como
cânones.
Este desafio nos direciona para a questão do popular, pois, é preciso analisar
as relações entre povo e popular nos meios de comunicação que se volta para
determinados grupos e mencionados por este jornalismo que identifica e também
constrói sentidos para o que estão chamando de popular.
A distinção entre povo e popular é importante para investigar até em que
ponto o povo é popular, ou de quais maneiras esta relação é estabelecida por
determinado fazer na imprensa que através da linguagem procura alcançar este
segmento social.
Hall aponta que “as práticas culturais não se situam fora do jogo de poder”14
nesse sentido, cabe pensar em quais as relações de poder estão em disputa através
da linguagem?
Dessa maneira o conjunto de questões apresentados aqui sinalizam para um
percurso no campo da pesquisa em história, a fim de pensar os sujeitos na cidade
através relação entre cultura e experiência na constituição de Redes de
Comunicação.

10
WILLIAMS, Raymond. Dominante, Residual e Emergente. In:____. Marxismo e literatura. Rio de
Janeiro:
11
J. Zahar, 1979, p.129.
THOMPSON, E. P. Exploração. In: _____. A formação da classe operaria inglesa. 2. ed. São
Paulo:
12
Paz e Terra, 1988. Vol. 2, p. 11-38.
13
Idem, p.18.
HALL, Stuart. Para Allon White; metáforas de transformação In:____Da diáspora: identidade e
mediações
14
culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003, p.228.
Idem, p.239.

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