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Doutrina

PROCESSO LEGISLATIVO: ARQUIVAMENTO DE


PROPOSIÇÕES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

(*) Hillon Silva Ba/ieiro

CoJ()Si,deJ,ações sobre o processo legislativo e o arquivamento de proposições na


:ãmara dos Deputados

A Constituição Federal institui regras gerais concernentes ao processo


isi~Jtivo, sob a epígrafe Do Processo Legislativo, nos artigos 59 a 69.
A complexidade do processo legislativo exige uma normatização
racon!;titucion:al que lhe discipline o trâmite pormenorizadamente.
Assim, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o Congresso Nacional,
o fito de complementar as normas gerais estatuídas pela Carta Magna, editam
respectivos Regimentos Internos e outros atos de observância interna corporis,
prestam ao necessário detalhamento da atividade fim do Poder Legislativo.
Com efeito, a Câmara dos Deputados, considerando a necessidade de adequar
funcionamento e processo legislativo próprio às exigências da Constituição Fe-
aprovou seu Regimento Interno, por meio da Resolução no 17, que passou a
m21 de setembro de 1989 efoi alterada pelas Resoluções n°s I, 3 e 10 de 1991;
1992; 25, 37 e 38 de 1993; 57 e 58 de 1994; I, 77, 78 e 80 de 1995; e 5, 8
1996.
Algumas espécies de proposições cuja elaboração se compreende no processo
são discriminadas no artigo 59, I a VII, da Constituição Federal, que reJa-
opostas de emenda à Constituição, os projetos de leis complementares, de
de leis delegadas, de conversão de medidas provisórias em leis, de
egislativos e de resolução.
lOIIll u•·.,••· o artigo 100, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados,
dispondo que elas podem consistir em indicação, requerimento, recur-
e proposta de ÍJScalização e controle.
vez que o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados conceitua
como toda matéria sujeita à sua deliberação, ressalte-se que, além das

1mm••• J"'m<<aapew Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal- AEVDF;


Le!rislaril•o dt.J Comissfio de Constituição e Justiça e de Redação da Cllmara das
Aluno da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e

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apontadas pelos citados artigos, as proposições podem consistir também em represen-


tações da Mesa, consultas e oficios do Supremo Tribunal Federal, solicitando licença
para que Deputado seja processado criminalmente. A apresentação dessas proposi-
ções à Câmara dos Deputados pressupõe a legitimidade exigida pelas normas consti-
tucionais e regimentais, como dispõem os artigos 60 e 61 da Constituição Federal,
zo
assim como o artigo 109, §§ 1° e do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Ao serem recebidas pela Secretaria Geral da Mesa da Câmara dos Deputados,
as proposições submetem-se a um juízo prévio, por meio do qual se afere se elas não
se encontram devidamente formalizadas ou se versam matéria alheia à competência
da Câmara dos Deputados, evidentemente inconstitucional ou anti-regimental.
Se essas hipóteses se configuram, a proposição é devolvida ao seu autor. Caso
contrário, o Presidente da Câmltra dos Deputados profere um despacho, encaminhan-
do-a às Comissões competentes, nos termos do artigo 32 do Regimento Interno da
Câmara, que relaciona, numerus clausus, os campos temáticos de cada uma delas.
A ordem de pronunciamento das Comissões é definida no artigo 139, n, do
Estatuto Interno da Câmara, que determina o envio da proposição às Comissões a cuja
competência estiver relacionado o mérito; à Comissão de Finanças e Tributação, quando
o assunto envolver aspecto financeiro ou orçamentário públicos, a flm de que exami-
ne a compatibilidade entre a pretensão legislativa e o orçamento público, assim como,
se for o caso, julgue o seu mérito; e obrigatoriamente à Comissão de Constituição e
Justiça e de Redação, que se manifestará quanto à constitucionalidade, juridicidade,
legalidade, regimentalidade e técnica legislativa, e, eventualmente, sobre o mérito.
Para flns de arquivamento de proposição, sobreleva-se importante instituto,
previsto na atual Constituição Federal, artigo 58,§ 2°, denominado poder conclusivo
das Comissões. O aludido dispositivo constitucional atribui competência às Comis-
sões Temáticas, para discutir e votar projetos de lei que dispensarem, na forma do
Regimento Interno, a competência do plenário da Câmara dos Deputados, ressalvada
a hipótese de interposição de recurso de um décimo dos membros da Casa.
Entende-se, de tal sorte, que os projetos de lei subordinam-se ao poder conclu-
sivo das Comissões, desde que dispensado, por disposição regimental, o pronuncia-
mento do Plenário da Câmara. Considerando-se uma matéria sobre a qual as Comis-
sões detêm poder conclusivo, ela será analisada primeiramente quanto ao mérito; em
seguida, se abranger aspectos financeiro ou orçamentário p11blicos, receberá exame
quanto à adequação orçamentária; e, enfim, obrigatoriamente será apreciada com re-
ferência à constitucionalidade, juridicidade, legalidade, regimentalidade e técnica
legislativa.
Na hipótese mencionada, isto é, tratando-se de assunto subordinado ao poder
conclusivo dos Órgãos Técnicos, se todos os competentes para o exame de mérito
manifestarem-se contrariamente à proposição, ela será arquivada, em razão do que

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dispõe o artigo 133, parágrafo único, do Regimento Interno, ressalvada a hipótese de


recurso, prevista no mesmo dispositivo. Havendo interposição de recurso, se provido,
a matéria seguirá sua tramitação perante as Comissões e, em seguida, terá que ser
submetida ao Plenário da Casa; improvido o recurso, subsiste o arquivamento.
O arquivamento das proposições podem decorrer, ainda, dos pareceres
terminativos próprios da Comissão de Finanças e da Comissão de Justiça, em razão do
que dispõe o artigo 54 do Regimento Interno.
Será terminativo o parecer da Comissão de Finanças, sobre a adequação finan-
ceira ou orçamentária da proposição. O parecer da Comissão de Justiça também o
será, quanto à constitucionalidade ou juridicidade da matéria. Isso significa que o
jutzo expendido por esses Órgãos Técnicos, acerca dos aludidos aspectos, em princi-
pio não mais poderá ser questionado ou discutido, salvo a hipóte~ de recurso.
O recurso cabível contra as decisões terminativas, estatuído no artigo 144 do
Regimento Interno, enseja uma apreciação preliminar pelo Plenário da Câmara dos
Deputados, adstrita apenas aos aspectos da adequação financeira ou orçamentária e de
constitucionalidade ou juridicidade.
Subsistindo, portanto, recurso interposto contra uma decisão terminativa, o
Plenário da Câmara dos Deputados avaliará a proposição respectiva, podendo enunci-
ar jufzo positivo ou negativo, diverso ou idêntico ao juizo contra o qual se recorreu,
havendo possibilidade de saneamento de vícios apontados, mediante apresentação de
emendas. Por conseguinte, quando o Plenário da Câmara dos Deputados, em razão do
sobredito recurso, profere um juizo positivo, a matéria retoma o seu curso; se, porém,
exprime juizo negativo, coincidente ou não com o juízo expresso pela decisão recor-
rida, a proposição deve ser definitivamente arquivada, nos termos do artigo 145 do
Estatuto Interno da Câmara dos Deputados.
Há, ainda, uma outra hipótese de arquivamento de proposição, prevista no ar-
tigo 105 do Regimento da Câmara.
Esse artigo estabelece que a tramitação de uma proposição deve ser iniciada e
concluída dentro da mesma legislatura, sob pena de arquivamento. Seus incisos, de I a
V, enumeram exceções a essa regra, isto é; especificam algumas matérias que, embora
o seu processamento legislativo suplante o lapso temporal de uma legislatura ou mais,
não são arquivadas. São as matérias constantes de proposições que tenham recebido
pareceres favoráveis de todas as Comissões; as já aprovadas em turno único, em pri-
meiro ou segundo turno; as constantes de proposições que tenham tramitado pelo
Senado Federal, ou dele originárias; as constantes de projetos de lei, ordinária ou
complementar, de iniciativa popular; e as constantes de proposições oriundas de outro
Poder ou do Ministério Público.
O inciso I, do supracitado artigo 105, que ressalva de arquivamento a proposi-
ção que tenha recebido pareceres favoráveis de todas as Comissões, pode ensejar al-
guma dúvida quanto à sua fiel interpretação.

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Há um entendimento, adotado por alguns aplicadores das normas regimentais,


fundamentado exclusivamente em uma interpretação literal, de que a expressão "pare-
ceres favoráveis", constante no inciso I, abrange tanto os pareceres de mérito como os
meramente formais.
Argumenta-se, em prol desse entendimento, que a fmalidade precípua da regra
inscrita no artigo 105, caput, do Regimento Interno, é arquivar, ao término da legislatura,
toda proposição pendente ainda de tramitação, excetuando-se apenas aquela cuja ini-
ciativa não pertence a Deputados (proposição que tramitou pelo Senado ou dele se
originou, proposição de iniciativa popular e proposição de outro Poder ou do Procura-
dor-Geral da República); e aquela que jâ se aproxima da conclusão do trâmite legislativo
na Câmara dos Deputados (proposição que tenha recebido pareceres favoráveis de
todas as Comissões e proposição já aprovada em turno único, primeiro ou segundo
tu mo).
Expõe-se, ainda, um outro argumento em defesa da mencionada opinião. É que
a assertiva "com pareceres favoráveis de todas as Comissões.. reclama que todas as
Comissões hajam expendido pareceres favoráveis, a fim de que a proposição não seja
arquivada
Aduz-se, enfim, que o legislador poderia ter especificado que a exigência de
pareceres favoráveis de todas as Comissões, feita pelo inciso I do art. 105, refere-se
apenas ao mérito das proposições, não se podendo, diante do seu silêncio, afirmar
aquilo que a nonna regimental não detenninou expressamente.
Entretanto, compulsando-se detidamente os dispositivos regimentais, pode-se
alcançar uma conclusão diversa, considerando-se, inclusive, a peculiaridade dos pare-
ceres exarados pela Comissão de Finanças e pela Comissão de Justiça
De fato, as proposições que pendem ainda de tramitação, ao término da
legislatura devem ser arquivadas, mesmo porque seus autores, se não lograram reelei-
ção, não mais poderão patrocinar, como Deputados, suas intenções legislativas, empe-
nhando-se pelo convencimento dos seus pares.
O fito da regra de arquivamento é cessar o trâmite da proposição em razão do
término da legislatura A nonna é estatuída com o objetivo de impedir que a proposi-
ção, cujo autor não se reelegeu, continue sendo processada, na legislatura subseqüen-
te, sem o devido patrocínio. Tanto é assim que, se reeleito, o autor pode requerer o
desarquivamento de sua proposição, nos tennos do artigo 105, parágrafo único.
Ocorre que o inciso I desse artigo exprime uma e~ceção, que ressalva do arqui-
vamento a propositura que tenha recebido pareceres favoráveis de todas as Comis·
sões. Essa regra evita o arquivamento de proposição cujo trâmite legislativo aproxi-
ma-se do seu término.
Admitindo-se ou não que a expressão "todas as Comissões" abrange os pare-
ceres meramente fonnais da Comissão de Finanças e da Comissão de Justiça, ambos

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os entendimentos submetem-se à incidência do inciso I, do artigo 105, do Regimento


Interno, ou seja, têm seguimento, na legislatura subseqüente, as proposições que te-
nham recebido pareceres favoráveis de todas as Comissões na legislatura anterior.
Importa distinguir, porém, se a norma retrocitada exige que a proposição tenha
recebido pareceres favoráveis de todas as Comissões, apenas quanto ao mérito, ou se
requer que a proposição tenha recebido pareceres favoráveis, tanto quanto ao mérito,
como quanto ao aspecto formal.
O patrocínio da matéria é fundamentalmente realizado na ocasião em que os
éxgãos Técnicos analisam o seu mérito. Trata-se do momento apropriado para o autor
da intenção legislativa persuadir seus pares quanto à sua conveniência e oportunida-
de, conclamando-os a posicionarem-se favoravelmente à matéria.
Certamente que os Deputados, mesmo quando se trata de proferir juizo técni-
co, divergem, discutem, buscam convencer os demais acerca de suas próprias opini-
ões jurídicas. Há, portanto, possibílídade de persuasão. Mas, pode-se afirmar que a
matéria aprovada quanto ao mérito já foi aceita e considerada oportuna para ser incor-
porada ao ordenamento jurídico, falta-lhe apenas o juizo formal, podendo a proposi-
ção ter seguimento na legislatura ulterior, mesmo que o seu autor não tenha logrado
reeleger-se.
Portanto, em vista do caráter técnico, e não político, dos pareceres formais,
pode-se dizer que a proposição que receber pareceres favoráveis de todas as Comis-
sões, quanto ao mérito, mesmo pendente de juízo formal, não deve ser arquivada ao
término da legislatura, incidindo, na hipótese, o artigo 105, inciso I.
Outrossim, os pareceres da Comissão de Finanças e da Comissão de Justiça
apresentam a particularidade de exprimirem, em determinadas ocasiões, apenas um
juízo formal, como podem também envolver conjuntamente o juízo formal e o juízo
de mérito, nos termos do artigo 32 do Estatuto Interno da Câmara dos Deputados.
A Comissão de Finanças emite um juízo formal quando coteja a pretensão
legislativa com o orçamento público, verificando-lhes a compatibilidade. Todavia, se
a matéria examinada inserir-se no rol do artigo 32, IX, do Regimento Interno, o
Colegiado pronunciar-se-á inclusive acerca do mérito.
De igual modo, à Comissão de Justiça compete verificar a constitucionalidade,
juridicidade, legalidade, regimentalidade e técnica legislativa da propositura. Se a
matéria analisada constar da relação enunciada pelo artigo 32, m, do Regimento In-
temo, o respectivo parecer abrangerá também o juízo de mérito.
O conceito de parecer favorável aplica-se apenas ao conceito de mérito, não
sendo adequado se utilizado para referir-se ao juízo formal positivo. Posicionar-se
favoravelmente significa afirmar que a proposição é propícia, conveniente, oportuna,
benigna, apta a ser incorporada em nosso ordenamento juridico e reger as condutas
sociais. Mérito significa questão fundamental, de fato ou de direito, que constitui o

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principal objeto da proposição. Quando o parlamentar procura convencer seus pares a


aprovarem dada proposição, essa persuasão diz respeito ao mérito, relaciona-se à
valoração que cada Deputado possui quanto à matéria considerada.
Parecer formal, por outro lado, diz respeito ao exame da adequação fmanceira
ou orçamentária ptlblicas, ou à análise da constitucionalidade,legalidade, juridicidade,
regimentalidade e técnica legislativa da proposição. Quando o julgamento é mera-
mente formal, a análise cinge-se exclusivamente a esses aspectos, não se cogitando de
qualquer valoração quanto à oportunidade da matéria.
Impróprio, como se vê, o emprego da expressão "parecer favorável", quando
se trata especificamente de pareceres da Comissão de Finanças ou Comissão de Justi-
ça, meramente formais.
Desse modo, quando o inciso I, do artigo 105, exige que todas as Comissões
hajam proferido pareceres favoráveis a fim de que a proposição não seja arquivada,
requer, na verdade, a existência de pareceres favoráveis de todas as Comissões que se
manifestam acerca do mérito. Trata-se de situação em que o legislador disse menos do
que desejava, devendo-se empregar, na hipótese, a interpretação extensiva para se
alcançar o real sentido da norma.
Quanto ao alegado silêncio do legislador, que não explicitou referirem-se ao
mérito os pareceres favoráveis de todas as comissões, aludidos no inciso I, artigo 105,
trata-se de infundado apego à literalidade da norma, que, utilizada isoladamente, nem
sempre conduz à melhor interpretação. O artigo 13 3 do Regimento Interno, por exem-
plo, estatui que "a proposição que receber pareceres contrários, quanto ao mérito, de
todas as Comissões a que for distribuída", não dependente de deliberação por parte do
Plenário da Casa, será arquivada. Ora, mesmo se não houvesse a referência "quanto
ao mérito", nesse dispositivo, não se poderia interpretá-lo de outro modo, uma vez
que inconcebível proceder-se à análise dos requisitos formais de matéria que já obteve
parecer pela sua rejeição, relativamente ao mérito.
Não é somente a literalidade do artigo 133, como se vê, que permite a compre-
ensão do alcance da norma que alberga, mas também a distinção existente entre pare-
cer de mérito e parecer formal. Não se poderia exigir, portanto, que se procedesse à
análise dos aspectos formais de matéria já rejeitada quanto ao mérito, para só então
arquivá-la, o que seria inadmissível.
Será sempre uma temeridade, por isso, lançar mão unicamente da interpretação
literal da norma, sobretudo relativamente ao Regimento Interno da Câmara dos Depu-
tados, que não é criterioso quanto à disciplina do trâmite processual.
Observe-se, a propósito, o artigo 119, que estabelece que as emendas a projeto
de lei podem ser apresentadas em Comissão, por qualquer Deputado, com o apoiamento
necessário. Acontece que não há nenhuma exigência regimental de apoiamento se-
quer para iniciativa do próprio projeto, nem mesmo para emendas a ele.

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Há uma outra impropriedade, no artigo 141 do Regimento, concernente ao


termo "conflito de competência". Trata-se de expressão inadequada para se referir às
Comissões, pois é exaustiva a relação do artigo 32, que delimita a competência de
cada uma delas, não havendo possibilidade de conflito.
Esse mesmo diploma legal contém antinomia entre o art. 151, 11, "b", 4, e o art.
216. Este artigo defme um rito especial para projeto de alteração ou reforma do Regi-
mento Interno, aquele prevê, para o mesmo fim, o regime de tramitação denominado
prioridade.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não pode, portanto, ser inter-
pretado apenas literalmente. O seu intérprete deve lançar mão de outros métodos
interpretativos, como o lógico, o sistemático e o teleológico. Embora o inciso I, do
artigo 105, não especifique que os pareceres a que se reporta concemem somente ao
mérito da proposição, as normas regimentais, em vários dispositivos, defmem as com-
petências da Comissão de Finanças e da Comissão de Justiça de procederem à análise
formal da propositura que lhes seja encaminhada. Esta Comissão profere pareceres
atinentes à constitucionalidade, juridicidade, regimentalidade, legalidade e técnica
legislativa; aquela emite pareceres relativos à adequação financeira e orçamentária
públicas. Referindo-se a esses aspectos, típicos desses Colegiados, a denominação de
pareceres favoráveis constitui uma impropriedade.
Em face dessas considerações, forçoso concluir-se que, ao término da legislatura,
a proposição que houver recebido pareceres favoráveis de todas as Comissões, quanto
ao mérito, não poderá ser arquivada, se pendente de juizo meramente formal por parte
da Comissão de Finanças ou da Comissão de Justiça, em razão da correta inteligência
do inciso I, do artigo 105, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
As proposições pendentes de parecer da Comissão de Finanças ou da Comis-
são de Justiça não deverão ser arquivadas apenas sob a mera alegação de que o referi-
do Colegiado não proferiu o respectivo parecer favorável, invocando-se para tanto a
incidência do artigo 105, I, do Regimento Interno.
Dever-se-á, em primeiro lugar, indagar se a proposição considerada submete-
se também ao exame de mérito da Comissão. Em caso afirmativo, fmda a legislatura,
uma vez pendente de parecer de "mérito", a propositura será arquivada, em razão do
artigo 105, inciso I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Por outro lado, se à Comissão competir apenas o juizo formal, verificar-se-á se
a matéria recebeu pareceres favoráveis de todas as Comissões que se pronunciaram
quanto ao seu mérito. Em caso afirmativo, ainda que pendente de parecer formal na
Comissão de Finanças ou na Comissão de Justiça, a proposição não poderá ser arqui-
vada, incidindo na hipótese o inciso I do mencionado artigo 105.
As ponderações acerca do alcance da regra do artigo 105, inciso I, que ressalva
de arquivamento, ao final da legislatura, a proposição que tenha recebido pareceres

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favoráveis de todas as Comissões, não apresentam qualquer importância, sob o ponto


de vista prático, para o Deputado reeleito, uma vez que, nos cento e oitenta primeiros
dias da legislatura seguinte, poderá ele desarquivar a propositura de sua autoria, medi-
ante simples requerimento, nos termos do parágrafo único, do artigo 105.
Contudo, para o Deputado que não logrou reeleger-se, essas ponderações são
de todo relevantes. É que, entendendo-se que a ressalva do inciso I aplica-se apenas à
proposição que haja recebido pareceres favoráveis de todas as Comissões, inclusive
das que pronunciam somente juizo formal, o trâmite de inúmeras proposituras já apro-
vadas quanto ao mérito, pendentes apenas de parecer formal na Comissão de Finanças
ou na Comissão de Justiça, será cessado com o término da legislatura, sem possibili-
dade de desarquivamento, que só pode ser requerido, nos termos regimentais, por
Deputado reeleito.
Essa interpretação parece violar a regra do inciso I, do dispositivo menciona-
do, uma vez que se afasta do objetivo de impedir o arquivamento da proposição que se
aproxima do fim do tràmite legislativo, não espelhando com a devida precisão a von-
tade da norma regimental, apreciada de modo sistêmico.
Por outro lado, entendendo-se que o inciso I aplica-se à proposição que rece-
beu pareceres favoráveis de todas as Comissões, quanto ao mérito, várias proposições
que carecem somente de anãlise formal, mas já aprovadas pelas Comissões de mérito,
terão seguimento ainda na legislatura subseqüente, mesmo que o seu autor não haja
sido reeleito. Tal entendimento reflete com maior fidelidade o conteúdo da norma
consubstanciada no inciso I, artigo 105, do Regimento.

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