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Natureza como Mestra

Seja Bem-Vindo(a) à Educação Sistêmica!


Com o intuito de contribuir para a transformação da nossa forma de
interagir com o mundo, nosso modelo mental, e com a vontade de somar para
as pequenas grandes ações de transformação que alimentam a esperança em
relação à atual realidade, nasce a Educação Sistêmica!
Ele nasce na Fazenda da Toca, uma fazenda de orgânicos no interior de
São Paulo, que viu nascer, dentre vários projetos, uma Abordagem Educativa
que entende a Educação como um portal para a Regeneração!
Ao longo deste material, iremos compartilhar o embasamento que
culminou na construção dessa abordagem educativa que visa gerar impactos
positivos nas relações entre as pessoas e com o meio ambiente, contribuindo,
desta forma, para a construção de sistemas que regeneram a vida no planeta.
Para isso, faremos a ponte com a realidade compartilhando o case da Escola
da Toca, uma proposta disruptiva que existiu entre 2009 e 2018 e que agora
inspira outras iniciativas no contexto público e privado.
Diante disso, esperamos que em nosso encontro, possamos
potencializar a troca de experiências, inspirando a reconexão do ser humano
com sua essência, despertando e ampliando a consciência de sua relação com
o todo para que a vida prospere no planeta.

Bom Curso!
Mônica Passarinho.

2
Neste material de apoio você irá encontrar:

Vendo como vemos .................................................................................. 4


Do Ego ao Eco ......................................................................................... 9
Escola: um lugar que é um organismo ..................................................... 13
Eixos Filosóficos ....................................................................................... 15
Ser Integral ................................................................................................ 16
Natureza como Mestra .............................................................................. 22
Cultura da Infância .................................................................................... 28

Esse material foi composto por várias mãos, mentes e corações. Com destaque a Tatiane
Floresti, Mariana Breim, Mônica Passarinho, Juliana Araujo, Milena Paes e Henrique Veloso.

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Vendo como Vemos
Uma oportunidade para a transformação pessoal, social e global!

“Não podemos solucionar os problemas com


o mesmo tipo de mentalidade que os criou.”
Albert Einstein

À medida que o século XXI se desdobra, torna-se cada vez mais evidente que
os principais problemas do nosso tempo - energia, degradação do meio
ambiente, mudança climática, segurança alimentar e financeira, violência,
excesso de medicalização e desequilíbrios emocionais - não podem ser
compreendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, e isso significa que
todos eles estão interconectados e são interdependentes. Em última análise,
esses problemas precisam ser considerados como facetas diferentes de uma
única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção.

Contradições estruturantes vivem na raiz destes sintomas visíveis: a


desassociação entre o crescimento ilimitado e os recursos finitos do planeta
(consumimos recursos equivalentes a 1,5 planeta Terra); entre a riqueza e as
necessidades básicas dos indivíduos (1% da população detém mais renda que
os outros 99%); entre a economia especulativa e a real (transações de 1,5
quadrilhões no mercado de câmbio internacional superam o comércio
internacional de 20 trilhões); entre as soluções tecnológicas e as necessidades
sociais (reagimos a questões sociais com paliativos técnicos que se limitam a
mitigar os sintomas); entre consumismo e bem-estar (o consumo material
desenfreados não levam à melhoria da saúde e do bem estar) entre outras.

“Estamos exaurindo e destruindo nossos recursos naturais


em uma escala sem precedentes, usando um volume cada
vez maior de preciosos recursos não renováveis a cada
ano que passa. Apesar de termos um único planeta Terra,
causamos um impacto ecológico correspondente a um

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planeta e meio; em outras palavras, atualmente utilizamos
50% mais recursos que o nosso planeta é capaz de
regenerar para satisfazer nossas necessidades atuais de
consumo. Em consequência, um terço de toda a terra fértil
do planeta desapareceu nos últimos 40 anos. Lençóis
freáticos cada vez mais exauridos nos levarão à escassez
de alimento. Espera-se que os preços dos alimentos
1
dobrem até 2030.”

Estas contradições são percebidas por nós em sintomas que revelam


desconexões profundas entre o eu e a natureza, o eu e os outros, e o eu com o
próprio eu. Convidamos você a refletir sobre essa indagação proposta por Otto
Scharmer: por que criamos coletivamente resultados que individualmente
ninguém quer?

Modelo do Ice Berg – uma jornada da conscientização entre sintomas e suas


causas

Cerca de 10% do volume total de um ice berg é visível na superfície do mar.


No modelo proposto por Otto Scharmer, os sintomas da crise de percepção
são as partes visíveis e explícitas da nossa realidade atual, que criam os

1
Scharmer, Otto. Liderar a partir do futuro que emerge. – 1a ed – Rio de Janeiro:
Elsevier, 2014.
5
cenários patológicos responsáveis pelas três grandes desconexões, como
mostram as figuras acima.

A forma como compreendemos e interagimos com o mundo está relacionada


ao paradigma e aos modelos mentais que nos envolvem.
Para Fritjof Capra, físico e pensador sistêmico, paradigma significa “a
totalidade de pensamentos, percepções e valores que formam uma
determinada visão de realidade, uma visão que é a base do modo como uma
sociedade se organiza.”
Modelos mentais, nas palavras do administrador e pensador sistêmico Peter
Senge, “são pressupostos profundamente arraigados, generalizações ou
mesmo imagens que influenciam nossa forma de ver o mundo e de agir.”
Muitas vezes, não estamos conscientes do paradigma vigente ou dos nossos
modelos mentais que nos embasam, ou mesmo de seus efeitos sobre o nosso
comportamento.

Segundo Fritjof Capra, físico austríaco cujo trabalho, focado na Educação


Ecológica e no pensamento sistêmico, é uma grande inspiração para nós,
paradigma é "a totalidade de pensamentos, percepções e valores que
formam uma determinada visão da realidade, uma visão que é a base do
modo como uma sociedade se organiza."

Vendo como vemos é um convite para uma viagem interna e, assim,


reconhecer as estruturas fundamentais que moldam nosso padrão de
comportamento.
Esse mergulho começa com a prática de olhar para dentro; aprender a
desenterrar nossas imagens internas do mundo, levando-as à superfície como
uma oportunidade de analisá-las e questioná-las. Além disso, considera
também a capacidade de realizar conversas ricas em aprendizados, que
equilibrem indagação e argumentação, em que as pessoas possam expor seus

6
próprios pensamentos em um ambiente sem julgamento e que possam estar
abertas aos pontos de vista dos outros.
Senge nos ensina que os modelos mentais são as estruturas generativas que
moldam nossos padrões de comportamento. Portanto, para haver mudança de
comportamento é necessária uma mudança de estrutura. E essa transformação
só é possível, segundo ele, se houver aprendizagem.
Para tal, devemos compreender aprendizagem como algo que reflete uma
mudança ou alteração fundamental, ou de forma mais profunda,
transcendência da mente. Um entendimento bem diferente do significado
contemporâneo de aprendizagem que tem sido usado como sinônimo de
“interiorização de informações”.

“A verdadeira aprendizagem chega ao coração do que


significa ser humano. Através da aprendizagem, nos
recriamos. Através da aprendizagem, tornamo-nos capazes
de fazer algo que nunca fomos capazes de fazer. Através
da aprendizagem, percebemos novamente o mundo e
nossa relação com ele. Pela aprendizagem, ampliamos
nossa capacidade de criar, de fazer parte do processo
2
gerativo da vida.”

O mergulho interno que faz com que seja possível o reconhecimento das
estruturas sistêmicas às quais fazemos parte, nos leva ao aprendizado de que
temos o poder de alterar as estruturas dentro das quais operamos e, assim,
deixar de nos sentir compelidos a agir de determinadas formas.
Desta maneira, convidamos você a se empoderar do seu potencial de
transformação e participar de um processo de mudança de modelo mental,
enxergando o mundo com novos olhos!

Reflexões

2
Senge, Peter. A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. – 31a ed
– Rio de Janeiro: Best Seller, 2016.
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O que significa dizer que as estruturas geram determinados padrões de
comportamento?
Como essas estruturas controladoras podem ser reconhecidas?
Como esse conhecimento poderia nos ajudar a ter mais sucesso em um
sistema complexo?

“Todos os sistemas vivos se desenvolvem e todo


desenvolvimento envolve aprendizagem”
F. Capra

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Do EGO ao ECO
Enxergando o mundo com novos olhos

“A natureza sustenta a vida criando e nutrindo comunidades”


Fritojof Capra

Realizar a mudança do ponto de vista do egossistema para o ecossistema


significa promover uma mudança de visão de mundo: da mecanicista para a
sistêmica.
A maioria das culturas indígenas e dos povos tradicionais conheceu a Terra
como coisa viva – uma vasta presença sensitiva reverenciada como mãe ou
avó afetuosa e às vezes severa. Para tais povos, mesmo o chão debaixo dos
pés era um repositório de poder e inteligência divinos. Entretanto, desde a
Grécia antiga vários fatores contribuíram para o crescente senso de separação
da natureza na cultura ocidental. Esta ideia de separação foi duramente
intensificada durante a revolução científica que teve seu apogeu nos séculos
XVI e XVII. Em um contexto de guerras, fome e muitas mortes que varreram o
período da Idade Média, a ciência moderna nasceu. “Seus primeiros
praticantes e expositores, entre os quais Bacon, Descartes e Galileu, estavam
convencidos de que uma nova base para a certeza tinha de ser encontrada na
razão”. Para os cientistas, a matemática se tornou a linguagem para
compreender e controlar a natureza. Essa linguagem impulsionou a
construção da imagem do mundo como uma grande máquina, onde qualquer
entidade poderia ser integralmente compreendida se estudássemos como suas
partes componentes trabalhavam isoladamente. Tal lógica consiste na famosa
metodologia reducionista de René Descartes.
Isaac Newton veio a confirmar esta visão afirmando que todos os eventos
poderiam ser previstos com precisão e explicados por meio da quantificação,
do reducionismo e da experimentação sistemática.

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“Lamentavelmente, ao separar o fato do sentido e a
quantidade da qualidade, a ciência mecanicista
inadvertidamente teve seu papel nesses desastres: a
bomba atômica, a agricultura intensiva, o buraco de ozônio
e a mudança climática são exemplos das consequências
involuntárias, mas seriamente prejudiciais dessa
3
superestimação da mente racional”

O contexto da Revolução Científica exerceu um profundo impacto na cultura


ocidental durante os 300 anos seguintes, não é à toa que existe uma corrente
de pensadores que concordam que a visão de mundo mecanicista nos colocou
à beira de uma catástrofe tão grande que nossa própria civilização ficou
ameaçada.
Na ciência do século XX, a perspectiva holística, que é intrínseca aos povos
tradicionais e permeou o período do Renascimento, tornou-se conhecida como
sistêmica, e seu modelo mental como pensamento sistêmico.
As principais características do pensamento sistêmico surgiram na Europa na
década de 1920 em várias disciplinas. Os primeiros a abordar o pensamento
sistêmico foram os biólogos, que enfatizaram a visão dos organismos vivos
como totalidades integradas. Um pouco mais tarde, a psicologia da Gestalt, a
nova ciência da ecologia e a física quântica vieram a corroborar com essa nova
forma de pensar, uma nova visão de mundo.
Construir uma visão de mundo sistêmica significa fazer as pazes com a
dinâmica da natureza, redescobrindo e dando forma concreta a uma estrutura
mental, emocional e de atitudes que tornem a nos conectar com um profundo
senso de participação em um universo que pulsa a inteligência viva da
natureza. Fomentando uma atitude de reverência por nossa casa planetária, a
Terra.
Compreendemos por sistemas aquilo que Fritjof Capra resumiu como “um todo
que é maior do que a soma entre todas as suas partes, cujas propriedades

3
HARDING, Stephan. Terra Viva: ciência, intuição e a evolução de Gaia. Para uma nova
compreensão da vida em nosso planeta. São Paulo: Cultrix. 2008.
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emergentes surgem a partir de todas as relações entre as partes gerando a
compreensão da realidade em função de uma totalidade que é integrada.”
Segundo Capra, a compreensão sistêmica da vida baseia-se na aprendizagem
de três fenômenos básicos: o padrão básico de organização da vida é o da
rede ou teia; a matéria percorre ciclicamente a teia da vida; todos os ciclos
ecológicos são sustentados pelo fluxo constante de energia proveniente do sol.
Esses três fenômenos básicos são exatamente o que as crianças vivenciam,
exploram e reconhecem por meio de experiências diretas com o mundo natural.
Além desses aprendizados, por meio dessas vivências, também tomamos
consciência de que nós mesmos somos parte da teia da vida e, com o passar
do tempo, a experiência da ecologia na natureza nos proporciona um senso do
lugar a que pertencemos. Despertamos para consciência de como estamos
inseridos em um ecossistema, em uma paisagem com plantas e animais
característicos, em um determinado sistema social e cultural.
Existem muitas maneiras de conhecer a Natureza e aprender com sua
sabedoria. Um dos espaços educadores que descobrimos em nossa
experiência na Escola da Toca, que é especialmente apropriado para
comunidades escolares, é a área de Agrofloresta.
As agroflorestas carregam em si todos os princípios ecológicos encontrados
nas florestas, além de reconectar crianças e educadores aos fundamentos
básicos da comida, ao mesmo tempo que integra e enriquece praticamente
todas as atividades escolares e ainda contribui para a transformação da
paisagem como um cinema vivo, repleto de fenômenos.
Quando a escola se abre para viver a experiência de produzir seu próprio
alimento, ou parte dele, a partir de uma agricultura que imita as tecnologias da
Natureza, nós tomamos a diversidade como um valor, compreendemos o ciclo
de vida de cada elemento, reconhecemos a relação intrínseca entre plantas,
animais, fungos, bactérias e reino mineral; aprendemos que o solo fértil é o
solo vivo que contém em cada centímetro cúbico bilhões de organismos vivos.
Ter uma agrofloresta no quintal e manejá-la de forma coletiva nos coloca no
protagonismo de nossa espécie, ou seja, o entendimento de que, segundo
Ernst Götsch, "não somos os seres inteligentes mas fazemos parte de um

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sistema inteligente, onde o que rege todas as relações inter e intraespecíficas é
o amor incondicional e a cooperação". Além disso, fica nítido que a agrofloresta
da escola, em sua totalidade, está embutida em sistemas maiores que também
são teias vivas com os seus próprios ciclos.
Plantio, cultivo, colheita, manejo, culinária, compostagem e reciclagem. Os
ciclos alimentares se cruzam com esses ciclos maiores – o ciclo da água, o
ciclo das estações e assim por diante - , todos eles formando conexões na teia
de vida planetária.
Toda essa interação, repleta de descobertas a cada instante, torna a
agrofloresta um lugar mágico para as crianças. Um mundo cheio de
oportunidades para o protagonismo da infância se manifestar na linguagem do
brincar e no silêncio atencioso do observar.
É desta forma que cultivamos a empatia por todas as formas de vida. Fazendo
as pazes com a dinâmica da natureza, redescobrindo e dando forma concreta a
uma estrutura mental, emocional e de atitudes que tornem a nos conectar com
um profundo senso de participação em um universo que pulsa a inteligência
viva da natureza. Fomentando uma atitude de reverência por nossa casa
planetária, a Terra.

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ESCOLA: UM LUGAR QUE É UM ORGANISMO

Uma de nossas grandes inspirações no rico universo da Educação é a


educadora Maria Amélia P. Pereira, do Centro de Estudos Casa Redonda.
Deixemos a Peo falar!

"A escola é uma comunidade de aprendizagem. É um sistema único, onde


tudo se relaciona, onde a totalidade não é linear. Onde o todo não é soma das
partes, é sim a soma de todas as interações dessas partes".

Nas palavras de Carla Rinaldi, uma das principais responsáveis pela


disseminação da pedagogia italiana de Reggio Emilia – outra referência
sempre viva em nossa abordagem educativa –, a escola "É o lugar que
reconhece as crianças como cidadãs. É um lugar de possibilidades, onde o
conhecimento e a identidade são construídos e os processos de aprendizado
são investigados, sempre em relação com os outros. E é também o lugar que
é, ao mesmo tempo, uma comunidade em si mesma e parte integrante de uma
comunidade maior".

Jerome Seymour Bruner, professor e psicólogo americano que ampliou as


perspectivas sobre o sistema cognitivo e a Educação, compõe a poesia:

"A escola é um tipo especial de lugar, no qual jovens seres humanos são
convidados a expandir mentes, sensibilidades e sensos de pertencimento
a uma comunidade mais ampla (...), uma comunidade de aprendizado onde
mente e sensibilidade são compartilhados. É um lugar de aprendizagem
comum sobre o mundo real e sobre os mundos possíveis da imaginação".

Assim como integramos três autores para traduzir nossa visão de escola,
buscamos a integração na prática – porque para nós, escola é coletividade.
Ela é construída pelas crianças, pelos professores, pelos familiares, pela
comunidade, através de cocriações e trocas constantes que impulsionam o

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crescimento, o desenvolvimento, a construção e o compartilhamento de
conhecimentos. Como a Peo diz, escola é...

"um lugar que se torne um organismo".

SER CRIANÇA É…

...Nascer para o mundo


...Desenvolver um sistema complexo de habilidades para vivenciá-lo
...Atribuir significado a este mundo
...Descobrir interesses, potencialidades, limites
...Construir conhecimentos, identidade, valores
...Desenvolver estratégias para organizar relações entre essas peças
...Se esforçar para ser escutada e reconhecida como cidadã
...Tecer espaços de carinho e amor
...Batalhar pela liberdade de SER

Entre muitas outras particularidades, é


viver, aqui e agora, intensas revelações –
e aprender com um mundo de transformações!

É assim que enxergamos as crianças: como sujeitos completos, ativos, que


têm muito a ensinar. Enquanto aprendemos com elas, buscamos apoiá-las
para que se desenvolvam integralmente, conquistem autonomia e se apropriem
de conteúdos e ferramentas que as deixem seguras para interagirem com o
mundo de forma plena, manifestando vontades, aguçando sentidos,
expandindo entendimentos. Cultivando, assim, o amor à vida.

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EIXOS FILOSÓFICOS

Impulsionados pela missão de desenvolver seres humanos plenos, felizes,


atuantes, nos movimentamos de acordo com três eixos filosóficos, que são o
ponto de partida e o fio condutor da Abordagem Educativa Regenerativa.

Estes eixos, que formam a espinha dorsal da Toca e balizam nossa


atuação, foram elaborados a muitas mãos, ao longo de alguns anos de estudo
de referências, leituras coletivas, encontros de cocriação e muitas reflexões e
aprimoramentos. Eles são:

SER INTEGRAL
A educação deve compreender o ser humano integralmente, observando seus
aspectos cognitivos, físicos, emocionais e espirituais.

A NATUREZA COMO MESTRA


Os sistemas naturais, com abundância de energia e sem desperdício,
funcionam em equilíbrio dinâmico perfeito e têm muito a ensinar. Seus
princípios podem ser base para uma compreensão sistêmica da vida.

CULTURA DA INFÂNCIA
A criança é um ser completo, e o brincar, uma linguagem universal. O exercício
de ser deve ser respeitado, assim como os tempos e os processos de cada um.

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O SER INTEGRAL

Era uma vez uma jovem que, deitada no parque, admirando a imensidão do
céu, se pegou pensando na fase que estava vivendo. Tudo estava mudando
em sua vida e ela parecia não conseguir acompanhar esse movimento. O
trabalho estava difícil: ela ainda não tinha muita experiência e se sentia
estagnada. Queria expandir seus conhecimentos, testar coisas novas, criar
algo realmente inovador e significativo para o mundo, mas não sabia como
fazer isso. Seu corpo tinha mudado e ela recém tinha reparado – curiosamente,
se deu conta de que nunca tinha prestado muita atenção nele... Ela seguia com
bastante dificuldade de falar sobre as suas emoções, de pedir ajuda e, ao
mesmo tempo, não sabia ouvir muito bem – quando escutava de outra pessoa
alguma coisa sobre si, ficava reativa, especialmente se fosse sobre algo que
precisava melhorar. Passando os pés pela grama, sentindo a sutileza daquele
toque, pensou que precisava ficar mais perto da natureza, de que tanto
gostava. E que, de alguma forma, queria ter alguma espiritualidade na sua
vida, algo que a ajudasse a lidar melhor com aquele turbilhão de sentimentos.
A vida era estranha! Naturalmente, sem se dar conta, ela desabafou em voz
alta, para si mesma: "Bem que a escola podia ter me preparado melhor para
tudo isso!"

Essa historinha explicita uma verdade que todos sabem, mas sobre a qual
poucos param para pensar, inclusive na Educação: o ser humano é complexo,
feito de múltiplas dimensões que merecem ser igualmente nutridas, e seu
crescimento pleno está muito além do saber intelectual. Nós, humanos,
somos seres plurais, nutridos de uma capacidade infinita de aprendizagem –
somos mente, corpo, emoções e espírito, capazes de desenvolver múltiplas
inteligências a partir do exercício de múltiplas linguagens.

Atentos a essa complexidade e determinados a oferecer um repertório de


práticas específicas que reconhecessem as crianças em sua multiplicidade,

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fomos buscar na Teoria Integral do filósofo e cientista Ken Wilber a nossa
inspiração.

Segundo Ken Wilber, a realidade – e, portanto, também os seres humanos –


pode ser entendida a partir de quatro perspectivas complementares: subjetiva,
objetiva, intersubjetiva e interobjetiva. Um desenvolvimento completo,
harmonioso e equilibrado deveria incluir, sempre, estas quatro dimensões.

A partir da inspiração que a teoria de Wilber nos traz, procuramos pensar os


momentos da rotina de maneira a considerar o sujeito–criança de forma
integral:

4
Kenneth Earl Wilber II nasceu na cidade de Oklahoma (EUA), em 31 de janeiro de
1949, e se auto define "um contador de histórias que tratam de perguntas universais".
Sua obra concentra-se com afinco na integração das mais diversas áreas do
conhecimento, unindo ciência e religião – apoiando-se em sua própria experiência e
na de mestres de todas as grandes tradições de sabedoria ocidentais e orientais.
Atualmente, vive em Denver, Colorado
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Entendendo a criança como um ser que manifesta suas múltiplas inteligências
por meio de comportamentos espirituais, físicos, emocionais e cognitivos
(quadrantes 1 e 2) e que pertence a uma comunidade sociocultural –
determinada pela complexidade das organizações macrossociais (quadrantes 3
e 4) –, trabalhamos na tentativa de desenvolvê-la nestas múltiplas formas do
existir, proporcionando uma ampliação da perspectiva de seu modo de ser,
estar e se relacionar no mundo.

“Você pode observar qualquer evento do ponto de vista do 'eu' (ou como eu,
pessoalmente, vejo e sinto o evento); do ponto de vista do 'nós' (como não
apenas eu, mas também os outros vêem o evento); e como um 'isto' (ou os

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fatos objetivos do evento). Portanto, uma conduta integralmente informada
levará em conta todas essas dimensões e, com isso, chegará a uma
abordagem mais abrangente e eficiente – que inclui o 'eu', o 'nós' e o 'isto' – ou
o eu, a cultura e a natureza" – Ken Wilber.

Vejamos um exemplo prático, uma proposta de música, de uma perspectiva


integral:

- Dentro de cada um de nós, existe um processo individual, uma


experiência que só nós conhecemos, através da qual damos sentido ao
mundo, desenvolvemos nossa consciência, construímos nossa
identidade. Quando uma criança aprecia uma música, sozinha ou com
seus colegas, entra em contato com este “eu interior” (intencional
subjetivo), porque aquela experiência fala direto com ela, com seus
sentimentos, desejos e pensamentos.

- A dimensão do eu quando visto de fora, pelo outro, é percebida através


da expressão do que é interno em comportamentos e atitudes objetivas.
Bater palmas, cantar, aprender a tocar um instrumento, por exemplo,
mobiliza o corpo todo em um comportamento a ser aprendido,
trabalhando o eu exterior, ou o “isto” (comportamental objetivo).

- Descobrir e conversar sobre o valor de um determinado estilo musical no


lugar em que vivemos trabalha o “nós” (cultural intersubjetivo). Ou
seja, as percepções compartilhadas por um grupo, uma visão de mundo
– valores e sentimentos comuns comunicados de uma mesma maneira.

- Saber onde posso aprender e apreciar música, fora da escola, trabalha


uma perspectiva social externa, ou os “istos” (social interobjetivo):
como nós, enquanto sistema social, nos organizamos e agimos em torno
de algo.

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Estas quatro dimensões não precisam estar presentes na construção de cada
uma das aulas realizadas com as crianças, necessariamente – podem estar
distribuídas ao longo da rotina. É assim que acontece na Escola da Toca, onde
são percorridas durante o dia, através de experiências diversas.

> Pode-se nutrir a consciência espiritual, por exemplo, através de conversas


ou leituras de histórias que promovam a autopercepção, do estímulo ao vínculo
afetivo com os espaços naturais ou através da proposição de exercícios
respiratórios, de meditação e de massagem. O cuidado estético com os
ambientes, o respeito aos momentos de introspecção, a atenção ao que se
passa no campo não verbal também funcionam nesta dimensão – dão espaço
para a conexão das crianças com seu mundo interior.

> Promove-se o desenvolvimento da consciência corporal das crianças, por


sua vez, através de desafios como percursos, amarrações, trilhas e
instalações, que trabalham força, movimento, equilíbrio, ritmo, velocidade,
respiração, postura e, também, audição, visão, tato, olfato e paladar.

“Podemos dizer que a criança pequena é principalmente o próprio sentido do


tato espalhado pelo corpo inteiro e por meio do
qual ela vivencia prazer e desprazer. Receber
cuidados carinhosos com o tato, como ser
segurada ao ser amamentada, usar roupinha
adequada, ser massageada e, mais tarde, entrar
em contato com água, terra, areia e seus
brinquedos, tudo isso lhe proporciona uma vivência
positiva de expressão em seu corpo, de entrega,
sensações tão necessárias para os contatos, mais

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tarde, na vida” – Gudrun Burkhard, médica e
5
terapeuta brasileira da corrente antroposófica .

> Em relação à consciência emocional, ela pode ser trabalhada com o


encorajamento de atitudes de colaboração, tolerância, empatia e resiliência.
Instituindo-se espaços de troca e escuta, de pactuação de combinados, de
trabalho coletivo, de mediação de conflitos (conduzidos por adultos ou pelas
próprias crianças) e criando-se oportunidades para o aprendizado da
6
Comunicação não Violenta .

> Ao mesmo tempo, estimula-se o desenvolvimento cognitivo através de


experiências relevantes que favoreçam o encantamento e despertem a
curiosidade e o amor pelo conhecimento – como acontece com projetos
investigativos, que estimulam a observação, a percepção, o processamento de
informações e a construção de relações.

Além da ideia de quadrantes (ou perspectivas), a Teoria Integral ainda traz


outros pontos de apoio importantes à nossa visão de desenvolvimento integral,
impactando diretamente nossas práticas. São eles os conceitos de:

● Linhas de desenvolvimento: ideia de que somos formados por


diferentes inteligências e habilidades igualmente importantes – como as
inteligências ecológica, moral, estética e cognitiva, por exemplo.

5
A antroposofia, do grego "conhecimento do ser humano" pode ser definida como um
método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia os
conhecimentos obtidos através do método científico e prevê a sua aplicação em
praticamente todas as áreas da vida humana. Ela foi fundada no início do século XX
pelo austríaco Rudolf Steiner.
6
Trabalhar intencionalmente a empatia e a resiliência é ensinar as crianças a se
observarem e a observarem ações concretas (que podem ou não afetar o seu
bem-estar), a aprenderem a separar os fatos de seus julgamentos pessoais, a
compreenderem quais são suas necessidades e as dos outros e a lidarem com as
frustrações. A controlarem seus desejos, fortalecerem sua autoestima, terem atitudes
positivas frente a situações adversas, a agirem de acordo com um entendimento
honesto, crítico, claro, interagindo com o próximo com respeito.
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● Tipos: nos ajudam a perceber as diferentes características de
personalidade e de papel – a exemplo do entendimento da porção
masculina e feminina que existe em todos, ou do fato de alguns
indivíduos serem mais visuais, auditivos ou sinestésicos, o que pode
influenciar os processos educativos.
● Estados de consciência: momentos de alterações na mudança de
percepção da realidade – razão pela qual valorizamos, por exemplo, o
sono como um estado no qual aprendizagens importantes também
acontecem.
● Níveis de consciência: estágios de desenvolvimento com graus
diferentes de complexidade, através das quais os sujeitos se relacionam
com o mundo – consideramos todo o tempo, especialmente nos
trabalhos de formação de nossa equipe de educadores (falaremos mais
sobre isso no capítulo 6).

Precisamos reconhecer a integralidade do ser e a complexidade das relações


envolvidas no aprender – a importância da beleza, da valorização, do
conhecimento, do sentimento de pertencimento, da conexão de cada um com a
sua essência – para então pensar numa Educação que faça sentido, que
potencialize os sujeitos e de fato promova o desenvolvimento e a
aprendizagem.

Foi a esta compreensão que demos o nome de Ser Integral, um dos três eixos
filosóficos que conduzem a abordagem educativa da Escola da Toca. Porque
como diz David W. Orr, respeitado ambientalista norte-americano, nossa
meta… "Não é o mero domínio de matérias específicas, mas estabelecer
ligações entre a cabeça, a mão, o coração e a capacidade de reconhecer os
diferentes sistemas (...)."

22
Natureza como Mestra

Segundo Leonardo Boff, “a natureza é a fonte permanente de sabedoria e a


contemplação, a grande escola.” É por esta razão que temos a natureza como
mestra. Observamos fenômenos, descobrimos seus padrões por meio de
vivências e interações cotidianas, buscando inspirações e interiorizando os
princípios ecológicos. Desta forma transformamos nossa forma de ver o
mundo.

Alfabetização Ecológica
A linguagem da natureza

A Natureza carrega dentro de si um forte conteúdo simbólico na gratuidade e


nas possibilidades com as quais se apresenta como fonte
de inesgotável experiências por onde os seres humanos
cumprem sua história. Ao pensarmos em abrir um espaço
de educação para crianças é inadmissível não se dar
atenção à presença da Natureza como o grande cenário
através do qual elas movimentarão o corpo e irão conviver
sensivelmente com os elementos relacionados à própria
constituição da vida humana.
Peo

De uma maneira mais ampla, quando falamos sobre agroflorestas no contexto


escolar, trata-se de uma produção de alimento como meio para a construção
de novos valores. Por isso, nos referimos aos Sistema Agroflorestal como
ferramenta didática para alcançar o fim maior que é um ser humano dotado de
um olhar sistêmico e consciente de seus próprios talentos. A este processo
chamamos de Alfabetização Ecológica.
Alfabetização Ecológica é um conceito cunhado pelo Instituto Ecoliteracy
(Centro de Alfabetização Ecológica), que visa a questão humana atemporal

23
que trata sobre “como viver à luz da verdade ecológica de que somos uma
parte inextricável da comunidade da vida, una e indivisível.”

“Não é exagero dizer que a sobrevivência da humanidade vai depender da


nossa capacidade, nas próximas décadas, de entender
corretamente esses princípios da ecologia e da vida. A
natureza demonstra que os sistemas sustentáveis são
possíveis. O melhor da ciência moderna está nos
ensinando a reconhecer os processos pelos quais esses
sistemas se mantêm. Cabe a nós aprender a aplicar esses
princípios e criar sistemas de educação pelos quais as
gerações futuras poderão aprender os princípios e
aprender a planejar sociedades que os respeitem e
aperfeiçoem” (Capra, 2006: 57).

Ser alfabetizado ecologicamente é aprender a falar a linguagem da natureza e


integrar práticas que favoreçam as inteligências emocional, social e ecológica.
A natureza, no entanto, não segue a lógica linear com a qual estamos
acostumados a operar. É preciso aprender - e ensinar - uma nova lógica. No
pensamento linear, "quando alguma coisa funciona, conseguir mais disso
sempre é melhor. Por exemplo, uma economia "saudável" vai exibir um
crescimento econômico forte e infinito. Entretanto, os sistemas vivos
bem-sucedidos são altamente não-lineares. Eles não maximizam as suas
variáveis: eles as otimizam. Quando algo é bom, uma quantidade maior desse
algo não será necessariamente melhor, uma vez que as coisas andam em
círculos, não em linhas retas. A questão não é ser eficiente, mas ser
sustentável. O que conta é a qualidade e não a quantidade."
Entender "como a natureza funciona", entendendo as propriedades e os
princípios de organização dos sistemas vivos significa aprender uma tecnologia
altamente eficiente que têm mantido a vida na Terra de forma excelente desde
o início dos temos. Do ponto de vista da escola, significa proporcionar uma das
aprendizagens mais fundamentais para vencer os desafios que nos apresenta

24
o mundo contemporâneo. Nosso objetivo ao inserir os canteiros agroflorestais
na escola é integrar saberes fragmentados tendo como eixo este conjunto de
princípios que descrevem os padrões e processos pelos quais a natureza
sustenta a vida. Esses conceitos - o ponto de partida para a criação de
comunidades humanas sustentáveis - podem ser chamados de princípios da
ecologia, princípios da sustentabilidade ou fatos básicos da vida. Estes fatos
são oito e, uma vez conhecidos, a ideia é procurar evidenciá-los nas mais
diversas iniciativas dentro do contexto escolar, que pode passar por uma horta
orgânica tradicional até propostas das mais diversas linguagens das artes –
visuais, dramáticas ou musicais – visto que dificilmente existe algo mais eficaz
do que as artes para desenvolver e aperfeiçoar a capacidade natural da criança
de reconhecer e expressar padrões.

7
Os padrões ou Princípios Ecológicos

Redes: Os membros de uma comunidade ecológica extraem sua existência de


suas relações. Sustentabilidade não é uma propriedade individual, mas
uma propriedade de toda a rede. Para solucionar um problema de forma
duradoura, precisamos reunir as pessoas que lidam com as diferentes
partes deste problema em redes de suporte e diálogo.

Sistemas aninhados: Em toda a natureza encontramos sistemas vivos


aninhados dentro de outros sistemas vivos. São “redes dentro de redes”
e, em cada rede - ou cada sistema – existem fenômenos que
apresentam propriedades que não existem nos níveis inferiores. A
escolha de estratégias que possam afetar estes sistemas requer que se
abarque simultaneamente os múltiplos níveis e se reconheça quais as
estratégias mais apropriadas para cada nível.

7
Retirado do artigo Falando a Linguagem da natureza: princípios da Sustentabilidade.
Fritjof Capra.
Capra, Fritjof e outros. Alfabetização Ecológica: a educação das crianças para um
mundo sustentável. – São Paulo: Cultrix, 2006.
25
Interdependência: A sustentabilidade das diferentes populações e a
sustentabilidade de todo o ecossistema são interdependentes. Nenhum
organismo individual pode existir isoladamente. A sustentabilidade
sempre envolve a comunidade em sua totalidade. As trocas de energia e
recursos em um ecossistema são mantidas pela cooperação de todos.

Diversidade: O ecossistema diversificado é capaz de se recuperar


rapidamente, porque é formado de muitas espécies com funções
ecológicas sobrepostas que podem substituir umas às outras. Quando
uma determinada espécie é destruída por um transtorno grave que
rompa uma conexão da teia, a comunidade que se apoia sobre a
diversidade é capaz de sobreviver e de reorganizar porque outras
conexões podem ao menos parcialmente realizar a função da espécie
destruída.

Ciclos: Por meio da teia da vida, a matéria está sempre se reciclando. Os


processos naturais não são lineares, mas cíclicos. Um ecossistema não
gera detritos. O detrito de uma espécie torna-se a comida de outra.

Fluxos: Todos os sistemas vivos são abertos e é o fluxo de energia que


impulsiona a maioria dos ciclos ecológicos. Esse impulso é advindo de
uma fonte externa de energia, como a energia solar. Fluxos garantem a
interação de materiais entre as partes vivas e não vivas de um sistema.
Uma vez que nenhum organismo pode existir por si ou sem um
ambiente, fluxos garantem a inter-relação e a totalidade. É o que ocorre
na fotossíntese, por exemplo.

Desenvolvimento: Todos os sistemas vivos se desenvolvem e todo


desenvolvimento envolve aprendizagem. Durante um desenvolvimento,
o ecossistema ou o indivíduo passa por uma série de estágios
sucessivos que promovem transformação. No nível das espécies, o

26
desenvolvimento e o aprendizado se manifestam no desdobramento
criativo da vida ao longo da evolução.

Equilíbrio dinâmico: Todos os ciclos ecológicos funcionam como laços de


realimentação, para que a comunidade ecológica possa estar sempre se
autorregulando e se auto-organizando. Quando uma conexão de um
ciclo ecológico é perturbada, todo o ciclo encarrega-se de levar a
situação de volta ao equilíbrio e, como as mudanças e perturbações
ocorrem o tempo todo no meio ambiente, os ciclos ecológicos estão em
constante flutuação.

Além dos princípios ecológicos, são cinco as práticas que integram as


inteligências emocional, social e ecológica e que promovem o aprendizado dos
fatos básicos da vida. Os canteiros agroflorestais no quintal escolar têm sido
uma oportunidade para realizar todas elas.

Práticas de alfabetização ecológica envolvendo as inteligências


8
emocional e social

1. Desenvolver empatia por todas as formas de vida


Incentivar os alunos a expandir o seu sentimento de compaixão para com as
outras formas de vida. Ao mudar a mentalidade dominante da nossa
sociedade (que considera os seres humanos seres separados e
superiores ao resto da vida na Terra) para uma visão que reconhece os
seres humanos como sendo membros da teia da vida, os alunos
ampliam seu cuidado e preocupação de criar uma rede mais inclusiva de
relacionamentos.
2. Abraçar a sustentabilidade como uma prática comunitária

8
Goleman, Daniel. Bennett, Lisa Barlow, Zenobia. Ecoliterate: houw educators are
cultivating emotional, social and ecological intelligence. – San Francisco: Jossey-Bass.
2012
27
Esta prática emerge da compreensão de que os organismos não existem
isoladamente. A qualidade da rede de relacionamentos dentro de
qualquer comunidade determina sua capacidade coletiva para
sobreviver e prosperar. Ao aprender sobre as formas maravilhosas que
plantas, animais e outros seres vivos são interdependentes, os alunos
são inspirados a considerar o papel de interligação dentro de suas
comunidades e ver o valor do fortalecimento dessas relações, pensando
e agindo de forma cooperativa.
3. Tornar o invisível visível
Esta prática auxilia a reconhecer os inúmeros efeitos do comportamento
humano sobre as outras pessoas e sobre o meio ambiente. Os impactos
do comportamento humano têm se expandido exponencialmente no
tempo, espaço e magnitude, tornando os resultados difíceis, se não
impossíveis de serem compreendidos plenamente. Usando ferramentas
para ajudar a tornar visível o invisível podemos revelar as implicações
de longo alcance do comportamento humano, nos permitindo atuar em
mais maneiras de afirmação da vida.
4. Antecipar consequências indesejadas
Consiste no duplo desafio de prever as possíveis consequências de nossos
comportamentos da melhor maneira possível, e ao mesmo tempo aceitar
que não podemos prever todas as possíveis associações de
causa-e-efeito. Supondo-se que o objetivo final é melhorar a qualidade
de vida, os alunos podem adotar o pensamento sistêmico e o "princípio
da precaução", como orientações para cultivar um modo de vida que
defende, em vez de destruir a teia da vida. Em segundo lugar, construir
resiliência, apoiando a capacidade das comunidades naturais e sociais
de se recuperar a partir de consequências indesejadas de
comportamentos não intencionais.
5. Compreender como natureza sustenta a vida
É imperativo para que seja cultivada uma sociedade que leva em conta as
gerações futuras e outras formas de vida. A natureza tem apoiado com
sucesso a vida na Terra há bilhões de anos. Portanto, através da análise

28
de processos da Terra, aprendemos estratégias que são aplicáveis à
concepção de empreendimentos humanos.

29
Cultura da Infância

"Respeitar o exercício de ser."

Que frase curiosa. Não dá um nó na cabeça? Não tem um sujeito claro, não
tem começo nem fim, não tem
nem tempo! Caminha por ele livremente, sem pressa. Parece até uma espécie
de determinação do universo: afinal, tem como não ser?

Filosofar com esta frase é divertido, e também é elucidativo. O mundo moderno


acaba por nos distanciar de seu verdadeiro significado, por jogá-lo no fundo da
gaveta, por nos confundir. Mas precisamos lembrar: na vida, é preciso abrir
espaço para o ser humano se conectar com os seus sentimentos, interesses,
vontades, potencial. Para ser quem ele essencialmente é. E para a criança,

ser é brincar.

O brincar é uma linguagem universal. Assim, é um meio de expressão, de


comunicação e, sobretudo, de atribuição de significado para o mundo e para
a própria existência – especialmente durante a infância.

Quando brinca, a criança está focada no aqui e no agora, espaço e tempo que
exigem incessantemente que ela entenda o contexto ao seu redor, depreenda
relações entre coisas, pessoas e atos, dialogue com sua consciência, desperte
seus sentidos, construa identidade... Que descubra como viver. Encontrando,
assim, a própria natureza.

Pipa (ou raia, arraia, quadrado, papagaio) é um brinquedo muito popular no


Brasil. Quando alguém está empinando sua pipa e usa o fio inteiro do carretel,
a pipa fica “batizada”, e ninguém mais pode cortá-la.

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Nossa grande inspiração, Peo, da Casa Redonda, gosta de dizer que brincar é
usar o fio inteiro da vida. É desenrolar o fio de sua pipa, deixá-la voar no céu e
desfrutar toda a gama de pensamentos, dúvidas, hipóteses, sensações e
intuições que aquela ação provoca. Quando brinca, a criança está ali inteira,
em constituição, passeando por diferentes graus de subjetividade. Está
percorrendo caminhos misteriosos e cheios de obstáculos que levam até
grandes revelações – conhecimentos, vínculos, emoções –, que vão se
acumulando e se interligando, alimentando seu acervo cultural.

[...]. Para que o cérebro da cabeça soubesse o que era pedra, foi preciso
primeiro que os dedos a tocassem, lhe sentissem a aspereza, o peso, a
densidade, foi preciso que se ferissem nela. Só muito depois, o cérebro
compreendeu que daquele pedaço de rocha se poderia fazer uma coisa a que
chamaria faca e uma coisa que se chamaria ídolo. O cérebro da cabeça anda
toda vida atrasado em relação às mãos, e mesmo nestes tempos, quando nos
parece que passou à frente delas, ainda são os dedos que têm de lhe explicar
as investigações do tacto, o estremecimento da epiderme ao tocar o barro [...]”
– José Saramago

Desde que nasce, a criança já compreende as competências biológicas,


fisiológicas e, também, comportamentais, indispensáveis para aprender e se
desenvolver – é curiosa, criativa, insiste em se superar, busca continuamente o
crescimento. E faz isso através da linguagem integradora e socializante que é o
brincar.

"Como aprendizes natos, [as crianças] impõem a si mesmas os desafios


que querem vencer, daí a diversidade das brincadeiras, cada uma delas
representando um gesto de aquisição de novos conhecimentos. Os
desafios brincados, a cada dia, são acrescidos de novas modalidades,
inventadas espontaneamente por uma pulsão interna de expansão dos
ossos, dos músculos, das articulações, do eu-corpo, envolvendo a

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emoção da conquista, em que os limites e os medos são vividos e
ultrapassados a cada entrega à experimentação." – Peo

Sempre acreditamos que para que a Educação fosse significativa, deveria


partir da percepção da própria criança, de suas raízes, curiosidades e
saberes. A própria etimologia da palavra indica este curso: "educar" vem do
latim educare, literalmente "levar para fora", uma junção do prefixo ex (fora) e
ducere (conduzir). Assim, desenvolver alguém a partir dele mesmo. Buscar o
que está encoberto para então transcendê-lo. Ao falarmos de Educação
Infantil, reconhecer a sabedoria das crianças para então expandi-la.

O terceiro eixo filosófico da Escola da Toca germinou desta noção


espontaneamente, como brincar deve ser. Já apresentávamos às crianças
elementos e ferramentas que tinham como principal função estimular que elas
explorassem o conhecimento e aumentassem seu repertório cada uma à sua
maneira, a partir do que elas mesmas buscavam: a dança, o cantar, o
desenhar, a festa popular. A Valorização da Cultura da Infância, que carrega
dentro de si uma memória do passado e do futuro, apenas seguiu seu curso
natural. Como o ser, transitou pelo tempo – e, de prática instituída, virou pilar
estrutural.

"O brincar é um ato que rompe o tempo e o espaço, inaugura um outro tempo e
um outro espaço. É uma conexão de vínculo: eu e o mundo. Porque a criança
não vive pra brincar. Brincar é viver" – Peo.

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