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Daniel de Oliveira
Letícia Pacheco de Mello Trotte
Mairce da Silva Araújo
Maria Tereza Goudard Tavares
ORGANIZADORES
1ª edição
FFP UERJ
São Gonçalo
2019
sumário 1
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Projeto Gráfico
Daniel de Oliveira
Diagramação
Daniel de Oliveira
Letícia Pacheco de Mello Trotte
Os direitos dessa obra são reservados aos autores. Qualquer parte dessa obra pode ser
arquivada e/ou reproduzida para fins de estudo e pesquisa, sem fins lucrativos, desde
que devidamente referenciada. Demais usos estão condicionados à autorização por
escrito pelos autores.
1ª edição
2019
sumário 2
VII Seminário Vozes da Educação
Comissão organizadora
Prof.ª Dr.ª Maria Tereza Goudard Tavares – FFP UERJ (Coordenação Geral)
Prof.ª Dr.ª Adriana Almeida – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Anelice Astrid Ribetto – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Elaine Ferreira Rezende de Oliveira – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira de Souza Bragança – UNICAMP
Prof.ª Dr.ª Heloisa Josiele Santos Carreiro – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Lúcia Velloso Maurício – FFP UERJ
Prof. Dr. Luiz Fernando Conde Sangenis – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Mairce da Silva Araújo – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Márcia Soares de Alvarenga – FFP UERJ
Secretaria Geral
Cintia Larangeira – PPGEdu FFP UERJ
Danusa Tederiche Borges de Faria – PPGEdu FFP UERJ
Comissão Científica
Prof.ª Dr.ª Inês Ferreira de Souza Bragança – UNICAMP (coordenação)
Prof.ª Dr.ª Adriana Almeida (coordenação)
Prof.ª Dr.ª Adriana Varani – UNICAMP
Prof.ª Dr.ª Alexandra Garcia – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Andrea Feztner – UNIRIO
Prof.ª Dr.ª Anelice Astrid Ribetto – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Cláudia das Chagas – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Claudia Miranda – UNIRIO
Prof.ª Dr.ª Daniela Finco – UNIFESP
Prof.ª Dr.ª Denize de Aguiar Xavier Sepulveda – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Elaine Ferreira Rezende de Oliveira – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Fabiana Eckhard – Universidade Católica de Petrópolis
Prof.ª Dr.ª Gilcelene Damasceno Barão – UERJ/ FBEF
Prof.ª Dr.ª Helena Amaral da Fontoura – FFP UERJ
Prof. Dr. Heli Sabino de Oliveira – UFMG
Prof.ª Dr.ª Heloisa Josiele Santos Carreiro – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Licia Cristina Araujo da Hora – IFMA
Prof.ª Dr.ª Lúcia Velloso Maurício – FFP UERJ
Prof. Dr. Luiz Fernando Conde Sangenis – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Mairce da Silva Araújo – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Márcia Soares de Alvarenga – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Maria Antonia Manresa – Universidad Andina Simón Bolivar/ Sede Quito, Equador
Prof.ª Dr.ª Maria Clarisse Vieira – UNB
Prof.ª Dr.ª Maria Isabel Gutiérrez Chávez – Universidad Nacional de Cajamarca e Escuela Campesina
Alternativa de Pomabamba/ Peru
Prof.ª Dr.ª Maria Tereza Goudard Tavares – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Nilda Guimarães Alves – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Rosimeri de Oliveira – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Sônia de Oliveira Câmara Rangel – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Vania Finholdt Angelo Leite – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Vânia Araújo – UFES
Comissão Cultural
Prof.ª Dr.ª Elaine Ferreira Rezende de Oliveira – FFP UERJ
Prof.ª Dr.ª Maria Tereza Goudard Tavares – FFP UERJ
Mestrando Carlos César de Oliveira
sumário 3
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Bolsistas de Apoio
Coordenação: Profª Drª Heloisa Josiele Carreiro
Adrielle Lisboa – PPGEdu FFP UERJ
Bruna Botino – PPGEdu FFP UERJ
Carlos César Oliveira – PPGEdu FFP UERJ
Clarissa Moura Quintanilha – PPGEdu FFP UERJ
Euridice Hespanhol Macedo Pessoa – PPGEdu FFP UERJ
Glasiele Lopes – PPGEdu FFP UERJ
Larissa Denny Ré – FE UNICAMP
Letícia Pacheco de Mello Trotte – PPGEdu FFP UERJ
Victoria Guilherme Guedes de Moura – PPGEdu FFP UERJ
Mariel Costa Moderno – Bolsista Proatec FFP UERJ
sumário 4
VII Seminário Vozes da Educação
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sumário 6
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 7
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Dedicado às Professoras
Regina Leite Garcia e Jacqueline Morais
(in memoriam).
sumário 8
VII Seminário Vozes da Educação
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 24
EIXO 1 ......................................................................................................................... 27
MEMORIAL – CONTAR-ME PARA ENCONTRAR-ME COM A
PESQUISA | Mishelle Ninho de Almeida ............................................................ 28
A ESCOLA COMO LUGAR DE MEMÓRIAS E IDENTIDADE:
HISTÓRIA DA ESCOLA MUNICIPALIZADA PROFESSORA NIUMA
GOULART BRANDÃO A PARTIR DAS VOZES DE SEUS SUJEITOS |
Adriana de Freitas Salomão do Nascimento .......................................................... 43
A (AUTO)BIOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE ANÁLISE PARA
PENSAR PROCESSOS FORMATIVOS | Luzia da Silva Henriques ........... 57
REGINA LEITE GARCIA E EU, EM ALGUMAS DE NOSSAS TANTAS
PARCERIAS – ACERCA DA FORMAÇÃO PERMANENTE E
CONTINUADA | Nilda Alves ............................................................................... 72
NARRATIVAS DE PROFESSORAS: FORMAÇÃO E IMPLICAÇÕES
DO FAZER DOCENTE | Flaviane Coutinho Neves Americano Rego ....... 83
FORMAÇÃO ENTRE PARES E A ESCRITA DEPROFESSORAS/ES:
AÇÃO ENTRE COLETIVOSDOCENTES DO BRASIL E PERU | Mairce
da Silva Araújo, Jacqueline de Fatima dos Santos Morais, Danusa Tederiche
Borges de Faria ............................................................................................................ 93
MONITORIA EM EDUCAÇÃO PARA A PAZ | Tania Maria Cordeiro de
Azevedo ...................................................................................................................... 104
RODAS DE CONVERSAS, NARRATIVAS INFANTIS E
EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS: ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS
COMO CAMPOS DE PESQUISA | Maria Luisa Furlin Bampi, Virginia
Georg Schindhelm .................................................................................................... 115
SOBRE O PAPEL DA EDUCAÇÃO MUSICAL NA REAFIRMAÇÃO DA
MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA | Flavia de Oliveira Barreto ............ 127
ALÉM DOS MUROS: PESQUISA-FORMAÇÃO EM CAMPO | Aline
Benvinda Bastos, Isabela Santiago Franca, Gabrielly Santana de Souza Pereira
... ................................................................................................................................... 138
O DIÁLOGO COMO CAMINHO PARA A PESQUISA: DAS
ORIENTAÇÕES COM REGINA LEITE GARCIA ÀS NARRATIVAS
DO GEPPALFA | Luciana Teixeira Guimarães de Britto .............................. 148
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sumário 20
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sumário 22
VII Seminário Vozes da Educação
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APRESENTAÇÃO
sumário 24
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 25
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Os trabalhos estão listados por ordem alfabética definida pelo nome dos autores.
Pela natureza internacional do evento, este E-book traz textos tanto em português, como
em espanhol.
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VII Seminário Vozes da Educação
EIXO 1
FORMAÇÃO DOCENTE, MEMÓRIAS E NARRATIVAS
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 28
VII Seminário Vozes da Educação
(FREIRE, 1995, p. 19). Os saberes não são estáticos, eles são construídos, certos de
suas incertezas e ressignificados a cada instante.
A certeza fundamental: a de que posso saber. Sei que sei. Assim como sei
que não sei o que me faz saber: primeiro, que posso saber melhor o que já
sei; segundo, que posso saber o que ainda não sei; terceiro, que posso
produzir conhecimento ainda não existente (FREIRE, 1995, p. 18).
Minha história não começa em um quintal como a de Paulo Freire e não tenho
saudade das árvores frutíferas que nunca tive. Estes cheiros não conheci. Meus
primeiros dias, passos, falas, aprendizados, cheiros e gostos, aparentemente, se fazem
tristes para alguns. Mas somente os que viveram uma história como a minha e se
perderam nas ruas estreitas, tortas de um universo paralelo independente que coexiste
com o restante da sociedade, com seus modos próprios de realidade, puderam se achar
nas vielas da esperança que ficam logo ali, após a outra esquina. Um dia após o outro e
vamos nos fazendo e refazendo. Vamos nos quebrando e consertando, aos poucos, com
jeito para não quebrarmos novamente.
Natural de Niterói, de uma comunidade intitulada por “favela 1 Nova Brasília”,
de uma família humilde, que se esforçou durante alguns anos para continuar seus
estudos enquanto meus pais construíam o nosso lar e o restante da nossa família, que se
concretizou com a chegada da minha irmã mais nova e, posteriormente, de meu tio
Ubernan, que era esquizofrênico. Filha de pais jovens, de famílias díspares, que
demoraram para se respeitar. Chefe da família, meu avô paterno era negro2, do asfalto,
policial militar de classe média, que acreditava que uma moça loira da favela poderia
não ser boa companhia. Em desconforme, do outro lado, estava a minha avó: chefe da
família materna, deserdada pela família após optar pelo desquite de um casamento
arranjado e infeliz e, com isso, perdeu o título de fazendeira e assumiu o de favelada.
Professora loira, que criou os filhos sozinha e achava que um “rapaz mulato3”, filho de
um policial negro e do asfalto, poderia não ser boa companhia.
1
Favelas são grandes conjuntos habitacionais abertos, loteamentos irregulares, cortiços etc. Estruturas
espaciais construídas principalmente entre os anos 1950 e 1980 que se tornaram sub-bairros, que abrigam
milhares de pessoas que, em geral, são concentradores de pobreza, altas taxas de criminalidade, altos
índices de desemprego e baixa educabilidade (CAMPOS, 2013, p. 262).
2
Segundo a classificação oficial do Censo, são cinco cores que se apresentam: branca, preta, parda,
amarela e indígena. Negro é uma categoria não oficial, que inclui os pardos que é utilizada no Rio de
Janeiro para se referir aos pretos e pardos. Acessado em 12 de março de 2018:
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/default_raciais.shtm
3
Embora o conceito de mulato seja bastante controverso, foi mantido no texto apenas para manter a
fidedignidade das palavras de minha avó. Sabemos, porém, que o conceito provém de estudos
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Mas o casamento aconteceu num cartório com apenas dois amigos como
testemunhas. As famílias não participaram, sequer souberam. Um casamento simples
que durou quase quatro décadas e contrariou todas as profecias. Eu cheguei um ano
depois e acabei aprendendo, a duras penas, o funcionamento daquele regime hostil, que
começava pelas crianças. De todas as formas de viver tão diferentes que aprendi
naquele espaço, a que mais me marcou foi a “lei do mais forte”. Tive muitos amigos,
companheiros diários das brincadeiras presentes nas vielas, ao entardecer, com pão na
mão. Muitos, embora tenham seguido caminhos condenados pelo restante da sociedade,
os mantenho até hoje. Mesmo assim, muitos deles descobriram que me bater era tarefa
fácil. Então, apanhava até pela grade do meu portão, diariamente. Um dia compreendi
que, para sobreviver, precisava me adaptar ao meio. Aprendi, aos quatro anos, a impor o
respeito pela força. Para não apanhar, tive que bater.
Na mesma época aprendi a ler e a escrever no único cômodo da minha casa. Aos
cinco anos, entrei para a escola municipal mais próxima. Na escola brincava com
brinquedos que não tive e comi alimentos que não conhecia. Senti o gosto das frutas,
mas ainda não conhecia as árvores. Na favela brincávamos ao sol e à chuva também.
Ouvíamos os gritos de nossas mães a nos chamar e corríamos na direção contrária. Sons
que ecoavam pelos becos à nossa procura. Precisei desenvolver habilidades específicas
para subir e descer todo aquele labirinto quando chovia e a lama nos fazia patinar.
Poucos eram os brinquedos, todos improvisados com latas, paus e pedras, mas capazes
de fazer dos nossos dias felizes. “Minha terra envolve o meu sonho de liberdade”
(FREIRE, 1995, p. 28). Hoje observo minhas filhas brincando no quintal de casa e
percebo o quanto me diverti, gargalhei com vontade e o quanto a vida com a liberdade
da favela era engraçada.
Passei boa parte da minha infância em meio à violência ocasionada pelas
desigualdades sociais e, na escola pública, a violência simbólica de um sistema
classificatório e excludente que demarcava, a todo o instante, o meu território. “Minha
terra é dor, fome, miséria, é esperança também de milhões, igualmente famintos de
justiça” (FREIRE, 1995, p. 26). Tal violência não dizia apenas onde eu estava, mas
delimitava, também, minhas possibilidades e meus sonhos. A distância geográfica é
pequena, mas com distâncias sociais que mais parecem um deserto a ser vencido.
poligenistas realizados na Sociedade Anthropologica de Paris, liderados por Paul Broca, famoso
anatomista e craniologista, que “acreditava na imutabilidade das raças e traçando, inclusive, paralelos
entre o exemplo da não-fertilidade da mula e uma possível esterilidade do mulato” (SCHWARCZ, 1993,
p. 54-55).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
formatura. Eu achava que a academia não era um lugar para mim/nós, moradores de
favela. Hoje, propagandas explicativas sobre o Exame Nacional do Ensino Médio -
ENEM, Programa Universidade Para Todos - PROUNI 4 , avisando sobre a data de
inscrições e como o jovem deve fazer para se inscrever, pode ser considerado um
enorme avanço. Fui a primeira de minha família a ingressar em um curso superior.
Minha família também não sabia. Meus vizinhos também não. O Objetivo era concluir o
ensino médio (que ali representava um enorme mérito) e começar a trabalhar. Foi o que
eu fiz. É como se diz: “É o que temos pra hoje!”. Um dia, por incentivo de um amigo e
por curiosidade, me inscrevi e passei para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
na Faculdade de Formação de Professores - FFP e para a Universidade Federal do Rio
de Janeiro - UFF (em Psicologia). Não estudei, pois tinha certeza de que não passaria,
fiz de brincadeira. Eis que os caminhos foram mudando e hoje estou aqui.
Mas, naquele momento, a vida parecia terminar na fronteira entre a favela e o
asfalto. Muitos sucumbiram, exaustos, a essa modalidade de comércio de entorpecentes
e pessoas. Alguns ficaram pelo caminho marcado de confrontos. Outros simplesmente
pararam de nadar contra a maré e, finalmente, aceitaram seus destinos. Apenas
crianças, que tiveram seus sonhos calados, pois não podiam deixar de servir à classe
dominante com lugares previamente estabelecidos. “Quando penso nela, vejo o quanto
ainda temos de caminhar, lutando, para ultrapassar estruturas perversas de espoliação”
(FREIRE, 1995, p. 26). Quando retorno, pouco reconheço do lugar em que cresci, mas
revejo muitas dessas crianças, em outros rostos, com os sonhos roubados e praticamente
impedidas de enfrentar seus desafios.
Um café quente, uma cadeira qualquer e muitos sorrisos acontecem nesses
encontros. Alguém anuncia alto a minha chegada e outros companheiros de brincadeira
surgem dos becos sem fim. Lá sabemos o que é unidade. O tempo passou e muitos
caminhos diferentes foram seguidos, destinos cumpridos. Pessoas dotadas da valiosa
simplicidade de saberes acumulados atrás de um balcão, ou limpando o chão. Amigas
4
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) foi criado em 1998 para ser uma avaliação de desempenho
dos estudantes de escolas públicas e particulares do Ensino Médio. Desde 2009, o Enem agregou outra
função ao seu currículo: tornou-se também uma avaliação que seleciona estudantes de todo o país para
instituições federais de ensino superior e para programas do governo federal, como o Sistema de Seleção
Unificada (Sisu), o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) e o Fies (Fundo de Financiamento
Estudantil). Já oPrograma Universidade Para Todos (PROUNI) é uma medida do governo federal que
oferece bolsas de estudo para estudantes de baixa renda ingressarem em uma universidade privada.Esses
programas, bem como a divulgação do modo como funcionam, facilitam a vida de quem sempre sonhou
em estudar em universidade pública ou precisa de incentivo do governo para pagar a mensalidade da
universidade particular.
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VII Seminário Vozes da Educação
que criam filhos sozinhas e, para isso, se preciso for, traficam, ou se traficam. Lá os
sonhos estão em liquidação e muitos aproveitam com parcelas que cabem em muitos
bolsos, em muitas consciências. Amigos que encontraram na bebida ou drogas a
motivação para continuar acordando. “Quando penso na minha Terra, tanto me lembro
da soberba do rico, de sua raiva pelos pobres, quanto da desesperança destes, forjada na
longa vivência de exploração ou na esperança que gesta na luta pela justiça” (FREIRE,
1995, p. 28). Mas, acima de tudo, amigos que gostaria que estivessem hoje, lutando ao
meu lado.
Vejo o que a sociedade vê pelos jornais e pela TV, um lugar marcado pela
violência extrema e por crianças que parecem estar fadadas a um mesmo destino.
Aquelas pessoas humildes, honestas, ainda estão lá. Continuam sem alternativa, sem
conseguir enxergar um horizonte. Silenciadas por essa nova maneira de hierarquia
violenta organizada pelo tráfico dentro da comunidade em que vivem, rejeitadas por
aqueles que vivem além dessas fronteiras e abandonadas pelo estado, que age enquanto
facilitador da exclusão e exploração neste espaço.
O tráfico entra pelo abandono deixado pelo estado, gerando mais exclusão e
violência. Eu perdi alguns amigos e ainda posso perder outros, já que muitos desses
amigos e o restante de minha família ainda habitam aquele lugar. Novas gerações
chegaram com suas novas maneiras de viver e sobreviver. Meu primo, com menos de
vinte anos, perdeu todos os amigos da mesma faixa etária numa única noite de
confronto.
A necessidade diária de convívio neste território me fez aprender diversas coisas
na velocidade que era preciso. Não me lembro, em tempo algum, na escola ou fora dela,
durante toda a minha existência, de ter aprendido tanto e de tais conhecimentos, bons ou
não, internalizarem tão fortemente em mim. Necessidade? Possivelmente sim. O fato é
que hoje encontro facilmente essas experiências do tempo em que prefiro chamar de
“escola da vida” na minha leitura de mundo. De lá trouxe cicatrizes, mas também trouxe
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o meu tio Ubernan, personagem mais importante de toda a minha existência e que me
ensinou, mesmo sem querer, que podemos conviver com as maiores diferenças, lutar
pelo direito de tê-las e ainda sermos felizes. Esquizofrênico, viveu todos esses anos
achando ser mais novo que eu, pois sequer reconhecia suas rugas no espelho. Pouco
falava, mas nos trouxe mais alegrias que qualquer outra criança da família. Mesmo
incapaz de retribuir afetos se tornou o filho preferido, mais amado, mais cuidado. Meu
filho também. Hoje percebo que a vida me proporcionou ensinamentos únicos, mesmo
em espaços condenados pelo restante da sociedade ou pela oportunidade única do
convívio com meu tio. Um verdadeiro presente.
Na Escola Municipal Julieta Botelho, em Niterói, formalizei minha
alfabetização, pois já entrei sabendo o que era preciso para ler e escrever. Uma escola
maravilhosa, com parquinho de areia, sala com estantes repletas de brinquedos até o teto
e sorvete de sobremesa. Todos muito afetuosos, inclusive a minha professora que,
mesmo cansada de uma vida dedicada à educação e prestes a se aposentar, permanecia
amável. Fui percorrendo meu caminho, sem noção de que existia um mundo inteiro bem
diferente do que eu estava acostumada. Conheci a disciplina Moral e Cívica no Ensino
Fundamental I, que fui obrigada a cursar, e que se tornou a minha maior inquietação
enquanto aluna e educadora. Disciplina que tentava me ensinar, com cunho religioso e
patriótico, o certo e o errado, o bom e o mau e o bem e o mal. Apenas tentava me
ensinar, pois já nessa época tinha consciência de ser e pertencer ao modelo errado,
embora fosse boa e praticasse a bondade. Na época eu não sabia, mas minha pesquisa se
iniciou ali, com aquela disciplina e inspirou a escolha do meu objeto de pesquisa da
monografia da graduação, das pós-graduações e do mestrado. Durante esse período,
além das aulas forçadas de Moral e Cívica, assistia aos cultos da igreja Batista que
aconteciam na casa do meu avô e recebia orientação religiosa protestante.
A violência se fixou e fez jus ao nome da comunidade (Nova Brasília) 5 ,
conhecida por ser a favela mais perigosa do município e análoga ao estado em que há a
maior concentração de corrupção e produção de violência contra as camadas mais
empobrecidas do país. Famílias inteiras foram obrigadas a deixar a favela. As que
conseguiram, claro! Por sorte, recebemos a ajuda de parentes e conseguimos sair
daquela zona de perigo. Nos mudamos, então, para São Gonçalo, deixando o espaço de
5
A favela Nova Brasília está localizada na zona norte de Niterói, no Rio de Janeiro, é dominada pelo
Comando Vermelho e fica próxima a comunidade Coronel Leôncio, dominada pelo Terceiro Comando
Puro.
sumário 34
VII Seminário Vozes da Educação
convivência da minha família materna para, a partir daí, morar ao lado da minha família
paterna. Moravam ao lado de nossa casa a minha bisavó, que criou meu pai e que foi a
figura materna da sua vida, e seu marido, Alcebíades que, mesmo não tendo laços
consanguíneos, foi o melhor pai e avô que eu poderia ter tido, criando laços conosco
que nem o tempo nem a memória que, às vezes nos prega peças, seriam capazes de
desfazer.
Nos horários livres de sonecas à tarde eu dormia na esteira da varanda enquanto
meu avô, mesmo idoso, permanecia de vigília, às vezes por horas, me abanando para se
certificar que nenhuma mosca posasse em mim. Com ele aprendi a valorizar a vida, mas
não só a vida, mas a qualquer ser que a possua. A justiça dos homens passou a ter outro
significado: o de bondade. Fui incentivada a fazer mais por aqueles que pouco ou nada
tinham e que respeito pela vida não se restringia a um simples sentimento, mas sim a
um movimento, a um posicionamento e, mais do que isso, a uma atitude. Certamente
meu avô foi o grande promotor do meu amor incondicional pelos animais, fazendo com
que, mesmo após a sua morte, eu acolhesse em minha casa tantos animais de rua até
hoje. Seus ensinamentos se tornaram a maior e mais importante referência de professor
da minha vida, embora ele não possuísse licenciatura alguma. Foi neste momento que
aconteceu o meu despertar para a educação e a minha vontade de ser professora. Mas
isso não acontece, não foi um acontecimento, foi mais um arrebatamento como ocorre
com os apaixonados.
Neste momento a história da minha família se refaz e, com ela, surgem novos
aprendizados. Se antes meus saberes permeavam o instinto de sobrevivência hoje eram
pautados apenas em paz e tranquilidade. Continuávamos muito humildes, passando de
uma casa de dois para uma casa de quatro cômodos, porém, extremamente felizes. A
constante inquietação com a minha transcendência me fez buscar a Igreja Católica e fiz
a Catequese. Acabei participando de muitos outros grupos existentes ali, como o Cor
mirim e jovem, a Crisma, o Grupo Jovem, a Legião de Maria e a Pastoral da Criança e
permanecendo praticante até a fase adulta. Quando as perguntas sem resposta se
tornaram uma constância, busquei respostas no espiritismo kardecista. Compreendi,
com o tempo, que minhas perguntas não precisavam ser respondidas e deixei de
perseguir as respostas.
Terminei o Ensino Fundamental e, logo em seguida, ingressei no Curso Normal
no Instituto Estadual de Educação Clélia Nanci, onde cursei o primeiro ano do antigo
segundo grau. Neste curso permaneci apenas por um ano e meio, pois tinha a
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
6
Orientada pela ProfªDrª. Adir da Luz Almeida.
sumário 36
VII Seminário Vozes da Educação
escolas estaduais 7 . Com essa monografia intitulada “O ensino religioso nas escolas:
disputas de poder pela fé” 8 , percebi que o Estado não é responsável por esses
professores, mas os credos aos quais eles pertencem, inclusive o acompanhamento, a
formação, oferecimento de material didático etc. Observei, também, que muitos credos
não participavam do concurso, embora estivessem autorizados a participar ou possuíam
um quantitativo muito pequeno em relação aos credos cristãos. Busquei, então, as
federações (as que possuem) e/ou as religiões autorizadas a participar do concurso a fim
de conseguir respostas. Dentre elas tive êxito com os islâmicos, os judeus, os espíritas e
os pertencentes ao candomblé.
Incluí na pesquisa, também, uma entrevista com a coordenadora da disciplina
ensino religioso do município de Itaboraí, que trabalhava a Lei 10.639/03 na prática da
disciplina naquele momento, como uma alternativa ao que vem sendo posto pela “fé do
colonizador”, o cristianismo. Nas práticas do município de Itaboraí existia, naquele
momento, o esforço em valorizar tanto as múltiplas identidades quanto as diversidades
culturais produzidas, ainda que as escolas, algumas vezes, manifestassem resistência.
“Tais manifestações culturais hegemônicas também estão presentes no currículo de
forma esmagadora na tentativa de coibir sem chance de emergir aqueles que estão em
condição de silenciados ou marginalizados pela sociedade” (GOMES, 2012). E o
confronto com a hegemonia reproduzida no currículo requer conflito, que é necessário
para que algo novo aconteça.
Sempre estive envolvida com diversos programas sociais, municipais, estaduais
e federais, como o Enter Jovem Plus 9 , lecionando empregabilidade, informática e
Sociologia para alunos do Ensino Médio do estado; Programa Brasil Alfabetizado 10,
com alfabetização de turmas de EJA tanto no estado quanto no município, Projeto Mais
7
A Constituição Federal de 1988, ao falar de educação, determina que o Ensino Religioso, mesmo
facultativo para o aluno, esteja obrigatoriamente presente como disciplina dos horários normais das
escolas públicas de Ensino Fundamental (art. 210), a Lei LDB no seu art. 33 e a Constituição do Estado
do Rio de Janeiro de 1989 (Art. 313) seguiram essa mesma determinação. A Resolução CNE/CEB N°
07/2010 do Conselho Nacional de Educação institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
Educação Básica e estabelece o ensino religioso como “componente curricular obrigatório”. A Resolução
nº 1.568, de 06 de outubro de 1990, da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro, dispõe sobre
o ensino religioso nas escolas da rede pública estadual. E a lei estadual nº 3459/2000 dispõe que o ensino
religioso nas escolas da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro seja confessional.
8
Orientada pelo Prof. Dr. Luiz Fernando Conde Sangenis
9
O Enter Jovem Plus é o resultado de uma parceria das Secretarias de Estado de Trabalho e Renda
(SETRAB) e Educação (SEEDUC), com o governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento das
políticas de ensino, qualificação profissional e intermediação de mão de obra no estado do Rio de Janeiro.
10
O Programa Brasil Alfabetizado é um programa formulado e implementado pelo Ministério da
Educação, voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos. Desenvolvido em todo o território
nacional, com o atendimento prioritário a municípios que apresentam alta taxa de analfabetismo, visando
garantir a continuidade dos estudos aos alfabetizandos.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
11
O Programa Mais Educação, criado pela PortariaInterministerial nº 17/2007 e regulamentado
pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da
construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino que amplia a
jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de atividades optativas nos
macrocampos: acompanhamento pedagógico; educação ambiental; esporte e lazer; direitos humanos em
educação; cultura e artes; cultura digital; promoção da saúde; comunicação e uso de mídias; investigação
no campo das ciências da natureza e educação econômica.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Orientada pela Profa. Dra. Regina de Fatima de Jesus.
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Bolsista CAPES da Universidade Aberta do Brasil.
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ensina e ensina enquanto aprende”, como me ensina o mestre Paulo Freire. Mas o fato é
que passei a valorizar mais as mãos que ajudam que as bocas que rezam. Lutar por esses
direitos não é uma escolha, nunca foi pra mim. Lutar, nesse caso, significou minha
sobrevivência. Lutar, agora, significa minha essência, que se intensificou com a minha
inserção no curso de Pedagogia, que passou a ser, também, um compromisso político
que assumo a cada vez que entro pela porta da sala de aula enquanto professora sempre
em busca da transformação social.
Cada dia é um novo dia, uma nova descoberta e com novas experiências. Quem
sabe, um dia, eu faça as pazes com Deus 14 . Enquanto isso gostaria de não ter que
desenvolver trabalhos e apresentações com cunhos religiosos nas escolas públicas por
onde eu passo/atuo. Assim como quero que meus alunos tenham o direito de professar a
sua fé, ou fé nenhuma. O direito de sermos quem somos, com nossas múltiplas
identidades, ancestralidades e fés. Por isso busco pensar de que maneira as religiões se
colocam dentro dos cotidianos escolares, sendo a escola um ambiente de múltiplas
identidades, manifestações culturais e símbolos, deve, também, a escola ser um espaço
que esteja preparado para receber e trabalhar com as diferenças.
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Aqui segue uma síntese, tentando explicar essa frase, pois muito do que escrevo, parece contradizê-la
(chamou atenção minha orientadora do mestrado Regina de Fatima de Jesus), mas tentarei explicar: eu
tive orientação religiosa desde criança. Primeiro protestante, depois católica. Na fase adulta procurei o
kardecismo. Porém, ao longo dos anos, fui deixando de ser cristã e me tornando agnóstica. Algumas
práticas permaneceram (como dar doces) ou rogar por alguns santos nos quais tenho afinidades ou admiro
a história de vida. Não sigo mais a bíblia, pois há coisas que não compreendo, não concordo ou interpreto
de maneira diferente. Quando digo “fazer as pazes com Deus”, é nesse sentido (de voltar a crer nele).
Creio que há algo, mas não sei o que é. Tenho uma outra visão de um criador que é diferente da que
conheci durante a vida, pois não consigo compreender como um Deus pode ser bom para minhas filhas ao
mesmo tempo em que vejo tamanho sofrimento em tantas outras crianças mundo afora. Acredito no
equilíbrio das forças da natureza e das pessoas e gosto de pensar, às vezes, que posso recorrer aos meus
ancestrais e, assim como os candomblecistas, cuido para que meus ancestrais sejam preservados mediante
as escolhas que faço hoje.
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trabalho está sendo feito. Na verdade, é apenas o começo e espero que permaneça
assim: sempre um começo. Desejo ainda muito desenvolvimento. Na verdade, tudo
acontece a todo o momento e isso nos forma, nos deforma e nos transforma. Ninguém
pesquisa se não desconfia da certeza e é por esta razão que hoje me encontro aqui.
Referências
CAMPOS, Andrelino. Quilombos, favelas e os modelos de ocupação dos subúrbios:
algumas reflexões sobre a expansão urbana sob a ótica dos grupos segregados. In:
JESUS, Regina de Fatima de. ARAÚJO, Mairce da Silva. CUNHA Jr, Henrique Cunha
(Org). Dez anos da Lei nº 10.639/03: memórias e perspectivas. Fortaleza: Edições
UFC, 2013.
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com
crianças de candomblé. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho D’água, 1995.
GARCIA, Regina Leite. Para quem investigamos, para quem escrevemos: reflexões
sobre a responsabilidade social do pesquisador. In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa
et al (Org.). Para quem pesquisamos, para quem escrevemos: o impasse dos
intelectuais. São Paulo: Cortez, 2001.
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A Fazenda São Lourenço, que existia naquela região, foi loteada na década de
1960 pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), com vistas a construção de casas
populares. A construção de um conjunto habitacional com 710 casas pelo BNH-
CEHAB, teve início em 1973 com a finalidade de abrigar os moradores retirados de
diversas favelas de Niterói como Maverói, Favela do Maracanãzinho, Morro do Estado,
Morro do Palácio, Morro da Marinha, entre outras. Posteriormente, foram chegando
para a região moradores advindos de diversas localidades, sendo reconhecidos como
invasores.
O bairro do Salgueiro, portanto, é demarcado pela parte planejada pelo BNH,
simbolizada pela caixa d‘água que abastecia o conjunto habitacional, e a parte que foi se
expandindo com a chegada desses novos moradores.
Meu pai, minha mãe e eu chegamos ao Salgueiro, provenientes do Bairro do
Barreto, em Niterói, em 1976, quando o conjunto habitacional possuía apenas três anos
de existência. Naquele momento, as casas da Rua Ricardo Leon, onde morávamos,
localizada na parte de trás do Jardim São Lourenço, como era chamada na época, eram
amplas, com quintal e muitas árvores frutíferas. A maioria das residências tinha e ainda
mantém essas características. Alguns vizinhos eram oriundos do nordeste e de regiões
rurais do Rio de Janeiro. Nossas casas eram separadas por cercas de pau, que aos
poucos foram sendo substituídas, pelos arames farpados e, por último, pelos muros.
Concomitantemente, outras mudanças iam acontecendo demarcando outras
separações dentro do mesmo bairro: na parte da frente era a favela, na parte de trás, o
conjunto habitacional, a parte nobre do bairro onde estavam os moradores que tinham
um poder aquisitivo um pouco melhor. Na favela, vielas, casas pequenas, coladas umas
às outras, sem calçadas, sem muros e sem quintal. Na parte de trás, casas maiores,
terrenos amplos, arborizados, separação entre as casas.Com a divisão dentro do bairro,
já não podíamos mais circular livremente.
Ir à casa de amigas que moravam na favela foi se tornando impossível. A favela
era o “lugar dos marginais”. Vivíamos como se existissem vários Salgueiros dentro do
mesmo local. A “sensação de paz terminara”.
Entre 1980 e 1990, os muros de concreto já não “barravam” o perigo. A
violência já se instalara em toda comunidade, e “os efeitos do lugar”, como nos ensina
Bourdieu, foram se tornando cada vez mais visíveis. “O espaço social se retraduz no
espaço físico”. (BOURDIEU, 2008, p.160), ou seja, na parte da trás do bairro, moravam
“os cidadãos”, os que tinham acesso à água e ao esgoto, os que possuíam as casas
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amplas e ventiladas, já na parte da frente, “os marginais”, “os bandidos”, num espaço
muito mais precarizado.
As próprias amizades iam sendo adaptadas à lógica do capital, reprodutora dos
efeitos do lugar, já não dava mais para fazer trabalhos escolares na casa da amiga que
morava na favela.
(...) os que não possuem capital são mantidos à distância, seja física, seja
simbolicamente, dos bens socialmente mais raros e condenados a estar ao
lado das pessoas ou dos bens mais indesejáveis e menos raros. A falta de
capital intensifica a experiência da finitude: ela prende a um lugar.
(BOUDIEU, 2008, p.164).
A Polícia Federal (PF), com apoio das Forças Armadas, está realizando uma
mega operação, na manhã de hoje (15), nas comunidades do Complexo do
Salgueiro, em São Gonçalo. Segundo informações, a ação mobiliza mais de
1000 homens do Exército e 30 da PF. Carros blindados e aeronaves estão
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Mesmo considerando a defasagem dos dados, que remetem a quase uma década
atrás, mais a proporção entre 1030 homens do exército e da PF para fazer operações
junto a uma população de 9.182 residentes é, no mínimo, muito assustadora, pois,
segundo dados do IBGE, em 2010, portanto, há quase uma década, o Salgueiro estava
composto da seguinte forma: são 9.182 residentes, sendo que 51% se consideram
pardos; 16%, negros; 32%, brancos e 5%, amarelos. Ou seja, a composição de
negros/pardos ultrapassa os 67%. Por outro lado, já se sabe hoje a maioria da população
pobre brasileira é constituída por negros e pardos.
De acordo com dados do Projeto de Trabalho Técnico Social, órgão vinculado à
Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (PTTS/SMDS), no raio de ação do
Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) do Salgueiro,em 2011, havia 11
mil famílias em situação de risco e de vulnerabilidade social.
Ao longo dos anos houve um aumento da violência no Complexo do Salgueiro,
especialmente, a partir das mudanças nas políticas de segurança pública do Estado do
Rio de Janeiro, com a implantação das Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Um dos
efeitos colaterais de tal política foi o deslocamento criminal das favelas cariocas para as
cidades próximas. São Gonçalo foi uma dessas cidades.
Após retornar à comunidade como professora vivenciei o crescimento da
violência durante os nove anos que lecionei na escola. A chegada do Batalhão de
Operação Policiais trazia uma sensação de tranquilidade apenas passageira. A equipe
escolar se mantinha unida para se fortalecer e manter o propósito de educar e cuidar.
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O bairro tinha uma linha de ônibus precária, que não passava pela escola, a
professora e os moradores precisavam andar muito para chegar ao destino
desejado, os residentes eram hospitaleiros e sabiam a importância da escola
que era na zona rural. (Trecho da entrevista de Lucília de Oliveira em
02/08/2018).
Uma outra hipótese, não levantada pela professora, para a não chegada de outras
docentes para escola, pode estar articulada ao reconhecimento do bairro como um local
como perigoso, dificultando a complementação do quadro docente.
Assim, assumindo o lugar de diretora e querendo resolver o problema da falta de
professoras, Dona Lucília começou a recorrer à comunidade convidando
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Assim, o sucesso e o fracasso nas escolas, que são mais fragilizadas, em função
das próprias condições políticos-sociais, são justificados não a partir destas condições,
mas sim a partir da (in)competência de seus sujeitos, justificando o lugar que ocupam na
sociedade. Se, por um lado, a história da escola nos provoca tais reflexões, por outro,
confirma também para nós, que os sujeitos que atuam dentro dela, não se entregam aos
determinismos.
Assim, o sentimento de descaso do Poder Público em relação à escola, que
parecia entregá-la ao seu próprio destino, tinha como contrapartida respostas de
resistência e não conformismo. Um exemplo dessas ações foi contratar uma moradorada
comunidade professora alfabetizadora, para suprir uma turma de alfabetização que
estava sem docente. Quem traz o relato é a própria professora:
Em 2003 fui convidada por Dona Lucília para trabalhar na escolar como
alfabetizadora. A turma era composta por trinta e cinco crianças, o desafio e a
responsabilidade eram grandes. No final do ano letivo, todos estavam
alfabetizados. O pagamento no princípio era uma ajuda de custos que a
diretora pagava com sua gratificação de diretora do Estado. Um dia estava
em minha sala de aula quando a escolar recebeu a visita da supervisão do
Estado. Durante todo o tempo a escolar nunca recebera a visita de um técnico
administrativo escolar estadual, que condenou a atuação da atuação da
professora sem vínculo dentro da unidade. A diretora após questionada pela
supervisora, explica que só perderia a educadora se o Estado enviasse uma
professora alfabetizadora. Como o Estado não mandou nenhum professor o
trabalho continuei normalmente com as crianças, depois de passados alguns
meses o Estado abriu contrato temporário para docente e fui
contratada.(Entrevistarealizada com Renata Luiz em 23/07/2018)
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Como eles gostavam muito de jogar bola, foi realizado pela escola o “Projeto
Corpo São Mente Sã” organizado pelo estudante de educação física da
comunidade, o Time de futebol intitulado Falcão, criando espaços formativos
não formais. Em todas as ações primeiro era trabalhado a autoestima e a
confiança. A comunidade não tinha o que oferecer de esporte e lazer para os
salgueirenses, a escola como instituição pública realizava seu papel em todas
as esferas, tentando e suprindo as necessidades dos educandos entendendo
que através da atividade física o cognitivo também irá evoluir, um dos
objetivos do projeto era identificar jovens talentos e promover a inclusão
social. (Trecho da entrevista de Lucília de Oliveira em 12/11/2018)
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Considerações Finais
A escola é um espaço de acontecimentos e saberes vividos, um espaço plural
com diferentes sujeitos e culturas. Resgatar acontecimentos, processos vividos e
silenciados, narrar as experiências são movimentos que fazem da escola um centro
recriador da memória local e cultural.
Como regente na escola tive várias experiências que me completaram como ser
humano e professora, em busca de lutar por uma educação pública de qualidade e fazer
a diferença no meu local de trabalho, acreditando em uma concepção humanista e
libertadora de educação.
Desejo que este trabalho, ao completar algumas lacunas sobre a memória e a
história da Escola Estadual Municipalizada Professora Niuma Goulart Brandão, possa
contribuir para a reinvenção da escola como um lugar apto a acolher o passado e a
criar o futuro, além de instigar novas investigações a partir de tantas questões que não
foram objeto de reflexão da presente monografia: projetos educativos em contextos de
violência; o descaso da gestão pública nas escolas municipais de São Gonçalo, dentre
outras. Espero que esse estudo possa contribuir para estimular a pesquisa de tais
temáticas, bem como sugerir e aprofundar outras questões não visualizadas no presente
processo.
Referências
ARAUJO, Mairceda Silva. Cenas do cotidiano escolar: olhando a escola pelo avesso.
In: GARCIA, R L. Método: pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro, DP&A, 2003
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1996
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Revista de
Pesquisa Histórica, São Paulo, n. 10, p. 1-178, dezembro de 2003.
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de tentar conhecer a mulher com quem convivi toda a minha vida até o momento e a
pessoa que eu mais admirei desde que consigo me lembrar. Além disso, considerar de
que forma o relato biográfico dela veio a contribuir para o meu próprio processo
formativo como universitária e futura professora.
Ao dar início a esse projeto, já tinha em mente que gostaria de estudar e
pesquisar a vida de minha mãe, com a esperança de me sentir mais próxima a ela e, de
certa forma, conhecê-la através de um olhar mais pesquisador, apesar de nunca
conseguir ser imparcial ou me colocar de fora de qualquer situação relatada. Não posso
deixar de ver essa oportunidade como de extrema importância para meu
desenvolvimento acadêmico e profissional. Acredito que essa experiência me ajude a,
como estudante de Letras, aprimorar minhas habilidades discursivas e textuais, além de
me entrosar com um gênero até então pouco conhecido por mim, a (auto)biografia.
Por considerar a (auto)biografia uma forma de grande importância para
preservar a memória de alguém, decidi que no momento não há outra pessoa que eu
gostaria mais de pesquisar e escrever sobre, do que minha própria mãe. Não sei se um
dia terei filhos, e ainda se não tiver, tenho sobrinhos, primos, ou seja, futuras gerações
que eu gostaria muito que tivessem conhecido a pessoa fenomenal que foi minha mãe,
então esse trabalho tem como objetivo, além do que já foi citado anteriormente, deixar
uma espécie de acervo para as próximas gerações da minha família que não tiveram o
privilégio de conviver com ela.
Acontecimentos como o nascimento em uma família pobre em pleno regime
militar, crescimento sem a figura paterna, o casamento precoce, a também precoce
chegada dos dois primeiros filhos, a viuvez de forma abrupta e violenta, o desemprego e
a precariedade financeira, o novo casamento, os empregos para complementar a renda
familiar, etc. Tudo isso será problematizado neste trabalho e nos levará a refletir,
principalmente, sobre o papel da mulher na sociedade da metade final do século XIX e
início do XXI, as dificuldades de uma mulher ao ser mãe e os desafios enfrentados.
Minha mãe nasceu na década de 60, em uma família onde já viviam seis crianças
e viriam a existir mais cinco. Com um pai ausente e uma mãe que se desdobrava para
dar conta de alimentar seus filhos, ela viu o casamento precoce como saída para essa
situação. Casamento esse que não durou muito, aos 24 anos ela se viu viúva e com dois
filhos pequenos para criar. Após alguns anos de precariedade financeira, casou de novo
com o homem que viria ser meu pai. Foram casados por quase trinta anos completos e
sinto que ainda estariam, se ela aqui estivesse.
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Em um cenário de luta desde muito jovem, minha mãe foi uma verdadeira
sobrevivente de uma infância pobre e complicada, um primeiro casamento acomodado e
com fim trágico, anos de extrema pobreza e luta para criar os primeiros filhos,
divergências com a família do segundo marido, perda de dois filhos natimortos, trabalho
integral consideravelmente pesado, entre outras mazelas da vida. Contudo, apesar de
tudo isso, me lembro da minha mãe sempre com um sorriso no rosto e sempre tendo
resposta para todos os meus problemas. Não havia nada mais esperançoso ou
reconfortante que seu sorriso.
Não se aplica a ideia de ser imparcial ao executar um trabalho como este. Atuo
como pesquisadora, mas isso não apaga minha fala de filha nesta pesquisa. Procuro
passar as informações, de acordo com o que for pesquisado, no entanto não há como
excluir o fato que sou uma filha ao falar da própria mãe. Ao pesquisar a vida de alguém
que foi tão próximo a mim, me deparo com informações novas e desconhecidas. É
impossível segurar a emoção ao pensar que de certa forma, estou próxima de minha mãe
novamente, ainda que não seja fisicamente. Não precisamos esperar as pessoas não
estarem mais entre nós para realizarmos um trabalho tão bonito e importante como este,
espero conseguir expressar isso também.
Sobre a família
Para pensar a família objeto de minha pesquisa procurei encontrar em Claude
Lévi-Strauss fundamentos para identificar o tipo de família a qual iria pesquisar. O
autor apresenta a noção de estruturas complexas de parentesco, em contraposição às
estruturas elementares de parentesco que se baseiam em sistemas preferenciais e
sistemas prescritivos para o estabelecimento de laços de casamento. “Entramos no
domínio das estruturas complexas de casamento quando a razão da prescrição ou da
preferência depende de outras considerações” (Lévi-Strauss, 1976, p. 30) O autor se
refere a outras referencias mais presentes nas sociedades complexas da modernidade,
nas quais atributos físicos, poder econômico e outros que não referidos aos laços de
consanguinidade se tornam as referencias variáveis para que se realizem casamentos.
Embora pareça um pouco estranho considerar como desafio estudar a própria
família da qual se faz parte, ao contrário, parece que quando estamos muito próximos e
inseridos em uma realidade cotidiana se torna difícil ter uma visão mais abrangente
sobre esta inserção como um objeto de estudos. Assim foi o esforço para organizar a
árvore genealógica de minha família.
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chegaram a afirmar tal fato a alguém, mas poderia justificar essa ausência de dados
paternos nos registros de meu avô e minha avó.
Do lado materno de minha família, o progresso em relação a descobertas de
dados do passado foi ainda mais complicado. Na maior parte de minha pesquisa, recorri
à minha tia mais velha, Lizete, a quem eu chamo de “vó” desde que consigo me
lembrar. Não sei o motivo real que me levou a chamá-la assim, se foi a carência de ter
alguém para chamar de avó, pois nunca cheguei a conhecer as minhas de fato.
Minha avó Luzia, mãe de minha mãe, faleceu pouco tempo antes do meu
nascimento, por este motivo levo o nome dela, em forma de homenagem. Nunca tive
contato com avó alguma, cresci em uma casa localizada em um quintal familiar, uma
espécie de vila onde todos temos parentesco. Moramos na última casa, bem nos fundos
do terreno. À frente temos minha tia Lizete e três filhas dela, cada uma com a sua
residência. Crescer ouvindo os netos de Lizete a chamando de “vó” pode ser um motivo
para que eu começasse a chamá-la dessa forma ainda na primeira infância. Sendo minha
mais próxima fonte de informações, recorri a ela para que me ajudasse em minha
“viagem ao passado”, como gosto de chamar. Imaginei que por ser a primeira de um
total de doze filhos, ela me daria mais respostas que qualquer um. Minhas expectativas
não foram de todo atendidas.
Ao longo de minha pesquisa, descobri que a memória humana pode
falhar ou nos pregar peças e que é preciso ter muito cuidado. A ideia de que as
experiências passadas seriam memorizadas, conservadas e recuperadas em toda sua
integridade se torna insustentável (CANDAU, 2018). O mnemotropismo (termo criado
pelo autor, vem da junção de mnemosyne, deusa grega da memória, e aproximação) é
basicamente a aproximação da memória. Conforme fui colhendo os depoimentos para
montar a árvore genealógica de minha família, percebi como esse conceito funciona na
prática, como a memória é recuperada de forma pessoal, levando em conta os interesses
de quem a retoma, e acaba não sendo de forma plena, ou seja, retratada exatamente
como aconteceu. A memória humana não é como a de um computador, por exemplo. Os
dados não são acessados de forma mecânica, mas a partir das experiências e vivências
de cada pessoa. São vários os fatores que levam alguém a ter memórias mais claras ou
mais turvas. Se a lembrança é de alguma forma traumática, o próprio cérebro faz a
anamnese, ou seja, o esquecimento desse momento em questão. Agora se a memória é
boa, se tem valor sentimental, se as pessoas envolvidas ainda mantêm contato e
costumam conversar sobre ela, dificilmente será esquecida. Em parte fazendo uso da
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últimos anos de sua vida no bairro de Pedra de Guaratiba, na cidade do Rio de Janeiro.
Bairro pacato, casa simples que herdou minha tia Lia ao falecimento da mãe. Sobre meu
avô materno, Ezequiel, raras foram as vezes que minha mãe comentou sobre ele para
nós. Acredito que porque também raras foram as aproximações que tiveram após a
separação dos pais.
Sobre minha avó por parte de pai, Cícera (de apelido Ciça), nem sempre
ouvi coisas boas. Minha mãe e ela sempre tiveram uma relação conturbada, o que
acarretou em comentários não muito bons a respeito dela. A dificuldade ao pesquisar
sobre minhas avós foi que conheci as duas através da visão de outras pessoas.
Infelizmente nunca tive a oportunidade de tirar minhas próprias conclusões, o que teria
sido bem melhor, acredito. Em relação a meu avô paterno José (o conhecido Seu Zé),
nem sempre tive contato com ele. Consigo me lembrar que houve ressentimento da
parte do meu pai durante boa parte da minha infância em relação ao meu avô, por tudo
que ele os privou quando os deixava na Paraíba e vinha para o Rio de Janeiro.
Calculando pelas minhas lembranças, acredito que eles reataram contato quando eu
estava na pré-adolescência, por volta de 2007/2008, mas ainda assim não tivemos muito
contato ao longo dos anos que nos restaram. Lembro de meu avô como um senhor
parecidíssimo com meu pai, barba branca, voz tranquila e que me chamava de “Luziê”,
apelido que nunca entendi, mas que gostava, pois era uma coisa única, algo que me
fazia me sentir querida e um pouco mais próxima de uma relação avô/neta com ele.
Outra parte que considerei complicada ao montar a árvore genealógica
foi quando precisei falar dos cônjuges anteriores de meus pais. Quando eu era bem
pequena, sempre estranhei o fato de os meus irmãos por parte de mãe não chamarem
meu pai de “pai”, bem como os de parte de pai não chamarem minha mãe assim. Levou
um tempo até que eu entendi o que se passava na minha família. Apenas eu era filha
daquele casal, mas ambos já haviam tido um passado que os gerou outros filhos. Minha
mãe sempre teve guardado, no alto do guarda-roupas, um álbum de fotos antigas e
várias delas eram de um homem que depois de um tempo, entendi que se tratava do pai
dos meus irmãos, falecido marido dela. Muito parecido com meu irmão Marcus, meu
irmão Antônio leva seu nome, sua mãe morou um tempo conosco quando esteve doente,
pois não tinha mais nenhum parente. Antônio (Toninho) sempre foi tão falado que
parece até que eu o conheci. Por outro lado, temos a falecida esposa de meu pai, mãe
dos meus irmãos, que não muito tempo atrás eu não sabia sequer o nome. Não sei por
que razão nunca conversamos muito sobre Solange. Sempre foi um assunto muito
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delicado, minha irmã sempre chora ao lembrar da mãe, e nunca conversamos muito
sobre ela. Recentemente descobri que sua morte foi graças a um aborto espontâneo que
gerou infecção em seu organismo. Em conversa com meu pai sobre como era sua vida
antes de conhecer minha mãe, ele me retratou um pouco como era a vida de casado com
Solange, sobre costumes religiosos da Umbanda que ambos praticavam e sobre como
foi difícil se ver viúvo tão jovem e com três filhos pequenos para criar.
Já que citei essa questão de diferenças entre o lado paterno e materno de
minha família, chegamos ao ponto que mais me marcou durante todo esse trabalho com
a minha árvore genealógica. Enquanto fazia a pesquisa do lado materno, vi que
conhecia praticamente todos os meus tios (exceto a dificuldade citada anteriormente, tio
João Cláudio), todos os meus primos, seus cônjuges, seus filhos (que são meus primos
de segundo grau). Alguns conheço tão bem que só precisei fazer perguntas para
confirmar o que eu já sabia, como grau de formação, nome completo, etc. Em
contrapartida, sobre o lado paterno eu posso dizer que cheguei a momentos de exaustão
e ainda assim não consegui descobrir todos os componentes da família. Existem tios que
eu não consigo me lembrar de já ter visto, descobri primos que eu sequer sabia da
existência, fiz descobertas grandiosas sobre essa parte da minha história, como por
exemplo que meu tio Antônio teve duas filhas gêmeas, assim como meu pai. O que se
mostra claramente como uma característica genética desse lado da família.
Confesso que pensei em não colocar no esquema essas pessoas sobre as
quais eu não consegui descobrir muitas coisas, mas isso soou tão errado que tão rápido
quanto veio, a ideia foi embora. Não é possível apagar algumas pessoas da história da
minha família só porque não convivo com elas. Infelizmente não consegui mais
informações, porém elas estão representadas ali. Não sei o que justifica esse fato, mas
imagino que possa ser por ter crescido em meio a parentela de minha mãe, desenvolvi
mais afinidade com essa parte da família, assim tendo acesso a informações
privilegiadas que, infelizmente, não possuo sobre o lado paterno.
A experiência de estudar a árvore genealógica da minha família me enriqueceu
de uma forma que eu nem imaginava ser possível. Estive em contato com parte da
minha história que não conhecia, conheci pessoas através dos olhos de outras. Essa
atividade me “obrigou” a entrar em contato com pessoas que eu já havia perdido, me
aproximou de muitas outras. Em uma família grande como a minha, poucas coisas nos
unem dessa forma, e geralmente são coisas negativas. Seguindo o conceito de memória
coletiva de Candau, ela é um enunciado que membros de um grupo vão produzir acerca
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de uma memória supostamente comum a todos os membros desse grupo. Essa memória
coletiva une um determinado grupo de pessoas.
Pesquisar a árvore genealógica se tornou desculpa para estar junto com pessoas
com as quais possuo laços de consanguinidade e de afeto. Consegui ver que pessoas se
mobilizaram para me ajudar, procurando documentos, registros, resgatando lembranças
nem sempre prazerosas, e isso me fez refletir sobre a importância da família. Cheguei à
conclusão de que passe o tempo que for, ainda que as relações se esfriem, as histórias de
que fazemos partes são os laços que nos ligam.
Sobre Luziete
Luziete Sousa da Silva nasceu em 28 de agosto de 1963, no bairro de Realengo,
zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e estado de mesmo nome. Nasceu em uma
família de baixa renda, que viria a ser constituída por uma mãe, doze irmãos e um pai
ausente. Sua mãe nasceu em Ponte Nova, no estado de Minas Gerais e se mudou para o
Rio de Janeiro ainda muito nova, tendo sido mãe muito nova, assim como suas irmãs e
outras mulheres que antecederam sua geração. Aos 15 anos teve sua primeira filha,
Lizete. Essa mudança ainda na infância de minha avó para o Rio custou à minha mãe e
seus irmãos a falta de contato com parentes como primos e tios, mantendo contato
apenas com a avó materna.
Através dos relatos de minhas tias Lizete e Elaine, pude conhecer mais de um
passado que minha mãe nunca chegou a conversar comigo. Como, por exemplo, a
convivência com a avó materna durante a infância, enquanto a mãe precisava trabalhar.
Há a presença forte da lembrança de que a maior parte dos dias não se tinha carne para
as refeições, além de contar que em alguns dias, as refeições eram com mingau salgado
de fubá, conhecido popularmente como “vovô suado”, o que nos leva a perceber como
era precária a situação financeira da família. Minha mãe frequentou a escola por
pouquíssimo tempo, ainda durante a infância na zona oeste do Rio de Janeiro. Não se
lembrava exatamente em que série havia parado ou quais escolas frequentou, sua
memória não a ajudava com esses detalhes. “A ideia segundo a qual as experiências
passadas seriam memorizadas, conservadas e recuperadas em toda sua integridade
parece ‘insustentável’”. (CANDAU, 2018.)
Por ser uma das irmãs mais velhas e vendo toda a luta de sua mãe para criar os
filhos, Luziete optou por sair de casa muito jovem ainda, e naquela época, a única
maneira de uma filha sair da casa dos pais era se casando. Seu primeiro namorado foi
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Antônio, com quem se casou pouco tempo depois. Minha mãe sempre me contou uma
história engraçada de sua adolescência. Quando começou a namorar com Antônio, era
muito inocente e conversas sobre como se portar com os namorados não eram bem
vistas naquele tempo para se ter com a mãe. O caso era que ao chegar a casa após um
passeio de moto com o namorado, minha mãe acreditou estar grávida e ficou
desesperada. Somente algum tempo depois, ela entendeu que beijos inocentes e passeios
de moto não engravidavam ninguém.
Ao compartilhar esse relato, pretendo ilustrar como era a mentalidade de uma
jovem que tinha tamanha inocência, mas que já pretendia se casar. Grande parte da
motivação para o matrimônio era também a vaidade. Por ter crescido em uma casa com
muitas irmãs, Luziete possuía poucas coisas para considerar dela, de fato. As casas
simples por onde morou, com poucos quartos sempre dela e das irmãs, além de roupas
que eram passadas da mais velha para a mais nova, ter produtos de beleza ou até mesmo
roupas vindas da loja era sonhar com um luxo muito maior do que a situação atual da
família podia oferecer. O casamento, além de trazer a sonhada independência,
alimentava a certeza de que teria suas próprias coisas, sem precisar compartilhar com
tantas pessoas.
A década de 80, marcada no movimento feminista pela criação do conselho dos
direitos das mulheres e no cenário brasileiro pelo fim da ditadura militar e criação da
nova constituição dos direitos civis que trouxe esperança de recomeço para muitas
pessoas, trouxe outro tipo de conflito para Luziete. Com seus quase 17 anos completos,
mais especificamente no ano de 1980, minha mãe casou e descobriu o que muitas
mulheres já sabiam: o marido nem sempre é quem aparenta ser durante o
relacionamento. Ao se casar, minha mãe que esperava sair da situação de pobreza que
sua família enfrentava, entrou em um casamento onde o marido tinha como maior
defeito a avareza. Viviam uma situação simples, em uma casa ao lado da sogra, que era
quem supria algumas necessidades de higiene que o marido de minha mãe via como
capricho, como produtos para cabelo, por exemplo. Apesar disso, minha mãe levou o
casamento adiante e engravidou no fim dos seus 17 anos e aos 18, deu à luz ao meu
irmão mais velho Antônio Júnior. Alguns anos depois, nasceu meu outro irmão, Marcus
Vinícius, “cuspido e escarrado o pai”, como dizia minha mãe se referindo à semelhança
dos dois. Há quem diga que essa expressão é, na verdade, o ditado “esculpido e
encarnado”, vindo de um comentário sobre uma estátua de Michelangelo, artista
renascentista, mas minha mãe não sabia nada sobre isso e repetia a apropriação popular
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VII Seminário Vozes da Educação
brasileira. Outros que insistam que o dito seria “esculpido em carrara” ou seja, uma
escultura talhada em mármore, e que tal expressão teria sido deturpada ao longo dos
anos por pessoas de camadas mais pobres até chegar ao que conhecemos hoje, minha
família e as de tantos outros. Ainda que as duas teorias sejam bastante interessantes,
entendi a fala de minha mãe no instante em que vi uma fotografia de Antônio, guardada
em um álbum de família muito antigo. De fato, Marcus era a cópia mais jovem do pai.
Três anos após o nascimento do filho mais novo, Antônio acabou envolvido em
uma briga de bairro e foi baleado. Vítima de um crime jamais solucionado, teve os dias
ceifados, além de deixar esposa, filhos e mãe que só tinham a ele. Ainda bem jovem e
com dois filhos pequenos, minha mãe voltou a viver com minha avó, que na época
morava em Nova Iguaçu, em uma casa muito simples, localizada em área de risco,
terreno íngreme e construção com possibilidade de alagamentos e infiltrações. Paredes
de tijolos, sem reboco ou pintura nas paredes, junto com suas outras irmãs Liane, Lia,
Lizete e respectivas proles que também acabaram tendo que retornar ao redor de sua
mãe. Estar de volta à casa de onde tanto desejou se ver independente, com duas crianças
nos braços foi uma situação muito complicada vivenciada por minha mãe, relatada por
ela como humilhante. Ainda que a mãe ajudasse, alguns dias precisava comer metade do
prato do almoço para que os filhos tivessem o que jantar. Conseguir vagas para as
crianças em um Ciep, escola onde naquela época os alunos entravam às 7:00 e saíam às
17:00 tendo aulas, recreação e três refeições diárias foi uma espécie de vitória,
considerando as condições em que se encontravam no momento.
Mesmo sem nunca ter tido uma relação muito íntima com a sogra, recebia
alguma verba da senhora para ajudar com as crianças. Um fato interessante sobre as
duas é que quando dona Alaíde, mãe de Antônio, chegou a uma fase em que sua saúde
esteve muito delicada, minha mãe a acompanhou até não poder mais. Esteve com ela
durante a internação que durou meses, a abrigou em sua casa e cuidou dela até o fim de
seus dias. Naquela época, eu não entendia muito bem o que estava acontecendo,
crianças veem tudo com muita simplicidade, mas hoje sei que minha mãe fez isso tudo
porque se tratava da avó de seus dois filhos. Admirei ainda mais minha mãe quando vi a
grandeza que havia em cuidar tão dedicada e intimamente de uma senhora que não era
necessariamente considerada de sua família, quando já estava casada com outro homem,
quando não tinha a obrigação de fato. Contudo, ela tomou a responsabilidade para si e
lidou com a situação da melhor forma que pôde.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O segundo casamento de minha mãe foi com meu pai. Eles se conheceram em
uma festa junina, onde minha mãe era dançarina do grupo de “quadrilha” em que minha
tia Tânia, irmã do meu pai, também fazia parte e namorava o organizador. Minha mãe e
suas irmãs tinham essa tradição de se apresentarem na caravana organizada pelo
namorado de Tania para levá-los a festas juninas em diversos lugares do estado. Como
as condições financeiras eram precárias, minha mãe passava o ano inteiro costurando
seu vestido para que pudesse se apresentar. Esse era um dos poucos momentos de prazer
que tinha ao longo do ano. O relacionamento de meus pais nem sempre foi tranquilo, na
verdade, começou de forma bem turbulenta. Minha irmã Leandra não aceitava o fato de
meu pai ter levado alguém para “tomar o lugar de sua mãe”, em sua opinião. As duas
travaram embates por muitos e muitos anos, aproximadamente quinze, até conseguirem
se entender e deixar o passado para trás. Nos últimos anos, as duas se deram
incrivelmente bem. Além de minha irmã, um dos problemas enfrentados por minha mãe
era a nova sogra.
Minha avó paterna não nutria sentimentos agradáveis pela nora, o motivo é que
minha mãe já tinha dois filhos, e meu pai tinha três. Minha avó não concordava que
meu pai casasse com uma pessoa que já havia tido filhos, ou que sequer já havia sido
casada. Algumas tias minhas também demonstraram o mesmo preconceito. Esse foi
mais um dos motivos para minha mãe decidir vir morar perto de sua família, não mais
em um ambiente onde não era querida por praticamente ninguém. Após alguns anos de
relacionamento, minha mãe engravidou, era um menino, saudável até os nove meses,
quando infelizmente veio à óbito ainda no ventre de minha mãe. Foi um choque para a
família, mas meus pais não desistiram de ter mais filhos, algum que fosse dos dois,
dessa vez. Na segunda tentativa, minha mãe ficou grávida de gêmeas, duas meninas,
como meu pai havia sonhado. Infelizmente, mais uma criança não resistiu à gestação e
minha mãe saiu da maternidade apenas com uma das filhas, a qual batizou de Luzia,
para homenagear a mãe que havia falecido há pouco tempo.
Depois desses infortúnios, por continuar sendo maltratada entre os parentes do
meu pai, minha mãe decidiu se mudar para Queimados, onde uma de suas irmãs morava
com os filhos, e meu pai a acompanhou. Compraram a parte de trás do terreno dela e se
mudaram para um quartinho na casa de Lizete até que sua casa ficasse pronta, tamanho
era o desespero de sair daquele lugar. Eu tinha pouco mais de um ano de idade nessa
época, o ano é 1998. A vida em Queimados era mais tranquila para Luziete, após sua
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VII Seminário Vozes da Educação
filha ter crescido um pouco, ela retomou às atividades de trabalho, conseguiu emprego
como auxiliar de serviços gerais, servente em uma escola técnica do Rio de Janeiro.
Um dos maiores problemas enfrentados por minha mãe nessa nova casa era o
conflito entre o marido e o filho mais velho. Conforme foi crescendo, meu irmão passou
a apresentar comportamento autoritário, por muitas vezes falava alto com as pessoas,
não media as palavras ao se comunicar com a mãe e passava longe de respeitar o
padrasto. Meu pai não tolerava esse tipo de atitude, além de ter de aceitar a recusa de
Junior em relação a ajudar financeiramente nas despesas da casa, ainda que consumisse
muito e apresentasse condições para contribuir, estando trabalhando. Luziete sempre
ficava entre os dois durante as discussões, mas sempre deixou claro que apoiaria o filho
em todos os momentos, independente de seus erros. Acredito que a rebeldia de meu
irmão possa ter sido oriunda de um sentimento de ciúmes em relação ao padrasto. De
certa forma, se sentia deslocado diante da “nova família” na qual a mãe havia
construído, ainda que ela sempre tenha deixado clara o laço forte que os dois tinham.
Viveu anos muitos felizes, onde compartilhou momentos com amigos, seus
filhos, irmãos, primos, sobrinhos, afilhados. Minha mãe sempre foi a mãe de muitas
pessoas. Confesso que até sentia certo ciúme, mas o jeito com que sempre cuidou de
todos à sua volta, a tornou um ícone entre os seus. Cedia moradia a quem precisasse,
tanto que abrigou em sua casa sobrinhos como Flávio e Simone. Era sempre o local
preferido dos sobrinhos Rafael e Jhonatan. Estar perto de minha mãe era motivo de
felicidade para todos, sempre foi assim. Uma mulher que sempre teve uma fé invejável,
mas pouquíssima religiosidade. Nunca foi de frequentar igrejas, mas sempre se
considerou cristã, batizou seus três filhos na religião católica, mas nunca os fez
frequentar nada que não fosse de sua particular vontade. Minha mãe praticava o amor ao
próximo, a tolerância às diferenças e o respeito acima de tudo. Frequentou escolas por
muito pouco tempo, não teve oportunidade de ir mais adiante, pois as mudanças de
casas eram constantes em sua infância. Depois veio a adolescência e com ela
necessidades que antecedem a do estudo. Minha mãe foi alfabetizada, frequentou as
duas primeiras séries do que temos hoje como primeiro ciclo do Ensino Fundamental.
Apesar da pouca escolaridade, lia, interpretava textos e conhecia as palavras como
ninguém. Sofreu preconceito por ter sido por muito tempo, dona de casa, por ser
servente de escola, mas nunca abaixou a cabeça por isso, pelo contrário, fez amizades
em setores considerados mais prestigiados que o dela e todos tinham boas coisas a dizer
a seu respeito.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações finais
Procuro com este trabalho, além de desenvolver uma biografia a nível de
pesquisadora acadêmica, encontrar uma forma de aproximação com minha mãe e tentar
fazer com que o leitor reconheça características de força, determinação e gana em suas
próprias mães. Minha mãe foi uma mulher que com pouquíssimo estudo conseguiu
educar e incentivar seus filhos a serem pessoas íntegras; e apesar de não ter o primeiro
ciclo do ensino fundamental completo, me incentivou mais do que ninguém a conseguir
entrar em uma universidade pública. Luziete foi uma mulher que sofreu e que apesar de
todas as dificuldades e preconceitos que vivenciou, nunca perdeu a vontade e a alegria
de viver, era uma pessoa iluminada e eu espero conseguir transmitir essa luz com esse
trabalho.
Pensar em como a biografia de minha mãe me ajudou a repensar o lugar da
mulher na sociedade. Seja como mãe, como esposa, dona do lar, mas também como
universitária, também como pesquisadora, como professora. Estudar a trajetória de
minha mãe pela perspectiva familiar me ajuda a construir uma ponte entre os processos
formativos que levam as pessoas ao que elas são. Uma mulher tem sempre uma história,
uma trajetória e um caminho percorrido que a levou a ser o que ela é. O trabalho de
pesquisa segue em andamento, mas já conseguimos perceber, desde o primeiro
momento, o grau de importância que o trabalho de recuperação de registros tem para a
compreensão de processos formativos, bem como a importância da memória através de
narrativas biográficas.
Referências
ALBERTI, Verena. Ouvir contar Textos em História Oral. Rio de Janeiro: FGV,
2017.
BARROS, Myriam Lins de. Autoridade e afeto. Avós filhos e netos na família
brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
BAUER, Martin W., GASKELL, George. Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e
Som. Um manual prático.Petrópolis: Vozes, 2013.
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OLIVEIRA, Maria da Gloria de. Escrever vidas, narrar história. Rio de Janeiro:
FGV, 2011.
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Nilda Alves
UERJ
Nildg.alves@gmail.com
Introdução
A Comissão organizadora do VII Vozes da Educação teve a linda ideia de
dedicar esta edição do congresso a Regina Leite Garcia! Assim que soube disto, através
de um convite para ser membro de um de seus comitês, me perguntei: como estar
ausente dele se, com certeza, fui a colega que o maior número de ações, publicações e
parcerias teve com ela?
Decidi, então apresentar um trabalho composto por narrativas e comentários
acerca de alguns trabalhos que realizamos juntas, dentro do eixo 1 – Formação docente,
memórias e narrativas. Nessas memórias, busco mostrar especialmente que esses
trabalhos/parcerias significavam uma verdadeira formação conjunta que incluía pensar a
formação de nossos orientandos e estudantes, também.
Com isso, creio ser possível trabalhar com ideias acerca do significado de
formação na graduação e na pós-graduação - por via de pesquisas feitas e da escritura
permanente de textos, bem como o uso e a criação de artefatos vários – tanto de seus
discentes como de seus docentes. Entendo ser este, ainda, um bom exercício para
exemplifica as redes educativas15, que formamos e nas quais nos formamos, ideia com
que trabalho há muito e que, certamente, teve sua gênese nas tantas conversas que
Regina e eu desenvolvíamos por anos a fim, sem nos cansarmos, nunca.
Assim, neste texto, desenvolverei narrativas acerca de algumas parcerias,
indicando como isto significava uma co-formação continuada e um permanente
15
No presente, identifico essas redes com as seguintes denominações: das ‘práticasteorias’ da formação
acadêmico-escolar; das ‘práticasteorias’ pedagógicas cotidianas; a das ‘práticasteorias’ de
criação e “uso” das artes; das‘práticasteorias’ das políticas de governo; das ‘práticasteorias’
coletivas dos movimentos sociais; das ‘práticasteorias’das pesquisas em educação; das ‘práticasteorias’
de produção e ‘usos’ de mídias; das ‘práticasteorias’ de vivências nascidades, no campo e à beira das
estradas (ALVES, 2019: 203)
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VII Seminário Vozes da Educação
16
Mais adiante, depois de diversos livros publicados, Regina e eu nos dizíamos que, coerente com o que
pensávamos acerca da multiplicidade dos cotidianos, dos sentidos e das escolas, a coleção deveria se
chamar “Os sentidos dos cotidianos das escolas”.
17
Esse atraso se deu porque em dezembro de 1999 eu assumi a Presidência da ANPEd e o ano de 2000
foi dedicado a fazer a primeira Reunião nacional da ANPEd aos cuidados da Diretoria que eu presidia.
Naturalmente, naquele estilo “cobrador” de Regina, lembro que no primeiro momento em que nos
encontramos, no hall do Hotel Glória, em Caxambu, ela me parou e disse: “engraçado, sua tese (se
referindo à tese de titular da UFF que estava sendo foi publicada naquele ano) está à venda. Por que nossa
coleção não começou a ser publicada, também?” Naturalmente, dei a única resposta possível: “Boa
pergunta. Por quê? Já que é “nossa”... Eu estava organizando esta ‘pequena’ reunião, por que você não
tratou de publicá-la?” Como sempre acontecia, ela “caiu na real”.
18
Todos os livros aqui citados estão nas referências.
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19
Inês Barbosa de Oliveira só criou seu próprio grupo depois que voltou do pós-doc, feito em Coimbra,
com Boaventura de Sousa Santos. Logo depois de sua volta, tivemos uma longa conversa na qual ficou
claro que este deveria ser o movimento a ser feito.
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20
O município foi um dos muitos que elegeram um governo do PT, naquele momento. Neirobis Nagae
foi prefeito de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1992. O município elegeu em seguida mais dois
prefeitos do PT: Luiz Sergio Nóbrega de Oliveira (que até recentemente era deputado federal) e José
Marcos Castilho. O curso na sua qualidade de experimental continuou a existir nessas três gestões. Com o
prefeito a seguir – Fernando Jordão (do PDT) – e por decisão da UFF, deixou seu caráter experimental e
passou a ter um currículo extremamente próximo aos cursos em geral.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Faculdade de Educação (eu); Regina Leite Garcia; Luiz Carlos Manhães, Angela
Siqueira e Gelta Xavier, professor e professoras da Faculdade de Educação que
desenvolviam um curso de extensão no município de Angra dos Reis, há algum tempo,
e que serviram de contato com as autoridades do município. O Conselho departamental
elegeu esta comissão que toda semana se reuniu – entre setembro de 1990 a agosto de
1991 – para produzir uma proposta de um curso experimental.
A partir daí, as instâncias oficiais da UFF passaram a discutir a proposta desta
inédita proposta experimental: Conselho departamental da Faculdade de Educação;
Conselho do Centro no qual se localizava a Faculdade de Educação (hoje inexistente);
CSEP; CUV.
Enquanto isto, continuávamos as conversas para a abertura do curso em Angra
dos Reis, em sua parte operacional: onde funcionaria (no turno noturno de uma das
escolas públicas); escolher seu coordenador (Luiz Carlos Manhães); indicar seus
professores dos primeiros períodos; e sua inauguração...Esta se deu, no dia 29 de junho
de 1992, com uma linda lua cheia, no Convento de S. Bernardino, com as presenças das
autoridades locais e da Reitor da UFF, Prof. Raimundo Martins Romeo.
A estrutura experimental do curso foi possível pois tinha apoio na LDB de
21
então e a compreensão que tínhamos da necessidade de criação de novas
possibilidades, graças ao poderoso movimento organizado desde 1983 pela Comissão
Nacional pela Formação de Professores e, a partir de 1989, pela Associação Nacional
pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE).
Na UFF, essa proposta feita – eu quase escrevi “achada” na Lei por mim – teve
sua potência maior graças as inovadoras e audaciosas propostas feitas por Regina e
pelos outros membros da referida Comissão de criação do curso. Os períodos receberam
nomes (e sobrenomes) e eram entendidos como Núcleos de Estudos e Atividades
pedagógicas (NEAP). O número de disciplinas foi substantivamente diminuídos e
ocupavam os 5 dias da semana da seguinte maneira: três noites eram ocupadas com três
disciplinas formadoras, com as quais se buscava articular ‘práticasteorias’ em torno do
campo da Educação e entendidas como básicas à formação de professores; uma noite –
a quarta-feira – era ocupada com um componente curricular criado, o PPP (Pesquisa e
Prática Pedagógica), no qual as práticas vividas em toda e qualquer experiência
pedagógica nos tantos ‘dentrofora’ das escolas eram trazidos para grupos organizados
21
Ela existiu em todas as LDB que tivemos e continua a existir na atual. Mas não conheço outro curso
que o tenha usado.
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22
Garcia; Alves, 2002.
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Quando Bianchetti nos convidou para escrever um artigo para o livro que estava
organizando, imediatamente, Regina e eu decidimos que contaríamos como, em nossas
pesquisas, entendíamos que a orientação coletiva era uma necessidade.
Para escrever um texto, nos reuníamos – em geral na casa de Regina, tomando
chá – e conversávamos durante umas duas horas, acerca do mesmo. Esta conversa era
gravada e, algumas vezes, era transcrita por algum de nossos bolsistas de IC. No caso
deste artigo, conversamos, gravamos, mas pela estrutura que decidimos dar ao mesmo,
não foi necessária a transcrição: haveria no mesmo uma introdução que falaria das
pesquisas nos/dos/com os cotidianos: seus movimentos que eu tornara público em artigo
publicado em 200123; descreveríamos a importância que víamos naquilo que o outro –
nossos parceiros de pesquisa – acrescentava de observações a partir de leituras que
desenvolvia dos textos de cada membro do grupo produzia e tudo aquilo que
desenvolvia ao falar, buscando aprimorar o que escrevêramos; e por fim,
desenvolvíamos os diversos aspectos acerca do que no texto chamamos de “o princípio
da orientação coletiva” indicando: I) “a importância do olhar do outro” que via aquilo
em que era preciso avançar no trabalho acerca do qual conversávamos; II) “mais que a
soma – as diferenças”, entendendo que nas reuniões de grupo o que nos trazia potência
eram as diferenças que apareciam quando ao que era discutido; III) “escrever e fazer
escrever”, compreendendo que nós orientadores e todos os membros do grupo, ao
discutirmos os trabalhos escritos, estimulávamo-nos a escrever sempre24; IV) “sobre o
‘entre lugar’ que significavam aquelas reuniões de grupo que realizávamos criando
espaços vazias que permitiam o aparecimento de novas ideias; terminávamos, o artigo,
por indicar que escrever uma dissertação ou uma tese exige compreender que se trata de
um processo em permanente trançado, com muitos outros, nas artes do ‘fazerpensar’.
Tratávamos de tudo isto na conversa que fizemos e fomos desenvolvendo na ida para
uma, volta para outra, várias vezes, o texto do livro.
23
Em livro lançado este ano (2019), com a ajuda de Nívea Andrade e Alessandra Caldas, escrevemos um
artigo que avança – criticando – esses movimentos. Sugiro sua leitura (ANDRADE; CALDAS; ALVES,
2019).
24
Naturalmente, ao começar a trabalhar com imagens, eu percebi – e acerca disto muito conversamos
Regina e eu – que “escrever” era insuficiente, pois ia compreendendo a importância de se produzir outras
formas de ‘conhecimentossignificações’ para além do texto.
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Concluindo
Referências
FILÉ, Valter (org). Batuques, fragmentação e fluxos. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
GARCIA, Regina Leite (org). Crianças essas conhecidas tão desconhecidas. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.
GARCIA, Regina Leite; ALVES, Nilda (orgs). A invenção da escola a cada dia. Rio
de Janeiro: DP&A, 2000 b.
GARCIA, Regina Leite; ALVES, Nilda (orgs). O sentido da escola. Rio de Janeiro:
DP&A, 2000a.
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A inspiração para este trabalho surgiu da relação que tenho com a Escola
Municipal Vereador João da Silva Bezerra, Barra de Maricá - Maricá/RJ. Esta unidade
escolar fez parte do meu percurso de formação durante os primeiros 12 anos de vida
estudantil. Poder retornar à escola que integra meu percurso de formação é poder
experenciar este espaço como professora pesquisadora e de alguma forma devolver o
que ela me proporcionou.
A proposta deste trabalho é investigar os processos formativos nas relações que
se dão dentro e fora da escola, tendo como tema da pesquisa a formação de professores,
suas experiências e práticas docentes, assim como as reflexões e contribuições para a
construção do sujeito, do se tornar professor e as implicações do fazer docente.
Trazendo o cenário desta instituição, assim como as relações professor – aluno; aluno –
aluno; professor – professor; escola – comunidade, compreendo a escola como um
espaço que propicia interação, diálogo, troca, aprendizagem, assim como um espaço
possível de transformação que oportuniza a ascensão social, assim como me propiciou
ultrapassar as barreiras das desigualdades sociais presentes na minha vida.
De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2010, p.970), o
vocábulo formação deriva do latim “formatione” e significa o ato, efeito ou modo de
formar. O verbo formar e os mais diversos sentidos de formação vão compor este
ensaio. Neste sentido desejei construir esta pesquisa em um lugar que faz sentido para
minha própria formação enquanto sujeito e profissional, uma escola municipal que fez
parte da minha trajetória de formação durante 12 anos. Revisito esta escola, com o
objetivo de trazer as narrativas de formação, as experiências e práticas das professoras
do Ensino Fundamental I e suas contribuições para a produção do conhecimento.
Esse trabalho é construído pelas histórias de vida e formação de três professoras
do Ensino Fundamental I em diferentes percursos de formação, considerando a
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chegaram à sala de aula para lecionar? Como foi a trajetória de vida destas educadoras?
Quais experiências lhes atravessaram? O que dá sentido à escolha de educar?
Justifica investigar o percurso de vida e formação das professoras, pois neste
movimento busquei compreender através das narrativas das educadoras como foi o
processo formativo, assim com as implicações do fazer docente em suas práticas
pedagógicas. Consequentemente, entender o que confere sentido à escolha pela
profissão e as dimensões afetivas das experiências que marcaram o exercício da
docência.
O ato de narrar faz parte do nosso cotidiano, seja dentro ou fora da escola, e
torna-se relevante para a escrita de si e dos outros, sobre o que se observa e se aprende.
Nestas produções cotidianas, as narrativas autobiográficas são metodologias
importantes para o ato de refletir, pois neste processo de falar/escrever sobre si, as
experiências do campo afetivo, cognitivo, sociocultural vão se potencializando. Somos
repletos das marcas que trazemos ao longo de nossa história, que nos fazem ser quem
somos através das constantes mudanças vividas nas experiências e memórias em nossa
existência.
Segundo Pierro:
A autora salienta que por meio das narrativas, os seres humanos criam uma
forma de se comunicar lançando mão da linguagem que faz parte de si e da sua vida,
afinal ao narrar uma história o ser humano lança mão de estratégias para se fazer
entender, principalmente no campo educacional, quando ao relatar suas narrativas o
professor tem a capacidade de colaborar com a construção e a reinvenção de si, das suas
práticas, das suas experiências e de todo o ambiente que o cerca. Desta forma, o
educador ao habitar e se deixar tocar pelos gestos mínimos da instituição, tanto o corpo
discente quanto docente participa da construção do saber, pois as relações e as trocas
entre os sujeitos vão entranhando no processo da escrita de si e neste processo de
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estímulo por parte de alguns professores que se tornaram exemplos para seguir a
carreira.
O maior incentivo na vida da professora 1 para trilhar os caminhos do magistério
veio de sua tia que também era professora; a sua proximidade e a sua admiração por ela
fizeram toda a diferença para a decisão quando estava em desespero por não saber o que
fazer no nível superior. As mulheres de sua família sempre apoiaram a sua decisão de
seguir o caminho do magistério, mas para seu pai ser professora nunca foi uma boa
opção; ele queria que a filha seguisse a sua carreira de química. Ainda segundo sua fala,
ela acredita que o pai já aceita e respeita a sua escolha.
A professora 2 não tem nenhum (a) professor (a) na família. Sua maior
incentivadora mesmo foi sua mãe, e ela agradece pela persistência, pois foi
acostumando, foi gostando e teve bastante apoio da família para continuar na área da
Educação.
A professora 3 não tem apenas uma professora na família, mas sim sete. Seu avô
foi o grande incentivador para seguir o caminho do magistério. A sua inspiração para
seguir a carreira pedagógica veio deste ambiente familiar, inclusive era o seu sonho se
tornar professora. Também teve na sua tia que era professora uma fonte de inspiração;
tinha muita admiração em ver sua tia com tantas pastas, papeladas e tinha um desejo
enorme de mexer em seu mimeógrafo.
Por mais que os caminhos percorridos e até mesmo os motivos que as levaram
escolher a docência tenham sido diferentes para cada professora, percebi que atualmente
se dedicam ao magistério e fazem o que realmente acreditam, pois entendem a
importância da profissão professor e tudo compõe o processo de aprendizagem.
Amadureceram e ao longo dos anos de prática pedagógica puderam se transformar
enquanto sujeito e transformar também suas práticas mediante a reflexão causada por
alguma experiência.
As educadoras entendem que a prática pedagógica acontece através da vivência
e das experiências no cotidiano escolar.Em suas práticas pedagógicas, as professoras
buscam fazer um diagnóstico da turma visando trabalhar de maneira a entender suas
particularidades, procurando conhecer a turma compreendendo o momento em que a
turma está, podendo desta forma planejar a prática, visando não uma prática engessada e
presa, pois vai depender da rotina da sala que é composta por acontecimentos do
cotidiano, portanto flexível.
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Referências
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.
Coordenação Marina Baird Ferreira, Margarida dos Anjos. 5. Ed. Curitiba: Positivo,
2010.
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Introdução
Este trabalho tem como objetivo socializar ações que integram um projeto de
pesquisa, constituído a partir do diálogo entre coletivos docentes de dois países da
América Latina: “Rede de docentes que estudam e narram sobre infância, alfabetização,
leitura e escrita” (Redeale), localizado em São Gonçalo, no Brasil e Rede Desenredando
Nudos, localizada em Cajamarca, no Peru.
Nosso coletivo, Redeale, está vinculado à Faculdade de Formação de
Professores, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e localizado na cidade de São
Gonçalo, município do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. O grupo vem se reunindo
desde 2015, mobilizados pelo objetivo de compartilhar experiências docentes na
educação infantil, na alfabetização e no ensino superior.
A Faculdade de Formação de Professores atende a mais de 3.000 alunos
provenientes de diversos municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e do
interior fluminense, inscritos em cursos de licenciatura em Pedagogia, História,
Geografia, Matemática, Letras e Biologia, além de cerca de uma dezena de Cursos de
Pós-graduação Lato Sensu e Cursos de Pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado e
Doutorado em educação: processos formativos e desigualdades sociais, articulado ao
Departamento de Educação e Mestrado e Doutorado em História social do território,
articulado ao Departamento de Ciências Humanas.
São Gonçalo é uma cidade periférica, com uma população, estimada em mais de
um milhão de habitantes, sendo o segundo município mais populoso do Estado do Rio
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Fig.1: Imagem de um encontro virtual entre os dois coletivos em 2018. Acervo: REDEALE.
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Os mestrandos/as e mestres são oriundos do Programa de Pós-graduação em Educação: Processos
Formativos e Desigualdades Sociais tendo em vista que a coordenação do REDEALE é feita por
Jacqueline Morais e Mairce Araújo, docentes do programa.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Nesse sentido, temos defendido junto com Lima, Geraldie Geraldi (2015) que o
melhor caminho para compreender as práticas das professores/as nas escolas, e junto
com eles/elas produzir uma epistemologia da prática, é ouví-las/os, reconhecê-las/os
como narradores/as do próprio trabalho e do seu ser docente, apoiando-as em seu
processo de se fazerem professoras e pesquisadoras, sujeitos que querem compreender
o que lhes toca, o que lhes acontece e o que fazem acontecer.( p. 42).
Suárez (2017) vem chamando atenção para a existência de uma “memória
pedagógica silenciada” sobre a escola e as práticas docentes, uma vez que o que
prevalece nos estudos e análises sobre a realidade escolar, na maioria das vezes, são os
discursos oficiais en el lenguaje técnico, pretendidamente objetivo, neutral, desafectado
de subjetividad, que imponen las modalidades dominantes de gobierno educativo. (p.2)
È nessa perspectiva que a história da escola e das práticas docentes tem sido
hegemonicamente documentada no Brasil e na América Latina.
Contudo, Ezpeleta e Rockwel (1989) discutem desde a década de 1980, a co-
existência de uma história documentada pelos discursos oficiais e uma outra história não-
documentada, através da qual a escola toma forma material, ganha vida. (1989, p 13).
Histórias locais, protagonizadas por sujeitos desimportantes, narradas de forma oral, que
passam de escola em escola, que atravessam gerações, que muitas vezes são transformadas
em anedotas. Histórias que confirmam a multiplicidade de experiências que emergem
cotidianamente.
Da necessidade de contar histórias não-documentadas e construídas
cotidianamente, grávidas de elementos que nos ajudem a construir uma epistemología
da prática, nasceu a proposta da produção de um livro composto por narrativas
pedagógicas dos/das componentes dos dois coletivos docentes.
Os textos que compõem o livro, em processo de edição no Peru, tratam de
experiências narradas por estudantes e docentes, brasileiros(as) e peruanos(as) a partir
das suas práticas cotidianas, que foram produzidas ao longo do ano de 2018. Como
parte do projeto de produção do livro, efetivou-se o que chamamos de leitura entre
pares. Nela, cada coletivo recebeu e leu o conjunto de textos produzidos pelos docentes
do país parceiro. Ler com atenção, buscando valorizar o texto produzido, mas também
apontar detalhes que poderiam ampliar sua compreensão foram alguns dos objetivos da
leitura entre pares. Ao todo, foram escritos doze textos brasileiros e dezesseis textos
peruanos. A aposta na leitura entre pares envolvendo os dois países, que possuem
idiomas diferentes, trouxe o desafio de compartilhar os diferentes sentidos produzidos a
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Fig.2: Lendo e comentando as pipocas pedagógica Fig.3: Reescrevendo a pipoca com a contribuição
A cada texto lido emergiam inúmeras
no grupo. questões
do grupo.provocando novas reflexões
acerca: da formação docente; da participação de crianças nos processos escolares; das
muitas linguagens presentes na escola; da importância dos pequenos gestos nas relações
entre os sujeitos na escola; dos efeitos das desigualdades sociais que atravessam o
cotidiano escolar; da importância do registro, da discussão entre pares como experiência
formativa, entre tantas outras. Questões que nos convidavam a ir ao encontro de uma
epistemologia da prática.
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VII Seminário Vozes da Educação
Nesses encontros algumas perguntas eram recorrentes. Uma delas era: este texto
é uma narrativa pedagógica? Tal questão se dava pela presença ainda muito forte de
marcas de textos acadêmicos mais tradicionais. Fugir do modelo que aprendemos a
valorizar na academia em direção a narrativa mais pessoal, era uma meta.
Neste sentido, foi uma aprendizagem para todo o grupo identificar uma
experiência pedagógica que pudesse ser escrita sob forma de relato. Isso supõe refazer,
pela memória, o caminho do vivido, os rastros da experiência, para reconstruí-las de
modo mais reflexivo. Um dos desafios que se vive na escrita do relato é conseguir
eleger aspectos relevantes a fim de conseguir produzir um texto que dialogue com seu
leitor – em geral, outro docente.
Uma questão importante que destacamos no processo de escrita de narrativas
docentes é pensar: que lições a experiência relatada, revela? Que aprendemos com a
narrativa lida ou ouvida? Aqui alguns exemplos que encontramos nos próprios relatos:
Começava ali minha paixão pela potência libertadora dos pequenos gestos
infantis que rompem com formas de viver as normas e tradições. Começava ali
meu desejo de ser professora da infância (Narrativa de Jacqueline Morais).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Isabel
Nosotros, de nuestro coletivo, combinamos de escribir cartas como
respuestas a los maestros de Peru.
Grandes besos,
Jacqueline e Mairce
(texto do e-mail entre as coordenadoras dos coletivos).
Jacqueline, Mairce,
muy buena idea de las cartas. Estoy tentada de proponer que nosotros
también podemos escribir cartas en lugar de fichas.
Un abrazo muy fuerte,
Isabel
(texto do e-mail entre as coordenadoras dos coletivos).
A opção pela leitura de pares a partir da produção das cartas nos possibilitou
romper com um formato acadêmico mais impessoal, que se orientava por um roteiro
para avaliar o atendimento aos quesitos combinados entre os grupos, e investia numa
relação de mais proximidade e amorosidade. A escrita das cartas, favorecia o clima de
roda de conversa, característico do compartilhamento de experiências que costumamos
vivenciar no cotidiano escolar.
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VII Seminário Vozes da Educação
conhecimentos que transbordam a experiência vivida, como Freire nos convida a pensar
ao enfatizar que faz parte da própria natureza da prática docente a indagação, a busca,
a pesquisa. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se
perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador (1996, p.32).
Além de proporcionar refletir sobre as ações pedagógicas e transformar nossas
ações, também estreita laços, constrói relação de parceria, cumplicidade e empatia,
como podemos perceber na carta que a professora peruana, LuzSánchez, enviou à
professora brasileira, Bernadete:
Reflexões finais
Assim, além da escola, esses “encontros alegres” podem se expandir para outros
territórios que se interessam pela educação com vias à emancipação, e também para
outras esferas.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
______. Pipocas Pedagógicas III. Narrativas outras da escola. Pedro & João. São
Carlos, 2015.
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VII Seminário Vozes da Educação
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VII Seminário Vozes da Educação
A educação para a paz é um processo que tem base nos métodos ativos de
ensino–aprendizagem, (os alunos são coparticipantes do processo), concebe a
pessoa como um todo, mantendo ou estabelecendo a harmonia entre
sentimento, razão e intuição. Entre suas “metas, estão a saúde do corpo, o
equilíbrio mente e coração e o despertar de valores humanos. [...] o
cumprimento desses objetivos é requisito básico para o desenvolvimento da
capacidade de administrar conflitos, através de uma abordagem não-violenta.
(WEIL, 2004, p. 15).
Essa disciplina objetiva dar subsídios para que alunos/as possam “construir”
suas corporeidades (tudo o que o corpo demonstra: maneira de andar, de se movimentar,
de falar e até a maneira de pensar), dentro dos princípios acima referidos.
Sabe-se que corporeidades são formadas, diferentemente, de acordo com sexos,
gêneros, faixa etária, contextos e classes sociais, épocas, etnias etc. Por exemplo, uma
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
das observações feitas, em 2016, pelo aluno monitor, durante a parte prática das aulas,
foi a de que alunos do sexo masculino andavam com os braços semiflexionados e bem
junto ao corpo e as alunas andavam com os braços relaxados, soltos e tinham maior
amplitude de movimentos de membros superiores do que seus colegas de sexo/gênero
masculino. No entanto, observou-se também, nessas aulas, que dois alunos do sexo
masculino, de intercâmbio, franceses, não movimentavam seus braços como os alunos
brasileiros do mesmo sexo deles, isto é, apresentavam seus braços relaxados e com
maior amplitude de movimento do que seus colegas brasileiros. Para além de questões
relacionadas a sexo/gênero, a etnia e o meio social foram fatores que influenciaram
cabalmente a corporeidade desses alunos.
Weil expõe que a UNESCO está executando a decisão das Nações Unidas
(ONU) de transformar a cultura de guerra e violência em cultura de paz e não-violência.
E destaca a assertiva da UNESCO, segundo a qual, “se as guerras nascem
primeiramente no espírito/mente dos homens, a paz também lá nascerá” (WEIL, 2004).
Visando uma cultura de paz, esse autor propõe três ecologias: a ecologia pessoal, a
ecologia social e a ecologia ambiental.
Em relação à ecologia pessoal, o autor destaca o controle de emoções e o
desenvolvimento da sensação de paz, para que se possa favorecer a saúde e ter relações
pacíficas com os outros. Para isso, recomenda meditação, relaxamento e a prática de
Yoga ou Tai Chi, dentre outras. “A verdadeira paz de espírito se encontra no espaço
entre dois pensamentos [...]. É esse espaço que a prática da meditação lhe ajudará a
descobrir de modo vivenciado” (WEIL, 2017).
Sobre a ecologia social, o referido autor recomenda, por exemplo, só procurar
alguém para se resolver conflitos, quando as emoções se acalmarem. Recomenda
também lembrar de coisas boas que a pessoa fez, antes de conversarmos com ela.
Ratifica ainda que somente desenvolvendo a sensação de paz, pode-se ter relações
pacíficas com os outros.
No entanto, pode-se fazer mais, na perspectiva da ecologia social. O referido
autor propõe que:
sumário 106
VII Seminário Vozes da Educação
apresentar um projeto de lei nesse sentido. Tudo isso pode ser feito de modo
calmo e harmonioso, isto é, sem perder a paz pessoal (WEIL, 2017, p. 17).
Na realidade, essa divisão é ilusória, pois a ciência nos ensina que tanto o ser
humano, como também todos os objetos e o mundo em redor, são
constituídos de energia, e da mesma energia. Assim, nada é separado, nesse
nível de compreensão, da verdadeira natureza das coisas (WEIL, 2017, p.
10).
nos apegamos a tudo que nos dá prazer, repudiamos o que nos causa dor e
ficamos indiferentes ao que não nos causa prazer e nem dor. Essa é a raiz da
raiva, da possessividade e indiferença. Por exemplo: [...] a possessividade dos
madeireiros e seu apego ao lucro sem fim causam a devastação de nossas
florestas tropicais (WEIL, 2017. p. 11).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
prestar atenção por mais tempo, durante as aulas de outras disciplinas. Alunos/as
afirmaram também que a relação com outras pessoas apresentou melhoria quanto à
irritabilidade e paciência, principalmente em relação a seus familiares. Alguns/mas
relataram, ainda, terem maior criatividade em seus trabalhos acadêmicos.
Alunos/as só podem atuar como monitores/as, após terem cursado a disciplina
‘Corporeidades e Cultura de paz”. Assim, podem auxiliar durante a parte prática das
aulas, ensinando, juntamente, com a professora, a execução de técnicas, como as
posições do Yoga, exercícios respiratórios e outras técnicas. Auxiliam também na
localização de pontos de acupuntura, para serem pressionados com os dedos (DO-IN),
visando o alívio de dores e diminuição de tensões musculares (LIAN; CHEN;
HAMMES, KOLSTER, 2011).
O/as Monitores/as tomam conhecimento de métodos e técnicas de ensino,
aprendem a fazer, planos de aula, planos de curso, sobre formas de avaliação, bem
como tomam conhecimento da importância da progressão pedagógica, no processo
ensino-aprendizagem. E em relação à parte teórica da disciplina, os/as monitores/as
ajudam a selecionar textos e filmes, conversam com a professora orientadora sobre seus
conteúdos para esclarecimento de dúvidas, fazem cópias dos textos em papel, montam
os aparelhos para alunos/as assistirem a filmes e os auxiliam na compreensão de textos,
em horários extraclasses; participam também da construção de material didático sobre
os conteúdos práticos e teóricos das aulas.
Além de textos de Weil, sobre Educação e Cultura de paz, também são lidos e
debatidos em aula estudos como o de Emoto, que faz a seguinte experiência: expõe a
água à vibração de palavras e, quando essas são positivas, produzem cristais de água,
lindos e harmoniosos. Quando a vibração é de uma de palavra negativa, os cristais se
apresentam deformados e desarmônicos. Por exemplo, as expressões eu consigo e eu
não consigo ou as palavras amor e ódio. Esse autor chama atenção para o fato de que
somos formados por 70% de água e que, por isso, deve-se prestar atenção às palavras,
pensamentos, emoções e sentimentos, no sentido de contribuirmos com a nossa saúde.
Expõe também a deformação que cristais de água, belos e harmônicos, sofrem com
irradiações de forno e de celular que emitem microondas, televisores, computadores e
outros. Destaca ainda que o cristal que mais resistiu a essas irradiações foi o formado
com a vibração do amor e da gratidão. Assim, o acima referido autor enfatiza a
importância de se desenvolver esses sentimentos para a manutenção da saúde (EMOTO,
2008).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[...] as interações entre as coisas no mundo físico são mediadas pela energia,
e que esta pode adotar muitas formas - cinética, térmica, gravitacional,
elétrica, magnética, nuclear e efetiva ou potencial - mas em todas as suas
formas a energia produz algum efeito, de uma coisa para outra, de um lugar e
um tempo para outro lugar e outro tempo [...]. Mas, esta energia, precisa ser
transportada por alguma coisa. Ela atua no Vácuo quântico que é um plenum
cósmico ativo e fisicamente real que transporta luz, gravitação e energia em
suas várias formas, bem como, transporta a informação; mas, exatamente, a
in-formação. (LASZLO, 2008, p. 73-82).
Laszlo afirma também que é a partir do ‘Vácuo ou Vazio quântico’ que tudo que
existe é criado, materializado:
sumário 110
VII Seminário Vozes da Educação
Consta no livro Dào Dé Jing que foi compilado por Wang BI (226-249),
pertencente à elite intelectual da Disnastia Hàn, que o Dào, ‘Caminho’,
apresenta dois aspectos principais: um é transcendente e outro imanente. O
primeiro dá origem ao mundo manifesto. É o não ser, o prolífico vazio
primordial (Wú JI), infinito, incalculável e que dá origem a todas as formas, à
manifestação, assumindo assim, seu segundo aspecto, permanente e
imanente, presente em toda a criação, como sustentador do mundo. (SOUZA,
2008, p. 71-72, grifo meu).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[...] estudos em Teoria quântica, que provam que há conexão entre todas as
coisas existentes, [...]. Sendo assim, a preservação do meio ambiente é
extremamente, importante, para a nossa saúde e para a manutenção da Vida.
São estabelecidos diálogos sobre conteúdos e sobre ações cotidianas que
podem contribuir para minimizar a degradação ambiental. [...]. No âmbito da
corporeidade, que em termos gerais, é a forma do sujeito ser e de se expressar
no mundo e que sofre influência de faixas etárias, etnias, gênero,
sexualidades, classes sociais etc. são feitas “discussões”, sempre de maneira
respeitosa, observando-se as diferenças e analisando possíveis elementos
histórico-sociais para sua construção. Pode-se então, perceber o poder que
crenças e representações sociais têm de tornar atos discriminatórios em atos
comuns/banais. Esse projeto contribui, para a minha formação como
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas. Declaração e Programa de Ação sobre
uma Cultura de Paz: Artigo 1°, 1999. In: AZEVEDO, Tania Maria Cordeiro de. O
projeto Tô na Paz com Basquete para todos. Revista Interagir: pensando a
extensão:revistadaUniversidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, Rio de Janeiro, n.
13, p. 11-18, jan./dez. 2008.
AZEVEDO, Tania Maria Cordeiro de. O projeto Tô na Paz com Basquete para todos.
Revista Interagir: pensando a extensão:revistadaUniversidade do Estado do Rio de
Janeiro-UERJ, Rio de Janeiro, n.13, p.11-18, jan/dez. 2008.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela Terra. Petrópolis:
Vozes Ltda., 1999, 108 p.
LASZLO, Ervin. A Ciência e o Campo Akáshico: uma teoria integral de tudo. São
Paulo: Editora Cultrix, 2008.
LASZLO, Ervin. O ponto do caos: contagem regressiva para evitar o colapso global e
promover a renovação do mundo. São Paulo: Editora Cultrix, 2011. 216 p.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
WEIL, Pierre. A arte de viver em paz: por uma nova consciência e educação. São
Paulo: Editora Gente/UNESCO, 2004. 173 p.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
O objeto deste texto nasce das inquietações vividas em um locus instigante de
atividade do estágio supervisionado e compreende as narrativas escritas, lidas e
refletidas em rodas de conversas, que juntas colocam em movimento uma série de
questões como: O que as crianças nos falam sobre a escola? O brincar é considerado
como eixo norteador das práticas pedagógicas com os pequenos? Seria o estágio um
campo de investigação no processo formativo?
Nossa proposta busca enlaçar a experiência de alunos/estagiários na Educação
Infantil com a experiência das brincadeiras infantis considerando que, tanto as
narrativas dos nossos alunos quanto as vivências lúdicas das crianças, configuram-se
como linguagens singulares e subjetivas em suas especificidades.
Referente a proposta metodológica de pesquisas biográficas com crianças,
Passeggui (2016) faz uma reflexão sobre noções terminológicas de uma pesquisa
(auto)biográfica com crianças afirmando a legitimidade de suas palavras como um ser
capaz de narrar e refletir sobre as próprias experiências e como um sujeito de direitos. A
autora sinaliza ainda que escrever pesquisa (auto)biográfica como práticas evidenciam a
natureza fundante e possibilitam a reinvenção de si: “O (auto) entre parênteses para dar
conta, sinalizar o deslizamento disciplinar em Literatura, que pode dar a entender uma
biografia enquanto gênero literário, ou a campos da sociologia e a Educação, para o
binômio narrativa de si e Educativa”. (PASSEGGI, 2016, p.51).
Narrar a própria vida/experiência transforma a narradora numa pesquisadora em
formação assim como também desenvolve paralelamente a formação em pesquisa.
Além disso, (PASSEGGI 2016) coloca em questão outras evidências que chama de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 116
VII Seminário Vozes da Educação
Além de dar forma, ordem e estrutura, a linguagem media o sujeito que passa
do estágio de sujeito impresso (pela memória) ao de sujeito expresso (pela
escritura da narrativa). A expressão do sujeito consiste na conversão da
memória latente e silencianda, ainda em gestação, e de um sujeito ele
também latente e silenciado, numa memória ativada e num sujeito patente
que se manifesta enquanto sujeito em construção.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O sujeito da linguagem que narra sobre si mesmo, reflete sobre os fatos vividos
em um processo constante ir e vir sobre o passado e o presente, por ser constituído nesse
tempo todo vivido, por ele e somente ele, e do qual não consegue desarticular. Essas
“lembranças” ou recordações indicam a subjetividade do sujeito que percebe o que
ninguém mais perceberia, como nos dizem nossas alunas: “Eu estava lá e não percebi
isso que você narrou/escreveu” (Roda de conversa, junho, 2019).
Vigotski (2001) faz a distinção entre o sentido e significado das palavras e pode
ilustrar a nossa narradora. Para o autor, diferente do sentido, o significado das palavras
representa a soma de todos os acontecimentos psicológicos que a mesma palavra
desperta em nossa consciência; desse modo, cada sujeito será despertado por algo
distinto, porque as palavras são o reflexo do mundo.
sumário 118
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Lembrei que quando eu era criança mamãe dizia: acabou a hora de brincar!
Agora você tem que ir para a escola! Lembro-me que pensava: - Como
assim? E perguntava a ela: - Acabou a hora de brincar? Mas, mamãe falava: -
Não, você só para de brincar um pouquinho, depois você volta. (L. Retirado
do diário da roda de conversas, 2019.)
O final da manhã dos dias de estágio era marcado pelas narrativas de questões
ocorridas nas “vivências” ou seriam “experiências”? A questão em epígrafe evidencia o
quanto a vivência pode servir de estopim para narrar uma experiência vivida, passada e
que, no momento e no contexto atual, se faz presente.
A narrativa decorreu de um fato narrado sobre a utilização dos espaços da sala
de aula pouco explorados. As alunas/narradoras trazem as evidências de crianças
pequenas tendo suas brincadeiras monitoradas, podendo brincar somente sentadas nas
mesinhas. Não podem ir para o chão ou ocupar outros espaços da sala. Os brinquedos
não são acessíveis às crianças. Quando autorizadas as crianças podem pegar um
brinquedo, mas a brincadeira estava reservada ao brincar contido, sentados nas cadeiras
em suas mesinhas conforme observado pelas estagiárias.
Todos os dias de estágio, naturalmente nos encontrávamos no horário de
chegada, antes do horário da entrada das crianças. Nesse horário sempre “aconteciam”
fatos que merecem ser narrados. O momento de maiores trocas era no final das
atividades, quando nos reuníamos para conversar sobre as atividades e acontecimentos
do dia, que chamamos de Roda de conversas e leituras dos diários.
A roda de conversas se constitui como momento de narrar/analisar o cotidiano
do campo de estágio na educação infantil. As lembranças de experiências do passado
são o momento em que L. explica o presente. A cultura infantil capaz de transver a
realidade: - Como assim? A escola não é o lugar de brincar? Aprender e brincar não
andam juntos?
De fato, conforme Benjamin (1996) a história narrada pelo adulto não é a
experiência vivida da criança, mas, o que existe é um acontecimento narrado pelo
adulto, que hoje se interroga sobre esse descompasso entre o tempo para brincar e o
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VII Seminário Vozes da Educação
tempo para aprender, como se ambos não fossem prazerosos e pudessem comungar dos
mesmos objetivos na vida dos pequenos.
Na narrativa de L. se apresenta uma reinterpretação do passado, colocando em
evidência as contradições que se apresentam para as crianças. Importante salientar que o
olhar da estagiária é permeado pelas categorias de análise numa perspectiva crítica
dando ênfase às contradições. O presente vivido na escola ilumina o passado, que vem
carregado de significados do que a escola significava e o que a escola no presente
significa para L. Nas palavras de Benjamin (1996, p. 205)
[...] a narrativa [...] é ela própria, num certo sentido, uma forma
artesanal de comunicação. Ela não está interessada em transmitir o
“puro em si” (grifo do autor) da coisa narrada como uma informação
ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em
seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do
narrador como a mão do oleiro na argila do vaso.
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Considerações finais
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estágio limitados a relatar objetivamente os fatos, como evidenciado por Gurgel (2014)
uma vivência individual que faz apenas repetir a história.
Entretanto, a partir das rodas de conversas, das reflexões e análises os
significados do vivido nas experiências cotidianas da Educação Infantil e das múltiplas
linguagens e vozes inscritas em suas constituições enquanto pessoas foram se
manifestando nas narrativas, e apresentaram-se como “experiências” com caráter de
permanência, que não se esgotam no presente, como nos ensina Benjamin (1989) e por
isso infinitas e históricas.
As informações obtidas e as relações estabelecidas com todos os atores que
fizeram parte das narrativas de formação promoveram reflexões coletivas sobre o fazer
pedagógico na educação infantil, inevitavelmente promoveram o processo de
construção coletiva e que modificaram e ampliaram o olhar e as concepções do estágio
e da docência no contexto da infância.
Destacamos a importância de entrelaçar as narrativas adultas com as atividades
infantis como importantes nos estágios supervisionados, de modo a refletirmos sobre as
experiências passadas de nossa sociedade para transformá-las em novas descobertas e
novas construções como vivenciam as crianças as suas atividades cotidianas. Dessa
forma estaremos em constantes tentativas de levantar a máscara do adulto chamada
“experiência”, inexpressiva, impenetrável e sempre a mesma, conforme nos alertou
Benjamin (2002, p.21). Não queremos que nossas alunas construam suas experiências
como “aquilo que é o eternamente-ontem”, com pobreza de ideias e lassidão daqueles
que já experimentaram isso, conforme revela o autor (ibidem, p. 22).
Todavia, nosso desejo é que possam nos diálogos, gestos, olhares e afetos
conviver com o êxtase infantil e apropriarem-se da língua da escola que contribui para o
fazer cotidiano dando sentidos próprios ao mundo para formar a si próprias pela prática,
pelo estudo, pelas habilidades e pelo conhecimento.
Finalmente, evidenciamos a impossibilidade de conceber o estágio como um
procedimento instrumental, todavia como um campo de conhecimentos e também de
pesquisa, produzido na interação dos cursos de formação com o camposocial no qual se
desenvolvem as práticas educativas.
Referências
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1996.
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FARIA, Ana Lucia G de; SILVA, Lilian Lopes M da, et all. Culturas infantis em
creches e pré-escolas. Estágio e pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2011.
PIAGET, J. (2002). Seis estudos de psicologia. 24a, Ed. Rio de Janeiro: Florence.
SILVA, Neidi Liziane Coopetti da; ROJAS, Jucimara Silva e HAMMES, Care
Cristiane. Algumas reflexões sobre as linguagens do Brincar na educação infantil.
Anais XI Congresso Nacional de Educação - Educere, 2013.Disponível em:
<https://educere.pucpr.br/p58/anais.html?tipo=&titulo=&edicao=4&area=>Acesso em:
10 out. 2019.
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VII Seminário Vozes da Educação
Esta é a linha teórica assumida como referência neste texto que reflete sobre a
Educação Musical como uma possibilidade de contribuição para a
reafirmação/construção de uma memória musical brasileira compartilhada, pontilhada
pelas contribuições dos talentosos indivíduos que foram produtores dentro do campo de
uma linguagem artística que expressa a relação tempo-espaço de suas produções e do
público que as reverenciam, ressaltando a importância da narrativa (auto)biográfica para
a aproximação das novas gerações de forma afetiva e identificada com os compositores
e por conseguinte com a memória da arte musical produzida no Brasil.
Conclusões iniciais
O processo de amadurecimento e implementação de uma proposta que emerge
das demandas sociais como foi o caso da promulgação da Lei 11769/2008, exige um
esforço de reflexão e debate que impõe o exercício teórico e a vivência de muitas
experimentações práticas.
Com o objetivo de participar do debate acerca da Educação Musical, este
trabalho desenvolvido através das ações promovidas dentro do espectro de atividades
projetadas no Projeto de Extensão Laboratório de Educação Musical FFP/UERJ
propomos que seja abraçada como sugestão para a implementação da Lei, que a
Educação Musical seja ampliada em sua concepção para abarcar a proposta de formação
de público, pelo exercício da apreciação musical.
A apreciação reduzida da arte musical ou de qualquer outra arte tem inúmeras
conseqüências para a formação dos educadores e do público em geral. Trata-se de um
tipo de inabilidade restritiva que acaba por sustentar as imposições de uma mídia
massiva cujo compromisso maior cultural é com o lucro e não com a divulgação das
iniciativas de produção que emergem incessantemente nos tecidos sociais. A este tipo
de ação, soma-se a restrição do acesso pelo público a manifestação original que emerge
nos mais distintos contextos sociais e o conseqüente processo de esquecimento a que
são submetidas tanto as mais novas quanto as mais antigas criações artísticas.
sumário 135
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
BARRETO, Flavia de Oliveira; LEAL, Rita de C.S. Cartografia musical Rio de
Janeiro 450 anos. Rio de Janeiro: LetraCapital, 2016.
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VII Seminário Vozes da Educação
WISNICK, José Miguel. Não ouvir. Rio de Janeiro: Caderno Cultura. Jornal O Globo,
2013. https://https://oglobo.globo.com/cultura/2013/05/25/nao-ouvir
sumário 137
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 138
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Fonte: Facebook
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VII Seminário Vozes da Educação
Fonte: Facebook
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
primeira viagem longa de ônibus ou até mesmo, a primeira viagem sozinha, sem a
família, entre outras experiências singulares.
O movimento que nos levou até São Paulo já nos provocou antes mesmo de sair
do estado do Rio. Vimos de perto o ato solidário e a importância que ainda segue firme
para aqueles que acreditam nas pesquisas acadêmicas e que nos fortalecem na luta pela
nossa universidade pública. Todo nosso processo antes da viagem já foi formativo e
assim, percebemos que um mesmo lugar, o espaço que já convivíamos uns quatro anos,
pôde nos proporcionar outras experiências e descobertas. Sobre a importância da
experiência na formação de professores Nóvoa (2001) aponta em uma entrevista:
O trajeto que nos levava até São Paulo nos permitiu conhecer um pouco da
cidade, conhecemos também pessoas durante a viagem que nos falavam dos diferentes
costumes encontrados na cidade do Rio e no interior do estado de São Paulo. Muitas
histórias foram compartilhadas no ônibus até nossa chegada, a partir dali, sabíamos que
nossas experiências estavam apenas começando. No dia seguinte, já iriamos até a
universidade e assim que chegamos, percebemos o quão grande era UNICAMP. Havia
placas de prioridade ao pedestre dentro da universidade e logo nos espantamos, mesmo
tendo como referência a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como cidades universitárias, nunca havíamos visto
algo parecido, bastava colocar o pé na faixa e os carros paravam.
Ao chegar ao evento, que tanto lutamos para participar, percebemos a
movimentação que ocorria naquele espaço. Conversas acerca das práticas dos
professores nas sessões de diálogos, nos reafirmaram o papel do professor-pesquisador.
Dentro de suas práticas, questionavam, dialogavam e aprendiam com as experiências
dos outros. Vivenciamos um espaço de pesquisa-formação onde se propuseram a
investigar questões que emergiam no espaço da escola em conjunto com outros
docentes, buscando uma reflexão coletiva que pudesse promover novos olhares e
conhecimentos acerca daquela realidade e repensar coletivamente as ações sobre ela.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 144
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 14. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A,
1985.
sumário 146
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 147
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A motivação para escrever sobre o tema veio da minha própria experiência como
participante de um coletivo de formação de professores cujo trabalho, no início,
organizou-se essencialmente sobre estudos de textos, principalmente da obra de Paulo
Freire, de maneira informal.
Nos textos de Freire, diversos, ecoavam os questionamentos que emergiam da
prática educativa de cada uma das integrantes do nosso coletivo, que contava como
integrantes professoras dos Anos Iniciais da Rede Municipal de Educação da Cidade do
Rio de Janeiro inicialmente, algumas migrando mais tarde para o CAp-UERJ e Colégio
Pedro II.
Sem que tivéssemos feito uma programação consciente para falarmos a respeito
de nossas questões práticas de sala de aula, os primeiros encontros para o diálogo
transcendiam os horários formais teoricamente dedicados ao estudo na Rede Municipal
de Educação do Rio de Janeiro26 ou mesmo o espaço físico da escola: aconteciam nos
corredores, entre um intervalo e outro das atividades escolares, salas dos professores,
horário de recreio das crianças, travessias do trabalho para casa, nos encontros sociais e
virtualmente, nas redes sociais. Aconteciam espontaneamente conforme nossas
disponibilidades de tempo iam convergindo e emergiam de nossa necessidade de
dialogar sobre nossas atividades, por vivermos relações profissionais cotidianas imersas
na realidade de uma mesma rede de ensino. Essa realidade nos aproximava e embora
soubéssemos que cada sala de aula apresentava-se como um universo de possibilidades
único, sabíamos também quais eram os pontos para os quais nossas perguntas seguiam
26
Aqui é preciso esclarecer: nessa época a Rede Municipal do Rio de Janeiro contava com um horário
oficial de estudos denominado “Centro de Estudos”. Os CEs, aconteciam para os docentes do primeiro
segmento sempre às quartas feiras, por duas horas e meia no início ou ao final do turno, de quinze em
quinze dias, com dispensa dos alunos, que ficavam meio turno na escola. Eram sempre conduzidos pela
coordenadora pedagógica ou direção, que recebiam diretrizes das Coordenadorias Regionais de Educação
e estas, por sua vez do Nível Central: a Secretaria Municipal de Educação.
sumário 148
VII Seminário Vozes da Educação
27
Termo usado por Ferrari em entrevista concedida à Colombo (2009) sobre Jorge Luis Borges.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Este livro de diálogos possui também uma teoria do diálogo. Embora visto
como inferior à leitura, para Borges o diálogo é meio privilegiado para se
chegar ao entendimento (Henríquez Ureña) e é também signo de civilização
(cultura japonesa). (...) Borges levou à prática sua teoria do diálogo,
planejando e executando uma série de projetos com uma grande variedade de
colaboradores (COSTA, 2009, p.19).
Assim, como disse Ferrari (2009), o diálogo para Borges “era uma maneira
indireta de escrever, continuava a escrever através dos diálogos. (...) A magia de lê-lo,
correspondia a magia de ouvi-lo.” (FERRARI, 2009, p.30).
A obra escrita de Borges e Ferrari é uma coletânea de diálogos transcritos por
meio da qual fica claro que a leveza da linguagem falada pode ser mantida nessa
passagem para a escrita e me mostra um caminho de inspiração cheio de possibilidades
que posso nitidamente transportar para o terreno da formação de professores quando
essa elege o diálogo como meio de leitura do outro – parceiro/a de formação - e
revelação de mim mesma. A história de parceria entre Borges e Ferrari lança uma luz
sobre minha própria trajetória formativa, minha relação com o diálogo e a troca e
transformação que esse proporciona, servindo-me como fonte de grande inspiração.
Quem me apresentou Borges e Ferrari e essa relação de amizade, troca e
produção de saberes foi Regina Leite Garcia durante as sessões de diálogo das
orientações coletivas para a tessitura do TCC da pós-graduação da UFF, concluída por
mim em janeiro de 2014. Recordo-me que fiquei bastante impactada com a importância
sumário 150
VII Seminário Vozes da Educação
do diálogo para que Borges pudesse continuar inserido num universo de leitura e
produtividade. O diálogo, sua nova visão.
No período de orientações, a professora Regina nos chamou atenção para o
diálogo como possibilidade de metodologia de pesquisa, justificando que através dele
recolhemos dados qualitativos que nos auxiliam a compreender como o outro pensa e o
que pensa sobre determinado assunto. Assim percebi o quanto o diálogo já fazia parte
da minha trajetória profissional e o quanto revelava sobre mim. Hoje percebo o quanto o
diálogo foi relevante para que minha pesquisa pudesse acontecer.
Em 2014, quando tive a oportunidade de ter Regina Leite Garcia como
orientadora, pude aprender, dentre tantos ensinamentos, que a pesquisa da/na minha
própria prática se faz essencial para que meu trabalho possa estar em constante
aperfeiçoamento.
Com Regina, que reunia em sua casa suas orientandas para um trabalho de
orientação coletiva, percebi que meu ofício de professora dos anos iniciais da Escola
Básica era um importante caminho para a militância política: ecoava tanto na minha
formação, quanto na formação de meus alunos. Ali, naqueles encontros, pude discutir o
que era fazer pesquisa. Entendi um pouco mais o que era a pesquisa com o cotidiano e
ao voltar meu olhar para a minha sala de aula, agora como pesquisadora, minha visão
havia se ampliado. Aquelas conversas com as colegas de pós e com a professora Regina
me ajudaram a dar mais um passo em minha trajetória profissional.
Nossa orientadora nutria profundo respeito pelas professoras da Escola Básica e
ouvia atentamente nossas narrativas a respeito de nosso trabalho. Sua sinceridade para a
crítica assustava... ao mesmo tempo que sua capacidade de se encantar com nossas
histórias e nos contar sobre a época em que também era professora alfabetizadora nos
fazia voltar à calma e equilibrava o clima dos encontros, fazendo com que nossas
conversas fossem sempre produtivas. Saíamos dali, a cada encontro, expandidas.
Voltávamos diferentes para nossas salas de aula.
Nunca saí da casa de Regina com respostas. Saía com incômodos. Por vezes
suaves. Outras vezes eram incômodos de tanta grandeza que me tiravam o sono:
conseguia perceber o que não queria mais repetir em minhas práticas, porém não
conseguia definir alternativas e isso me angustiava.
Dos encontros para orientação coletiva, nos moldes de rodas de conversa, fui
redefinindo minhas expectativas a respeito de minhas possibilidades dentro da
profissão: decidi tentar o concurso para o Colégio Pedro II, mais confiante em minha
sumário 151
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
capacidade de ir cada vez mais além e desejosa de ter qualidade de tempo para ampliar
minha formação.
Como professora pesquisadora, aprendi com Regina que minha prática é teoria
em movimento. Regina nos mostrava que a pesquisa em educação passava
necessariamente pelas nossas salas de aula e ninguém mais preparado para falar da sala
de aula com autonomia do que nós professoras:
Era característico das aulas da pós e naturalmente dos encontros com Regina, o
pensamento em movimento por meio das palavras nas conversas. Quem chegou naquele
espaço buscando receitas para alfabetizar se decepcionou ou redefiniu suas buscas:
aprendemos ali a questionar, a duvidar e consequentemente, a pesquisar e a buscar
alternativas de caminhos. Tudo construído no diálogo. Mais uma vez o diálogo: antes,
com minhas colegas professoras na escola municipal em que trabalhava e na UFF, nas
aulas e orientações coletivas. O impulso que me motivou a seguir e que me segue até
hoje.
Conceber o ofício de professor sem a presença do diálogo é impossível. Sendo a
profissão docente uma profissão de natureza relacional, onde, na convivência entre
indivíduos, concretiza-se a atividade docente, há de se considerar a qualidade dos
diálogos que acontecem para tornar as experiências terreno fértil de mudanças
satisfatórias, tanto pessoais, como profissionais e sociais. Para tratar da natureza do
diálogo, considero as afirmações de Freire (2013; 2014) que aborda o diálogo como
sendo o terreno fértil das ideias de conscientização, que embora individual, é elaborada
na troca com outros indivíduos.
Ao resgatar minha história de formação, descrita na introdução da dissertação de
mestrado intitulada “Saberes docentes produzidos no cotidiano: a formação docente
continuada por meio do diálogo em um coletivo de formação docente” defendida em
agosto de 2018, pesquisa essa acolhida pelo CAp- UERJ, orientada pela professora
Andrea da Paixão Fernandes e usada como justificativa de escolha do tema da pesquisa,
sumário 152
VII Seminário Vozes da Educação
O autor destaca o poder da relação dialógica. Ele nos diz que “não há portanto
na teoria dialógica da ação, um sujeito que domina pela conquista e um sujeito
dominado. Em lugar disto, há sujeitos que se encontram para a pronúncia28 do mundo,
para sua transformação” (FREIRE, 2014, p. 227).
Freire nos ensina assim que não deve existir hierarquização de saber na troca
dialógica, porque não se pode hierarquizar saberes diferentes. A troca de saberes produz
novos saberes, pertencentes às duas partes do diálogo, portanto não deveria pressupor
28
Grifos do autor.
sumário 153
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
dominação de uma parte sobre a outra, como por muitas vezes presumidamente
acontece, mas sim transformação mútua. Dois saberes distintos, iguais em importância,
se entrelaçam no diálogo, produzindo um terceiro saber, pertencente e derivado dos dois
primeiros.
Para Freire (2014), é muito importante situar o diálogo como sendo essencial no
processo de transformação do mundo e, portanto, transformação de homens e mulheres
que nele estão. Freire (2014) nos diz que “a existência, porque humana, não pode ser
muda, silenciosa, nem tampouco nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras
verdadeiras com que os homens transformam o mundo” (FREIRE, 2014, p. 108).
Por fazer parte da essência humana, o diálogo é primordial para a comunicação
entre os indivíduos como processo de interação, troca de ideias, construção de conceitos
coletivos a respeito dos fenômenos sociais nos quais estamos imersos a todo tempo e
dos quais somos autores. Mas Freire (2014) nos chama a atenção a respeito da palavra
verdadeira, pronunciada certeiramente para produzir transformações positivas.
O autor diz que a própria palavra é o diálogo, mas nos diz que precisamos buscar
os elementos que o constituem e não só um meio para que ele aconteça. Não se deve
considerar o diálogo pelo diálogo somente, porque a palavra vazia nada mais é que um
discurso estéril e precisamos de palavras cheias de significado para efetivar mudanças.
Para Freire (2014), a palavra verdadeira é a práxis, pois pode-se dizer que “a palavra
verdadeira seja transformar o mundo” (FREIRE, 2014, p. 107). O contrário de práxis na
concepção freireana é a inautenticidade.
Freire (2014) nos mostra o quão perniciosa pode ser a palavra vazia, porque
priva os homens e mulheres não só de transformar o mundo, mas, consequentemente, a
palavra inautêntica os priva, homens e mulheres, de denunciá-lo principalmente.
O cotidiano docente é costurado por questões inerentes à sua prática, mas não só
por essas questões. É alinhavado, sobretudo, por questões relativas ao sistema29 no qual
estão inseridos e ao qual estão submetidos professoras e professores.
Quando um docente precisa dispor de um tempo que inicialmente não seria
empregado para dialogar sobre sua prática, como já dito, no contrafluxo de seu horário
diário de trabalho, mesmo quando dispõe, como no caso da Rede Municipal de
Educação do Rio de Janeiro, de um horário oficial de estudos, é porque, de alguma
29
A palavra ‘Sistema’ aqui se refere à Rede Educacional no qual o docente está inserido. Cada Rede,
pública ou privada, possui normas próprias que determinam, entre outras regulamentações, se os docentes
possuem tempo oficial de estudos.
sumário 154
VII Seminário Vozes da Educação
maneira, esse horário oficial não oferece espaço para discutir suas demandas cotidianas
de sala de aula, seja porque não está sendo cumprido, seja porque está sendo ocupado
com discussões que se enquadram no conceito de palavra inautêntica apresentado por
Freire (2014).
Eliana Perez Gonçalves de Moura (2009), chama a atenção para um aspecto da
formação docente, chamada de formação em serviço, que é aquela que acontece dentro
do local e durante o horário de trabalho. Para Moura (2009), a formação em serviço
pode ter como recurso o alinhamento da formação, de caráter corretivo da formação
inicial, com a lógica administrativa a que estão submetidos os docentes. Esse
alinhamento de formação de que trata a autora muitas vezes visa alcançar a
padronização das condutas cotidianas dos professores (MOURA, 2009, p.159). Essa
padronização pode mesmo alterar ou constranger comportamentos que não
correspondam ao padrão de procedimentos que se espera no ofício docente. Essa visão
de formação apresentada por Moura (2009) pode alimentar uma boa comparação com o
conceito de humanização proposto por Freire (2014). Uma formação que formata,
padroniza segundo regras e possivelmente descaracteriza a individualidade sendo
comparada com a proposta humanizadora de Freire (2014) é um convite à uma
discussão.
O diálogo, para Freire (2014), deve consolidar o agir e o refletir. Somente
assim se transforma num terreno produtivo. O diálogo humaniza à medida que produz
transformações autênticas. E assim deve acontecer no terreno do diálogo docente.
O respeito ao outro com quem diálogo é traduzido na coerência entre minha fala
e minha ação, como nos diz Freire (2013) em Pedagogia da Autonomia:
30
Grifos do autor.
sumário 155
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
diminuindo a distância entre os pares e os fazeres e colaborando para que aos poucos a
necessidade de buscar pelo parceiro de trabalho para a prática dialógica aumente até se
tornar indispensável. A ideia desse movimento é tornar a distância entre o que se diz e o
que se faz cada vez menor, vivendo, dia a dia, o que Freire (2014) chamou de “inédito
viável” (FREIRE, 2014, p.130), que vem a ser a predisposição constante de fazer
acontecer as possibilidades do tempo presente, deixando para realizar no futuro as
impossibilidades desse tempo. Não se trata de utopia inatingível, mas de possibilidades
reais de transformação: a utopia como o horizonte que nos mantém caminhando.
A busca pelos pares em diálogos pressupõe que o outro, docente também, tem
muito a contribuir com sua experiência no crescimento profissional daquele com quem
se propõe dialogar. Quando entendemos que não somos detentores de todo o saber, nos
colocamos em posição de ouvir o outro e aprender com ele. Quando entendemos que
temos a ensinar, não nos subalternizamos acreditando que apenas o outro, mais
experiente em sala de aula ou com maior tempo no magistério, sabe mais ou sabe
melhor por isso. É preciso entender o diálogo como uma via que vem e vai. Freire
(2013), nos mostra isso quando diz:
Minha segurança não repousa na falsa suposição de que sei tudo, de que sou
o ‘maior’. Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de que
ignoro a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que já sei e
conhecer o que ainda não sei (FREIRE, 2013, p. 132).
sumário 156
VII Seminário Vozes da Educação
práticas e assim nos privamos do registro sobre os saberes provenientes desse diálogo.
Segundo ele, somos, nós docentes, aqueles melhores capacitados para teorizar sobre o
que acontece dentro de nossas escolas.
Dialogar sobre a prática é uma ferramenta de pesquisa, se bem direcionada. Se
minha atenção se volta às possibilidades que posso vir a ter, o olhar do outro sobre o
que apresento para ele através da minha prática, se torna um mecanismo importante de
auto avaliação e reformulação de caminhos.
Como diz Serpa (2010), ao falar da subjetividade do conhecimento porque o
saber provém da relação: ao dialogar com meus pares, ao me relacionar com eles,
entrelaço saberes e produzo novos saberes, subjetivos. Essa subjetividade diz respeito
ao fato que os saberes podem não ser aplicáveis a todas as realidades, mas certamente
servem de ponto de partida de reflexão sobre elas.
Aproveito para acrescentar uma definição de diálogo da professora Marilza
Maia, do GEPPALFA31 – Grupo de Estudos, Práticas e Pesquisas em Alfabetização do
Colégio Pedro II – campus São Cristóvão I - que possui muita beleza e concorda com as
concepções dialógicas apresentadas nesse estudo. O GEPPALFA foi o grupo com o
qual estabeleci a parceria formativa que deu voz à minha pesquisa, que tornou-se nossa.
Pra mim o diálogo é estar primeiro aberto a ouvir o outro: diálogo também
pode ser silêncio. Às vezes eu preciso ouvir pra eu pensar sobre determinada
atitude minha, sobre determinada forma de pensar alguma abordagem... pra
mim o diálogo é isso e... a gente tem marcado muito isso aqui no grupo e
você vai ouvir o tempo todo: diálogo é também o que a gente encontra no
GEPPALFA... é saber se ouvir, saber ponderar quando o outro pensa
diferente, que eu não preciso pensar igual a elas, eu não preciso é... comungar
das mesmas ideias, das mesmas concepções, apesar de a gente aqui ter um
alinhamento de trabalho. Do jeito que a gente vê o diálogo, a gente já tem
uma maturidade pra alcançar esse respeito, essa sensibilidade pra ouvir o
outro... é isso. (MAIA, 2018)32
Assim, o diálogo é posto como um caminho para descobertas, mas não se mostra
solitário. É que o diálogo tem essa característica de estender diante de nós mais e mais
caminhos. Quanto mais percorremos as opções que se apresentam, mais trajetos surgem
adiante. O diálogo permite esse movimento de caminhada constante e dentro dele surge
uma gama de conceitos que vão permitindo a liquidez da conversa e apresentando novas
31
O GEPPALFA é o grupo que fez parte da pesquisa de mestrado citada.
32
Essa fala é uma transcrição literal do material em áudio captado durante os encontros com o grupo que
serviram como base para essa pesquisa.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
perspectivas. É a utopia do horizonte, que jamais será alcançado, mas que está longe de
não ter utilidade justamente por isso. É o que nos mantém caminhando.
O diálogo é um conceito que não se encerra em um único uso e sua definição, ou
definições, abre/ abrem precedentes para outros tantos conceitos que imersos nele
tomam sentidos diversos.
O primeiro de muitos conceitos imersos no diálogo pelo conceito freireano do
inacabamento humano que nos dá a dimensão de que somos “seres históricos (...). Por
isso mesmo é que os reconhece como seres que estão sendo, como seres inacabados,
inconclusos em e com uma realidade que, sendo histórica também, é igualmente
inacabada.” (FREIRE, 2014, p.101).
Somos seres inacabados no sentido de que enquanto vivermos estaremos em
constante interação com diversos saberes, com outros indivíduos e com as
circunstâncias que nos rodeiam e nas quais somos atores diretos ou indiretos,
produzindo assim cultura e conhecimentos de e para um determinado tempo. Essa
produção nos constrói à medida que avançamos em nossas vivências pessoais e
profissionais.
Assim seremos sempre “seres que estão sendo” (FREIRE, 2014, p.101), mas
seremos sempre mais, porque a consciência do inacabamento faz de nós seres que
nasceram para a busca, para utopia do horizonte simbólico, não para uma caminhada
eterna e sem sentido, mas porque a própria caminhada é por si o objetivo. Se tomamos
consciência de que o inacabamento é uma condição humana, esse entendimento nos dá
a felicidade de uma busca lúcida, embora eterna. A utopia freireana.
A busca que não cessa dos seres inacabados provoca mudanças. É certo que,
muitas vezes, a mudança pode gerar algum desconforto, porque pode ser assustador sair
de uma situação de suposta segurança.
Assim acontece em tantas áreas da vida, nossas experiências nos dizem isso,
não seria diferente na Educação, onde lidamos com diferenças sociais, diferenças de
ideias e concepções sobre a própria Educação, diferenças de ordem pessoal, como
algumas representações que carregamos acerca de algo, valores. Assim o diálogo é o
campo onde o inacabamento do ser avança da insegurança pelo novo que vem, para a
certeza de que é sempre melhor o movimento que a inércia, embora o destino final seja
desconhecido ou mesmo inexista, existindo de fato apenas o caminho. É sempre melhor
a troca, a reflexão, do que um pensamento engessado. Quem melhor que meu par no
sumário 158
VII Seminário Vozes da Educação
diálogo para me ajudar nessa caminhada: dois ou mais seres inacabados que acabam por
se conectar no diálogo, tecendo caminhos?
O conceito de inacabamento liga-se diretamente ao conceito do “ser mais”
(FREIRE, 2014, p. 104), à ideia de humanização.
Historicamente, como bem apresentado pelo autor, observamos a humanização
como o que deve ser construído em oposição à desumanização, que é largamente
observada no curso da história.
Mas, se, ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que
chamamos de vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada
na própria negação. Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão,
na violência dos opressores. Mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça,
de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade roubada.
A desumanização que não se justifica apenas nos que têm sua humanidade
roubada, mas também, ainda que de forma diferente, nos que roubam, é
distorção da vocação do ser mais (FREIRE, 2014, p.40).
Ser mais é a capacidade que temos de irmos além das expectativas sociais pré-
estabelecidas, é a vocação que todos temos para a luta pela humanização que nos é
viável e intrínseca à nossa natureza de seres inacabados. É, sem dúvida, a possibilidade
do rompimento do círculo de opressão pelos próprios oprimidos, acabando com o
despertar cíclico de novos opressores. Compreender que nos desumanizamos quando
lutamos uns contra os outros é, por si, um ato de humanização.
Muitas vezes o oprimido crê que é menos quando aceita que merece ser
desumanizado, quando aceita que determinadas conquistas ou determinadas posições
sociais não são para um desumanizado como ele. Está tão entranhada no tecido social a
existência de posições que não devem ser ocupadas por determinados atores sociais
oprimidos, que a situação se naturaliza. Não é uma questão de aceitar o fardo, na
verdade. Talvez seja mais uma questão de falta de consciência política, porque uma vez
libertos da ideia de submissão, os opressores serão capazes de compreender que podem
ser mais. Esse é o ensinamento de Freire (2014) quando disse que “só o poder que nasça
da debilidade dos oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos.”
(FREIRE, 2014, p. 41). É a educação para a liberdade. Liberdade de pensamento, de
reflexão, de diálogo, de ação, de existência, de ser mais.
Não posso deixar de traçar um paralelo entre as relações com o saber e a relação
entre opressores e oprimidos, proposta por Freire (2014). O autor falava diretamente
sumário 159
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A professora Angela Vidal nos fez esse relato salientando que o maior ato de
militância, o mais potente de fato, é o ensinar, é o estar com os alunos em sala de aula.
Um aluno que reflete sobre seu papel, ou papeis, que pode assumir na sociedade,
que compreende que as amarras sociais impostas podem ser vencidas embora saiba
também que para que isso aconteça precisa existir uma força social que as rompam, é
capaz de fazer a reflexão que Ana Paula fez e nos apresentou:
Como a gente vai se sentindo ao longo da vida: o não ser suficiente... Vou
ouvindo essas coisas e vou indo lá pra sala (se remete à sala de aula). Não
33
Termo usado pelo próprio Freire (2014) na epígrafe de sua obra Pedagogia do Oprimido, 2014.
34
Associação de Docentes do Colégio Pedro II.
35
Essa fala é uma transcrição literal do material em áudio captado durante os encontros com o grupo que
serviram como base para essa pesquisa.
sumário 160
VII Seminário Vozes da Educação
36
Essa fala é uma transcrição literal do material em áudio captado durante os encontros com o grupo que
serviram como base para essa pesquisa.
sumário 161
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
BORGES, Jorge Luis; FERRARI, Osvaldo. Sobre a filosofia e outros diálogos. São
Paulo: Hedra, 2009.
COLOMBO, Sylvia. Papo com Borges. Folha de São Paulo, São Paulo 31 de out.
2009. Ilustrada, p. 1.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 58.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
MOURA, Eliana Perez Gonçalves de. Gestão do trabalho docente: o “dramático” uso
de si. Revista Educar, n.33, pp. 157-169. Editora UFPF: Curitiba, 2009.
SERPA, Andréa. Quem são os outros na/da avaliação? Caminhos possíveis para uma
prática dialógica. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense – UFF, 2010.
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VII Seminário Vozes da Educação
Formação da introdução
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Formação da subjetividade
sumário 164
VII Seminário Vozes da Educação
econômica, menos preto se é. E como minha família estava inserida na classe média,
nós não éramos vistos como pretos por boa parte das pessoas ao nosso redor ou será que
nos viam como “negros de alma branca”?
Como disse no início, a presença do racismo em nossa sociedade era assunto
constante em casa, mesmo que algumas vezes de forma generalizada. Tenho certeza de
que foram essas conversas que me impediram de acreditar no mito da democracia racial
tão difundido entre nós brasileiros. Por isso, toda vez que este assunto é posto em
discussão seja entre amigos ou mesmo nos ambientes de trabalho, faço e continuarei
fazendo questão de deixar explícita a minha posição, afirmando que o racismo está
presente todos os dias, inclusive nos pequenos gestos, que antes eu não era capaz de
reconhecer. Infelizmente, muitas pessoas ainda não o reconhecem, assim como meus
alunos e dezenas de pessoas com as quais eu já tive oportunidade de conversar sobre
esse assunto, fazendo com que o racismo estrutural continue disfarçado de
“brincadeira”, o que é tão peculiar a nós brasileiros.
“A ausência de tensões abertas e de conflitos permanentes é, em si mesma,
índice de ‘boa’ organização das relações raciais?” (FERNANDES, 1972, p. 21). Este
questinamento de Florestan Fernandes em plena década de 70 mantém-se tão atual
porque nossa sociedade, que há muito acompanha o pensamento moderno-ocidental
reproduziu a ideia da boa convivência entre negros e brancos sem se preocupar com as
“funções/lugares” demarcados.
O que sempre foi “função/lugar” de preto ou o que sempre foi “função/lugar” de
branco, se não forem maculadas, não se conjuga como um problema. No entanto,
muitos acreditam que se for por mérito, esses “lugares” podem até ser desconfigurados,
mas justifica-se a falta de equilíbrio entre a quantidade de negros e brancos nas mesmas
posições sociais, como sendo responsabilidade de quem se vitimiza e não se esforça
para ascender social e economicamente.
Não me recordo de durante a minha infância e adolescência encontrar atores
negros que fossem protagonistas ou que interpretassem personagens da classe média e
alta nas novelas, os “lugares” em eram sempre muito bem marcados, sempre papéis
secundários e subalternizados, os comerciais e propagandas da TV não tinham os afro-
brasileiros como público-alvo.
Graças à militância dos movimentos negros, esse quadro vem se modificando
ainda que timidamente, sendo um pouco menos frequente a presença de negros
retratados de forma estereotipada pelos meios de comunicação, mas que ainda não são
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Nessa mesma linha de investigação que questiona tal mito, em âmbito nacional o
sociólogo brasileiro Florestan Fernandes foi um dos precursores, quando para compor o
projeto UNESCO na década de 60, escreveu o Ensaio O negro no mundo dos brancos,
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Neste sentido, concordo com a autora que obviamente cabe a negros e não-
negros a execução desta tarefa, pois é fácil constatar que o mito negro é feito por
imagens fantasiosas e depreciativas compartilhadas por ambos. Cabe à sociedade, mas
principalmente a mim como professora negra que se incomoda com essa situação, a
linha de frente dessa luta, assumindo o lugar de sujeito ativo e da pesquisa. E é isso que
eu gostaria de motivar em meus alunos, que ainda se encontram no ensino fundamental,
principalmente os dos anos iniciais.
Um pouco do que venho aprendendo nas leituras sobre o tema, junto ao que
meus pais me ensinaram em como ser negra e pricipalmente ter orgulho por tudo que
muitos de nossos ancestrais deixaram como legado. Todavia, a naturalização do racismo
perpassa toda a nossa história e mesmo com resistências, se renova a cada dia aqui no
Brasil, revelando a maneira como ele estrutura praticamente todos os tipos de relações e
faz com que as pessoas considerem “normal” a falta de equidade entre a nossa
população, reduzindo-o apenas à questão social , quando é dificultado para alguns o
acesso à educação, como já foi exposto, aos serviços públicos, ao poder político, ao
capital financeiro, às boas oportunidades de emprego, às estruturas de lazer, ao
tratamento igualitário pelos órgãos judiciais, em detrimento de vantagens, benefícios e
liberdades que a sociedade concede abertamente para outros, tudo em função do
fenótipo, como analisa Moore (2012, p.229).
Formação acadêmica
sumário 168
VII Seminário Vozes da Educação
assim, eu tinha o desejo de poder ver mais alunos negros na “minha” universidade,
porque eu sabia que as oportunidades não eram iguais para todos. Eu e minha família
estávamos fora das estatísticas voltadas para os afro-brasileiros.
Assim como tantos professores, não tive a oportunidade de tomar conhecimento
sobre a lei 10639/03 (lei federal que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e
cultura africana e afro-brasileira no currículo das redes de ensino no Brasil) durante meu
curso de Licenciatura Plena em Educação Física, que teve início em 2002 e durou até
2006. Destacando principalmente as competências técnicas e burocráticas dos “saberes
escolares”, pouquíssimas questões relativas à raça e ao racismo foram inseridas nas
discussões acadêmicas durante o meu processo formativo “oficial”. Independentemente
da área e do tempo de criação da lei citada, ainda se tem conhecimento de que muitos
cursos de formação de professores não abordam de maneira adequada os objetivos e a
sua efetiva implementação, estabelecendo a falta de “preparo”, limites ideológicos e
manutenção do status quo por parte dos novos educadores.
Através dos estudos para a pesquisa da dissertação e que se mantém até hoje,
procuro também buscar compreender os efeitos nesses mais de dez anos de
promulgação da lei 10639/03 e as tentativas de implementação de políticas de ações
afirmativas que de acordo com a SEPPIR visam corrigir desigualdades raciais presentes
na sociedade, acumuladas ao longo de anos., objetivando reverter a representação
negativa dos negros; promover igualdade de oportunidades e combater o preconceito e o
racismo. Mas para além disso, propõem:
Esta citação me faz lembrar muito bem das palavras de minha mãe e o quanto
ela já se preocupava em fazer isso conosco quando éramos crianças (mesmo que
algumas vezes se desse de forma equivocada), pois sempre dizia que nunca poderíamos
sentir vergonha do que somos e menos ainda permitir que nos humilhassem por conta
disso, que deveríamos valorizar nossa “cultura” e especialmente nos aceitar com todas
as nossas características (cabelos crespos, lábios mais grossos, o nariz achatado, a cor
da pele mais escura, a bunda grande), mas pra isso teríamos que nos agarrar ao maior
sumário 169
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
bem que eles poderiam nos garantir que era a Educação, e aí sim disputar pelas
“mesmas oportunidades” em condições iguais e respeitados pela sociedade, assim como
as outras pessoas.
Todas essas orientações foram muito importantes para que eu me tornasse a
mulher que sou hoje, contudo, ao longo desses anos de estudos, venho tentando além de
ampliar os conceitos para o aprofundamento das pesquisas, inserir os processos que me
fizeram refletir sobre o que foram e o que poderão ser as minhas experiências pessoais,
profissionais e sociais em cada novo artigo.
Ser disciplinada, dedicada aos estudos no período escolar, eram para mim o
sinônimo da boa educação que recebi de meus pais, saber me comportar, saber me
impor, não envergonhá-los, etc. Mas pude perceber que era exatamente esse o
parâmetro que eu vinha exigindo dos alunos que passaram por mim nesses dez anos de
magistério, apenas reproduzindo um papel de vigilante dos alunos, submetendo-os todos
a um mesmo modelo, desconsiderando muitas vezes suas subjetividades. O sonho da
maioria dos professores da educação básica, manter a turma sob controle e
disciplinados, em que passei a me perguntar: Estava realmente ensinando ou somente
disciplinando?
Mesmo com todas as adversidades inerentes à escola pública no Brasil, nunca
me imaginei lecionando fora desse espaço, nem o fato de poder dar continuidade à
minha formação acadêmica, onde o “caminho comum”, poderia ser deixar o ensino
fundamental e médio e partir para o ensino superior. Pois é o trabalho com esse
segmento que me toca e tem me possibilitado compreender as facetas de um racismo
pseudoingênuo que passeia pelos corredores e salas de aula e que se reforçam no
cotidiano por alunos e professores. E como eu poderia entender o que se passava na
escola sem estudar seus cotidianos? Cotidiano que sempre fez parte de mim, pois nunca
me distanciei deste lugar e aqui estou eu, hoje como professora-pesquisadora, que tenta
lutar por uma educação antirracista e acredita que esta mudança de paradigmas só será
possível se os sujeitos cotidianos puderem ter visibilidade, se tiverem a oportunidade de
serem ouvidos. E assim foi feito em minha pesquisa com meus alunos para o mestrado.
Preciso destacar que foi a partir das orientações coletivas no período do
mestrado que entendi a necessidade de me assumir também como sujeito da pesquisa e
me comprometer de fato com ela. Estudar “sobre” o espaço escolar, era antes me
colocar a olhar de fora, achar de maneira leviana que poderia não interferir nos
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pouca “qualidade no ensino”, principalmente por conta dos/das alunos/as que recebem,
sendo sua maior parte de alunos/as pobres e negros/as.
Esse tratamento que é dado ao signo na escola pública, (...) vem se refletir na
desqualificação da cultura dos/das professores/as, de seus alunos e suas
alunas, que em sua maioria pertencem às classes populares e são afro-
descendentes, quando lhes é imposta como única e verdadeira, a visão da
classe hegemônica, que é eurocêntrica (JESUS, 2004, p. 57).
Formação de considerações
sumário 172
VII Seminário Vozes da Educação
que era sobre a influência do racismo nos corpos deles é que eu deveria falar e não de
mim.
Assumo a natureza subjetiva deste trabalho também como uma dimensão
política. O autoconhecimento em função da problemática da pesquisa pode ser uma
(outra) das maneiras de fazer. Por isso as próprias práticas, crenças e hábitos do
pesquisador funcionarão como objeto de investigação, e esse(s) outro(s) jeito(s) de
pensar foram bastantes complexos pra mim, ao contrário do que muita gente pensa, não
seguir a norma padrão e escolher outro caminho fora do pensamento hegemônico é bem
mais difícil do que parece. Se colocar efetivamente como autor de um texto, lidar com a
exposição de uma escrita subjetiva e autobiográfica, não significa escrever de qualquer
modo, ou qualquer coisa acerca de si, mas sim utilizar a escrita e a leitura como
“lugares de experiência” (LARROSA, 2014).
Referências
CAMARGO, Maria Rosa Rodrigues Martins de (Org.); SANTOS, Vivian Carla Calixto
dos (Colab.). Leitura e escrita como espaços autobiográficos de formação. São
Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. Disponível em:
http://books.scielo.org. Acesso em 14 abr, 2014.
CRUZ, Mariléia dos Santos. Uma abordagem sobre a história da educação dos negros.
In: ROMÃO, Jeruse (Org.) História da Educação do Negro e outras histórias.
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília: Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 2005. p.
21-33.
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FERRAÇO, Carlos Eduardo. Eu caçador de mim. In: GARCIA, Regina Leite. Método:
pesquisa com o cotidiano. RJ: DP&A, 2003.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. 2. ed. São Paulo, SP:
Global Edito
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Introdução
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VII Seminário Vozes da Educação
Discussão
O objetivo deste texto fora destacado na introdução do artigo, com base naquilo
que foi chamado de questão central e, por suposto, também através das questões
específicas (3). Tendo isso definido, a compreensão acerca da realidade profissional de
professores designados da Rede Pública de Ensino do Estado de Minas Gerais é
perpassada por especificidades relacionadas à legislação estadual, através de leis e
resoluções, bem como através do Plano Nacional de Educação (PNE).
A interface entre essas questões atreladas ao Estado e suas políticas públicas,
com a vivência cotidiana desses professores, corresponde justamente ao que se busca
aqui compreender. Deste modo, nesta seção, tratar-se-á a respeito da temática segundo
as subquestões apontadas anteriormente, na ordem em que foram apresentadas, com o
intuito de esclarecer de maneira mais clara e elucidativa as respostas acerca do que se
questiona.
A realidade escolar brasileira responde à legislação representada através do
Plano Nacional de Educação (PNE), cuja lei correspondente é a 13.005/2014 . O PNE,
aprovado durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, traça as diretrizes e metas
para a educação básica do país, em que, dentre as 10 diretrizes descritas, o item de
número 9 destaca: “valorização dos (as) profissionais de educação” (BRASIL, 2014).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 178
VII Seminário Vozes da Educação
Ainda, segundo a referida Lei, em seu art. 4º, o período máximo de contrato dos
profissionais tratados a partir do art. 2º, inciso 5, tais como os professores da Rede
Pública, dos quais se trata a presente reflexão, é de 2 anos. Apoiados nessa legislação,
bem como da resolução nº. 3.995/2018, citada na introdução deste trabalho, é que os
professores designados da Rede Estadual de Ensino no Estado de Minas Gerais acessam
as espacialidades escolares, com seus contratos temporários, excetuados de garantias e
benefícios, quando se compara aos professores efetivos, como também colocam Amorin
et. al (2018).
A terceira categoria apontada pelas autoras, citada anteriormente, é a de
professores efetivados. Como destacam, segundo a Lei Estadual nº. 100/2007,
professores designados anteriormente e com anos de trabalho, foram efetivados pela
ação do poder legislativo.
Para o momento, o foco deste artigo concentra-se na segunda categoria de
profissionais do ensino acima listada: a de professores designados. Como se refere a Lei
18.185/2009, a respeito do tempo máximo de contrato destes profissionais ser de até 2
anos, a partir da resolução 3.395/2018, os contratos seguem o prazo de 1 ano. A
resolução em questão também define a respeito da classificação destes profissionais a
partir de seu edital.
A partir da seção V, Artigo nº. 19, os candidatos inscritos para professores de
Educação Básica serão classificados em listas diferentes, conforme os municípios
optados pelos profissionais no ato da inscrição. A ordem de classificação então
respeitará as formações destes professores – Licenciatura Plena, Bacharelado (com
especialização na área pedagógica) ou Graduação em curso (nas disciplinas específicas
de atuação, sendo o curso superior uma licenciatura). A partir de classificados,
correspondendo às exigências presentes no edital, havendo similaridade de condições,
os candidatos serão submetidos a critérios de desempate, sendo, respectivamente: 1)
Maior tempo de serviço comprovado (nos termos aplicados pelo Estado); 2) Idade
maior e, por último; 3) Ordem de inscrição.
Nestes termos, é válido destacar que os critérios listados podem colaborar, já no
acesso dos professores e professoras classificados (as), para a marginalização de alguns
em detrimento de outros, dado, principalmente, o fator de ordem de classificação por
tempo de serviço, possibilitando a exclusão daqueles profissionais que estão em início
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
de carreira ou, que por outra condição, ainda não acessaram a espacialidade escolar na
condição de professores ou professoras.
Outro ponto a ser exposto trata a respeito do tempo de contrato, que, embora se
defina em 01 ano, segundo referido acima, também pontua a possibilidade do
desligamento destes profissionais, mesmo antes do encerramento de seus contratos. A
dispensa dos servidores designados ainda os impede de serem designados novamente no
período de 60 dias, após o desligamento/encerramento do contrato em que estavam
empregados, conforme aponta o artigo nº 63 da Resolução 3995/2018.
Ainda, a resolução traz os pontos que justificam o desligamento destes
profissionais de seus ofícios , no artigo nº. 64. Dentre estes pontos estão destacados a
dispensa dos servidores por inconsistências com a lei no ato da designação, o não
comparecimento no ato determinado para praticarem o exercício da profissão, faltas
graves comprovadas (como, por exemplo, imposição de castigo físico ou humilhante
para com o corpo de discentes, atos de pedofilia etc.), dentre outros, justificáveis sob o
aspecto ético.
No entanto, no que tange este artigo, os pontos que aqui interessam, tratam
daqueles que enfraquecem a estabilidade profissional destes professores e professoras,
embora apresentem suficiência em suas práticas profissionais e correspondam às
necessidades da escola e do ensino público. Deste modo, a mesma resolução também
pontua, ainda no artigo nº. 64, a dispensa destes profissionais justificada a partir:
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VII Seminário Vozes da Educação
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exercerão seus papéis, porém com um arranjo de possibilidades reduzido em relação aos
professores efetivos e efetivados, à direção e ao Estado.
O mesmo autor, em outra obra, Foucault (1999), argumenta que as relações de
poder e a posicionalidade dos sujeitos nestas relações que, aqui destacamos como
intrínsecas a espacialidades, tal como o espaço das escolas públicas do Estado de Minas
Gerais, está relacionada à presença de discursos que, de maneira histórica e validada
constantemente, interferem no funcionamento dos fenômenos, tal como se pode
perceber no seguinte trecho:
Em suma, pode-se supor que há, muito regularmente, nas sociedades, uma
espécie de desnivelamento entre os discursos: os discursos que “se dizem” no
correr dos dias e das trocas, e que passam com o ato mesmo que os
pronunciou; e os discursos que, indefinidamente, para além de sua
formulação, são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer. Nós os
conhecemos em nosso sistema de cultura: são os textos religiosos ou
jurídicos (...). (FOUCAULT, 1999, P. 22)
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suprimindo-os em uma condição instável profissional que, para além dos espaços que
envolvem a prática de seus trabalhos, também interfere na trajetória de vida destes
sujeitos, influenciando em suas condições de saúde.
Silva et. al (2018) afirmam que professores da rede pública de ensino no Brasil
configuram-se enquanto um público vulnerável a desenvolver transtornos
psicopatológicos, tais como burnout e depressão. Para tanto, utilizaram enquanto
recorte 25 escolas públicas municipais no interior do Estado de São Paulo, onde 100
professoras foram acessadas e questionadas a partir de um questionário geral.
Nisto, identificaram que o ambiente de trabalho, as condições de exposição
destas profissionais à condições precárias, a responsabilidades para além do suportável,
das relações desenvolvidas dentro do espaço escolar, são fatores que colaboram para o
desenvolvimento de quadros de insalubridade. No entanto, também identificaram que
alterando estes quadros de maneira positiva, imediatamente a propensão a essas
psicopatologias diminui.
Essas afirmações podem ser relacionadas à realidade de Minas Gerais, quando
do quadro apresentado por Amorim et. al (2018) acima destacado e com o que vem
sendo exposto neste artigo. A realidade de precarização de trabalho, tanto relacionada
aos outros sujeitos (como os professores efetivos e efetivados), como perpassada pela
estrutura do Estado e a ausência de estabilidade profissional, é um problema relacionado
à ausência de políticas públicas que levem em consideração a valorização da categoria,
de modo a marginalizar estes professores ainda além dos já marginalizados outros
professores em relação a outras categorias profissionais.
Ainda é válido destacar que, como já argumentado anteriormente, a estrutura
material do espaço escolar, intrinsecamente ligado às práticas laborais cotidianas, como
o preenchimento de diários de classe, também é perpassado pela precarização. Se as
relações de poder e a legitimação do Estado que justificam a marginalização destes
professores e fortalecem a condição precária de trabalho dos mesmos se fazem
presentes e já foram relatadas, mesmo que pontualmente, nesta reflexão, um ponto
fundamental de necessária abordagem se apoia neste trecho, também relatado por
Professor Xavier:
(...) Falta treinamento no sistema de gestão escolar (DED), pois não tem
condições de existir a quantidade de relatos referentes a preenchimento do
sistema, todos os treinamentos são via whatsapp; o meio de comunicação
escolar oficial são as mídias sociais. Além do mais, o sistema possui vários
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
erros e nota-se que este foi implementado sem o devido treinamento pela
PRODENGE, ficando a cargo das secretarias fazê-lo.
Como se não bastasse, o sistema, este com certeza não deve ter sido
homologado, pela sequência e relato de erros de vários professores. Caso os
erros aconteçam, o sistema perde sua validade, pois os professores, para se
livrar e resolver o problema, dão a senha e login para que as secretarias
resolvam, ou seja, não há critério algum. Simplesmente, a única vontade de
se livrar e resolver o problema, afinal, estão de férias, ou no fim de semana.
(Professor Xavier, relato pessoal fornecido pelo sujeito em julho de 2019)
Embora o trecho destacado trate de uma questão pontual, é um fato que o relato
se refere a uma questão estrutural, relacionada ao modo como o Estado se relaciona com
estes profissionais e, por sua vez, tal relação se materializa na ausência de boas
condições de trabalho para esses sujeitos.
Há, ainda, importantes problemas a serem considerados na esfera da sociedade e,
por suposto, no Estado de Minas Gerais, tais como a soma de fatores, apoiados nas
relações de poder apontadas ao longo do texto e na legislação que, de certo modo, é
intrínseca a tais relações enquanto um instrumento de legitimação de discurso e de
posicionalidade dos diferentes componentes destas relações.
Além disso, a materialidade presente na realidade escolar também que corrobora
para a marginalização destes sujeitos e a precarização intensa de sua categoria
profissional, a desvalorização e a invisibilidade da importância de seus papéis junto da
sociedade são outros problemas a serem considerados.
Ainda no início deste trabalho, foi destacada a Lei 13.005/2014, Plano Nacional
de Educação, com suas diretrizes e metas. O modo como o Estado interfere de modo
negativo na realidade das Escolas Públicas de Minas Gerais caminha, justamente, na
contramão do PNE. A valorização dos (as) profissionais da educação, destacado no
escopo desta lei, fica claramente colocada enquanto uma ‘não prioridade’ dentro das
políticas públicas do Estado em questão. A relação direta destes profissionais com a
escola e, por suposto, a vulnerabilidade constante na vida dos professores designados
em termos de estabilidade profissional, é fruto do sucateamento do Ensino Público
Básico nesta escala.
Pode ser considerada, para o momento, a noção de que, no Sistema Capitalista
de Produção, segundo Harvey (2011), a precarização de trabalho consta enquanto uma
estratégia da pequena porcentagem de ‘capitalistas’ que ocupam o centro das relações
de poder, para o controle populacional e a geração de mais-valia.
O Estado, correspondendo à lógica capitalista, constitui-se, então, de um
instrumento de validação desta lógica e de sua manutenção, tal como ocorre na ausência
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VII Seminário Vozes da Educação
Considerações finais
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Referências
AMORIM, Marina Alves; SALEJ, Ana Paula; BARREIROS, Brenda Borges Cambraia.
“Superdesignação” de professores na rede estadual de ensino de Minas Gerais. Revista
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GOMES, Paulo Cesar da Costa. Um lugar para a geografia: Contra o simples, o banal e
o doutrinário. In: MENDONÇA, Francisco et. al. (ORG.) Espaço e Tempo:
Complexidade e desafios do pensar e do fazer geográfico. Curitiba: Ademadan
Antonina, 2009, 13 – 30p.
Minas Gerais. Lei nº 18.185, de 04 de junho de 2009. Dispõe sobre a contratação por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição da República. Minas Gerais
Diário Executivo, MG, 2009.
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representações culturais. Logo, é válido destacar que, para realização de seus estudos, é
preciso considerar as características do espaço-tempo onde essas manifestações
psicossociais de desenvolvem, pois, segundo Moscovici (2003, p. 63), “representando-
se uma coisa ou uma noção, não produzimos unicamente nossas próprias idéias e
imagens: criamos e transmitimos um produto progressivamente elaborado em inúmeros
lugares e segundo regras variadas”.
Nessa circunstância, nas ações práticas das relações sociais, busca-se, por parte
dos indivíduos e do coletivo em geral, tornar familiar os fenômenos sociais, as ideias e
os conceitos que se apresentem como estranhos ou incomuns a eles, em virtude da
familiaridade garantir a segurança do funcionamento e da explicação da realidade
social, tal qual a conversação dos valores e sentimento de pertença grupal. Para que isso
ocorra, há dois processos ou mecanismos basilares que constituem as representações
sociais: a ancoragem e a objetivação.
A ancoragem é a nomeação e categorização dos objetos, das ações humanas e
dos fenômenos que se apresentam na sociedade. Ela desenrola-se em prol da
familiarização dos indivíduos com o mundo externo, para que ele possa se apropriar das
coisas, explicar os acontecimentos e interagir em seu meio social.
Ancorar é, pois, classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que não são
classificadas e não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo
tempo ameaçadoras. Nós experimentamos uma resistência, um
distanciamento, quando não somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa
em uma determinada categoria, de rotulá-la com um nome conhecido. No
momento em que nós podemos falar sobre algo, avaliá-lo e comunicá-lo [...]
então nós podemos representar o não usual em nosso mundo familiar
(MOSCOVICI, 2003, p.62).
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Diante disso, essa pobreza pode ser social, econômica, afetiva, cultural, psíquica,
motora, cognitiva etc., a depender da particularidade de como se desenvolvem em seus
grupos sociais. Ou seja, de como, onde e quando ela se manifesta e do modo que é
sustentada pelos sujeitos em suas interações socioeducacionais cotidianas.
Ferreira (2006; 2012; 2016; 2017), em suas pesquisas relacionadas à
constituição da identidade profissional do educador social, ao propor o conceito de
“aluno-pobre”, evidencia alguns possíveis tipos de representações de pobrezas
atribuídas ou relacionadas aos grupos sociais formados pelos educandos empobrecidos,
dentro ou fora do ambiente de educação formal. Dentre as principais manifestações ou
conceitos estão: a “esteganalteridade”, a “cegueira institucional”, a “naturalização da
prática” com os pobres, a “iconidentidade profissional” e a “potencialidade
disciplinar”.
A “esteganalteridade” – conceito composto pelos termos “estegano”, que
significa "esconder" ou "mascarar"; e “alteridade”, definida como "o outro diferente" –
está relacionada às ações nas quais os educadores ocultam as necessidades reais
advindas dos educandos passando a ofertar um serviço pedagógico incompatível com
aquilo que irá atender efetivamente tal público.
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não se separam haja vista que a "identidade para si" está articulada ao reconhecimento
do "outro" (só posso me reconhecer e me definir a partir da existência dos demais). E
conflituosa uma vez que as formas de sentir e as experiências do "outro" não podem ser
percebidas pelo meu “eu” da mesma forma, pois no processo de comunicação
elaboramos um entendimento particular do que venha ser aquilo que o outro nos
atribuiu para, com isso, construirmos nossas identidades.
Eu nunca posso ter certeza de que minha identidade para mim mesmo
coincide com a minha identidade para o Outro. A identidade nunca é dada,
ela sempre é construída e deverá ser (re)construída em uma incerteza maior
ou menor e mais ou menos duradoura. (DUBAR, 2005, p. 135).
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Referências
DUBAR, Claude. A crise das identidades - A Interpretação de uma Mutação. Tradução
de Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: EdUSP, 2009. 292 pp.
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Lays Duarte37
FFP/UERJ
laysdsduarte@gmail.com
Adriana de Almeida38
FFP/UERJ
adryanaalmeida@gmail.com
Introdução
A denominação “Nova EJA” foi incorporada no cenário educacional do Estado
do Rio de Janeiro, para atender uma demanda de uma formação que considerasse a
realidade dos jovens e adultos do Estado e, também, a urgência em uma formação
continuada para os professores que atuam na modalidade. Inicialmente, o Estado propôs
uma sequência de formação online, uma parceria entre a SEEDUC e a Fundação
CECIERJ que visa oferecer a todos os professores de turmas de EJA nas unidades
escolares uma formação contínua e relacionada com o cotidiano da sala de aula,
percorrendo o conteúdo expresso no material didático do estudante, fomentando a
criação de novas práticas pedagógicas pelos professores, bem como sua experimentação
opcional das mesmas, definidas no material impresso e multimeios do professor e na
avaliação do aluno. O objetivo, portanto, era realizar um material didático-pedagógico
próprio que atendesse a demanda dos alunos e dos professores. No entanto, a pesquisa
demonstra que a mudança de nomenclatura não significou uma alteração real nas
condições de vida e de trabalho dos jovens e adultos e, tampouco, promoveu alterações
significativas na forma como os professores veem e percebem a sua atuação na EJA. A
entrevista realizada com a coordenação da EJA do município de São Gonçalo, esclarece
que não há efetivamente nenhum programa ou projeto de formação continuada para os
professores e para ela é urgente a necessidade de uma formação contínua que atenda as
carências formativas dos professores e, assim, auxilie na redução dos índices de evasão
que são altos no município.
37
Graduanda do Curso de História, bolsista IC- FFP/UERJ
38
Prof. Adjunta do Departamento de Educação FFP/UERJ
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No que se refere, ao público da Nova EJA, que é coordenada pela rede pública
de ensino estadual, os jovens e adultos encontram 15 colégios que ofertam essa
modalidade de educação. É comum nos discursos da oferta de vagas a palavra
“supletivo” para caracterizar a Nova EJA. Há também a oferta da modalidade em 13
escolas particulares.
Entende-se que o direito fundamental à educação e, em particular, da educação
de jovens e adultos ainda é um direito a ser efetivamente legitimado na sociedade
brasileira. Partimos do pressuposto de que a EJA insere-se na perspectiva de uma
educação de classe, subalterna em suas condições de vida sociais, culturais e
econômicas. Dentro da análise do desenvolvimento desigual e combinado, compreende-
se que a modalidade de educação da EJA vive em um cenário de correlação de forças e
de ações polarizadas e descontínuas, sendo facultado ao próprio sujeito construir
mecanismos de resistência social para continuar as suas trajetórias escolares, pois nem
sempre o espaço escolar consegue trabalhar com as desigualdades, diferenças culturais e
outras questões que constituem a vida dos jovens e adultos.
Serra, Ventura, Alvarenga e Reguera (2017) esclarece que em 2011 havia 31
escolas com turmas de EJA no Estado do Rio de Janeiro, já em 2015 apenas 18 escolas
ofertam a EJA, as quais permaneceram em 2018. Portanto, pode-se perceber o grande
déficit que se tem na Educação de Jovens e Adultos, pois de acordo com o último censo
(2010) existem 999.728 habitantes e destes, 3,56% são analfabetos. Considerando esse
censo já ultrapassado acredita-se que essa quantidade pode ser menor ou maior, mas
considerando a quantidade de habitantes, podemos perceber que essa quantidade de
escolas não atendem a todos os que precisam da EJA. Se consideramos o número de
sujeitos que não possuem os anos obrigatórios de escolaridade, essa estatística se eleva
e demonstra a desigualdade de acesso e de permanência na escola dos cidadãos
brasileiros.
Classicamente, a literatura tem entendido que os sujeitos que interromperam
seus estudos para trabalhar na adolescência e hoje desejam retomar as suas atividades,
porém muitas vezes não o fazem por conta de não haver uma escola perto de sua
residência ou por conta da violência instaurada em alguns bairros do município.
Nesse sentido, objetivo deste trabalho é investigar a relação estabelecida entre
trabalho e educação, bem como a trajetória formativa perquirida pelos estudantes da
Educação de Jovens e Adultos em uma instituição de ensino do município de São
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Mato, na região oceânica de Niterói. Ele está no Rio há 23 anos e veio para cá com o
intuito de conseguir um emprego melhor. Apesar de não ser alfabetizado, ele teve dois
filhos que conseguiram concluir o Ensino Médio. Seu Belarmino é pedreiro e ele
atualmente encontra-se aposentado, porém ainda trabalha quando tem oportunidade. Ele
parou de estudar porque precisou trabalhar, os pais dele até tinham recursos financeiros
para mantê-lo na escola, mas não queriam que ele estudasse.
Atualmente, ele voltou para a escola para realizar um sonho, o sonho de tirar a
habilitação. O segundo aluno no qual eu entrevistei, foi o Antônio, ele tem 36 anos,
nasceu em Pernambuco e veio para o Rio há 04 anos, ele é solteiro e veio para cá em
busca de uma oportunidade de emprego e por curiosidade, segundo ele seu sonho era
conhecer o Rio de Janeiro. Ele trabalha em um condomínio como jardineiro, mas na
verdade ele disse que faz tudo lá. O Antônio nunca havia estudado, seu pai dizia que
não era necessário estudar, apenas trabalhar.
O terceiro sujeito é a Lina, tem 77 anos e é moradora de Itaipú, há 03 anos ela
veio para Niterói, antes ela morava em Cabo Frio.Ela nasceu em Minas e veio para o
Rio com 10 anos. Seus pais vieram para cá em busca de uma condição melhor para criar
os filhos, pois no interior de Minas não havia muitos recursos. Lina tem 5 filhos e todos
são formados no ensino superior. Ela nunca trabalhou, mas sempre sentiu vontade de
estudar pois ela tinha muita vontade de aprender coisas novas. O sonho de Lina é
terminar a escola e cursar Direito.
Agora vou falar sobre a Alexandra, ela nasceu no Rio e tem 38 anos, ela tem 03
filhos, os dois mais novos ainda estudam, o mais velho tem 23 anos, mas não terminou
a escola. Ela voltou a estudar porque seu sonho é começar um livro e terminar, sem
pedir a ajuda de ninguém.
O Leandro, tem 34 anos e veio para Niterói a 20 anos, antes ele morava em
Campos/RJ. Ele tem 05 filhos, todos eles estudam. Ele percebeu a necessidade de
estudar, quando precisou ensinar aos filhos os exercícios da escola, ele relata que é
muito ruim ele não poder ajudar os filhos, mas que agora todos aprendem juntos. Ele
relata que antes não gostava de estudar e que por isso havia desistido da escola, mas
agora segundo ele os planos são outros, ele deseja terminar e fazer Gastronomia.
A Rosana nasceu em Sergipe e há 03 anos veio para o Rio, ela tem 02 filhos. Ao
conversar com ela, ela me relata que anteriormente parou de estudar porque era a mais
velha dos irmãos e precisou parar de estudar para cuidar deles. Ela trabalha como
doméstica e só quer estudar para terminar a escola.
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VII Seminário Vozes da Educação
A Nair tem 59 anos, ela veio do Recife para o Rio quando tinha apenas 13 anos,
atualmente mora em Piratininga. Ela saiu de sua cidade natal com o objetivo de vir
trabalhar no Rio e atualmente ela trabalha como babá. Antigamente ela já havia
estudado, mas seus pais a colocaram para trabalhar. O seu objetivo é apenas terminar a
escola e ela decidiu voltar à escola, pois segundo ela: “A leitura faz falta né”.
A última entrevistada dessa turma foi a Rita. Ela nasceu na Bahia e veio para cá
aos 14 anos, sua mãe veio para cá em busca de uma oportunidade melhor de vida. Mas a
Rita nunca estudou, ela ficava em casa para cuidar de seus irmãos. Atualmente Rita tem
39 e 03 filhos, um abandonou a escola, o outro estuda e o mais novo faleceu. Rita
trabalha como auxiliar de limpeza em um mercado, ela decidiu voltar à escola para
aprender a ler e escrever, porque para ela a escola a ajudará a melhorar de vida. Ela
pretende fazer uma faculdade ou um curso.
O primeiro ponto que se pode observar nesses alunos, é que a maioria deles vem
de outro estado para o Rio de Janeiro em busca de uma condição melhor de vida e
quando eles não pensavam isso, seus pais pensavam.
Bahia
Naturalidade Ceará
Maranhão
Minas
Pernambuco
Recife
Rio de Janeiro
Sergipe
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
A Yasmin, tem 16 anos e nasceu no Rio. Ela nunca trabalhou, mas decidiu parar
de estudar e ficou 04 anos fora da escola, ao voltar foi matriculada na EJA. Ela nos
relata que pretende concluir a escola e fazer faculdade de psicologia.
O último entrevistado é o Alexandre, ele tem 15 anos e também nasceu no Rio
de Janeiro. Atualmente Alexandre não está trabalhando, mas já trabalhou na praia
entregando guarda sol e cadeiras. Ele nunca parou de estudar, mas já repetiu de ano, por
isso ele foi para a turma da EJA.
O perfil dessa turma é bem diferente da outra, a primeira turma era mais aberta a
conversas e a exposição de seus pensamentos, já os alunos da última turma entrevistada
são mais introvertidos e não gostam muito de falar sobre as suas vidas. Porém, é
perceptível que ambos os grupos reconhecem a necessidade da escola e do aprendizado
em suas vida. Nenhum dos entrevistados ouviu falar que da Nova EJA, para eles nunca
houve nenhuma diferença desde que entraram na escola, a forma de trabalho e
metodologia dos professores sempre foi igual. O material que utilizam, normalmente, é
trazido pela professora, as escolas até contam com material didático de apoio, porém,
ele não utilizado pelas professoras, porque, segundo elas, não atende as características e
tampouco as necessidades de cada turma.
As duas professoras não participaram de nenhuma formação continuada
oferecida pelo Cederj, alegaram que nem tinham conhecimento dessa formação.
Apontaram que a escola faz o possível para que haja um apoio pedagógico, todavia,
ainda é escasso o tempo para que essa formação se realize.
Considerações
A partir dos estudos feitos e das colaborações da pesquisa, pode-se analisar que
a relação entre o trabalho e a escola, se tornou uma relação de condição, pois através da
fala dos sujeitos percebe-se que eles estudam em busca de uma melhor condição de
vida, porém esse objetivo nem sempre está coadunado com o currículo e com as
políticas educacionais.
Em relação aos que não tiveram oportunidade de estudar anteriormente ou os
que precisaram parar, vê-se que muitos deles foram privados de seus direitos por seus
pais pela necessidade do trabalho e por outras situações geradas por suas condições
sociais e culturais. Estar e permanecer na escola é um esforço cotidiano para a
maioria desses trabalhadores, porém, é um desafio e responsabilidade ética-profissional
sumário 215
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
para todos os envolvidos com a educação a luta diária para que o direito pleno e total à
educação se realize de maneira que fortaleça não só a continuidade dos estudos para
esses sujeitos, mas, também, a inserção profissional e social de que tanto necessitam e
são privados cotidianamente em muitos espaços sociais.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 12a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Eu sempre gostei do magistério, até porque naquela época não era tão difícil
igual hoje. Mais eu sempre desde criança fui apaixonada por dar aula, por
ensinar. Eu sempre gostei do magistério, sempre gostei de criança, isso ai já é
um dom meu mesmo. (Sônia Maria, 59 anos).
Olha é uma coisa de crianças, olha que coisa de maluco. Minha professora do
pré (sic) contava várias histórias, a aula dela era um enfeite então eu queria
ser igual a ela. Ai eu coloquei isso na cabeça quando criança e fui levando
isso. Acabou que eu segui a carreira. (Adriana Silva, 52 anos).
Algumas entrevistadas contaram que a carreira docente não foi sua primeira
escolha, mas foi a única possível devido a distância da escola e até mesmo a condição
financeira da sua família para dar continuidade aos estudos:
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VII Seminário Vozes da Educação
O início da atividade docente das entrevistadas foi marcado por uma formação
escolar voltada para a formação de professores na escola normal, e só com o tempo as
docentes buscaram a graduação e outras especializações.
Durante o percurso de formação todas relataram grandes dificuldades para
concluir o estudo ou trabalhar, como por exemplo, a gravidez:
Até hoje é muito difícil, eu fiz o magistério e era solteira, mas quando estava
me formando eu fiquei grávida e meu pai me expulsou de casa. (Adriana
Silva, 52 anos).
Eu tive dificuldade para estudar, a gente não podia. Morava na roça eu fazia
transporte a cavalo para estudar, ficava numa casa de uma tia. Não tínhamos
condição de morar na cidade e nem dava para ir e voltar. Foi muito difícil.
(Nerci Quintal, 73 anos).
Eu tentei, só que eu trabalhava o dia inteiro e ia para o fundão porque era
presencial. Parei de estudar porque eu chegava atrasada, tinha muita
dificuldade e comecei a ficar reprovada. (Adriana Silva, 52 anos).
Além desses fatores, também apareceu menção ao machismo que fez com que
uma delas abandonasse a carreira em um dado momento, problemas em conciliar o
estudo e o trabalho, entre outras adversidades relatadas pelas entrevistadas que ainda
hoje podemos relacionar como principais desafios para dar continuidade a uma
formação.
A profissão docente requer, geralmente, dedicação, gosto pelo que se faz,
conhecer a si mesmo e o local em que atua, cada docente possui uma trajetória de vida
que compõe sua história.
Ao tratar de professores que atuam em escolas rurais, observa-se a atuação
profissional que nasce de uma educação vagarosa, que surge e continua até hoje
baseado no modelo de educação do meio urbano. Por isso, o docente formado no meio
urbano, que vai atuar no meio rural, necessita de uma formação adequada e continuada
para trabalhar com os sujeitos da área rural.
De acordo com as entrevistadas, no espaço rural há ausência de uma formação
específica para a prática docente nesse meio, tendo a formação inicial das docentes
tradicionais, puramente moral e intelectual, onde não havia espaços para os debates
sobre a temática de escola do campo ou do meio rural, assim não auxiliando o professor
sumário 221
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
a ensinar cada vez melhor, refletindo sua prática e adaptando a realidade inserida, e o
aluno aprender cada vez mais de acordo com a sua realidade.
Não, a minha formação foi tradicional, numa escola católica. Ela tinha todo o
jeito de uma escola tradicional e nunca foi abordado o tema de escola rural
dentro da minha escola, da minha formação. (Adriana Silva, 52 anos).
A inicial não, nadinha. Tradicional, fechada, roxa. Nem pensar, escola de
campo, zona rural, essas coisas. (Suzana Ferreira, 63 anos).
A eu que eu estudei era bastante tradicional, a que eu trabalhei era mais nem
tanto como a que eu estudei. (Nerci Quintal, 73 anos).
Não, nem fazem essas diferenças e está muito difícil, cada dia parece estar
mais complicado, mais difícil. Porque na formação, até teve alguma
formação em parceria da Secretária de Educação com a Rural, mas a Rural
sempre teve muita dificuldade em relação a própria Secretária de Educação.
[...] Então, a gente teve formações voltadas para a área rural, mas que não
dependesse da Secretária ou do Governo vem pela parceria e alguns
professores. (Suzana Ferreira, 63 anos)
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
É possível ver nas narrativas uma dificuldade, que ainda hoje acaba atrapalhando
muitos docentes que vão ensinar nas escolas rurais, que é a não existência de um projeto
político-pedagógico adaptado à vivência dos sujeitos rurais o que faz com que haja uma
omissão de temas e metodologias adaptadas especificamente à vivência cotidiana dos
alunos.
Ainda com relação à atuação docente, as professoras relacionaram como
principal motivo da escolha que as levaram ao magistério no meio rural uma
identificação com este mesmo meio e seu contexto, afirmando que lá resgataram suas
raízes e sentiram-se acolhidas.
E além dessa identificação com o espaço, algumas mostraram a vantagem de
trabalhar nesse meio: poucos alunos e maior tempo para planejar suas aulas. Como se
pode ver nas falas abaixo:
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VII Seminário Vozes da Educação
Conclusão
A narrativa constrói para quem a realiza uma compreensão sobre o seu fazer –
mesmo que parcial, na medida em que todo conhecimento sobre o mundo objetivo é
sempre parcial e passível de superação – que torna possível justamente uma tomada de
posição frente a este. Caráter político da narrativa, portanto. E maior será tal força
política da narrativa quanto maior for seu grau de entrelaçamento com as narrativas
produzidas pelos que vivenciam conosco um mesmo cotidiano profissional
compartilhado.
Quanto maior for seu poder de criar um reconhecimento de que as experiências
que vivencio na realização do meu trabalho diário se assemelham, mesmo que em graus
e formas diferentes, aquelas vivenciadas e narradas pelos que estão iguais a mim no
âmbito do processo formativo escolar.
Pode-se entender, portanto, que a forma da narrativa memorialística apresenta-se
fértil de possibilidades como recurso de preservação das formas assumidas pela
experiência de produção de uma identidade individual e coletiva, incluindo as
manifestações de ordem cultural, política e material através das quais aquela identidade
adquiriu formas permanentes no espaço físico do território da Baixada Fluminense, do
qual o município de Nova Iguaçu é tomado como modelo típico.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. Tradução Beatriz
Sidou.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Iniciando o percurso
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
possível falar sobre a escola, dentro da escola. Não de uma forma reflexiva, construtiva.
Aquele espaço era para alguns o lugar das obrigações e dos deveres, de reprodução,
lugar do conhecimento que vem pronto para ser transmitido, seja na relação do
coordenador com os professores, ou dos professores com os alunos.
Para Nóvoa (1954, p. 26) a organização das escolas parece desencorajar um
conhecimento profissional partilhado dos professores, dificultando o investimento das
experiências significativas nos percursos de formação e a sua formulação teórica. Esse
desencorajamento reverbera nos profissionais que atuam na escola, impactando nas
ações dos professores.
Damasceno e Prado (2007), consideram que é fundamental conhecer a escola
como espaço/mundo do questionamento, da mediação/confronto entre teorias e práticas,
da recriação de teorias e práticas, da necessidade de saber sempre mais e melhor, da
construção de novas formas de olhar a realidade e do encontro de senhas que darão
pistas de como enfrentar os dilemas/desafios postos pelo trabalho docente no contexto
real pedagógico.
Afinal, se a escola pode ser o lugar da mediação, da recriação, por que não é
entendida também como o lugar de formação do professor? Por que os saberes
produzidos ali são desencorajados, desacreditados e tão desvalorizados? Porque os
discursos encontrados na escola buscam responsabilizar o outro pelo fracasso ali
presente, sem propor um movimento de olhar para as próprias ações e falar sobre elas?
Entendendo a escola como um lugar potente para a produção dos saberes dos
sujeitos que ali estão, passei a enxergar a formação continuada centrada na escola uma
opção a ser considerada, pois fazendo uma retrospectiva da minha atuação profissional
percebi que não foi apenas na graduação que eu aprendi a ser coordenadora, e sim, no
chão da escola, sendo. Segundo Barroso apud. Canário (1999, p.79) essa modalidade
“deve permitir que os próprios professores disponham de um conhecimento
aprofundado e concreto sobre a sua organização, elaborem um diagnóstico sobre seus
problemas e mobilizem as suas experiências, saberes e ideias para encontrar e aplicar as
soluções possíveis” (p. 75).
Procurando leituras acerca das atribuições do coordenador, compartilhando
experiências em reuniões, preparando pautas de htpc, acompanhando o trabalho dos
professores, atendendo pais e alunos, escrevendo sobre o que fazia e refletindo sobre
meu próprio fazer foi que eu me tornei coordenadora pedagógica. Então por que não
considerar que os professores se formam também, na escola? Por que não enxergar as
sumário 230
VII Seminário Vozes da Educação
Nesse mesmo período fui remanejada para outra escola e passei a atuar também
como formadora de professores pela secretaria de educação. A falta de vínculo com a
escola e a incompatibilidade de concepções com a proposta de formação que a
secretaria trazia foram gerando um sentimento de não pertencimento e eu já não
conseguia mais calar todas essas questões. Acreditando que a formação não se constrói
por acumulação (de cursos, se conhecimentos ou de técnicas), mas sim por meio de um
trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de
uma identidade pessoal (Nóvoa, 1995, p.25), não poderia permanecer como formadora
de professores e coordenadores na contra mão daquilo que eu acreditava. O trabalho de
formadora de professores acontecendo ao mesmo tempo em que desenvolvia ações
enquanto coordenadora dentro da escola, era bastante conflitante, uma vez que na escola
“a coordenadora pedagógica é convocada a assumir sua tarefa de formadora de
professores e a escola passa a constituir-se como cenário para as mudanças necessárias
para a educação” CUNHA (2006, P.35).
A solução começou a ser desenhada em um encontro com outros dois colegas
que assim como eu, queriam um espaço para pensar a escola, mas não o encontravam
dentro dela. Um encontro entre duas coordenadoras pedagógicas e um professor na
busca pelo diálogo, pois, acreditávamos que o diálogo entre os professores é
fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional (Nóvoa, 1995.
P. 26). Comentei com eles sobre o Grupo de Terça, do GEPEC, e nos propusemos a
fazer encontros para partilhar tantas questões vividas na escola. O Grupo de Terça é um
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 232
VII Seminário Vozes da Educação
em Educação Continuada) e que nos contam sobre o cotidiano escolar. Para CAMPOS
(2016,p.28), as “Pipocas Pedagógicas são um olhar de boa vontade do professor para o
invisível que acontece na sala de aula. Boa vontade porque muitas vezes o professor,
para enxergar o invisível, terá que sair da zona de conforto que está acostumado. Sejam
os diálogos entre os alunos, entre professor e aluno, ou de acontecimentos que parecem
banais, mas que dão o tom e a importância da aula, que transformam essa aula em
acontecimento”.
Nesses encontros percebemos muitas angústias em comum e uma grande
identificação com a necessidade de compartilhar as experiências no cotidiano e também
de deixar emergir aqueles saberes que vínhamos construindo dia após dia, individual e
coletivamente, mas que estava calado.
Decidimos que os encontros do grupo se dariam para que compartilhássemos
nossas narrativas sobre o cotidiano escolar, entendendo-as como uma “estratégia/opção
docente para socializar e divulgar as experiências acontecidas no âmbito docente,
preservando a identidade do professor e da professora enquanto autores sociais de suas
práticas” (Damasceno e Prado, 2007).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
acríticos. O autor explica que, “diferença entre teoria e prática é, antes de mais nada, um
desencontro entre a teoria do observador e a do professor, e não um fosso entre a teoria
e a prática” (p.93).
Nóvoa (2017) em um estudo recente nos convoca construir outro lugar para a
formação de professores, numa dimensão que consolide a posição de cada pessoa como
profissional e a própria posição da profissão. Essa convocação parte de seu
reconhecimento do atual momento marcado pelo sentimento de insatisfação e por
políticas de desprofissionalização a partir das lógicas de burocratização, privatização e
controle. Em face desta situação, o autor saliente que precisamos recuperar a ligação
com as escolas e os professores no sentido de superar a distância entre as ambições
teóricas e a realidade concreta das escolas e dos professores.
O lugar a que Nóvoa (2017a) se refere deve ser um espaço de encontro e de
junção das várias realidades que configuram o campo docente, “não só no plano da
formação, mas também no plano de sua afirmação e reconhecimento” (p. 1115).
Partindo dessa explicitação, entendemos que a evidenciação das teses docentes pode
constituir-se numa ambiência promotora da construção de conhecimentos no contexto
escolar assim como da legitimação do professor enquanto autor e sujeito de sua ação.
Em busca desse lugar, que coloque os professores e a escola da educação básica
numa posição legítima de potência formativa e de produção de conhecimentos,
elaboramos o presente texto como forma de compartilhar o pensar a prática pedagógica
com o outro a partir das teses docentes de nove professores. Para isso, nos inscrevemos
na abordagem qualitativa tendo o processo de tematização (FONTOURA, 2011) como
perspectiva de análise dos dados.
Nosso caminho metodológico pautou-se na realização de entrevista
semiestruturada composta por quatro questões versando sobre a área de formação, o
tempo de experiência na docência, o modo de enfrentamento com o cotidiano escolar e
as dinâmicas das aulas dos professores. As respostas foram encaminhadas por e-mail
devido à dificuldade de convergência de horários entre os professores da investigação.
As entrevistas foram enviadas no mês de julho de 2018 aos professores
participantes e ex-participantes do grupo de pesquisa “Inserção Profissional Docente”
que se situa na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (FFP/UERJ). Para a identificação dos sujeitos participantes, utilizamos a
letra P (professor) seguida do número em ordem crescente de retorno das entrevistas.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
P6 – Desafiar o aluno a
desenvolver sua
Desafiar o aluno Objetivos solidarizados
criatividade, a
observação e leitura.
P9 – Então, trabalhar
com respeito, trabalhar
Trabalhar com respeito
com essas dimensões
às dimensões culturais
culturais, a escola tem
como fazer, é papel da
escola trabalhar isso.
Elaboração do autor (2018)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
P8 – Abertura do processo,
Abertura às variadas formas
permitindo que o aluno se
de expressão
expresse através da música, do
teatro, da leitura, da escrita, da
dança, entre outros.
Elaboração do autor (2018)
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
P5 – A experiência conta
A experiência inspira
muito, pois é através dela que
estratégias
você obtém estratégias a serem
utilizadas.
P6 – Com certeza a
experiência de sala de aula
A experiência dilui tensões e
conta muito para diluir as
leva a superação de desafios
tensões e a criatividade para
superar os desafios.
P9 – Minha experiência ao
Experiência provocadora de
longo desses anos vem se
indagações reflexivas
dando nessa perspectiva, como
construir a relação com meus
alunos.
sumário 244
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A ampliação consciencial pelos professores dos estados das coisas, dentre elas, a
padronização das práticas docentes promovidas pela noção de competências e
habilidades, pode ser potencializada pela oportunidade de pensar com o outro nos
espaços de diálogos horizontais no interior das escolas. Essa percepção foi destacada
pelos sujeitos do presente estudo, a qual apresentamos no quadro 4.
sumário 246
VII Seminário Vozes da Educação
partilhar o pensar e o dizer, pois conforme destaca o professor P9 quando isso acontece,
isso flui.
Esse outro que provoca a fluidez dos processos de ensinar e aprender, seja
indagando nossos conhecimentos como destaca a professora P4, mas o que posso fazer
diante dos problemas e dificuldades? Fazer o possível para mudar a realidade da
minha sala de aula; seja desconstruindo certezas em direção ao pensar junto que,
conforme sinaliza P8, envolva professores e gestão escolar, abordando o cotidiano do
aluno, dando voz aos mesmos; ou segundo P3, alimentando um estranhamento pessoal,
revelando minhas fraquezas para fortalecê-las.
Para Nóvoa e Vieira (2017a), educar é conduzir os estudantes à maior
comunidade possível, isto é, a humanidade, logo, precisamos passar das visões
fragmentárias à criação de uma realidade partilhada “de todas as coisas e de todos os
outros”. Dessa forma, “ser professor não é apenas trabalhar o conhecimento, é lidar com
o conhecimento em situações de relação de humana (p.36)”. Contudo indagamos: como
potencializar o entrelaçamento do conhecimento nas relações humanas interiorizadas
nas escolas? Podemos inspirar possíveis respostas a partir das unidades de significados
depreendidas do quadro 4, isto é, com partilha, diálogo e trabalho polifônico que una a
multiplicidade da comunidade escolar.
Apesar do reconhecimento pelos professores, sujeitos do estudo em tela,
da importância do outro para pensar sobre e com a prática, e do diálogo que envolva a
pluralidade do todo escolar, vemos estudos (GATTI, 2013; NÓVOA, VIEIRA, 2017a;
ZEICHNER, 1993) apontando para dificuldade do estabelecimento de espaços para
interlocução nas escolas, ocasionado principalmente pela mercantilização dessa
instituição, que repercute na pressão sobre os professores para o alcance de metas nas
avaliações externas de larga escala.
Diante disso, Gatti (2013) sinaliza para a construção de um núcleo conjugante o
qual articula professores, alunos e o instituído escolar com o intuito de prover e incluir
múltiplas respostas às questões socioculturais. Segundo a autora, a forma dessa inclusão
é relevante na medida em pode evidenciar posturas reflexivas, contextualizadoras e
críticas, no qual o próprio conhecimento e as posturas a ele associados levam à criação
de ambiências de aprendizagem.
Tomando emprestadas as palavras dos professores desse estudo, vemos que elas
nos provocam a reelaborar pensares, a movimentar-se e a olhá-los enquanto produtores
de um pensar-fazer fundamentado no espaço-tempo pedagógico e para além do
sumário 247
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
instituído. Mostram-nos que o cotidiano escolar é vivo e pulsa por meio das estratégias
que são construídas no enfrentamento das questões profissionais e pessoais, no
conhecimento e reconhecimento das teses enlaçadas cotidianamente. Contudo,
pontuamos que precisamos legitimar as vozes que ecoam na/com a docência, pois como
assevera Nóvoa (2017b) o lugar que se produz a profissão professor não é somente no
plano da formação, mas também no plano da sua afirmação e reconhecimento.
sumário 248
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ALVARENGA, M. S.; TAVARES, M. T, G. Cotidiano escolar e as redes de
conhecimento na escola: notas sobre o processo de escolarização de crianças de
periferias urbanas. In: FERRAÇO, C. E.; PEREZ, C. L. V.; OLIVEIRA, I. B.
Aprendizagens cotidianas com a pesquisa: novas reflexões em pesquisa nos/dos/com
os cotidianos das escolas. Petrópolis: DP et Alii, 2008.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Tenho o costume de finalizar cada um dos três períodos, nos quais se dividem o
ano letivo na rede municipal de Niterói, solicitando aos estudantes uma avaliação
anônima do que foi bom e o que foi ruim durante aquele intervalo de tempo no qual
desenvolvemos vários temas relativos à disciplina de história. Também faz parte desse
momento, a formulação por parte dos estudantes de sugestões de como melhorar a nossa
relação, seja no aspecto pessoal, seja no âmbito do trabalho com os conteúdos. Essa
escrita por várias vezes me surpreendeu e me fez repensar as minhas práticas e a minha
forma de lidar com as turmas.
Alguns estudantes, talvez pela falta de costume em expressar opiniões sobre o
trabalho do professor e a escola, respondem de forma apressada qualquer coisa, com o
intuito de dar conta da tarefa solicitada, mas outros levam essa empreitada muito a
sério. Esses alunos reduzem a escrito os seus desejos, as suas críticas que estavam
ocultas, ou faziam parte apenas de conversas entre eles mesmos quando não estão sendo
ouvidos e observados pelos professores. Através dessa prática busco estabelecer com as
turmas com as quais trabalho, um canal de comunicação direto e mais próximo.
A montagem da sala ambiente teve inspiração na crítica afiada de um(a)
estudante:
A escola é legal, mas as aulas são sempre meio iguais, até a sua, prof ª. É
sempre a mesma coisa com um assunto diferente. A escola tinha que ter
coisas diferentes. Sai um professor e entra outro e a gente aqui, no mesmo
lugar. Um saco. E´um monte de blá, blá, blá. Queria que algo diferente
acontecesse (8º Ano/2016).
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VII Seminário Vozes da Educação
comprometimento da direção com a proposta, entendido por mim como sinal verde para
por em prática o projeto.
Na última semana de janeiro de 2017, com toda a rede municipal ainda em
férias, fui para a escola para montar a sala. Separei, com ajuda de alguns funcionários, o
mobiliário necessário (mesas, cadeiras, armário e estante) e o material didático (livros,
revistas, mapas, globos, material de papelaria). Também levei muitos materiais que
possuía para incrementar o ambiente, além de contar com variadas e significativas
doações.
Tentei desconstruir a ideia de sala de aula comum. Arrumei as mesas da sala de
forma a acomodar as turmas em grupos de trabalho de quatro. Não selecionei um espaço
específico para mim, por considerar importante estar com os estudantes na mesma
condição, em todos os momentos. Todas as mesas contavam com revistas e gibis, além
de material básico de papelaria.
No início do ano letivo de 2017, a sala estava pronta!
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Descobrir, dentro.
Encontrar com outros, fora.
Ressignificar;
Relatar;
Elaborar;
Partilhar;
Encontrar.
Cantos;
Caminhos;
Trilhas;
Rotas.
Cada um em seu ritmo.
Enredados.
Propósitos comuns.
Soma e forma.
(Trans)formação.
Caminho que segue: para si, para outros.
Sem fim!
(Dayse Fontenelle)
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VII Seminário Vozes da Educação
Vale ainda destacar, que Nóvoa (1992) sustenta como identidade profissional.
um espaço de luta e conflito, realçando o caráter dual de como nos sentimos e como nos
entendemos professor. A construção da identidade profissional leva tempo e se
caracteriza pela complexidade. O processo identitário do professor como profissional se
constrói, dessa maneira por meio de três A: A de Adesão, que implica em aderir a
princípios, valores, projetos e potencialidades; A de Ação, escolhendo a melhor maneira
de agir, misturando o pessoal e o profissional; A de Autoconsciência, quando o
professor reflete sobre a sua ação.
A identidade é assim, portanto, um processo inacabado e que se projeta para
trás no passado, no presente cotidiano e nos projetos que fazemos de futuro, que
ganham contornos subjetivos, pessoais e complexos (VIEIRA, 2000). O ser humano,
esse todo identitário, constrói-se a si mesmo quando interage com outros
(heteroformação), com o meio ambiente (ecoformação) e consigo (autoformação)
(PINEAU, 2010), sendo, portanto, essas interações referências para sua construção e
transformação.
Assim, percebo a minha incompletude e as mais variadas influências,
interferências e transferências produzidas em mim e por mim, fundamentais para a
compreensão do que sou como profissional. Sou hoje resultado de incontáveis encontros
e desencontros que reunidos, vão compondo a pessoa que estou sendo. É importante
ressaltar que, que não considero a hipótese de estar completamente formada, preparada,
concluída. A busca por conhecimento, por melhores caminhos, por aprimorar o meu
fazer fizeram com que planos e projetos fossem inúmeras vezes refeitos ou
recomeçados. Nem sempre o resultado final foi o idealizado inicialmente. É bem
verdade que algumas vezes superou expectativas e, em outras, trouxe muitas
frustrações. Com base nesse movimento de muitas idas e vindas, um vocabulário
composto por palavras como “construindo”, “reconstruindo”, “trocando”,
“aprendendo”, “persistindo” foi norteando minhas experiências e me trouxe até aqui.
Vale ainda lembrar que narrar as experiências vividas não é reconstituir o curso
factual e objetivo do que foi vivido e, sim, um ato de passagem, pelo qual aquele que
narra a sua história de vida retoma em acordo com as associações que faz com o espaço
e o tempo de sua existência. O sujeito que narra sua história de vida, buscando significar
e dar sentido à sua trajetória, seleciona partículas do que viveu e reconstrói a história de
si mesmo. É, portanto, uma enunciação instável e transitória, que se reconstrói e não
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
acaba em sim mesma. A sua importância está na noção de conveniência que a história
toma no momento da enunciação (DELORY-MOMBERGER, 2014).
Por acreditar que o saber da experiência ganha um sentido particular em cada
um de nós, seres dotados de personalidade, caráter e sensibilidade singulares
(LARROSA, 2016), falar a respeito de como nos formamos profissionalmente implica
uma reflexão sobre a maneira como nos constituímos seres humanos no seio de nossas
famílias. Somos profissionais, e assim sendo, não estamos apartados das nossas
experiências de e na vida fora de nosso ambiente de trabalho.
Entendo a escola como um lugar dinâmico e produtor de conhecimento e vista,
muitas vezes, como campo para a realização das estratégias que tornam possível
capitalizar vantagens, expandir e solidificar posições do grupo dominante. Identifico o
controle do espaço escolar como uma estratégia para controlar e assegurar a posição da
classe dominante e garantir que o entendimento dessa classe como tal se perpetue. Mas,
identifico, na mesma escola onde projetos de poder são colocados em prática, um local
onde emergem táticas autônomas, bem no campo de visão do “inimigo”, que opera no
contragolpe. Não há, nessa ação tática, a visão de permanência ou ganho. É apenas a
arte do fraco em sua ação possível.
Sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz como se fica no
corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo, a tática é
determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada
pelo postulado de um poder (CERTEAU, 2014).
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
CANDAU, V. Diferenças culturais, interculturalidade e educação em direitos humanos.
Educação e Sociedade. Campinas, v. 33, n. 118, p. 235-250, jan.-mar. 2012.
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LIMA, Maria Emília Caixeta de Castro; GERALDI, Corinta Maria Grisolia, GERALDI,
João Wanderley. O trabalho com narrativas na investigação em educação. Educação
em Revista, Belo Horizonte, v.31, n.01, p.17-44, Janeiro- Março 2015.
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39
Grupo de Pesquisa Formação de Professores, Processos e Práticas Pedagógicas
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/27564
40
Tornaram-se famosas as respostas do escritor Marcel Proust, ainda garoto, a um questionário que era
moda, na sociedade francesa de então, usado para as pessoas se conhecerem. Tão famosas que a
metonímia se fez, as respostas engoliram as perguntas, e o questionário passou a chamar-se Questionnaire
de Proust. http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/minha_entrevista_a_marcel_proust.
Acesso em 22 de maio de 2012.
41
“Onde habita minha alma – o caderno essencial”, produção independente de Tatiana Telink.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
‘alternativas’ para as escolhas que vem fazendo, assumindo e reconhecendo seu lugar.
As perguntas desencadeiam a busca de cada um em fazer movimentos na direção de
respostas, multiplicando-se e ecoando em aprendizagens.
As 23 perguntas foram: Qual é sua maior qualidade?E seu maior defeito?; A
coisa mais importante em um homem? E em uma mulher?; O que você mais aprecia nos
seus amigos? ; Sua atividade favorita é… ; Qual é sua ideia de felicidade?; O que seria a
maior das tragédias?; Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo?; Onde
gostaria de viver?; Qual sua cor favorita?Sua flor?Um pássaro?; Seus autores
preferidos?; E os poetas de que mais gosta?; Quem são seus heróis de ficção? E as
heroínas?; Seu compositor favorito é…; E os artistas que você mais curte?; Quem são
suas heroínas na vida real?E quem são seus heróis?; Qual é sua palavra favorita?; O que
você mais detesta?; Quais são os personagens históricos que você mais despreza?;
Quais os dons da Natureza que você gostaria de possuir?; Como você gostaria de
morrer?; Agora, já, como você está se sentindo?;Que defeito é mais fácil perdoar?; Qual
é o lema da sua vida?
Trabalhamos contando com as experiências trazidos pelos participantes da
oficina, com base na formulação de Larrosa (2002, p.21), para quem “a experiência é o
que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que
acontece, ou o que toca”, ou seja, os sentidos que damos aos acontecidos em nós. E
complementa o autor, “a experiência e o saber que dela deriva são o que nos permite
apropriar-nos de nossa própria vida”(p.27)
Os processos formativos, ao promoverem e acolherem as experiências,
desencadeiam a capacidade transformadora e impulsionam os professores a elaborarem
e reelaborarem os seus saberes e fazeres, possibilitando um momento para
experienciarem suas próprias vidas, um espaço de diálogo entre o pessoal e profissional,
permitindo reconhecer os fios que conduzem ao entrelaçamento das escolhas e decisões.
O diálogo de saberes da experiência, concebida como o vivenciar conjunto de
experiências, o reviver, subjaz a possibilidade do encontro, da interação e do deixar-se
permear pelo outro. Este encontro com o outro nos remete a nós mesmos, à construção
de nossa própria identidade.
Autores como Nóvoa (1995), Zeichner (1998, 1995) e Josso (2004, 2007, 2008)
apontam para a necessidade de promover a experiência reflexiva com professores, pela
análise das decisões pedagógicas ou pela narrativa das histórias de vida. A narrativa se
constitui numa possibilidade de contar o caminho e ao mesmo tempo um caminhar novo
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
por entre as experiências vividas. Contá-las, vivenciando este ato de narrar como uma
experiência – aquilo que nos acontece, que nos atravessa - caminhando, sempre
caminhando... escrevendo, abrindo cadernos, virando páginas.... Os professores, ao
relatarem suas histórias e refletirem sobre suas práticas, podem perceber a riqueza e a
singularidade desses processos.
Josso (2004) complementa a concepção de experiência e vivência de Larrosa
(2002), afirmando que a distinção entre estas permite ampliar as dimensões
inconscientes da experiência. Para ela, a vivência está relacionada aos acontecimentos
que tocam os sujeitos, mas que muitas vezes não são assimilados pela consciência. Para
que uma vivência possa atingir o nível de experiência, é necessário realizar um trabalho
reflexivo sobre o que aconteceu. Dessa forma, algumas experiências e vivências
cotidianas nas quais os professores são cativados, necessitam de uma ressignificação
através das narrativas das histórias vividas, promovendo uma abertura de espaço às
múltiplas possibilidades de ser, ou seja, constituir-se a partir de si mesmo.
Cabe ressaltar que consideramos esses momentos de seminários acadêmicos
como experiências formadoras, produtoras de relações reflexivas. Revogamos a
concepção dessa formação apenas como promoção de métodos, formas de conduta e
valores a serem seguidos. Direcionamos o foco para a provocação e mediação que o
sujeito faz consigo mesmo e com seus pares, ou seja, o pensar. Conforme Larrosa
(2002, p.21), “pensar não é somente ‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’, como
nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao
que nos acontece”.
Concebendo a experiência como a relação existente numa dada cultura entre os
diferentes campos do saber, de socializações e formas de subjetivação, torna-se possível
construir processos formativos enquanto experiência formadora. Para Josso (2004), esta
‘experiência formadora’ produz uma aprendizagem que pode articular e hierarquizar
tanto o saber-fazer como os conhecimentos, a funcionalidade e a significação, técnicas e
valores oferecendo a cada indivíduo a oportunidade de uma presença para si e para a
situação de tal forma que mobiliza uma ampla diversidade de registros.
Em Souza (2010), vemos que a formação se configura como uma questão
política, filosófica e histórica, envolvendo dimensões científicas e epistemológicas
sobre os saberes da profissão e sobre a profissão. O autor destaca que compreende a
formação “como um movimento constante e contínuo de construção e reconstrução da
aprendizagem pessoal e profissional, envolvendo saberes, experiências e práticas”
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neutro, o que talvez tenha possibilitado livre expressão de gostos por parte dos
participantes.
Perguntados sobre onde gostariam de viver, as opções foram muitas, tanto no
Brasil (Florianópolis, Natal, Bahia, Copacabana, São Paulo) quanto no exterior (Itália,
Berlin, Istambul), alguns elaborando suas escolhas, “na praia porque amo o mar”, “um
pouco em cada lugar com a possibilidade de sempre voltar”, e as sempre presentes letras
de músicas, “Além do arco íris deve ter um lugar bonito para viver em paz”, “Eu quero
uma casa no campo com um belíssimo jardim e muitas árvores, com meus livros
amores, amigos e nada mais”, entrando no espírito da arte como caminho para nossos
dizeres e fazeres. Relativo à escolha pela forma de morrer, nos cinco grupos que
responderam, muitos participantes optaram por “dormindo”, enquanto as outras opções
variaram entre “ao lado da família; cercado por quem me ama”, “em paz”, “sem sofrer e
sem dor” e “morrer de rir” ou ainda trecho de música “quando eu morrer não quero
choro nem vela quero uma fita amarela”, as duas últimas tentativas de fazer humor com
uma situação em princípio pouco confortável de ser falada.
Interessante ressaltar sobre a questão que pedia a palavra favorita, respondida
por quatro dos seis grupos, que em dois grupos surgiram palavras ligadas direta ou
indiretamente ao ofício docente, como “educação, ensinar, paciência, coragem,
responsabilidade”, e também sentimentos considerados positivos como “felicidade,
amor, amizade, justiça”. Já no que mais você detesta, “injustiça” revelou-se campeã,
com alguns correlatos como “mentira, inveja, traição, falsidade, preconceito”. É de se
registrar uma alusão a um dos times de futebol local, reconhecidos por sua intensa
rivalidade, momento lúdico na tarefa. E sobre os dons da Natureza que gostariam de
possuir, dois grupos responderam que seriam “a força de se renovar” e “dom da vida,
dom do amor, dom da arte”.
Relacionado ao agrupado sentimentos e emoções, os participantes falaram do
que os faria felizes, respondida por cinco dos seis grupos, “É viver cada momento
intensamente”, “Estar com minha família; ter muitos amigos; vida; ser livre; estar em
paz consigo mesmo; poder conhecer a si mesmo e compreender a si cada vez mais;
simplicidade; encontros; sabores; viagens; viver com saúde; amor”, “Sol, mar rede,
família; minha família; ser eu como sou; não existe felicidade sim momentos felizes.
Viajar (2) conhecer o mundo; tranquilidade; paz mundial; se olhar no espelho e não ter
motivo para se envergonhar; minha filha com saúde; justiça social”, “Estar com pessoas
que amo e que me amam” e “nenhum repetente”.
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aprecia nos amigos, com respostas semelhantes à questão anterior: afeto, cumplicidade,
lealdade, sinceridade, atenção, amizade, honestidade, acolhida e escuta.
Sobre tragédias, temos variações nos cinco grupos que responderam, desde “Não
existir mais sol”, “Guerra; marginalização; o sol deixar de existir; morte de um filho;
deixar de sonhar; perder a memória; perda de um familiar”, “O fim do mundo; perder
minha família; doença sem cura para meus familiares; acabar águia potável; a volta da
ditadura; o fim da bondade e da dignidade humanas; morrer sem ir pra França e visitar o
museu Dali; morrer sem concluir pelo menos um dos meus projetos; morrer asfixiado;
temporais com desmoronamento; perder os sonhos e a esperança”, “Dissolver a minha
memória afetiva” e “Perder minha filha, não aprender com a vida”.
O lema da sua vida como atividade nessa proposta foi viabilizado pelas
narrativas coletivas nas quais as aprendizagens se deram; quatro dos seis grupos
desenvolveram o tema, trazendo “viver o hoje”, “aprender”, “sintonizar com o Divino e
avançar...” e “amor; vida; democracia e justiça social; família; mudanças; acreditar
sempre; a arte tem mais valor que a verdade; no círculo com todos de mãos dadas
seguimos”, ideias de positividade, crença, valores e trabalhos coletivos, perspectivas
presentes no imaginário docente. Enfatizamos a perspectiva da livre escolha como uma
visão ainda pouco comum na estrutura escolar, que se bem vivenciada pode ampliar em
muito o potencial de espaços formativos docentes.
Nossa leitura dessa proposta aponta para as contribuições da pesquisa
(auto)biográfica na formação docente como libertadora de alguns scripts que fazemos
para nós e que a sociedade faz para o espaço educativo, entre outros. A ideia
disparadora do questionário não trabalhava com conteúdos vistos como escolares, mas
sim com a bagagem de experiências e conhecimentos trazidos pelos participantes, o que
possibilitou construções próprias, já que a liberdade favorece às pessoas se colocarem,
se apresentarem. O autoconhecimento propiciado por uma atividade assim traz em seu
bojo o que Josso (2004) nos pontua como experiência formadora, oportunizando a
presença para si e para a situação, deixando vir à tona fatos, personagens, músicas,
filmes presentes nos cadernos, e um conhecimento de si presente no cotidiano do ser
professor/a.
Os elementos estéticos também não foram buscados como resultados plásticos,
mas sim como instrumentos para os grupos dinamizarem a proposta, na medida em que
planejaram entre eles como dispor dos recursos que tinham para visibilizar a produção.
Assim, as soluções estéticas foram diversas, combinadas entre os participantes, tanto o
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uso de cores, as opções pelos desenhos, colagens, escritos, páginas coloridas, disposição
das perguntas recebidas e as respostas dadas, mostrando autonomia de trabalho e
possibilidades de combinações sem nenhuma determinação prévia.
Esta atividade não foi apresentada como ‘uma avaliação ao final da palestra’,
muito pelo contrário. A apresentação foi concebida, na perspectiva (auto)biográfica,
como um encontro entre narradores, contadores de suas histórias, trajetórias e visões de
mundo onde a docência foi o ponto balizador, mas não unificador. As diversas formas
de organização dos grupos ao responderem as perguntas, os caminhos escolhidos na
seleção e formato para a montagem dos cadernos expressaram as negociações de
processos e de escolhas individuais e coletivas que legitimaram a dimensão autoral,
produzindo aprendizagens.
Apostamos em processos formativos compartilhados, lúdicos e conversados, por
acreditarmos na potência de espaços narrativos de si, coletivos e criativos. Ao propor
uma atividade como a oficina relatada, espaços como a Universidade ou como eventos
científicos podem se tornar verdadeiros espaços educativos para professores
interessados em aprimorar suas práticas a partir de reflexões sobre seus fazeres, saberes
e trocas de experiências com pares igualmente preocupados com seus processos
formativos.
Referências
FONTOURA Helena Amaral. Tematização como proposta de análise de dados na
pesquisa qualitativa. In: FONTOURA Helena Amaral (Org.) Formação de professores
e diversidades culturais: múltiplos olhares em pesquisa. Niterói: Intertexto, 2011.
JOSSO, Marie Christine. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
______. Notas sobre a narrativa e a identidade. In: ABRAHÃO, Maria Helena Menna
Barreto. A aventura (auto)biográfica: teoria & empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, p.
11-22. 2004.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: pensar a reforma, reformar o pensamento. Trad.
Eloá Jacobina. Rio de Janeiro. Bertrand do Brasil. 9ª edição. 2004.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Para ler em silêncio. São Paulo. Ed Moderna. 2007.
RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. Trad. Lucy M. César. Campinas, SP:
Papirus, 1991.
______. Tempo e narrativa (vol.3). Trad. Roberto L. Ferreira. Campinas, SP: Papirus,
1997.
ZEICHNER, Kenneth. Novos caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos
90. In: NÓVOA, Antônio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote,
1995.
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42
Citaçao retirada de um texto acerca de outro texto disponibilizado no site:
https://walterbenjamincinema. wordpress.com/tag/jacqueline-de-fatima-dos-santos-morais. Acessado em
18/10/2019.
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menina”. Não raras vezes, dizia que gostaria de “ter nascido uma menina” para as/os
colegas. Em conversa posteriora criança confirmou o que a professora havia dito sobre
ela.
Dentro da lógica binária, ao demonstrar comportamentos e atitudes
identificados como sendo do comportamento feminino, o que nessa lógica contradizia
seu gênero, acabava sendo chamado pelas outras crianças de sua classe escolar de
“viadinho”, “bicha”, “bichinha”, “mulherzinha”.
As ocorrências de conflitos com ela na escola se tornavam cada vez mais
constantes.
Assim, meu percurso de vida foi atravessado pela diferença deum corpo de
criança, marcado por normas, gênero, vigilância e controle. Um corpo apontado em
muitas escolas como uma “monstruosidade” (FOUCAULT, 2001) mas que resistia e
insistia em existir. Um corpo que insistia em “dizer” para nós, na escola, que tudo
aquilo que se construiu acerca dos corpos, gênero, sexualidade, lógicas, padrões e
normas era muito frágil. E que para ser mantido no espaço escolar, necessitava ser
constantemente afirmado.
Desde o início, no qual se deu meu encontro com aquela criança, até o momento
da escrita da minha dissertação, foram vários outros encontros, várias conversas,
narrativas, cenas de conflitos e de alegrias que compartilhamos: eu e a criança. Nós. A
grandeza de nossas experiências repartidas trouxe constantes reflexões à minha
formação pessoal e profissional. Os diálogos que foram tecidos e enredados na trama e
no drama de nossas vidas foram suleando minha pesquisa, dando corpo a ela. Este
nosso encontro resultou na descoberta de como é necessário olhar para o cotidiano com
olhar de estranhamento, buscando, indagando. Como é importante assumir o que diz
Freire:
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VII Seminário Vozes da Educação
com a teoria, possibilitando também que se tome consciência de que como seres
inacabados e incompletos, estamos vivendo sempre provisoriamente no que diz respeito
a ele e sua transitoriedade.
Ao assumir uma postura de professora pesquisadora, parece vivermos com uma
constante insatisfação, que é permanentemente impulsionada, alimentada, pelo
movimento continuo e incessante da busca por respostas frente aos novos
questionamentos que surgem nas/das nossas práticas diárias, já que partindo do
cotidiano, o conhecimento é proativo, vivo e por conta disso, está frequentemente sendo
concebido (a partir dos novos conceitos) e desconstruído (enquanto velho e
ultrapassado) sem contudo desconsiderar, tudo que foi construído e apreendido
positivamente através de nossas práticas que experienciadas, devem ser sempre
refletidas, pensadas e compartilhadas.
A ideia de iniciar a dissertação com a escrita de um memorial de formação
partira da coorientadora, que chegava nos meados de 2018, quando a pesquisa já havia
andado um bocado sem que se pensasse nesta possibilidade.
Sua chegada se deu através do convite da orientadora, após a sinalização do meu
desejo em atravessar os caminhos das narrativas na minha pesquisa, logo depois de ter
voltado do VIII Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)biográfica, lugar onde
experimentei o meu encantamento pelas pesquisas com narrativas, histórias de vida,
entre outras. Naquela oportunidade apresentei parte do texto da minha pesquisa junto a
uma amiga de trabalho e de mestrado, a Profª. Naara, que há muito já caminhava por
esses caminhos.
A Jacqueline estivera presente nesse congresso, mas, nosso contato, não foi além
de conversas informais durante os momentos em que nos encontramos, ali naquele
espaço, ou mesmo fora dele.
Retornando ao Rio de Janeiro, em encontro com minha orientadora, manifestei o
desejo de trazer para a pesquisa as narrativas do meu “sujeito da/na pesquisa”. Talvez
por eu não saber por onde começar e por ser uma experiência na qual ela não estivesse
muito a vontade pelo fato de não ser algo que ela estivesse familiarizada, surgiu a
possibilidade do convite de uma coorientação.
O nome de Jacqueline surgiu como opção, porque ambas eram amigas de longa
data (orientadora e coorientadora são amigas há quase 30 anos) e porque ela é uma
referência muito forte no que diz respeito às pesquisas dessa natureza.
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VII Seminário Vozes da Educação
Escreverás meu nome com todas as letras, com todas as datas - e não serei eu.
Repetirás o que me ouviste, o que leste de mim, e mostrarás meu retrato - e
nada disso serei eu. Dirás coisas imaginárias, invenções sutis, engenhosas
teorias - E continuarei ausente. Somos uma difícil unidade, de muitos
instantes mínimos - E isso seria eu (MEIRELES, 2001).
Foi assumindo que sou uma “difícil unidade, de muitos instantes mínimos”,
composta de múltiplos e pequenos gestos, de narrativas de acontecimentos e de
diferenças e que, por muitas vezes, fizeram com que eu saísse em busca de outros
instantes, que encontrei um dizer que revelasse minha trajetória marcada por lutas e
glórias.
Não se tratou de tarefa fácil escrever sobre mim. Foi uma atividade complexa
por ser necessário sair de mim, estando ainda em mim. Necessitei analisar o que/quem
sou, rememorar percursos, revisitar caminhos de vida, buscar compreender os processos
de transformação que eu vivi e ainda vivo, ressignificar aprendizagens, narrando e
registrando para os olhares alheios:
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Entendo que Benjamin nos faz um convite ético com a história: aquilo que tenha
acontecido um dia necessita ser narrado, independentemente do valor que possa parecer
ter esse acontecimento. Se ele representa um marco muito grande para um determinado
contexto ou tempo, ou mesmo um pequeno detalhe, deve ser narrado para que não se
perca no esquecimento. Foi a partir desse compromisso que minha investigação foi
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VII Seminário Vozes da Educação
sendo traçada. Uma investigação que trouxe pequenos gestos e vozes de uma criança
“diferente” às voltas com suas “diferenças” na escola.
Ferreira (2011, p. 129) aponta que: “O trabalho do cronista da história não se
realiza sem uma discussão sobre a reminiscência, ou seja, sem uma dedicação ao
trabalho de compor um fio narrativo que reconheça a relação entre as temporalidades
históricas”, de forma que não só se escreva por escrever, mas que se pense sobre aquilo
que escreve de modo a compreender a experiência.
As narrativas muitas vezes se dão por caminhos construídos através das
memórias, das experiências vividas ou ouvidas, de nossas histórias de vida e
aprendizagens ao longo dela. Comigo não foi diferente, para narrar minhas experiências
precisei recorrer às minhas memórias, a fim de compartilhar minhas experiências sob
forma de texto escrito.
Sendo assim, a escrita do meu memorial possibilitou-me revisitar e compartilhar
memórias e experiências com outros e outras, permitindo algumas ressignificações e
transformações importantes no que diz respeito à construção de minha identidade
pessoal e/ou profissional. Logo, foi a partir do meu memorial que iniciei a tentativa de
um diálogo com a minha trajetória como pessoa e como professora, através das
experiências que me atravessaram e que me trouxeram até aqui.
Assim, para Morais (2008, p. 3):
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Falar da minha trajetória, foi rever as minhas histórias, as histórias dos meus
pais e de suas infâncias e adolescências e em contrapartida compreender as condições
de desigualdade social e a fragilidade de políticas públicas que favorecessem as
camadas mais empobrecidas da população, que no caso deles, os obrigou a começarem
suas vidas laborais muito cedo.
Partindo para as memórias do local no qual eu cresci e vivi por quase 40 anos -
São Gonçalo, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no estado do Rio
de Janeiro – pude conhecer suas características locais, que no início eram bem rurais,
bem como os processos que levaram a sua transformação.
Foi rememorando a cidade e consequentemente o bairro e a residência em que
vivi (uma casa simples e modesta construída por meu pai, localizada em um pedaço do
quintal cedido por meu avô paterno, que morava em uma casa construída nos fundos
desse mesmo quintal, com minha avó, minhas quatro tias e meus três tios), que cheguei
até as memórias de minhas tias. Quase todas eram professoras, com exceção de uma,
que era secretária de uma escola particular e que tão logo terminei o Jardim de Infância,
aos 4 anos, me alfabetizaria juntamente com outros quatro vizinhos, em sua casa.Ela
não tinha formação pedagógica, sendo, portanto, uma professora “leiga”.
Aqui compreendia, como nos dizem Alves e Garcia (2000), que nos tornamos
professores nas relações que se dão no ensinar e aprender. Minha tia não havia cursado
o Normal. No entanto, nas suas relações durante o tempo em que frequentou a escola,
no curso regular, ou mesmo em suas experiências pessoais, havia aprendido atitudes e
práticas relacionadas ao saber ensinar. Logo, a professora que ela se tornara, “participa
de uma multiplicidade de redes e é nestas redes que vai se formando e influindo para
que tantas pessoas de cujo processo ela nem se dá conta também se formem” (ALVES;
GARCIA, 2000, p. 9).
Foi ali, naquele momento, que compreendi, também, que comigo não se deu
diferente. Lembraria de detalhes ínfimos, porém fortes, como o quadro de giz preso à
parede e do quanto gostava de escrever nele. Talvez não soubesse ainda, mas essa
experiência me influenciaria mais tarde e acrescentaria marcas ao meu percurso no que
diz respeito a tornar-me professora.
Percebi também, refazendo meu percurso na infância, a influência de minhas
outras três tias. Essas, diferentes da outra, eram professoras formadas e foram as
responsáveis pela minha “iniciação pedagógica”, já que era muito comum envolver-me
nas tarefas de preparação de lembrancinhas para suas turmas, auxiliá-las na separação
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VII Seminário Vozes da Educação
Foi assim, através de minhas memórias, na escrita do meu memorial, que eu era
remetida a especificidades próprias como, meu processo de escolarização, as
experiências que tive nesse período com as professoras e os professores que tive e com
as amigas e os amigos que fiz e que dividiram suas histórias comigo e que, portanto,
estão presentes de maneira subjetiva, na minha formação docente:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Quando se fala ou se lê, considera-se não apenas o que está dito, mas também
o que está implícito, os não-ditos, mas que também estão significando. E os
implícitos podem, de alguma forma, sustentar o dito, mostrar o que se opõe
ao dito, maneiras diferentes de falar o que se disse etc. Assim os sentidos de
um texto, falado ou escrito, não estão necessariamente no texto, mas na
relação do texto com outros textos (existentes, possíveis, imaginários)
(MORAIS, 2008, p.13).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sempre presentes em nós através das nossas memórias e escritas. Sua presença forte e
acolhedora se fará presente em cada um que teve o privilégio de conhecê-la e de com
ela conviver e aprender.
Damo-nos conta, uma vez mais, de que é preciso mais que palavras para
que o encontro do presente com o passado se dê. É preciso, especialmente, coragem
(Morais, 2006, p. 125).
Então, Jacqueline de Fátima dos Santos Morais, nossos cafés, bolos e conversas
de orientação e coorientação parecem ter ficado lá no passado dos cafés da UERJ e de
outros lugares em que nos encontrávamos à três, mas os diálogos que levamos para
outras ‘paragens’, esses carregamos sempre conosco, com ‘coragem’, especialmente
porque: as pessoas não morrem ficam encantadas ... a gente morre é para provar que
viveu. (Guimarães Rosa).
Encontro de orientação e coorientação em 23/06/2019
Referências
ALVES, Nilda. A invenção da escola a cada dia. In: ALVES, Nilda; GARCIA, Regina
Leite. (Org.) A invenção da escola a cada dia. Rio de Janeiro: DP&A. 2000.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
43
Uma primeira versão deste artigo se encontra na seguinte referência: GASPARELLO, Vânia Medeiros.
Narrativas (auto) biográficas na Psicologia da Educação: uma experiência de formação de professores/as.
In: FONTOURA, Helena A. da. (Org.) Pedagogia em movimento: experiências compartilhadas na
Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Niterói: Intertexto, 2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
aprendizagem. Como reflete Josso (2010b, p. 66): “abordamos a primazia do sujeito que
aprende na elaboração de um saber sobre a sua formação e as suas aprendizagens”.
Contudo, esse saber da experiência autobiográfica, está ligado à ideia de consciência de
si e de suas relações com o outro e a vida.
A noção de eu, de indivíduo e de consciência surgiram e se desenvolveram com
a modernidade e o capitalismo. Neste sentido, essas ideias possibilitaram a psicologia
construir como objeto de estudo a questão do “indivíduo” e a sua “experiência
consciente” (MOURA, 2004), assim como contribuiu para que o modelo biográfico da
narrativa de formação se situasse na forma de consciência de si (MOMBERGER, 2014).
Uma consciência que olha para si-mesma, que aprende com as suas
experiências, com as suas memórias subjetivas.
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Cabe aqui explorar um pouco mais alguns significados dos conceitos citados
acima. De acordo com a Psicologia Profunda, o inconsciente, a parte desconhecida de
nós mesmos, tem aspectos da nossa estória individual esquecida ou reprimida, que Jung
(2002) chama de inconsciente pessoal; como também um vasto conjunto de imagens,
comportamentos e ideias que fazem parte da nossa herança cultural, denominado de
inconsciente coletivo. Sendo que “o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído
essencialmente de arquétipos” (JUNG, 2002b, p. 53). Os arquétipos podem ser
entendidos como formas de agir, pensar ou sentir, que estão internalizados na psique e
que se encontram nas mais diferentes culturas humanas. Dessa forma, são consideradas
arquetípicas as ideias de mãe, pai, mestre, herói, criança, educação, máscaras sociais e
outras. Contudo, é a história pessoal, as experiências de cada indivíduo e cultura
específica, que irão ativar e reinventar esses arquétipos em nós.
O arquétipo da persona, também chamado de máscaras sociais, está relacionado
aos comportamentos típicos em diferentes contextos sociais, que incorporamos como
nosso, geralmente sem questioná-los. Neste sentido, Cuche (2002) expressou que: “A
cultura depende em grande parte de processos inconscientes”. Utilizamos distintas
máscaras para os diferentes ambientes sociais: familiar, profissional, de estudo, com os
amigos, religioso e outros. Embora o uso de máscaras seja considerado um
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Dessa forma, desde o ano de 2016, tenho colocado como proposta de trabalho
nas turmas de Pedagogia e de diferentes licenciaturas, a escrita das Narrativas
Profundas. Ressalto que, como venho sublinhando, este é um movimento que defende a
importância da área de Psicologia e Educação contribuir para a autoformação do adulto.
Neste sentido, não é minha intenção fazer um estudo detalhado dos conteúdos das
narrativas, mas apenas compartilhar essa experiência de formação e refletir sobre alguns
elementos mais constantes nas narrativas dos alunos.
No primeiro momento, convido os alunos para participarem da escrita de
Narrativas Profundas, explicando a proposta de uma escrita em processo, que irá se
desenvolvendo ao longo das aulas e inicialmente será discutida em grupos menores e
depois na turma. Textos científicos sobre Narrativas (auto) biográficas e da Psicologia
Profunda são analisados também. Assim, durante os encontros vão se desenhando os
temas das Narrativas, que versam principalmente sobre algumas questões norteadoras,
mas que podem se desenvolver em outros subtemas.
Questões norteadoras das Narrativas Profundas: refletir sobre a sua estória
familiar, destacando os arquétipos maternos, paternos e as suas experiências de infância;
analisar a sua personalidade a partir dos conceitos de extroversão e introversão, quatro
funções da consciência, máscaras sociais e sombras; relatar as suas experiências com a
escola, com os professores marcantes, os estudos e os colegas.
Chamo a atenção, ainda, que os alunos tem liberdade para expressar oralmente
apenas o que se sentirem a vontade sobre as suas experiências, porém são incentivados a
escreverem de uma forma mais aberta e profunda nas narrativas a serem entregues.
Inicialmente, é importante situar o contexto dos estudantes que produzem essas
narrativas: alunos da Faculdade de Formação de Professores da UERJ, no município de
São Gonçalo, estado do Rio de Janeiro. Estes alunos são, na grande maioria, oriundos
de extratos sociais com poucos recursos econômicos e muitos deles são os primeiros da
família a frequentar um curso superior. A faixa etária nos cursos varia muito, desde
jovens que concluíram recentemente o ensino médio, como também adultos
trabalhadores, de diferentes idades. Em alguns cursos, como Pedagogia e Letras, a
presença do sexo feminino é majoritária. Destaco ainda que o número de alunos por
turma também não é homogêneo, oscilando entre 30 a 40 alunos.
Neste contexto de narrativas, irei refletir sobre alguns pontos que me chamaram
mais a atenção durante os quase quatro anos que venho propondo essa formação.
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Referências
_____. Experiências de vida e formação. Tradução José Cláudio e Júlia Ferreira. São
Paulo: Cortez, 2004.
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_____. Tipos psicológicos. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1991. (Obras completas de C. G. Jung, Volume VI)
SILVEIRA, Nise da. Jung: Vida e Obra. 18 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.
(Coleção Vida e Obra).
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como a figura de um espelho que reflete o que mira, então preciso pensar o que esses
mesmos autores e autoras apontam enquanto demandas narrativas. Em Living
on/Border lines, o filósofo Jacques Derrida trata da questão da sobrevivência e da
narrativa:
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[...]um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma
fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por
lugar o outro. Ela aí se insinua, fragmentariamente, sem apreendê-lo por
inteiro, sem poder retê-lo à distância. Ela não dispõe de base para capitalizar
os seus proveitos, preparar suas expansões e assegurar uma independência
em face das circunstâncias (CERTEAU, 2011, p.46).
Além disso, nunca se sabe aonde uma conversa pode levar...uma conversa
não é algo que se faça, mas algo no que se entra...e, ao entrar nela, pode-se ir
aonde não havia sido previsto...e essa é a maravilha da conversa...que, nela,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pode-se chegar a dizer o que não se queria dizer, o que não sabia dizer, o que
não podia dizer [...]
E, mais ainda, o valor de uma conversa não está no fato de que ao final se
chegue ou não a um acordo....pelo contrário, uma conversa está cheia de
diferenças e a arte da conversa consiste em sustentar a tensão entre as
diferenças...mantendo-as e não as dissolvendo...e mantendo também as
dúvidas, as perplexidades, as interrogações...e isso é o que a faz
interessante...por isso, em uma conversa, não existe nunca a última
palavra...por isso uma conversa pode manter as dúvidas até o final, porém
cada vez mais precisas, mais elaboradas, mais inteligentes...por isso uma
conversa pode manter as diferenças até o final, porém cada vez mais
afinadas, mais sensíveis, mais conscientes de si mesmas....por isso uma
conversa não termina, simplesmente se interrompe...e muda para outra
coisa...(LARROSA, 2003, p.212/13).
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VII Seminário Vozes da Educação
transformar as conversas em “pesquisa”. Não tem sido uma tarefa fácil. Vendo os
grandes nomes que utilizam as conversas, sobretudo no campo do cotidiano, até parece
um movimento “fácil”. Ledo engano. Assistindo Eduardo Coutinho em seus filmes
quase pensei ser fácil. Quanta pretensão. Pensava em fazer um documentário junto à
dissertação. Coisa que hoje é impensável devido à dinâmica veloz do mestrado. Mas
vou voltar ao León.
Aceitei os desvios e segui por eles. Abandonei a linha - reta - que havia
tomado. Comecei a buscar aporte teórico para dialogar com as experiências que León ia
me narrando. Encontrei em Gilles Deleuze o referencial teórico para pensar sua
cartografia, identificar suas linhas de fuga e movimentos rizomáticos - elementos que
me sustentaram e ajudaram (e continuam ajudando) a seguir. Lembrando que meu
interesse era/é perceber nas narrativas desses estudantes como eles sobrevivem à/na
universidade. O que fazem para isso?! Em León, comecei a ver que o desvio era antes
um movimento de sobrevivência, um jeito de permanecer na universidade. Numa linha
reta, única e rígida, não há desvio. Mas numa rede, onde milhares e milhares de linhas
se cruzam, onde cruzam-se nós, a possibilidade de desvio é real, promissora e
libertadora. Em León poderemos ver isso.
Neste momento, pretendo apresentar o que foi sendo tecido nas conversas com
um egresso do curso de pedagogia da UFF a partir de uma perspectiva que em
DELEUZE & GUATTARI (1995) chamarei de rizomática. Junto com as conversas vou
apontar alguns caminhos, “métodos”, que trilharei aqui. Assim, fecharei o capítulo
apontando como a universidade foi um espaço potencializador para esse vaga-lume
chamado León.
Era uma quinta-feira, saímos da aula de “mulheres, gêneros e sexualidades” uma
disciplina eletiva que fazíamos juntos quando, como de costume, convidei León para
minha casa. O Bandejão - Restaurante Universitário - estava paralisado por uma greve
dos funcionários da UFF e nesse tempo, oportuno, após o almoço, sentamos e
conversamos com o gravador ligado.
Nesse dia, em minha casa no bairro de São Domingos - Niterói, próximo à UFF
- Campus Gragoatá, depois de um almoço simples como nós estudantes podemos
preparar, sobretudo num dia em que o restaurante universitário - O restaurante
universitário, chamado de ”bandejão” é de suma importância para permanência de
estudantes das classe trabalhadora uma vez que muitos precisam passar horas na
universidade, as refeições servidas - por 0,70 centavos - são de extrema importância.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Quando por algum motivo o restaurante universitário não funciona, como ficam esses
estudantes? Discutir permanência universitária é também garantir que os estudantes se
alimentem com dignidade nas jornadas diárias na universidade - não estava
funcionando, León me contara algumas coisas de sua vida.
Morou no município de São Gonçalo, no bairro de Bandeirantes, perto de Santa
Izabel. Se quisesse comprar algo ou ir ao shopping, precisava pegar um transporte e
viajar mais de 1 hora até o município de Niterói. Se precisasse ir ao centro de São
Gonçalo, gastaria pelo menos 40 minutos. O bairro de Santa Izabel é um bairro
considerado “afastado”. Hoje, mora no bairro do Arsenal, outra região de SG.
Diz que veio de uma família simples e conservadora e que isso foi sempre uma
questão complicada para ele. Por que esse conservadorismo sempre foi uma questão?
Vou lhes contar, mas não agora. Peço um pouco de paciência. É que carece dizer outras
coisas antes. Diz ele vir de uma família humilde. Não duvido. Mas há uma espécie de
associação feita entre humildade e pobreza como se fossem sinônimos e não são.
Acredito que ele usa aqui humilde como sinônimo de poucos recursos econômicos.
León estudara num convento nos primeiros anos de sua formação. Ali teve o
primeiro contato com escolarização. Conta que era uma escola muito conservadora e
que apesar disso lembra com bastante carinho. Logo se dá um desvio. Apesar da escola
ser conservadora, há nessa rememoração um bom afeto, me parece. Diz que lembra que
sempre teve gosto pela leitura e que gostava de ouvir as histórias que a professora lia.
Diz também que era aluno dedicado e que a professora “tomava” leitura na carteira de
cada aluno.
Depois do “convento” León foi para a escola pública no município de São
Gonçalo. No sexto ano do ensino fundamental, ele encontrou o teatro. Hoje conhecendo
um pouco de sua trajetória é quase impossível pensar a arte fora de sua vida. Escreve
letras de música e poemas. Expõe que por vir de família tradicional foi preciso
desconstruir algumas “ideias” que construíra sobre o mundo. A alma exige esses
movimentos. É preciso dar vazão, senão a gente sufoca. A arte muitas vezes nos dá
fôlego.
Nas conversas, León se desculpa, dizendo que não fala muito bem. De fato,
León possui uma dinâmica própria ao se expressar, mas não acho que ele fale mal.
Aliás, o que seria de fato falar mal ou bem, senão seguir um modelo hegemônico de
domínio de códigos da leitura e da escrita?! Mesmo assim ele solta: “eu sou todo não
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VII Seminário Vozes da Educação
linear! Estou dando voltas e voltas. Eu não estou sendo, não estou tendo um pensamento
linear.”
É curioso. Ao contarmos nossas histórias de vida aos outros, quase sempre
adotamos uma linearidade temporal como se nossa vida fosse um filme com começo,
meio e fim como os filmes hollywoodianos e suas narrativas clássicas. Essa prisão do
tempo que a moderno-colonialidade inventou, a da linearidade temporal, ou como
Boaventura de Sousa Santos (2004) propõe, essa “monocultura do tempo linear” reduz e
aprisiona nossa percepção, nossa experiência com o tempo. Quando falamos em
monocultura, pensamos em cultivos de apenas um gênero. Mas nenhuma população,
nenhum povo, vive apenas de um cultivo. É preciso sempre mais que um único item na
alimentação. Do mesmo modo, funciona a ciência, a cultura, a arte. Nenhum povo vive
só de pão, nem só da própria cultura. É preciso inundar-se de outras formas de
conhecer, de experienciar o mundo. Em vez de uma monocultura, precisamos sempre de
uma cultura plural.
León possui um tempo de fala particular. Lembra muito uma personagem do
Edifício Master (2002) - filme de Eduardo Coutinho, sobre os moradores de um edifício
da zona sul do Rio de Janeiro - que diz que não olha nos olhos das pessoas e as pessoas
pensam que ela faz isso porque não diz a verdade. Cada sujeito possui uma dinâmica
própria na interação com o outro. Nesta dinâmica da conversa, vamos aprendendo com
o outro.
Comecei a nossa conversa querendo mostrar o quanto a universidade é opressora
com os seus estudantes e que não poderia ser um espaço para potencialização desses
estudantes. Que triste a minha hipótese felizmente já desmontada por León. Se a
universidade é o lugar privilegiado da opressão, e sendo assim não houver brecha, como
poderiam esses alunos, como León, sobreviverem?
Queria falar das dificuldades, das limitações, dos discursos vazios de prática na
Universidade. Quando sentei para conversar com León, ele disse uma frase simples,
mas que marcou toda a minha pesquisa, me desviando, confrontando as minhas ideias,
mostrando o valor da conversa nas pesquisas com os cotidianos. León simplesmente me
disse:
- “A universidade me colocou num lugar!”
Mas como, se eu pensava que a universidade só produzia opressão? Que lugar
foi esse? E o que é lugar, se os estudos com os cotidianos trabalham com a noção de
espaçotempo? E o que é espaçotempo se minha formação passa pela geografia? Uma
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
única frase me deslocou a tal ponto que precisei me debruçar sobre a contribuição de
alguns autores com pressupostos diferentes para, com perdão do trocadilho, encontrar o
meu lugar. León me deslocou e me mostrou que a universidade o potencializou. León
me desviou!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
disputam uma eleição com suas propostas e ideias. Há uma comissão eleitoral para que
o processo eleitoral aconteça. León fazia parte dessa comissão como já lhes disse. Havia
uma tensão entre as chapas que disputavam essa eleição. As chapas muitas das vezes
são atreladas a partidos políticos que disputam o movimento político estudantil. Uma
das chapas era atrelada a um partido e havia interesses que tensionavam aquela eleição.
Em um dia dessa eleição, houve uma urna que não foi aberta porque não havia
quórum suficiente da comissão responsável e um grupo se sentiu prejudicado. Um dos
integrantes começou a culpar a comissão por essa urna que não foi aberta e lembremos
que León fazia parte da comissão. Dentro dessa confusão, León entrou no elevador do
prédio da Faculdade de Educação, elevador esse que dá medo a muitas pessoas, pois
não funciona muito bem. Mas o elevador que mal funciona era o menor dos medos que
León teve naquele dia. O integrante da chapa que se achou prejudicado também estava
nesse elevador e foi aí que se deu o abominável. O integrante agride León, verbalmente
e fisicamente. Mais um golpe. Dessa vez não havia como desviar. Do ringue que o
elevador se transformara, numa luta sem juiz e regras, não havia como sair.
Encurralado, a única possibilidade foi gritar. Há momentos que não podemos fazer
muito, nesses momentos "a gente tem que gritar -- com o que sobrar da gente, com os
ossos, com tudo" (TERRA EM TRANSE, 1967). Assim o fez.
Léon foi caminhando e cantando quando era possível, e desviando quando era
preciso. Num caminhar desviante foi tecendo sua trajetória na universidade.
Conhecendo autores nos livros e textos e outros autores de carne e osso, estudantes que
lhe inspiravam a ser mais (FREIRE,1983). Até que o final do curso chegou. A saga de
estudante acaba com a conclusão do curso? O que será dessa nova trajetória fora do
mundo universitário?
Em León e seu movimento andante pela cidade, percebo também uma maneira
de fazer. Ao andar pela cidade ele aprende táticas no tecido urbano. A apropriação do
tecido urbano, da cidade é diferencial, cada pessoa apreende a cidade de uma forma. Há
espaços urbanos que as classes menos favorecidas são interditadas e outros que a classe
trabalhadora não cogita se aproximar. A classe trabalhadora não possui acesso garantido
em alguns espaços da zona sul carioca, por exemplo. Shopping Centers ou até mesmo às
vezes praias com a diminuição do número das linhas de ônibus. Mas há algo na classe
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
trabalhadora que as astúcias tecem no distrair das estratégias que fazem com que esse
grupo se aproprie da cidade de uma forma diferente. Assim a cidade também se
estabelece como espaçotempo de narrativas de experiências, de enunciações pedestres
(CERTEAU, 2011).
Dessa forma, numa enunciação pedestre, León vai narrando suas experiências ao
andar pela cidade. Aquilo que, a priori, seria um mecanismo de controle sobre ele, é
apropriado e ressignificado e se torna uma tática. Andar pela cidade é enunciar-se, é sair
do anonimato. Andando pela cidade, vendendo bolinhos ou para ir até a universidade,
León vai narrando sua história. A cidade que é também lugar do conflito, agora é
apropriada como espaço de representação. León ao andar pela cidade, se apropria dos
símbolos urbanos uma vez que vivencia a cidade passo a passo; assim acaba por dar
sentido espacial a espaços que antes lhe passavam desapercebidos. Na medida que em
se apropria de cada ponto em que passa, entra numa trama de disputas na/pela cidade.
Sabendo que não é qualquer ponto da cidade que pode andar, em qualquer hora. Há
interdições e possibilidades que precisam ser negociadas.
Desse modo, aquilo que se manifestava como uma ação de poder exercida sobre
León, que p fazia andar pela cidade, foi apropriado como uma maneira própria de fazer,
uma tática que remete ao que CERTEAU vai chamar de “fala dos passos perdidos”.
Para o autor, “Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares”
(CERTEAU, 2011, p.163). É andando por ela que a cidade se constrói. Andando pela
cidade, com suas imprevisibilidades, aventuras e desventuras, León se apropria dela.
Então, aquilo que a priori se manifestava como uma estratégia, como uma opressão
sobre a existência de León, reduzindo sua mobilidade, é reconfigurada e apropriada por
ele como tática. A falta de dinheiro negada por seus pais para se locomover pela cidade,
pode ser entendida como um elemento potencializador para que León transformasse o
ato de andar pela cidade em tática. Então a carência e o sofrimento são indispensáveis
para as táticas? Não posso afirmar, mas em León vejo que essa carência foi apropriada e
ressignificada.
Andar na/pela cidade é de alguma forma enunciar. Enunciar suas formas,
contornos e retas. Enunciar a transformação de um local específico, frio e inerte, em um
espaço com vida, conflitos e cooperação. Ainda mais, andar pela cidade é enunciar que
ao andar se estabelecem relações de poder diferenciais no tecido urbano. Já disse que
enunciar é narrar, de alguma forma. Ao andar pela cidade, León narra seu mundo. Se
insere numa disputa por representação, amplia seu horizonte de existência. Se na igreja,
sumário 318
VII Seminário Vozes da Educação
de um modo geral, ele não tinha muito espaço para narrar sua própria história por conta
dos dogmas, se na família, muitas vezes, também não lhe era permitido pelo
conservadorismo, na cidade ele enunciava, narrava suas experiências. Para León: “O ato
de caminhar parece, portanto, encontrar uma primeira definição como espaço de
enunciação” (CERTEAU, 2011, p. 164).
Assim como uma tecedeira que ponto a ponto junta retalhos na busca de uma
colcha que aos poucos vai se materializando, tomando forma, é também o ato de
caminhar. Cada passo dado é como um ponto da costura. Cada passo molda espaços,
tece lugares na cidade, traço e trajetória, assim como cada ponto qualitativamente vai
formando a colcha ao juntar retalhos. Assim, para CERTEAU (2011) “as motricidades
dos pedestres formam um desses “sistemas reais cuja a existência faz efetivamente a
cidade”. Ou seja, León ao andar, prefiro a palavra vagar, pela cidade em busca de
sobrevivências ia ao mesmo tempo moldando a cidade e tecendo táticas.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a filosofia? Trad. Bento Prado Jr. e Alberto
Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DERRIDA, Jacques. Living on/Border Lines. Trad. James Hulbert. In: BLOOM et al.
Deconstruction and criticism. London: Continuum, 1979.
DIDI-HUBERMAN, G. Sobrevivência dos vaga-lumes. Trad. Vera Casa Nova & amp;
EDIFÍCIO MASTER. Direção: Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: VideoFilmes.
2001(110min).
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Introdução
44
Mestranda da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(FFP/UERJ)
sumário 321
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
1. Abordagem teórico-metodológica
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VII Seminário Vozes da Educação
obter um sistema articulado de ensino, seguindo normas do Governo Federal. Com isso,
o Governo lança importantes objetivos para a Educação: ampliar sua participação no
desenvolvimento da educação nacional; desenvolver instrumentos para unificar,
articular e integrar os sistemas estaduais e desenvolver reformas de intervenções às
Secretarias Estaduais de Educação.
A educação nova, alargando sua finalidade para além dos limites das classes
assume sua verdadeira função social, defendendo as mesmas oportunidades de
educação. Ela tem por objetivo dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser
humano em cada uma das etapas do seu crescimento. A escola não é um elemento
estranho à sociedade humana, um elemento separado, mas “uma instituição social”, as
influências numerosas e variadas que formam o ser humano através da existência. Desta
forma, Fernando Azevedo elucida (2010, p. 65),
Toda a profunda renovação dos princípios que orientam a marcha dos povos
precisa acompanhar-se de profundas transformações no regime educacional:
as únicas revoluções fecundas são as que se fazem ou se consolidam pela
educação, e é só pela educação que a doutrina democrática, utilizada como
um princípio de desagregação moral e de indisciplina, poderá transformar-se
numa fonte de esforço moral, de energia criadora, solidariedade social e de
espírito de cooperação.
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Conversar sobre o que fazemos, sobre o que nos passa naquilo que fazemos e
sobre tantas outras coisas que acontecem sobre o ato de educar.
A escola lida com uma pluralidade de sujeitos, sendo necessário reconhecermos
e valorizarmos as diferenças contidas neste contexto escolar. Hoje, este é um dos
grandes desafios a ser enfrentado, a produção de saberes, dando um sentido outro às
práticas educativas inclusivas. Pressupondo que a partilha de experiências significativas
entre nós professoras num olhar para o passado, potencializando o presente e o futuro
venha ao encontro de nossas reflexões e expectativas. Nos momentos de
atravessamentos das trajetórias de vida cada uma de nós irá apreender teorias e práticas
de formação, de ensino, de relações interpessoais e institucionais e de construção
identitária do ser professor/professora.
A proposta está sendo realizar os encontros com as professoras de apoio
educacional especializado recém-concursadas e com as professoras regentes do primeiro
e segundo ciclos do Ensino Fundamental de uma das Unidades Escolares da Rede
Municipal de Niterói – RJ.Para tais encontros, as rodas de conversas têm ocorrido no
horário de planejamento da quarta-feira uma vez por mês nos dois turnos. Destaco aqui
dois encontros já realizados e que tiveram a participação da Equipe Técnica Pedagógica
e das duas professoras da Sala de Recursos Multifuncionais.
No primeiro encontro os temas abordados na roda de conversa foram “O que é
inclusão?” e “Como você se insere neste contexto?”. Iniciei organizando o grupo em
círculo onde todas puderam se olhar e ouvir. Distribui, logo em seguida, a pauta,
solicitei a autorização para a gravação de voz e esclareci sobre a ética da pesquisa de
que nada seria divulgado sem a autorização das mesmas - todas permitiram a gravação.
Esclareci também a intenção da formação que é uma pesquisa-formação narrativa
(auto)biográfica por meio de rodas de conversa, a minha participação no grupo de
pesquisa Polifonia e a importância de continuar a pesquisa com todas as professoras da
Unidade Escolar.
O vídeo “Cuerdas”5foi reproduzido e as professoras puderam comentá-lo em
seguida, o que foi bastante rico, pois as professoras participaram intensamente. Em
seguida, nos organizamos em pequenos grupos, onde cada uma expôs uma narrativa de
experiência com inclusão escolar que lhe foi significativa durante sua trajetória
enquanto professora e, após a narrativa de cada uma, conceituamos a inclusão e como
nos inserimos neste contexto. Compartilhamos e comentamos o conceito de
Inclusãoelaborado pelas professoras e como se sentem inseridas neste contexto:
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foi que o outro grupo que estava com as peças menores, não teve essa percepção de
imediato.
Algumas falas e comportamentos deixaram claro que, de início, pensaram
somente em ganhar o prêmio, se agilizando na troca das peças. Portanto, quando o
primeiro grupo conseguiu completar o jogo, os demais continuaram na tentativa de
montarem os seus e o último grupo a terminar foi o que estava com o maior número de
peças. Importante enfatizar que uma boa parte das professoras se mobilizou para ajudar
o último grupo a completar o quebra-cabeça.
Terminado a dinâmica, propus que todas pensassem o jogo realizado como uma
metáfora do trabalho pedagógico realizado na escola. Discutimos sobre este tema
chegando a conclusão que não estamos em uma relação de competição, mas sim, numa
atuação coletiva onde o trabalho pedagógico desenvolvido atinge muitas dimensões e
complexidades. Tendo assim, o envolvimento de todas no processo de aprendizagem de
todos os alunos que ali estudam.
Para tal, o proposto nestes encontros está em conformidade com Abrahão (2003,
p.85), quando diz “trabalhar com narrativas não é simplesmente recolher objetos ou
condutas diferentes, em contextos narrativos diversos, mas, sim, participar na
elaboração de uma memória que quer transmitir-se a partir da demanda de um
investigador” colocando em sequência os relatos da sua trajetória profissional,
ressignificando os fatos narrados, “tentamos capturar o fato sabendo-o reconstruído por
uma memória seletiva, intencional ou não”. Através dessa memória, do esforço da
construção dos fatos vivenciados, falados ou calados, reorganizamos e refletimos o
nosso fazer pedagógico e nos transformamos como professoras.
Nesta proposta da pesquisa-formação por meio das rodas de conversas as
professoras deixaram explícitos, em todo o momento, as características das narrativas
em relação a realidade propriamente dita e a representatividade dessa realidade,
conforme apresentado por Abrahão (2003, p.93):
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Conclusão
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Referências
ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto, ABRAHÃO, Maria Helena Menna Barreto
(ORG). O sujeito singular-plural – narrativas de trajetórias de vida, identidade
profissional e saberes docentes. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.
JOSSO, Marie Christine. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
RIBETTO, Anelice. Uma escola para todos ou escolas para qualquer um?. 2018.
(31m59s). Disponível em: <https://youtu.be/AfevV2BsH8E>. Acesso em: 25jan.2019.
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NOTAS
1
As professoras de apoio educacional especializado as quais me refiro são as que atuam em classes
inclusivas da educação infantil, do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos, dando apoio
aos professores regentes, quanto ao atendimento das necessidades emergenciais que envolvam os alunos
chamados pessoas com deficiência e propõem estratégias pedagógicas que favoreçam a interação aluno-
aluno e aluno-professor no contexto escolar.
2
Considerando o conceito de inclusão nas instituições escolares a “organização e prática pedagógica
devem respeitar a diversidade dos alunos, a exigir diferenciações nos atos pedagógicos que contemplem
as necessidades educacionais de todos”. <htpp:// www.mec.gov.br>.
3
O Grupo de Pesquisa: Coletivo Diferenças e Alteridade na Educação – da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ) sob a orientação da professora
Anelice Ribetto, utiliza este termo por entender que os sujeitos e suas condições de vida são marcadas
pela diferença e que existem variadas condições de ser e estar no mundo. Não são os sujeitos que se
denominam “deficientes”, mas fundamentalmente os discursos médicos e jurídicos, nesse sentido eles são
“chamados pessoas com deficiência” ou “ditos com deficiência”. <https://youtu.be/AfevV2BsH8E>.
4
Justifico o uso de professoras e não professores, conforme a norma gramatical da língua portuguesa, por
considerar a presença feminina em maior quantidade no magistério.
5
“Cuerdas” é o segundo curta-metragem de Pedro Solís Garcia. Foi considerado o vencedor do Goya®
2014 na categoria de “Melhor curta-metragem de animação espanhola”.
<https://youtu.be/4INwx_tmTKw>.
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Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados. (p.27). Não significa que foi um
procedimento tranquilo, harmonioso, fraterno, porém recompensatório, gratificante.
Lispector (1995) consegue transgredir a importância do registro como transposição de
palavras, de vozes: Por que escrevo? Antes de tudo porque captei o espírito da língua e
assim às vezes a forma é que faz conteúdo. (p.26)
Buscar autores que pudessem nos sensibilizar sobre a importância do registro de
narrativas foi de suma importância para tornar mais nítido o sentido de pesquisas
histórias de vida (auto) biográfica. Como professores da Educação Básica, entender que
fazer-se professor/pesquisador, é possibilitar eternizar memórias, registrar prática e
fazer pedagógico. Práticas estas que por si estão carregadas de ideologias e
compreensão política do papel da Educação.
Consideramos de suma relevância apresentar apontamentos de alguns sujeitos
envolvidos na construção do grupo “Vozes”, de modo a tornar mais nítido o valor da
prática da pesquisa no/do cotidiano mediante relatos de experiências de vida. Esse
movimento de entrega, de fazer com, torna-se possível quando realizamos uma escuta
sensível, de transmutação dos seres que possibilita a fruição dos sentidos múltiplos
expostos e acolhidos do objeto pesquisado. Escuta essa, por vezes, de palavras
produzidas pelo próprio sujeito da pesquisa, como ocorreu com Antonio e Tatiane.
Assim como, o uso de entrevistas por Rejane enfatizam a construção de sentidos das
palavras que, carregadas de valoração, podem se expandir em palavras próprias.
A constituição de sentidos outros, às vozes controversas presentes nos relatos
(auto) biográficos, não dispensando a voz dos sujeitos objetos de
pesquisa/pesquisadores, simboliza a efemeridade da narrativa como viés
epistemológico.
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Da importância de olhar pelo ponto de vista que o outro não consegue ver de si
mesmo, na troca constante, nas possibilidades, no encontro e desencontro, o trabalho
com narrativas permite a construção de novos sentidos, reconstrução de pensamentos,
novas formulações mediante o distanciamento e “estranhamento” com o que objeto
pesquisado. Fazer-se pesquisador e fazer pesquisa pelo prisma de muitas arestas que são
conduzem ao registros das narrativas.
Encontramos no registro de Regina de Jesus um relato afetivo com a pesquisa
que a conduz a um caminho classificado como “natural” a este grupo de pesquisa.
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Referências
_____. Pedagogia do oprimido. 17. edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
_____. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 50. ed. São
Paulo, Cortez, 2009.
_____. Educação como prática da liberdade. 42. edição. Rio de Janeiro/ São Paulo:
Paz e Terra, 2018.
GARCIA, Regina Leite. Para que investigamos − Para quem escrevemos: reflexões
sobre a responsabilidade social do pesquisador. In: ______. (Org.). Para quem
pesquisamos: Para quem escrevemos: o impasse dos intelectuais. São Paulo: Cortez,
2001.
GARCIA, Regina Leite; ALVES, Nilda. Conversa sobre pesquisa. In: ESTEBAN,
Maria Tereza; ZACCUR, Edwiges (Orgs.). Professora pesquisadora – uma práxis em
construção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. 23. edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
1995.
TAVARES, Maria Tereza Goudard, BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza (org). Vozes
da educação 20 anos: memórias, políticas e formação docente.Niterói: Intertexto,
2016.
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Introdução
Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar
(Villa Lobos).
Quais marcos e datas compõem nossas memórias de infância? Essa pergunta foi
feita a um grupo de professores, gestores e estudantes de Pedagogia em um encontro de
formação. A análise sobre suas respostas compõe esse trabalho, no intento de refletir
sobre a relação entre os marcos e datas anunciados e aqueles que tradicionalmente são
valorizados na escola.
A pergunta foi feita no encontro formativo “FIAR com...memorações – marcos e
datas da infância” que se realizou em setembro de 2019 na Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense.
FIAR com... é um encontro de formação realizado periodicamente pelo FIAR –
Círculo de Estudos e Pesquisa Formação de Professores, Infância e Arte, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF.
O grupo FIAR, articulando ensino, pesquisa e extensão, tem como centralidade a
temática da formação docente em diálogo com a arte, a cultura, a infância, a memória, e
esses encontros se propõem a ser momentos/espaços de experiências coletivas,
perpassadas pela sensibilização, a rememoração, o fazer à mão, cultivando um tempo
alargado para pensar, fazer, contar; nesse tempo-espaço, busca-se contribuir com a
ampliação do repertório cultural e pedagógico que, acreditamos, deva constituir o
conhecimento de professores em geral e, em particular, de educação infantil.
O tema do encontro que aqui será focalizado, parte das pesquisas realizadas pela
autora (MAIA, 2011; 2016,) nas quais se evidencia que o currículo da educação com
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Esse calendário foi então comparado ao calendário que serve de base aos
currículos das escolas, em particular de educação infantil, buscando promover a
reflexão sobre como os currículos não têm centralidade nas crianças e suas infâncias.
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Rememoração
O “FIAR com... memorações – marcos e datas da infância”, se constituiu como
um encontro de formação que se funda na busca pelas memórias de infância e sua
narrativa, partindo do princípio de que rememorar e narrar são parte de uma mesma
cadeia de possibilidades de presentificação do vivido. De acordo Benjamin (2012, p.
198), narrar nos permite trocar experiências. Trocar experiências é estar em contato e
interação com o universo vivido pelo outro. A narrativa nos coloca no encontro com o
outro e conosco, uma vez que a experiência narrada se dá em um tempo/espaço que
também nos constitui no agora e no que nos trouxe até ele: nossa história vivida.
Rememorar e narrar é trazer à cena, ao diálogo, as sensibilidades, o que nos constitui
como sujeitos. Somos sujeitos constituídos e carreados de memórias, experiências
vividas que nos tornam quem somos e como somos.
Ainda segundo Benjamin (2012, p. 197), “a arte de narrar está em vias de
extinção”, porque já não temos tempo de nos ouvir, de dar ao vivido o status de
experiência, daquilo que nos marca e nos modifica. Na modernidade vivemos na
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O hábito ainda não fez a sua obra. Uma vez que começamos a nos orientar, a
paisagem desapareceu, como a fachada de uma casa quando entramos. Ainda
não adquiriu uma preponderância através da investigação constante,
transformada em hábito. Uma vez que começamos a nos orientar no local,
aquela imagem primeira não pode nunca restabelecer-se (BENJAMIN, 1995,
p.43).
Assim, quem viveu aquela experiência narrada, a criança a qual o hábito não fez
sua obra, é ouvida e narrada por quem ele, o hábito, já o fez. E esse encontro entre
memória e narrativa produz um novo significado para o vivido, faz dele uma
experiência a ser narrada ao outro, produz um conhecimento de si no encontro com o
outro.
Os marcos e datas
Os marcos e datas trazidos pelos participantes do encontro trazem a percepção
de como “as crianças formam o seu próprio mundo de coisas, um pequeno mundo
inserido no grande”. (BENJAMIN, 2002, p. 57-58). Não sabemos se o que narraram
ocorreu exatamente como narrado e isso não é o que nos importa. A intenção não era
fazer um inventário do vivido. A intenção era trazer recortes da memória da infância
vivida pelos diferentes sujeitos que ali se encontravam. Como cada um viveu sua
infância construindo um mundo próprio, como observa Benjamin acima, cada um
narrou seu mundo próprio. Esse mundo próprio passou pelo filtro da relevância, foi
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lembrado o que teve relevância. O lembrado passou pelo filtro do narrador, o adulto que
se olha, que olha à distância a si mesmo, criança.
Os recortes da memória expressados em registros gráficos ou narrativas orais
serão aqui tratados como objetos de uma coleção, numa relação dialética de ordem e
desordem proposta por Benjamin (1995), compreendendo que:
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por ser a única da redondeza. Ainda tendo na varanda a mesa do lanche fornecido por
todos. A menina recorda a expectativa de todos em ver a seleção entrar em campo,
cantar o hino e gritar: gol! Uma memória que classifica como cheia de esperanças e
alegrias e a fazia adorar o futebol.
Temos o momento de ganhar o presente tão esperado, quando aos oito anos a
menina não consegue dormir de felicidade com a novidade dada pela mãe, a boneca tão
desejada.
Sobre brinquedos também há a narrativa de ganhar o brinquedo que não gostou,
quando o artefato industrializado dado para substituir o reutilizado retira do brincar a
fantasia que o movia. O menino narra a felicidade em brincar de cavalo pela rua com as
vassouras da mãe, o que nos lembra a colocação de Benjamin sobre as crianças:
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cinco anos de idade, seguida de uma ausência das lembranças até os oito anos, com as
brincadeiras de rua.
Narrativas que nos lembram que a infância não é uma época doce, distanciada da
vida concreta e objetiva, que as crianças estão inseridas no mundo organizado pelos
adultos.
O calendário construído
Após as narrativas orais, os participantes foram convidados a inserir seus
registros em um calendário esboçado em um quadro. O quadro se encontrava dividido
pelos meses do ano, com espaço para receber os registros. Assim, cada um buscou
associar seu registro a um dos meses, construindo um calendário que apresentava como
fatos os das suas infâncias.
Dessa forma, os registros de férias entre irmãos, primos, amigos, em quintais e
ruas, abriram o ano que se encerrou com o Natal e os encontros familiares e a retomada
das férias. Nele se inseriram os eventos pessoais como os aniversários, vividos de
diferentes formas, as festas religiosas e familiares, as mudanças, as alegrias, as
experiências, as tristezas, as aventuras, as pessoas.
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Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
______. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo: Editora 34, 2002.
BENJAMIN, W. Obras escolhidas II: Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1995.
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MAIA, Marta. Educação infantil: com quantas datas se faz um currículo? Dissertação
mestrado – PUC-Rio, Departamento de Educação, 2011.
MAIA, Marta. Isso é o que eu não sei responder -O currículo na palavra das crianças.
Trabalho apresentado no Seminário Vozes da Educação, UERJ, São Gonçalo/RJ,
2016b.
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Introdução
Por que iniciar este texto com um excerto do livro Pedagogia da Autonomia de
Paulo Freire, cuja temática trata de saberes, práticas e experiências? Porque este excerto
reflete sobre como se constituem os saberes da prática, para além dos saberes formais de
processos escolarizados, e me ajudam a pensar os processos pelos quais passam ou
passaram educadores, desde sua formação inicial à formação continuada em sua
trajetória profissional. E, desse modo, pode também expressar parte das discussões
sobre trajetória de aprendizagens profissionais de egressos do curso de Pedagogia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, campus Maracanã, quando habilitava,
de 1991 a 2002, ao Magistério em Educação de Jovens e Adultos (EJA), meu objeto de
estudo. Além disso, o excerto aguça minha curiosidade em conhecer os caminhos
trilhados, as práticas desenvolvidas, as errâncias e acertos, as concepções, e as
experiências tecidas pelos profissionais junto aos sujeitos da diversidade que compõe a
EJA.
A formação de professores e seus processos de aprendizagem constituem
temática atual e relevante, uma vez que professores são profissionais que lidam
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diretamente45 com pessoas na escola e com múltiplas formas de aprender, ou seja, lidam
com conhecimentos e saberes – de experiência prática, social e histórica — integrantes
da formação e do desenvolvimento da cidadania de jovens, adultos e idosos. Esses
conhecimentos e saberes, em estreita ligação com objetivos do ensino voltados à
melhoria da qualidade, constituem modos de aprendizagem que favorecem o exercício
da cidadania, a produção da vida no que tange à cultura, e formação de valores dos
sujeitos envolvidos, pela crença no potencial de estudantes e professores em constante
transformação nas práticas sociais (MARCELO GARCIA, 1999). Sendo assim, iniciar
este texto citando Freire, me faz refletir sobre a centralidade da discussão de educação e
desenvolvimento profissional de professores ao longo de trajetórias de vida e de
formação. Em tempos contraditórios e difíceis como os que vivemos, de constante
desvalorização e ataque a docentes e a intelectuais, a pesquisa visa desvelar concepções
de formação que acompanham e direcionam práticas de professores egressos de um
curso específico de Pedagogia na UERJ.
A temática da formação docente envolve o desenvolvimento profissional de
professores como ponto a considerar quando se deseja compreender e fomentar políticas
educativas de diferentes ordens, voltadas à formação de professores da educação de
jovens e adultos. Parte-se da premissa de que esta compreensão e que políticas mais
adequadas à formação de professores contribuem para superar desigualdades sociais que
persistem no país no campo da educação.
O momento atual impõe refletir sobre a questão da trajetória de formação
docente no Brasil, sem relegar a história e o percurso das diversas concepções de
formação, datadas desde a época da colonização. Do sistema jesuítico, passando para
aulas régias e de humanidades, até a institucionalização da carreira de professor, a
formação docente sempre esteve marcada pelo controle social dos detentores do poder,
porque era vista como forma de organizar a sociedade, e porque a instrução seria a
“salvação social” que propiciaria o progresso (VILLELA, 2000). Como pano de fundo
das políticas públicas voltadas a esta formação, situava-se o desejo de criação de uma
45
É importante salientar que o professor ou educador tem um papel muito importante no processo
formativo dos sujeitos interferindo qualitativamente ou não nos resultados esperados. Entretanto, não é
apenas este ator no cenário educativo o único a representar os resultados da qualidade. Há gestores,
formas de organização de trabalho, clima institucional, recursos físicos e materiais, participação da
família e comunidade, e as políticas educativas que interferem nos resultados da qualidade da educação.
Faço esse destaque com a finalidade de não cair no discurso do senso comum de que o professor é o único
responsável pela qualidade da educação.
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Em 26 de julho de 1990, durante o 5º Encontro Nacional em Belo Horizonte, por meio de convocação
de Assembleia Extraordinária, ocorreu a discussão, junto aos membros presentes, de transformação da
CONARCFE em Associação Nacional, materializando, no ano de 1992, a Associação Nacional pela
Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE) cuja presidência esteve, então, sob a
responsabilidade de Luiz Carlos de Freitas. (ANFOPE, 1990, p. 5).
47
Atentar para o fato de que esta proposta não se confunde com a que está em disputa, na atualidade — a
Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
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A história da manobra para aprovação da Lei, substituída no Senado em desrespeito ao regimento que
definia o trâmite legal, e que ficou conhecida como Darcy Ribeiro, não será aqui recontada, pois se
encontra fartamente tratada nos escritos da época.
49
É importante destacar neste contexto histórico, o movimento dos Fóruns de EJA, surgidos a partir de
1996, no Rio de Janeiro, quando a sociedade foi chamada pela Unesco a participar dos eventos
preparatórios à V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos. Os Fóruns de EJA tiveram papel
relevante, principalmente, porque se espalharam por todos os estados da federação, fortalecendo o diálogo
como espaços de representação de experiências de EJA envolvendo pessoas de instituições formais, de
classes populares e educadores de todos os níveis, mantendo um papel formativo como espaço de
discussões e reflexões, visando fortalecer a luta dos profissionais por políticas públicas para sujeitos
jovens e adultos não escolarizados.
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lutas e disputas democráticas, segundo Fonseca et al. (2000), ao dar espaço para que a
formação de professores entrasse na agenda política, favoreceu a inserção do campo da
EJA, com o reconhecimento das práticas docentes e a consequente dimensão teórico-
prática orientada por essas práticas, para a formação de profissionais na área.
A mesma entidade, a ANFOPE, participou de forma ativa na discussão e
elaboração de outro momento histórico da educação brasileira: o Plano Nacional de
Educação da Sociedade Brasileira (PNE 2001-2010), instituído pela Lei n. 10.172/2001,
bem como da discussão e elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso
de Pedagogia e das bases das Diretrizes das Licenciaturas, após sete anos de
enfrentamento com o MEC e com o Conselho Nacional e Educação (CNE), finalmente
aprovadas em 2006.
Minha pesquisa, apresentada brevemente nesta introdução, propôs-se a
investigar os sentidos da formação na trajetória profissional de pedagogos que cursaram
Pedagogia na UERJ, campus Maracanã, egressos da habilitação magistério em educação
de jovens e adultos, que atuam/atuaram em espaços escolares e educativos com jovens,
adultos e idosos, no recorte temporal de 1994 a 2005. Esse recorte se justifica pelo fato
de ser o período em que, no fluxo previsto para a conclusão do curso, os estudantes o
fariam, a partir da implantação do desenho curricular de 1991, substituído em 2003 por
outro modelo.
Para compreender os sentidos da formação nas trajetórias desses egressos,
escolhi trabalhar, por meio da entrevista compreensiva (KAUFMANN, 2013), com
narrativas autobiográficas (MOMBERGER 2014, PASSEGGI, 2008, BRAGANÇA
2008), cuja finalidade é entrecruzar possíveis temas que poderiam surgir diante da
perspectiva metodológica, tais como formação, experiência, trajetória pessoal e
profissional, compondo paisagens biográficas dos sujeitos egressos pesquisados.
A metodologia utilizada pode, ainda, cobrir lacunas apontadas em estudos sobre
pesquisas realizadas, como: carência de análise e aprofundamento das discussões sobre
os cotidianos das trajetórias dos egressos de Pedagogia habilitados para atuar na EJA;
pouco aprofundamento de conceitos e diretrizes necessárias para o campo da formação
docente em EJA; fragilidade no detalhamento teórico-metodológico de pesquisas, sem o
rigor exigido por uma investigação de doutorado.
A formação docente, nesta investigação, vem sendo compreendida, sob o âmbito
do paradigma da complexidade (MORIN, 2001), como rede de conhecimentos
(ALVES, 2002), nas relações multirreferenciais e multidimensionais (ARDOINO,
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2010) possíveis, em consideração às ações dos sujeitos egressos, por meio de suas
experiências, ações culturais, políticas, históricas. Essas duas perspectivas relacionais
podem ser assim explicitadas quanto ao que podem contribuir para a investigação de
meu objeto de estudo pela visão da heterogeneidade, sem compartimentar processos,
mas entendendo como os egressos alcançados se foram biografando (MOMBERGER,
2014) quanto ao seu estar no mundo: a) a perspectiva multirreferencial constituindo
uma epistemologia social da formação contra processos de desconstextualização de
modos e tempos de compreensão das experiências, sem abrir mão de especificidades e
conhecimentos produzidos nos diferentes processos formativos pelos quais os egressos
da habilitação em EJA passam/aram; b) a perspectiva muldimensional referindo-se à
dinâmica das relações, direta ou indiretamente, tecidas nos lugares que
ocupam/ocuparam em momentos de suas experiências nas instituições e nos interstícios
dos tempos.
Realizar pesquisa sobre egressos, portanto, é também levar em consideração
aspectos críticos referentes à carreira docente, para o caso daqueles que a seguiram,
considerando como carreira docente as etapas de formação inicial, inserção na docência,
possíveis desvios e estabilidade nessa carreira: “Al preocuparse por la carrera
profesional docente, se debe pensar en las etapas por las que el profesor transita ao
largo de su vida de ensenãnte” (VAILANT, 2014, p. 62). Nessas fases da carreira
docente, são decisivas as relações com os sujeitos com os quais esses docentes atuam e
o compromisso com a profissão, o que envolve formação e motivação de ensinar, além
de valorização social (VAILANT, 2014).
Assim, investigar a trajetória profissional e acadêmica de egressos da habilitação
em EJA poderá representar uma nova possibilidade para pensar teorias e práticas
formadoras e reduzir, quem sabe, perspectivas amadoras que constantemente vemos na
atuação docente em EJA, por carecimento de formação voltada ao público específico.
Poderá, em consequência, trazer também novas discussões e proposições junto aos
currículos das diferentes escolas de EJA e universidades de formação de professores no
país, bem como possibilitar novos olhares sobre políticas públicas de formação e
atendimento à EJA. Por último, pode-se admitir que os saberes docentes baseados em
experiências, ao serem respeitados, também podem conformar modos diferentes de
conceber currículo de formação, que melhor atenda a especificidades de docentes da
EJA.
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Referências
ALVES, Nilda. Tecer conhecimento em rede. In: ALVES, Nilda, GARCIA, Regina
Leite (org.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
FREIRE, Paulo. Não há docência sem discência. In: Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, p.23-28, 1996.
______. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Ed.,
1999.
MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2001.
NÓVOA, António. Nada substitui um bom professor: propostas para uma revolução no
campo da formação de professores. p. 199-227. In: GATTI, Angelina Bernadete (org.).
Por uma política nacional de formação de professores. São Paulo: Unesp, 2013.
sumário 364
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 365
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Cinema é cachoeira
(Humberto Mauro).
50
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(ProPEd/UERJ). Integrante do Grupo de Pesquisa ‘Currículos, redes educativas, imagens e sons’, no
Laboratório Educação e Imagem/UERJ, coordenado pela Profª Nilda Alves, associado à linha de
pesquisa Cotidianos, Redes Educativas e Processos Culturais. Bolsista de Pós-Doutorado em Educação
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ProPEd/UERJ) – Laboratório de Educação e Imagem
(Capes/Faperj).
51
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(ProPEd/UERJ). Integrante do Grupo de Pesquisa‘Currículos, redes educativas, imagens e sons’,
coordenado pela Profª Nilda Alves, associado à linha de pesquisa Cotidianos, Redes Educativas e
Processos Culturais. Profª Adjunta da Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo no Instituto
do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES) pertencente à Universidade Federal Fluminense.
52
Ver http://biblioteca.cl.df.gov.br/dspace/handle/123456789/1831 (acessado em 03/04/2019)
sumário 366
VII Seminário Vozes da Educação
elucubrações e descobertas sem fim, para quem a eles assistem, considerando que não
há espectador passivo.
Para o filósofo,
Embora sabendo que podemos entrar num assunto a partir de qualquer ponto,
não tendo que necessariamente ir a sua gênese, a ideia de buscar experiências pioneiras,
sempre nos pareceu – a alguns integrantes do grupo de pesquisa – interessante, mesmo
sabendo que entre a história e seu registro, há muito que o que escavar e rever
permanentemente...
Não é diferente com a história do cinema no Brasil e seus usos na educação. A
filmografia de Humberto Mauro se destaca no chamado ‘Ciclo de Cataguases’, cidade
em que alguns cineastas fizeram suas primeiras experiências com o cinematógrafo, por
volta dos anos 1920. Elas pretendiam ser uma resposta nacional às produções
estrangeiras, especialmente às norte-americanas que invadiam as salas de cinema. Parte
do que foi produzido pelos pioneiros em Minas Gerais, se perdeu. No entanto, a
filmografia de Mauro se encontra em grande parte preservada, incluindo, aí, os curtas
sumário 367
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
53
Ver http://www.bcc.org.br/colecoes/ince (acessado em 03/04/2019) e
http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-
bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p (acessado na mesma data).
54
O livro, uma obra rara, se encontra esgotado. No entanto, a Dissertação de Mestrado de mesmo nome,
de autoria de Maria Eneida Fachini Saliba, apresenta a pesquisa sobre o autor e sua obra. Ver referências.
sumário 368
VII Seminário Vozes da Educação
migrar por razões que passam por guerras, fenômenos climáticos, questões religiosas,
econômicas, políticas entre outras.
O cinema tem se mostrado um artefato cultural potente no encaminhamento
dessas conversas, que chamamos de ‘cineconversas’,55 uma vez que as produções nos
levam a “espaçostempos”56 diversos e abordam, por meio de roteiros originais, seja no
chamado cinema-documentário ou nos filmes de ficção as mais diferentes situações, no
que diz respeito à temática da migração. Os filmes, suas imagens e sons, nos permitem
ampliar nossas redes educativas, tecendo “conhecimentossignificações” que nos ajudam
a lidar com os desafios dos cotidianos.
É importante considerar que crianças e jovens, por força da legislação, são
matriculados nas escolas públicas. No espaço escolar, se juntam a outros alunos, muitos
deles, migrantes em seu próprio país. São muitas as barreiras a serem vencidas e o
domínio de uma nova língua surge como um dos primeiros desafios. Além deste aspecto
de imensa importância, há as questões de ordem psicológica e cultural que se
desdobram em aspectos que vão desde os hábitos alimentares aos modos como as
relações sociais se desenvolvem.
Existem, na cinematografia mundial, filmes que com diferentes enfoques nos
permitem perceber como essas questões se dão no “dentrofora” das escolas.
55
Recentemente, por proposta de uma das componentes do grupo – Rosa Helena Mendonça, uma das
autoras deste texto – passamos a chamar este movimento de ‘cineconversas’, pois de fato, sem seguir a
tradição de cineclubes, o movimento que realizamos tem as ‘conversas’ em torno de temáticas
introduzidas pelo processo de ‘verouvirsentirpensar’ os filmes como lócus central dessas pesquisas.
Assim, não se trata de conhecer os filmes em si e discuti-los em sua historicidade, construção técnica,
como obra artística de um criador etc – o que caracterizaria os processos realizados em um cineclube -
mas de, sem desconsiderar estes aspectos, usá-los como disparadores de pensamentos que permitam as
‘conversas’.
56
Optamos por grafar algumas palavras juntas, em itálico e entre aspas, para reafirmas a
indissociabilidade de algumas noções que a chamada Ciência Moderna buscou mostrar como dicotômicas
e em oposição.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
57
Disponível em https://www.google.com.br - cartaz do filme Um conto chinês (acessado em
01/04/2019
58
Um conto chinês (Un cuento chino), direção de Sebastián Borensztein. Elenco: Ignacio Huang (Jun) e
Ricardo Darin (Roberto), entre outros. Produção: Pablo Bossi e outros; Roteiro: Sebastián Borensztein ;
Fotografia: Rolo Pulpeiro; Trilha Sonora: Lucio Godoy; Ano: 2011; País: Argentina/ Espanha;
Distribuidora: Paris Filmes.
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VII Seminário Vozes da Educação
Procuramos referências que nos ajudassem a pensar este encontro evocado pelo
filme, o grande encontro entre o Ocidente e o Oriente, que vem se dando em vagas nos
últimos 500/600 anos, desde o período das grandes navegações, quando estas culturas
em tese tão díspares, passaram a se entretecer, a por momentos se estranharem,
travarem guerra e paz, encantamentos e problematizações.
Desta forma, nesta busca, encontramos uma obra, O segredo da flor de ouro –
um livro de vida chinês, de Carl Gustav Jung e um famoso sinólogo 60 do início do
século XX, Richard Wilhelm (2017), que trata de estudos profundos de um livro de
sabedoria chinesa. Estes autores também estavam pesquisando a questão, produzindo
esta pequena jóia, este livro, que numa parte intitulada Porque é difícil para o ocidental
compreender o oriente, afirmam:
59
Hugo Münsterberg (1863-1916), foi também um filósofo do cinema, antecipando muito de suas
posteriores teorias. Consultado em: pt.wikipedia.org/wiki/Hugo_Münsterberg, em 29/09/2019.
60
Sinólogo é o especialista em sinologia, sendo esta o “estudo que é referente à China ou aos seus
habitantes (língua, escrita, civilização, história, etc.)”, pesquisado em
https://dicionario.priberam.org/sinologia. Consultado em 15 de setembro de 2019.
sumário 371
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Teria sido isto que aconteceu com os dois personagens? Através das peripécias e
contratempos, do convívio não planejado e apesar da barreira da língua, surge um saber
da experiência, da solidariedade. Para Larrosa (2002) este saber é
sumário 372
VII Seminário Vozes da Educação
o que se adquire no modo como alguém vai respondendo ao que vai lhe
acontecendo ao longo da vida e no modo como vamos dando sentido ao
acontecer que nos acontece. No saber da experiência não se trata da verdade
do que são as coisas, mas do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece
(...), trata-se de um saber finito, ligado à existência de um indivíduo ou de
uma comunidade humana particular (...). Por isso, o saber da experiência é
um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência
não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que
enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência (p.27).
A procura por outros sentidos para a sua vida levou nosso personagem chinês
para a Argentina, e por estes mistérios que desafiam a racionalidade, ao entrelaçamento
de sua existência com a do pacato cidadão daquele país. O que acabou por mudar o
destino de ambos.
Estas autoras, citando Enzo Traverso61 (2004) procuram dar conta desse drama
que cerceia os imigrantes longe de suas origens “enquanto estrangeiros, desenraizados e
TRAVERSO, Enzo. La penseé dispersée – figures de l’exil judéo-allemand.(2004, p.10), citado por
61
sumário 373
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
o estudo que Elias (2000) realizou sobre Winston Parva aborda exatamente
os significados dos embates entre estabelecidos e outsiders. Buscando
compreender o que confere o caráter específico ao ‘comunitário’, o autor
analisou vários problemas relacionados ao enfrentamento entre nativos e
estrangeiros. Nas redes comunais, verificou que diferentes valores eram
atribuídos às famílias, constituindo-se uma hierarquia classificatória, na qual
aquelas gozavam de diferentes status. Essa hierarquia entre as famílias
influenciava as associações religiosas e políticas, o agrupamento em bares,
em clubes e em escolas; enfim, atravessavam todo o tecido social. Elias
apontou que, “para se manter, o status superior exige recursos superiores de
poder, conduta e crenças distintas e transmissíveis a terceiros, e que amiúde é
preciso lutar por ele; elas nos fazem esquecer que o status inferior (...) pode
caminhar de mãos dadas com a degradação e o sofrimento (p.22)”. Em
Winston Parva, o desenvolvimento de uma área industrial urbana trouxe
atritos e perturbações em função do confronto entre os moradores mais
antigos, com tradições provincianas próprias e os moradores mais novos,
portadores de idéias, maneiras e crenças diferentes. (...) Fica claro que os
migrantes, enquanto outsiders, são alvo de toda espécie de discriminação, já
que isso faz parte do movimento dos grupos estabelecidos em manter o seu
poder (p.74-75, grifos da autora).
sumário 374
VII Seminário Vozes da Educação
Falando sobre estas criações, o autor afirma que o que há “é narração, não
descrição” (p. 154) e no dizer de Alves (2013), que analisa essas ideias na obra de
Certeau:
Uma das autoras deste artigo, em sua tese de doutorado, falou desta ‘arte’
ancestral que é a narrativa:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Finalizando, dado os limites deste texto, trazemos Alves (2013), onde ela frisa a
relevância da arte de contar histórias:
Referências
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VII Seminário Vozes da Educação
DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora
34, 1992.
______; Guattari, Félix. O que é Filosofia? Tradução de Bento Prado Jr. e Alberto
Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992b.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
A pertinência de uma pesquisa narrativa em se tratando de sua materialidade
enquanto dispositivo potente na construção do conhecimento científico e como
dimensão formativa, reside em seu poder de transformação de si, em relação mais
essencialmente ao que pode acontecer na vida, pesquisa, formação e desenvolvimento
profissional do sujeito que se apropria da mesma, com as respectivas características,
finalidades e fins com os quais elenca e em diferentes espaços/tempos que se
corporifica.
A ideia de que fazemos alusão no tema deste artigo de “A narrativa como
experiência ressignificada no tempo”, está subjacente ao entendimento de que cada
narrativa expressa o seu conteúdo-forma numa temporalidade específica e singular, que
vai caracterizar o momento, época, lugar e tempo em que é tecida e quando lida ou
apropriada pelo sujeito que pode ser quem o narrou ou outro leitor, e que sempre vai
trazer uma leitura, reflexão e entendimento que vai diferenciando-se de um tempo para
o outro, apresentando possibilidades de interpretação, transformação e significados
outros.
Assim, cada narrativa tem uma expressão de seu tempo, apresentando
características e peculiaridades que desvelam os contextos políticos, econômicos,
religiosos, culturais, comportamentais e sociais de sua temporalidade, e de quando foi
narrada e quem participou, podendo ainda ser compreendida em função de quais
circunstâncias a narração permitiu ser elaborada.
Um aspecto crucial e que faz a diferença em relação à tessitura e compreensão
da narrativa, em consonância com o tratamento das inúmeras fontes que dela se utiliza e
se correlaciona, seja como dispositivo metodológico, de pesquisa, ensino ou formação,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
sobre a formação e os processos por meio dos quais ela se dá a conhecer (JOSSO, 2010,
p. 141).
Assim, temos trabalhado no grupo de estudos Polifonia, nesse modo de
pesquisa-formação, em que ao mesmo tempo em que estamos produzindo nossos
estudos e pesquisas somos implicados simultaneamente por processos formativos, e,
portanto, não há como separar pesquisa e formação, mas, pelo contrário, estamos nos
transformando e aprendendo novas teorias, conhecendo outros/as autores/as, escolhendo
os dispositivos metodológicos exequíveis e que atendam às demandas e necessidades da
pesquisa, além de irmos definindo ao longo do tempo durante a nossa caminhada, outros
inúmeros fatores que nos são pertinentes escolher e decidir. Eis, então, a ideia de
pesquisa-formação que vamos tecendo, ancorada na perspectiva da pesquisa-formação
narrativa (auto)biográfica em educação, como tem apontado Bragança (2018).
Dessa forma, neste escrito, nos amparamos em autores da pesquisa narrativa
(auto)biográfica em educação, com base em Ricoeur (1994), Josso (2010), Delory-
Momberger (2012), Bolívar et al (2001), Bragança (2012; 2018), entre outros.
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VII Seminário Vozes da Educação
campo dos estudos e da pesquisa narrativa (auto)biográfica, porque traz uma reflexão
acerca da relação do tempo com a narrativa, elucidando ainda, que foi nos escritos de
cunho religioso, com Santo Agostino, por exemplo, quem primeiro se preocupou com
essa relação na obra “Confissões”, de forma mais detidamente, e que nenhum outro
filósofo, escritor ou sujeito, tinha vislumbrado a potência da temporalidade para
compreendermos as implicações do tempo na experiência formadora que cada sujeito
possibilita se enredar e produzir significados substanciais à sua vida e experiência por
meio da narração.
É possível perceber e identificar a questão do tempo em uma narrativa, por meio
de palavras, expressões, fatos e acontecimentos que delimitam territorialidades e
demarcam situações e momentos ao longo do tempo e que podem ser apontados na
narração. Um exemplo, em relação às palavras utilizadas em uma perspectiva ampla, no
caso de: “foi”, “é”, “está sendo”, “poderá ser”. Estas palavras correspondem exemplos
que podem se fazer presentes em uma narrativa, e que, para o narrador, torna-se
inteligível em que temporalidade se encontra a narrativa, a propósito de situá-la no
passado, no presente ou no futuro.
Daí, a ideia de que “[...] A narração comporta um encadeamento de enunciados,
que supõe que o mundo humano se constrói como um todo no curso mesmo das ações e
acontecimentos” (BOLÍVAR et al, 2001, p. 20. Tradução nossa).
É preciso salientar que uma narrativa não pode tomar como princípio um nível
de comparabilidade no tempo presente em relação ao passado ou ao futuro, uma vez que
apresenta peculiaridades, características e modos próprios, além de outros de
situacionalidade, considerando as especificidades próprias de um tempo, época, lugar e
sujeito(s) envolvidos na trama tecida. Uma vez que “[...] nas intrigas que inventamos o
meio privilegiado pelo qual reconfiguramos nossa experiência temporal confusa,
informe, e, no limite, muda” (RICOEUR, 1994, p. 12, Grifos nossos). E mudam
também os modos como narramos nossas experiências, à medida em que nos engajamos
em outros contextos formativos, e aprendemos novos estilos de tecer narrativas. Ou
seja, ganha outras possibilidades compreensivas, reflexivas e a capacidade de tocar o
sujeito de modos diferentes, tendo em vista os acontecimentos processados no tempo
em que a narrativa é apropriada, refletida e em algumas vezes ressignificada.
E em relação a ideia de temporalidade da experiência narrativa como
ressignificada no tempo, tem a ver exatamente com o olhar que temos dela, mas não
somente nisso, envolve as habilidades e capacidades que temos de, junto com ela,
sumário 387
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações Finais
O tempo é um elemento chave na configuração da tessitura narrativa, e traz uma
potencialidade que se reverbera nas condições em que o narrado se materializa, e nas
implicações formativas e transformadoras entre o narrador e o sujeito que se apropria do
narrado.
sumário 388
VII Seminário Vozes da Educação
Mas não se trata de qualquer tempo, mas de uma temporalidade produtiva que
deve ser propiciada pelas condições existenciais, valorativas, atitudinais e profissionais
com que se defronta o sujeito na trama tecida que se propõe a fazer, em função do que
lhe dispõe e do que compreende, entende e sabe no plano de suas habilidades,
conhecimentos e experiências existentes.
Foi possível perceber ainda, que a relação entre pesquisador e sujeito(s)
pesquisado(s), há especificidades, contextos e desafios na produção do conhecimento
científico em se tratando de uma pesquisa-formação de abordagem narrativa
(auto)biográfica, pois existem fatores mediadores para que a pesquisa possa fluir, do
ponto de vista da produção de fontes, e por outro lado, o desfecho, continuidade e
conclusão do processo de pesquisar e se relacionar com quem pesquisamos, resultando,
em uma dimensão que pode envolver barreiras ou possibilidades, dependendo de como
estamos encarando a pesquisa e das relações estabelecidas durante a escolha das fontes,
como operacionalizamos e as próprias relações interpessoais entre os sujeitos na trama
da pesquisa.
Consideramos de um valor substancial numa pesquisa científica, primar pelas
dimensões conceituais e conceptuais de “experiência”, “experiência formadora” e da
“pesquisa-formação”, uma vez que são campos do saber que se entranham e se fazem
presentes na pesquisa narrativa (auto)biográfica, e produz um processo de significação
potencial para a construção do conhecimento científico, no que diz respeito, mais
especificamente: 1) a própria maturação das ideias que o pesquisador está produzindo;
2) o enriquecimento das reflexões construídas durante o processo de pesquisa-formação;
e, 3) a possibilidade de transformação suscitada pela tomada de consciência do narrado
em diferentes espaços/tempos do vivido e experienciando, permitindo, inclusive,
emancipar-se diante dos contextos em que está imerso.
Em suma, a temporalidade da experiência narrativa, se consolida no plano da
linguagem, a qual mediatiza os acontecimentos, fatos, aspectos e características de um
tempo, lugar, momento e ideias que são apresentadas na narrativa pelo sujeito que a
narrou. Do mesmo modo, acreditamos que a ideia de temporalidade não é fixa, pois o
interlocutor que se apropria do narrado, ressignifica essa narrativa, em função do que
dispõe de saberes, conhecimentos e experiências, e se torna uma via de reflexividade
potente, porque permite ser circunscrita no plano da transformação de si e do mundo à
sua volta, permitindo processos emancipatórios essenciais no contexto de sua vida,
pesquisa-formação e experiência profissional.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa (tomo 1). Tradução Constança Marcondes Cesar.
Campinas, SP: Papirus, 1994.
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VII Seminário Vozes da Educação
1 Notas introdutórias
[...] as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade
tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca,
singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e
posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão
sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de
mudança e transformação (HALL, 2014, p. 108).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
constituições subjetivas que vão nos tornando o que somos ou estamos sendo, que não é
mais o mesmo do passado, não estamos sendo no presente e nem o seremos no futuro,
pois todo acontecimento vai nos atravessando por uma infinidade de mutações ao longo
do tempo e do mundo que nos cerca.
Daí a ideia da temporalidade narrativa expressa em Ricoeur (2010), que situa o
plano da ação na configuração da tessitura narrativa como uma experiência que somente
o sujeito tem acesso quando as histórias são narradas, ou nas palavras do que o autor vai
dizer é que “[...] uma vida humana é uma história em estado nascente” e que somente ao
narrá-la é que “[...] temos acesso aos dramas temporais da existência” (RICOEUR,
2010, p. 127).
O uso do gênero feminino ao nos reportarmos ao termo de “professoras” é por
uma escolha política, por respeito às mulheres e por valorização às próprias professoras
pesquisadas que fizeram parte deste estudo, além de que a docência, em sua maioria é
constituída por mulheres.
Este texto dialoga com autores do campo da Pesquisa Narrativa
(Auto)Biográfica e as Histórias de Vida, na perspectiva de Ricoeur (2010), Josso
(2010), Candau (2012), Delory-Momberger (2008; 2014), Nóvoa (2010), Catani (et al,
2003), Bragança (2012), entre outros.
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, primando como dispositivos
metodológicos: as histórias de vida, as observações e o diário de pesquisa, que foram
realizadas com três professoras iniciantes que atuam nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, numa escola da rede pública de ensino de Caxias-MA.
A problemática de partida a que nos debruçamos é saber: Quais as implicações
das histórias de vida de professoras iniciantes no processo de constituição da docência?
E o que isso pode significar na escolha da profissão e no cotidiano da sua formação e do
desenvolvimento profissional?
Os objetivos do artigo buscam: compreender as implicações das histórias de vida
na constituição da docência de professoras em início de carreira, bem como refletir
acerca das potencialidades das histórias de vida no desenvolvimento profissional de
professoras iniciantes.
O recorte cronológico do estudo compreende um contexto contemporâneo, por
buscar dá visibilidade às histórias formativas do ser e fazer-se professora no século
XXI, na constituição de suas identidades profissionais, mais especificamente, situadas
sumário 392
VII Seminário Vozes da Educação
no ano de 2014, período este em que foi realizada a pesquisa com as professoras
iniciantes.
O presente artigo também se inscreve como uma pesquisa-formação que vem
nos acompanhando atualmente, tanto em relação à construção do texto de tese de
doutorado em educação do primeiro autor, que está em curso no Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
orientado pela segunda autora deste escrito, como mediado pelas reflexões, discussões e
estudos que estamos realizando nos grupos de pesquisa dos quais fazemos parte, que é o
GEPEC – Grupo de Estudos em Educação Continuada e o Grupo Polifonia, que
congrega professores/as da educação básica, mestrandos, doutorandos e professores da
Unicamp e da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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micro, pelo que faz, e pelo que pensa, mobiliza, sente e que tudo isso, e suas narrativas
historiadas sobre esse processo traz implicações na constituição de sua história, da sua
pessoa e da sua profissão, para então compreendermos como se dá a estrutura das
relações sociais, intersubjetivas e no plano da subjetividade, bem como das
transformações da profissão, entre outras questões numa dimensão macro.
A potência das histórias de vida se reverbera, a partir do momento, em que o
sujeito se vê implicado em um contexto, narra todos esses processos vivenciados,
experienciados e que lhe toca numa dimensão de implicação, de atravessamento, o que
o faz ir refletindo com e acerca de suas ações, de como se vê, e do que poderá melhorar
em seu percurso existencial e profissional, gerando, portanto, possibilidades de
transformações e emancipação, pela tomada de consciência que faz ao ler o que narrou
de sua história que viveu ou experienciou em algum momento de sua existência.
Cabe, portanto, dá legitimidade, no âmbito da pesquisa-formação com as
histórias de vida na educação, tendo em vista que “[...] Ao serem trabalhados, esses
relatos favorecem o redimensionamento das experiências de formação e das trajetórias
profissionais e tendem a fazer com que se infiltrem na prática atual novas opções, novas
buscas e novos modos de conduzir o ensino” (CATANI, et al, 2003, p. 19).
Em relação ao modo como é organizado as histórias de vidas das professoras
iniciantes pesquisadas, e como forma de respeitar os aspectos éticos e legais da pesquisa
científica, não iremos revelar os nomes das mesmas, e sim serão resguardadas suas
identidades. Primamos, portanto, pelo uso apenas das letras iniciais dos seus dois
primeiros nomes.
As histórias de vida das professoras participantes da pesquisa, foram produzidas
no cotidiano da escola, na relação entre pesquisadores e pesquisadas, por meio da
gravação em aparelho de áudio e depois transcritas para o computador, somando-se às
observações e aos registros do diário de pesquisa, que depois foi feito um
entrelaçamento entre esses dispositivos metodológicos, em que fomos questionando e
conversando com elas, sobre como se tornaram professoras e como chegaram até onde
chegaram e estão atualmente, permitindo a construção do conhecimento e a produção
deste artigo.
Nesse sentido, durante nossas conversas as professoras acessaram suas
memórias e histórias, conforme iam se lembrando no passado do que tanto fez e dos
contatos que tiveram enquanto estavam exercendo determinadas práticas e atividades
que tinham a ver com a educação, e em alguns casos na própria escola e na sala de aula,
sumário 396
VII Seminário Vozes da Educação
Nesta seção são apresentadas as histórias de vidas das três professoras iniciantes
participantes da pesquisa. Assim, é feito um entrelaçamento entre três dimensões da
pesquisa científica, entre: metodologia, empiria e teoria. Tais dimensões, vão para além
dos próprios relatos narrativos evidenciados das docentes, de modo a acessar níveis de
reflexão e compreensão acerca da escolha profissional da docência como profissão, a
partir do passado que vivenciaram e tiveram experiências de alguma forma com a área
da educação, constituindo, portanto, suas identidades profissionais no tempo da história
presente, ou seja, no momento contemporâneo em que estão vivendo e experienciando a
profissão.
Três eixos ou dimensões formadoras perpassam todas as narrativas das
professoras iniciantes pesquisadas e com as quais conseguimos depreender de suas
histórias de vida, quais sejam: memória, identidade e desenvolvimento sócio-
profissional.
A professora A.C. tem 33 anos. Possui formação em Magistério (1999),
graduação em Pedagogia (2012), especialização em Supervisão e Gestão Escolar
(2013), além de possuir curso em Libras (2013). Estudou toda a escolarização na rede
pública de ensino. Segundo evidencia em sua fala, acerca da constituição da docência
como profissão, nos informou que:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 398
VII Seminário Vozes da Educação
Nesse sentido, ao narrar sobre si, a partir do que entende, compreende, reflete e
toma as experiências e vivências como acontecimentos trilhados no percurso
existencial, o sujeito vai dando forma às suas histórias de vida, que vai diferenciando-se
de um espaço/tempo para outro, bem como, dos aspectos que vão trazendo implicações
durante a sua história do ser e fazer-se professora e de todos os atravessamentos que
permitiram dizer o que diz no momento em que evoca a sua narrativa, fruto de sua
história de vida. Essa dimensão reflexiva, pode ser corroborada com a ideia de que “[...]
a narração é o lugar no qual o indivíduo toma forma, no qual ele elabora e experimenta
a história de sua vida” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p. 56).
Por outro lado, cabe refletir que as exigências que a sociedade neoliberal no
contexto contemporâneo, vai colocando de modo hegemônico e partindo de uma
supremacia, preconizada pela onda avassaladora do consumismo, forjado pelo
capitalismo, cada sujeito, vai respondendo a modos diferentes de se perceber e de tecer
os seus caminhos pessoais e profissionais, em decorrência do que acontece e como toma
o acontecimento para si. Trata-se, pois, de uma ideia suscitada pela “sociedade do
hiperconsumo”, expressão batizada pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky (2015), e
que tem a ver com as necessidades criadas pela era da globalização que condicionam os
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
desenvolvimento futuro, conforme faz alusão Nóvoa (2010). Nesse sentido, ainda para o
autor, é nesse momento, que é possível situar o conceito de “reflexividade crítica”, fruto
do entrelaçamento entre as dimensões anteriores, que resultaria nesse processo de
refletir sobre si e sua formação, gerando, então, transformações relevantes na vida e
profissão.
Do mesmo moto, as experiências formadoras que tivera no passado, e acessados
no plano da memória, permitiu à professora iniciante, (re)elaborar os saberes da prática
pedagógica, com base no contexto e realidade que se apresentava, no momento em que
estava se defrontando profissionalmente. Fato este, que foi consubstanciado pelas
nossas observações no cotidiano de sua prática, e que, foi, inclusive, caracterizado por
processos de criação e (re)criação de saberes, materiais pedagógicos e atividades outras
extrapolando o currículo oficial, utilizando suas “astúcias” de “táticas” e “estratégias”
ao mesmo tempo, diante das práticas instituídas hegemonicamente (CERTEAU, 2012).
Cabe, portanto, pensar reflexivamente, diante do exposto que “[...] Ao lançar um
olhar mais detido e mais arguto sobre seu passado, os professores têm a oportunidade de
refazer seus próprios percursos, e a análise dos mesmos tem uma série de
desdobramentos que se revelam férteis para a instauração de práticas de formação”
(CATANI, et al, 2003, p. 32).
Do mesmo modo, com base na história de vida narrada da profa. O. L.,
entendemos com Ricoeur (2010, p. 116), que “[...] entender a história é entender como e
por que os sucessivos episódios conduziram a essa conclusão, que, longe de ser
previsível, deve ser finalmente aceitável, como sendo congruente com os episódios
reunidos”.
As três professoras iniciantes pesquisadas iniciaram sua profissão como
docentes nesta escola, duas delas, a A.C. e a O.L., junto com o início das atividades da
escola. A professora I.R. entrou na escola em seu segundo ano de existência, no lugar de
outra professora, que teve que se afastar para licença-maternidade, não retornando mais
para a escola, e que, portanto, I.R, acabou assumindo e permanecendo no lugar da outra professora, ficando até o momento
em que ocorreu a pesquisa como docente da instituição.
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Referências
BRAGANÇA, Inês Ferreira de Souza. Histórias de vida e formação de professores:
diálogos entre Brasil e Portugal. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012. Disponível
em: <https://doi.org/10.7476/9788575114698>.
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CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. 19. ed. Tradução de
Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
NÓVOA, António. A formação tem que passar por aqui: as histórias de vida projeto
Prosalus. In.: NÓVOA, A.; FINGER, M. (Orgs.) O método (auto)biográfico e a
formação. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa (Vol. 1). Tradução Claudia Berliner; Revisão da
tradução: Márcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2010.
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Introdução
62
Doutoranda do Curso em Educação FFP UERJ.
63
Professor Doutor FFP UERJ.
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explica que os textos legais são de natureza escrita e devem ser transformados em
práticas. Assim, é importante reconhecer que ocorre uma alternação entre modalidades.
Desse modo, os sujeitos e ou grupos que colocam em prática as políticas públicas, no
caso em questão, sobre a História e a Cultura Afro-brasileira no currículo educacional,
precisam
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64
Os zulus são conhecidos como um povo guerreiro que resistiu às invasões imperialistas bôeres (desde o
século XVIII) e britânica (no XIX) ao sul da África. Eles compõem a maior etnia em meio aos vários
grupos étnicos existentes na África do Sul (xhosas, suazis, sothos dentre outros), além de representarem
aproximadamente um quarto da população desse país. Atualmente, os zulus habitam a região do
continente africano que abrange territórios correspondentes à África do Sul, Lesoto, Suazilândia,
Zimbábue e Moçambique” (MELO, Aldina da Silva, 2017, p.22).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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3 Considerações finais
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Referências
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.
Obras escolhidas I.
______. Espaço e política: o direito à cidade II. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2016.
MELO, Aldina da Silva (2017). A África na sala de aula na África: a reinvenção dos
zulus. Dissertação (Mestrado em História, Ensino e Narrativas) - Universidade Estadual
do Maranhão - São Luís: 2017. 206 p.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Segundo Coll (2004), há duas grandes concepções, ambas presentes atualmente, do que
caracterizaria a Psicologia da Educação. Uma das visões entende a disciplina como
encarregada de transferir os diversos conhecimentos psicológicos à educação, buscando
descobrir quais dos conhecimentos da psicanálise, do gestaltismo, do behaviorismo,
dentre outras teorias psicológicas, poderiam contribuir para o âmbito educacional.
Diferentemente, a segunda concepção entende a Psicologia da Educação como uma
disciplina de natureza aplicada, que objetiva investigar questões que surjam na prática
educacional (COLL, 2004). Este tem sido o enfoque escolhido, tendo se buscado
apresentar concepções teóricas e pesquisas da psicologia relacionadas a questões do
cotidiano escolar. Assim, busco construir um espaço que possibilite a reflexão acerca
das situações vividas no chão da escola à luz das diferentes teorias e pesquisas na área,
pautada na indissociabilidade entre teoria e prática.
Aposto, em comum acordo com Larocca (2007, p.302), que “a Psicologia da
Educação deve assumir-se como disciplina teórico-prática, modificando-se o seu status
na formação dos professores, para que adquira o sentido de trabalho vivo e não
artificial”, superando a ideia de ser um ‘Fundamento’ a proporcionar embasamento
teórico descontextualizado e distante das questões que perpassam a educação. Almeida
(2005, p.150) também dialoga com tal posicionamento ao apontar que:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
BEHRENS, 2016). Tal pesquisa aponta para a urgente construção de espaços nos quais
se ventilem práticas reflexivas apoiadas em uma perspectiva dialógica.
É justamente pela aposta em experiências que evidenciem o encontro constante
entre teoria e prática que nos debruçaremos sobre uma das atividades que tem sido
ocasionalmente solicitada, a criação de um diálogo entre um/a professor/a e seus alunos.
A escolha pela análise dessa atividade se faz devido a seu potencial como disparadora
de reflexões acerca da presença docente e de sua disponibilidade para lidar com as
respostas discentes e a elas responder. O que ocorre na sala de aula é sempre da ordem
do inesperado, não se pode efetivamente prevê-lo, e será pela via da criatividade que
docentes conseguirão dar respostas ao que acontece, encontrar caminhos para dar conta
das necessidades que surgirem. A tarefa solicitada utiliza, então, como dispositivo a
imaginação, “fundamento de toda a atividade criadora”, sendo ela quem possibilita a
criação artística, científica e tecnológica (VYGOTSKY, 2014, p.4).
A atividade em questão é proposta a partir da discussão de umapesquisa
realizada por Tacca (2006), na qual foram analisadas as intervenções em sala de aula de
duas professoras do terceiro ano do ensino fundamental da rede pública cujas atitudes se
diferem drasticamente, sendo apenas uma delas capaz, nos momentos observados, de
trazer questões claras, estimular os alunos a participarem e promover a construção do
conhecimento. Licenciandas e licenciandos são, então, solicitadas/os a construírem, em
pequenos grupos, um diálogo entre um/a professor/a e seus alunos, que verse sobre um
conteúdo curricular escolhido pelo grupo e a partir do qual os alunos fictícios tragam
erros conceituais a serem desconstruídos pelos próprios com apoio docente, sem que a/o
professor/a dê as respostas corretas. Ao discutir as estratégias pedagógicas utilizadas em
sala de aula, Tacca (2006, p.48) amplia tal conceito, afirmando serem “recursos
relacionais que orientam o professor na criação de canais dialógicos”. Assim, a autora
afirma a dimensão relacional dos processos de ensino e de aprendizagem e, com isso, a
disponibilidade para estar e pensar com o outro.
Biesta (2013) aponta a existência de três dimensões nos propósitos educacionais,
a qualificação, a socialização e a subjetificação. As duas primeiras são levadas em
consideração com mais frequência nas escolas: a qualificação se refere à aquisição de
conhecimentos e habilidades enquanto a socialização garantiria a iniciação de crianças e
jovens nas tradições, nas formas de ser e estar em nossa sociedade. A terceira dimensão,
que trata especificamente da produção de subjetividades, de como e quem cada pessoa
vai se tornando a partir das experiências, é frequentemente ignorada nas ações
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
educativas. A ênfase excessiva nas outras duas dimensões provoca efeitos nesta terceira
(BIESTA, 2015), afetando a maneira como o estudante se percebe e se relaciona com os
saberes e com os demais. Assim, interessa garantir um espaço de liberdade e confiança
para que os estudantes se expressem e compartilhem suas dúvidas e saberes. Com hooks
(2019, p.16) é possível pensar, tanto na educação básica como no ensino superior, que
“a sala de aula deve ser um lugar de entusiasmo, nunca de tédio. E, caso o tédio
prevalecesse, seriam necessárias estratégias pedagógicas que interviessem e alterassem
a atmosfera, até mesmo a perturbassem”.
Na tarefa proposta, os grupos buscam criar diálogos nos quais a professora
encontre estratégias para que os estudantes consigam construir conhecimento a partir de
suas dúvidas. Com frequência a professora imaginária lançará mão de elementos
concretos e cotidianos para ajudá-los nesse processo, como visto no exemplo abaixo:
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VII Seminário Vozes da Educação
Professora: Bom dia, turma! Hoje nós iremos falar sobre as paisagens. Alguém sabe me dizer
o que é paisagem?
Aluno 1: É a imagem que tem no quadro!
Aluno 2: A praia, a montanha e o jardim.
Professora: Sim, estão corretos, mas existem outros tipos de paisagens. Quando a gente sai de
casa, o que a gente vê?
Aluno 1: Quando eu saio de casa eu vejo o carro, a casa dos meus vizinhos, o bar...
Aluno 2: Eu vejo o valão que tem na minha rua!
Professora: É isso mesmo! Vocês percebem que falaram várias coisas que podemos observar?
Tudo isso é paisagem também.
Aluno 1: Então tudo que eu vejo é paisagem?
Professora: Sim! A paisagem é tudo aquilo que nós vemos. Nossa sala é uma paisagem?
Aluno 2: Não!
Professora: Por quê?
Aluno 1: Porque não tem nenhuma árvore aqui dentro.
Professora: Mas a árvore é um tipo de paisagem, a paisagem natural. A sala de aula é uma
paisagem que foi transformada por alguém.
Aluno 2: Então ela era árvore?
Professora: Talvez, mas hoje nós só vemos o que alguém transformou. Então, quando o que
vemos tem mais natureza, essa paisagem é natural. Agora, quando nós não conseguimos
identifica-los, essa paisagem é transformada. Agora vamos fazer uma atividade: cada um vai
desenhar a nossa sala de aula.
Após a tarefa os alunos apresentam os desenhos para a turma.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
(...)
- Bom, Julia, então hoje vamos estudar medidas de tempo. Irei passar uma atividade para
saber qual o seu nível de conhecimento e ver se você possui alguma dificuldade. Vamos lá?
1) Complete:
a) 1 hora = 60 minutos
b) 2 horas = 120 minutos
c) 3 horas = 180 minutos
d) 5 horas = 300 minutos
e) 10 horas = 600 minutos
f) 24 horas = 1440 minutos
g) 1h e 20 minutos = 7200 minutos
h) 2 h e 30 minutos = 13800 minutos
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VII Seminário Vozes da Educação
Ainda que haja certo exagero nos incentivos, especialmente logo após a
realização da atividade quando a professora diz estar “certíssimo” embora nem todos os
itens tenham sido corretamente respondidos, o grupo se atenta a buscar entender o que
levou a aluna a respondê-los incorretamente. Além disso, a professora imaginária
também leva Julia a refletir sobre seus resultados, uma importante aprendizagem em
direção a sua autonomia. É justamente essa postura atenta a partir da qual cada sala de
aula se constitui em um “espaço de investigação, revelação, descrição e análise das
produções dos alunos” que Muniz (2006, p.164) propõe para a educação matemática,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
impedindo que essa disciplina se perpetue como mais uma ferramenta de exclusão
social na educação pública.
Para quem não tem experiência em sala de aula, por vezes a tarefa se mostra
mais desafiante, pois, como apontado por Vygotsky (2014, p.12), “a atividade criadora
da imaginação está relacionada diretamente com a riqueza e a variedade da experiência
acumulada pelo homem”. Em um grupo de quatro estudantes, as graduandas explicitam
sua dificuldade em iniciar a construção do diálogo apontando para a ausência de alguém
no grupo que tivesse experiência docente. Trago para mesa a ideia de que se houvesse
alguma professora no grupo, provavelmente tal pessoa construiria o diálogo e elas
pouco contribuiriam, e que da maneira como o grupo se organizou elas têm mais
possibilidade de criar. Tal perspectiva as faz pensar e as incentiva a se engajar na
atividade de outra maneira. A princípio o grupo propõe um diálogo sobre o tema
diversidade. No semestre anterior algumas das discentes deste grupo haviam realizado
um trabalho com esse relevante foco. Tal escolha, no entanto, torna mais difícil a
construção por não conseguirem pensar em dúvidas ou erros conceituais relacionados ao
tema transversal. Sugiro, então, repensarem a temática e dou algumas sugestões de
conteúdos curriculares. Elas optam por trabalhar com o conceito de mamíferos e
conseguem elaborar o diálogo, não sem dificuldades, precisando ocasionalmente de
apoio.
Quando se faz necessário que discentes realizem a tarefa individualmente em
casa por terem se ausentado no dia, geralmente encontram dificuldades em construir um
diálogo efetivo e se sobrepõe a tendência docente de dar explicações a todo o momento,
postura que se opõe à noção de educação trazida por Ingold (2018) de participação de
todos, professoras/es e estudantes, para que correspondam. De maneira semelhante, a
realização dessa atividade em sala de aula, e não como tarefa de casa, tem sido
importante para que trabalhemos juntas/os e encaminhamentos possam ser feitos.
Durante sua realização, caminho por entre os grupos e dialogo, problematizando alguns
elementos que surgem. Certa vez, um grupo escolheu trabalhar o conceito de adjetivo a
partir do conhecido livro Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado.
Professora: Agora que já conhecemos a história “Menina bonita do laço de fita”, vamos
juntos tentar encontrar os adjetivos, as qualidades da menina que aparecem na história. Quais
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VII Seminário Vozes da Educação
vocês lembram?
Pedro: Pretinha, professora!
Professora: Pretinha? É uma qualidade? Vamos pensar... pretinha, é pela cor negra que ela
tem, então é uma característica dela. Ela é pretinha, é uma menina...?
Raquel: Que usa laço de fita, tia!
Professora: E ela usa o laço de fita para ficar como?
Pedro e Raquel: BONITA!
Professora: Muito bem! Bonita é o adjetivo da menina, expressando sua qualidade. Agora
vamos encontrar os adjetivos dos amigos aqui da sala. Laura, fala um adjetivo do Pedro?
Laura: Alto!
Professora: Agora João fala um de Raquel.
(...)
Fonte: Arquivo pessoal
A leitura atenta do diálogo me fez perceber que ao perguntar “e ela usa o laço
de fita para ficar como?” a professora, de maneira não intencional, dá a entender que é
o laço de fita que deixa a menina bonita e não sua raça, ideia pretendida pela autora do
livro. O grupo foi alertado do deslize e o diálogo também possibilitou uma discussão
conceitual já que o grupo mostrou entender que pretinha não seria um adjetivo.
Adjetivos não são apenas qualidades, características também o são. Tal como alto,
resposta que não foi questionada pela professora, pretinha também é um adjetivo, usado
continuamente na história para caracterizar a personagem principal.
Socializar tais reflexões tem se mostrado uma potente atividade formativa,
gerando discussões na turma a partir das leituras dos diálogos por cada grupo. Muitas
vezes em sala de aula professoras e professores podem deixar passar despercebido o
ensino de um conteúdo inadequado. Morais (2013), se afirmando no papel de professora
pesquisadora, aproveita situações vividas por ela própria para pensar a escola como
lugar de produção de saberes. O deslocamento causado por esses acontecimentos a
provocou a repensar suas práticas e perspectivas:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Em uma das inúmeras vezes que leu a seus alunos de seis e sete anos o conto do
Patinho Feio, conto que narra a história de um ser excluído do grupo social por ser
diferente, um importante deslocamento ocorreu:
Inicio do dia. Uma das meninas leva uma novidade para mostrar à turma: um
livro que ganhou de presente no dia anterior, data de seu aniversário. As
crianças pedem que eu leia a história. “Menina bonita do laço de fita”, fala de
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VII Seminário Vozes da Educação
um coelho branco que quer ser negro como certa menina que ele sempre via e
que achava linda. Ao fim da leitura, ainda sob o impacto da história, uma das
alunas dispara:
- Ih, essa menina da história é preta igualzinha a Viviane.
- Não sou nada. - diz a menina magoada, sem conseguir conter o choro. -
Minha mãe não deixa eu ser preta, não. Ela diz que eu sou moreninha
(MORAIS, 2013, p. 57).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Janaína colabora:
- Professora, eu vi na novela que minha mãe assiste que a moça falou assim: “dei muito
dinheiro neste casarão”. Será que é casarão?
Adriano aponta:
- Se a casa não casou o aumentativo dela é casarão ué?!
(...)
Fonte: Arquivo pessoal
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
BIESTA, G. The duty to resist: Redefining the basics for today’s schools. RoSE
Journal, v.6 Special Issue, ENASTE, p.1-11, 2015.
JUNGES, K.; BEHRENS, M.Uma formação pedagógica inovadora como caminho para
a construção de saberes docentes no Ensino Superior. Educar em Revista, Curitiba,
Brasil, n. 59, p. 211-229, jan./mar. 2016.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O contexto social em que estamos inseridos nos dias de hoje é mais um reflexo
de uma sociedade estruturada no racismo e no preconceito. Tratar as relações raciais no
cotidiano escolar não é uma tarefa fácil, tendo em vista os entraves que perpassam o
meio, portanto, se torna um desafio o trabalho para a re-educação das relações raciais.
Em janeiro de 2003 foi sancionada a lei federal 10.639 que inclui a temática
história e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica. A lei dispõe que o
conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta
dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando o protagonismo do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertencentes a história do Brasil (BRASIL, 2004).
A Lei 10.639/03 é uma conquista da luta do movimento negro e de movimentos
sociais que tem comprometimento para transformar a realidade do racismo no Brasil e
que ainda se faz presente nas práticas escolares. Sendo assim, muito mais que questão
de conteúdo, a lei contribui também para que haja uma mudança de mentalidade nos
alunos e, com isso, a desconstrução, a desnaturalização de qualquer tipo de preconceito.
Na visão da Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, a lei:
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
compreendida tal qual nos ensina a tradição oral africana: “como um dos seus
fundamentos, como um dos seus princípios, como forma de conviver, de ensinar-
aprender em comunidade” (BÂ, 1982, 2003).
Os Encontros Pedagógicos da pesquisa têm como objetivo colocar
professores/as da escola básica e alunos/as em formação a par da importância da
aplicabilidade da lei 10.639/03 nas instituições de ensino a fim de co-construirmos
possibilidades para sua implementação levando em conta a realidade do município de
São Gonçalo onde se localiza a FFP-UERJ
Neste trabalho, destaco alguns Encontros Pedagógicos durante minha
participação como Bolsista de Iniciação Científica da pesquisa (Pibic/UERJ), pois neste
período participei de forma mais atuante. Neste período houve, também, a contribuição
de grupos de pesquisa coordenados pela Profª Drª Mairce da Silva Araújo e pela Profª
Drª Jacqueline de Fatima dos Santos Morais, diálogo que muito enriqueceu o trabalho.
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VII Seminário Vozes da Educação
nossos nomes e sobrenomes são, na verdade, os nomes que foram dados aos nossos
ancestrais quando aqui chegaram para serem escravizados.
“O nome que era dado, era o nome da família que os compravam” (professor
Israel de Oliveira – participante do grupo de pesquisa). Assim, a partir do diálogo
estabelecido no grupo, buscamos refletir, também, sobre os valores que foram retirados
e substituídos pelos valores do colonizador, apagando memórias e histórias ancestrais.
O objetivo foi estimular os alunos a pensarem de forma crítica, para que eles
pudessem responder às questões propostas e que pudessem pensar sobre as questões que
traziam alguns valores civilizatórios afro-brasileiros (TRINDADE, 2005): oralidade,
corporeidade e ancestralidade, por exemplo.
A oralidade é uma herança de culturas tradicionais. Assim, é uma herança da
cultura africana, uma força que precisa ser potencializada, não ignorando o valor da
escrita em sociedades letradas, mas sim como afirmação de potência, de independência.
Associa-se ao corpo através da voz, da música. A oralidade é o mecanismo de
perpetuação da memória africana, que carrega consigo a responsabilidade de manter
viva a história africana e afro-brasileira.
A corporeidade se expressa através do corpo, ao respeito pelo corpo. O corpo
fala. A corporeidade traz o corpo como ator principal, atuando através das danças,
brincadeiras e músicas. É a interação com outros corpos.
Quando trabalhamos com a ancestralidade, trabalhamos diretamente com a
memória. Resgatar a memória da vivência afro-brasileira é dar voz às pessoas que tem
sabedoria, as que trazem em suas narrativas e em seus corpos a bagagem de uma
história invisibilizada.
Esses valores não são lineares, se interpenetram, estabelecendo conexões no
cotidiano, se relacionando continuamente. Esses valores civilizatórios afro-brasileiros
nos dão força e resistência para termos “consciência das várias ascendências que
coexistem dentro de nós” (TRINDADE, 2005). Potencializam, coletivamente, a luta
para rompermos com o racismo que nos marca e valorizarmos ainda mais nossa afro-
descendência. Referenciados pela tradição oral africana (BÂ, 1982, 2003) e pelos
valores civilizatórios afro-brasileiros (TRINDADE, 2005), a marca principal dos
encontros é a participação, de forma não hierarquizada, de todos os presentes:
pesquisadores/as, professores/as e alunos/as em formação, já que a pesquisa propõe o
compartilhar de experiências pedagógicas, buscando a autonomia na formação docente.
Consideramos que, a partir desta metodologia de investigação-formação (JOSSO,2005),
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O contato com uma nova versão sobre a África e com a cultura afro-brasileira
nos faz compreender tamanha importância da implementação da lei e
estamos reencontrando em nossas Oficinas Pedagógicas, tais valores
civilizatórios: a “oralidade”, tão cara em nossas práticas, se faz presente todo
o tempo no compartilhar de experiências em que a “memória” vai revelando
nosso passado que se entrelaça com o presente e anuncia futuros; a
“circularidade, tanto na fala, no discurso, como na própria forma de nos
sentarmos em roda nos olhando e compartilhando saberes – pesquisadoras e
professores/ as participantes; a sabedoria que nos ajuda a pensar quantos são
os elos de “solidariedade” (ou princípio da cooperatividade) presentes na
comunidade gonçalense, que traz marcas da “ancestralidade” africana,
importante valor que nos re-encanta e nos alimenta em busca de caminhos
emancipatórios. Assim como estes, a “religiosidade”, que se revela nas
experiências narradas; a “musicalidade”, “corporeidade”, “ludicidade”,
“energia vital”, ou seja, muito axé e troca a partir das poesias, das músicas,
dos jogos e dos encontros estabelecidos (JESUS, 2013, p. 69.).
Assim, o que nos importa neste texto é trazer a percepção de alunos e alunas
de escolas públicas de São Gonçalo acerca deste racismo. A percepção e a
leitura da realidade por alunos e alunas negros/as que entendem que o
“cativeiro social”, marca suas trajetórias escolares e marcará suas trajetórias
profissionais. Que entendem que “a liberdade ainda não raiou” para o povo
negro no Brasil. Jovens que compreendem, porque “sentem na pele” que “O
corpo negro é elemento central na reprodução de desigualdades. Está nos
cárceres repletos, nas favelas e periferias designadas como moradias”, como
ousou dizer, denunciar e lutar a vereadora e militante dos Direitos Humanos,
Marielle Franco, até que foi calada barbaramente, em sua voz e em suas
ações, no dia 14 de março de 2018. denunciava, atualmente, Abdias do
Nascimento, em 1968, denunciava também e nos alertou que: ... Enquanto
um negro fôr tolhido em sua liberdade por ser negro, enquanto um negro
tiver obstaculizada sua realização pelo fato de sua côr epidérmica, todos nós
–os negros –estaremos implicitamente sendo atingidos em nossa dignidade de
homens e brasileiros (NASCIMENTO, 1968, p. 52).O que ambos dizem está
evidenciado na segregação socioespacial, presente nos estudos de Andrelino
Campos (2005, 2013) que revela a desigualdade racial. Em seu livro “Do
Quilombo à Favela”, podemos compreender como o espaço geográfico busca
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VII Seminário Vozes da Educação
Campos (2013) vai nos dizer que a segregação socioespacial sempre esteve
presente na literatura acadêmica. Ele coloca a segregação em dois modos: a
autossegregação e a segregação induzida, sendo voluntária e involuntária
respectivamente. Mas ele foca na segregação induzida como forma de análise dos elos
para entender a expansão do tecido urbano carioca.
Após a abolição da escravatura, sem nenhuma política pública que garantisse
moradia, trabalho, condição mínima de sobrevivência, os ex-escravizados por conta de
não terem onde morar, começaram a construir suas próprias casas, foi aí que se deu o
processo de favelização, marginalizando o segmento negro da população, pois os negros
construíram suas casas nos morros em volta dos centros urbanos. O negro sempre foi
visto como um marginal pela sociedade, e sabemos que a criminalização no Brasil tem
cor, e o que sustenta essa afirmativa é a população carcerária majoritariamente negra.
Eu não posso reclamar de nada, por que eu tenho segurança nos mercados, no
Shopping. Então eu ando “tranquilão”, enquanto os brancos andam sem
segurança. Mas muitas das vezes a culpa nem é do segurança, mas sim do seu
patrão, que acaba mandando vigiar alguém que não tem nada a ver com isso e
ele acha realmente que não tem nada a ver, mas ele tem que obedecer às
ordens pra não ser demitido (Zaki aluno do terceiro ano do Ensino Médio, do
CIEP 439 Luiz Gonzaga Júnior, localizado no bairro Luiz Caçador – São
Gonçalo).
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costura e sem marcação nos olhos, boca e nariz pois assim estaria representando todas
as etnias africanas.
Ao confeccionar a boneca, a dinamizadora Janaina Nery foi trazendo à tona a
origem da Abayomi a partir de uma tradição oral, do contexto da diáspora a sua
popularização, o significado do nome e o sentido de “Memórias, afetos e resistências
nesse contexto. A resistência feminina na diáspora, sobretudo durante a travessia; a
questão do afeto ligado ao termo ‘Abayomi’ (Encontro precioso)”. Foi entrelaçando sua
fala no memento da confecção das bonecas: “Eu dou para você o que tenho de melhor
ou o que há de melhor em mim e da memória com essa herança africana”.
Lena Martins foi quem popularizou a boneca nos 80. Janaína Nery comentou
sobre o potencial que têm a circularidade e a oralidade como um formato, ou uma
estratégia nas práticas pedagógicas com os alunos das séries iniciais, uma forma de já
inserir esses valores africanos de forma natural.
A riqueza do encontro nos fez esquecer do registro em vídeo, prática que temos
em nossos encontros, pois cada encontro pedagógico é gravado em áudio e vídeo para
posterior transcrição das narrativas. Neste, uma aura nos enlaçou na roda de confecção
das bonecas Abayomi e nossa memória gravou o momento de forma muito singular nos
aproximando de nossa ancestralidade.
sumário 439
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
que trazemos a seguir: “Práticas antirracistas nos cotidianos escolares nas séries
iniciais” e “Aula passeio: Circuito Pequena África”.
O Encontro Pedagógico “Práticas antirracistas nos cotidianos escolares nas
séries iniciais”, ministrado pro Phellipe Petrazi Moreira e Maria Martinha Barbosa
Mendonça, Mestrandos em Educação - PPGEdu Processos Formativos e Desigualdades
Sociais e foi realizado na UERJ/FFP, localizada no bairro Patronato, São Gonçalo, no
dia 15 de abril de 2019.
As práticas pedagógicas antirracistas nos ajudam a pensar como mudar a
realidade de exclusão dos afrodescendentes, são ações solidárias e transformadoras, que
desenvolvida no espaço micro contagiam outros sujeitos, que segundo Boaventura de
Souza Santos (2010) é uma “ecologia de saberes”, pois os saberes da experiência junto
com a valorização das matrizes africanas que estão presentes na cultura brasileira são
colocados em diálogo crítico com o conhecimento científico.
Sendo fundamentais para a re-educação dos alunos frente ao racismo. Durante os
Encontros Pedagógicos foram compartilhadas as experiências dos/as professores/as,
dialogamos sobre qual/quais metodologia/s utilizam para trabalhar a questão racial em
sala.
O final de cada encontro pedagógico, o momento pressupõe que se sentem em
grupo e pensem práticas pedagógicas a partir de suas realidades, de seus cotidianos, e
que registrem suas propostas. Esse Encontro Pedagógico foi direcionado a professores
em formação da Faculdade de Formação de Professores FFP/UERJ, na turma de
Alfabetização III, e do mesmo modo deixaram práticas pedagógicas antirracistas que
contribuem para a superação do racismo no espaço micro – o cotidiano escolar. Foi
sugerido que formassem três grupos de cinco alunos/as e deixassem suas propostas.
Destaco aqui algumas propostas pedagógicas:
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VII Seminário Vozes da Educação
Mostrar, a partir de um debate que se inicia com a turma, uma frase racista
(sugerida pela professora) e a partir dessa frase pedir para as crianças
escreverem o que sentiram com aquela fala e ir colocando esses sentimentos
descritos no painel de TNT. Levantar uma conversa sobre o racismo e as
diferenças a partir da dinâmica realizada (Latasha, Latifa, Gimbia, Anaya e
Malik, alunas em formação da turma Alfabetização III).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 442
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 443
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Conclusões provisórias
sumário 444
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
JESUS, R. de F.; ARAÚJO, M. da S.; CUNHA JR., H. (orgs.). Dez anos da lei
10.639/03: memórias e perspectivas.Fortaleza, UFC, 2013, p. 79.
M. da S.; CUNHA JR., H. (orgs.). Dez anos da lei 10.639/03: memórias e perspectivas.
Fortaleza, UFC, 2013, p. 243 – 267.
NÓVOA, A. A formação tem que passar por aqui: as histórias de vida no projeto
Prosalus (p. 107-129). In: NÓVOA, A. et al. (org).O método (auto) biografia e a
formação. Lisboa, Ministério da Saúde, 1988.
sumário 446
VII Seminário Vozes da Educação
Daniel de Oliveira65
CREJA, SME-RJ/ FFP-UERJ
profoliveira.d@gmail.com
Mairce Araújo66
FFP-UERJ
mairce@hotmail.com
Introdução
65
Daniel Pereira de Oliveira <profoliveira.d@gmail.com>, Doutorando em Educação e Mestre em
educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação: Processos Formativos e Desigualdades Sociais,
da Faculdade de Formação de Professores, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ).
Professor na Rede Pública Municipal de Ensino do Rio de Janeiro, atualmente é Coordenador Pedagógico
do Centro Municipal de Referência de Educação de Jovens e Adultos (CREJA). Participa, como
pesquisador, dos grupos Vozes da Educação: memória(s), história(s), formação de professores(as);
Alfabetização, Memória, Formação docente e Relações Étnico raciais (ALMEFRE); e Rede e coletivos de
Docentes que Estudam e narram sobre Alfabetização, Leitura e Escrita (REDEALE)/ FFP-UERJ.
66
Mairce da Silva Araújo <mairce@hotmail.com>, Doutora em Educação pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), com Pós-Doutorado pela FE/UNICAMP e pelo IPL/ Leiria/ Portugal. Professora
Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atua na Faculdade de Formação de
Professores (FFP). Docente do Programa de Pós-graduação em Educação (Mestrado): Processos
Formativos e Desigualdades Sociais. Líder do Diretório de Pesquisa Vozes da Educação: memória(s),
história(s), formação de professores(as).
sumário 447
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 448
VII Seminário Vozes da Educação
Como o fio que compõe o colar das missangas, as narrativas docentes orais ou
escritas que temos encontrado em nossas investigações, ressignificam práticas e
experiências pedagógicas, contribuindo para desvelar formas outras de pensarpraticar
os saberesfazeres docentes, produzir e socializar esses conhecimentos.
Pesquisando com a escola e não sobre a escola e, consequentemente, produzindo
um conhecimento junto com as/os professoras/es e não sobre suas práticas, entendemos
poder contribuir para fortalecer um paradigma de formação docentequequestiona uma
visão monocultural do saber, que elegeu a ciência moderna como critério único de
verdade, e a Universidade e os seus intelectuais como os legítimos representantes desse
saber, tal como denuncia Santos (2006). Reconhecer professores/as e a escola como
interlocutores/as e coautores/as legítimos/as no processo de produção de conhecimento,
tem favorecido a emergência e o reconhecimento de saberes instituintes, integrantes de
uma “ecologia de saberes” (SANTOS, 2006) que emergem em práticas interculturais.
Temos, portanto, em nossas ações e pesquisas, defendido a escola como espaço
de formação. Isto implica compreender o/a professor/a como pesquisador/a de sua
prática, entendendo que essa atitude pode favorecer a construção de práticas educativas
mais favoráveis aos alunos e alunas. Temos visto o/a professor/a que reconhece a
investigação de sua própria prática como um importante instrumento de ação,
contribuindo, nos espaços coletivos de formação, com outros/as professores/as,
narrando suas experiências, compartilhando suas inquietações e socializando seus
avanços (MORAIS e ARAUJO, 2014).
Discutindo a potencialidade da narrativa para a compreensão e ressignificação
dos fazeres ordinários que emergem no cotidiano escolar, compreendemos que o fio
que costura as narrativas dos/as professores/as compõem-se de múltiplas experiências
vividas no chão da escola e das comunidades que cercam a escola, experiências que se
encontram nas inquietudes suscitadas no e pelo cotidiano, que mobilizam a reflexão
sobre a prática. A participação em coletivos docentes que assumem uma postura
investigativa a partir do cotidiano da escola e da comunidade e o enfrentamento ao
desafio de transformar narrativas orais, prática mais tradicional entre docentes, em
narrativas escritas são outros fios a costurar as narrativas aqui contempladas.
A escrita das narrativas por professores/as se inscreve, assim, como um esforço e
como luta para dizer a própria palavra, seus saberes e dizer sobre si, como um exercício
de autoria. Parte da discussão teórica desse texto, recorte de uma dissertação de
sumário 449
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Refletir sobre a própria prática docente não é um ato que precise ser solitário.
Pode fazer parte desse ato as trocas entre pares compartilhando as práticas, as histórias,
as experiências, olhando juntos, refletindo, pensando e estudando juntos, procurando
caminhos para uma prática mais bem qualificada para atender a reais demandas
percebidas no cotidiano escolar cujas práticas hegemônicas não têm conseguido
resolver.
É importante afirmar os papeis de coletivos docentes como o Grupo de Estudos
e Formação de Escritores e Leitores (GEFEL) e da Rede e coletivos de Docentes que
Estudam e narram sobre Alfabetização, Leitura e Escrita (REDEALE). Esses coletivos
são espaços de interlocução entre pares, em que docentes dividem ou melhor dizendo,
compartilham suas perguntas, desafios, angústias, experiências e saberes docentes;
narram, estudam, aprendem a pesquisar e escrevem sobre a própria prática docente.
Nesse mesmo sentido, também foi fundamental para mim o grupo de pesquisa
Alfabetização, Memória, Formação docente e Relações Étnico raciais (ALMEFRE), na
FFP-UERJ, coordenado pela prof.ª Mairce Araújo, que orientou meu percurso no
Mestrado e que atualmente orienta o percurso no Doutorado, ambos na FFP-UERJ.
A necessidade de se reunir em um coletivo é algo que, podemos arriscar dizer, é
inerente ao ser humano. Entre alguns professores a necessidade de se reunir a um
coletivo foi sentida para muitas vezes, segundo seus próprios relatos, para conseguir
sumário 450
VII Seminário Vozes da Educação
67
Antonia é um nome fictício substituindo o verdadeiro em preservação à identidade da estudante.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
por não terem um destinatário concreto, como fora o caso de Antônia. Lidar com a
heterogeneidade em sala de aula é sempre um desafio. Mas já havia aprendido em
minha trajetória a não envolver a turma inteira com uma mesma atividade. As aulas
aconteciam a partir de temas de discussão que propúnhamos, ora eu, ora a turma, liamos
textos variados, assim como desenvolvíamos propostas de escritas diversas etc. Durante
o período letivo fomos experimentando a escrita de diferentes gêneros textuais, contudo,
para Antônia a principal proposta de produção escrita era a carta que queria escrever
para o seu irmão.
Na tenacidade de Antônia subjazia um caminho metodológico para a prática
alfabetizadora afinado com uma perspectiva discursiva e dialógica (SMOLKA, 2012 68):
ter um destinatário concreto, um motivo real a ser comunicado, uma relação afetiva
entre os interlocutores, em outras palavras, escrever o que? para quem? e para que?
questões chave que mobilizam uma produção escrita que conserva o sentido e o
significado social da língua escrita.
Pouco a pouco, ela escrevia a sua palavra, tratávamos juntos forma e conteúdo
da carta; às vezes, ela permitia que seu texto fosse apreciado coletivamente como
proposta de revisão. A minha proposta de trabalho com textos propunha a revisão
textual como processo inerente à escrita e essa proposta era desenvolvida na forma
individual pelo próprio autor, trocando os textos entre duplas, ou coletivamente com a
turma inteira.
Houve um momento muito interessante, eu considerava a carta em um estágio
praticamente terminado, mas ainda com algumas correções a fazer. Naquele dia, ela me
apresentou a carta mais uma vez ao final da aula, com muita alegria. Ela falava que
estava aprendendo a escrever, a ler, principalmente a escrever sua carta, e que estava
feliz. Após ler, com sua permissão, a carta que me mostrou, eu a parabenizei. A carta
estava muito bem escrita, havia poucas coisas a revisar e propus a revisão para a aula
seguinte. Muito segura de si, respondeu-me que não queria mais corrigir nada naquela
carta, que se o fizesse já não seria ela naquela escrita.
68
Smolka, no livro “A criança na fase inicial da escrita. Alfabetização como processo discursivo”,
defende que ensinar ou aprender a ler e a escrever são ações complexas que se processam no jogo das
representações sociais e das trocas simbólicas. Tendo como interlocutores centrais as teorias de Vygotsky
e Mikhail Bakthin, a autora tomando como base o aspecto fundamentalmente social e interlocutivo das
condições e do funcionamento da escrita aponta que: “não se ensina ou se aprende” simplesmente a “ler”
e a “escrever”. Aprende-se (a usar) uma forma de linguagem, uma forma de interação verbal, uma
atividade, um trabalho simbólico (2012, p.60).
sumário 452
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 453
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Uma prática que está repleta de teoria porque ela produz conhecimento ao
mesmo tempo relacionando-se dialogicamente com nossos referenciais com os quais
nos identificamos ao longo da vida, mesmo que não esteja explicito.
Esse processo reflexivo do professor-pesquisador, da Práxis, tanto para Freire
(2014), quanto para Garcia (2011) possuem um elemento em comum a consciência da
incompletude de cada um de nós sujeitos. Para Freire (2014)
sumário 454
VII Seminário Vozes da Educação
Nas palavras de Garcia (2011, p. 20), “Hoje sabemos que a dúvida, a incerteza, a
insegurança, a consciência de nosso ainda não saber é que nos convida a investigar e,
investigando, podermos aprender algo que antes não sabíamos”. O reconhecimento de
nossa incompletude e da necessidade de encontrarmos respostas para os desafios que
nos são propostos cotidianamente nos move a pesquisar na docência.
Para ela, a professora inconformada com os discursos sobre o fracasso escolar,
que culpabilizam os próprios estudantes, e comprometida com o sucesso dos mesmos e
em busca de respostas assume uma postura investigativa (GARCIA; ALVES, 2002). E
eu, diante da mesma situação, de não me conformar com as explicações que não
explicam, muito comuns de serem ouvidas, do tipo “falta apoio da família”, “os irmãos
também foram assim”, “falta interesse dele”, “deve ser um problema de fono
(fonoaudióloga) ou algum bloqueio psicológico”..., também adotei uma postura de
investigação. Esse tipo de respostas de forma simplista culpabilizam o sujeito, rotulam e
não ajudam a lidar com as questões dos processos de ensinoaprendizagem que nos
desafiam cotidianamente. Assumi uma atitude investigativa para compreender alguns
dos desafios que minha prática docente enfrentava com relação esses processos, para
compreender a minha prática, como reagem ao seu estímulo os estudantes, o impacto
dela nas relações dos estudantes com o conhecimento.
Ao me permitir fundamentar minha prática nos princípios da ação-reflexão ou da
relação práticateoriaprática, ou seja, uma práxis docente, acredito que o ponto mais
importante dessa minha experiência não foi trazer a carta para a sala de aula, pensar a
forma de organizar um trabalho com a carta e atender às expectativas de uma estudante
e dos outros estudantes. O momento com o qual mais aprendi foi avaliar juntos –
professor e estudante. Ao propor mais uma revisão à estudante, ela assume que seu
texto não pode ser mais mexido, que ele já a satisfez, que há uma relação de identidade
na sua forma de escrever que o marca e não quer que se apague.
Considerações Finais
Com a turma em que ocorreu esse fato e especialmente com essa estudante,
aprendi muito sobre o currículo, a avaliação e o planejamento; que podem ser mais
dialógicos e flexíveis, articulando dimensões individuais e coletivas, considerando
objetivos diferentes, pontos de partida diferentes e “pontos de chegada” diferentes.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins
Fontes, 2000.
CANÁRIO, Rui. O que é a escola? Um olhar sociológico. Porto: Porto Editora, LDA,
2005.
CERTEAU, Michel de.A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. 4. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes,1994.
COUTO, Mia.Contos. O fio das missangas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
GARCIA, Regina Leite. Para quem investigamos – para quem escrevemos: reflexões
sobre a responsabilidade social do pesquisador. In: ______. et al (orgs.). Para quem
pesquisamos – para quem escrevemos: o impasse dos intelectuais. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
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VII Seminário Vozes da Educação
______; ALVES, Nilda. Conversa sobre pesquisa. In: ESTEBAN, Teresa; ZACCUR,
Edwiges (orgs.). Professora-pesquisadora: uma práxis em construção. 2. ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.
SANTOS, Boaventura Souza.A gramática do tempo: Para uma nova cultura política.
Porto: Edições Afrontamento, 2006.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
69
Grupo de pesquisa cadastrado no Diretório de pesquisa do CNPq. Para acompanhar nossas atividades,
consultar: www.fiar.sites.uff.br
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VII Seminário Vozes da Educação
escrever pesquisa. Guia-nos, também, o desafio de produzir uma escrita outra, marcada
pela estesia, pela invenção de uma escrita ave, como nos inspira Manoel de Barros
(2016; 2017).
No espaço do presente artigo, trazemos para compartilhar o que temos fiado
coletivamente no campo da extensão, tramando forma e conteúdo com pensamento e
realizações; propostas de encontros e partilhas que se colocam como convite ao público
interno e externo à universidade, de modo aberto. Trata-se de um projeto-ação que
denominamos FIAR com..., impulsionado pela compreensão de que outros modos de
fazer a formação continuada docente – que passe pela experimentação, pela pesquisa,
pela possibilidade e liberdade da palavra, do movimento, da expressão, da criação – é
exigência do tempo presente. Nesse caminho, buscamos articular princípios éticos,
políticos e estéticos na formação docente.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Esse encontro inaugura a série de eventos nessa proposta e foi concebido para
convidar ao diálogo sobre concepções e práticas de arte na infância e, sobremaneira, na
Educação Infantil. Naquela manhã de quarta-feira, a Sala Paulo Freire, da Faculdade de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Mais uma vez nos encontramos na Sala Paulo Freire, da Faculdade de Educação
da UFF. Como sempre, o ambiente foi preparado com cuidado e intencionalidade.
Acima da porta de entrada havia um pano pendurado, inspirado na cultura oriental, de
convidar à consciência de sua presença e de reverência, pois, ao passar pelo pano, era
necessário inclinar-se, sinal de respeito para entrar no espaço. No pano estava escrito:
“Esta é minha memória. Dela sou a que nasce, mas também sou a parteira,”, de Eliane
Brum, no livro “Meus desacontecimentos”; assim que se passava esse portal,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
vida dos bebês e suas relações com os adultos, dentro e fora de instituições de Educação
Infantil.
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VII Seminário Vozes da Educação
(BARROS, 2017, p.43). Nessa dinâmica produzida pela voz do poeta, que é a poesia, a
criança escuta a cor do passarinho, potencializa a palavra com sua visão criadora, não
sequencial, liberta a palavra da escravidão obediente, inaugura mundos, cria reinos e
personagens para habitá-lo (CALLAI, 2019). No prefácio do livro Meu quintal é maior
que o mundo, José Castello diz que o objetivo da poesia de Manoel de Barros não é
explicar, mas “desexplicar”. Diz ainda que sua poesia “se desenrola além da razão e de
seus bons argumentos. Talvez, seja por isso que é uma poesia que se apega à infância,
momento da vida em que todos os sentidos estão por se fazer” (BARROS, 2016, p.9). O
horário do evento permitiu que o público fosse em sua maioria professoras de educação
infantil da rede municipal de Niterói, mas também alunos do curso de Pedagogia da
UFF e usuários da biblioteca que, ao chegaram ao local, se sentiram convidados pela
surpresa estética que encontravam. Após a recepção visual, olfativa, gustativa e auditiva
proporcionada, os participantes foram convidados pelas dinamizadoras a fluir com a
poesia com as suas narrativas e leituras. Em seguida todos puderam apresentar em
palavras ditas ou escritas e registros gráficos outros a sua própria expressividade
poética.
O desafio aqui foi trazer uma discussão comumente teórica para a memória
afetiva e dela retomar à análise. Trazer das memórias a crítica a um calendário escolar
que prima em se organizar prévia e tradicionalmente por datas de um calendário oficial,
que não dialoga com as infâncias que transitam na escola (MAIA, 2016, 2017), foi o
objetivo a ser alcançado pela dinamizadora Marta Maia, que desenvolve a discussão
acerca desse tema em suas pesquisas. Para a avivar a memória, o ambiente foi
organizado em pequenas ilhas de brinquedos. Os participantes, alunos do curso de
Pedagogia da UFF, professores e gestores de redes municipais de educação, foram
recebidos com um saboroso lanche enquanto vídeos de animação das músicas O
trenzinho do caipira (Villa Lobos) e Bola de meia, bola de gude (Milton Nascimento e
Fernando Brant). Em seguida foram convidados a brincar. Após um período de
brincadeiras e narrativas nas pequenas ilhas/grupos, a dinamizadora solicitou que
pensassem nas suas infâncias, nos momentos que marcaram, nas datas que trazem na
memória. Posteriormente foram provocados a socializar essas memórias oralmente e a
registrá-las em desenhos ou palavras em papéis disponibilizados para esse fim. Esses
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
registros foram organizados pelos participantes em quadro dividido pelos meses do ano,
formando, então, um calendário centrado nos sujeitos. A partir desse calendário foram
feitas as análises sobre o conteúdo de suas memórias – nenhuma delas se referia a
eventos ou situações escolares, relacionando e contrapondo o calendário produzido com
essas memórias e o calendário escolar centrado em datas convencionais.
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BARROS, M. Meu quintal é maior que o mundo. Antologia. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2016.
MAIA, M. Isso é o que eu não sei responder -O currículo na palavra das crianças.
Trabalho apresentado no Seminário Vozes da Educação, UERJ, São Gonçalo/RJ, 2016.
OSTETTO, L.; BOMFIN, P.; SILVA, V. MOTA, X.; SOARES, A. Arte, infância e
formação docente tecidas em narrativas: percursos do grupo de pesquisa fiar. Trabalho
apresentado no VIII Congresso Internacional de Pesquisa (Auto)biográfica. São Paulo,
UNICID, 2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Fabiana Eckhardt
UCP/ UFF
fa.eckhardt@gmail.com
Introdução
Este texto apresenta reflexões realizadas a partir de uma pesquisa que busca
averiguar a interferência de uma avaliação externa no cotidiano escolar. Objetivando
compreender o impacto da Provinha Brasil nos processos escolares de alfabetização a
pesquisa indaga a quatro municípios da região metropolitana do estado do Rio de
Janeiro como suas redes municipais de educação produzem, interpretam e usam os
dados e informações adquiridos pela Provinha Brasil nos anos de 2014, 2015 e 2016,
operando na tensão entre a avaliação externa e as práticas pedagógicas cotidianas.
Dentre os muitos movimentos realizados nesta pesquisa, destacamos neste texto,
a aproximação com o material recolhido em um dos municípios participantes. Em meio
aos materiais compartilhados pelas escolas da rede municipal, estavam as fichas de
correções com os resultados dos testes; os relatórios encaminhados a Secretaria de
Educação após aplicação e relatos sobre os desdobramentos pedagógicos realizados
pelas unidades escolares com base nos resultados obtidos na provinha. Diante dos
apontamentos a leitura deste material direcionou nosso olhar para a organização do
trabalho docente no cotidiano escolar e nos levou a questão que orienta esta discussão:
Como um instrumento externo vai consolidando as práticas pedagógicas na escola e,
consequentemente, constituindo o trabalho docente.
A Provinha Brasil, foi instituída pela Portaria Normativa nº 10, de 26 de abril de
2007. Tratava-se de um exame em larga escala realizado anualmente pelas turmas de 2º
ano do Ensino Fundamental das redes públicas dos municípios que aderiram a
avaliação. A aplicação acontecia no início e no final do ano letivo, inicialmente era
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
composto apenas pelo teste de leitura, mas em 2011 passou a monitorar as habilidades
de matemática. A primeira edição aconteceu em 2008 e a última em 2016.
Considerando que “a Provinha Brasil é um instrumento pedagógico, sem
finalidades classificatórias, que fornece informações sobre o processo de alfabetização e
de matemática aos professores e gestores das redes de ensino”, conforme apresenta o
site do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira),
refletimos nesse trabalho sobre as implicações dessa avaliação na ação docente, visto
que um dos objetivos propostos é o de fornecer informações aos professores para que
possam desdobrar-se em ações pedagógicas.
Nesse sentido, propomos algumas reflexões esse instrumento e suas implicações
no trabalho pedagógico. Para tanto, lançamos mão dos dados e informações
compartilhados pelo munícipio, pois encontramos algumas pistas que nos ajudam a
refletir sobre as tensões presentes entre as propostas do exame, os desdobramentos
posteriores a aplicação e a atuação docente.
sumário 472
VII Seminário Vozes da Educação
Geralmente, são testes produzidos externamente sem a ação dos professores, que
no caso da Provinha Brasil apenas aplicavam e corrigiam os testes. Nesse sentido,
desconsiderava-se as características de cada turma, grupo, contexto e as questões sócio
históricas que marcam o processo de desenvolvimento e aprendizagem. Além disso, os
desempenhos obtidos têm sido considerados como resultado do que foi aprendido pelos
estudantes, medida da “eficiência” do trabalho pedagógico e como possibilidade de
atestar a qualidade da educação.
Em nosso país, ao longo dos anos um conjunto de avaliações externas 70 ,
compõem o SAEB71. São testes que tem como fim aferir os níveis de desempenho dos
estudantes, para que partindo dos resultados seja possível ampliar a qualidade na
educação e alcançar a redução das desigualdades. Desse conjunto de testes, temos nos
dedicado ao estudo dos impactos da Provinha Brasil no cotidiano escolar.
A Provinha Brasil, tratava-se de um exame externo com fins de avaliar o nível
de alfabetização das crianças matriculadas no 2º ano do ensino fundamental. Instituído
em 2007 por meio da Portaria Normativa nº 10, de 26 de abril cujos objetivos eram:
• avaliar o nível de alfabetização dos educandos nos anos iniciais do ensino
fundamental;
• oferecer às redes e aos professores e gestores de ensino um resultado da
qualidade da alfabetização, prevenindo o diagnóstico tardio das dificuldades de
aprendizagem;
• concorrer para a melhoria da qualidade de ensino e redução das desigualdades,
em consonância com as metas e políticas estabelecidas pelas diretrizes da educação
nacional (BRASIL, 2007).
70
Exames estandardizados produzidos em larga escala aplicados em todo o país.
71
Sistema de Avaliação da Educação Básica foi criado em 1999 e vem desde então sofrendo
reestruturações. É composto por um conjunto de avaliações externas em larga escala, aplicadas pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Testes que pretendem fornecer dados para realização de um
diagnóstico da educação básica e fornecer indicativos da qualidade do ensino.
sumário 473
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 474
VII Seminário Vozes da Educação
A ação docente apresentada neste recorte parece destacar um papel técnico para
esse fazer, cabendo a professora apenas aplicar e posteriormente lançar mão dos
resultados do diagnóstico em um processo no qual não tem interferência, visto que são
testes padronizados que desconsideram os contextos e a complexidade do cotidiano
escolar. Além de desconsiderar que em seu trabalho, a professora está constantemente
avaliando os estudantes e tem informações sobre o processo de aprendizagem de cada
um, quando aponta para eficácia e rapidez dos dados fornecidos pela provinha como
possibilidade de (re) pensar-se as práticas.
sumário 475
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Em outro momento o documento coloca que a avalição traria para ação docente
os seguintes benefícios: Os(as) professores(as) alfabetizadores(as) contarão com um
instrumental valioso para identificar, de forma sistemática, as dificuldades dos
estudantes, o que possibilitará a reorientação sobre o que ensinar e como ensinar
(INEP/MEC, 2016, p.7).
Considerando que os testes da Provinha Brasil estavam focados em algumas
habilidades referentes ao processo inicial da alfabetização, os benefícios acima
dispostos parecem não dar conta da complexidade do processo de aquisição da leitura e
da escrita. Especialmente, quando se propõe a auxiliar a reorientação do trabalho
pedagógico com os dados referentes a avaliação de poucas habilidades, já que “nem
todas as habilidades a serem desenvolvidas durante o processo de alfabetização são
passíveis de verificação por meio dessa avaliação” (INEP/MEC, 2016, p.8).
A Provinha Brasil está fincada em uma perspectiva de avaliação como uma
dimensão técnica, na qual os resultados são dados confiáveis que expressam as
aprendizagens. No entanto, desconsidera as condições sociais, históricas e culturais que
interferem na aprendizagem. Fazendo-nos pensar como diante das limitações de tal
instrumento é possível que a aprendizagem dos estudantes seja beneficiada a partir de
tal diagnóstico, como os dados fornecidos pelos testes ofereciam aos professores
condições suficientes para reorientar o ensino e o ensinar.
Preocupadas com os desdobramentos dessa avaliação em larga escala no
cotidiano escolar e na prática docente, vimos desde 2016 realizando uma pesquisa em
parceria com quatro municípios da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro,
constituída de forma dialógica (FREIRE, 1981), na qual buscamos compreender as
relações entre a Provinha Brasil e as práticas alfabetizadoras. Para isso, empreendemos
um estudo das implicações desse instrumento avaliativo no cotidiano escolar,
inicialmente a proposta era acompanhar a aplicação e seus desdobramos nesses
municípios, mas com a extinção do teste, foi preciso rever alguns dos
encaminhamentos.
Inicialmente, solicitamos as SMEs o acesso aos resultados obtidos nos testes
realizados entre 2014 e 2016, bem como aos documentos produzidos pelas Secretarias e
Escolas. Lançando mão dos materiais enviados por um dos municípios, encontramos
possibilidades de refletirmos sobre as implicações e interferências da Provinha Brasil no
trabalho docente. Partimos de alguns recortes dos relatórios encaminhados que nos
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VII Seminário Vozes da Educação
oferecem pistas para pensarmos sobre estas questões, no próximo item apresentamos
alguns dos achados da pesquisa e das reflexões por nós tecidas.
72
Esses quatro grupos foram constituídos em torno de elementos sinalizados pelo material, o que nos
possibilitou defini-los da seguinte forma: a) apuração dos resultados; b) análise e planejamento de ações;
c) ações realizadas e d) plano de estratégias para toda a escola.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações Finais
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VII Seminário Vozes da Educação
anos em que foi aplicada além de desdobrar-se nas políticas públicas, incidia
diretamente no trabalho pedagógico e nas práticas alfabetizadoras.
Como debatemos ao longo do texto a ação docente e as escolhas pedagógicas,
mesmo que de forma indireta mostraram-se atreladas as propostas e concepções que
constituíam este teste. Destacamos em nossas ponderações o quanto o trabalho das/dos
professoras/professores veio sendo marcado pelos exames, como neste caso a Provinha
Brasil. Em uma relação na qual ocupam o lugar de quem executa as tarefas, tem sua
autonomia desconsiderada, bem como o contexto social, cultural e histórico que
marcam o processo de aprendizagem e ensino não são levados em conta, quando se
pretende enquadrar todos os estudantes brasileiros nos moldes esperados pelos testes
nacionais.
Diante desse contexto entendemos ser necessário manter-nos em pesquisa, pois,
com as pistas encontradas nos materiais e as reflexões que produzimos a partir delas,
compreendemos que há ainda muito o que se problematizar sobre as implicações dos
exames nacionais e seus desdobramentos no fazer pedagógico, modos de aprender e na
configuração do cotidiano escolar. Seguimos no diálogo com os munícipios parceiros,
buscando compreender as implicações desse instrumento avaliativo no trabalho
pedagógico.
Compreendendo, na interlocução com Freire (1986) de que a prática não é
neutra, ela se constitui e filia a determinadas concepções teórico-epistemológicas ora de
forma mais explicita ora menos. Nesse sentido, temos percebido o quanto os princípios
que norteiam os exames do sistema nacional de avaliação têm também influenciado o
trabalho pedagógico, especialmente quando se articula a proposta de um currículo
único, determinadas metodologias são eleitas como as melhores e orientam-se numa
perspectiva classificatória, fundada na meritocracia.
Seguimos acreditando que o fazer docente poderia ganhar sentidos outros se
constituído de forma dialógica, coletiva, solidária, não competitiva e buscasse
potencializar os processos de ensino e aprendizagem. Um fazer que se constitua com
autonomia, no qual a/o professora/ professor possam ser autores de sua prática,
desenvolvendo-a de forma reflexiva e partilhada com os sujeitos com os quais
compartilha o cotidiano escolar.
Com esse texto, intencionamos compartilhar as reflexões que vimos tecendo ao
longo da pesquisa e, sobretudo apontar a necessidade de ampliarmos a discussão
problematizando a relação entre a prática pedagógica e as avaliações em larga escala.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Entendendo que é preciso refletir sobre essas questões e muitas outras que versam sobre
essa temática continuamos em parceria com os municípios e demais interlocutores
discutindo os impactos da Provinha Brasil no cotidiano escolar.
Referências
AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. São Paulo: Cortez,
2000.
BARRIGA, Angel Diaz. Uma polêmica em relação ao exame: In: ESTEBAN, Maria
Teresa (Org.). Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. 5. Ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 9° edição, 1981.
______; SHOR, Ira. Medo e Ousadia – O Cotidiano do Professor. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986.
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VII Seminário Vozes da Educação
1. Palavras Iniciais
A narrativa de memórias na Educação de Jovens e Adultos (EJA) mobiliza
processos de reflexão e construção de saberes em partilha. O trabalho com as memórias
discentes através de suas narrativas de vida em diálogo com a leitura de textos literários
colabora para um movimento de (trans)formação de todos os envolvidos nesse processo
de letramento literário, que é uma prática social envolvendo construção de sentido.
Considera-se que, através das memórias dos leitores, o entendimento e a
aproximação com a história do livro se torna mais próxima deles. Assim sendo, o
presente artigo tem por objetivo uma conversa mutualística entre a leitura literária, a
narrativa de memórias e o público da EJA. Desta forma, contribui-se para a formação
estética do aluno, além de favorecer a formação e o reconhecimento da identidade dos
sujeitos da Educação de Jovens e Adultos e facilitar a aproximação com o texto
literário, com atribuições de sentidos a partir de suas histórias de vida. Tem-se, portanto,
um diálogo entre saberes formais e informais constituídos dentro e fora do ambiente
escolar.
Espera-se, com isso, facilitar o (auto)entendimento e aproximar duas histórias: a
história da vida real e a história contada na literatura. Importa refletir e reconhecer a
relevância de uma aprendizagem envolvendo o contato real com textos literários, a
partir da temática do resgate de memórias e não apenas fragmentos utilizados para fins
gramaticais. Para tanto, impera conhecer o público da Educação de Jovens e Adultos,
com o intento de pensar ações pedagógicas adequadas e que valorizem seus
conhecimentos prévios, suas experiências.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
culturas, faixas etárias, etnia, crenças e objetivos pessoais e/ou profissionais. Há casos
também de alunos que migram do Ensino Regular diurno para a EJA noturna, por
diversos motivos, como indisciplina, repetência e finalidade de concluir os estudos mais
rápido devido ao sistema de conclusão por semestre na EJA. Assim, a modalidade da
EJA, muitas vezes, é vista também como um depósito de alunos, o que colabora mais
ainda para sua desvalorização e discriminação.
A EJA tem como forte característica o convívio com as diferenças. São sujeitos
que já carregam consolidadas experiências de vida, diferente das crianças e dos
adolescentes que iniciam sua formação em concomitância à vivência escolar. Desta
forma, o segmento da EJA está muito mais susceptível às diversidades do que a
modalidade de Ensino Regular que se utiliza do critério por faixa etária para nortear a
seriação dos alunos (HADDAD, DI PIERRO: 2000). Na Educação de Jovens e Adultos,
inexiste idade estável por série, fator que amplia o desafio em lidar com o perfil da EJA,
já que fazem parte da mesma classe alunos de 15 anos e alunos de 80 anos, por
exemplo.
De acordo com Arroyo (2005, p.24-25), os jovens e adultos não “paralisaram os
processos de sua formação mental, ética, identitária, cultural, social e política” mesmo
que tenham estacionado o processo de escolarização e precisam ser reconhecidos como
sujeitos que são protagonistas de suas histórias de vida. Para o autor, “os jovens-adultos
populares não são acidentados ocasionais que, gratuitamente abandonaram a escola.
Esses jovens e adultos repetem histórias longas de negação de direitos. Histórias que
são coletivas.” (Ibidem)
Paulo Freire (1989), por sua vez, considera que as múltiplas vivências dos
discentes da EJA permitem ao professor vislumbrar possíveis caminhos para se alcançar
uma aprendizagem significativa, desde que se valorizem suas trajetórias e que sejam
reconhecidos como autoresde suas próprias histórias. A leitura da vida, precede a leitura
escolarizada, pois “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo,
mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou de ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-
lo através de nossa prática consciente.” (FREIRE: 1989, p.13).
Pensar os educandos da EJA é trabalhar com e na diversidade, é incluir a todos
nas suas especificidades, sem, contudo, comprometer o respeito à diversidade garantido
pela Constituição:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
3. A importância da Literatura
O ensino de literatura deve, portanto, propiciar um diálogo profícuo entre a
leitura do texto e a leitura da própria vida, propiciando momentos de identificação com
o lido, de reminiscências e de interpretação a partir de uma temática próxima à realidade
dos alunos, como suas histórias de vida, suas memórias. Desta maneira, é possível
vislumbrar a tentativa de uma ação pedagógica efetiva direcionada ao público da EJA,
de modo a valorizar não só a história dos livros, mas também as histórias e as
experiências dos discentes jovens e adultos.
A literatura precisa ser concebida enquanto um conhecimento específico do
humano, constituindo-se como um direito inalienável a ser ofertado ao aluno,
independentemente de sua condição social, econômica etc. (CANDIDO: 1995).
Para Candido (1995), a questão dos Direitos Humanos é uma necessidade que
ultrapassa tão somente a aquisição de bens materiais, como alimentação e moradia,
buscando alcançar a coletividade. Concernente a este assunto, o teórico discorre que:
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VII Seminário Vozes da Educação
incompressíveis fundamentais à vida, Candido considera a leitura como tal e, logo, parte
integrante do rol dos outros direitos humanos, como “a alimentação, a moradia, o
vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a
resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que
não, à arte e à literatura.” (Ibidem, p. 174) Nesse sentido,
A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos
profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres
humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos
ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para
com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso,
nos transformar a cada um de nós a partir de dentro (TODOROV: 2009, p.
76).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
4. Narrativas de Memórias
Levando-se em consideração o até aqui exposto, é possível reconhecer que, se as
memórias são acumuladas com o tempo, quanto mais tempo de vida se tem, mais
memórias são aglomeradas. Portanto, em termos educacionais, o público discente da
Educação Básica que, possivelmente, acumula mais experiência de vida é o da
modalidade EJA, com jovens, adultos e idosos. Esses alunos transbordam as mais
diversas histórias de vida. Na maioria das vezes, são exatamente essas histórias tão
peculiares a causa do abandono dos estudos em certos momentos de suas vidas.
Ao retornarem aos bancos escolares, voltam carregados de sonhos, expectativas
e esperança, mas também voltam cheios de histórias pelas quais passaram e os fizeram
chegar onde chegaram e procurar nos estudos novos horizontes. Nesse momento, esses
alunos percebem pontos de convergência entre suas histórias e as histórias dos demais
colegas.
A memória é resgatada para atender uma função social e o que parece ser
individual passa a fazer parte do coletivo. Estimular a percepção estética e pessoal do
aluno da EJA que carrega várias histórias de vida, as quais, quando compartilhadas,
podem propiciar reflexão e tornarem-se ensinamentos. É preciso entender que o resgate
das memórias envolve fundamentalmente situações sociais de contato com o outro e
nada melhor para incitar esse fluir de narrativas de vivências do que a leitura de um
texto literário que verse sobre essa temática ou que simplesmente a possibilite.
De acordo com Ecléa Bosi (1994), em Memória e Sociedade – lembranças de
velhos, a recriação do passado feita por pessoas simples, testemunhas vivas da história,
é diferente da versão oficial que se lê nos livros, é um coro comovente e afetivo.
Através da memória dos leitores, o entendimento e a aproximação com a história do
livro se torna mais próxima. A autora afirma que a memória não é apenas sonho, mas
trabalho. Relembrar em conjunto é um ato de reconstrução da memória de maneira
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
(Ibidem) Após esse processo, elas passam a fazer parte da memória coletiva de uma
dada sociedade.
É verdade que nós não nos lembramos de tudo o que aconteceu ou que nos
foi ensinado ao longo de nossa vida. Descartamos a maioria das experiências
vivenciadas e só retemos aquelas que possuem significado, isto é, são
funcionais para nossa existência futura. Iuri Lotman um semiólogo falecido
na segunda metade dos anos 90, que viveu atrás da Cortina de Ferro (sendo
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VII Seminário Vozes da Educação
por isso suas obras pouco conhecidas entre nós), já dizia que cultura é
memória, pois é a cultura de uma sociedade que fornece os filtros através dos
quais os indivíduos que nela vivem podem exercer o seu poder de seleção,
realizando as escolhas que determinam aquilo que será descartado e aquilo
que precisa ser guardado ou retido pela memória, porque, sendo operacional,
poderá servir como experiência válida ou informação importante para
decisões futuras (VON SIMSON: 2003, p. 15-16).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
leitura, tanto da expressão oral das próprias histórias dos alunos quanto da leitura que
eles fazem de si mesmos e de suas histórias, além da leitura silenciosa e em voz alta dos
textos literários selecionados. Há, portanto, um diálogo entre saberes formais e
informais.
Em total consonância com os pressupostos desse estudo, Porto (2011) trata
poeticamente da leitura que suscita várias leituras e reverbera memórias de quem a lê,
provocando um olhar de si ante a escrita do outro e, logo, um entrelaçar de linhas entre
a história escrita e a história de quem lê.
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VII Seminário Vozes da Educação
5. Letramento Literário
Rildo Cosson (2014) define letramento literário como sendo uma prática social
e, como tal, responsabilidade da escola. Para ele, a questão a ser enfrentada não é se a
escola deve ou não escolarizar a literatura, mas sim como fazê-lo sem descaracterizá-la
e torná-la um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder
humanizador.
Maria Cecília Mollica e Marisa Leal (2009), em Letramento em EJA, destacam a
necessidade de práticas educacionais pelo viés do letramento para turmas da Educação
de Jovens e Adultos, devido ao fato de esta modalidade de ensino ser recebedora de
sujeitos que ora estão na condição de discente nas salas de aula ora estão ativamente
inseridos em várias atividades na sociedade. (2009, p. 12-13) O perfil do aluno da EJA é
aquele que já se encontra inserido no mercado de trabalho, ou é responsável por sua
família ou ainda ocupante das mais variadas funções em instituições sociais. De acordo
com Mollica e Leal (2009), “os indivíduos jovens e adultos desenvolvem estratégias, ao
longo da vida, pela experiência, advinda de necessidades básicas do mundo do trabalho,
pela necessidade de interagir com os diferentes contextos sociais.” (Ibidem, p. 57)
Miriam Zappone (2007) colabora, ainda, ao dizer que a literatura pode interferir
na vida do indivíduo e em sua forma de agir em sociedade. Ancorada nas ideias de
Street (1984), a autora define letramento literário como sendoum conjunto de práticas
sociais que utilizam os diferentes domínios: textos literários, filmes, novelas, anedotas,
contação de histórias, mídias, enfim, os vários domínios da vida.
Embora o letramento literário não se restrinja às experiências com o texto
literário na esfera escolar, é nela que se encontra o foco de pesquisas como esta que
buscam um ensino de literatura voltado para as práticas sociais dos alunos. O objetivo
maior do letramento literário escolar ou do ensino de literatura na escola é formar
leitores capazes de construir novos sentidos para si e para o mundo que os cerca a partir
de uma experiência de leitura crítica e reflexiva do texto literário.
6. Considerações Finais
Por fim, é reconhecida a importância da associação entre o lido e o vivido,
permitindo maior aproximação com o texto literário e estímulo a pesquisas, por parte
dos alunos, de outros textos de escritores com os quais mais se identificarem. Isso
contribui para a formação ética e estética dos alunos.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ARROYO, Miguel. Novas Configurações no Campo da EJA. In: SOARES, Leôncio;
GIOVANETTI, Maria Amélia; GOMES, NilmaLino (Orgs.). Diálogos na Educação de
Jovens e Adultos.Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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VII Seminário Vozes da Educação
COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014.
FREIRE, Paulo. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22.
ed. São Paulo: Cortez, 1989.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática,
1994.
MOLLICA, Maria Cecilia & Leal, Marisa. Letramento em EJA. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo:
Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
O movimento de “escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1994) faz
surgir as narrativas docentes que fogem o discurso oficial desvelando a densidade da
tensão existente entre as marcas individuais e as marcas dos coletivos da profissão,
apontando que para uma nova epistemologia. Para nós, essa relação aponta para uma
nova compreensão de construção de conhecimento uma teoria em que o sujeito tenha no
ato de narrar a potência de ressignificar o passado a luz das experiências. Ao
focalizarmos as experiências-formadoras na implantação desse novo modelo de atuação
docente, evidenciamos asspectos até então negligenciados.
Nesse sentido, a construção de espaços de formação de professores que perpasse
o campo da narrativa, possibilitam uma ampla discussão da formação hoslítica do
docente. A abordagem de estudo vinculada às entrevistas/conversas (auto)biográficas
vem possibilitando o teor de conversa, tomando como referência o conceito de
memória-vida (BRAGANÇA, 2012) para direcionar os caminhos do trabalho,
proporcionado pela abordagem de trabalho a abertura para novos questionamentos que
potencializam as narrativas dos sujeitos como um espaço de formação.
Para falar do espaçotempo da pesquisa é necessário entender alguns pontos. A
importância de se falar da formação dos professores que lecionavam no ambiente de
trabalho da escola integral, que com o passar do tempo, percebem-se como parte da
história da educação, e consolidar a formação para uma proposta transdiciplinas sobre a
docência, por se tratar da finalidade da narrativas nas trajetórias de vida e formação
com maior implicação dentro do tempoda comunidade escolar. Contudo buscamos
73
Doutoranda em Educação/ UERJ; Bolsista FAPERJ.
74
Doutorando em Educação/ UFF; Professora Adjunta da FAFIMA
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Referências
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
LÔBO, Yolanda Lima; TORRES, Aline Camargo; VOGAS, Helen Cristine. Darcy
Ribeiro: o brasileiro. Rio de Janeiro: Quartet, 2008.
RIBEIRO, Darcy. O Livro dos CIEPS. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1986.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
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Nome atribuído por alguns autores às pessoas que participam da Expedição Pedagógica.
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BEJARO, 2009) que busca romper com uma lógica tradicional de conceber o
conhecimento escolar. Nas palavras de Unda, (2002) a Expedição Pedagógica:
[...] es una de las más ricas experiencias de los últimos años que, combinando
la movilización social por la educación y la construcción colectiva de
diversidad y riqueza pedagógica, ha consistido em un amplio desplazamiento
por nuestras regiones. No se trata solo de movimiento físico, sino, sobre todo,
de desplazamientos em el orden del pensamiento, pues ha permitido un
encuentro com las variadas y singulares experiencias pedagógicas realizadas
por maestros que, como los que realizan la Expedición, intentan posibilidades
de vida distintas desde la escuela (UNDA, 2002, p. 2).
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VII Seminário Vozes da Educação
La formación docente es, pues, un reto que demanda procesos que lleven al
estudiantado a lograr mirar, reflexionar y ser; encuanto a lo que se les
propone, se necesita más que memorizar teorías o repetir ideas aje nas, que
construyan, innoven, transformen y sean (p. 61).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
concebida de maneira singular. Ao conhecer as escolas, o que antes parecia ser rotineiro
ganha outros significados.
Investigar a viagem como um movimento de formação docente, na perspectiva
da Expedição Pedagógica, nos possibilitou um mergulho em uma interessante e variada
bibliografia latino-americana, em especial colombiana, resultando numa importante
contribuição, tanto do ponto de vista conceitual, quanto metodológico.
Nessa investigação, algumas das perguntas emergiram e temos buscado refletir
ao longo da pesquisa: como a Expedição Pedagógica se configurou como política
pública de formação docente na Colômbia? As experiências narradas por professores
que já participaram de uma Expedição Pedagógica expressam seu caráter auto-
formativo? Por que a Expedição Pedagógica é considerada um movimento que conecta
professoras e professores latino-americanos?
Nessa perspectiva, procuramos investigar: o que muda na vida de uma
professora que vive a experiência do deslocamento, resultado de numa Expedição
Pedagógica? Como o deslocamento de um território (SANTOS, 1999) para outro,
interfere na formação pessoal e profissional de professoras e professores? Quais são os
impactos causados em seus processos formativos? Segundo Santos (1999), o território
não é apenas composto pela paisagem que o cerca, é compreendido como a delimitação
de um espaço de convivência, de interação entre as pessoas. Nas palavras do autor:
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VII Seminário Vozes da Educação
Considerações Finais
Pesquisar sobre a formação de professoras e professores na perspectiva da
Expedição Pedagógica tem nos permitido uma ampla e intensa investigação sobre as
distintas realidades educacionais existentes na América Latina.
Temos percebido o quanto experiências docentes latino-americanas,
significativas para estudantes, professoras e professores e para as comunidades
escolares são pouco exploradas no sentido de serem investigadas como fonte de
pesquisa acadêmica ou como referência para conhecimento de quem possa ter interesse
pelo tema: formação docente.
Nossas investigações tem como intuito não só a produção de textos acadêmicos,
mas também a divulgação de um tema que aborda um importante movimento de diálogo
e troca de saberes que tem ocorrido entre docentes na América Latina.
No estudo que ora apresentamos, escolhemos algumas sínteses realizadas até o
momento sobre os conceitos que circundam nosso tema de pesquisa, no entanto,
sinalizamos que paralelo às leituras sobre o tema abordado neste texto, conseguimos
estar em algumas Expedições Pedagógicas. Para dar continuidade a este trabalho,
pretendemos aprofundar os conhecimentos até aqui dicutidos, bem como somar nossos
argumentos às experiências em campo que vivemos em algumas Expedições
Pedagógicas que tivemos a oportunidade de participar.
Referências
ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz: edição de texto apurado, anotada e
acrescida de documentos. Brasília DF: IPHAN, 2015. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/O_turista_aprendiz.pdf> Acesso em: 08
set. 2018.
ASSIS, Machado de. Uma excursão milagrosa. In: ASSIS, Machado de. Contos
recolhidos. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. Disponível em:
<https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=8154>
Acesso em: 10 ago. 2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 518
VII Seminário Vozes da Educação
“Contar é muito, muito dificultoso, não pelos anos que já passaram, mais
pela astúcia que têm certas coisas passadas – de fazer balancê, de se
remexerem dos lugares. A lembrança de vida da gente se guarda em trechos
diversos; uns com os outros acho, que nem se misturam (...) têm horas
antigas que ficaram muito perto da gente do que outras de recentes datas”
(GUIMARÃES ROSA).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pois eu era muito tímida e nesse momento eu conseguia me entrosar com meus colegas
e participar da construção coletiva do conhecimento, um momento de troca em que nos
deparamos com diferentes percepções.
Trazer à memória a professora de alfabetização, que, mesmo tendo que trabalhar
com cartilhas, conseguia propor momentos de construção coletiva do conhecimento,
momentos de trocas. E são nessas relações interpessoais no processo de aquisição do
conhecimento, que pensadores como Piaget, Vygotsky e Freire, dentre outros, mostram
que aprendizagem depende de uma ação de mão dupla.
Embora fosse muito utilizada a prática de cobrir pontinhos para formar letras e
números, as atividades propostas com trabalhos em grupo proporcionam aprendizagens
mútuas com relação à parte social, afetiva e cognitiva.
Meus alunos do 2° ano do Ensino Fundamental realizando trabalho em grupo – Escola Municipal de SG.
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VII Seminário Vozes da Educação
perspectiva sócio interacionista de Vygotsky (1998) que procuro fazer com que meus
alunos se interajam e troquem saberes. Martins reforça que:
Não aceitamos a ideia da sala de aula arrumada, onde todos devem ouvir uma
só pessoa transmitindo informações que são acumuladas nos cadernos dos
alunos de forma a reproduzir um determinado saber eleito como importante e
fundamental para a vida de todos (2010, p. 117, 118).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
ficar inerte. Não quero me acomodar e ser o reflexo de experiências ruins quando estive
sentada na mesma posição de meus alunos.
O meu desejo é achar nos olhares das minhas crianças a curiosidade e a vontade
de aprender, como tive o prazer de encontrar quando cheguei à sala de aula com um
globo terrestre na mão. Minha tristeza foi descobrir que a maioria não sabia o que era e
muitos não sabiam o nome do seu planeta, nem mesmo do seu país.
Ao entrar na sala logo fui bombardeada com perguntas sobre o que seria aquele
objeto “alienígena”. Fiquei muito surpresa, pois não esperava essa reação. Acreditava
que eles logo identificariam e os comentários e as perguntas fossem outras como: Que
legal, a tia trouxe o globo! O que iremos fazer com o planeta Terra? Posso ver os
países? Onde está o Brasil? Ao invés destas, as indagações foram: “O que é isso”?
“Posso tocar”? “Por que tem essa cor azul aqui, diferente desses outros trocinhos?”.
A aula foi bem interessante. Eles descobriram o que era aquilo de cor azul (o
oceano), localizaram os continentes (os outros trocinhos), procuraram alguns lugares
que eles já tinham ouvido falar, perguntaram se existiam mesmo alguns lugares como
“Calaboca”, Itália, Índia, Ásia. Todos queriam aprender e eu não imaginava que a
chegada desse objeto iria ser tão importante para aquelas crianças. Como a curiosidade
era enorme e todos queriam ver ao mesmo tempo (ainda mais depois que o coloquei na
tomada e o iluminei), deixei por um tempo explorando o planeta e depois os dividi em
grupo para uma melhor visualização, como revela a imagem abaixo:
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
conhecimento. Tive uma aproximação com fatos que eram tão distantes de mim, pelo
fato de nunca ter assumido nenhuma turma como professora.
Em 2015 passei por um processo seletivo para pós-graduação em Educação
Básica, na modalidade de Gestão Escolar na UERJ/FFP. Ao receber o resultado da
seleção e ver minha aprovação, não pude me conter com tamanha felicidade. Chorei,
sorri, contei aos amigos e familiares, comemorei mais uma vitória conquistada.
Havia muita ansiedade na espera do início das aulas, porém, logo na primeira
semana de aula, descobrimos que iríamos passar por uma greve, que acabou sendo uma
longa greve.
Nesse período, a prefeitura de São Gonçalo e, logo depois, a de Niterói abriram
concurso para o Magistério. Aventurei-me mais uma vez e prestei o concurso. Fui
aprovada nos dois concursos prestados, porém, nomeada e empossada para exercer o
cargo de professora docente II pela prefeitura de São Gonçalo.
Iniciei minha prática em 2016, em uma escola localizada numa região onde há
um alto índice de violência. As condições de moradia e saneamento básico são
precárias. Os alunos são moradores desse bairro ou de bairros vizinhos que se
encontram nessas mesmas condições.
Minha estreia na sala de aula não foi como idealizada. Planejei minha primeira
aula, muito inexperiente, acreditando num mundo mágico, em que todas as crianças
estariam em harmonia, com vontade de aprender, com respeito ao outro e que tudo
sairia conforme o previsto.
Entrei na sala de aula, me apresentei aos alunos e iniciei uma dinâmica. Logo
depois propus uma brincadeira em que os alunos deveriam encontrar alguns bombons
escondidos previamente na sala de aula. Começou a caçada e o aluno que achou dois
bombons foi surpreendido com socos, pontapés e empurrões pelo colega que não havia
encontrado nenhum. Fiquei assustada com aquele comportamento e chamei a diretora
da escola para me auxiliar, pois não estava conseguindo lidar com o ocorrido e, por
mais que eu conversasse e tentasse impedir que esses alunos se digladiassem, não estava
tendo sucesso.
Orientada pela diretora para que a chamasse toda vez que acontecesse atitudes
semelhantes, observei que para cada aluno havia um tipo de correção, mesmo quando
por comportamentos idênticos.
Conforme os dias foram passando, fui percebendo que esse comportamento
transgressor era frequente. Primeiro, imaginei que seria uma espécie de teste, em que eu
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VII Seminário Vozes da Educação
precisava ser submetida para que os alunos soubessem até onde poderiam ir, qual seria o
limite. Depois, conversando com os outros professores, descobri que essa conduta não
era exclusiva à minha sala de aula.
Observando não só a direção, mas a equipe gestora e seu importante papel diante
de desvios comportamentais possibilitaram a reflexão sobre esse tema. Assim, surge o
desejo de discutir as percepções dos gestores dessa escola a respeito da relação gestão
escolar e violência. Aprofundei-me, então, nessa discussão no Trabalho de Conclusão
de Curso da pós-graduação.
O problema da violência na escola tem sido um dos grandes desafios para
equipes gestoras e demais profissionais da educação. Esse fenômeno tem crescido nos
últimos anos e se tornado uma realidade que vem desafiando os educadores.
Estamos vivendo em um novo século com um quadro bastante diversificado e
complexo. Como educar num contexto de violência, corrupção, falta de ética, falta de
valores ou novos significados dados aos valores?
Há uma necessidade, de todo o corpo educacional presente na escola, de ajudar
os educandos a pensar, refletir, analisar o contexto partindo do cotidiano local para o
cotidiano global. Essa necessidade se dá a partir da permissão de um avanço num
conteúdo que possibilite ir além dos conhecimentos programados no currículo da
escola, atingindo um currículo que esteja comprometido com a construção do
sujeito/aluno na formação de sua cidadania.
Nessa minha caminhada pude perceber o quanto de nossa história carregamos,
mesmo que inconsciente, para nossa auto formação e autorreflexão, pois o memorial
“trata-se de um texto reflexivo de crítica e autocrítica” (PRADO, CUNHA e SOLIGO,
2008, p. 137).
Prado e Soligo (2007) citam Walter Benjamim (1987) e dizem que estão
alinhados com ele, pois este afirma que quando produzimos histórias, relatamos os
fatos, registramos nossas memórias. Que o ato de contar uma história faz com que ela
seja preservada do esquecimento criando-se a possibilidade de ser contada novamente.
Ao narrar, visitamos o passado na tentativa de buscar o presente, onde as
histórias se manifestam trazendo à tona feixes que ficaram “esquecidos” no tempo. E é
nesse processo que nos transformamos, pois somos protagonistas na construção do
conhecimento.“Os memoriais não são somente um exercício memorialístico na busca de
produzir sentidos para o percurso construído, mas a possibilidade de transformação”
(PRADO, CUNHA e SOLIGO, 2008, p. 138).
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Vitor Paro (2008) nos alerta que, para além da transformação humana, o
professor deve se agarrar à visão da educação comprometida com a transformação
social em que o educando não apenas está presente, mas também participa das
atividades que se desenvolvem na escola, ou seja, o educando é, ao mesmo tempo,
objeto e sujeito da educação.
Pensar na nossa trajetória e na nossa prática traz algumas indagações. Estamos
formando cidadãos críticos, reflexivos e conscientes do processo formativo?
Segundo Saviani (2009), nós devemos eleger a educação como prioridade, pois
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VII Seminário Vozes da Educação
mais profundidade; é criar possibilidades aos alunos para a sua própria construção; é
saber escutar o aluno e aceitar o novo.
Posto isso, para que haja uma educação de qualidade, cada professor deve estar
compromissado em desenvolver nos alunos, a capacidade de análise e reflexão crítica,
incluindo atividades que possibilitem a harmonia. Paro (2008) argumenta que cabe ao
professor desenvolver a consciência crítica de seus alunos, promovendo no educando
comportamentos de reflexão, de pesquisa, de questionamentos constantes, mesmo que
isto não esteja explícito nos currículos e programas. Desse modo, professores e alunos
são protagonistas na construção do conhecimento.
Para isso, a escola deve ser compreendida como integrante do processo de
formação do cidadão e da sociedade e não apenas, como uma mera reprodutora de
conhecimentos, mas como uma produtora de conhecimentos comprometida
socialmente.
Além disso, é essencial que o professor dê continuidade à sua formação para que
haja uma melhoria em sua prática docente. Com minha formação inicial adquiri muitos
conhecimentos, mas não foi suficiente para sustentar meu dia a dia na sala de aula.
Buscava nas palestras, cursos, pesquisas e, até mesmo, em algumas situações em que
passei enquanto no lugar de aluna um saber necessário aplicável em determinadas
circunstâncias.
Como “não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino” (Freire, 2011,
p.32), Esteban e Zaccur (2002) refletem sobre a pesquisa como eixo da formação
docente, sabendo que a pesquisa junto ao cotidiano formal e informal dá o suporte para
o entendimento e a busca de novas formas de reflexão e questionamento.
Segundo Esteban e Zaccur, a formação de professores reflexivos para a
educação centrada no aprendiz requer uma mudança de ensino, tendo o aprendiz como
centro do processo, conteúdos relevantes e respeito de acordo com suas experiências e
conhecimentos prévios.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Geraldi (2004) diz que a formação do professor acontece depois de alguns anos
de estudos, onde se incorpora certos conteúdos. Mas, talvez, isto irá apenas formá-lo e
não torná-lo professor. Ele propõe uma contínua atualização para que o professor saiba
o que se produz de novo, para se tornar objeto de ensino, passando pelo processo de
transformação em conteúdo de ensino. Propõe, ainda, que o professor ensine de forma
que esteja sempre voltado para as questões do vivido, dos acontecimentos da vida, para
sobre eles construir compreensões, caminho necessário da expressão da própria vida.
Segundo o autor, o mais importante é “aprender a aprender”, para construir
conhecimentos, mesmo que as aprendizagens construídas ao longo do processo de
escolaridade sejam diferentes.
A formação continuada é imprescindível e possibilita ao professor saberes
necessários para aprimorar sua prática. Percebo a cada dia que o processo de
aprendizagem é contínuo. Para o professor comprometido com a educação deve-se ter
um desafio permanente de atualização de nossa prática pedagógica, para que se
desenvolver habilidades necessárias ao nosso cotidiano.
Sempre tive o desejo de, ao terminar a graduação, iniciar uma especialização.
Mas a vida tinha me reservado outras surpresas, o que me fez adiar minha continuação
na academia. Finalizei a especialização, mas não meus estudos, pois assumo o desafio
perpétuo que possibilite a meus alunos uma educação de qualidade.
Referências
ESTEBAN, Maria Tereza e ZACCUR, Edwiges (orgs). Professora-pesquisadora:
Uma Práxis em Construção. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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VII Seminário Vozes da Educação
MARTINS, João Carlos. Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula:
Reconhecer e desvendar o mundo, 2010. Disponível em:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_28_p111-122_c.pdf. Acesso em:
13/10/2016.
PARO, V. H. Administração Escolar: Introdução crítica. 15. ed. São Paulo: Cortez,
2008.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Juliana Rodrigues
UERJ/ProPEd
juliana_rodrigs@hotmail.com
Izadora Agueda
UERJ/ProPEd
izadoraagueda@yahoo.com.br
Uns quinhentos anos antes da era cristã, aconteceu na Magna Grécia a melhor
coisa registrada na história universal: a descoberta do diálogo. A fé, a certeza,
os dogmas, os tabus, as tiranias, as guerras e as glórias assediavam o orbe;
alguns gregos contraíram, nunca saberemos como, o singular costume de
conversar. Duvidaram, persuadiram, discordaram, mudaram de opinião,
adiaram... Sem esses poucos gregos conservadores, a cultura ocidental é
inconcebível... (BORGES, 2009, p.27).
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VII Seminário Vozes da Educação
pensar e questionar assuntos importantes. Assuntos abordados nos filmes podem virar
discussões importantes sobre como os cotidianos estão sempre em rede.
Com a ideia da epígrafe sobre as possibilidades das conversas, podemos, então,
‘fazerpensar’76 juntos através dessas palavras e o que elas traduzem. Em primeiro lugar,
o cinema pode tornar tudo mais atrativo e interessante, já que aguça os sentidos das
pessoas em seus diversos cotidianos nas redes educativas que todos formamos e
naquelas nas quais, concomitantemente, somos formados. Entendo as pessoas, os
indivíduos, como “praticantes” (CERTEAU, 1998), e com o acréscimo que lhe deu
Oliveira (2012), como ‘praticantespensantes’ 77 da vida cotidiana, considerando que,
mesmo estando em um mundo que tenta salvaguardar o poder das chamadas classes
dominantes, vivemos ‘espaçostempos’ onde as regras não são estabelecidas por forças
hegemônicas. No entanto, essas regras são usadas de modo próprio pelos
‘praticantespensantes’, “em acordo com as ocasiões” e a métis (DÉTIENNE;
VERNANT, 2008) dos indivíduos. Essas formas de intervenções nos ‘espaçostempos’
são denominadas nos cotidianos de “táticas”, por Certeau (2012). E elas intervêm
inclusive em novas definições normativas, sendo entendidas como produtos de
negociações de sentidos entre diferentes organizações e grupos sociais.
Nessa lógica também de “usos”, “consumo” e “táticas” 78 é que se dão as
inúmeras expressões de fé e compreensões da Virgem Maria. É um pouco do que o
longa-metragem ao qual nos referimos logra apresentar. Somente para melhor
compreender a complexidade dessas relações, trazemos o próprio termo “religião”,
76
Este modo de escrever estes termos juntos e grafados – tais como os termos ‘aprenderensinar’,
‘práticateoria’, ‘praticantespensantes’, ‘espaçostempos’, ‘conhecimentossignificações’,
‘docentesdiscentes’, entre outros – é utilizado em pesquisas nos/dos/com os cotidianos e serve para nos
indicar que, embora o modo dicotomizado de criar conhecimento na sociedade Moderna teve sua
significação e importância, esse modo tem significado limites ao desenvolvimento de pesquisas nessa
corrente de pensamento. É assim que usamos nos textos que emergem do grupo de pesquisa do qual
fazemos parte, sob a coordenação de Nilda Alves.
77
Certeau (1998), que é um dos autores base para muitos dos autores de currículo, escreve dos
“praticantes” das redes cotidianas. Mas os que trabalham com currículos sabem que não há prática sem
pensamento, o que, aliás, o próprio Certeau afirma. Isso permitiu criar a figura “praticantespensantes”,
entendendo a forte relação à teoria.
78
A ideia de “táticas” está associada à ideia de “estratégias”, em Certeau. Oliveira as destaca da seguinte
forma: “estratégias são, portanto, ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de
um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um
conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugares e
visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações espaciais (...). As táticas são
procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias que o instante preciso de
uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização
do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um “golpe”, aos cruzamentos possíveis de durações
e ritmos heterogêneos etc.” (CERTEAU, 1994, p. 102 apud OLIVEIRA, 2008, p. 59).
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em vez de propor um outro lugar com que a utopia nos faz sonhar,
Boaventura indica a necessidade de um deslocamento radical dentro do
mesmo lugar, que é o nosso, um deslocamento que passe a se preocupar com
o que se faz em espaços/tempos antes julgados comuns e mesmo ignorados,
mas que têm uma enorme importância já que é neles que vivemos
concretamente nossa vida (ALVES, 2011).
79
Como Alves (2011), trato este autor por Boaventura porque é como comumente é chamado e porque é
um lindo nome. Trata-se de Boaventura de Sousa Santos, importante sociólogo português.
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VII Seminário Vozes da Educação
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VII Seminário Vozes da Educação
(...) passei a tomar o cinema como uma produção cultural que não apenas
inventa histórias, mas que, na complexidade da produção de sentidos, vai
criando, substituindo, limitando, incluindo e excluindo “realidades”.
Portanto, passei a tomar os filmes como produções datadas e localizadas,
produzidos na cultura, criando sentidos que a alimentam, ampliando,
suprimindo e/ou transformando significados (Fabris, 2008, p. 120).
Maria, a compadecida
Nossa Senhora, Maria livre, Maria escrava, Maria mestra. Várias são as
titulações que envolvem a figura de Maria, para alguns um ser inigualável, para outros
uma escrava de sua missão. Diversos são os seus significados, coletivos ou individuais,
que a mãe do filho Deus possui. Muitas vezes não observamos a presença efetiva da
religião, principalmente da religiosidade popular presente na literatura ou no cinema.
Há, em muitos autores um ensinamento enriquecedor sobre a maneira como uma
pessoa, revestida do personagem, evoca sua fé e invoca seus santos e protetores.
Particularmente, na obra de Ariano Suassuna, Auto da Compadecida, podemos sentir a
proximidade do fiel com Jesus, Maria e os Santos. Simplicidade da fé nesta relação que
não diminui a profundidade do respeito pelo sagrado.
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VII Seminário Vozes da Educação
Todo aquele que já teve uma mãe sabe que pode chama-la a qualquer momento,
que a mesma daria algum jeito de atender, não importa se era um bom ou mau filho,
pois, como varias mães dizem, todos os filhos são iguais e merecem seu amor total,
especialmente nos momentos mais difíceis. Podemos perceber essa atenção quando o
personagem João Grilo fala: – “Eu tenho um trunfo, e é maior do que qualquer santo é a
Mãe da Justiça, (...) vou fazer um chamado especial e ela virá me defender.” E na
simplicidade e esperança chama a “advogada dos aflitos” para auxilia-lo, assim como
muitos brasileiros com a devoção mariana.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Filme
O Auto da Compadecida. Direção: Guel Arraes. Brasil, 2000, 104 min., colorido.
Referências
ALVES, Nilda Guimarães. Redes educativas, fluxos culturais e trabalho docente – o
caso do cinema suas imagens e sons. Financiamentos CNPq, FAPERJ e UERJ, 2012-
2017. 2012. (Projeto de Pesquisa)
ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de; MACEDO, Elizabeth; MANHÃES, Luiz
Carlos. Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2011.
GAUDIO, Del Daniela. Maria de Nazaré, Breve Tratado de Mariologia. São Paulo:
Paulus, 2016.
LUMEN GENTIUM. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus,
1997.51.
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VII Seminário Vozes da Educação
80
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES).
81
Este termo é o proposto pela Associação Brasileira de Empresas e Pesquisas (Abep) para famílias com renda
média de R$ 2.674. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo federal adota um valor diferente
dividido entre renda per capita de até R$ 441 e renda familiar de até R$ 1.764; estes valores são utilizados
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VII Seminário Vozes da Educação
sobre a minha vida, sobre o que eu queria realmente fazer dela, estava destroçada com o
término de meu segundo casamento e precisava dar um sentido novo à minha
existência, então, voltei a estudar, finalizei o ensino médio e resolvi investir em uma
formação acadêmica privada; fiz até o quarto período de Direito, mas não contava com
os revezes da vida, em 2007 minha mãe morreu em 10 minutos por ocasião de um
acidente vascular cerebral (AVC), fiquei sem chão durante 2 anos, a renda dela e minha
juntas nos deixava ter uma vida confortável, mas com sua morte me vi em graves
problemas financeiros, pois, agora tinha que dar conta de todas as despesas de uma casa
com 4 pessoas e um cachorro, sem ajuda, meus irmãos estavam sem trabalho e só a
minha renda segurava toda casa.
Meu filho estudava em um preparatório para carreiras militares e que também
dava formação para os vestibulares e o ENEM, que era muito caro e consumia grande
parte da minha renda, mas eu não queria que suas possibilidades de realizar seu sonho
de ser engenheiro, acabasse como o meu, fui segurando até o final e ele conseguiu
passar em engenharia na UFF, neste momento, via na televisão propaganda do governo
falando sobre o programa “Universidade para todos” e pensei agora é o meu momento
de voltar novamente a estudar.
Os acasos da vida me levaram ao Centro de Educação a Distância do Estado do
Rio de Janeiro (Cederj); ao conversar com um amigo em um bate papo e cervejinhas na
Tijuca, bairro de nossa infância e juventude, ele me falou sobre o consórcio de
Universidades Públicas onde estava cursando Administração e sobre o Pré-Vestibular
Social o (PVS), me interessei e fui atrás, um ano depois, no final de 2012, tinha passado
em História no Cederj, em História no vestibular da UERJ e conseguido a vaga pelo
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em Pedagogia na UFF, conclui este curso
em 2017.
Apesar de ouvir críticas de algumas pessoas, pois, para estes eu estava tirando a
vez de um jovem entrar na universidade pública federal, e que este não era o meu lugar,
aquele era o meu momento, uma oportunidade que não poderia desperdiçar por causa
das bizarrices de uma sociedade que cria estereótipos de estudante; estava lá por direito,
concorri por ampla concorrência e mesmo que tivesse sido por políticas afirmativas
também seria meu direito, pois, em uma sociedade que exclui por causa da cor da pele,
pela condição social, uma sociedade que naturalizou a desigualdade, que empurra a
maioria de jovens e adultos para uma vida cheia de dificuldades por causa de uma
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
cegueira burguesa que sobre expropria a nossa força de trabalho e de uma heteronomia
cultural e social, tudo é mais difícil e em tempo diferente, em geral tardio.
Cursar a graduação em Pedagogia e trabalhar foi uma situação complicada,
todavia, no decorrer deste movimento inseri-me como monitora e passei a usufruir de
uma bolsa de monitoria, tanto a ajuda financeira quanto a experiência como monitora
foram tão importantes que, hoje, após a formatura da graduação em Pedagogia, estou no
meio da graduação de Geografia e no curso de Mestrado Acadêmico em Educação, e
dediquei-me a estudar a relação entre monitoria e formação de professores. É a
experiência que nos passa e nos marca de modo a não encerarmos os momentos de
formação institucional. Esta dimensão de infinito recomeço e nunca totalização do
conhecimento e consequentemente de nossa construção como sujeitos que somos é fruto
do espaço universitário. Se hoje permaneço frequentando os corredores universitários
não é só por ascensão profissional, mas também, e principalmente, pela possibilidade de
constante descoberta, que independe da idade, do gênero, das dificuldades, dos estios a
universidade plural, pública, laica e em construção democrática nos possibilita.
Quando fui monitora na disciplina Psicologia da Educação, que é ofertada a
vários cursos, observei, junto com minha professora orientadora, que muitos
licenciandos não sem veem como professores, ou não querem se ver neste lugar apesar
de seus cursos serem de licenciatura; é comum entre os alunos, ao perguntarmos que
cursos faziam, respostas como: matemáticos, físicos, historiadores, mas nunca
professores; isto nos levou a pensar sobre esta recusa, sabemos das dificuldades de ser
professor em nossa sociedade, mas o que mais nos preocupa é observar que um jovem
que se forma em uma licenciatura recusa este lugar de professor já no começo de sua
formação. Eu mesma tenho a minha história de recusa, pois, nos anos 80, quando entrei
para o ensino médio minha mãe insistia para que eu fizesse o curso normal, morava
praticamente ao lado do Instituto de Educação na Tijuca, mas só de pensar que não teria
reconhecimento profissional e financeiro, a profissão de professor não foi cogitada por
mim de forma alguma, e eu sempre dizia na minha ambição de futura trabalhadora - eu
quero ganhar dinheiro -, pois é, realmente ganhei e na profissão que escolhi era
reconhecida, mas me pergunto porque dentro de mim sentia falta de uma formação
acadêmica e porque quando pude escolher escolhi cursos de licenciatura como história,
pedagogia , geografia, é certo que fiz direito também, mas não me senti tão apaixonada
pelo curso como no de pedagogia. Sinto que esta escolha em uma idade madura não foi
por acaso, mas sim, o reconhecimento de que a profissão de professor já era uma
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escolha antiga que fingia não ver, pelos problemas que circundam a profissão e não pela
profissão em si.
Este momento de rememoração de minha trajetória faz-me sentir mais forte
acerca de minhas escolhas, mas sem nunca esquecer que estas realizações também
aconteceram pela a oferta do poder público de uma dita “Universidade para Todos”, que
influenciou a mudança de minha trajetória de vida, formação e profissão. Escrever sobre
a Universidade Pública e dividir a co-autoria deste trabalho com Heriédna, que conheci
nos corredores e salas da universidade, colocando em diálogo os nossos olhares de
como a universidade pública brasileira se apresenta para nós, que somos parte dela, e o
modo que parte da sociedade brasileira a enxerga neste momento atípico e complicado
de nossa história, e uma tentativa de mostrar e ratificar que a universidade pública
brasileira é para brasileiros é plural, é para brasileiros que sentem as mazelas e os
impactos diretos da desigualdade que aqui se instala, é mostrar que ser professor é estar
em diálogo com as diferentes áreas do saber, a ponto de na Pós-Graduação ser possível
o encontro de uma licenciada em pedagogia e uma licenciada em física.
Só a universidade consegue unir diferentes áreas de conhecimento; a
universidade é “um todo que agrega uma diversidade de campos do saber, ou seja, uma
unidade na diversidade” (PAULA, 2000, p. 12), que se materializa, por exemplo, nas
discussões que realizamos no âmbito dos estudos que realizamos em conjunto no Grupo
de Estudos e Pesquisa de Processos Institucionais de Formação (GEPPROFI), espaço-
tempo que nos aproxima.
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precisa lidar com a imagem que a sociedade brasileira, burguesa e conservadora, possui
dela; este é um monstro que ganha forma nos cortes, na acusação de balbúrdia, na ideia
de junção entre as agências de fomento à pesquisa, e se inicia desde cedo com os
itinerários formativos para o Ensino Médio e o notório saber como direito ao exercício
da docência.
A nossa aproximação e ação de escrita deste texto que se inicia com as nossas
narrativas e tensionamentos é um momento que destinamos a colocar em diálogo o
nosso olhar singular que é transpassado pelo social-institucional que nos forma
cotidianamente. Optamos por apresentar nas sessões seguintes as discussões teóricas
que fundamentam a escolha de nossas narrativas como material empírico e os autores
que nos auxiliam a pensar formas de resistências e de atuação consciente do espaço-
tempo universitário que experienciamos e que desejamos, um espaço universitário
público, laico, democrático que inclua os brasileiros historicamente excluídos.
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integralmente em cada um dos nossos atos, em cada um dos nossos sonhos, delírios,
obras, comportamentos. E a história desse sistema está contida por inteiro na história da
nossa vida individual” (FERRAROTTI, 2010, p. 44).
Pela afirmação do autor não há como desconsiderar o sujeito e muito menos a
sua subjetividade, já que é evidente a relação entre o pessoal e o social como partes que
nos constituem e traduzem o que somos enquanto pessoa e ser social. Neste sentido a
pesquisa (auto)biográfica apresenta-se como uma alternativa viável, que de forma
consistente, valoriza as características sociais e humanas dos sujeitos. O método tem
como elemento central de estudo o indivíduo na sua singularidade. A construção da
narrativa das histórias de vida se faz com base nas experiências do cotidiano das
pessoas, e retratam uma enorme riqueza e complexidade de informação; o
conhecimento sobre este homem social começa a ser pensado como fundamental na
compreensão dele mesmo admitindo e aceitando que o universal social está na narrativa
do sujeito.
No Brasil, a abordagem autobiográfica é recente, ganhou força nos anos 1990 e,
vem sendo muito utilizada em diversas áreas do conhecimento. Esse modo de fazer
pesquisa, por trabalhar a questão da subjetividade dos sujeitos é alvo de diversas críticas
quanto a sua legitimidade. Matthias Finger e António Nóvoa (2010, p. 23) sinalizam
que esta abordagem tem qualidades que a distingue de outros métodos, passando pela
formação e auto formação dos sujeitos envolvidos na pesquisa pois, “permite que seja
concedida uma atenção muito particular e um grande respeito pelos processos das
pessoas que se formam: nisso reside uma das suas principais qualidades”. Para António
Nóvoa, o sujeito, ao construir a sua narrativa, ele se forma à medida que reelabora para
si e para o outro a compreensão sobre o seu percurso de vida, de modo que
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todos” e sua opinião sobre o mundo não é negociável, assim a educação superior
assume funções distintas e fundamentais, passando de “educação superior” para
“educação terciária”, com uma função diretiva, construir a nova sociedade do
conhecimento/informação.
Não há pobres onde há trabalho, logo ampliar o acesso às universidades,
massificando a conclusão de cursos superiores, traz grande parte da população a um
status antes distante, uma “nova realidade”, mas não a construção de uma consciência
social, concreta, pois ao permitir o acesso e aderir a lógica de mercado, reduz-se a
qualidade, pormenorizando o tripé que sustenta as universidades
(pesquisa/ensino/extensão), mantendo este acessível a poucos brasileiros, margeando o
espaço universitário, o que segundo Raquel Goulart Barreto e Roberto Leher (2008) é
criar um “apartheid educacional” naturalizado via resultado de políticas avaliativas,
composta por avaliações externas e internas impostas a cultura escolar que convive com
as avaliações sem a sua devida compreensão.
Nesse sentido, Maria Fátima Costa de Paula (2009), no que se refere as políticas
de acesso democratizantes, aponta também uma cisão, uma dicotomia silenciada pela
grande mídia, mas, ratificada pelo discurso democratizante do governo, que coloca a
universidade como reprodutora de caminhos definidos pelo modelo econômico, onde,
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Tentativa de conclusão...
Encerrar uma narrativa que versa as experiências de formação em
Pedagogia, em Física e a história da universidade brasileira, sendo está contada a partir
de leituras e olhares de sujeitos que admitem total implicação com o contexto
universitário e com o tema é complicado, pois, narrativa é movimento, história de vida é
construção aberta ao tempo e aos sujeitos; a história da universidade brasileira também
é construção aberta, resta-nos defender e definir quais serão os sujeitos autores dessa tão
disputada história. A burguesia conservadora deseja contar esta história, mas que
escreve o roteiro não é a burguesia brasileira, mas sim, o mercado educacional, a
condição de capitalismo dependente que não sabe muito bem como vai ficar no
movimento neoliberal. Será a terceira via a responsável por comandar a comodity
educacional ou será que vamos conseguir frear este movimento? O nosso grande desejo
não é frear, mas se possível sair desta rota – parece utópico, a quem diga que só a
revolução socialista propicia tal feito –; uma vez que nos percebemos imersos nesta
onda, cabe-nos entender um pouco sobre a nossa posição, e acreditamos ter conseguido,
pois, ao trazer as nossas narrativas de formação e o reconhecimento de que a docência
assume uma posição menor na sociedade brasileira, não que concordemos com isso, é
possível perceber que a coesão da categoria docente é necessária, e ainda precisa ser
alcançada para que possamos falar de resistência por uma educação que seja pública,
laica e democrática. Temos que caminhar muito nesta seara da adesão e do estado de
pertencimento a categoria docente e os cursos de formação de professores possuem um
espaço-tempo propício e sui generis para colocar-se como promotores deste estado de
pertencimento e conseguir construir uma consciência docente e não de profissional
82
Extraído de <http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/as-universidades-devem-ficar-reservadas-
para-uma-elite-intelectual-diz-ministro-da-educacao/>. Acesso em 21 de outubro 2019.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
liberal que dá aulas, afinal, ser professor é a soma contínua de formação-ação, pesquisa-
estudo, práxis na vida.
Outro aspecto importante no que se refere ao alcance deste texto remete a
história da universidade brasileira; esta multifaceta e herda uma heteronomia cultural
difícil de modificar, afinal, foram muitos anos ditatoriais que nos inculcaram que
pesquisa de ponta só a Europa e os Estados Unidos, que já faziam, poderia continuar a
fazer. A ampliação da pós-graduação não traz consequência direta para a construção de
um imaginário social que enxerga a pesquisa como parte dos investimentos e destinação
de recursos do Estado. Como o Estado brasileiro atende aos ditames da burguesia
conservadora, da transcionalização do mercado, a educação e a pesquisa não são
considerados pontos de pauta dignos de investimentos como uma parcela de 10% do
PIB, mas é digna de itinerários formativos, de uma formação de professores pautada e
determinada pela Base Nacional Curricular que aligeira e normaliza todos os sujeitos
brasileiros via os descritores das avaliações externas. Fiquemos atentos, pois, como nos
falava Florestan Fernandes, “a Educação, quando não é esmagada pela ignorância, é
esmagada pela escassez de recursos” (FERNANDES, 1991, p. 37).
Referências
BARRETO, Raquel Goulart e LEHER, Roberto. Do discurso e das condicionalidades
do Banco Mundial, a educação superior “emerge” terciária. Revista Brasileira de
Educação. v. 13, n. 39, Rio de Janeiro, 2008.
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VII Seminário Vozes da Educação
CUNHA, Luiz Antônio. Ensino superior e universidade no Brasil. In: LOPES, Eliane
Marta Teixeira, MENDES (org.) e outros. 500 anos de educação no Brasil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.
NÓVOA, António. A formação tem que passar por aqui: as histórias de vida no Projeto
Prosalus. In: NÓVOA, António; FINGER, Matthias. (Orgs). O método
(auto)biográfico e a formação. Natal, RN: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2010.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Viviane Lontra
PPGEUFRJ/ CApUFRJ
vivilontra@gmail.com
83
Aprendemos com os estudiosos do cotidiano a juntar palavras na intenção de inventar novos
significados: “princípio da juntabilidade” que concede sentido e significado diferentes dos usuais, quando
de sua separação (Alves, 2001).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
84
Na aula inaugural, uma professora fez referência à expressão de Walter Benjamin - "escovar a história à
contrapelo" -, lembrada pela estudante no e-mail.
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VII Seminário Vozes da Educação
A Extensão em miúdos
Com os fios teóricos, políticos e epistemológicos apresentados é que foi tecido o
curso “Conversas sobre Práticas na Formação de Professores” como atividade de
extensão do grupo de pesquisa “ConPAS: Alteridades e Singularidades” do Colégio de
Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp/UFRJ) 85 que, desde 2010,
atua em diferentes espaços educativos, especialmente na forma de parcerias com as
secretarias de educação, através de projetos de pesquisa e extensão nas áreas da
formação inicial e continuada de professores, estudos dos cotidianos e currículos,
contando com a interlocução entre pesquisadores e instituições de ensino superior e
educação básica, constituindo-se em espaço de diálogo entre escola-universidade. Um
dos nossos objetivos é investigar a formação de professores tendo como fundamento a
premissa de que a troca de experiências é elemento potente nesse processo. Essa ação
reforça as lógicas de partilha e cooperação na profissão (NÓVOA, 1992) e
ressignificam o fazer docente – sabemos que não estamos sozinhas!
Duas de nós são professoras 40h de dedicação exclusiva nessa instituição que
trata-se de uma unidade de educação básica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
que atende cerca de 700 estudantes matriculados do 1º ano do Ensino Fundamental ao
3º ano do Ensino Médio e se constitui como campo privilegiado de estágio das
licenciaturas da UFRJ, recebendo, semestralmente, cerca de 400 futuros professores da
escola básica. A terceira autora é pedagoga e professora da escola básica do Município
de Niterói e compartilha suas experiências docentes no curso em questão desde sua
primeira edição, em 2017.
Nossos objetivos caminham no sentido de refletir sobre o ensino na/da Educação
Básica, trocando experiências entre estudantes do Ensino Médio, alunos das
licenciaturas, professores da educação básica e professores universitários acerca das
questões e desafios que envolvem o ensino fundamental inicial, o rganizando projetos de
trabalho com base nas concepções de aprendizagem das crianças pertencentes aos anos
iniciais de escolaridade, potencializando a produção de conhecimentos sobre a escola e
pela escola compreendendo relatos como construção de identidade profissional docente,
estimulando a prática narrativa para este fim.
Em 2016 iniciamos contato com o Colégio Estadual Ignácio Azevedo do
Amaral, uma escola vizinha ao CAp que forma professores em nível médio, o antigo
Curso Normal. Nosso grupo de pesquisa não poderia deixar de considerar a incrível
85
Projeto de Pesquisa coordenado pela Prof. Dra. Graça Reis desde o ano de 2010.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Pela segunda vez, tive o prazer de enredar os fios dos meus saberes aos dos
professores em formação ao participar do curso conversas. Sempre é um
grande prazer encontrar uma sala cheia de jovens que desejam a docência,
esse ofício tão caro para mim e ao mesmo tempo, tão vilipendiado e
sucateado pelo sistema. Por vezes, no front da sala de aula, pensamos que
estamos sozinhos, na utopia de interferir no mundo. O curso oportuniza que,
ao contrário, percebamos a potência subversiva do ofício (Narrativa de
Soymara Emilião, 2018. Professora da educação básica presente nas duas
edições do Curso).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Para acalentar seus filhos durante as terríveis viagens a bordo dos tumbeiros
– navio de pequeno porte que realizava o transporte de escravos entre África
e Brasil – as mães africanas rasgavam retalhos de suas saias e a partir deles
criavam pequenas bonecas, feitas de tranças ou nós, que serviam como
amuleto de proteção. As bonecas, símbolo de resistência, ficaram conhecidas
como Abayomi, termo que significa ‘Encontro precioso’, em Iorubá, uma das
maiores etnias do continente africano cuja população habita parte da Nigéria,
Benin, Togo e Costa do Marfim86.
É muito importante levar essas histórias para as aulas porque, hoje em dia,
amo meu cabelo, brinco com ele. Cada dia está de um jeito, mas não foi
sempre assim... Já tive muita raiva dele, achava feio, queria ter cabelo liso e
loiro. Essas histórias nos fazem pensar da nossa origem e o cabelo faz parte
da nossa história, mas quando a gente é criança é difícil mesmo (Narrativa de
uma estudante do Ensino Médio, 2018).
86
Disponível em: <http://www.afreaka.com.br/notas/bonecas-abayomi-simbolo-de-resistencia-tradicao-e-
poder-feminino/>. Acesso em: 12.Dez.2018.
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VII Seminário Vozes da Educação
Não tem um dia que eu saia de uniforme da escola que eu não seja assediada.
Eu não tinha me dado conta que isso não é normal, ou pelo menos não
precisa ser.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Aprendi que cada dia temos coisas dentro de nós que mudam tudo o que
planejamos. A aula de hoje caminhava de um jeito e a percepção da
professora para mudar o planejamento e ouvir o que tínhamos para falar foi
muito importante e, na minha opinião, valeu muito mais do que o que estava
planejado para hoje no curso. Não sei se eu teria essa sagacidade em sala de
aula. Aprendi que o planejamento é importante. Sei que ele é flexível, mas
não sei como fazer, mas hoje tive uma aula de verdade, na prática, de como
podemos aproveitar o momento. Acho que conversar sobre questões étnico
raciais no meio de nossas angústias sobre a situação que vivemos como
meninas, como mulheres, foi, de verdade, um momento precioso. Acho que
eu ainda não sei fazer isso na sala de aula, mas viver isso aqui, hoje, me
ensinou bastante (Narrativa de uma estudante do Ensino Médio, 2018).
Consideramos que este curso pode contribuir para pensar outros modos de
praticar políticas de Formação Inicial de Professores, pois, pretende de modo integrado
com a pesquisa, o ensino e a extensão, produzir uma argumentação que evidencie a
contribuição das rodas de conversa por meio das narrativas de experiência e da escrita
de memoriais para os processos formativos e a produção dos currículos na defesa pela
Educação Básica pública e de qualidade.
Continuamos na luta por encontros e conversas preciosas para/na (des)formação
docente!
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho – os cotidianos das escolas nas lógicas das
redes cotidianas. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de e ALVES, Nilda. Pesquisa
nos/dos/com os cotidianos das escolas, sobre redes de saberes. Rio de Janeiro:
DP&A, 2008.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano 1: As artes de fazer. 20. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2008.
FERRAÇO, Carlos Eduardo; PEREZ, Carmen Lúcia Vidal; OLIVEIRA, Inês Barbosa
(Org.). Aprendizagens Cotidianas com a Pesquisa: novas reflexões em pesquisa
nos/dos/com os cotidianos das escolas. Petrópolis: DP et Alii, 2008.
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VII Seminário Vozes da Educação
REIS, Graça Regina Franco da Silva. Por uma outra Epistemologia de Formação:
Conversas sobre um Projeto de Formação de Professoras no Município de Queimados.
2014. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a
uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (Orgs).
Epistemologias do Sul. São Paulo, Cortez, 2010.
SKLIAR, Carlos. Elogio à conversa (em forma de convite à leitura). In: RIBEIRO,
Tiago, SOUZA; Rafael e SAMPAIO, Carmen Sanches. Conversa como metodologia
de pesquisa - por que não? Rio de Janeiro: Ayvu, 2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
O presente artigo está sendo tecido por três bolsistas do grupo de pesquisa
extensão Conpas, que aqui irão narrar suas vivências e experiências dentro de salas de
aulas do primeiro segmento do ensino fundamental de uma escola do município do Rio
de Janeiro. Escolhemos utilizar como embasamento teórico os conceitos de narrativas e
de cotidianos de Inês Barbosa de Oliveira e Nilda Alves.
O projeto de pesquisa e extensão Conversas entre Professores: Alteridades e
Singularidades vêm desenvolvendo desde o ano de 2010 a prática de pesquisa por
professores e tem como objetivo compartilhar vivências dos cotidianos escolares dos
docentes, sendo aberto à participação de licenciandos no ano de 2014. Os encontros são
realizados no Colégio de Aplicação (CAp/UFRJ) a cada semana, com a metodologia de
rodas de conversas e estudos teóricos que nutrem nossas práticas e proporcionam trocas
de saberes. O grupo é composto por professores doutores, bolsistas extensionistas,
licenciandos da Universidade Federal do Rio de Janeiro, abrangendo diferentes cursos,
tais como, Pedagogia, Ciências Sociais, História, Letras, Geografia, e estudantes do
CAp/UFRJ, contribuindo, de maneira expressiva para a nossa formação inicial.
As frentes que envolvem o projeto se diluem em Curso de Extensão com
bolsistas PROFAEX, Produção de Material Audiovisual com bolsistas PIBIAC,
Produção Acadêmico Científica e Orientação às Estudantes do Ensino Médio com
bolsistas PIBIC, e Cotidiano Escolar, sendo este o campo de nossa atuação como
bolsistas PROFAEX.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O que nos interessa neste artigo é valorizar as práticas docentes que tecemos ao
longo deste processo em parceria com os sujeitos que compõem a instituição,
conscientes de que não nos fortalecemos, tampouco faz parte de nossos desejos,
tentando modificar as práticas destas professoras. Como destacam Reis e Campos,
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
regente da turma que estive em 2017 foi boa e nossas falas demonstraram isso,
combinamos de continuarmos nossa parceria, mas dessa vez em uma turma de 1º ano
com um foco maior na alfabetização.
De volta à escola, após a solução da questão burocrática da bolsa de extensão e
após seis meses de afastamento, iniciei na turma em agosto, logo após as férias, fui mais
uma vez muito bem recebida pela equipe dos funcionários da escola e ainda mais pela
turma, com abraços calorosos, mais especificamente dezenove abraços calorosos a cada
vez que eu chegava lá.
Nesta época do ano nos debruçamos a pensar sobre eventos que acontecem na
escola planejados anteriormente, entre eles a Feira de Ciências, em que, observando os
interesses da turma, considerando os seus conhecimentos prévios e valorizando a
autonomia, junto com a professora iniciei um projeto de paleontologia denominado
pelos alunos “Vale dos Dinossauros”, com ênfase na aprendizagem significativa que os
alunos tiveram mediante esses longos dias de pesquisa e produção. Não é que saiu até
uma brincadeira interativa de explorar para encontrar um fóssil verdadeiro trazido por
um dos alunos da turma?!
Acho que o que eu quero dizer com isso tudo, é que se não houvesse as trocas,
parceria, trabalho e planejamento em conjunto com a professora e com outra bolsista do
projeto que acompanhava a turma em dias diferenciados, nada disso teria acontecido.
Falar sobre o cotidiano é significativo para a minha formação como estudante de
Pedagogia, pensando que em pouco tempo eu estarei naquele lugar, atuando em uma
turma com diferentes demandas, planejando propostas e práticas para serem realizadas.
Segundo Manhães (2008, p. 82) “a troca de experiências e de saberes
tece/destece/retece espaços/tempos de formação mútua, nos quais cada professor é
chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando [...]”.
Destaco, que mais do que o 2º ano, a meu ver, as demandas do 1º ano são mais
complexas, tendo em vista as exigências das diretrizes curriculares acerca do “ciclo de
alfabetização” que se inicia neste ano. Não podemos esquecer da bagagem familiar que
cada aluno trás e a influência que essas bagagens têm no cotidiano e nas práticas que o
docente precisa realizar com o todo sem esquecer dessas individualidades. São muitos
aspectos e particularidades, eu precisaria de mais algumas horas para narrar sobre isso,
mas prefiro me debruçar mais nesse assunto em uma próxima pesquisa.
Com muitas aprendizagens e trocas, no início do ano de 2019 nos reunimos
novamente para definirmos as turmas que acompanharíamos e decidimos que eu
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VII Seminário Vozes da Educação
permaneceria no 1º ano, por ter firmado uma parceria com a professora regente e
desenvolvido trabalhos que atenderam a demandas da turma. Assim, retornei a escola,
com saudades daquele espaço e ansiosa para conhecer a nova turma, principalmente por
acreditar que seria ainda melhor começar junto com a turma no primeiro semestre. Mas
dessa vez, coloquei muita expectativa e as coisas não foram como o esperado.
Ao chegar na turma, fiquei sabendo que uma outra professora da instituição
assumiria a turma do 1º ano que eu acompanharia. Como o esperado, fui novamente
bem recebida e feliz em firmar uma nova parceria. E sobre a parceria com a turma? Foi
incrível desde o primeiro dia, por muitos aspectos, dentre eles o acordado de que
desenvolveríamos atividades ao longo do processo.
Mas como nem tudo são flores e os pontos negativos ao meu ver também fazem
parte do cotidiano, nos levando a pensar e a refletir sobre nossas práticas docentes,
partilho nesta narrativa algumas experiências que à princípio não correspondem ao que
eu esperava, mas que me mostraram a complexidade da vida cotidiana atravessada
também pelo desafio e pelas dificuldades. Estão entre esses pontos o fato de que a sala
do primeiro ano é pequena e por vezes abafada, dificultando em locomoção e realização
de algumas atividades mais elaboradas dentro de sala (a turma é composta por 14
alunos, sendo dois incluídos, duas mediadoras, estagiária e eu como extensionista).
Além disso, muitos centros de estudos e alguns feriados acabaram por coincidir com o
dia em que eu acompanhava a turma, perdendo dias letivos. Narrando esse fato, me
recordo de Nilda Alves (2008, p. 21), quando pondera que “para apreender a "realidade"
da vida cotidiana, em qualquer dos espaços/tempos em que ela se dá, é preciso estar
atenta a tudo o que nela se passa, se acredita, se repete, se cria e se inova, ou não”.
Em relação à parceria com a professora, conseguimos realizar algumas
atividades, porém nossas ideias não se entrelaçaram efetivamente para que algum
projeto em conjunto pudesse sair do papel. Acredito que todos esses fatores citados
acima, influenciaram para que isso acontecesse e para que minhas expectativas com a
parceria se reduzisse. Foi um momento difícil, pois eu não conseguia me enxergar
produzindo no dia a dia, mesmo dando o máximo de mim. No final de tudo, compreendi
que nem sempre as coisas vão acontecer como esperamos e que é possível que o
cotidiano nos conduza a trilhar outros caminhos. Por isso, agradeço a essa professora
por me receber em sua sala, a cada aluno dessa turma pelo carinho, confiança nesse
processo complexo que é a alfabetização e por aumentarem ainda mais a minha vontade
de seguir na profissão docente, a equipe de direção que compreendeu esse processo,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
assim como o apoio que recebi das colegas bolsistas e também autoras desse texto
quando as expectativas haviam abaixado. Levando em consideração que isso também
faz parte do meu processo de formação, Campos e Reis (2019, p. 4) afirmam que “a
formação se dá a todo o tempo e que por meio dela é possível (re)direcionar percursos e
mudar trajetos, ou seja, a formação é contínua e singular”.
As férias chegaram, as expectativas ainda não eram das melhores e foi nesse
momento, que durante o nosso encontro, me foi proposto retornar a turma que
acompanhei no segundo semestre de 2018 no 1º ano, agora atualmente no 2º ano (mas
dessa vez com uma demanda de novos alunos e alunos transferidos com suas
particularidades diversas) retornando a atuação com a primeira professora que
acompanhei na instituição. Sabia que seria um desafio, mas não tinha dúvidas que com
a parceria e com a nossa relação de forma horizontal, poderíamos pensar juntas em
práticas que se adequassem a essa turma, para além do que é proposto nas diretrizes.
Como bem destaca Campos e Reis: “Desse modo, pesquisar por meio das partilhas de
histórias e reflexões, tecendo diálogos narrativos pode nos ajudar a compreender que
não há como dissociar prática e teoria, pois não há fazer sem pensar, o que evidencia a
autoria dos professores no seu fazer pedagógico” (2019, p. 3).
No presente momento, me encontro na turma, desenvolvendo um projeto de
jogos e brincadeiras recicláveis, amparada pelo tema de Sustentabilidade proveniente da
Prefeitura do Rio de Janeiro. Percebo que os alunos estão empolgados com o projeto e
compreendo que estou vivenciando o cotidiano e trilhando o caminho certo na
construção dos planejamentos das atividades. Além disso, as leituras e discussões
realizadas no ConPAS tem me proporcionado muitas reflexões acerca das minhas
práticas.
Por todos esses aspectos narrados, tenho refletido cada vez mais que o cotidiano
se reinventa a cada ação e pensado na importância de tecer parcerias mútuas e afetivas.
Acredito que cada vivência é um fio e o entrelaçar dos fios me constituem enquanto
educadora.
Houve algumas pedras no meio do caminho. Mas isso não foi determinante:
Narrativa de Rithianne Barbosa Pereira dos Santos
Imaginei que para adentrar em uma sala de aula que é composta por sujeitos
sociais únicos, particulares,dotados de suas singularidades, alteridades, especificidades,
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VII Seminário Vozes da Educação
histórias, dando andamento constante para a construção de seus “eu’s”, não seria nada
fácil. Era a oportunidade de mostrar todo o gás que eu, como licencianda do curso de
Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro tinha, e como a sede por sala de
aula que me motivava poderia dar origem a trabalhos e produções incríveis com a turma
de primeiro ano de alfabetização do ensino fundamental.
O ledo engano é imaginar isso tudo e não imaginar que esses sujeitos já
possuíam demandas, exigências e rotinas muito antes da extensionista, no caso eu,
passar pela porta de entrada do espaço de construção, não apenas relacionais, mas
sobretudo, de ensino e aprendizagem das normas escolares que requer de toda e
qualquer instituição de ensino. E mais ainda, que as atividades afetivas e/ou robustas de
significados, não precisam ser mirabolantes, como as que frequentemente pensamos e
executamos quando elaboramos nossas regências para então sermos aprovadas em
nossas (infinitas) 100 horas de estágios obrigatórios.
Como bolsista do ConPAS, eu sabia que o ingresso em sala de aula em classe de
alfabetização, poderia enriquecer de maneira significativa minha atuação enquanto
profissional da educação em formação. E isso muito me alegrava por ter a oportunidade
de que uma professora da Educação básica lhe abra as portas de sua sala de aula e
mostre seu trabalho com a turma, de forma que, por inúmeras vezes, estas educadoras
são mais julgadas e apontadas, e por raras, admiradas e respeitadas. Eu sabia também
que de críticas elas já estavam cheias, e como venho apreendendo no grupo de pesquisa
e extensão, eu não estava “ali” para falar mal de professor.
Quando entrei na escola e fui direcionada para a coordenação pedagógica,
ondefui também, muito bem acolhida, só pensava que o trabalho seria incrível. Percebi
neste momento e durante o percurso que estava diante da construção, aparentemente, de
uma organização de gestão democrática e com pensamentos inclusivos. Apesar de
dificuldadescotidianas, como alagamentos de salas devido às fortes chuvas do mês de
março, por exemplo, e a escola ter que adaptar seus estreitos espaços para o quantitativo
de alunos com o princípio de garantir aprendizagem significativa, não percebi, no
período em que estive participante do espaço, qualquer tentativa de administração
autoritária.
Diante deste cenário, entendi que a escola não estava disponível para pegar na
minha mão e me direcionar ou deliberar na atuação que deveria ser de meu
protagonismo. Foi aí que as coisas começaram a se complexificar, mas “como a vida, os
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Desta forma, são poucas as atuações saudáveis visibilizadas, que inclusive até
aparecem nas mídias brasileiras, porém como exemplo não recorrente, de alguma
professora ou professor que iniciou determinado projeto em determinada escola e
"viralizou" como sugestões de práticas de ensino. Quando na verdade, as práticas
cotidianas e as tecituras curriculares que compõem o ambiente escolar estão presentes
até mesmo na entonação do “bom dia” que você compartilha com seu aluno.
Afetividade não pode ser reduzida a abraços e beijinhos. Afetividade docente contempla
o incentivo ao estabelecimento de respeito, a promoção do senso crítico e a promoção
de autonomia de seus alunos.
Ao iniciar uma tentativa de trabalho coletivo com a professora regente enquanto
extensionista alguns percalços ocorreram por diversos fatores. Por um lado, a professora
mostrava interesse pelas atividades propostas. Por outro, os afazeres e prazos em uma
classe de alfabetização tornava esse caminho complicado de se trilhar. Não por ser
classe de alfabetização, mas porque cada professora também possui sua metodologia, e
o que eu não faria seria passar por cima do que a professora achava ideal para sua
turma.
É importante dizer que esta professora possui formação de Artes e Formação de
Professores. Em uma de nossas conversas ela me relatou que havia feito formação de
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VII Seminário Vozes da Educação
professores, mas que nunca havia imaginado trabalhar em salas de aula. Que prestou o
concurso para Séries Iniciais mais para ver “no que iria dar” e menos ou quase nada
para trabalhar como professora. Porém o telegrama chegou, e junto com ele, a
convocação. Segundo a professora ela nem se lembrava mais do então concurso, mas
acabou considerando o campo educacional como uma possibilidade de profissão, e
desde então assim vem sendo.
Neste período a turma que eu vinha acompanhando recebia diferentes projetos, o
que acontecia todos os dias. Para a direção isso era excelente. Uma classe de
alfabetização cheia de projetos. Para a professora, isto se tornou fardo. Ela se sentia
como se imaginassem que ela não soubesse fazer o seu trabalho, e que por isso,
“enfiavam” um monte de projetos em suas turmas. Uma sala pequena, que mal cabia os
materiais da turma. Um ar condicionado que chovia na mesa da professora. A luz do sol
que refletia na sala de madeira a prejudicar a visão do quadro. E além de tudo,
licenciandas de diferentes projetos sugerindo e apresentando propostas para suas aulas,
e eu, era mais uma.
Sem querer causar mais frustrações, em meus dias nesta escola, eu procurava de
todas as maneiras perturbar o menos possível esta professora, o que acabou me
limitando a uma cadeira no fundo da sala. Com tantas demandas, esta professora, por
vezes se esquecia das atividades que havíamos planejado para meu dia com a turma. A
insegurança de sair dos padrões que perpassaram na formação desta professora
normalista eram presentes, e essas não são minhas conclusões.
Após reuniões de retomadas de explicação do que era minha finalidade de
atuação na escola, sempre com bastante cautela, de maneira a deixar bastante
compreensível que o que eu queria era construir junto com ela, e não que ela sentisse
que eu quisesse impor algo em sua prática, conseguimos, desta vez com bastante
harmonia, elaborar uma calendário de atividades que iria nos direcionar no tempo que
nos restava.
Tudo parecia encantador. Selecionamos atividades lúdicas que conversavam
entre si. O famoso “agora vai”. Mas não foi. Não desta forma. Com as avaliações de
grande escala que as escolas da rede precisam participar, as mesmas que têm como
finalidades medir o nível de aprendizagem dos alunos (e com isso, o “desempenho” do
professor), nosso planejamento foi por água abaixo. Nossas datas coincidiram como os
dias das avaliações, e nossas vivências se reduziram a revisões e testes.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Mas ainda bem que o ambiente escolar não é feito apenas de frustrações, pelo
contrário. Lembra lá em cima quando disse que as práticas docentes não precisam ser
noticiadas para serem significativas, afetivas, construtivas e educativas? Pois então,
neste período, a professora iniciou um projeto de “super-heróis”, que nada mais era o
trabalho com a autoestima dos alunos, em que eles se percebiam como importantes,
apresentando suas qualidades ao representarem seus super-heróis como sendo eles
mesmos. Era a professora utilizando de sua formação artística para levar à sua sala de
aula um trabalho de desenho, pintura e escrita, e mais, que para além das normas
curriculares, que são legítimas, os cotidianos tecidos naquele espaço, continham o
intuito de valorização dos sujeitos que os compõem. Então percebi que as experiências
profissionais não são formadoras por si mesmas; é o modo como as pessoas as assumem
que as tornam potencialmente formadoras (MANHÃES, 2008).
Deste trabalho, conseguimos desenvolver nossos momentos de leitura.
Combinamos que eu, como extensionista, ficaria responsável por selecionar alguns
livros com temáticas que estivessem atravessando o ambiente escolar. A repercussão foi
tanta, que nos vimos contando histórias no pátio da escola, o que chamou atenção de
outros alunos que estavam no banco de reservas nos jogos de Educação Física e
decidiram se juntar a nós, o que me fez lembrar Manhães (2008, p. 84) quando diz que
“é preciso que essas prática tenham significado para aqueles que as realizam e para
todos os demais que tenham acesso a essas práticas, ou seja, que o sentido seja
descoberto e partilhado”. Foi um momento muito bonito de construção de relações e
afetos educativos.
Em uma destas seleções para livros, nos deparamos com um livro infantil que
trabalhava questões ambientais e economia de água. Isso se entrelaçava com os
conteúdos das apostilas, com as questões que a professora apresentava para os alunos e
até com as músicas educativas que ela colocava para tocar todos os dias por um
momento em suas aulas. Acabou-se por dar origem a um belíssimo cartaz, feito com o
molde dos próprios alunos, se tratando da quantidade de água que possuímos em nosso
corpo e sua importância. Esse cartaz acompanhou a turma em passeios externos e
permanece com eles até hoje.
Com isso, aprendi que como atuante de sala de aula, não podemos esperar que
nos deem espaço. Não podemos esperar que “uma hora tudo se ajeita”. A profissão
docente é constituída de atuação, de luta, também por espaços, mas mais por ideais.
Mais por crença em potenciais próprios, mais por valorização do ambiente e
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Então, as goteiras que estavam por toda a escola durante o primeiro dia em que
estive lá dentro, fizeram com que todo o corpo escolar estivesse presente para tentar
resolver e amenizar a situação que ocorria, para que os alunos pudessem ter aula da
melhor forma possível. E receber uma extensionista naquele momento, não era uma
prioridade, não perceberia isso e voltaria a escola desanimada, se não fosse a leitura,
troca e olhares que eu tive para a situação ocorrida. Olhar a movimentação no corredor,
escutar a conversa dos funcionários aflitos tentando resolver a situação, ler e ser tocada
pela escrita da Nilda Alves, narrar o que foi vivenciado naquele dia, tudo isso é um
mergulho (ALVES, 2008) nos cotidianos escolares.
Ir para a escola semanalmente, tem sido mergulhar em sentimentos, certezas e
incertezas. Visto que meu primeiro dia com a professora na turma do segundo ano, foi
sentar na última cadeira sem muitas interações, o restante tem sido um nadar com ondas
movimentadas. A professora que estou acompanhando está para se aposentar. Esse vai
ser seu último ano como professora. Ela tem uma bagagem de muitos anos de sala de
aula e aceitou receber uma licencianda em sua turma. As primeiras semanas, mesmo eu
entrando na sala de uma forma mais positiva, não foram fáceis... continuei sentada na
última cadeira e só observava a turma sem grandes interações. Foram muitas narrativas
com a coordenadora da escola, minhas companheiras de projeto e as coordenadoras do
ConPAS, para tentar buscar a melhor forma aprofundar mais as relações. Comecei a
sentar mais no meio da turma, ao lado das crianças, a cortar papéis toda vez que a
professora pedia, a chegar mais cedo para planejarmos juntas e então percebi durante as
minhas narrativas, que faltava eu tecer com a própria professora e assim foi feito, falei
das minhas inseguranças, das possibilidades, das relações, e ela me correspondia em
cada frase de desabafo meu. Assim, como aponta Campos e Reis (2019),
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VII Seminário Vozes da Educação
que também narram. Assim, produzem diálogos entre o que fazem, o que
desejam, o que lhes é possível fazer e o que pensam e nesse percurso se
formam ou (auto)formam exercitando uma reflexão que vai além da
naturalização das ações cotidianas, criando outros sentidos para a sua
docência (2019, p. 3).
Conclusão
As narrativas escritas, por mais que tenham sido tecidas a partir das vivências
em um mesmo espaço, apresentaram experiências diferentes, com visões, cheiros e
sentimentos diferentes porém, sempre emboladas (MANHÃES, 2008). Na construção
dessa ideia, Manhães também cita:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Cabia tudo no meu caderno de campo: os desenhos das crianças que tinham
curiosidade sobre as coisas que eu escrevia, uma atividade feita em sala,
meus sentimentos e olhar, que vai muito além do método que a professora
escolheu para alfabetizar aquela turma e inclui todas as relações e trocas que
aconteciam naquele ambiente (2019, p. 321).
Referências
ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho – os cotidianos das escolas nas lógicas das
redes cotidianas. In: OLIVEIRA, I. B. de e ALVES, N. Pesquisa nos/dos/com os
cotidianos das escolas, sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2008.
MANHÃES, L. C. Rede que te quero rede: por uma pedagogia da embolada. In:
OLIVEIRA, I.B. de; ALVES, N. Pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas,
sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2008.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Nos estudos sobre formação docente podem ser abordados diferentes aspectos,
como: a identidade profissional, a organização curricular dos cursos de formação, os
saberes e fazeres docentes, entre outros. Para Nóvoa (2009), questões relacionadas à
diversidade, aprendizagens e usos de novas tecnologias exigem reflexão e intervenção
docente. Pimenta (1994, p. 93) acrescenta que “[...] teoria e prática são indissociáveis
como práxis” e o ato de educar seria, portanto uma construção de dialogicidade da
interação sujeito-nação sociedade. Gauthier et al. (2006, p. 185) relevam um elenco de
saberes pontuais para o docente e apontam que “[...] repertório de elementos inerentes
ao ato sendo entendidos ainda como repertório de subsídios que se transformam em
direcionamentos a serem aplicados em sala de aula”.
No que concerne ao ensino médio, as Diretrizes Curriculares Nacionais
(BRASIL, 2012) expressam caminhos para a estrutura e o funcionamento desta etapa da
educação básica e, devido à sua relação com a qualificação profissional, torna-se
relevante orientar a condução das disciplinas componentes deste nível de ensino. Nas
Orientações Curriculares para o ensino médio destaca-se que:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Metodologia
Neste estudo optou-se por uma pesquisa documental de natureza qualitativa. A
pesquisa documental, bem como outros tipos de pesquisa, propõe-se a produzir novos
conhecimentos, criar novas formas de compreender os fenômenos e dar a conhecer a
forma como estes têm sido desenvolvidos (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI,
2009). Para Lüdke e André (1986), a análise documental visa a estudar e analisar um ou
vários documentos na busca de identificar informações factuais nos mesmos; descobrir
as circunstâncias sociais, econômicas e ecológicas com as quais podem estar
relacionados, atendo-se sempre às questões de interesse. Esta análise é constituída pelas
etapas de escolha e organização dos documentos e de posterior análise.
O documento escrito constitui uma fonte relevante para pesquisadores nas
ciências humanas e sociais. Ele “[...] permite ainda acrescentar a dimensão do tempo à
compreensão do social” e “[...] permanece como o único testemunho de atividades
particulares ocorridas num passado recente” (CELLARD, 2012, p. 259). Ainda na visão
desse autor, amplia-se o conceito de documento como: “[...] tudo o que é vestígio do
passado, tudo o que serve de testemunho [...] pode tratar-se de textos escritos, mas
também de documentos de natureza iconográfica e cinematográfica, ou qualquer outro
tipo de testemunho registrado, objetos do cotidiano, elementos folclóricos”
(CELLARD, 2008, p. 297).
Na análise documental foram realizadas: levantamento de termos relacionados à
sexualidade, gênero e masculinidade e afins nos componentes curriculares; análise do
Caderno de Fundamentos da Educação e das orientações para o trabalho; e do texto da
disciplina Sociologia da Educação.
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Resultados e discussão
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Sociologia da 0 0 0 0 0 0 0
Educação
História e Filosofia da 0 0 0 0 0 0 0
Educação
Artes 0 0 1 0 0 1 2
Geografia 0 0 0 0 0 1 1
Psicologia da 0 0 1 1 0 0 2
Educação
No. Total 2 2 4 4 3 3 18
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normal. A palavra gênero foi localizada nas disciplinas Educação Física, Artes e
Geografia e se mostrou dissociada de abordagens de sexo e sexualidade.
. Esse resultado aponta a relevância do diálogo sobre essas questões e da
ampliação da discussão do tema em âmbito local, regional e global, entendendo que tais
considerações têm impacto imediato e direto em construções e desconstruções que
envolvem a escola. Refletir sobre a amplitude de abordagens de gênero e sexualidade
em disciplinas do curso normal nos auxilia a problematizar funções atribuídas aos
docentes da formação profissional como responsáveis pela construção de reflexões
importantes com os alunos para as suas vidas profissionais.
Alguns documentos curriculares se referem à orientação sexual, diversidade e
diferença de modo genérico, dificultando a organização de subsídios para o professor
explorar tais temáticas em sala de aula. A atual Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) apenas cita as palavras, sem oferecer suporte ao docente. Nesse sentido, se
distancia da Resolução CNE/CP Nº 2,que no artigo 22 estabelece que: “O CNE
elaborará normas específicas sobre computação, orientação sexual e identidade de
gênero” (BRASIL, 2017, p.12).
Com base na análise empreendida, pode-se constatar a ausência de
direcionamentos que sustentem a inserção de abordagens de gênero, sexualidade ou
masculinidade, no sentido de possibilitar um repensar sobre a prática, de forma que a
ação se transforme em conteúdo de ressignificação, com a conscientização sobre o
próprio fazer. Como aponta Pimenta (1998, p.158):
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Referências
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VII Seminário Vozes da Educação
Percurso metodológico
Compreende-se a dimensão estética como aquilo que conecta (VECCHI, 2013),
que atravessa nossa existência, que vai possibilitando a apropriação, o desenvolvimento
e o refinamento da sensibilidade ao longo da vida, pelas vias da cognição e do afeto,
sempre no encontro com o outro. “Seja em palavras, seja em imagens, a estética do
cotidiano, da vida diária, dialoga com as diferentes maneiras de ser e de estar no mundo,
com as individualidades, as diferenças, os gostos, as percepções e os interesses.”
(OSTETTO; BERNARDES, 2019, p. 175) e, nesse campo de compreensão, a pesquisa
procurou histórias de formação estéticas, contadas em narrativas de formação.
Para chegar às narrativas dos professores em formação, no caso os estudantes de
Pedagogia, a pesquisa inspirou-se teórico-metodologicamente na dinâmica constitutiva
do “ateliê biográfico de projeto”, compreendido como um procedimento que:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
É importante parar para pensar nas experiências vividas, pois esse ato de
rememorar e refletir o percurso pessoal contribui para identificar saberes e fazeres que
constituem a pessoa e, assim, ajuda a dar visibilidade aos tantos e particulares fios de
histórias que se entrelaçam em trajetórias profissionais/formativas. Por meio do
exercício da memória, o passado é revisitado e no encontro com suas marcas oferece
elementos para a compreensão do percurso que se mostra no presente e, desta forma,
direciona-se para novos projetos de futuro.
Como fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa, também foram
incorporados princípios de uma “pedagogia da autonomia” (FREIRE, 2004), que
assinala a dialogicidade como elemento fundante de relações pedagógicas que
sustentam o trabalho formativo-educativo na escuta atenta, no acolhimento às diferenças
e na participação. Aspectos teórico-práticos dos ateliês de arte igualmente apoiaram a
dinâmica dos encontros-ateliês, então projetados como espaço de produção de dados
biográficos. (OSTETTO; BERNARDES, 2019).
Dentro da proposta metodológica adotada, os dados foram produzidos em quatro
etapas, chamadas de movimentos: 1) Movimento inicial: ativação das memórias,
pergunta-provocação-formulação oral: “o que você poderia dizer sobre seu encontro
com a arte”?; 2) Segundo movimento: Vivências corporais e produção de atividades
plástico-pictóricas, pressupondo a imersão nas histórias vividas – por onde se deu a
formação do olhar, do sensível, do estético?; 3) Terceiro movimento: Exercício-esboço
de escrita de si, projeto de memorial de formação, conduzido pela questão – “Que
experiências estéticas me constituíram?”; 4) Movimento síntese: A narrativa de si, o
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[...] as vezes me pego a pensar se não é tudo envolto pela dimensão estética
quando somos crianças: acordar de manhã cedo no sítio do vovô, sentar ao
lado dele e ver o sol nascer dentre aquele verde molhado do sereno da noite
me inspirou a desenhar paisagens, muitas delas. As Onze Horas que tinham
perto da casa do sítio me ensinavam a cuidar e entender a delicadeza das
coisas, a fragilidade da vida. O cheiro do feijão da bisa me provocava
(provoca até hoje, com o feijão da vovó) uma sensação de pertencimento.
Tudo fazia parte do meu dia a dia, era normal e vivo (Memorial de formação
estética, estudante Raquel).
Quanto mais tempo vamos pensando nas nossas memórias, mais coisas
incríveis vamos relembrando. Não me recordava de como eu era feliz
naquele lugar pacato, onde nossa maior felicidade era aproveitar o dia,
montando a piscina, limpando, pegando sol, inflando as bóias, correndo,
chamando os amigos para aproveitar com a gente (Memorial de formação
estética, estudante Gabriela).
Meu pai era um verdadeiro profissional em contar histórias, ele sempre nos
contava uma antes de dormir, sempre representando os personagens,
imitando suas vozes e barulhos. Me lembro de brincarmos de João e Maria,
onde eu era a Maria, minha irmã era o João e meu pai era a bruxa. É
impossível esquecer a famosa risada da bruxa que ele sempre fazia e tirava da
gente muitas gargalhadas. Acho que ele é minha maior inspiração quando
hoje, conto histórias para as crianças (Memorial de formação estética,
estudante Julia).
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VII Seminário Vozes da Educação
Além disso, foi possível perceber o quanto as atividades na escola, que deveriam
ser artísticas, estiveram voltadas não para a experimentação, expressão ou fruição, mas
para apresentações para os pais, em especial, nas datas comemorativas.
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com as quais vão trabalhar; compreendem e reforçam que, para cuidar da formação
estético-artística, da sensibilidade de seus alunos, é preciso cuidar da sua própria
formação artístico-cultural. Afirmam, na escrita narrativo-reflexiva, que a ludicidade, o
fazer a mão, o (re)despertar do seu eu-artístico, marcado pelo brincar e pela criação, não
deveriam permanecer esquecidas, nas desbotadas lembranças da infância, mas que
deveriam ser vivenciadas por eles, nos cursos de formação, para que futuramente
pudessem ser professores inteiros, que libertam e ampliam as experiências estéticas de
suas crianças. Esta perspectiva pode ser exemplificada na escrita de vários estudantes:
[...] o professor precisa estar sensível com o mundo a sua volta. Sua paixão
por educação precisa estar atrelada em conhecer novos lugares, a perceber o
lugar atual, um processo de desaceleração. Nesse mundo com pressa, o
professor precisa desenvolver a sensibilidade para que assim seja capaz de
auxiliar seus alunos a construírem sua sensibilidade ao mundo (Memorial de
Formação estética, estudante Patrícia).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Acredito que todo o educador deve ter essa sede de compreender a si, aquilo
que o move, que o transforma, para seu autoconhecimento, para sua própria
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BRASIL. Resolução Nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Poder Executivo, Brasília, DF, 18 dez. 2009. Seção 1, n. 242, p. 18-19. Disponível em:
http://www.seduc.ro.gov.br/portal/legislacao/RESCNE005_2009.pdf. Acesso em: 5
out. 2019.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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aqui abordadas. Compõe esta escrita, então, relatos de professores sobre a relação com
a leitura, sobretudo, com a leitura literária no período em que eram alunos. São
memórias compartilhadas em um encontro formativo e que cheias de significâncias e
com força (auto)formativa podem ajudar a (re)pensar a leitura literária na escola, as
práticas de leitura da/na escola e a formação do leitor-autor.
Rememorar a vida, o passado não é sinônimo de descrição fidedigna dos fatos,
mas simboliza representação da realidade. Essa tessitura que representa os
acontecimentos está repleta de significações, logo há inúmeras possibilidades de
reinterpretações. Esses relatos de trajetórias vividas podem promover um movimento de
(auto)formação, de reflexividade, de produção de sua própria posição de sujeito que é,
ao mesmo, singular e social. Memória e narração são fios que se entrelaçam cheios de
complexidades e de modo não linear.
Bragança (2004) assinala que a memória utiliza-se de diversos recursos para
trazer à tona acontecimentos, pessoas, lugares que marcaram a trajetória de vida,
construindo uma história articulada e com sentido, a fim de ser reorganizada pelo
narrador. Nesse sentido, a autora destaca ainda que tanto a memória quanto a narração
são alternativas que se contrapõem as políticas de conhecimento que de maneira
articulada controlam o trabalho do professor e sufocam sua autonomia.
Uma pesquisa outra de investigação e formação que considera a trajetória de
vida dos sujeitos, suas histórias, saberes e narrativas como potência formativa para
construção do conhecimento traz à baila a racionalidade, o incabamento dos sujeitos, a
autoria, relação entre academia e escola, o contexto sócio-histórico singular constituído
socialmente, as marcas dos “grupos primários: Famílias, peer groups de trabalho, de
vizinhança, de classe, da caserna, etc.” (Ferraroti, 2010, p.51). Para o autor, todos esses
grupos corroboram ao mesmo tempo para a dimensão psicológica dos seus participantes
e na dimensão estrutural de um sistema social.
Essa significativa contribuição nos remete aos escritos de Mikhail Bakhtin sobre
a palavra que se constrói no encontro de duas consciências, na/a partir das relações
sociais. Portanto, tomamos consciência de nós mesmos através dos outros, o outro
contribui para a nossa formação à medida que recebemos dele as palavras, as formas,
enfim, tudo o que nos diz respeito e nos chega do mundo exterior.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, chega do mundo
exterior à minha consciência pela boca dos outros (da minha mãe, etc.), com
a sua entonação, em sua tonalidade valorativo-emocional. A princípio eu
tomo consciência de mim através dos outros: deles eu recebo as palavras, as
formas e a tonalidade para a formação da primeira noção de mim mesmo
(Bakhtin, 2011, p. 373).
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VII Seminário Vozes da Educação
As histórias que narramos ou que nos são narradas vão ajudando a construir
nossa trajetória de vida e formação. Por isso, narrar os acontecidos, a experiência que
“nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (LARROSA, 2002, p. 21) é reconhecer
que somos todos narradores, protagonistas e participantes nas relações que
estabelecemos com os outros e com o mundo. Contar histórias, registrar memórias são
ações que caminham na contramão do esquecimento, da velocidade desenfreada que
camufla os acontecimentos cotidianos, do excesso de informações que transitam na
fugacidade, do definhamento da arte de narrar denunciado por Walter Benjamin.
Narrar(-se) representa, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos
acontece. Em outras palavras, tem a ver com a possibilidade de o sujeito constituir um
processo de conhecimento de si, das relações que estabelece com o seu percurso
formativo e com as experiências e aprendizagens que constituiu ao longo da vida. As
narrativas são possibilidades de produção de sentidos em contextos diversos, pois os
sentidos que lhe são possíveis se constroem na relação e no olhar do outro e com outras
histórias. Reafirmo que as narrativas trazem a possibilidade de compreensão do social e
do político, pois trazem em sua essência o individual e o coletivo, entretecida pelos atos
de memórias, incluindo a dimensão estética constitutiva desse processo e assim, ajudar
a tecer palavras e imagens que falam da constituição de subjetividades.
Neste sentido, as narrativas podem incidir sobre as identidades destes
profissionais como “uma chave para tudo que veio antes e depois” (BENJAMIN, 1994,
p. 37). Desta forma, compreendidas como produção de saber, elas podem constituir-se
como uma documentação pedagógica, uma vez que permite ao sujeito reconhecer seu
percurso a posteriori, relembrar suas histórias e experiências de leitura, reconhecer e
refletir sobre seus processos formativos, suas trajetórias e pensar sobre suas práticas.
Narrar é ato responsivo e responsável em que narrador e ouvinte, inseridos em um fluxo
narrativo, constituem uma perspectiva histórica que vai de encontro à ideia de um
tempo “homogêneo e vazio” (BENJAMIN, 1994, p. 229).
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Sempre amei ler, sabia que através da leitura poderia me deslocar no tempo e
espaço, sair da minha vida real para um mundo todo novo. Um livro que me
marcou foi O mundo de Sophia. Eu me via representada na personagem (p.4).
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circulem, deflagrem o despertar literário, nos movam, ecoem nossas vozes ao mundo,
promovam ressignificações em nós e em nossos fazeres.
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo. Martins Fontes, 2011.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras
Escolhidas, v.1)
LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1997.
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______. Literatura, experiência e formação: uma entrevista com Jorge Larrosa. In:
Costa, M. V. (Org.). Caminhos investigativos: novos olhares na pesquisa em
educação. Porto Alegre: Mediação, 1996, p.133-161.
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VII Seminário Vozes da Educação
Elaine Sotero
UERJ90
elainesotero2@gmail.com
Introdução
O presente trabalho foi desenvolvido a partir das experiências do projeto de
pesquisa do Laboratório Educação e Imagem/ProPEd/UERJ, sob o título “PROCESSOS
CURRICULARES E MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS: os modos como questões
sociais se transformam em questões curriculares nas escolas”; coordenado pela
professora Nilda Alves. O projeto tem por objetivo principal compreender como as
questões dos fluxos migratórios se inserem nos cotidianos escolares. No decorrer do
projeto, desenvolvemos ‘cineconveconversas’91,nas quais trabalhamos com filmes que
tratam de movimentos migratórios, ressaltando as principais questões presentes nos
filmes e afirmando a importância dessa discussão na contemporaneidade, em tempos
de tensões políticas. Porém, a autora inicial do artigo optou que o mesmo não se
tornasse apenas um relato individual, mas também uma troca de conversas entre duas
amigas de graduação. Foram diversas conversas compartilhadas sobre nossas diferentes
89
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
90
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Membro do GRPesq
‘Currículos, redes educativas, imagens e sons’, no Laboratório Educação e Imagem/UERJ, Coordenado
pela professora Nilda Alves.
91
Recentemente, por proposta de uma das componentes do grupo – Rosa Helena Mendonça – passamos
a chamar este movimento de ‘cineconversas’, pois de fato, sem seguir a tradição de cineclubes, o
movimento que realizamos tem as ‘conversas’ em torno de temáticas introduzidas pelo processo de
‘verouvirsentirpensar’ os filmes como lócus central dessas pesquisas. Assim, não se trata de conhecer os
filmes em si e discuti-los em sua historicidade, construção técnica, como obra artística de um criador etc
– o que caracterizaria os processos realizados em um cineclube - mas de tê-los como iniciador de
pensamentos que permitam as ‘conversas’.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
vivencias nos ‘espaçostempos’. Vivencias essas que foram capazes de tecer redes
totalmente distintas uma da outra, devido à enorme desigualdade racial ainda existente
em nosso país
Por meio dos estudos com os cotidianos, na monografia de final de curso,
compartilhei a minha trajetória de vida até me tornar professora. No primeiro capítulo,
contei as dificuldades e as alegrias vividas até o ingresso na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro e as experiências como bolsista do grupo de pesquisa “Currículos, redes
educativas, imagens e sons”, do Laboratório Educação e Imagem coordenado pela
professora Nilda Alves. No segundo capítulo, dialoguei com as experiências no grupo
de pesquisa, a importância das pesquisas ‘nosdoscom’ os cotidianos. No terceiro
capítulo, conversei com os filmes Besouro (2009; direção João Daniel Tikhomiroff),
‘Preciosa’ (2009; direção: Lee Daniels) e ‘Escritores da Liberdade’ (2007; direção:
Richard LaGravenese), filmes que me marcaram nesta trajetória no Laboratório
Educação e Imagem e que me influenciaram como professora. Através destes
questionamentos que me permiti compartilhar com outra ‘praticantepensantes’minhas
vivencias e percebemos que a educação que temos é regulamentada por um currículo
eurocêntrico, propomos assim, a descolonização dos currículos (GOMES, 2012),
através das redes educativas e dos mundos culturais presentes nos cotidianos escolares
criando, nessa perspectiva, um outro currículo - plural, crítico e atento - nos cotidianos.
Concluímos afirmando que foram todas essas inúmeras experiências que tocaram as
nossas redes educativas, em especial as de formação e que teceram a professoras que
somos hoje. Elas continuarão influenciando, junto a outras experiências, a professora
que pretendemos ser amanhã.
Assim, conversamos no artigo de final de curso - no mesmo sentido usado pelo
grupo – com alguns filmes que me marcaram nesta trajetória da graduação, ressaltando
de que maneira eles nos influenciaram, de que forma eles nos possibilitaram, como eles
puderam contribuir para nossa formação e de que forma eles podem ser usados, na
noção de redes educativas, em muitos outros cotidianos escolares. Inspirada também na
Lei nº 13.006/14 que institucionalizou a obrigatoriedade de no mínimo duas horas de
exibição de filmes brasileiros por mês em toda a educação básica, apesar de suas
dificuldades de implementação – é uma proposta de tentar inverter esse cenário de
desigualdade para a população negra. Historicamente a parcela negra da sociedade
brasileira vive a exclusão, tanto da participação do poder político e econômico, como da
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VII Seminário Vozes da Educação
participação na história e na criação cultural. Fato esse concordado e muito debatido por
ambas ‘praticantespensantes’ que estão presentes no artigo.
Siyanda: migrações ontem e hoje nas imagens, narrativas e sons dos cinemas
negros
Recentemente tivemos contato com o filme Siyanda (2017) um exemplo de
relação contemporânea, mas histórica dos fluxos migratórios. Siyanda é um curta
metragem brasileiro, produção de Hugo Lima e de outros jovens cineastas que
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Referências
ALVES, Nilda. Processos curriculares e movimentos migratórios: os modos como
questões sociais se transformam em questões curriculares nas escolas. Rio de Janeiro.
(Projeto de pesquisa entre 2017 e 2022)
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HOOKs, bell. Olhares negros: Raça e representação. Editora Elefante, 1º ed. 2019.
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Cabe aqui lembrar que muitas das conquistas em termos legais foram
decorrentes do grande clamor dos intelectuais da época, em diferentes momentos
históricos, principalmente os que assinaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação
(1932) e o Manifesto Mais Uma Vez Convocados (1959), além da Carta Brasileira de
Educação Democrática (1946) e mais recentemente a Carta de Goiânia (1986), que
traziam em seus apelos uma maior preocupação com a formação da sociedade brasileira,
com uma educação integral, laica e de responsabilidade do Estado.
Xavier traz essa análise da larga e duradoura tentativa dos intelectuais de trazer a
discussão e a efetivação de uma política educacional democrática e de qualidade, e
embora essa pauta seja antiga essa busca ainda não encontrou seu fim. Tivemos avanços
em termos de leis, porém ainda estamos longe de conseguir efetivar algumas políticas.
Diante desse panorama, podemos perceber o quão lentamente vem ocorrendo as
mudanças na legislação e na educação do Brasil. A formação profissional com o
incentivo a formação continuada e especialização só apareceram na última Constituição
em 1988 após a ditadura militar. Algumas diretrizes e planejamento de recursos apenas
foram contemplados nessa última versão.
Percebemos assim duas questões centrais para a discussão que aqui se propõe, a
primeira diz respeito a grande parcela da população que foi negligenciada por muitos
anos no que determina ou não a obrigatoriedade e gratuidade de ensino, a segunda a
determinação bastante recente da obrigatoriedade do ensino da história africana e
afrodescendente. Ambas têm uma relação muito próxima se pensarmos que em grande
parte as pessoas que tiveram seu direito a educação negado ou dificultado foram os
negros escravizados, seus descendentes e em alguns momentos as mulheres.
Percebemos através da história que a Educação dos brasileiros pertenceu, por
muito tempo, as elites, fossem elas do poder ou do saber, nesse grupo não entravam os
povos escravizados e seus descendentes, e por muitos anos essa realidade se perpetuou.
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VII Seminário Vozes da Educação
Essa inserção tardia criou um abismo entre as classes e foi um dos pontos determinantes
para que essa parcela da população não conseguisse alcançar níveis de escolaridade
mais avançados, por muitos anos em nossa sociedade.
Enquanto a educação não se tornou obrigatória e gratuita e um direito subjetivo
para todo o ensino fundamental e médio a maior parte da população vindas dessas
camadas foi deixada a margem e na maior parte das vezes sem conseguir alcançar
minimamente uma instrução adequada.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A educação para o povo não era uma preocupação naquele momento, manter o
sistema escravista e o das classes sociais era oportuno, como as elites tinham sua
educação garantida fossem nas casas com preceptoras ou fora do país, não se
estabeleceu um sistema de ensino para todos. Com o avanço da tecnologia e a
modernização do trabalho, passou a existir a necessidade de se educar a população para
que essa pudesse ser mão de obra trabalhadora, visto que até o momento a escola era
para as elites e só formava intelectuais sem a preocupação de formar os cidadãos para
atuarem na sociedade e nem para formar pessoas aptas para o trabalho.
Anísio faz uma crítica bastante significativa para mostrar que a escola que o
Brasil adotou de uma maneira geral, foi uma incorporação que ele chama de
transplantação das escolas da Europa. A crítica vem da maneira como cada sociedade
tem suas particularidades, e precisa pensar sobre suas condições para a elaboração do
seu próprio sistema. O que cabe para um povo e uma cultura não irá caber para outra.
Burke (2007) nos faz refletir sobre a “tradições fora do lugar”, analisando que trazer
uma prática cultural descontextualizada provoca esse lugar incompleto, deficiente, que
não consegue se estabelecer e nem se adaptar, existindo uma diferença entre o que se
transmite e o que se recebe.
O apelo pelas mudanças na educação que se tornavam urgentes foi feita pelos
Manifestos. A necessidade de ampliar a quantidade de vagas, de desvincular a educação
da religião, de uma formação integral e que formasse cidadãos e não uma elite foi
fortemente defendida nos dois documentos assinados por intelectuais da época.
Florestan Fernandes foi um desses intelectuais que participou do Manifesto Mais Uma
Vez Convocados, que após 26 anos do primeiro ainda pleiteava as mesmas questões
acerca da qualidade do ensino no país.
Florestan Fernandes (SANTOS, 2005) faz críticas de como se deu e continuava
estabilizada a Educação no Brasil. Ele demonstrava uma grande preocupação em pensar
um sistema público de ensino que se faça realmente democrático, com uso de verbas
públicas e com uma administração adequada. Ele entendia que o povo não precisa
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Faria Filho traz para pensarmos que ao sair da escola pública a classe média
deixou de defender sua qualidade, já que a defesa da qualidade para o outro não é a
mesma que para os seus. Levanta ainda que essa saída dos filhos da classe média evita
que estes tenham contato com os filhos da classe baixa, agora pertencentes a escola
pública. A instituição escolar foi, e ainda vem sendo em muitos casos, a reprodução da
hierarquia e a reprodutora das diferenças entre as classes sociais.
A partir desse contexto percebemos a importância das ações afirmativas e da
legislação atual sobre a questão do negro na sociedade. A importância da lei 10.639/03
para que essas pessoas se sintam pertencentes a essa escola, para que entendam sua
chegada e seu caminho na história de nosso país até aqui. Para que compreendam sua
trajetória e possam mudar seu futuro.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A experiência do CEMEI
Em meio a essa realidade de perdas e tentativa de reconstrução que ocorre a
experiência vivida por um Centro Municipal de Educação Infantil. Apesar dessa
preocupação, o que percebemos, é que algumas questões ainda não conseguiram se
ajustar na formação dos profissionais de educação. Temas atuais e que foram
incorporados mais recentemente ao currículo escolar ainda encontram entraves na sua
implementação.
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VII Seminário Vozes da Educação
Apesar disso, o que percebemos é que as professoras mais novas não tiveram
acesso a esse direito em sua formação inicial e as professoras que atuavam há mais
tempo não conseguiram ter em sua formação continuada uma preocupação para o
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
aprendizado da cultura afro-brasileira e africana. Com esse olhar que comecei a pensar a
formação desses professores de Educação Infantil. Da importância que tem a formação
para que as práticas afirmativas na escola sejam mais proveitosas, para que os debates e
o conhecimento circulem de forma mais eficaz.
Iniciamos então uma busca conjunta por essa formação que não tivemos acesso,
e procuramos dentro de nossas possibilidades fazer das duas horas semanais que
dispúnhamos para o planejamento coletivo, um lugar de troca de saberes e de
experiência, e um momento de estudo coletivo. Como nos diz Nóvoa:
sumário 634
VII Seminário Vozes da Educação
mais completa e inserida no seu contexto social. Florestan Fernandes (2010) nos aponta
o quanto o professor não pode estar imune quanto ao que ocorre na comunidade em que
atua e nem deve ser neutro quanto as questões sociais, visto que essas também o
formam e não podem se dissociar. Educar requer consciência crítica de seu papel e das
mudanças que podemos provocar.
Para refletirmos
Desde a década de 1990 temos visto ganhando mais força alguns movimentos de
apoio a educação escolar do negro, a criação de pré-vestibulares para negros e pobres
para que esses tenham acesso à universidade vem surgindo em muitos lugares. A
política de cotas que veio como um meio paliativo e transitório, mas que permanece
devido as condições desfavoráveis do ensino fundamental e médio, já mudou muito o
acesso da população negra as instituições de ensino superior. Os diversos coletivos que
se espalham com diferentes projetos, mas com um objetivo em comum, que é o de
fortalecer a população negra e pobre para que esses consigam ter acesso a uma vida
digna em uma sociedade democrática em que eles façam parte.
A história da educação nos mostra o longo caminho de hierarquização que a
escola possui e que dificultou e/ou inviabilizou a permanência do negro nessa
instituição. As práticas pautadas na cultura dominante e sem a perspectiva de incluir o
diferente atrasou esse processo de democratização.
Pensar nas políticas para que as pessoas negras tenham acesso e consigam
permanecer na escola pública ainda é um desafio. Mas temos que pensar que algumas
práticas já foram iniciadas e que precisamos estar atentos para que as mudanças e o
direito a educação sejam mantidos.
É preciso estar atento a representatividade e a realização de um trabalho
pedagógico que consiga inserir as pessoas negras e das camadas populares no espaço
escolar, entendendo esse espaço como dele e para ele. Ações nesse sentido precisam
crescer e ter visibilidade.
A escola pública atual para se tornar verdadeiramente democrática e inclusiva,
precisa pensar em práticas pedagógicas que tragam a cultura de seu povo para o debate
e aprendizado, precisa pensar em diversos olhares sobre as histórias que nos contam e a
história real do povo brasileiro e da formação desse país. E principalmente trazer um
novo olhar sobre a situação que o negro viveu.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Ainda é necessário que muitas mudanças aconteçam para que possamos alcançar
a equiparação do acesso e a democratização do ensino e que a educação seja realmente
um direito de todos. Mas se conseguirmos continuar com os passos que já foram dados
e buscar novos caminhos para que essa democratização ocorra, poderemos enfim ter
uma sociedade cidadã e democrática.
Referências
ALMEIDA, M. A. B.; SANCHEZ, L. Os negros na legislação educacional e educação
formal no Brasil. Revista Brasileira de Educação, São Paulo: USP, v.10, n. 2, p. 234-
246, 2016.
NÓVOA, A. Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos
professores. Currículo sem Fronteiras, v. 19, n. 1, p. 198 – 208, jan. / abr. 2019.
______ Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de
Pesquisa. São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, out/dez, 2017.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
NARRATIVAS (AUTO)BIOGRÁFICAS
EXPERIÊNCIAS DE VIDA E FORMAÇÃO
Prometo
Aprender a costurar
só pra poder alinhavar asas e voar
pra bem longe
sempre que der na telha.
Alessandra Roscoe
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VII Seminário Vozes da Educação
trabalhamos em redes de ensino distintas, costuramos asas para voar bem longe e nos
(re)encontrarmos pelos caminhos de pensar a formação de professores no movimento da
pesquisaformação.
No município de Itaboraí, não diferente do contexto nacional a formação
continuada das/dos professoras/res é desafio constante para o grupo de profissionais que
militam por esta e pelas infâncias com as quais constroem suas práticas. Atualmente
vivem um momento de buscas e reconquista de alguns direitos que foram perdidos nos
últimos anos, após uma sequência de políticas que vinham fortalecendo garantia de
alguns direitos ocorrendo desde 2009 e se consolidaram em 2013, no que tange ao
direito ao estudo e planejamento, a partir de 2015 as políticas não mais avançaram.
O município localizado a 40 km da capital Rio de Janeiro, que traz ainda muitas
características de uma cidade rural e vinha se estruturando para o recebimento do
Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (COMPERJ), porém como a
instalação da mesma não se efetivou e as obras ficaram interrompidas a cidade começou
a sofrer um declínio devido ao grande números de pessoas que migraram em busca de
emprego e dos investimentos que ficaram perdidos como prédios comerciais e
condomínios, já que era previsto um número significativo de pessoas morando e
trabalhando na cidade.
Nesse contexto de desestruturação, percebemos fortemente o quanto os
encontros de formação continuada instituídas pelo município necessitavam ser
retomadas. Pois mesmo afirmando como BRAGANÇA: “que potencialmente todos os
espaços embora entendendo que a formação acontece também em outros espaços, e
tempos da vida são espaços e tempos de formação, de transformação humana” 2018,
p,158). Esta era uma lacuna a ser preenchida.
É preciso (re)existir
A formação de professores não foi uma preocupação imediata dos governos
desde o início da escolarização no Brasil. A obrigatoriedade de formação como
preocupação do governo somente apareceu na constituição de 1934, sendo pensada de
forma prescritiva sanar os grandes índices de analfabetismo existentes na época e a
partir desse momento é que se começa a pensar políticas de formação inicial.
A formação continuada das professoras da Educação Infantil é uma preocupação
mais recente e no município de Itaboraí vinha ocorrendo de forma sistemática entre os
anos de 2009 e 2014, como iniciativa da coordenação de Educação Infantil
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
(CELESTINO E SOUSA, 2018 p.3) trazendo novos olhares para a formação e práticas
das professoras de Educação Infantil, que tem seus cargos garantidos em concurso
públicos desde 2008, porém, a rede de ensino que tem crescido em seus atendimentos às
crianças, principalmente na faixa etária de 4 a 6 anos, decorrente do cumprimento da
Meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE, 2014), hoje ainda complementa seu
quadro de professoras(es) com contratos temporários através de processos seletivos,
fortalecendo ainda mais a necessidade dos encontros de formação continuada numa
perspectiva coletiva.
Mesmo com muitas tensões, as formações continuadas num movimento de
resistência coletiva vem acontecendo, burlando entraves e se constituindo como um
movimento formativo das professoras da Educação Infantil da rede pública municipal
de ensino de Itaboraí. Neste contexto, entendemos a força que tem esse grupo de
professoras e acreditamos SER o “passarinho” que nos apresenta Mário Quintana nos
versos do seu Poeminho do contra:
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VII Seminário Vozes da Educação
práticas e de seus fazeres a alguns anos o que tem nos feito também refletir e repensar
os encontros de formação sempre a partir do viés não prescritivo, o que é um embate
frente as novas políticas que se apontam para a Educação Infantil no Brasil de hoje. Nós
diante desses, fortalecemo-nos na palavra de Paulo Freire ao dizer que: “A formação do
educador deve instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através da
reflexão sobre o seu cotidiano (1991, p.80)
No ano de 2017, em parceria com a UERJ/ FFP realizamos o curso de extensão
“Das artes de fazer, as artes de dizer” (CERTEAU, 2014) também nos aproximando das
narrativas (auto)biográficas. O movimento gerado a partir da pesquisa de Mestrado
(UERJ/FFP) da professora, agora já Mestra Thais Motta e está aguardando a liberação
do processo para tiragem de 200 exemplares do livro a ser lançado com as narrativas
escolhidas pelas professoras ao longo do curso.
Seguimos... e no início do ano, enviamos à todos os/as CEMEI/escolas um
formulário de pesquisa sobre que tipo de encontro formativo era a preferência das/os
professoras/es e o resultado apontou para a formação em regime de curso com carga
horária acima de 60h. Assim, fomos pensando o roteiro após as inscrições prévias das
professoras pelo aplicativos que facilitou com que a notícia se espalhasse aos quatro
cantos. Em nossas pesquisas encontramos no livro Receita para bem crescer (ROSCOE,
2016) um trecho que daria nome ao Ciclo92 de formação continuada com professoras
da Educação Infantil: Acordando nos graúdos a intensidade dos miúdos.
O livro traz um texto profundo sobre algumas promessas que devemos fazer na
infância para bem crescer e porque não dizer bem viver, crescer, viver, ensinar,
aprender, experimentar, experienciar...Prometemos e muitas vezes não cumprimos, nos
distanciamos das crianças que fomos rapidamente em meio a vida atribulada dos
adultos, mas nesses (re)encontros com as crianças que fomos e capazes nos levar a:
“(...) parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir
mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço” (LARROSA 2002, p.24).
92
Chamamos de ciclo de formação por entendermos que este não se findará. É parte do percurso
formativo.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ARAUJO. M. S. MORAIS. J. F. S. In. Interfaces da Educação. A memória que nos
contam: narrativas orais e escritas como dispositivo de formação docente. Parnaíba,
v.4, n 10, p134- 148, 2013.
______; Morais, Jaqueline de Fátima dos Santos. In. Escritas de Narrativas Docentes,
São Paulo: Pedro e Paulo, 2017.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
I – Introdução
O presente artigo tem várias intencionalidades, talvez a principal delas seja fazer
uma singela homenagem ao grupo e ao trabalho de sísifo que vimos fazendo nos
últimos dez (10) anos num projeto, a meu ver estratégico, que é o Estudo de Egressos da
FFP. Outra intenção é colocar em debate e fazer circular questões resultantes da
pesquisa em desenvolvimento “A Faculdade de Formação de Professores em números:
um estudo sobre estudantes egressos das Licenciaturas no período de 1998 – 2008”,
coordenado pela Professora Drª. Maria Tereza Goudard Tavares, pela Pedagoga e
Coordenadora de Graduação Gláucia Braga Ladeira Fernandes e pelo Graduado em
Matemática e Bolsista Mariel Costa Moderno. Assim, o artigo em tela intenciona
apresentar alguns movimentos da pesquisa que está sendo desenvolvida com um grupo
de estudantes egressos das licenciaturas da FFP, especificamente do curso de Geografia,
com inserção profissional nas redes públicas de ensino do Leste Fluminense.
O projeto “A FFP em números: um estudo sobre estudantes egressos das
Licenciaturas no período de 1998 – 2008” tem como objetivo institucional, produzir um
amplo e sistemático levantamento do número de estudantes egressos formado pela
unidade nos últimos 10 (dez) anos, investigando principalmente, a situação ocupacional
destes egressos nos municípios que compõem o Leste Fluminense, pesquisando,
principalmente, como vem se dando a sua trajetória profissional no cotidiano das
escolas (ALVES e GARCIA, 2004).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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local, como também em nível nacional e internacional, vêm expressando uma profunda
e tensa disputa sobre o campo da formação de professores. Inclusive, as próprias
posições de entidades nacionais como a ANFOPE, ANPED, CONED, MEC e as
internacionais como o Banco Mundial, dentre outras, expressam divergências
profundas, tanto em nível político, como epistemológico.
Diante desse cenário, brevemente apresentado por nós, ressaltamos que os
debates, embates acerca da formação de professores nos remetem às relações entre
Educação e Sociedade, sendo configuradas e dando novas configurações aos dilemas
teórico-práticos que atravessam essas relações. Marilena Chauí, em artigo publicado no
início da década de 80, já apontava para a complexidade político-ideológica das
concepções em disputa sobre/no campo da formação de profissionais:
Concordando com Marilena Chauí, ressaltamos que este trabalho não tem a
pretensão de responder a esta questão, ou apresentar posições que possam ser
generalizadas e prescritas como alternativas face aos problemas presentes no interior da
formação docente. O que gostaríamos de problematizar, remete ao conjunto de
experiências que vimos desenvolvendo e refletindo cotidianamente, na Faculdade de
Formação de Professores da UERJ, em São Gonçalo, estado do Rio de Janeiro. Este
conjunto de experiências de formação compartilhada, que tem como principal
concepção político-epistemológica, a ideia de formação em rede (ALVES, 1998, 2000 e
2002), longe de querer se afirmar como um modelo a ser reproduzido em outros
contextos formativos, trabalha com a concepção freireana de que toda formação é
projeto e utopia, porque busca, na prática, por intermédio das experiências e no mundo
das contingências, uma formação que possibilite aos professores e professoras
realizarem as diferentes dimensões (profissionais, afetivas, éticas, estéticas, políticas,
epistemológicas, etc.) da docência (Freire, 1997).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Diante das tensões que essa concepção de formação nos coloca, acreditamos
que, somente fazendo-a circular, isto é, narrando-a, problematizando-a, refletindo-a
coletivamente é que revigoramos questões modais, tais como: O que é formar? Para que
se forma? Onde se forma e como se forma?
Assim, o estudo com os egressos objetiva pesquisar movimentos de seus
processos de formação em uma Faculdade de Formação de Professores. Formação esta,
que vem se balizando pelo desafio freireano do diálogo como possibilidade de
construção conjunta. A formação cidadã que perseguimos (TAVARES, 2019) nutre-se
das aprendizagens do passado, das tensões do presente e dos desafios intuídos no futuro.
Recuperar a partir dessa trajetória (lembramos que toda memória é sempre ficção e
seleção) mais do que um pretexto, torna-se uma experiência potente de revisitar nossas
“políticas de formação”, buscando (re)conhecer a(s) teoria(s) e a(s) prática(s) em
movimento(s) que a(s) atravessa(m).
Destacamos uma parte do estudo (ainda muito preliminar) com alguns egressos
do curso de Geografia, apresentando respostas destes à questão:
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VII Seminário Vozes da Educação
Prezadxs, considero que minha formação na FFP foi fundamental para o tipo
de atuação política que exercito hoje no movimento sindical de professores e
de área (Associação de Geógrafos- AGB) onde milito. Seja pelas
experiências acadêmicas fora da sala de aula que complementaram minha
formação básica, seja pelas disciplinas onde a ideia de universidade, de
Geografia e de escola socialmente referenciadas eram constantemente
pontuadas. Atenciosamente - Professor de Geografia - estudante da UERJ-
FFP entre os anos de 2000 e 2005(Astrogildo de França).
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profissionais e suas adequações aos setores que atuam, além de notar o período entre a
formação do egresso e sua inserção no profissional no trabalho compatível com a área
em que se graduou, e se está trabalhando na área correspondente ou não, possibilitando
assim uma reflexão crítica sobre a formação e sua relação com as necessidades do
mercado de trabalho. Tal reflexão também inclui tomar ciência de qual organização
empregatícia o egresso está trabalhando e se o curso acrescentou algo a mais no âmbito
cultural e social.
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Para esse professor, a sua experiência junto aos movimentos sociais, tais como
MST e comunidades quilombolas, impactaram a sua formação acadêmica de forma
positiva. Nesse sentido, defendemos a importância de um currículo em movimento nas
diferentes licenciaturas da FFP. Um currículo que se abra às múltiplas dimensões da
realidade, sobretudo que reconheça o papel do conhecimento produzido nas lutas
sociais, nos embates travados entre a sociedade civil e o Estado na direção dos direitos
sociais.
Em linhas gerais, as respostas dos egressos à pergunta formulada em nosso
estudo, nos incentiva ao seu aprofundamento, principalmente a nos exigir a ampliação o
escopo de nossa investigação junto aos egressos das outras licenciaturas, tendo em vista
a representação positiva que os egressos manifestam sobre seus processos formativos na
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Referências
ALVES, N. Pesquisa no/do cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: 2002.
DANIEL, C. Poder Local – convergência entre estruturas, forças e agentes: Poder local
no Brasil urbano. Revista de Estudos Regionais e Urbanos. Ano VIII, Nº 24, 1988.
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divulgação da FFP como única Universidade Pública num município com graves
desigualdades sociais, econômicas e educacionais. Desigualdades estas, que impactam e
desafiam o trabalho das escolas e, sobretudo, o trabalho docente.
Destacamos que no projeto em tela, o questionário aplicado aos egressos, é uma
ferramenta fundamental para a realização de grande parte dos estudos. Sem esse
instrumento a pesquisa não pode ser realizada e, ainda assim, nem sempre lhe é dado o
devido valor. Atingir os objetivos de uma pesquisa depende muito da eficiência do
questionário. E portanto, elaborar um questionário não é tarefa fácil. Desenvolver um
questionário adequado aos objetivos da pesquisa chega a ser uma ciência, uma vez que
muitos cuidados devem ser tomados. A maneira como for formulada uma pergunta os
resultados podem ser os mais diversos. Pode-se dizer que é um projeto dentro do
próprio projeto de pesquisa. Abaixo, elencamos algumas questões acerca do
questionário.
Por que criar um questionário de pesquisa online? O uso de questionários de
pesquisa online para coletar dados apresenta diversas vantagens, especialmente se
compararmos a outros formatos. Alguns dos seus principais benefícios são:
Permite alcançar mais facilmente um maior número de egressos: ao contrário de
pesquisas de campo e entrevistas presenciais, o questionário de pesquisa online pode ser
enviado para um grande número de egressos em menos tempo.
Além disso, um questionário online não apresenta limitações geográficas.
Independente da cidade, estado ou país em que a pessoa está, será possível coletar suas
respostas. Para divulgá-lo, você pode, por exemplo, utilizar sua base de contatos para
enviar o questionário via email, publicar nas redes sociais e/ou no blog.
era menores custos financeiros e de logística: outra vantagem dos questionários
online é a redução no tempo e na logística de entrevistas realizadas, principalmente se
compararmos às entrevistas presenciais. Nesse formato de coleta, não é preciso se
deslocar para entrevistar os participantes, o que reduz gastos com transporte e tempo da
sua equipe, por exemplo.
Apresenta maior facilidade de captação e análise, sendo este um dos grandes
diferenciais dos questionários de pesquisas online: a maior facilidade de computar e
compilar dados, principalmente se ela for quantitativa. Em outros instrumentos de
coleta, seria preciso registrar individualmente as respostas de cada um dos participantes,
o que seria pouco eficiente ou até inviável, dependendo da distância.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Ao utilizar formulários online, porém, esse processo passa a ser feito de forma
mais automatizada e muitas ferramentas fornecem até mesmo um relatório com a
análise dos dados em tempo real, ainda que simplificada;
Proporciona maior conveniência para os participantes, pois permite aos
participantes organizar e planejar o seu tempo para resposta. Se, por exemplo, a
pesquisa fosse realizada por telefone ou presencialmente, talvez você não conseguisse
participar em outro momento. Entretanto, por ser um questionário online, você poderá
acessá-lo novamente em outro dia ou horário, quando for de seu tempo e/ou vontade.
Assim, esse formato de pesquisa oferece maior comodidade e conveniência para os
egressos, que podem realizá-la no seu tempo.
b) Escolha do público-alvo
Depois de definir o tema, você provavelmente já terá em mente quem será o
público-alvo da sua pesquisa. A definição de quem serão os seus respondentes é
fundamental para que você utilize a linguagem mais adequada em cada caso, e para que
você possa segmentar o questionário a partir de seus respondentes;
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Isto porque, depois de passar pelos três primeiros passos, as diretrizes para a
criação e a exigência por determinadas questões já ficam bem explícitas, entretanto,
também é importante ter atenção a outros pontos. Vamos a eles:
e) Rascunho da estrutura
Nesta etapa, o mais indicado é, primeiramente, fazer um esboço do seu
questionário. Isso é importante para otimizar seu tempo. Durante o processo de criação
das perguntas, é comum haver alterações, tais como excluir algumas questões, adicionar
outras e inverter a ordem das perguntas, alterar opções, até chegarmos na versão final.
omo a passagem das questões para a ferramenta pode ser um pouco trabalhosa,
finalizar antes a estrutura do questionário online pode evitar um retrabalho da sua
equipe. Além disso, muitas das pesquisas podem envolver a participação e a aprovação
de diferentes pessoas.
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g) Modelos de pergunta
• Pergunta eliminatória: Caso você tenha escolhido um nicho específico de
respondentes, ou apenas respondentes de um determinado gênero, por
exemplo, será necessário utilizar essa pergunta. Ela funciona como um filtro,
para evitar que pessoas que não fazem parte do seu público-alvo respondam
à pesquisa. Em particular, o nicho específico de nossa pesquisa são todas as
pessoas que se graduaram na FFP;
• Pergunta de resposta única: Esse modelo de pergunta é um dos mais comuns.
Nele, o respondente só pode selecionar uma alternativa entre as opções
oferecidas. No questionário do projeto algumas das perguntas de resposta
única são sexo, curso concluído, tempo entre a formatura e o início da
atividade, dentre outras;
• Pergunta de seleção múltipla: Neste modelo, o respondente pode selecionar
uma, mais ou todas as opções que desejar entre as alternativas oferecidas. No
questionário do projeto, algumas das perguntas de seleção múltipla são os
cursos que os egressos desejariam fazer em caso de especialização, mestrado
e doutorado e a esfera de local onde trabalha (pública, particular, autônoma
e, na pública, municipal, estadual e/ou federal) Algumas das perguntas,
inicialmente eram de questão única, mas observou-se a necessidade de
alteração.
• Pergunta em escala: Nesse formato de pergunta, o respondente escolhe em
uma escala de pontos pré-determinada por você. Ela pode variar de 0 a 5, 0 a
10, 1 a 5, entre outros. Em geral, esse tipo de pergunta é utilizado para julgar
afirmativas, e um exemplo conhecido é o de “excelente/péssimo”,no caso do
questionário, quando são as perguntas de auto-avaliação ou de avaliação do
curso (no âmbito profissional e pessoal), dos professores, perspectiva
profissional e satisfação salarial;
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perguntas, ficaria demasiadamente grande analisar todas uma a uma, portanto, vamos
destacar algumas delas, sobretudo aquelas que, para nós, possuíam mais relação com os
objetivos do projeto:
Dentre os sete cursos de licenciatura da FFP, o de Geografia representa a maior
porcentagem das respostas: 19%. Entretanto, se unirmos os dois cursos de Letras
(Português/Inglês e Portguês/Literatura) ambos juntos somam 29%. Já Matemática
representa o menor percentual, com 8%.
Do ponto de vista de gênero, as mulheres representam mais de dois terços das
respostas, com 68%. Pelo fato de a UERJ ter sido pioneira no sistema de cotas, esta
pergunta também fez parte, e cerca de 21% dos egressos que responderam o
questionário foram cotistas, o que demonstra o papel social da faculdade de formação
de professores da UERJ.
Do ponto de vista da inserção profissional, mais de 70% dos egressos trabalhava
na área do curso no momento que respondeu o questionário, impulsionado pelo fato de
46% deles já estarem trabalhando durante a graduação. Dentre os que não trabalhavam
na área ou não trabalhavam, os principais motivos são o mercado de trabalho saturado e
melhor oportunidade em outras áreas.
Do ponto de vista econômico, mais da metade, 57%, ganha até 3 salários
mínimos como remuneração. Aqui, entramos nas questões em escala. Desses egressos
que recebem até 3 salários, cerca de 65% tem os níveis de satisfação financeira 1 e 2
(muito baixo e baixo, respectivamente). EM contrapartida, os 2% que ganham acima de
10 salários mínimos possuem apenas 6% que tem os níveis de satisfação 1 e 2 (muito
baixo e baixo). Também foi notado que 78% dos que recebem mais de 10 salários
mínimos trabalham na área de atuação, já para quem ganha até 3 salários, o percentual
cai para 58%.
Do ponto de vista pedagógico-curricular, a contribuição do curso tanto no
âmbito profissional quanto no pessoal, cerca de 32% dos respondentes diz ter sido muita
a contribuição profissional. Já 70% revela ter sido muita a contribuição no âmbito
pessoal.
Sobre a formação continuada, cerca de 62% dos egressos fez ou fazia na ocasião
em que respondeu uma pós-graduação. Interessantemente, 3% ingressaram em outra
graduação. Dentre os egressos da pós-graduação, 60% fez ou faziam especialização, e
aproximadamente 2% estavam já no nível de pós-doutorado, o que explicita a
preocupação e o envolvimento dos professores com seu percurso formativo.
sumário 664
VII Seminário Vozes da Educação
4- Considerações finais
sumário 665
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ALVES, N. Pesquisa no/do cotidiano das escolas. Rio de Janeiro: 2002.
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VII Seminário Vozes da Educação
DanusaTederiche
FFP/UERJ
danusa.tederiche@hotmail.com
Introduzindo a discussão
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 668
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Uma das primeiras ações entre os coletivos a partir do diálogo entre pares, foram
as trocas de experiências das atividades as quais os participantes dos coletivos estavam
desenvolvendo nas instituições de ensino que trabalhavam. No Brasil foi apresentado a
Escola Municipal Paulo Macedo Amaral, localizada no bairro Colubandê, São
Gonçalo–RJ, e as professoras peruanas apresentaram a Escuela Campesina de
Cajamarca. Desse encontro surgiram algumas propostas de trocas de atividades e
produção de escrita dessas experiências. Sendo assim, os coletivos iniciavam suas
escritas docentes a partir de suas experiências do vivido, e, em meio ao processo de
produção da escrita, o REDEALE foi convidado pelo coletivo Desenredando Nudos a
participar de um evento que aconteceria no mês de julho de 2016. O evento tratava-se
do III Encuentro Nacional del Colectivo Peruano de Docentes que Hacen investigación
e Innovación desde la Escuela y su Comunidad, em Huancayo – Peru, assim, a produção
da escrita reflexiva acerca do vivido, foi crescendo e provocando em nós um olhar de
pesquisa sobre a experiência, nos implicando apor nossa assinatura assumindo autoria
de nossas narrativas, pois, refletindo sobre o que ocorreu, essas pesquisas concorrem
tanto para a formação profissional quanto para a constituição do pesquisador (LIMA,
GERALDI e GERALDI, 2015, p.26).
Se a formação é fundamental para construir a profissionalidade docente, e não
só para preparar os professores do ponto de vista técnico, científico ou pedagógico
(NÓVOA, 2017, p. 1131), ao pensar as narrativas de professoras nos diálogos entre
pares a partir das experiências formativas entre redes da América Latina como objeto da
formação e da pesquisa, busca-se perceber os três processos apresentados por Prado e
Rodrigues (2015; p.190) como potencialidade da narrativa: investigação em educação,
reflexão pedagógica e formação. Nesse sentido, a narrativa favorece a explicitação do
vivido como também possibilita a teorização do vivido, transformando-o em
conhecimento acadêmico (PRADO e RODRIGUES, 2015; p. 204). Contudo, a narrativa
não é apenas uma metodologia, mas, uma maneira para construir a realidade (BRUNER
apud BOTÍA; 2002), pois a narrativa não só expressa a experiência do vivido, mas
permite uma reflexão sobre a experiência corroborando para a construção de
conhecimento.
sumário 670
VII Seminário Vozes da Educação
A escrita narrativa tem sido um caminho para buscar pensar e praticar uma
(auto)formação docente, numa perspectiva dialógica e reflexiva. Perspectiva essa
tensionadora de lógicas e proposições que, historicamente, tem reservado um lugar às
professoras, especialmente, da educação infantil e dos anos iniciais da escola básica, o
papel de meras aplicadoras de um conhecimento ou uma metodologia produzida por
outrem, nas secretarias de educação, nos laboratórios científicos, nos gabinetes de
pesquisa, que passam ao largo da escola.
Para Lima, Geraldi e Geraldi:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Libertação
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VII Seminário Vozes da Educação
Carta Resposta
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Considerações finais
Os processos investigativos-formativos vividos no diálogo entre pares das redes
Redeale-Brasil e Rede Desenredando Nudos-Peru, reafirmam o/a docente como
pesquisador/a de sua própria prática, como condição para construirmos novas
compreensões sobre a escola, o processo ensino-aprendizagem, as questões políticas-
ideológicas que permeiam o cotidiano, as práticas pedagógicas e o próprio ser docente.
A participação em coletivos docentes que assumem uma postura investigativa a
partir do cotidiano da escola e da comunidade tem ajudado no enfrentamento ao desafio
de transformar narrativas orais, prática mais tradicional entre docentes, em narrativas
escritas e difundir os saberes produzidos no cotidiano escolar. A escrita das narrativas
por professores/as se inscreve, assim, como um esforço e como luta para dizer a própria
palavra, seus saberes e dizer sobre si, como um exercício de autoria.
sumário 675
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ARAÚJO, Mairce S; CHÁVEZ,María I G; FARIA, Danusa T B, CONCEIÇÃO, Sandra
S P; MORAES, Leila S; CRESPO, Rafael C. Um diálogo Peru-Brasil, producimos
calendários: uma escuela como expresión de cultura. In: MORAIS, Jacqueline F S;
ARAÚJO, Mairce S (Orgs). Brasil-Peru: experiências educativas a partir de
umaexpedição pedagógica. São Carlos - SP: Pedro& João, 2018, v.1, p. 35-54.
sumário 676
VII Seminário Vozes da Educação
v.1, p. 15-20.
BARROS, Manoel de. Encontros: Manoel de Barros. RJ. Beco do Azougue, 2010.
______. Pedagogia do oprimido. 50 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
p. 95-101.
Site:
Disponível em:<https://rosaurasoligo.wordpress.com/2019/01/10/pipocas-pedagogicas-
para-degustar/comment-page-1/>visualizado em 25/05/2019 às 15:19h.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
1. Introdução
Sabemos que o sistema de ensino público tem sofrido com o mau funcionamento
de sua gestão, e isto tem trazido consequências ao trabalho docente e na aprendizagem
dos alunos. Desde a falta de recursos, até a desmotivação dos profissionais da educação,
por não terem muitas das vezes condições de exercer plenamente seu trabalho por
questões salariais, de estrutura, de ambiente, entre outros. Também pode-se dizer até do
desinteresse de alguns alunos frente aos conteúdos e a vivencia dentro da escola, são
evidências do momento que passa a dinâmica escolar pública no país.
Pode-se observar que as disciplinas nas escolas acabam sendo marginalizadas
como no caso da Geografia que busca desenvolver uma leitura crítica espacial nos
alunos. Desta forma, pode-se ainda perceber em alguns casos professores, em
decorrência da desmotivação frente ao trabalho docente adotam práticas mais voltadas
ao tradicional, evidenciando a geografia “simplória e enfadonha” como cita Yves
Lacoste (1976) em seu livro “Geografia, isto serve em primeiro lugar para fazer a
guerra”. Contudo, também observa-se vários professores que buscam desenvolver um
ensino crítico em seus estudantes.
Por isso, a pergunta que emerge neste cenário é: De que forma se envolverá este
aluno para uma aprendizagem geográfica onde se evidencie o olhar crítico deste aluno
ao seu entorno? Sendo assim, é necessário, portanto, uma pratica de ensino que
evidencie uma abordagem de inter-relação entre a realidade do aluno e os conteúdos e
conceitos geográficos, entendendo “que esse conhecimento é construído a partir das
relações que os alunos fazem com o mundo, com os outros e com os saberes
acumulados ao longo da história.” (SACRAMENTO, 2012, p.21).
Sobre isso aborda Cavalcanti (2010, p.3) “o professor deve atuar na mediação
didática, o que implica investir no processo de reflexão sobre a contribuição da
Geografia na vida cotidiana, sem perder de vista sua importância para uma análise
sumário 678
VII Seminário Vozes da Educação
crítica da realidade social.” Desta forma, o aluno poderá não apenas estudar o conteúdo
de Geografia, mas se ver como sujeito atuante no processo de aprendizagem,
participante da disciplinaa qual aprende, olhando seu entorno não mais passivamente,
mas com olhar crítico e ativo da realidade vivida. Esta perspectiva acaba com a noção
de insignificância dos conteúdos Geográficos na vida dos alunos, fazendo-os ver
Geografia como uma disciplina importante no seu processo formativo como ser em no
espaço.
O professor neste caso, entendendo a realidade de cada aluno dialoga conteúdos
de geografia física, interligando estas duas realidades a prevenção e riscos, levando
ambos os alunos, de diferentes realidades, a um entendimento dos conteúdos
geográficos e sua relação com o espaço que vivem e atuam.
Com isso, o objetivo deste trabalho é analisar a didática e mediação do
conhecimento de dois professores de Geografia de escolas públicas de duas áreas
centrais da cidade de São Gonçalo. Desta forma, compreendendo como os professores
buscam entender o processo de mediação do ensino considerando a didática no
desenvolvimento da aprendizagem. E apresentar a análise de dados da pesquisa
“Didática e Mediação do conhecimento de professores de Geografia em São Gonçalo”,
no período de 2018-2020, coordenado pela Professora Dra. Ana Claudia Ramos
Sacramento, que visa compreender a mediação e didática desenvolvidas pelos
professores das escolas públicas de São Gonçalo no processo de ensino dos conteúdos
geográficos, a fim de possibilitar a reflexão sobre o ensino aprendizagem de geografia.
Vale ressaltar que este trabalho é a continuação de pesquisas realizadas de 2014
a 2018, nas quais Sousa; Sacramento (2017) buscaram trabalhar como os professores,
no processo de construção e produção do seu trabalho, compreender o processo de
mediação que orientam suas ações didáticas durante a aula no município de São
Gonçalo. Souza (2018) em sua monografia de conclusão de curso de licenciatura
investigou a didática e mediação de três professores de escolas públicas distintas do
município de São Gonçalo; Sousa; Sacramento (2019) buscam analisar os professores e
a relação destes com o livro didático na produção do conhecimento geográfico em sala
de aula.
Como metodologia optou-se pela abordagem qualitativa, a partir da etnografia
escolar, a fim de investigar como os sujeitos interpretam suas experiências e o modo
como estruturam o mundo social em que vivem. (ANDRÉ, 2000). Considerando o
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VII Seminário Vozes da Educação
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Para tanto Sousa; Sacramento (2019) destaca que de acordo da forma como o
professor articula o conhecimento, a metodologia e as formas didático com os recursos
para ensinar este pode tratar os alunos a refletirem sobre as maneiras de ver e ler o
mundo.
Destarte, esse aluno deve ser entendido em suas múltiplas atividades e realidades
culturais, para que haja o entendimento das suas diversas práticas sociais no espaço,
pois cada um é distinto em suas historias e atuam no espaço com práticas diferentes, é
necessário dessa forma, como cita Sacramento (2012, p. 93): “Para ensinarem e
mediarem o conhecimento é importante que os docentes tenham formações, tanto
acadêmica como cultural. Desta maneira, eles precisam ampliar seus referencias
culturais, frequentando espaços diferenciados”.
Assim, o professor deve, entendendo-se como ser atuante e vivente da realidade
social que é distinta em realidades espaciais diferentes, entender as práticas sociais de
cada aluno, suas experiências, visões de mundo, crenças, modo de vida. E dialogar suas
realidades aos conteúdos geográficos. Com isso, o professor conseguirá trabalhar com o
aluno a noção de espaço geográfico. Desta forma, haverá não apenas o desenvolvimento
acadêmico deste professor, mas também cultural, compreendendo as multiplicidades da
realidade espacial de seus alunos, levando-os a compreensão da sociedade,
principalmente pela educação (SOUSA, 2018). Como exemplo, podemos citar a relação
do aluno que vive perto de um rio, e a relação do aluno que vive perto de uma encosta,
ambos vivem em realidades distintas, porém, alinhadas a uma abordagem mútua.
Segundo Sousa; Sacramento (2017, p. 876) cabe a cada professor compreender
os fundamentos didático-pedagógicos para trabalhar e usar aquele que tem mais sentido
para a organização didática da sua. Dessa forma, ele, durante a dinâmica de aula e
entendendo o perfil de cada aluno compreenderá a forma que irá conduzir a aula, e
mediar os conceitos e conteúdos geográficos.
Desta maneira, a mediação do conhecimento é necessária por parte dos
professores que irão dialogar com os alunos o “conhecimento construído a partir das
relações que os alunos fazem com o mundo, com os outros e com os saberes
acumulados ao longo das histórias. Sendo assim, é importante, não só organizar e
estimular os saberes dos alunos empíricos como científicos, mas também pensar como
fazer a interação desses conhecimentos que são concretizados na prática escolar
(SACRAMENTO, 2012, p. 21). É preciso, portanto, para isso, que o docente avalie sua
prática de ensino, refletindo sobre sua didática, entendendo o ato de ensinar como
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6. Considerações finais
A partir da pesquisa podemos concluirque ambos os professores tem um
método tradicional, mas em uma relação didático-pedagógica, o professor 2 consegue
desenvolver com o alunos uma melhor mediação da aprendizagem dos conteúdos
geográficos, justamente pela sua relação de interesse em associar sempre a realidade dos
alunos aos conteúdos ensinados, o que gerou dinamismo e debate na sala de aula.
Segundo Libâneo (2011a, p. 88): “Uma boa didática, na perspectiva da mediação, é
aquela que promove e amplia o desenvolvimento das capacidades intelectuais dos
alunos por meio dos conteúdos”. E isto acontece através da participação deste aluno no
processo de aula, sendo assim, através das perguntas, e da abordagem de aproximação
do conteúdo com a discussão as diferentes escalas de análise geográficas dos alunos, há
uma inserção do senso crítico nestes alunos, o que os faz se compreenderem
participantes na geografia ensinada.
Porém por outro lado é importante neste processo pensar as diferentes ações a
serem utilizadas no processo de mediação do conhecimento, diversificando nas ações
metodológicas durante a realização da aula, não apenas, se utilizando de metodologias
voltadas apenas ao tradicional, mas observando a demanda da turma de forma a
possibilitar, entendendo cada um como ser dotado de experiências distintas, diferentes
atividades que irão “permitir a compreensão de fenômenos, conceitos e conteúdos.”
(SACRAMENTO, 2012, p. 264). Desta forma, alunos com maior sensibilidade a uma
forma de aprender, seja por imagem, música, por tarefa individual de assimilação, ou
tarefa em grupo, além de ações táteis, poderá absorver melhor o conteúdo e ter um olhar
crítico sobre este.
Sendo assim, é necessário pensar toda dinâmica da aula, não apenas o momento
de exposição dos conteúdos, mas, sobretudo a forma como esse conteúdo será mediado
entre os alunos. Assim, o professor pode refletir sobre sua aula, e a forma como
construirá suas atividades por meio de um processo de ensino aprendizagem,
possibilitando segundo Libâneo (2009), o desenvolvimento mental de seus alunos,
promovendo-lhes os modos e as condições que assegurem esse desenvolvimento.”
Portanto, pode fornecer aos alunos as “condições para o domínio dos processos mentais
para a interiorização dos conteúdos, formando em sua mente o pensamento teórico-
científico” (LIBÂNEO, 2009, p. 3-4).
sumário 690
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ANDRÉ, Marli. Etnografia da prática escolar. 5ª edição. Campinas, SP: Papirus,
2000.
LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar para fazer guerra.
Tradução Maria Cecília França – Campinas, SP: Papirus, 1988.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pública de ensino do município de São Gonçalo (RJ). Anais do XIII Encontro Nacional
de Prática de Ensino em Geografia: conhecimentos da Geografia: percursos de
formação docente e práticas na educação básica. Belo Horizonte: IGC, Anais..., 2017,
p. 873-884.
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VII Seminário Vozes da Educação
Para iniciar me apresentando e dizendo de onde falo, digo que sou professora de
educação infantil há 15 anos, desde o ano de 2004. Sou formada em Pedagogia pela
Unicamp desde 2002. Antes de 2004, fui professora de informática numa escola
particular de Campinas, passei um ano, divididos em dois meios anos como professora
da segunda série do ensino fundamental na rede municipal de Itaquaquecetuba, na
região da Grande São Paulo e meio ano como professora auxiliar na mesma escola
particular onde havia sido professora de informática anteriormente.
Tendo trabalhado por esses dois anos após minha formação no ensino
fundamental, senti um grande estranhamento quando iniciei o trabalho na educação
infantil em 2004, mas essa nova forma de olhar para a escola que me foi apresentada
pelas crianças pequenas me encantou e me afetou de tal forma que me pus a escrever
sobre esse meu cotidiano (com)vivido com elas num blog. Mas por que um blog e não
um caderno pessoal? Via no blog, na época, a possibilidade de que esse encantamento
pudesse transbordar os muros escolares e ser compartilhado com outras professoras,
outras pessoas. Ao mesmo tempo, escrever também me auxiliava um movimento de
ação-reflexão-ação sobre minha prática cotidiana com as crianças, me colocando como
uma professora-pesquisadora.
Assim, em 2018, 16 anos depois de formada no curso de pedagogia, 14 anos
trabalhando como professora de educação infantil, os últimos 8 anos na rede pública de
Campinas, sendo uma professora-pesquisadora de sua prática cotidiana, ingressei no
programa de Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação da
Unicamp.
93
Professora pela Rede Municipal de Campinas, Mestranda Profissional em Educação Escolar pela
Faculdade de Educação / UNICAMP.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Cada disciplina que fazia, cada autor que conhecia, cada texto que eu lia,
passava a estar comigo no barco no seguir da viagem, me ajudando a olhar o
trilhado desta viagem da pesquisa e todo o trilhado pelo meu itinerário
docente antes de embarcar. Mas vale lembrar que mesmo no barco a
docência continuava… Num ciclo, docência, pesquisa, deriva/encontro-
propiciado-por-ela se retroalimentam… Uma modifica a outra, que modifica
a outra, que modifica a outra… […] Não ter um caminho preestabelecido,
neste caso, permitiu vários encontros… O que marcava, entrava no barco, o
que não marcava, ficava pelo caminho. O que marcou e passou a viajar junto
foi modificando a forma como olhar para toda a viagem em si. (27 de outubro
de 2019)
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VII Seminário Vozes da Educação
Entendi que era importante buscar as escritas e as memórias vividas, mas mais
importante ainda era assinalar no hoje o lugar no qual é conservado o velho. Buscar
os vestígios do passado no presente e nos projetos de futuro. Deste modo, um
importante e fundamental momento foi a escrita do meu Memorial de Formação. Para
esta escrita, intensifiquei um processo de escavação na memória das lembranças que
trazia da escola, como aluna, como professora em formação no curso de pedagogia e
como professora. Como fios de memória, foram sendo puxados, propiciando, a partir
deles, uma tessitura que permitia ver um pouco dos caminhos, das descobertas, dos
encontros, das escolhas... Não foram puxados linearmente, cronologicamente. Cada fio
puxado trazia uma lembrança, que trazia outra, que trazia outra, não necessariamente na
sequência temporal vivida. Fui escavando, não só para organizar, elencar as memórias
encontradas, mas tentando entender como o que foi vivido me constituía como
professora hoje. A busca era pela constituição da professora, mas nessa busca foi
ficando evidente a indissociabilidade entre a professora e a mulher, a mãe, a filha, a
esposa, a aluna e a mestranda que também sou. Nesse processo de escavação, fui tendo
uma maior percepção do quanto me constituía com o Outro. Com os meus professores,
leituras, experiências e com as crianças das turmas em que fui professora. Nesse sentido,
dentre os diversos encontros e reencontros proporcionados a partir do início desta
pesquisa-formação, o mais importante tem sido o (re)encontro com esses meus Outros
que me constituem.
A aproximação com a filosofia bakhtiniana da linguagem a partir da minha
participação no GRUBAKH (Grupo de Estudos Bakhtinianos, vinculado ao GEPEC e
organizado pela Profa. Dra. Liana Serodio) a partir de agosto do ano passado tem sido
fundamental para entender o papel do outro. Segundo Bakhtin,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
no limiar. Todo o interior não se basta a si mesmo, está voltado para fora,
dialogado, cada vivência interior está na fronteira, encontra-se com outra, e
nesse encontro tenso está toda a sua essência (BAKHTIN, 2011, p.341).
requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir
mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o
juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo a ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2019, p.25).
Permitir a deriva, por mais angustiante que seja em alguns momentos, marca a
experiência de formação que constitui esta pesquisa. Sim, esta uma pesquisa que se
assume pesquisa-formação desde o início. É uma pesquisa-experiência. Uma pesquisa
que me forma, me transforma desde o início, mesmo quando ainda era consciente de
que isso acontecia, quando me encontrava à deriva em seu mar, encontrando, agarrando
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VII Seminário Vozes da Educação
e soltando o que marcava ou não, o que fazia sentido ou não, o que proporcionava um
diálogo ou não. Esta experiência, que é única para mim, que é única a cada um, ao ser
compartilhada possibilita que outros sentidos possam ser construídos por quem a lê,
fazendo com que esta leitura em si também se torne uma experiência única para cada
leitor, que, no diálogo com suas próprias experiências também possam construir novas
experiências. Por isso é, sim, uma pesquisa-formação, porque é formação para quem a
faz e para quem a lê.
Inês Bragança, num diálogo com Walter Benjamin e Jorge Larrosa, também
busca as relações entre a experiência e a pesquisa-formação:
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Na viagem de pesquisa-formação
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VII Seminário Vozes da Educação
formação de ambos, porque a experiência do outro te faz refletir sobre sua própria. A
escrita e a partilha possibilita um encontro de consciências.
Neste momento político em que estamos vivendo hoje, de desvalorização do
magistério, de desqualificação do trabalho docente, trazer o professor a falar sobre seu
trabalho, dar a ver o que acontece na escola, dar a ver as relações entre criança e
aprendizagem, entre criança e professora, dar a ver o aprendizado que acontece nestas
relações é de uma grandeza imensa. Esta escrita dos professores sobre seu trabalho é
também uma forma de resistência. Re-Existência. Os professores existem e re-existem
nesta escrita. E resistem!
Referências
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. 6ª ed. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2011.
sumário 701
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Juliana Vieira
UNICAMP
juvieira.educ@gmail.com
Trazer para essa conversa, as narrativas escritas para uma disciplina de verão e a
participação como ouvinte de uma qualificação de mestrado, é dizer mais uma vez do
movimento (per)formativo da pesquisa-formação que me constitui professora-
pesquisadora no ato-ação narrativo.
As experiências partilhadas no curso de Mestrado Profissional em Educação
Escolar, da UNICAMP alteraram os trajetos metodológicos imaginados como o
possível caminho para a minha pesquisa, compondo narrativamente os desvios, vielas e
trilhas, as quais não poderiam deixar de somar-se à paisagem, nem aos olhos de viajante.
Inicialmente, não pretendia pesquisar-narrar em diálogo com as narrativas
escritas como parte das atividades desenvolvidas pelas disciplinas do curso, nem tinha a
ideia de que essa poderia ser uma possibilidade: uma pesquisa em curso, uma pesquisa
que se movimenta.
Para mim, aluna ingressante do mestrado, o movimento era linear: processo
seletivo dividido em quatro etapas, projeto de pesquisa “definido”, conversa com
orientadora para planejamento e ajustes na/da pesquisa, disciplinas obrigatórias e
eletivas para a fundamentação teórico-metodológica, seguido por qualificação e defesa
da dissertação.
Assistir pela primeira vez a uma qualificação de mestrado e participar
ativamente de algumas disciplinas, tomar nota das contribuições, tentar olhar com as
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VII Seminário Vozes da Educação
minhas lentes, com as lentes de todos e de cada um foi uma experiência que me fez
retornar à pesquisa, retomá-la de um ponto antes não previsto no roteiro metodológico,
dando a ver uma pesquisa que se faz no trajeto, uma pesquisa viva, uma pesquisa-
formação.
A pesquisa-formação tem sua origem na pesquisa-ação, já que busca um efetivo
envolvimento dos pesquisadores na transformação individual e coletiva. Essa
perspectiva encontra fundamentação na dialética histórica, no conceito de práxis, tal
como proposto por Marx, que perspectiva uma filosofia que não apenas interprete o
mundo, mas possa transformá-lo, por meio de uma imbricação entre prática-teoria-
prática. (...). Nesse sentido, a pesquisa-formação coloca-se como um paradigma
metodológico que procura romper com a neutralidade e objetividade das práticas de
pesquisa, aproximando investigadores e participantes da dinâmica viva do
conhecimento. (BRAGANÇA; 2012; p.115).
Bragança, ao tematizar a força de palavras-conceito, nos traz junto com Josso,
um transbordamento da palavra pesquisa, para pesquisa-formação:
sumário 703
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Não há mais o que ver, saiba que não era assim. O fim de uma
viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi
visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se
vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde
primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a
pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É
preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para
traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a
viagem. Sempre (Saramago).
sumário 704
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
e lados.
Olhar, olhar de novo, olhar demoradamente, piscar, focar, olhar por outro
ângulo, trocar as lentes...
E o exercício se repetia.
sumário 706
VII Seminário Vozes da Educação
O Grupo de Terça, que agora eu sabia, também tinha outro nome, o Grupo de
Estudos e Pesquisa em Educação Continuada - GEPEC, ficou lá...mais uma vez como
possibilidade distante de me aproximar do cotidiano acadêmico.
Tudo isso para dizer, que foi nesse contexto, do grupo de pesquisa, que ouvi
pela primeira vez, falarem sobre BAKHTIN.
No segundo ou terceiro encontro, aquela sensação de...isso não é para mim!
Percebi que, para acompanhar minimamente o diálogo daqueles professores-
pesquisadores, eu precisava de um conhecimento prévio que não tinha, conceitos e
palavras nunca ouvidos, que eu escutava, mas não ouvia...seria outra língua? Foi mais
ou menos assim, a primeira impressão, um autor para gente maluca, que não faz outra
coisa da vida senão estudar e que definitivamente eu nunca leria!
Já no contexto do Mestrado Profissional, durante o Seminário de pesquisa, após
a minha apresentação, uma das professoras da banca ressuscitou BAKHTIN, já morto,
velado e enterrado internamente. A mesma dizia que era um autor que precisava
aparecer, que dialogava com os conceitos que apareciam na minha escrita. As vozes da
consciência, da inconsciência, junto a todas as outras vozes internas, diziam: não, ele
de novo, não...
Minha orientadora marcou um encontro para conversarmos sobre as
contribuições do Seminário para a pesquisa e eu, já fui logo me adiantando que não
iria dar conta do BAKHTIN.
Conversamos, lamentamos não conseguirmos participar do Grupo de Estudos
bakhtinianos - GRUBAKH, combinamos de dialogar com outros autores e definimos os
(des)caminhos da pesquisa para o próximo semestre.
Já de “férias”, faço minha matrícula em uma disciplina obrigatória de verão e
na bibliografia, novamente Ele! Imprimo todos os textos porque preciso pegar, grifar,
escrever, circular, correr os olhos pela folha ainda, e não pela tela. Começo por
Larrosa, sigo com Nóvoa, Ítalo Calvino e é claro, entre as escolhas, por último,
BAKHTIN, em dois artigos de outros autores sobre, além de um texto próprio, Os
gêneros do discurso.
Durante a leitura de “Bakhtin e os processos de desenvolvimento humano”, de
Fábio Scorsolini Comin e Manoel Antônio dos Santos, o texto foi dando algumas
piscadelas, me seduzindo e confesso em segredo, para que minha orientadora não ouça
- fui gostando.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é,
estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso
se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar (Antonio Cicero).
94
Prática de inventariar as fontes da pesquisa, de organizá-las, tomando os inúmeros guardados de alguns
profissionais da educação, especialmente professoras e professores. Iniciou-se no GEPEC, a partir da tese
da professora e pesquisadora Corinta M.G.Geraldi, com orientação do Prof. Dr. Milton José de Almeida,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
segundo Morais (2011). O termo (re)inventário, presente nesta pesquisa, foi uma opção da pesquisadora
para denominar uma segunda tentativa de organização dos dados a partir dos seus guardados.
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VII Seminário Vozes da Educação
“Guardo num armário (se se pode chamar guardar a ter coisas amontoadas, a
trouxe-mouxe) originais de artigos e conferências que tenho ando a escrever
e a dizer por aí (...). De longe em longe digo-me que é preciso fazer uma
limpeza nisto, ordenar a confusão, rasgar o que não interessa, mas em todas
as vezes acaba por desviar-me do propósito a dificuldade de decidir quais os
textos que vale a pena conservar (...) tive a surpresa de encontrar-me com um
artigo de que já não me lembrava (...). Anotação de 17 de fevereiro de 1996)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. Trad. do francês
por Maria Ermantina Galvão; Rev. de Marina Appenzeller. 3 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, p. 310.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
CALVINO, Ítalo. Palomar. Tradução de Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994, p. 62.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
das mudanças, é preciso pensar no século através de uma vista aérea, de um olhar
panorâmico (HOBSBAWAN, 1995) que não nos prenda na atualidade sem conhecer
tudo o que ocorreu antes disso.
A revolução industrial e a lógica do capital trouxeram muitos desafios que
perduram na atualidade com uma nova roupagem, a globalização e suas demandas
inventadas. Neste sentido, a tecnologia da informação tornou-se ferramenta fundamental
para a implantação dos processos de reestruturação econômica (CASTELLS, 2007),
gerando aos mais diversos setores alterações significativas em suas práticas sociais e
profissionais, inclusive para a educação que é o campo desta pesquisa.
Neste sentido, a internacionalização das políticas educacionais têm se
intensificado em prol de uma proposta oficial de currículos (BEECH, 2009), tornando o
processo de reformas educacionais afinado com a consciência coletiva sobre o devir de
uma educação que responda às expectativas da globalização. Ao passo que o cenário
permeado pelo avanço das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) é
desenvolvido, novas demandas no universo social vão surgindo, especialmente no
âmbito do trabalho. Tudo isso tem implicado na estruturação de uma educação sob a
lógica de competências (ALBINO; SILVA, 2019), inclusive na formação de professores.
Ao final da década de 1990 o Ministério da Educação, através da portaria nº 522
em 09/04/1997, criou o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo) para a
promoção do uso pedagógico das tecnologias de informática e TICs na rede pública de
ensino fundamental e médio (BRASIL, 2007). O programa leva às escolas
computadores, recursos digitais e conteúdos educacionais, cabendo ao Distrito Federal,
Estados e municípios garantir a estrutura adequada para receber os laboratórios e
capacitar os professores para o uso das máquinas e tecnologias. Na referida política
passos são dados em função de um modelo educacional que agregue às suas práticas as
mídias digitais, surgindo em seu caminho alguns desencontros, entre eles, questões de
infraestrutura das escolas, sucateamento de recursos, burocratizações que interferem no
cotidiano escolar e falta de formação docente numa perspectiva não só técnica, mas
epistemológica.
Em termos de currículo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) também
trouxeram a informática como componente curricular da área de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias fazendo relação com as transformações do mundo caracterizado pela
globalização. Neste mesmo caminho, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[...] as tecnologias que estão ao nosso alcance devem ser tratadas como
instrumentos excelentes para promover o aprendizado de forma
contextualizada, criativa e eficiente. Para isso faz-se necessário, que o
professor lide bem com tais recursos, a fim de promover aulas mais atrativas
para os seus alunos, em que exista a interação, imagens, sons, vídeos,
fotografias, mensagens, jogos, programas, dentre outros. É evidente que o
uso desses recursos deve estar muito bem organizado e planejado (SEEDUC,
2013, p.4).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
aspectos que envolvem seu processo de execução como artefatos culturais inacessíveis
nas escolas, falta de computadores e de acesso à internet, ausência de recursos
audiovisuais, desconhecimento técnico, científico, teórico e metodológico sobre as
TDIC e a deformação dos modos de ver e conceber a escola perpassada por celulares
nas mãos dos praticantes escolares, mas ainda invisibilizados pedagogicamente por
muitas escolas. Compreendemos que “uma implantação bem-sucedida” da disciplina de
IMNT não depende unicamente da ação do professor, exigindo outras políticas de ação
emergenciais que caminhem ao encontro de uma reestruturação da gestão educacional e
da flexibilização das estruturas de ensino (KENSKI, 2008 p.86).
Convém afirmar que, em relação às práticas docentes e discentes, estas tendem a
constatar-se como políticas potentes frente às inúmeras dificuldades cotidianas
encontradas em suas realidades. Diante da imagem da violência, do abandono e descaso
sofrido por muitas escolas públicas, pensamos na relevância das tecnologias de reação,
aquelas produtoras de sentidos criadas pelos praticantes escolares nos cenários que os
tomam. É preciso conhecer suas políticas interpretadas assim como as inventividades
geradas através das experiências vividas nas práticas contextuais (LOPES, 2010). Tais
políticas transfiguram-se em modos astutos de (re)ação. Neste sentido, a atuação de
políticas “envolve a tradução de textos em ação e as abstrações de ideias políticas em
práticas contextualizadas”(MAINARDES, 2018 p.6). O autor compreende que a
tradução da política é um processo produtivo e criativo envolvendo a construção de
estratégias para que a política seja posta em ação.
Consideramos extremamente relevante os movimentos de resistência pedagógica
quando professores e alunos, de seus lugares conseguem reprogramar os usos das
tecnologias para além do que rezam as políticas. Hypólito (2019) considera as ações
docentes de resistência e reinterpretação das políticas curriculares no cotidiano escolar
fundamentais, pois a educação tem sido penetrada pela lógica de mercado, da
responsabilização docente, das tecnologias de controle e dos fundamentos do
gerencialismo. Em relação às TDIC, estas vêm impregnadas por uma lógica do
consumo pensada por seus fabricantes, mas quando reprogramada pelos usuários
(CERTEAU, 1994) produz modos outros de pensar e traduzir as tecnologias em
educação. Desta forma, reafirmamos que a política no contexto da prática envolve
tradução e interpretação dos textos para as circunstâncias reais, onde cada instituição
através de suas singularidades significará suas próprias políticas (REZENDE;
BAPTISTA, 2015).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ALBINO, Angela. C. A; SILVA, Andreia F. BNCC e BNC da formação de professores:
Repensando a formação por competências. Revista Retratos da Escola/Escola de
Formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (Esforce) –
v.13 n.25, pp137-153, jan./mai.2019. – Brasília: CNTE, 2007.
BAAL, S.What is Police? Texts, Trajectories and Toolboxes, Discourse 13, n.2, pp. 10-
17, 1993.
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VII Seminário Vozes da Educação
GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6ª edição. São Paulo:
Atlas S.A. 2008.
LEMOS, André. Entrevista com André Lemos. Por Fagner Torres, in Revista Inter-
Legere, Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFRN, ISSN 1982-1662, n.
14 jan. a jun. 2014, pp. 11-4. Disponível em:
<https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/5313/4299>. Acesso em: 09 out.
2019.
LOPES, Alice. Currículo, Política e Cultura In: SANTOS, Lucíola [et al.]
Convergências e tensões no campo de formação e do trabalho docente. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010. 734 p.
PEIXOTO, Joana. Relações entre sujeitos sociais* e objetos técnicos** uma reflexão
necessária para investigar os processos educativos mediados por tecnologias. Revista
Brasileira de Educação, abr./jun. 2015 v. 20 n. 61. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v20n61/1413-2478-rbedu-20-61-0317.pdf>. Acesso em
10 out. 2019.
RICHARDSON, Roberto Jarry et al. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 1999.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
SILVA, Tomaz Tadeu da. O Currículo como Fetiche:A Poética e a Política do Texto
Curricular. 1ª Edição. 4 reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
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VII Seminário Vozes da Educação
Pensando sobre a composição desta escrita, resolvi narrar a experiência que tem
me atravessado por anos de minha vida. Narrar tudo aquilo que tem me movido a pensar
no outro que é tido como “diferente”, dentrodo padrão de normatização que rege a
escola na sociedade em que vivemos
Mas, como problematizar essas questões para compor essa escrita?Como trazer
esses atravessamentos de forma que possamos pensar no outro e compreender as suas
singularidades?Essas questões me afetam e me deslocam a narrar a trajetória de vida do
Matheus, estudante diagnosticado com cegueira.
Além de redigir sobre as experiências que vivi com Matheus dentro da escola,
acredito ser importante trazer também suas próprias narrativas construídas dentro do
espaço escolar. O objetivo é apresentar alguns aspectos que nos ajudem a pensar e
problematizar discursos e olhares que vêm sendo construídos, muitas vezes, de forma
despercebida sobre o outro.
Algo se passou para que tenhamos medo da diferença, para que não aceitemos as
presenças que não sejam semelhantesas nossas. Algo espúrio se passou para que só
desejemos o que é normal e regular, o que já conhecemos,o que já domesticamos, o que
não nos confronte com nossas incertezas e ambiguidades. As palavras de Skliar(2015)
nos defrontam com nossas certezas de comodidade, de não-estrangeirismo, de
pertencimento e, acima de tudo, com o que aceitamos em nossas fronteiras. O medo e o
fascínio da alteridade dizem mais a respeito de nós do que do outro, dizem respeito à
nossa obsessão pela normalidade. É a partir dessa obsessão pela normalidade, pelas
regularidades funcionais, pelas certezas, que um olhar sobre os deficientes é construído.
sumário 731
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A normalidade elabora falas, discursos sobre eles, seja para encerrá-los em escolas
especiais e torná-los invisíveis, seja para incluí-los em posições subalternas.
(CLÍMACO, 2010, p. 9).
Pensando nos olhares, nos discursos que vêm sendo construídos sobre esse outro
que é dito como diferente em nossa sociedade, começo a pensar na condição do
Matheus, das dificuldades que são apresentadas em suas falas cotidianamente, e algo
começa a me inquietar, deslocando-me apensar em todos aqueles,quepossuemuma
semelhança na forma a compor a vida, como Matheus.
Para esta escrita, tenho como objetivo trazer a narrativa do Matheus, suas
memórias e questões que o afetam como sujeito. Porém antes de narrara experiência do
Matheus, acho importante trazer a sua história de vida para compreendermosmelhor o
caminho que nos levou até aqui.
Matheus nasceu com glaucoma congênito, ele tem um resíduo de visão que o
ajuda bastante nas tarefas do dia a dia, porém dentro do discurso médicoMatheus foi
diagnosticado com cegueira.
Recordo-me do seu primeiro dia de vida, quando a enfermeira foi deixar
Matheus no quarto, ele abriu os seus olhos e a enfermeira disse que serianecessário
retornar com o bebê para o médico, pois “os seus olhos não tinham uma cor normal”.
Essa fala da enfermeira ecoou por muitos anos em minha vida, fazendo-me
pensar no discurso que aquela criança já experimentava em suas primeiras horas de
vida. Talvez, naquele momento, de forma inconsciente, o meu corpo começou a iniciar
um processo de alerta, pois mesmo que eu não pudesse compreender de forma
consciente, inconscientementeeu já me preparava para enfrentar esses discursos que
iriam permear em nossas vidas, atravessando-nos ao ponto deme impulsionar hoje aqui,
na elaboraçãocrítica desta narrativa, e deslocou-mea pensar em outras possibilidades e
formas de estar ecompor a vida, questionando as fronteiras rigidamente demarcadas,
conforme bem elucida Ferri (2006, p. 293):
sumário 732
VII Seminário Vozes da Educação
Acho importante trazer esse relato do Matheus para dar continuidade a esta
narrativa, poiso que observamos na maioria das vezes são os olhares que, de certa
forma, construímos sobre o outro, mesmo que de formainconsciente e “inocente”.
Porém, reproduzimos e fortalecemos osdiscursosque rotulam o outro pautadopela norma
quese coaduna como um padrão. Segundo Júlia Clímaco:
sumário 733
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Mas, como podemos transformar o nosso olhar, que foi construído para estes
sujeitos e estudantes que compõe a vida e compartilham de nossas escolas? Como
extinguir o discurso frio e mecânico de que “não estamos preparados” enquanto
professores, o qual vem ganhando força dentro do espaço escolar?
São essas questões que me possibilitam escrever, pensar e problematizar alguns
desses conflitos que se passam na vida do Matheus, com o objetivo de compor essa
narrativa.Todas as vezes que inicio uma narrativa sobre a vida do Matheus, um filme se
passa em minha cabeça, e começam a surgir tantas memórias, que às vezes sinto que
fico um pouco confusa. Não que isso me afete a ponto de me desnortear, mas, talvez,
seja algo mais profundo. Percebo nessa trajetória de vida entre mãe e filho o quanto foi
preciso ter fôlego, parar para respirar, secar as lágrimas, ser firme mesmo quando o meu
coração queria chorar pelas falas duras, pelos olhares que de certa forma rotulavam o
meu filho, e, mesmo havendo o silêncio na fala, era possível traduzir o olhar…
Não conseguia compreender tamanha ignorância em algumas perguntas
relacionadas ao Matheus, e ao mesmo tempo não compreendia a insensibilidade do
outro perante ele. As pessoas não compreendiam que uma criança poderia nascer com
cegueira, elas não suportavam – a ponto de vir ao meu encontro com muitas perguntas,
não percebiam que eu era a mãe do Matheus e que ele estava ao meu lado escutando.
Recordo-me de só ter vontade de ir ao shopping quando estava bem, pois se eu não
estivesse em “um dia legal”, com certeza aqueles olhares iriam me magoar a ponto de
me fazer chorar.
Nunca deixei que esses sentimentos pudessem transparecer ao Matheus, pois
sentia a necessidade de fazê-lo sentir-se forte, pois aqueles olhares, aquelas perguntas
iriam se perpetuar não só em minha vida, mas na dele também. Por isso, sempre
respondia a condição do meu filho com um sorriso no rosto e com a transparência de
que é possível compor a vida de outras formas.
Além trazer, para este texto, a narrativa do Matheus, hoje um jovem adolescente
que transita no espaço escolar regular, penso ser importante relatar também, alguns
deslocamentos do Matheus enquanto criança para traçar melhor a sua jornada de vida.
Tenho como objetivo trazer uma narrativa rica em detalhes, onde a memória se faz
presente, mostrando-nos minuciosamente uma particularidade para compreendermos
melhor a sua jornada de vida, que se tece até aqui. Segundo Jöel Candau:
sumário 734
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 735
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Setembro de 2019:
__Mãe, hoje paguei o maior mico na escola!
Assim chega o Matheus em casa, indignado!
Continuou:
__ Você não faz ideia do que aconteceu. Hoje, eu tive aula de música e o
meu professor anotou as notas musicais no quadro. Até aí, estava tudo bem,
depois eu iria pegar essas notas com algum amigo, pois é sempre o que eu
faço.
__ Mas o professor teve a “brilhante” ideia de me chamar lá na frente da sala
e colocar uma cadeira para eu subir e tentar de alguma forma me fazer olhar,
ver com os olhos aquelas notas musicais.Como se não bastasse eu não
conseguir ver as notas, eu ainda tive que subir na cadeira.
__ Os meus colegas de sala de aula insistiram para que o meu professor
desenhasse as notas no quadro de forma ampliada, mas o meu professor não
deu ouvidos para a turma.
__ Foi um mico total!
Relatos do Matheus
sumário 736
VII Seminário Vozes da Educação
trazer a memória para esta narrativa e os detalhes dos primeiros anos de vida de meu
filho.
A memória é, acima de tudo, uma reconstrução continuamente atualizada do
passado, mais do que uma reconstituição fiel do mesmo: “a memória é de fato mais um
enquadramento do que um conteúdo, um objetivo sempre alcançável, um conjunto de
estratégias, um ‘estar aqui’ que vale menos pelo que é do que pelo que fazemos
dele.”(CANDAU, 2018, p. 9).
Penso que antes de continuar escrevendo sobre o tema escolhido seria
importante trazer o que me fez pensar em escrever sobre ele, bem como quais são os
motivos que me deslocam a pensar sobre essa realidade aplicada em nossas escolas. Sou
formada em Pedagogia pela UERJ, mãe de um jovem adolescente que foi diagnosticado
pelos médicos com deficiência visual. As questões do currículo escolar me atravessam a
todo tempo, pois sempre vou às reuniões na escola do meu filho pedir uma adaptação
curricular, conversar sobre o método utilizado pela escola, no processo de ensino e
aprendizagem do Matheus. Porém, sempre surgem muitos conflitos quando nos
reunimos com toda a equipe pedagógica.
Ao pensar sobre essas questões que fazem parte, não só da minha realidade, mas
também de muitas outras pessoas que compartilham do espaço escolar. Gostaria de
trazer para esta escrita alguns relatos de experiência, onde narro sobre situações que me
atravessaram. Porém, antes de dar continuidade, a esta temática, acho que seria
importante discutir a noção de teoria e o como o currículo se inicia:
sumário 737
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 738
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 739
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O conceito da teoria nos faz refletir sobre questões que atravessam o espaço
escolar e que na maioria das vezes não nos atentamos a pensar sobre o cotidiano escolar
sumário 740
VII Seminário Vozes da Educação
e algumas formas de disciplina que permeiam este lugar. Porém, ainda conversando
com o texto de SILVA:
sumário 741
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
profissionais para a vida adulta do estudante. Com isso tinha-se como objetivo
desenvolver um trabalho técnico, onde esses jovens já eram preparados para o mercado
de trabalho.
Em 1902, antes mesmo de BOBBIT ter escrito o seu livro, o John Dewey traz
uma perspectiva diferente de currículo, apesar desse ser o nome do seu livro na época.
Para John Dewey, era preciso que o nosso currículo pudesse ter uma visão mais ampla,
mais democrática, não só pensando na educação formal como um produto, mas, sim,
sinalizando a importância de se ter um planejamento curricular, observando a vida de
cada estudante, levando em consideração as suas experiências que cada um traz em sua
bagagem, partindo dos interesses de cada sujeito. Assim como Dewey, penso que ao
longo de minha formação, tive encontros com alguns autores que nos fazem pensar
sobre a importância de se conhecer o sujeito que transita o espaço escolar. Assim como
Dewey, tive alguns interlocutores que me fazem pensar sobre estes sujeitos que chegam
à escola cheios de curiosidades para descobrir o novo.
Gostaria de conectar este texto com o que Jorge Larrosa fala sobre o conceito de
experiência, fazendo-nos pensar sobre os efeitos que ela exerce em nossas vidas e
também nos deslocamentos que ela produz na vida de cada educando:
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo
o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. (...) Nunca se
passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. Em primeiro
lugar pelo excesso de informação. A informação não é experiência. E mais, a
informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da
experiência, quase uma antiexperiência. (...) Em segundo lugar, a experiência
é cada vez mais rara por excesso de opinião. (...) Em terceiro lugar, a
experiência é cada vez mais rara, por falta de tempo. Tudo o que se passa
demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o
estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo
ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. (...) Em quarto lugar, a
experiência é cada vez mais rara por excesso de trabalho. Esse ponto me
parece importante porque às vezes se confunde experiência com trabalho. (...)
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que
correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar
mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir,
sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender
o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 21-
24).
sumário 742
VII Seminário Vozes da Educação
Com isto, podemos nos questionar sobre qual seria o papel do currículo – ou,
qual seria o papel da escola? É o currículo que molda o aluno e o formata para o
trabalho e para o mundo que se ideologize, ou, de forma distinta, é o currículo que deve
adaptar-se aos alunos, respeitando-se seus potenciais, cultura, experiências, anseios e
peculiaridades?
Quando falamos de alunos que tem necessidades especiais a serem observadas
para que possam, como os demais, ter acesso ao conhecimento que se pretende
compartilhar nas escolas, redobramos nossas indagações e nos aventuramos a estender o
olhar sobre o problema vivenciado por estes alunos no cotidiano escolar, como similar a
situação enfrentada por qualquer aluno que se faça percebido como diferente. Todavia,
com maior agudeza, por suas especificidades.
Desta forma, há uma imperiosa necessidade de que a gestão escolar se ocupe em
refletir sobre o tema, sobre como adequar as exigências de um padrão de normalidade
pré-estabelecido, expresso na delimitação curricular à realidade de muitas diferenças e
possibilidades, características dos alunos que se fazem presentes no cotidiano escolar.
Referências
CANDAU, Jöel. Memória e identidade. São Paulo. Contexto: 2018.
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VII Seminário Vozes da Educação
como se faz uma pesquisa científica deve ser descartado ou não deve ser tido como
saber, acaba por não valorizar o que se passa nas rotinas fora do meio acadêmico.
As narrativas são uma possibilidade daquilo que não cabem dentro desta
“caixinha”. Em sua grande maioria, são descartadas com o discurso de que não existe
valor de pesquisa. As experiências dos sujeitos, por mais que venham, por mais que
transbordem a complexidade dos conhecimentos cotidianos, são vistas como mero
achismo e, portanto, seus valores são negados. Segundo Ong,
Com esta citação, se entende que desde sempre na cultura humana narramos
histórias, e o quanto elas são importantes para a construção da história.
Quando o assunto são os relatórios de estágios, o uso das narrativas não só
poderia ser validado, como também explorado em diversos contextos. Ao cessar a nossa
possibilidade de refletir sobre as nossas práticas através das narrativas se está negando a
nós, não só a formação enquanto professoras, mas também a chance de desconstruir
padrões e metodologias vindas de teorias muitas vezes fora do contexto das realidades
do chão da escola. É importante percebermos o universo escolar a partir um olhar mais
plural para as vivências dos cotidianos, para as práticas da professora regente, para as
realidades das escolas e das crianças.
Ao estabelecer enquanto critério de avaliação a implementação de um relatório
criteriosamente demarcado, sem espaço para as vivências do cotidiano, acabamos por
objetificar e nos distanciar destes mesmos cotidianos do qual fazemos parte e reduzimos
a formação complexa oportunizada pelas vivências do estágio à mera observação. O
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
aos documentos e burocracias que são necessárias para estágios realizados nas escolas
municipais do Rio de Janeiro e para o Colégio de Aplicação da UFRJ. Além disso,
estabeleceu um repertório bem pequeno de escolas onde poderíamos fazer os estágios.
Para minha surpresa, todas as escolas se concentravam no eixo Centro-Zona Sul do Rio
de Janeiro, o que dificultou bastante as nossas escolhas.
Como métodos avaliativos da disciplina tiveram trabalhos em grupos, trabalhos
individuais, uma regência que seria dada após completarmos mais de cinquenta horas de
estágios e um relatório. Toda a turma ficou bastante apreensiva com a regência e com os
relatórios e a professora disse que conversaríamos sobre isso ao longo da disciplina.
Optei por fazer o estágio no Colégio de Aplicação da UFRJ. Tal escolha se deu em
função de haver menos burocracia para o início do estágio. Era exigido de nós apenas a
entrega de uma carta de apresentação da universidade, o termo de compromisso de
estágio e uma foto. Para fazer estágio nas escolas municipais, havia uma quantidade
maior de documentos, dificuldades em alocar os estudantes nas escolas requeridas pela
professora da universidade, além de um dia inteiro (ou mais) dispensado apenas para a
resolução dessas questões.
O estágio no Colégio de Aplicação me apresentou uma realidade bem diferente
do que eu esperava. Assim como nas escolas municipais, as turmas eram heterogêneas,
de modo que encontramos com estudantes de todas as classes sociais/econômicas e
alunos incluídos. No entanto, os professores trabalham com a bidocência e o número de
alunos por turma também é reduzido. A licencianda que vai para o Colégio de
Aplicação possui um tempo de cinquenta minutos por semana para conversar com o
professor que está acompanhando o seu estágio. Esse professor é ciente de que ocupa
um papel importante enquanto formador na nossa trajetória.
Durante o estágio, pude acompanhar uma turma do segundo ano, no turno
vespertino. A turma tinha duas professoras que alternavam seus dias de trabalho e uma
mediadora que acompanhava um aluno autista incluído. Eram quinze crianças, oito
meninos e sete meninas. Por ser um colégio de aplicação, os estudantes estão
acostumados a receber estagiários e estagiárias nas aulas regulares, nas aulas de música,
artes e de educação física.
Por ter sido meu primeiro estágio, a apreensão era grande por não saber o que de
fato deveria observar ou não, o que era importante ou não, a ponto de ser colocado no
relatório. Conversando com meus colegas de turma, pude notar que essa apreensão era
presente em todos. Durante as aulas na disciplina de Prática de Ensino, a professora nos
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pediu para fazermos uma lista do que achávamos importante para observarmos: relação
dos docentes com as crianças, relação da escola com as crianças, estrutura da escola, das
salas de aulas, etc. Ao final a professora nos deu uma lista com os “Aspectos
Observáveis na Escola” e disse que nós deveríamos nos basear nesta lista e, a partir
destes tópicos, poderíamos escrever nosso relatório final.
Além desta lista, tivemos outras orientações para a escrita do relatório e do que
registrar durante nosso período de estágio. Deveríamos escrever as atividades dadas aos
estudantes pela professora regente da turma e preencher algumas perguntas com uma
infinidade de dados, como: (1) identificação da escola, (2) características físicas e
estruturais da escola e da sala de aula, (3) público atendido (estudantes, família e
comunidade do seu entorno), (4) relação da escola com as famílias dos estudantes e a
comunidade, (5) condições gerais de trabalho na escola e na sala de aula, (6)
identificação do(a) professor(a) regente (nome, idade, formação profissional, tempo de
experiência na docência e tempo de trabalho na escola campo de estágio), (7)
caracterização da sala de aula e da turma observada (número de alunos por sexo, faixa
etária, com necessidades especiais, alfabetizados e não alfabetizados), (8) processos de
ensino e aprendizagem em andamento, (9) conteúdos abordados pelo docente no
período observado, (10) recursos e materiais didáticos (enumerar e comentar), (11)
rotinas de trabalho observadas, (12) relação professor/aluno e aluno/aluno (aspectos
positivos e pontos críticos), (13) planejamento curricular (como é realizado na escola e
pelo professor), (14) processos de avaliação e (15) as impressões do estagiário sobre os
desafios encontrados na sala de aula observada.
Diante de tantas regras a serem seguidas na hora da escrita, nós, como
licenciandas que buscamos ser aprovados em uma determinada disciplina, priorizamos o
método avaliativo ainda que não concordássemos com ele. Tendo em vista que o
relatório valia metade da nossa nota, é evidente que iríamos priorizá-lo e fazer tal como
nossa professora exigia. Infelizmente com isso, meus olhos ficaram programados para
observar o que foi pedido e dificilmente consegui ir além do que foi proposto como
“aspectos observáveis”. Não há maneiras de se fazer pesquisa com os cotidianos
partindo da referência de um olhar que não compreende a especificidade e a
complexidade do espaçotempo das escolas. Com a metodologia que foi empregada
durante a disciplina, sinto que perdi grande parte da minha autonomia e autoria, pois
precisava restringir minha escrita e meu olhar ao que foi pedido e orientado
anteriormente.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Na escola municipal, acabei sendo alocada numa turma de quinto ano por conta
da grande presença de projetos e estagiários nas turmas de alfabetização, o que me
deixou profundamente ansiosa (não a ansiedade saudável, quase em desespero) já que
não possuía experiências com crianças desta faixa etária.
As crianças foram incrivelmente receptivas e a professora parecia estar surpresa
por ter uma estagiária em sala, pois aparentemente toda a concentração de estagiários
era para as turmas de primeiro e de segundo ano e já havia passado três anos desde a
última estagiária.
Essa experiência começou a tecer em mim um conjunto de reflexões acerca dos
muitos modos como as Práticas de Ensino vêm sendo ofertadas as licenciandas.
Diferentemente do que eu experienciei durante a disciplina, as narrativas de meus
colegas que cursaram as Práticas de Ensino com outros docentes e em outras turmas,
apresentavam uma hiper teorização do que é feito nas escolas, nos estágios.
O que acontece quando somos (licenciandas) imersos em conceitos, teorias,
pesquisas quantitativas, objetificação da escola e dos sujeitos das escolas? Começamos
a construir em nossos imaginários uma escola ideal, uma professora regente ideal, uma
turma ideal com estudantes ideais. Todas essas idealizações não correspondem em nada
ao que vi nos cotidianos e todas as suas complexidades transbordam. E assim, dentro
das universidades, ampliamos a ideia de escola enquanto o lugar do que é praticado
erradamente, tecendo críticas descabidas às práticas docentes sem nem sermos
professores formados ainda.
É recorrente em diálogos com colegas da universidade a ideia de que quando a
professora regente trabalha com uma vertente mais tradicional, é mais rígida ou opta por
rotinas que não convém com esse “ideal”, autoriza-se a crítica à prática desta docente.
Nasce uma má vontade de ir para o estágio e, por muitas vezes acontece uma atitude de
afronta para com a mesma. De acordo com este ponto de vista, não parece possível que
um professor regente dos anos iniciais possa ser um professor formador para
licenciandas como eu.
Contudo, ao poder ter o espaço de partilha das minhas narrativas de estágio, a
professora da disciplina de Prática de Ensino pode ouvir esse mal estar que não vinha
apenas de mim, mas de boa parte das licenciandas e nos provocou a refletir com os
cotidianos das professoras do ensino fundamental, suas trajetórias, suas lutas diárias,
suas práticas autorais. Quanto à metodologia utilizada nas salas de aula, ela também nos
fez pensar se a abordagem da professora estava sendo eficaz, e nos fez perceber que
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
saber a teoria não implica que ela será eficaz e nem que será compatível com as
realidades fora da Universidade, ela problematizou conosco se de fato existem
metodologias certas ou erradas, se consideramos que a escola é plural.
Sobre a regência, ter aulas nas quais pude expressar meus sentimentos e poder
escrever sobre minhas experiências, me proporcionou reflexões que teci junto com as
crianças, com o que era praticado, com as aprendizagens, com as relações estabelecidas
no espaçotempo da escola e com a inventividade cotidiana de seus sujeitos. Acredito
que se eu tivesse em uma dinâmica de me preocupar com um relatório espesso,
burocrático e quantitativo, provavelmente eu não teria me dado conta da potência
formativa do estágio.
Pude fazer experimentação na minha regência ao trabalhar o sistema gástrico e a
mastigação de alimentos, usando coisas baratas e acessíveis que fizeram as crianças
riremaprenderem. Poder ter ajuda para desconstruir as expectativas que tinha baseadas
no ideal de prática docente, fez com que a relação entre eu e a professora regente
mudasse e se fraternizasse. Assim, pude pensar com ela a respeito da regência e com as
crianças. Ao pensar não só em mim e em minhas concepções foi possível ser imersa em
novas formas de resolver situações, além de conseguir ter mais autonomia para refletir
solidariamente.
Consegui também pensar na minha formação, em como eu a estava levando, a
maneira que condicionei a olhar para ela. Estava reproduzindo não só um achismo
enorme referente às práticas das professoras, mas também reproduzindo um olhar que
não condizia com a realidade de uma sala de aula no Rio de Janeiro.
Tecendonarrando conclusões
Criar uma desconfiança epistemológica e questionar as vias únicas é uma
possibilidade quando trabalhamos com Certeau (1994) que fala sobre “supor o plural
como originário”. Existem muitos jeitos de ser e de estar no mundo. O relatório
burocrático não torna a prática de uma professora inferior à outra, é apenas uma outra
maneira de se fazer. Do mesmo modo que não criticamos a professora regente que tem
uma prática tradicional. O que pretendemos com esse artigo é mostrar que outras
maneiras são possíveis!
Para nós enquanto licenciandas é importante que possamos pensar a
teoriapráticateoria ou a práticateoriaprática, pois, quando dissociamos prática de teoria
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VII Seminário Vozes da Educação
acabamos reproduzindo a ideia de elas são distintas e que não se pode pesquisar a
prática sem uma teoria, quando na verdade elas estão relacionadas.
Notando que a valorização das narrativas e as formas de lidar com as mesmas
variam de professor para professor, defendemos que outras maneiras são executáveis,
capazes de mudar e desconstruir motivações e ações. Ao debatermos sobre o uso de
outras formas epistemológicas e sua relevância no meio acadêmico nos foi permitido
entender a valorização de algumas práticas em relação a outras quando a questão é a
avaliação das licenciandas de pedagogia durante a disciplina de estágio supervisionado.
A partir do momento em que nós como licenciandas e futuras professoras
criamos um olhar atento ao nosso redor, mais que somente o olhar, rompemos com os
paradigmas, sentimos que reeducamos todos os nossos sentidos básicos para os deixar
fluir e assim percebermos o cotidiano através dos sons, dos cheiros, dos gestos, gostos e
a vida de todo dia que é potente e plena de saberes. Observando os dois relatos
percebemos nessa prática horizontalizada, vivemos cada uma das experiências distintas
e, essas produziram maneiras diferentes de participação da escola na formação de cada
uma.
Referências
ALVES, Nilda. Decifrando o pergaminho - os cotidianos das escolas nas lógicas das
redes cotidianas. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de (ORGS.). Pesquisa
nos/dos/com os cotidianos das escolas sobre redes de saberes. RJ: DP&A, 2008.
OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Certeau e as artes de fazer: as noções de uso, tática e
trajetória na pesquisa em educação. In: ALVES, Nilda; OLIVEIRA, Inês Barbosa de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia das ausências e das uma
sociologia das emergências. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Conhecimento
prudente para uma vida decente: um discurso sobre as Ciências revisitado. São
Paulo: Cortez, 2004.
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Como são feitas as ações do Vozes? Como as bolsistas de extensão auxiliam nesses
processos?
Além do desenvolvimento desses estudos, o núcleo de Pesquisa e Extensão faz
visitações às escolas, principalmente municipais de São Gonçalo, para estabelecer ações
de levamento de memórias e histórias da escola/professor/aluno. Atualmente, há um
projeto sendo elaborado em um colégio da rede municipal de São Gonçalo, localizado
no bairro Jardim Catarina (CIEP Anita Garibaldi).
A escola Anita Garibaldi conta com número grande refugiados de diversificados
países, como: Cabo Verde, República do Congo e Angola, até o momento. Dessa forma,
as professoras/pesquisadores e bolsistas do Projeto Vozes têm ido à escola em questão,
com o intuito de levantar esses dados para uma melhor análise, e tem buscado entender
o cotidiano dos docentes da Instituição dentro desse universo, buscando demostrar o
ponto de vista e vivência narradas por cada educador. Além disso, o levantamento de
memórias - uma das características do Projeto - tem sido construído pelos professores
dessa mesma escola em conjunto com os docentes que compõem o Projeto Vozes.
O Projeto também conta com idas a outras escolas, como o Ciep Anaia Pequeno,
onde foi produzido um pequeno documentário que conta as memórias e história do
instituto; ademais, o núcleo reúne-se para elaboração de seminários que ocorrem na
Faculdade de Formação de Professores, estando em sua VII edição do Seminário Vozes
da Educação, e , também, de Educação Popular - produzido pelo referido Projeto. Para
além disso, o Grupo em questão produz e organiza lançamentos de livros de professores
do próprio Projeto, como por exemplo “Vozes da Educação, Formação de Professores,
Narrativas, Políticas e Memórias” lançado pela editora Eduerj e por alguns docentes que
compõem o grupo; essa obra é composta por 13 artigos elaborados por pesquisadores
que dialogam sobre a formação docente, com diferentesquestionamentos e observações.
Outro lançamento que reuniu uma das professoras/ pesquisadoras do Grupo foi o
“Construindo Pontes: Paulo Freire entre saberes, projetos e continentes.” que elucida as
diversificadas pontes existentes de diferentes natureza e extensões.
A seguir, serão expostas algumas imagens que resultaram do auxílio das
bolsistas do Projeto de Extensão em conjunto com toda comunidade interna do Grupo
nos processos descritos acima:
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VII Seminário Vozes da Educação
Figura 2: CIEP Anita Garibaldi (Roda de conversa elaborada pelo Grupo Vozes)
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Fonte:https://www.facebook.com/135609837255019/photos/a.138841100265226/138841023598567/?typ
e=3&theater
Fonte:
https://www.facebook.com/VozesdaEducacaoUERJ/photos/p.1400074413475397/1400074413475397/?t
ype=1&theater
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Referências
ANDRÉ, Marli. Formação de professores:a constituição de um campo de estudos.
Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174-181, set./dez. 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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Todavia, vale ressaltar que a escola não vai resolver todos os problemas da
sociedade, por mais que conte com profissionais dedicados e capacitados, pois a
formação dos indivíduos não se dá apenas dentro das instituições escolares e sim em
diferentes lugares, tempos e de diversas formas. Segundo Bragança (2012, p.63)
“Como sujeitos históricos, construímo-nos a partir das relações que estabelecemos com
nós mesmos e com os outros.” Somos formados por vários outros que existem dentro de
nós, que nos atravessaram e deixaram suas marcas. Do ponto de vista das pesquisas em
Educação, muito se tem discutido o tema formação de professores, que vem sendo alvo
de várias pesquisas e debates. As práticas do trabalho docente ganharam maior
notoriedade no meio acadêmico nacional, especialmente na elaboração de teses e
dissertações a partir de uma demanda crescente de investigação. Desta maneira,
verificamos a importância desse tema para os profissionais de educação, tornando
necessário expandir essa esfera de estudos para que docentes possam construir suas
identidades refletindo suas histórias de vida e revisitando as relações que os
atravessaram tanto no campo pessoal quanto no profissional.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Para Bragança (2012) o exercício vivo dos saberes docentes surge no/do
cotidiano escolar, saberes que são construídos pelos sujeitos ao longo de suas vidas na
junção de sentidos pessoais, éticos e científicos. Segundo a autora, os processos
formativos não nascem apenas dentro de instituições formais, eles se entrelaçam e se
constituem em relações comuns entre diversas dimensões formativas, entre saberes
acadêmicos e experienciais, memórias e narrativas, práticas e teorias. “A memória traz o
registro vivo de diferentes experienciais sociais da docência que foram se acumulando
ao longo da trajetória não só histórica da profissão, mas também pessoal de cada
professor/a” (2012, p.33).
Os processos educativos transcorrem de diversas formas e necessitam ser
estudados com consciência, considerando as diversidades sociais e culturais, pois não
existe igualdade, permanência e estabilidade entre a humanidade. Nesta perspectiva
onde as diferenças se revelam de forma tão acentuada nos impossibilita de ver a
formação de professores como uma ciência rígida presa em conceitos do século XX. No
entanto como ressalta Paulo Freire para que haja uma educação libertadora e
emancipatóriaé necessário formar professores(as) conscientes do papel social e
fundamental que exercem em nossa sociedade “Pode funcionar como um antídoto do
medo, e da inércia reprodutora, para alimentar liberdade e democracia”
(Bragança,2012,p.21).
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Considerações em movimento
Por se tratar de um recorte de uma pesquisa monográfica em andamento, trago
considerações parciais. O autor Antonio Nóvoa nos provoca a pensar a iniciação do
trabalho docente como um desafio social, apontando as inserções profissionais como
uma das maiores dificuldades enfrentadas por nossos professores no início da carreira.
Segundo ele, cuidamos mal dos professores iniciantes, que por vezes são lançados nas
piores escolas e horários. O autor acrescenta que: “se não formos capazes de construir
formas de integração, mais harmoniosas e coerentes, desses/as professores/as, nós
vamos justamente acentuar, nesses primeiros anos de profissão, dinâmicas de
sobrevivência individual que conduzem necessariamente a um fechamento
individualista dos professores” (Nóvoa,2006, p. 14).
É preciso pensar em políticas e práticas institucionais de acolhimento para os
jovens professores, que os motivem e ampare profissional, social e pedagogicamente
nesta fase de transição e integração docente. Ao pensarmos que a escola também é lugar
de formação docente podemos destacar a importância que o processo de socialização
traz para os professores iniciantes, as condições de trabalho são muitas vezes
fundamentais para a permanência ou não desses indivíduos na profissão. Esta
concepção da escola como formadora da identidade profissional docente também é
destacada por Nóvoa (2001,s/p) quando afirma que “o desenvolvimento pessoal e
profissional depende muito do contexto em que exercemos nossa atividade. Todo
professor deve ver a escola não somente como o lugar onde ele ensina, mas onde
aprende”.
Os saberes adquiridos nas práticas experimentais do cotidiano escolar se
incorporam aos conhecimentos obtidos nos cursos de Licenciatura, constituindo os
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ANDRÉ, Marli, A formação inicial de professor e o desenvolvimento profissional
docente, v.1 n.2, 2017.
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VII Seminário Vozes da Educação
http://periodicos.unisantos.br/index.php/pesquiseduca/article/view/50/pdf Acesso em 12
de outubro de 2019.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
“Rede de Docentes que Estudam e Narram sobre Infância, Alfabetização,
Leitura e Escrita” (REDEALE) é um coletivo brasileiro que se reúne na Faculdade de
Formação de Professores (FFP), unidade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), localizada em São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro. Tal coletivo é
coordenado pelas professoras Mairce Araújo e Jacqueline Morais é constituído por
estudantes de graduação, mestrado, doutorado e professores (as) que desejam participar
de discussões sobre formação docente.
O REDEALE foi criado a partir da participação de professores e estudantes
brasileiros no VII Encuentro Iberoamericano de Coletivos e Redes de Maestros y
Maestras que Hacen Investigacion e Innovación Desde su Escuela y Comunidad,
ocorrido na cidade de Cajamarca, no Peru em julho de 2014. Este evento faz parte de
um conjunto de encontros de professores e professoras latino-americanos que se reúnem
coletivamente para trocar experiências sobre suas realidades profissionais. A inscrição
só é permitida “em redes”, ou seja, os decentes que desejam participar destes encontros
precisam estar associados a uma rede de professores. Tal encontro permitiu a
articulação com o coletivo docente “Red Desenredando Nudos”, composto por
professores peruanos, que propôs manter contato após o encontro.
Esse contato tem o objetivo de manter e fortalecer as trocas de experiências
através de diálogos entre os docentes de Brasil e Peru que se reuniram naquele Encontro.
No decorrer desse trabalho será apresentado e discutido à luz de referenciais
bibliográficos como ocorreu e vem ocorrendo essas trocas entre os docentes, em
sumário 776
VII Seminário Vozes da Educação
especial será dado foco à proposta de escrita de cartas como resposta às narrativas
docentes enviadas pelos professores peruanos.
sumário 777
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
aquilo que nos afeta e nos move, pode-se perceber como tal aprendizado é importante.
Adquire-se novos conhecimentos a cada dia, mesmo que seja com as mínimas coisas,
cada experiência vivida é única.
Benjamin (1994) nos ajuda a compreender a importância da narrativa na
preservação das experiências vividas, individuais e coletivas, em especial num tempo
onde, como alerta o autor “a arte de narrar está em vias de extinção” (BENJAMIN,
1994, p. 197). Assim, a escrita docente de seu fazer cotidiano, representa tanto uma luta
contra o esquecimento quanto uma defesa pelo direito à palavra e ao dizer, aspectos que
merecem atenção nestes tempos modernos. O mesmo autor nos alerta sobre a
necessidade de desenvolvermos sobre as experiências vividas uma atenção, já que elas
se perdem quando as histórias não são mais conservadas. (BENJAMIN, 1994).
É o que também Bosi (2003) nos chama atenção. Ela afirma que a classe
dominante ao impor seus tempos modernos acelerados, suas filas de bancos, formulários
e outras burocracias, vêm apagando narrativas. As pessoas não contam mais suas
histórias, prejudicando a própria memória dos sujeitos e das famílias. De acordo com
essa autora, todas as classes sociais são afetadas por essa perda das narrativas e da
memória, mas é nas pessoas mais simples que ainda encontramos resistência, a classe
dominante impõe sua lógica, mas os grupos populares, em especial as pessoas mais
idosas, tentam manter suas histórias vivas, contando essas histórias. Portanto, é preciso
narrar, e uma forma de conservar a narrativa, é escrevendo-a.
As histórias docentes são dispositivos que temos lançado mão nos processos de
formação junto às/aos professoras (es), já que estes permitem que compartilhemos, não
meras informações, mas verdadeiras experiências, já que a narrativa:
não está interessada em transmitir o puro em-si da coisa narrada como uma
informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para
em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador,
como a mão do oleiro na argila do vaso. (BENJAMIM, 1994 p. 205)
sumário 778
VII Seminário Vozes da Educação
narrativas. Todos leram os textos, apontando o que poderia ser melhorado, destacando o
que provocou deslocamentos e aprendizagens. Foi um grande desafio já que os
professores peruanos não escreveram em português, e sim, em espanhol. Os textos
algumas vezes eram longos, outras vezes curtos, e a cada dificuldade recorria-se ao
dicionário espanhol-português. Estava sendo lido relatos de alguém, sujeitos dotados de
singularidades, e precisava-se da maior compreensão para poder analisar o que estava
sendo narrado, e assim tendo melhor entendimento da mensagem.
O grupo nesse momento se dedicou com afinco por não ser um idioma que a
maioria dominava ou já tinha algum contato, e todos, cada um à sua maneira, leram,
outros traduziram, mas o objetivo era o mesmo, compreender a mensagem passada, para
enfim devolverem aos peruanos suas narrativas com apontamentos.
sumário 779
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A carta não deve ser vista apenas como uma forma textual que permite a
troca de informação. Além de seu conteúdo, isto, além do que efetivamente
se diz, a carta – segundo Violi – sempre diz algo mais: fala por si mesma,
revela o ato de ter sido escrita, testemunha de sua própria existência.
(ANDRADE, 2011, p.6)
Alguns de nós, especialmente os/as mais jovens, nunca havia escrito uma carta
antes. Começamos a conversar sobre nossas experiências pessoais com a escrita de
cartas. Em meio a conversa surgiram as cartas escritas para namorados, projetos de
troca de correspondência em escola-correio amigo-, no qual as crianças escreviam
cartinhas para quem quisesse e colocavam em um recipiente. Em uma data determinada
uma pessoa da escola vestia-se de carteiro e entregava a carta para cada destinatário.
Assim o gênero textual foi trabalhado, as crianças aprenderam a lidar com as emoções,
pois nem todas receberam a correspondência e foi ensinado na prática como produzir a
mesma. Araújo e Morais (2018) afirmam que “A sugestão da escrita de cartas
possibilitaria que os alunos conhecessem outra cultura, bem como exercessem a escrita
com sentido e função social”, (ARAÚJO e MORAIS, 2018, p.65). Havia estranhamento
diante do desafio de escrever para alguém que não conhecíamos.
Ao mesmo tempo que líamos e escrevíamos as cartas, conversávamos sobre as
aprendizagens provocadas em tais situações, sobre as experiências que nos formam e
transformam, sobre saberes colocados em circulação a partir de intercâmbios como
aquele que estávamos vivendo.
A opção pela produção das cartas nos possibilitou evitar um certo formato
acadêmico mais impessoal, investindo numa proximidade maior que a correspondência
poderia nos permitir. De acordo com Foucault (1992) “Escrever é pois mostrar-se, dar-
se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro. (…) De certo modo, a carta
proporciona um face a face.” (FOUCAULT, 1992, p.136) Escrever cartas, nesta
perspectiva, pressupõe colocar-se nessa escrita.
E como é difícil escrever, ao escrever pensamos no que escrevemos, como
escrevemos, para quem escrevemos e como o outro entende que se lê. Esse movimento
assusta um pouco, pois escreveríamos para professoras (es) de outro país, a cada linha o
nervosismo e a ansiedade aumentava. De acordo com Prado, Ferreira e Fernandes
(2011):
sumário 780
VII Seminário Vozes da Educação
Em uma carta sentimos a presença de quem escreve, a emoção com que relata,
por mais que existem padrões, sentimos o outro que a escreveu. Ao produzir as
correspondências para os(as) professores(as) peruanos(as), cada uma enviada por e-mail
com um toque pessoal de seu(sua) autor(a), ficamos com a expectativa do impacto que
causaria em quem recebeu. Como reagiriam? Será que ficariam chateados pelos
apontamentos? Quando será que eles responderiam?
De acordo com Bosi (2003) “ao narrar uma experiência profunda, nós a
perdemos também, naquele momento em que ela se corporifica (e se enrijece) na
narrativa. Porém o mutismo também petrifica a lembrança que se paralisa e sedimenta
no fundo da garganta” (BOSI, 2003. p.15), ou seja, quando contamos nossa história ela
deixa de ser apenas nossa, podemos imaginar o desafio que foi para os professores
peruanos relatar suas histórias, suas vivências, mas não contar essas histórias poderia
significar apagar a sua importância e a própria existência dessas experiências em suas
memórias.
Passaram-se alguns dias e o coletivo docente peruano entrou em contato por e-
mail agradecendo as nossas cartas. Disseram que esperavam um texto em forma de
relatório, no qual seriam apontados apenas erros e faltas. Contaram que foi uma
surpresa quando receberam cartas, contendo apontamentos de forma carinhosa e sutil.
Disseram também que refariam as deles pois responderam às nossas narrativas em
forma de relatório, mas que a experiência foi tão boa que resolveram fazer da mesma
forma.
A ideia da correspondência como modo de compartilhar as impressões e
avaliações dos textos lidos foi abraçada pelos/as docentes peruanos/as que nos enviaram
respostas às nossas cartas. Cada um de nós recebeu resposta à carta escrita para eles, os
peruanos agradeciam pelo cuidado e carinho, alguns diziam o quão importante foram
aquelas palavras (alguns textos eram relatos de vida), outros agradeciam às sugestões e
informaram que utilizariam em seus textos.
A seguir serão reproduzidos o texto de narrativa de uma das professoras
peruanas, a resposta em forma de carta de uma das graduandas pesquisadoras brasileiras
e a resposta da docente peruana.
sumário 781
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 782
VII Seminário Vozes da Educação
Cajamarca, 19 de noviembre
Apreciada María Clara,
Muchas gracias por su carta, es un gusto haber recibido sus reflexiones y
también dudas que espero poder responder.
Terminé mis estudios de formación como maestra a los 23 años y puedo
decirle que esta experiencia de trabajo en la Escuela Rural Andina, que era
una ONG de mucho prestigio por su apoyo al desarrollo rural en Cajamarca;
marcó mi vida para saber lo que NO debo hacer en mi vida profesional como
maestra. Haber escrito este texto y sus preguntas me hacen reflexionarla así,
luego de 25 años.
Actualmente soy parte del equipo de la Escuela Campesina Alternativa, un
proyecto que se va construyendo desde una experiencia de trabajo
comunitario, saberes andinos, necesidades y recursos de la zona. Tenemos
objetivos además de una propuesta curricular, sin embargo nuestra propuesta
curricular se afianza con trabajo diario y con la reflexión de cada uno de los
participantes, no siempre la experiencia es fácil, pero reconocernos
comunidad nos ayuda. En contraste con mi experiencia en el programa de
capacitación a mujeres campesinas mi experiencia actual me lleva a pensar
que un proyecto educativo no debe ser intervencionista y menos una
propuesta educativa que favorece un mal llamado desarrollo, basado en el
mercado, consumo, industrialización, dinero y beneficio para las grandes
empresas que nos compran y nos venden. En este sentido, un proyecto
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações Finais
Portanto, a Rede de Docentes que Estudam e Narram sobre Infância,
Alfabetização, Leitura e Escrita (REDEALE) desempenha um importante papel na
formação das/dos discentes e também das professoras e professores já graduados. A
troca de experiências por meio das narrativas e diferentes formas de diálogo, seja por
Skype ou nos encontros, possibilita o crescimento enquanto profissional, mas também o
crescimento pessoal, enquanto sujeito. A vivência de escrever e trocar cartas enriqueceu
ainda mais essas experiências e essa formação.
Essa forma de diálogo aumentou a laço entre os países, garantindo maior
proximidade, na certeza de que a troca com o outro é o que forma e transforma, não
importando o espaço geográfico, ou mesmo a diferença de idioma, que sempre remete a
diferença cultural. O saber não tem barreiras e atravessa fronteiras.
Referências
sumário 784
VII Seminário Vozes da Educação
BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo.
Ateliê Editorial. 2003.
FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Passagens. 1992.
Pp. 129-160.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 58a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
O Curso Realidade Brasileira (CRB), organizado, inicialmente, pelo campo
popular, tem como atores de organização e atuação o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos
Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) entre
outros. Juntos, eles organizam uma formação política no entendimento de mudança da
realidade em que vivemos, sob a ótica do ensino-aprendizagem, sendo orientada pela
prática-teoria-prática da educação popular. Esse tipo de metodologia entende a ação
sobre a realidade, como um processo dialógico e indissociável entre a teoria e a prática.
A primeira turma foi organizada na Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJV) em 2001 com a ajuda de diversas organizações populares e teve a presença de
mais de 100 educandos. O curso tem como berço o entendimento e acúmulo das duas
grandes marchas do MST em direção à Brasília, nos anos de 1997 e 1999, que reuniu
milhares de pessoas. Assim, a ideia de organizar os diferentes setores do campo e da
cidade, para o entendimento da realidade brasileira é de uma iniciativa recente na
formação de quadros políticos no Brasil. Ela nasce após um longo período de
retrocessos nas políticas sociais no país, como o golpe militar (1964-1985) e as políticas
neoliberais de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, na década de
1990.
A turma do IV Curso Realidade Brasileira no Rio de Janeiro no ano de 2019, é
organizada após diversas derrotas da classe trabalhadora e de partidos políticos de
esquerda no âmbito local, regional e nacional. Ela é pensada em uma conjuntura política
de Estado de Exceção desde 2016, o qual tivemos uma quebra do regime democrático
de direito com o Impeachment (2015-2016) da Presidenta Dilma Rousseff. Além disso,
sumário 786
VII Seminário Vozes da Educação
O kit base de 6 textos foi pensado como uma estrutura mínima de módulos para
a realização da formação, sendo os temas: Educação popular e método de trabalho de
base; Formação social brasileira; O povo brasileiro e o racismo em nossa formação
social; O patriarcado na formação social brasileira; Questão agrária; Questão Urbana;
Recursos naturais, Gestão Energética e Geopolítica; Economia Política e Conjuntura e
atualidade do projeto popular para o Brasil são trabalhados.
Dessa forma, tenho como o objetivo geral da pesquisa a compreenção das
diferentes formas de formação militante nos cursos de educação popular na América
Latina, abordando como experiência inicial o Curso Realidade Brasileira da Escola
Nacional Florestan Fernandes (ENFF). Além disso, busco identificar as redes de
formação continuada no campo da educação popular, observando como essas práticas
permitem a compreensão da realidade partidária, sindical e educativa. Além, da busca
sumário 787
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Desenvolvimento
Os ataques que a educação vem sofrendo por políticas públicas que visam
esvaziar os ambientes de formação, com um caráter de privatizar o ensino fundamental,
médio e superior, só pode ser revertido com organização e luta. Através desse
entendimento, é preciso que tenhamos uma educação que não apenas forme mão de
obra barata, mas que possibilite uma Pedagogia da Autonomia, como nos ensina Paulo
Freire (2016).
Diante disso, o processo de formação emancipadora que é trabalhado nos
diversos cursos de trabalho de base do campo popular, sendo encabeçado pelo MST,
buscam a autonomia do conhecimento através do trabalho a partir da realidade temporal
e espacial de cada organização e educando, assim:
sumário 788
VII Seminário Vozes da Educação
Ao entendermos que a organização das classes populares passa pelo trabalho nas
bases sociais, e que esse trabalho é carregado de intencionalidade, precisamos nos
formar com eles e para eles. A educação como um ato político vai de contra as ideias
vigentes nos últimos anos do cenário educacional e político do país, onde programas
como o Escola Sem Partido, que buscam cercear o direito da educação crítica, estão a
todo tempo vindo aos debates. Além disso, não podemos esquecer dos cortes nas bolsas
de pesquisas, o sucateamento das agências de fomento, como o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Na formação de educadores populares e militantes de organizações partidárias
de caráter crítico e revolucionário, a educação das massas é um dos métodos de
conhecimento e intervenção no cotidiano em que vivemos. Por isso, temos privilegiado
os construtos de Paulo Freire, no entendimento de que a educação popular:
sumário 789
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Diante disso, educar não pode ser visto como uma transferência de
conhecimento. O educador ao mesmo tempo que educa, também aprende com o
educando (FREIRE, 2016). E nessa ótica, a presença de educandos fazendo a facilitação
dos módulos no CRB é comum, visto que esse processo não está desassociado da
formação de ambos, além da questão do trabalho militante. A prática de dividir a turma
em Núcleos de Base (NB), faz parte da metodologia de aprendizagem, onde existe um
rodízio de tarefas como alimentação, segurança, mística, coordenação do dia e cultural.
Alguns autores têm me ajudado a pensar e refletir sobre a formação continuada,
a educação popular, os coletivos docentes, as narrativas autobiográficas e a formação
em redes docentes. Assim, aceitando que esses conceitos e métodos investigativos são a
base da pesquisa, que estou realizando enquanto um professor-pesquisador-viajante,
parafraseando Maria Teresa Esteban e Edwirges Zaccur. Entendo que,
sumário 790
VII Seminário Vozes da Educação
É a experiência de narrar que está em vias de extinção. São cada vez mais
raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num grupo
que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se
estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e
inalienável: a faculdade de intercambiar experiências. (BENJAMIN, 1994, p.
198).
A experiência de se formar com o outro e não para o outro, está cada vez mais
escassa. A informação é diferente do processo narrativo, “ela só tem valor no momento
em que é nova.” (BENJAMIN, 1994, p, 204). A narrativa é vista como a palavra
compartilhada, que é vivida, que produz conhecimento e pode ser (re)criada diversas
vezes, dando diferentes significados para quem narra, escuta, escreve ou lê.
O cotidiano nos possibilita diversas experiências enquanto educadores. As
experiências e o seu intercâmbio estão atravessados por espacialidades que são únicas,
um exemplo, ainda usando as ideias do Benjamin, é o narrador do senso comum:
“Quem viaja tem muito o que contar”, diz o povo, e com isso imaginamos o
narrador como alguém que vem de longe. Mas também escutamos com
prazer o homem que ganhou honestamente sua vida sem sair do seu país e
que conhece histórias e tradições. (BENJAMIN, 1994, p, 198-199).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Os registros das minhas experiências através dos cadernos de campo, foi uma
metodologia de escrita que aprendi como bolsista de Iniciação Científica do Grupo
Alfabetização, Leitura e Escrita (GPALE), coordenado pela Professora Dª. Jaqueline
Morais. As narrativas escritas de experiências nos possibilitam refletir sobre o saber da
experiência como aborda Jorge Larrosa (2002).
Considerações finais
Ao longo da experiência até aqui no Curso Realidade Brasileira, pude ter contato
com diferentes temas que nos ajudam a entender a dinâmica da formação territorial,
cultural e econômica do Brasil, por uma ótica da análise crítica e emancipatória, como
nos ensina Paulo Freire. Diante disso, a experiência vivenciada e produzida durante os
módulos, tem possibilitado a reflexão sobre a minha prática militante e de pesquisador
no campo da Educação Popular.
A possibilidade de aprender e ensinar com outros militantes organizados, como
o Levante Popular da Juventude, o Movimento dos Atingidos por Barragens, a Marcha
Mundial das Mulheres, a Consulta Popular e o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, têm ampliado a minha percepção sobre diferentes realidades militantes na
cidade do Rio de Janeiro. Esse intercâmbio de experiências possibilita conhecer e
aprender realidade outras, realidades concretas que estão presentes em diferentes
espaços, seja no campo ou na cidade. Como nos ajuda a pensar Maria Bogo:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.
In:______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido/ 60ª ed. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.
______. Educação como prática da liberdade/ 14. ed. ver atual. –Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 2011.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Bolsista de iniciação científica no grupo de pesquisa Diálogos escolas-universidade: processos de
formação docente e produção dos currículos nos cotidianos.
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Bolsista de extensão no grupo de pesquisa Diálogos escolas-universidade: processos de formação
docente e produção dos currículos nos cotidianos.
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As pesquisas nos/dos/com os cotidianos usa a junção das palavras para produzir um outro sentido para
a palavra, deslocando a dicotomização que o modo hegemônico de pensar, representado pela ciência
moderna tende a fazer.
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VII Seminário Vozes da Educação
“O currículo nunca é pensado neutro, sempre se quer algo com o currículo. Não
podemos ter uma visão ingênua.”
As frases que dão título a este capítulo foram ditas, por uma professora, em uma
disciplina de currículo e elas dialogam com a ideia que iremos discorrer adiante, pois
nos convida a deslocar a noção da neutralidade nos documentos curriculares. É possível
entender através das pesquisas nos/dos/com os cotidianos que os currículos não são as
listagens de conteúdos que têm nas escolas, isto são os documentos curriculares. As
pesquisas com os cotidianos, dialogam com os currículos como produção cotidiana, que
são tudo o que professores e alunos produzem no cotidiano escolar.
Tomaz Tadeu da Silva ao falar das teorias pós-críticas do currículo, destaca o
poder como elemento fundamental. A partir desses estudos pode-se perceber que um
documento curricular é construído socialmente. E essa construção é histórica, marcada
pelas disputas de poder. Ao questionar por que de determinadas disciplinas estarem nas
escolas, o porquê as matérias são fragmentas e o modo como são, perceberemos que
assim foram construídas historicamente. Com a noção de que o currículo é uma
construção social aprendemos que a pergunta importante não é “quais conhecimentos
são válidos?”, mas sim “quais conhecimentos são considerados válidos?” (SILVA,
2010, p.148). Considerar um conhecimento válido ou não nos permite indagar o motivo
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
da escolha. Quando falamos em uma época colonial, o que era considerado válido era o
que garantisse e afirmasse o poder do colonizador.
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VII Seminário Vozes da Educação
ocorrerá com os presos e mortos. É ingênuo pensar que isso é natural. A classe
dominada no Brasil tem cor! A pobreza no Brasil tem cor! Precisamos problematizar
porque essa cor é negra. Os documentos curriculares são mais um dos instrumentos de
manutenção e aprofundamento do racismo e da segregação (por causa das escolhas do
que abordar). Por isso as escolas se tornam importantes nesta discussão, quando
entendemos que o racismo é estrutural na sociedade brasileira.
A desigualdade entre negros e brancos na sociedade brasileira é bem evidente, e
é claro que essa desigualdade também aparecerá nas escolas. As representações
negativas sobre o negro também são difundidas no espaço escolar. Por muito tempo os
livros didáticos só tinham imagens de negros escravizados ou em trabalhos
considerados subalternos, assim, a imagem do negro inferior era disseminada. As
escolas não são lugares a margem da sociedade por isso, professores e alunos convivem
com o racismo ordinalmente, pois como Trindade (2008, p. 48-49) declarou
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
buscarmos a história desta lei, saberemos que esta, é sinônimo de luta. Se dependesse do
grupo dominante esta nunca existiria. Os bastidores e a trajetória desta lei nos dizem
que esta tinha a proposta inicial de ter uma disciplina obrigatória que estudaria a história
da África e a luta dos afrodescendentes no Brasil. Esta proposta nem votada foi no
senado, e depois de oito anos parada, foi arquivada. Só em 2003, quando o presidente
Luis Inácio Lula da Silva assume a presidência do Brasil é que assinou a Lei 10.639/03,
com algumas alterações do projeto inicial. A Lei foi deliberada da seguinte forma:
Essa lei é potencializadora das discussões nas escolas por seu caráter normativo
Mesmo com seu caráter normativo, a lei não se faz por si só, como disse uma
doutoranda em um dos encontros do grupo de pesquisa sobre a lei 10.639/03: “Se você
não se movimenta é uma lei morta”. Neste sentido, podemos concluir que a lei é a
institucionalização, é um fato importante, mas que precisa de pessoas para fazê-la
acontecer. Por isso, quando falamos da lei 10.639/03 precisamos observar os
professores e suas produções cotidianas de currículo. Não podemos acreditar que a lei é
como uma receita de bolo, que uma vez falada é só fazer e dará certo. É recorrente
ouvirmos ainda nas escolas: “Nossa, aquela pessoa é negra e tem atitudes racistas”, com
um tom de espanto, mas se pensarmos que o racismo é estrutural, entenderemos tal
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VII Seminário Vozes da Educação
"O professor do meu irmão pulou a história da África, dizendo que aquilo não era
importante"
Esta narrativa foi dita por um aluno na disciplina que tem como tema, discutir as
relações raciais. O racismo é aprendido historicamente, culturalmente e socialmente.
Como nós, pessoas, somos seres sócio-histórico e cultural, estamos aprendendo a
sermos racistas também. Por isso, é possível enxergar pessoas negras, mas que não se
reconhecem, pois já está posto que ser negro é “algo ruim”. Um professor relatou no
grupo de estudos, que um aluno dele não se reconhecia como negro, pois o avô dele
disse, pelo fato do pai do aluno ser branco e a mãe negra, que "ainda bem que ele não
tinha puxado a cor da família da mãe". Podemos compreender que dia após dia a
ideologia do racismo não brinca de disseminar um pensamento e formar pessoas
racistas. Por isso são necessárias desconstruções. Como disse Gomes (2012, p.107) a
descolonização
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
palestrante do dia, ficou se questionando como ela tinha caído naquela. É o que já foi
mencionado, o racismo todo mundo aprende. Por isso nos são importantes os des...
desaprender, desinformar, desconstruir e descolonizar.
Quando se coloniza um lugar, o colonizador chega impondo a sua cultura, seus
costumes e seus modos de ser, com o intuito de controlar aquela identidade. Com isso,
outros conhecimentos e lógicas são invisibilizados pelas lógicas hegemônicas, que só
permitem uma percepção. É legitimada apenas um modo de ser, o que torna o legítimo,
único.
É impossível falar sobre a história única sem falar sobre poder. Existe uma
palavra em igbo na qual sempre penso quando considero as estruturas de
poder no mundo: nkali. É um substantivo que, em tradução livre, quer dizer
"ser maior do que o outro". Assim como o mundo econômico e político, as
histórias também são definidas pelo princípio de nkali: como elas são
contadas, quem as contas, quando são contadas e quantas são contadas
depende muito de poder. O poder é a habilidade não apenas de contar a
história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva. O
poeta palestino Mourid Barghouti escreveu que, se você quiser espoliar um
povo, a maneira mais simples é contar a história dele e começar com "em
segundo lugar". Comece a história com as flechas dos índios americanos, e
não com a chegada dos britânicos, e a história será completamente diferente.
Comece a história com fracasso do Estado africano, e não com a criação
colonial do Estado africano, e a história será completamente diferente
(ADICHE, 2019, p. 22-23).
Falar dos negros no Brasil e não lembrar de como chegaram aqui, também pode
mudar toda a história. Os africanos foram trazidos à força para a América Latina,
processo que chamamos de Diáspora Africana, para serem escravizados. Um elemento
que se relaciona com a discussão que nos propomos a fazer nesse artigo é a árvore do
esquecimento: o Baobá.
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VII Seminário Vozes da Educação
Outra questão é que não deixaram apenas de contar a história de um povo, mas
contaram, ou inventaram, o que quiseram falar. Se somente for visto o negro
escravizado nos livros, como queremos que crianças o vejam no mundo? Se as crianças
só escutam que o negro é perigoso, como queremos que elas assim não o reconheçam
como tais? Se as crianças escutam preconceitos das práticas religiosas africanas, como
queremos que elas a respeitem? É como fala Adichie (2019, p. 26) “A história única cria
estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que seja mentira, mas que são
incompletos. Eles fazem com que uma história se torna única história”.
Um discurso incrível pode ser presenciado no estágio, sobre essa questão da
religião, em uma turma de 1º ano de uma escola pública periférica da região
metropolitana do Rio de Janeiro. A professora se propôs a contar a história A Princesa e
a Ervilha, história que já possibilita a discussão sobre a cultura africana, pois conta a
história de um príncipe africano à procura de uma princesa, e traz ilustrações que
mostram a cultura africana. Já era possível imaginar que teria uma boa discussão a partir
do livro, porém algo imprescindível, como é cada dia na escola, ocorreu. Duas crianças
começaram a discutir, e o problema foi que o menino disse que a data de aniversário da
menina, era a data mais feia que tinha. Claro, a menina se indignou e não o deixou
afirmar aquilo. Querendo saber o porquê desta opinião, a professora perguntou ao
menino e ele disse que era porque nesta data as pessoas dão doces, nas ruas, que ele não
poderia comer. Era a semana do dia de São Cosme Damião e a professora percebeu que
talvez o menino estaria confundindo as datas. Ela perguntou porque ele não comia os
doces e ele respondeu que era porque ele era de uma igreja, e uma amiga da sua mãe
havia dito que pegou esses doces, NÃO COMEU (ele enfatizou bem isto), e queimou.
Quando ela queimou haviam vários bichos. A professora foi conversando e dizendo que
não era bem assim, que na verdade o doce não tem bicho e a pessoa falava isso por
preconceito a religião das outras. Ele rebateu, a conversa rendeu e a professora
enfatizou a importância de respeitar os pensamentos diferentes. Indo para a história e
vendo as roupas africanas se pôde ouvir algumas narrativas das crianças como:
“Princesa existe só na Inglaterra, nos Estados Unidos... Aqui já morreram”. A
professora exclamou e apontou para os livros: “Na África também existe”. Vendo as
princesas africanas uma disse: "antigamente eram vestidas assim". E a professora falou
que não era antigamente, mas eram outras culturas, diferentes da nossa. Vendo o rei
deitado em algo que parecia um tapete ou rede, e vendo que a casa não era um castelo
como são representados os reis, o menino disse: “Antigamente eles não eram iguais a
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
nós, eles eram pobres", e a professora insistiu: "Ele não era pobre não, ele era Rei”. Mas
como acreditar em um rei que não é loiro, não tem coroa e nem castelo? As crianças
associaram as roupas como algo do passado, pois não tem contato com essa cultura.
Para eles, aquelas imagens eram de pessoas pobres, pois o tipo de riqueza que se
valoriza é uma riqueza que vem de uma cultura ocidental.
Em uma palestra na UERJ Maracanã com a Carina Kaplan, professora na
Universidade de Buenos Aires, dirigente do Programa de Pesquisa em Transformações,
Subjetividade e Processos Educacionais, ela apresentou sua pesquisa, realizada na
Argentina, com crianças e adolescentes de camadas populares e de escolas públicas.
Falando um pouco sobre violência física e violência simbólica ela trouxe um vídeo, a
fim de problematizar a violência e o racismo, e evidenciar uma sociedade com matriz
racista. A Carina foi trazendo exemplos de violência simbólica que se transformava em
violência física e disse que uma adolescente ouviu: "Eu bato em você porque você é
negra". Adiante trouxe-nos um vídeo, onde crianças de 11 a 13 anos eram colocadas
diante de duas bonecas, uma branca e uma negra. Foram sendo feitas perguntas às
crianças e elas tinham que apontar para uma das bonecas. Quando perguntou qual era a
boneca mais bonita todas apontaram para a branca, e a mais feia, para a negra. Quando
tinham que indicar a mais inteligente, era a branca e a mais amiga também. Quando
questionada por que a negra era feia, uma criança respondeu: "Porque ela bate". Quando
perguntou qual era a amiga a resposta foi: "Esta, porque é branca". Quando perguntaram
por que a criança negra era feia uma respondeu: "Porque não gosto de cor de café".
Nessas narrativas é perceptível que o racismo ainda existe e negá-lo é não ter a
possibilidade de diminuí-lo. Reconhecer que fomos formados por três matrizes, e não
uma, é o começo para descolonizarmos e redistribuirmos os capítulos para contar essa
história. As crianças precisam conhecer outras histórias e para isso é preciso deslocar as
narrativas eurocêntricas e trazer outras narrativas para o centro das histórias.
Os negros precisam olhar nos livros didáticos, nas literaturas, nas escolas, no
mundo, e se encontrarem, se sentirem representados, não apenas vistos de maneira
inferiorizada. Trazendo essas histórias e memórias, valorizando as culturas africanas,
podemos visibilizar realidades menos desiguais e ouvir menos narrativas como:
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VII Seminário Vozes da Educação
“Havia uma menina vista com problemas pois só usava lápis de cor preto e
marrom. Sua mãe foi chamada na escola e chegando em casa contou para sua
outra filha que a disse: "Ah mãe, ela é muito lenta. Todo mundo pega as
outras cores e só sobram o marrom e o preto. É por isso!". (Fala de uma
professora)
Precisamos nos incomodar com o fato da cor marrom e preta não caber nos
desenhos, com as piadas racistas, que muitas vezes são tidas como brincadeiras, com a
história eurocêntrica que perpetua práticas colonizadoras.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. 1. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
A proposta de realização da oficina surge como uma demanda do Colégio Ouro
Preto, instituição da rede particular de ensino que idealizou uma semana de formação
continuada para os professores da instituição com o objetivo de pensar as questões que
mais foram levantadas nos encontros pedagógicos e cotidiano do ambiente escolar.
Oficinas de caligrafia, oficinas matemáticas e outras oficinas que procuravam atender as
demandas internas da instituição, buscando valorizar a relação professor/aluno para que
assim seja possível alcançar os melhores resultados.
A importância da realização de oficinas pedagógicas no processo de formação
continuada e de compartilhamento de experiências se faz central para o aperfeiçoamento
didático do professor. As possibilidades de promover dinâmicas em que todos os
presentes interajam e trabalhem a temática em conjunto é fundamental para romper as
possíveis hierarquias que pensam o conhecimento como algo passível de ser transferido.
Quando substituímos a palavra transferência por construção coletiva, estamos
atribuindo tanto ao professor, quanto ao aluno as potencialidades no processo de
construção do conhecimento, realizado em meio as trocas e investigações realizadas em
sala de aula. A ideia de passividade não se aplica a realização de oficinas, na prática das
oficinas todos os presentes se constituem como protagonistas.
As possibilidades formativas produzidas em atividades que possuem como foco
a interação dos sujeitos e a construção coletiva do conhecimento é responsável por
possibilitar as ampliações práticas do conceito de formação. Quando pensamos a
educação de maneira diferenciada, isso é, pautada no diálogo, estamos constantemente
formando e sendo formados por ações, palavras, experiências, possibilidades e afetos.
Acreditar que a sala de aula é um espaço de formação coletiva em que professores e
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Metodologia
A difusão do conhecimento histórico produzido a partir de critérios
investigativos que se realizam na coletividade só é possível quando nos sentimos
pertencentes ou instigados a “buscar” sentidos para aquele conhecimento. O
conhecimento e as diferentes formas de produzi-lo interagem constantemente com a sala
de aula, já que mesma é um local próprio da construção do conhecimento com seus
diferentes sujeitos e diversificada interação entre eles.
No processo de idealização da oficina procuramos desenvolver mecanismos de
entrelaçamento dos temas centrais de discussão e o cotidiano desses professores, para
que dessa forma os mesmos conseguissem se ver acolhidos pelo conhecimento histórico
proveniente de cada história de vida e do bairro em que se localiza a escola, visto que
previamente, fomos informados que parte dos profissionais da instituição e a maioria
dos alunos residem no mesmo bairro do Colégio.
Para que a oficina pudesse ser realizada da melhor forma possível, pensamos
execução de 3 eixos temáticos que trabalharam com as questões da afetividade e
reconhecimento, tempo e espaço. Realizamos cada eixo a partir de uma atividade
diferente, com intensas discussões e participação dos professores, que compartilharam
suas práticas e dividiram suas angústias em relação ao ensino de História.
A primeira atividade começou, na prática, a ser construída uma semana antes da
oficina. Foi solicitado que cada professor pensasse em um objeto familiar antigo que
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Desenvolvimento
As potencialidades dos alunos devem ser sempre valorizadas, o aluno não é um
ser que chega a escola sem conhecimento. As ideias que constituem as teorias
construtivistas (SANTOS, 2014), assim como a literacia histórica reconhecem que os
saberes prévios dos alunos é um dos eixos centrais da ideia de construção coletiva dos
saberes. O reconhecimento dos saberes dos alunos é capaz de propiciar o diálogo, visto
que se compreendo que em meio a relação professor/ aluno um deles se reconheça como
superior, a tendência é que a relação passe a se estabelecer de maneira vertical, o que
reforçaria a ideia ultrapassada de levar conhecimento.
A necessidade de reconhecer as fundamentações/contribuições que os alunos
levam consigo para a sala de aula, a valorização das suas questões, dos seus
conhecimentos, de suas vivências e motivações que em outros espaços são colocados
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VII Seminário Vozes da Educação
Resultados e Discussão
São muitos os desafios que o Ensino de História vem tentando superar, a ruptura
com teorias que hierarquizavam o conhecimento e exclui-a os sujeitos, a desvalorização
das histórias locais em função da valorização das histórias universais e homogêneas de
valorização das nacionalidades. A substituição dos valores positivistas e a
transformação e ampliação dos caminhos possíveis da história provocada pelos
questionamentos da Escola dos Analles, vem possibilitando que outros conceitos
referentes a fonte histórica, a valorização da história oral e dos saberes locais fossem
ganhando lugar.
No decorrer desse conjunto de mudanças tem sido possível implementar novos
mecanismos provocadores de situações que contribuam para que o ensino de História
possa ser gerido a partir do entrelaçamento do presente e do passado, que articulado
com o papel do professor, consegue provocar os alunos a ponto de possibilitar a criação
de um elo crítico entre as diferentes formas de conhecer e de aprender.
Os obstáculos que se realizam nas dificuldades de interação entre a teoria e a
prática tanto por parte dos alunos, quando por parte dos professores pode ser encarada
como um dos maiores desafios da sala de aula. A ruptura com os caminhos tradicionais
de superação da ideia de educação enciclopédica, que transfere o conhecimento do
professor para o aluno sem levar em consideração os saberes prévios e a capacidade do
aluno em produzir e ressignificar o seu próprio conhecimento vem sendo superada,
UFA!
E agora, o que fazer? A oficina teve por objetivo fazer com que o professor
inicialmente reconhecesse que ao se tornar parte praticante do conhecimento histórico,
ao se tornar um investigador dos objetos e compartilhar suas experiências o cenário e a
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Considerações Finais
As possibilidades de refletir sobre os impactos da oficina na prática pedagógica
das professoras pode ser inicialmente percebida no momento em que foram incentivadas
a produzir algo a partir de suas próprias experiências pessoais, visto que, as experiências
têm um papel fundamental na formação dos indivíduos. Segundo Walter Benjamin
(1994) a experiência, capaz de nos atravessar(marcar) produz efeitos mais significativos
em nossa formação do que a simples informação. As experiências e nossas vivências
instituídas como conhecimento prévio é capaz de alterar os sentidos de história que nos
são construídos. Ao analisarmos uma informação que não parte de uma perspectiva
conhecida e uma outra informação que é acrescida de um relato de experiência que nos
é comum, acabamos por construir um vínculo que possibilita o melhor entendimento e
alteração dos sentidos que em algum comento construímos como “agentes” da história.
Nesse sentido, o afeto e o cuidado em valorizar o que temos inicialmente é
projetar um futuro com um entendimento do presente e do passado que contribua para a
formação não apenas histórica do aluno, mas para a sua formação como cidadão. Os
processos formativos a que professores e alunos experienciam diariamente em sala de
aula e em outros diversos espaços de socialização contribuem para a formação de
sujeitos ativos capazes de pensar sua prática pautada em critérios cada vez mais
horizontais e dinâmicos.
Referências
BARCA, Isabel. Aula oficina: do projeto à avaliação. In: BARCA, Isabel (Org.). Para
uma educação de qualidade. Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga:
Centro de Investigação em Educação (CIED)/Instituto de Educação e
Psicologia/Universidade do Minho, 2004. p. 131-144.
______. Ideias Chave para a Educação Histórica: uma busca de (inter) identidades.
«Hist. R.» (2012), p. 37-51.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
CARVALHO, Carla Fernanda Salazar. O contributo das ideias prévias dos alunos no
desenvolvimento da aprendizagem conceptual em História e em Geografia: um
estudo com os alunos do 3.º ciclo do ensino básico. Braga: Universidade do Minho,
2013. Tese de Mestrado.
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VII Seminário Vozes da Educação
EIXO 2
HISTÓRIAS, POLÍTICAS E DIREITO À EDUCAÇÃO
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
Este artigo está inserido no projeto em andamento no mestrado em Educação da
Faculdade de Formação de Professores (FFP) – UERJ, na linha de pesquisa Políticas,
Direitos e Desigualdades Sociais, que se propõe a analisar os desdobramentos do
Capitalismo Dependente (FERNANDES, 2009)no processo de juvenilização nas turmas
do 2º segmento do Ensino Fundamental da Educação de Jovens e Adultos das escolas
públicas da rede de ensino do município de Niterói.
O objeto de estudo deste trabalho será examinado na perspectiva do
Materialismo Histórico e Dialético, a partir de três das suas categorias teórico-
metodológicas: totalidade, contradição e mediação.
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VII Seminário Vozes da Educação
Este trabalho tem por objetivo verificar quais desdobramentos o fato do Brasil
ser um país de Capitalismo Dependente repercutem na Educação de Jovens e Adultos, a
partir da leitura e análise de textos de pesquisadores que se debruçam no estudo deste
assunto.
Teoria da Dependência
A Teoria da Dependência surgiu a partir da crítica de estruturalistas e marxistas,
as duas vertentes existentes nesta linha de pensamento, ao processo de substituição das
importações. Segundo seus teóricos, o processo de desenvolvimento dos países
periféricos só pode ser compreendido no contexto das suas relações com os países
centrais.
Na relação de interdependência, os países centrais são os dominantes ao
mesmo tempo que os periféricos estão na situação de dominados. Essa relação se
originou no período histórico do colonialismo e do imperialismo, mas perdura até os
dias de hoje. Não existe um consenso sobre os fatores que motivam essa dependência.
Alguns estruturalistas dizem que o avanço das empresas multinacionais tem provocando
crises nas empresas nacionais dos países periféricos, muitas delas chegando ao
encerramento das atividades e, consequentemente, gerando um aumento no número de
desempregados. Outros, da mesma vertente, afirmam que as empresas multinacionais
criam padrões dependentes de consumo, pois contribuem para a elevação da
concentração de renda nos países dominados. Ainda existem outros que acreditam na
possibilidade da relação de dependência produzir altas taxas de crescimento econômico,
não estando os países periféricos fadados à estagnação, uma vez que a dependência
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pode variar de um país para outro, devido aos seus fatores históricos, econômicos,
sociais e políticos.
Por outro lado, a perspectiva marxista entende que a relação de dependência
reproduz o aumento da subordinação dos países dominados. O fato deles não possuírem
um parque industrial de bens de capital consolidado os fazem dependentes das
importações de máquinas e tecnologias dos países centrais, necessárias para a
implementação do processo de substituição das importações. Mesmo os países
periféricos mais industrializados não dominam, na maior parte das suas indústrias,
tecnologia moderna suficiente para competir com as empresas multinacionais que se
instalaram em seus territórios. Existe um outro fator que pode explicar a permanência
da dependência, a superexploração do trabalho pelo capital. Ela consiste na exploração
exacerbada da mão de obra dos países periféricos para compensar as remessas de parte
do lucro das empresas multinacionais para seus países-sede, normalmente, centrais.
As principais diferenças entre as duas vertentes da Teoria da Dependência estão
nas propostas que cada uma defende para superar a relação de dominação entre os dois
grupos de países e nos instrumentos analíticos utilizados para implementar tais
proposituras. Os marxistas, por motivos óbvios, adotam conceitos provenientes da
política econômica abraçada por Marx, mas discordam dele quando afirmam que o
crescimento do capitalismo, nos países periféricos, não traz características progressivas
tal como ocorre nos centrais. Devido a essa discordância, eles são chamados, por alguns
autores, de neomarxistas. A única saída possível para o fim da dependência, apresentada
por esse grupo, seria uma mudança para o modelo socialista de organização
socioeconômica em escala mundial. Já os estruturalistas afirmam que bastaria uma
reforma mais profunda do capitalismo, que pudesse dar origem a uma outra ordem
econômica internacional, para acabar com a relação de subordinação entre os países do
mundo.
O auge da Teoria da Dependência se deu nas décadas de 1960 e 1970, mas
mantém sua relevância até os dias de hoje. Passou por mudanças nas suas duas
vertentes, os marxistas passaram a denominá-la de Teoria do Sistema-mundo e os
estruturalistas, atualmente, são mais conhecidos como neoestruturalistas. (KAY, 2018).
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
A crise terá uma solução que, racionalmente, deveria seguir esta linha: escola
única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo
justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de
trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas
experiências de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas
especializadas ou ao trabalho produtivo. (GRAMSCI, 2006, p. 33-34).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
formadora de cidadãos com maior capacidade crítica e não, apenas, de mão de obra que
precisa ser inserida no mercado de trabalho.
A educação ofertada para os jovens e adultos brasileiros, da classe trabalhadora,
segue de forma coerente com o caráter subordinado que o Brasil se insere na
organização econômica mundial. Não são necessários grandes investimentos na
educação, pois o país se coloca no comércio internacional, predominantemente, como
produtor de insumos primários. Atividade, esta, que não exige maiores qualificações
profissionais, quando comparada com aquelas produtoras de tecnologias.
Seguindo a lógica da reprodução e acumulação do capital, a decisão de ampliar a
oferta de educação para os jovens e adultos da classe trabalhadora tem servido:
sumário 830
VII Seminário Vozes da Educação
Tal aspecto parece corroborar a ideia de que a legislação reflete muito mais um
sentido de direito à educação conformada ao Capitalismo Dependente, cujas leis
expressaram proposições de interesses de classe que organizam o arcabouço legislativo.
No Brasil, as legislações que envolvem as políticas governamentais de/para jovens e
adultos parecem confirmar, cada vez mais, a inexorável existência de sua conexão com
os projetos políticos e econômicos que foram e continuam sendo desenvolvidos no país,
condicionando a questão do direito à educação de jovens e adultos da classe
trabalhadora aos marcos ideológicos determinados por estes projetos.
Considerações provisórias
A construção da sociedade brasileira, ao longo da sua história, seguindo um
modelo de Capitalismo Dependente, gerou uma grande desigualdade social. Os avanços
econômicos encontrados para ampliar a produção e acumulação de capital não
reverberaram na redução dessas desigualdades. Muito pelo contrário, esta é a forma de
organização socioeconômica que a burguesia brasileira forjou para se perpetuar no
poder e se manter subordinada aos interesses do capital internacional hegemônico. Os
jovens e adultos da EJA, provenientes da classe trabalhadora, são vítimas desse modelo
perverso de sociedade, pois as políticas públicas voltadas para a educação reforçam a
dualidade escolar e não estão comprometidas com a emancipação desse grupo social.
Referências
Brasil. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, 1988.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 832
VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
O interesse em pesquisar a inserção de sujeitos jovens e em uma frequência cada
vez mais acelerada na modalidade de Educação Básica intitulada Educação de Jovens e
Adultos (EJA) se deu a partir da minha inserção no campo enquanto egresso jovem da
EJA do Ensino Médio. Ainda nesse espaço podia perceber diversas trajetórias de vida e
objetivos variados quanto à ocupação desse espaço, mas todos possuíam uma marca
social de classe, todos eram filhos da classe trabalhadora.
Neste trabalho, é interesse trazer à discussãoo fenômeno da juvenilização na
modalidade de ensino da educação básica denominada Educação de Jovens e Adultos
(EJA), especificamentena etapa do Ensino Médio da rede estadual do Rio de Janeiro.
Para corroborar com a análise traremos os dados do Censo da Educação Básica de 2018
e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), coletados através do site
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Através de pesquisa realizada por Sérgio Haddad, em 1987, intitulada “Ensino
Supletivo no Brasil: o estado da arte” pode-se verificar que o públicocomposto por
jovens na EJA, até então denominada Supletivo98, já era em um número considerável:
“são predominantemente jovens, tendo em sua maioria menos de 20 anos no 1º grau e
ate 25 anos quando considerados o 1º e o 2º graus conjuntamente” (HADDAD, 1987, p.
98).Assimevidencia-se que esse fenômeno não é algo novo.
98
Art. 27 da Lei 4.024/1961. Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
SEEDUC e IDEB
Centralizando nossos esforços em analisar o movimento do fenômeno noEstado
do Rio de Janeiro, acreditamosser interessante fazer uma contextualização a partir do
investimento em políticas de ascensão ao Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) no período compreendido entre o último mandato de Governador do
Cabral e o primeiro de Pezão (2010-2014). Após a catastrófica penúltima colocação no
IDEB em 2009, a Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) passou a ser gerenciada
pelo economista Wilson Risolia 99 , com o discurso de colocar o RJ entre as quatro
primeiras colocações do IDEB na edição de 2013.
Com base em um discurso em defesa da “qualidade” na educação, e dando
continuidade ao tratamento historicamente discriminatório dispensado à EJA, que o
então Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro guiou sua gestão na pasta. A
concepção de qualidade elencada pelo gestor da pasta refere-se ao mercado
economicista, mercantilista. Nesse sentido, compartilhamos com o pensamento de que
“[...] este critério de adaptabilidade e ajuste ao mercado é profundamente negativo
(antidemocrático e dualizante) quando se aplica ao campo das políticas públicas do
setor educativo” (GENTILI, 1995, p. 132). Ainda segundo o autor, a introdução dessa
concepção de qualidade se deu na América Latina, sobretudo no Brasil, em um período
onde estávamos transitando de um regime totalitário a um regime democrático. Visando
barrar o avanço da construção de uma democracia radical, o neoconservadorismo age
pautado na demonização do Estado e na exaltação do mercado, de modo a silenciar
rapidamente questões importantes na relação Estado-Sociedade, como por exemplo, a
democratização da educação. Daí, “as demandas de democratização se imprimiram em
um marco caracterizado pela negação mesma de uma institucionalidade democrática ou,
mais corretamente, pela imposição autoritária de um novo tipo de democracia: a
democracia delegativa” (GENTILI, 1995 p. 120). Uma democracia controlada,
“tutelada”, pelas elites capitalistas dirigentes.
Pensamos ser incompatível a comparação entre a produção e o comércio de uma
mercadoria, um objeto, com a construção e o processo educacional; ainda mais em uma
nação marcada por grandes diversidades regionais e porprofundas desigualdades
sociais. Assim sendo, acreditamos ser falacioso o discurso da qualidade na educação
99
Graduado em Ciências Econômicas, pós-graduado em Engenharia Econômica, Desenvolvimento
Econômico e MBA em Finanças. Atualmente ocupa o cargo de Secretário Geral da Fundação Roberto
Marinho.
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VII Seminário Vozes da Educação
O programa Ensino Médio Inovador – ProEMI - foi instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de
100
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TAXA
0,9
0,8
0,7
0,6
0,5
0,4 TAXA
0,3
0,2
0,1
0
2009 2011 2013 2015 2017
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sumário 837
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Esta nova proposta para EJA traz em sua base “[...] uma metodologia que utilize
estratégias de despertar e desenvolver nos jovens e adultos, habilidades e competências
exigidas na sociedade e no mundo do trabalho” (RIO DE JANEIRO, 2012, p.5) e tem
como foco principal os conhecimentos de Língua Portuguesa e Matemática, pois são as
abordadas no SAERJ. Além do controle via o exame, a nova perspectiva para a EJA
diminui a autonomia docente, ao submeter que faça à utilização dos manuais didáticos
elaborados pela rede.
Em paralelo à oferta da EJA, a rede estadual também desenvolve, desde 2009,
um programa de aceleração de estudos para alunos que precisam concluir o Ensino
Fundamental e Médio. Denominado Programa Autonomia, este em parceria com a
Fundação Roberto Marinho “utiliza o material do Telecurso, livros e DVDs, e a
metodologia Telessala, que cria um ambiente de aprendizagem prazeroso, participativo
e estimula a pesquisa e a criatividade. O Autonomia tem um professor para trabalhar
todas as disciplinas”. (RIO DE JANEIRO, 2012).
Segundo nota oficial publicada pelo SEPE, há uma lógica valorativa pelo gestor
Risolia no programa Autonomia e nos demais que objetivam a correção de fluxo, pois
visam diminuir a distorção idade série e consequentemente influenciam diretamente nas
avaliações de larga escala:
Pensar essa política elencada pela SEEDUC nos leva a fazer uma reflexão junto
à Teoria do Capital Humano em que:
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VII Seminário Vozes da Educação
sumário 839
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 840
VII Seminário Vozes da Educação
2013 em todas as escolas que ofertavam a EJA no Ensino Médio. As aulas são
presenciais, de segunda a sexta-feira. A Nova EJA tem carga horária diária reduzidade
três horas e vinte minutos por dia. É possível observar que no NEJAhá a preocupação
de se incluir de forma excludente (BORDIEU, 2007) tanto jovens e adultos que estejam
fora da escola,como aqueles que já estão dentro dela com a chamada defasagem idade-
série. Isto significa dizer que a elevação da escolarização pode ser garantida por meio
destas estratégias e modulações da oferta da EJA contribuindo para a ampliação das
possibilidades de acesso à certificação vazia. A despeito desta crítica, encontram
ressonâncias na expressão do que Gramsci (2000) compreendeu como sendo a “marca
social da escola”, com fins de perpetuar em grupos sociais “uma determinada função
tradicional, dirigente ou instrumental” (GRAMSCI, 2000, p. 49).
Podemos perguntar sobre qual o sentido de se aligeirar a escolarização de
jovens, produzindo a migração compulsória para a EJA, se a escola já é marcada
socialmente, destinada a estratos sociais desiguais?
Buscando caminhos para esse diálogo, temos como suporte metodológico o
método do Materialismo Histórico Dialético pensado por Karl Marx, no qual se
reproduz a realidade em todos os planos e dimensões. O homem diante da realidade, em
seu contato primário, age de forma prática no contato material com o objeto, a natureza
e com outros homens. Ele não se abstrai e analisa teoricamente e criticamente. Assim:
“[...] a práxis utilitária e imediata e o senso comum a ela correspondente colocam o
homem em condições de orientar-se no mundo, de familiarizar-se com as coisas e
manejá-las, mas não proporcionam a compreensão das coisas da realidade” (KOSIK,
2002, p. 14).
Visando superar à pseudoconcreticidade e buscar a compreensãodo fenômeno da
Juvenilização na EJA no Ensino Médio do Rio de Janeiro buscamos interpretar os dados
para melhor interpretar a realidade concreta. Dados em esferas macro e micro, nacional
e local; fim a decomposição do todo. “Os fenômenos e as formas fenomênicas das
coisas se reproduzem espontaneamente no pensamento comum como realidade [...]”
(KOSIK, 2002, p. 19), porque o aspecto fenomênico da coisa é produto natural da
práxis humana, ademais totalidade não significa todos os fatos, mas a realidade como
um todo estruturado, dialético, de modo que possamos compreender racionalmente um
fato qualquer que seja.
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93% 75%
7%
25%
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92%
84%
8%
16%
Ainda acordo o Censo Escolar 2018 podemos verificar que a modalidade EJA
vem perdendo espaço para o Exame de Certificação denominado ENCCEJA. Tal
perspectiva nos leva a pensar e buscar entender o processo de desescolarização e de
certificação vazia como uma hipótese do que vem se construindo no país. Através do
gráfico 4 propomos uma melhor visualização.
MATRÍCULAS BRASIL
13%
14%
74%
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60
40
20
0
BRASIL RJ
15 - 29 ACIMA DE 29
Considerações finais
Concluímos, de forma inicial, que as reflexões abarcadas junto à temática da
juvenilização da EJA do EM não podem ser analisadas deslocadas de sua historicidade e
de sua materialidade. Buscamos nesse movimento inicial trazer as primeiras reflexões
de modo a tentar superar a visão naturalizada do fenômeno; a pseudoconcreticidade.
Pensar a Educação de jovens e Adultos é pensar a relação de classe na
perspectiva de Marx. Assim realizamos uma análise da conjuntura do Estado brasileiro
e de suas implicações junto à sociedade. Vinculando infraestrutura e superestruturas, em
sumário 844
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
FERREIRA, C. S; HOTTZ, A. D e VILARDI, L. O. Um novo modelo de EJA para o
Ensino Médio no Rio de Janeiro. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.18222/
eae.v29i71.4707>. Acesso em: 19 dez. 2018.
sumário 845
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
SEPE. Nota oficial do SEPE sobre o Projeto Autonomia da SEEDUC: autonomia para
quem? Rio de Janeiro, 2012b. Disponível em: <http://seperj.org.br/ver_noticia.
php?cod_noticia=2758>. Acesso em 16 jan. 2019.
sumário 846
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 847
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O poder encarnado aos documentos legais e seus efeitos nas trajetórias e práticas
(re) imaginadas de educação na diferença
O poder não existe fora das relações, já advertiaFoucault (1976). Assim, os
processos formativos e as práticas educativas que compõem a educação básica,
indubitavelmente, estão inscritas na sociedade trazendo consigo disputas, lutas e
políticas de estado que historicamente operam configurando o cenário das relações
educativas. Segundo Foucault(1976),o poder “se exerce e só existe no ato”
(p.18)produzido por uma ação sobre ação, “o poder não se resume a algo que pode ser
retomado, trocado nem dado e só há poder onde há liberdade, já que neste jogo
permanente e ao mesmo tempo recíproco, o poder precisa de sujeitos que enquanto
“livres’ teriam diante de si possibilidades para o embate” (FOUCAULT, 2005, p.18).
Assim, o poder não é coerção,ele se manifesta abrindo também um espaço silencioso
para a resistência.
sumário 848
VII Seminário Vozes da Educação
disputas que produzem estecampo e atuam na constituição de sujeitos que cursam este
espaço na escola básica.
Por outro lado, essa conversa também, permite-nos, simultaneamente, pensar em
modos outros de operar na educação por meio de resistência onde o poder se manifesta,
sobretudo por meio de saberes institucionalizados, médicos, normatizados e cimentados
nas propostas educativas inclusivas.
Não obstante a importância da emergência das políticas educativas inclusivas,
fato este de extrema importância quepossibilitou a escolarização de muitos estudantes
queantes não chegavam à escola regular. A questão que nos toma aqui, é quetais
trajetórias, por vezes,parecemestardesenhadas fundamentalmente num parecer
uniformemente guiado pelo discurso majoritário da norma, que orienta também o
discurso pedagógico que encerra ou “tolera” a permanência dos estudantes nas
instituições escolares a partir de uma obrigatoriedade de aceitação sobre o outro.
Claro que ao pensarmos nas formas como o poder político atua na constituição
de trajetórias de sujeitos ditos “com deficiência” na escola e especificamente o processo
de institucionalização política inscritano espaço da sala de recursos multifuncionais,
cabe-nos trazer aqui, inicialmente o conceito de trajetórias.
Em um contexto educativo que se inscreve alinhado eimbricado ao poder
político, o que seria pensar a educação entre trajetórias? Como pensar trajetórias de
encontros na sala de recursos multifuncionais na ordem do micro na educação?
sumário 849
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
caminhada educativa de alunos com trajetórias estudantis outras, é narrada por alguns
profissionais da educação como inviável ou impossibilitada, visto que essas trajetórias
são fundamentadas pela ideia da norma ou da linearidade na formação.
Na contramão desse processo, Foucault (2005) nos apresenta
algumasconsiderações sobre os mecanismos de poder que compõem aregulação de
saberes ditoscientíficos, tecnológicos e normalizados produzidos dentro do que ele
chama de uma “centralização piramidal que permitecontrole desses saberes” (p. 216) e
consequentemente das trajetórias estudantis nas salas de recursos da escola básica.
Refletindo sobre o que o autor nos coloca, perceberemos uma disciplinarização
de saberesjurídicos que no interior de conjuntos institucionais,inscrevem-setambém na
escola econtornam, especialmente,as práticas educativas inclusivas controladas pelo
aparelho estatal. Contudo, tais saberes (normatizados) não nascem do interior
dasexperiências e práticas pedagógicas entendidas como não oficiais(porque não
regulamentadas em nenhuma lei). Os saberesproduzidos na relação com os outros, com
a experiência, habitualmente ficamfora do olhar normativo e científico porqueo
pensamentoque toma a ciência enquanto norma,não opera despossuído de parâmetros e
referenciais técnicos. Por isso, os saberes que pertencemao micro ou, da ordem da
experiênciana escola básica, comumente,são vistos como “inexperientes, inconsistentes
cientificamente, por isso nulos e habitualmente consideradossaberes desqualificados,
saberes não conceituais, saberes insuficientemente elaborados, ingênuos ou
hierarquicamente inferiores” (FOUCAULT, 2005, p.12)
sumário 850
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
2008).A definição de quem são esses outros bem como os procedimentos técnicos na
produção das relações educativas é afirmada na forma própria da lei que considera
incluir, na perspectiva do direito, das normativas legais. Geralmente, esse é o discurso
que habita o campo educacional.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
“teoria e métodos pedagógicos presos aos cânones, àquilo que se pensa ser uma boa
educação.”(GALLO, 2014, p.20). Pensar nas relações entre o macro e micro na
educação não supõe pensá-las correlacionadas a grandezas de maior e menor “de tipo
matemático” (GALLO, 2014, p.24). O que entendemos como micro se atualiza em sua
forma de açãodentro de um plano macro. Todavia as duas operam no interior dessas
relações onde “o maior pode devir menor e o menor pode ser capturado tornando-se
maior. Mas ambos também podem simplesmente não se encontrar, operando em modos
distintos e ao mesmo tempo, sem qualquer comunicação”(GALLO, 2014, p.24). E é
dando destaque a saberes que operam em modos outros na produção de uma relação
atravessada pelo que chamamos de micro (ou menor, diz Gallo inspirado em Deleuze e
Guattari), é que pensamos numa educação produzida nas microfeituras de encontros,
conversas e experiências. A perspectiva macropolítica, assegura direitos inclusivos no
sistema geral de educação, mas talvez, não se renda tão facilmente a uma prática de
formação sensível e ética que se materializa ao estar juntos com outros na Sala de
Recursos Multifuncionais.
Poderíamos escolher como diretriz na educação regular,as feituras produzidas
pelo caminho institucional que apoiados em discursoscentralizadores vinculados a
leis,institucionalizam a alteridade, normatizam trajetórias tornadas deficientes e
produzem uma verdade sobre os corpos. Esse caminho, habitualmente, tem sido
otraçado pelaeducação regular instituída pelas grandiloquências das políticas educativas
para a Sala de Recursos Multifuncionais, entretanto, seduz-nos o mistério de outros
caminhares pensados por uma pedagogia outra: reinventadapor passos com
microfeiturasentre experiências relacionais que não podem ser prescrita ou normatizada
especialmente porque ela surge da ordem do singular, do não prescrito, surge da
ordemdo inesperado entre trajetórias que se fazem no curso de existências, de vidas, de
encontros, de experiências na diferença.
sumário 856
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 857
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Ao ir passando com passos demorados por cada participante, fui afetada pelo
sorriso e lagrimas dos olhares de cada um. Era como se não esperassem esse
momento deslocador. Um momento feito da fragilidade de uma gestualidade
singular que provoca intensidades, que afetam. Encontro-me nesses
encontros, e me pergunto de quantas maneiras sutis podemos anular ou afetar
com gestos menores o outro no encontro. (Diário de Trajetórias)
sumário 858
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BRASIL, Ministério da Educação. Manual de Orientação: Programa de Implementação
de Salas de Recursos Multifuncionais, 2010.
DIAS. Rosimere de Oliveira. Trajetórias poéticas por entre formação, arte e escola
básica. In: Políticas, poéticas epráticas pedagógicas (com minúsculas) Organização
AneliceRibetto. 1 ed. Rio de Janeiro. Lamparina. FAPERJ, 2014.
sumário 859
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
GALLO; Silvio. Mínimo, Múltiplo, Comum. In: RIBETTO, Anelice (org). políticas,
poéticas e práticas pedagógicas (com minúsculas). 1ºed. Rio de Janeiro: Lamparina,
FAPERJ, 2014
SKLIAR, Carlos. Provocações para pensar em uma educação outra: conversa com
Carlos Skliar. Revista Teias. V. 13, n.30. 265-283, set/dez 2012
Notas
i
Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização , Diversidade e Inclusão.
iiA palavra diferença está estreitamente ancorada neste trabalho a um conceito muito caro produzido no
campo da filosofia da diferença problematizados por autores como Deleuze, Guatarri, Skliar, Derrida etc.
Considera-se diferença aquilo que há, aquilo que existe como condição de existência dos sujeitos em suas
formas de ser e estar no mundo. Não pluralizamos essa palavra porque, imperceptivelmente, o termo
permitiria fomentar a lógica de fragmentação de grupos classificando-os segundo padrões pré
estabelecidos pela perspectiva camuflada da diversidade, como por exemplo: deficientes, negros etc.
fazendo-nos cair em armadilhas de nomear “o diferente”. Assim, singularizamos essa palavra pensando a
diferença apenas como o que existe e atravessa a condição de existência de todas as pessoas no mundo.
sumário 860
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 861
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
“Pode o favelado falar?”: a escuta como um direito dos diferentes sujeitos das
classes populares
Ancorando-se na obra “Pode o subalterno falar?”, da autora indiana Gayatri
Chakravorty Spivak (2010), apresentamos uma reflexão sobre o direito à escuta dos
sujeitos das classes populares. Ou melhor, defendemos a ideia da escuta como um
direito das classes populares, em especial da escuta dos moradores de favelas.
A pergunta trazida pela autora, que dá nome à sua obra, inspirou-nos a refletir
sobre as vozes dos subalternos, daqueles que têm suas vozes silenciadas, que não têm
direito à fala e que talvez, por conta das profundas desigualdades sociais presentes
historicamente na sociedade brasileira, também não tenham tido direito à escola.
Para tanto, segundo a autora citada, o sujeito subalterno é aquele pertencente “às
camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos
mercados, da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros
plenos no estrato social dominante” (SPIVAK, 2010, p.12). Os moradores de favela são
assim considerados historicamente, sujeitos subalternizados. Subalternos por serem
pobres, por serem negros e/ou afrodescendentes, por não pertencerem à classe
dominante, por não terem acesso a uma educação pública de qualidade, por não se
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Como não reconhecer que nas propostas das pastorais da Igreja Católica –
pastorais da terra, dos trabalhadores urbanos – nos movimentos étnico-
raciais, nos movimentos em torno da criança e dos adolescentes, nos
movimentos estudantis, na educação nos presídios, nos projetos de saúde
popular e práticas extensionistas das universidades etc. não subsiste o clima
da Educação Popular? A luta pelos Direitos Humanos, em sua função
educativa, é uma convergência moderna da visão de mundo da educação
popular dos anos 1960 – assim como os movimentos em defesa da mulher, da
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
psicólogo (muitas vezes para negar que tenhamos alma, isto é, consciência).
E entre nós e nossos alunos, a fala do pedagogo (CHAUÍ, 1982, p. 58).
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“empatia generalizada” em relação a tudo o que se vive e ao que existe. Buscar essa
sensibilidade no cotidiano de nossas pesquisas, com moradores de favelas que pouco
têm suas vozes escutadas, que pouco falam sobre suas expectativas foi uma busca difícil
enquanto pesquisadoras.
A tensão em planejar e conduzir as entrevistas, nos fez aprender a desenvolver
uma escuta mais atenta e principalmente encorajar aquelas pessoas a se expressarem,
com uma rigorosa atenção sobre o preconceito e sobre julgamentos prévios. Fazer e
refazer a mesma pergunta algumas vezes foi necessário neste processo e isto nos
permitiu compreender de maneira ética e responsiva ainda mais, a tipologia dos sujeitos
que tínhamos em nossas pesquisas.
Pois, como afirma Bourdieu (2012):
Para tanto, Barbier (2007) afirma: “Antes de situar uma pessoa no seu “lugar”,
comecemos por reconhecê-la em seu ser, na sua qualidade de pessoa complexa dotada
de uma liberdade e de uma imaginação criadora” (BARBIER, 2007, p. 96).
Portanto, a metodologia adotada em nossas investigações, exigiu-nos uma
constante troca, uma busca por reconhecer o outro em sua alteridade, estabelecendo
uma relação respeitosa e compreensiva. Bourdieu (2012), afirma que a pesquisa é uma
relação social e nos aponta para a importância de compreender o outro tendo clareza de
suas intenções e princípios neste processo. Destacamos uma citação do autor que
corrobora esta ideia:
“Para que seja possível uma relação de pesquisa o mais próxima possível do
limite ideal, muitas condições deveriam ser preenchidas: não é suficiente
agir, como o faz espontaneamente todo “bom” pesquisador, no que pode ser
consciente ou inconscientemente controlado na interação, principalmente o
nível da linguagem utilizada e todos os sinais verbais ou não verbais próprios
a estimular a colaboração das pessoas interrogadas, que não podem dar uma
resposta digna desse nome à pergunta a menos que elas possam delas se
apropriar e se tornarem os sujeitos. Deve-se agir também, em certos casos,
sobre a própria estrutura da relação (e, por isso, na estrutura do mercado
linguístico e simbólico), portanto na própria escolha das pessoas interrogadas
e dos interrogadores.” (BOURDIEU, 2012, p. 696).
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outros atores que dentro da favela buscam meios de apontar o caminho de igualdade
numa sociedade que pressupõe-se justa. A informação aliada ao conhecimento
oportuniza o vínculo para a formação do sujeito crítico. Acreditamos que conhecer a sua
base, as raízes, as histórias de vida, a experiência trazida pelos antigos, seja alicerce
para o autoconhecimento e a compreensão do que pode ser feito na luta por direitos para
as camadas populares.
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Nas favelas as ruas são espaços da festa, do lazer, dos encontros afetivos, do
trabalho, da brincadeira [...]. Nas favelas também há perigos, sobretudo em
função da violência praticada por policiais e bandidos armados. No entanto,
as ruas ainda são espaços de aproximação, de sensações de pertencimento e
de mobilização em torno de causas individuais e coletivas. Ainda há vida nas
ruas, com a presença do inesperado e da supressão do domínio absoluto do
privado sobre o público (SILVA, 2005, p.98).
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Nota
[1] José de Souza Martins (2009), trás a expressão A criança como testemunha, onde
problematiza e as apresenta como sujeitos da sua pesquisa.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos,
2009.
______. O que é ser educador hoje? Da arte à ciência: a morte do educador. In:
BRANDÃO, Carlos R. (org.). O Educador: vida e morte. Rio de Janeiro, Edições Graal,
1982.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 42.ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo. 2.ed. São Paulo. Editora
UNESP, 2000.
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SILVA, Jailson de Souza; BARBOSA, Jorge Luiz. Favela Alegria e Dor na Cidade.
Rio de Janeiro. Ed. SENAC, 2005.
SPOSITO, Marília Pontes. A ilusão fecunda, a luta por educação nos movimentos
populares. São Paulo. Ed. Hucitec, Edusp, 1993.
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vezes não, mas dialeticamente têm beneficiado o “Vozes”, tanto em riqueza epistêmica,
quanto nos modos de fazer pesquisa e extensão em ato.
Como todas nós, de uma forma ou de outra, inventariamos o legado do Vozes,
optamos não pelo acúmulo do que nele vivemos e ou aprendemos, mas, como o vemos
em sua contribuição política e epistemológica; como grupo de pesquisa e extensão na
Faculdade de Formação de Professores (FFP-UERJ). Para esta introdução, convido,
assim, a voz de uma intelectual da cidade de São Gonçalo, a voz de Haydèe Figueirêdo
(apud NUNES, 2010, p. 45) uma das três primeiras vozes a criar-nomear o Núcleo
Vozes, memorá-lo para nossa fortuna epistêmica e afetiva, como grupo de pesquisa e
extensão:
A voz de Haydèe Figuerêdo nos diz muito sobre o que nos apresenta Paul
Zumthor, na epígrafe deste texto, a nomeação do Vozes, enquanto “palavra-tenda”
buscou e busca aglutinar docentes desejosos de fazer pesquisa e extensão em uma
unidade acadêmica com tradição de ensino e situada na periferia da própria UERJ
Maracanã.
Por sua vez, Tavares (2007, p.3) rememora que o Núcleo Vozes se
institucionalizou pelo“desejo de conhecer, de reconstruir a memória e a História da
Educação escolar gonçalense, de criar interfaces com as escolas e com os sujeitos
escolares”.(TAVARES, idem, p.6).
O enlace com a cidade e, especificamente, com os sujeitos das escolas e as
instituições educativas, vem consolidando o Vozes como núcleo de pesquisa e extensão
reconhecido, tanto nos espaços institucionais acadêmicos, quanto nas redes nacionais e
internacionais de professores, na produção do conhecimento sobre questões temáticas
que articulam memória, história, políticas e formação. (ALVARENGA; MAURÍCIO e
RIBETTO, 2014).
Na oportunidade que as vozes de Haydèe Figueiredo, Martha Hees e Maria
Tereza Tavares nos oferecem, juntamos à voz do poeta ao nos servir das palavras
“tenda” e “acampamento” como metáforas em benefício de nosso olhar sobre o Vozes e
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Sobre polifonia e dialogismo: o que estes conceitos têm a ver com o Núcleo Vozes? – um
diálogo com Haydèe Figueirêdo
Quando falamos de e sobre a palavra-tenda “Vozes”, precisamos levar em conta
que esta palavra, como criação verbal feita pelo trio de professoras que nomearam o
Núcleo de Pesquisa e Extensão, do DEDU, não se comporta como um signo fixado em
um sistema de regras lingüísticas, mas uma palavra com e pela, ao ser
pluralizada/polifônica, pode-se perscrutar o que a carrega: contrapontos para aquilo que
se dá a muitos.
Historicamente, a palavra “polifonia” nos leva ao contexto do seu aparecimento,
ou seja, o mundo medieval para dar nome a um estilo musical de raízes populares, em
oposição ao canto monódico gregoriano. Um estilo cantado, pelo menos por dois
cantores, no qual “cada nota da melodia principal é contracantada por uma única nota
da voz superior. Essas melodias eram escritas na época sob a forma de pontos, daí o
sentido original da palavra contraponto: ponto contra ponto”.(ROMAN, 1992, p. 208).
Mas é no século XIII, continua Roman (idem,p.208-209), que
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Bakhtin não separa o mundo da voz e o mundo da letra. Ao contrário, letra e voz
se unem pela produção dinâmica dos sentidos para serem compreendidos e orientados
para uma leitura no contexto da vida, do processo ideológico do qual ela faz parte.
Esta formulação é presidida pelo conceito de polifonia criada no círculo de
Bakhtin e nos sugere que a expressividade de uma palavra expressa, não só relação com
e sobre aquilo do que se fala, mas, também, a própria relação do sujeito-falante com as
palavras do seu interlocutor. Melhor dizendo, “o sentido da voz em Bakhtin é mais de
ordem metafórica, porque não se trata da emissão vocal sonora, mas da maneira
semântico-social depositada na palavra”. (DAHLET, p. 264).
Nossa fala e nossos enunciados estão repletos de palavras dos outros,
caracterizadas em graus variados pela alteridade ou pela assimilação, pelo emprego
consciente ou não das palavras do outro. Desse modo, as palavras dos outros
introduzem o seu próprio “tom valorativo”, a sua própria expressividade que, por sua
vez, assimilamos, reestruturamos e modificamos, atribuindo novas expressividades e
novos tons valorativos.
Desse modo, na tese bakhtiniana, as palavras, habitadas que são pelas vozes dos
outros, são portadoras de visões de mundo e nesta perspectiva o autor irá confirmar a
linguagem não só como criação ideológica, mas, sobretudo, irá afirmar ser ela
inextricavelmente constituída pela dimensão dialógica. Esta dimensão implica em
conceber os enunciados de uma relação interativa e dialógica, entre sujeitos, mediados
pela palavra.
Na dimensão dialógica, não apenas estão presentes as vozes das pessoas que
imediatamente deles participam do diálogo, mas as vozes distantes que transitam no
presente da interação verbal, dando-lhes e/ou confrontando-lhes sentidos. Será, assim,
através dos diálogos vívidos, vividos ou imaginados que os sentidos refletem e se
confrontam no e durante o percurso das amplas temporalidades contextuais em que
presente e passado convivem coetaneamente, desenhando círculos infinitos de sentidos
em que o futuro, também, é o seu destino.
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pesquisas, mantenho minha escuta em Bakhtin para dizer que estes enunciados formam
textos. Sendo textos, os enunciados constituem uma realidade imediata que habita os
diversos campos de preocupações das ciências humanas, pois, sem textos não há objeto
de estudos e de pensamento...
Os enunciados, enquanto textos, nascem do pensamento humano expressão das
relações dialéticas e dialógicas do ser no mundo. É por isso que os textos nunca podem
ser traduzidos até o fim, pois não existe um texto dos textos, potencial e único. Decorre
daí a ideia de o sentido ser potencialmente infinito.
O diálogo, assim, sugere a imagem de uma espiral cujo movimento de
circularidade não nos permite identificar o seu início ou seu fim, pois, na relação
dialógica vivenciada pelos sujeitos em um contexto social, os enunciados são criados e
recriados por tempos e espaços diversos, são polifônicos animados por múltiplas vozes
em réplicas, as vozes de muitos.
Entemos que no diálogo o “outro”exerce papel ativo na construção da
enunciação e na produção dos sentidos sobre o que e com quem queremos dialogar. É
com o “outro” que aprendemos a moldar a nossa fala e a construir a nossa consciência
sobre o mundo. Todo diálogo é sempre habitado, sendo construído interna ou
externamente - seja pela presença real ou imaginária com o “outro” – pelos enunciados
daqueles que o antecederam e por todos aqueles que irão sucedê-lo. Daí, a voz presente
de Haydèe para quem este texto se dobra como tributo e se faz homenagem às vozes das
companheiras e companheiro que continuamos “acampados” no Vozes, o que nos
permite afirmar que um inventário deste núcleo de pesquisa e extensão é escrito e
atualizado a cada texto que escrevemos e partilhamos na ciranda das “palavras-tendas”.
Referências
ALVARENGA, M. S.; TAVARES, M.T. (Orgs.) . Poder Local e Políticas Públicas
para Educação em periferias urbanas do estado do Rio de Janeiro. 1. ed. Rio de
Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2015
BAKHTIN, M.. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
______. (Volochinov).Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
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______. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Cortez, 1989.
ROSA, J. G. Grande Sertão: veredas. 15ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982.
______. A letra e a voz: a literatura medieval. Trad. Amálio Pinheiro e Jerusa Pires
Ferreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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106
Doutoranda do PPGEdu,FFP UERJ.
107
Doutora do PPGEdu,FFP UERJ.
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como a partir do século XVII e ao longo do século XVIII surgiram técnicas de poder
centradas no corpo individual, ou seja, os procedimentos pelos quais se assegurava nas
escolas, no exército, nas oficinas, nos hospitais a distribuição espacial dos corpos
individuais: sua separação, seu alinhamento, sua colocação em série e vigilância que se
exercia sobre ele. Deste modo, o filósofo procurou mostrar como as técnicas que
buscavam aumentar a produtividades dos corpos por meio da vigilância, hierarquia e
inspeção vinculou-se a uma modalidade de poder sobre a vida que se aplica aos vivos, à
população e à vida se associa ao discurso racista e à luta das raças (Cf. MOTTA: 2003,
p. 08).
Essa transição da disciplina para um biopoder não anula a primeira, mas
articula-se a ela. Trata-se de uma governamentalidade, que foca na multiplicidade dos
homens que formam “(...) uma massa global, afetada por processo de conjunto que são
próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença,
etc..” (FOUCAULT: 1999, p. 289). A tomada do poder sobre o corpo, que de acordo
com os estudos foucaultianos se deram no século XVIII inaugurando uma sociedade
disciplinar e no século seguinte sobre o corpo da população, inaugurando um biopoder
contribuem para o estudo sobre as instituições educacionais no Brasil e em particular da
Escola Orsina da Fonseca, já que, essa instituição corrobora para a compreensão dos
debates sobre higiene, raça, gênero e controle populacional. As relações intricadas do
poder-saber estudadas por Foucault fomentam uma análise dos documentos da escola
capaz de perceber o funcionamento destas técnicas disciplinares e da biopolítica
presentes no Brasil da virada do século XIX e início do século XX.
A analítica do poder na modernidade realizada por Michel Foucault serve para
refletirmos sobre as instituições brasileiras, tal como, as escolas; já que o Brasil com
uma cultura política e intelectual eurocêntrica não ficou imune aos mesmos processos
da biopolítica diagnóstica por ele, na sociedade francesa na virada do século XX. A
biopolítica trata sobretudo do cuidado com a população demonstrado pelo estado por
meio de pesquisa, estudos e levantamento de dados como as taxas de natalidade e
mortalidade, de longevidade, reprodução e fecundidade- capaz de facilitar a gestão da
população a fim de evitar os custos econômicos com uma população doente. Trata-se
enfim de otimizar o tempo de trabalho do homem-corpo e do homem enquanto espécie.
As doenças, epidemias e anomalias diversas tornam-se, enfim, um caso de higiene
pública e, por conseguinte de educação.
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pelas grandes avenidas, como dar esmolas aos pobres, a forma de se vestir
publicamente, a imposição de hábitos de higiene e a vacinação coletiva, o saneamento
público, dentre outros aspectos que privilegiavam a moralização da população carioca,
criando e difundido para o país a ideia de civilização.
Mas como propagar essas novas normas de forma rápida e que a população, em
sua totalidade analfabeta, conseguisse entender? Nesse momento o Estado Brasileiro
utiliza-se da fotografia para propagar uma nova visão de mundo.
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(...) parecem terem sido produzidas para a exposição, divulgação das práticas
pedagógicas, como propaganda e testemunho da façanha do estado como
educador, ao mesmo tempo cumprindo uma função educativa da população e
representativa do que e do como deve ser o feminino na sociedade.
(BOANTO: 2009, p. 03)
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eugenista e higienista que articulava educação e saúde. Trata-se de uma história que se
passa na “Era da higiene” (ROCHA: 2003), onde o disciplinamento da população, por
meio da articulação da higiene e da moral tornavam-se imperativos. Para Almeida
Junior a educação era, naquele momento, compreendida como a arte de formar hábitos,
objetivando assim:
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Imagem 07: Arquivo permanente da E. M. Orsina da Fonseca. Acervo CMOF -Série: Pastas
das Alunas - Arquivo da Aluna Rachel Filgueiras Vianna, matriculada em 07/06/1927 no
Instituto Profissional Feminino Orsina da Fonseca
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que elas sempre funcionam produzindo saberes em função das relações de poderes que
extrapolam as instituições e o aparelho de estado estando presente nas atividades
humanas mais cotidianas.
Foucault demonstrou a positividade desta relação saber-poder fundamentalmente
em seu trabalho sobre o nascimento da prisão moderna observando que o olhar
normativo se prolifera nas inúmeras estratégias como de controle e vigilância, junto
com todo um aparato médico-pedagógico e judicial que irá compor uma ortopedia
moral com a finalidade de formar subjetividades dóceis.
Mas, foi ao mudar a direção teórica e metodológica da sua História da
Sexualidade, nas obras O uso dos Prazeres e O Cuidado de Sique as práticas discursivas
passaram a serem entendidas por Foucault, como um modo pelo qual o indivíduo se
relaciona consigo mesmo, isto é, como meio de subjetivação exercida pelo indivíduo a
fim de tornar-se um sujeito que porta certos valores estéticos e éticos. Deste modo, as
práticas discursivas nos constituem historicamente, fazem parte de uma experiência, que
correlaciona numa cultura, saberes, tipos de normatividade e formas de subjetividade
(FOUCAULT: 2001, p.10).
É nesse sentido que as práticas discursivas que podemos analisar a partir das
imagens e documentos da escola serão compreendidas como objeto de estudo e análise
social, histórica, política e pedagógica das instituições educacionais da primeira
república. Sendo observadas as práticas educacionais, os procedimentos disciplinares,
as estratégias e as relações de poder o olhar deste trabalho se dirigirá para o
funcionamento dessas relações de poder-saber como instituidores de identidades
femininas reconhecidas socialmente como ideais.
A maneira de proceder sua investigação e as reflexões suscitadas pela obra de
Foucault como um todo tornou possível a elaboração da pesquisa que dá origem a esse
artigo que compreende a subjetividade dos indivíduos como uma construção sócio
histórica e cultural. Isto é, entende-se que o ser humano torna-se sujeito, como por
exemplo, de uma sexualidade, a partir de suas vivências entre práticas sociais e normas
que, de acordo com Foucault, são sempre efeitos de poder.
Essas questões são fundamentais quando tratamos de analisar os documentos de
uma escola voltada a educação das mulheres na virada do século XIX para o século XX
e nas primeiras décadas deste último. Afinal de contas, trata-se de pensar a educação
levando-se em conta a outras categorias e marcadores sociais como raça e gênero. No
caso da Escola Orsina da Fonseca cabe destacar a concepção hegemônica de que:
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feminina como algo que é fabricado de acordo com a cultura e suas práticas sociais, na
qual a escola é um elemento fundamental.
Referências
ALMEIDA JUNIOR, A. O saneamento pela educação. 1922. Tese (Doutorado) –
Instituto de Hygiene, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São
Paulo.
BONATO, Nailda Marinho da Costa. “Uma escola de formação profissional para o sexo
feminino Distrito Federal: a Escola Profissional Paulo Frontin (1919)”. Caxambu, 2001.
Trabalho apresentado na XXIV Reunião Anual da ANPED.
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PAIM, Antonio. Momentos decisivos da história do Brasil. São Paulo: Martins Fontes,
2000.
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O presente texto nasce sem que houvesse pensado no tema das pipas ou, ainda,
no "I Festival de Pipas da Nicanor", atividade desenvolvida na Festa do Folclore em
agosto de 2002. Apresentando um álbum de fotografias à prof.ª Regina Leite Garcia,
que trazia fotos da escola e de algumas práticas desenvolvida por nós que trabalhamos
na Nicanor, fui chamada à atenção sobre as fotos de pipas no corredor da escola. Regina
me pediu para falar um pouco como o festival de pipas havia sido tecido. Não
imaginava que, ao contar o episódio, iniciava mais um capítulo da dissertação. Regina
sugeriu, então, que escrevesse sobre o tema “I Festival de Pipas da Nicanor”.
No momento do festival, não imaginava que a prática de fazer pipas pudesse ser
explorada; descuidei do material que poderia aprofundar na dissertação. O ainda não-
saber o que poderia ser transformado em material de pesquisa não impossibilitou que o
texto fosse escrito e também que fossem realizadas reflexões sobre as potencialidades
que pudessem vir a surgir a partir da dissertação.
Escrever o texto representou um desafio, pois teria que retomar meses e
recuperar dados que havia deixado de lado. Puxei, então, alguns fios me preocupando
principalmente com o processo de preparação, organização e com os conhecimentos que
estariam surgindo ao discutir o festival de pipas. Não sabia que caminhos
metodológicos tomar e optei por conversar com as pessoas que participaram do festival
e, a partir desse ponto, ou seja, da conversa com aqueles que realizaram o festival, fui
buscando outras pessoas, registrando falas e imagens dos “pipeiros” do Município de
São Gonçalo para que pudesse compreender em que o festival da Nicanor
potencializaria os sujeitos que nela estão.
Deste modo, ao escrever o texto, fui desenvolvendo duas preocupações na busca
de compreender o cotidiano da Escola Nicanor. A primeira é como, cotidiana e
coletivamente, os sujeitos escolares dialogam para organizar e realizar as atividades que
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fazem o movimento da escola; a segunda diz respeito aos encontros dos conhecimentos
curriculares, aqui entendidos como os oficialmente escolhidos para o processo ensino-
aprendizagem, e os saberes que os sujeitos escolares trazem de suas redes de formação
para além da escola. Assim, fui trabalhando com os sujeitos escolares, os sujeitos não-
escolares, as fontes de livros, revistas, fotografias, as conversas informais e as reuniões
formais, tecendo uma rede não como uma imagem acabada, mas como conhecimentos
que são tecidos a partir de certos fios que vão sendo trançados, de outros fios que vão
sendo deixados provisoriamente de lado, de outros tantos que vão sendo destrançados
(Azevedo, 2001, p. 64).
A cena tem início no final do 1º semestre de 2002, durante as reuniões de
planejamento, quando pensamos nos eventos que deveriam acontecer entre agosto e
dezembro. No retorno do recesso de julho, no entanto, estávamos com a escola em obra
e eram muitas as dificuldades decorrentes disso; por isso, a equipe precisou rediscutir
como se organizar para o segundo semestre. Na primeira reunião, Janaína, orientadora
pedagógica, trouxe, como um dos pontos de pauta, a realização de uma atividade
cultural para atender à solicitação do Departamento de Cultura da SEMED. Marcelo,
professor de Educação Física, propôs a realização de um evento que pudesse recuperar a
ideia da festa junina, que deveria ter acontecido em julho, sugerindo, então, uma festa
do folclore, a ser realizada em 10 de agosto.
Devo acrescentar que o dia do folclore, comemorado no mês de agosto, foi
instituído nos calendários das escolas, nos anos duros de ditadura, especificamente em
1965, em decreto do presidente Castelo Branco. Os estudos realizados sobre o tema até
este período – que ampliavam as discussões do folclore e da cultura popular como
ciência e campo de estudo – foram deixados de lado.
A forma que conhecíamos dos modelos experimentados nas comemorações
sobre o tema nas escolas em que atuamos não nos permitiu, naquele momento,
problematizar o folclore e a cultura popular como campo de estudos e de pesquisa.
Ampliar os conhecimentos sobre costumes, crenças, músicas, ou seja, sobre os saberes
pertencentes à cultura de nossos alunos/as, não foi possível com a compreensão que
tínhamos e ainda hoje temos sobre folclore e cultura popular. Porém, Ana, ao levantar
hipótese de uma atividade que fosse diferente das já conhecidas, abre a possibilidade de
outras reflexões e ações. Discutindo sobre as atividades que aconteceriam durante a
festa e considerando a fala da professora Ana, Janaína propôs que talvez pudesse existir
um espaço para apresentação de pipas. O grupo achou a ideia interessante como uma
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momento, deixamos escapar, este poderia ter sido um dos espaços/tempos em que
saberes cotidianos e saberes escolares se trançariam.
Neste sentido, mesmo que nós da equipe não tivéssemos realizado discussões
direcionadas de quais conteúdos e atividades as crianças realizariam com o festival de
pipas, ficam claras as marcas trazidas de um currículo restrito. Cumpríamos uma
atividade que tinha como objetivo comemorar uma data do calendário escolar, "o dia do
folclore". Ao mesmo tempo em que cumpríamos este calendário, possibilitávamos,
ainda uma maior visibilidade na escola, dos pipeiros e da cultura das pipas.
O festival em si não foi novidade como atividade do folclore, pois podemos
encontrá-lo como parte das atividades folclóricas de outras escolas. Ele representou em
si a oportunidade de explorar conhecimentos que pouco são lembrados e legitimados no
universo da escola Nicanor ou no universo educacional, pois os festivais de pipas fazem
parte, pelo menos há dezenove anos, da cultura municipal. O evento mais conhecido de
pipas acontece no maior clube do município, o Clube Mauá, entre outros festivais, como
o Festival do Coroado, que tem apenas quatro anos.
O festival – como uma atividade cultural e extracurricular planejada pela equipe
durante as reuniões formais e as reuniões informais que aconteciam nos corredores e
salas de aula – foi acontecendo desde o retorno às aulas, em agosto, até o dia da festa. A
atividade foi sendo divulgada e conversada em todas as turmas, e as perguntas mais
frequentes dos alunos e das alunas que desejavam participar eram sobre como se
inscrever. Uma das meninas que participou perguntou à Patrícia: Meninas podem
participar? Como se somente meninos fizessem pipas.
A preparação do festival aconteceu por duas semanas, e não poderíamos saber
como estariam sendo produzidas as pipas, que nos chegavam prontas. Experiências e
fazeres foram sendo tecidos praticamente fora da escola.
No dia da festa, o festival teria seu ponto culminante com a avaliação das pipas
através de critérios e normas determinadas pela equipe e que já fazem parte dos festivais
do município. Os critérios são: a pipa mais bonita, a maior, a menor e a mais original. A
entrega das medalhas realizou-se no palanque montado para as apresentações da festa
do folclore.
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VII Seminário Vozes da Educação
passou a fazer parte do calendário escolar da Nicanor, pois voltaria a acontecer no ano
seguinte.
Chama-me a atenção, como orientadora educacional da escola, que o espaço de
reunião seja favorável a que todos/as apresentem suas ideias, ampliando e discutindo a
“pauta”, que apresenta, geralmente, o retorno do que foi discutido em outros encontros,
o trabalho a ser realizado durante o mês e informações gerais do município e da escola.
Poder falar, expondo suas ideias e ser ouvido, ainda é um processo difícil no
coletivo. Difícil por provocar medo, insegurança e outros sentimentos que pertencem ao
homem e à mulher. Sujeitos que, em uma sociedade excludente e desigual, são
educados a ouvir e se calar, haja vista a tradicional frase "Cala a boca menino/a" ou
ainda "Aqui eu falo e vocês obedecem". Pessoas que, quando necessitam brigar por seus
direitos, escutam: "Sabe com quem está falando?",fraseque expõe as relações de poder
que constituem as relações pessoais e sociais. Sujeitos que recebem uma educação –
seja ela escolar ou não (nas famílias, igrejas, reuniões de bairro) – que os leva a aceitar
escolhas prontas, que não podem ser discutidas e questionadas. Freire (1976, p. 49)
observa que
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Freire afirma ainda que os estudos em si, ou seja, a base teórica necessária que
se adquire, não é suficiente para uma prática competente, segura, que favoreça o
exercício da autoridade. Resume que os profissionais podem ter uma excelente
formação teórica, "mas serem autoritários a toda prova” (1996, p. 103).
Neste sentido, as discussões realizadas puderam ir tecendo com maior segurança
o festival de pipas e, ao mesmo tempo as relações entre os profissionais da Nicanor.
Identificar no coletivo a atuação do outro – a firmeza ao apresentar as propostas,
respeitando decisões, não aceitando algumas como, por exemplo, o fazer das pipas na
escola, a falta de tempo para a orientação neste fazer, o não saber fazer pipas trazido
pela professora – me fez reconhecer que esse grupo busca trabalhar de forma coletiva e
que a autonomia de que nos fala Freire pode estar sendo tecida.
O próprio festival das pipas, que nasceu nos diálogos travados nas reuniões,
buscou modificar a forma como estávamos atuando nas atividades do folclore. Na
reflexão sobre a atividade, fui encontrando algumas faltas como, por exemplo, explorar,
junto aos sujeitos escolares, os diferentes conhecimentos que podíamos desenvolver no
espaço escolar.
O fazer das pipas em casa, as discussões que poderiam ser produzidas em sala de
aula e o próprio brincar com as pipas na escola são faltas que, além de apresentarem
omissões do que poderia ter sido esta atividade, me leva a refletir de que pode haver a
ampliação da atividade em outros momentos no próprio espaço escolar. A
potencialidade desta prática vai sendo desdobrada no momento em que assumo as faltas
não como impossibilidade, mas como possibilidades de ampliações e reflexão para
outros fazeres, outras práticas e de crescimento da autonomia do grupo.
O festival representou uma ação que fez nascer uma boa parte das reflexões
presentes neste texto, reflexões que foram sendo trocadas cotidianamente, nos últimos
oito meses, no grupo da Nicanor, em conversas que reconstroem e ampliam a prática
refletindo em mudanças na realização do II Festival de Pipas da Nicanor.
Assumindo as faltas, necessitei ampliar, na pesquisa, conhecimentos sobre como
aconteceu o festival de pipas; durante a escrita do texto, busco fontes diversas para
melhor explorar os conhecimentos não explicitados pelos "fazedores" das pipas do
festival da Nicanor. Nesta busca, fui descobrindo muito sobre o tema, desdobrei
conhecimentos que poderiam ter sido explorados com os/as alunos/as durante o mês,
tive acesso ao como fazer, aos macetes para esse fazer, às formas de soltar, ou ainda à
própria história das pipas.
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práticas que nos levem a desenvolver outras concepções que reconheçam o ser sujeito, o
“ser mais”.
Neste momento, me pego meio distante, como se estivesse voando ao refletir
sobre o texto. Detenho-me, então, em uma imagem que se fixa em meus olhos e que me
leva a dialogar com o mesmo: a janela do meu quarto. Olhando para fora, vejo pipas
presas aos fios em frente à minha casa. Hoje, 2 de janeiro de 2003, segundo dia do ano,
os fortes ventos confirmam a "estação das pipas". Tenho, em vários momentos do dia, a
gritaria dos meninos e uma menina, a Tainá, que solta pipa com seu pai, pedindo – Tia
me arruma a pipa que caiu no seu quintal! Volto aos dias de aula na escola e aos/às
alunos/as que, também de férias, podem estar soltando suas pipas, e penso: quantos
novos conhecimentos estarão sendo produzidos fora da escola.
Nos fios soltos do pensamento que teço a partir de minha janela, das pipas
presas aos fios, que se misturam às vozes das crianças e às reflexões da dissertação,
aumento o meu desejo de que, ao iniciar mais um ano letivo, e quando chegar agosto, as
pipas possam retornar à escola. E digo: voltem e voltem sempre de formas diferentes
das que já conhecemos, pois assim poderemos criar, sonhar e transformar, quem sabe,
nossas realidades.
Referências
ALVES, N. & MACEDO, E. & OLIVEIRA, I. B. & MANHÃES, L. C. (2002): Criar
currículo no cotidiano. São Paulo: Ed. Cortez.
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______. (1976): Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FREIRE, P. & FAUNDEZ, A. (1985): Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro:
Paz e Terra.
______. (1984): “Um Currículo a favor das classes populares”. In Cadernos CEDES, Nº
13. São Paulo: Ed. Cortez.
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Amália Dias
FEBF-UERJ/EHELO/PPGECC
amaliadias@gmail.com
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dependia da lotação e da frequência dos professores, pois a cada um deveria caber uma
classe, que era, por sua vez, o critério para aferição do número de escolas existentes.
Outro acervo documental importante para o estudo de sujeitos que exerceram o
magistério em Iguaçu são as fotografias da Coleção Arruda Negreiros.
As ações do prefeito Arruda Negreiros em prol das comemorações do centenário
(DIAS, 2019) incitou a produção de uma coleção de fotografias que ele encomendou.
Até o momento, sabe-se que esse acervo foi composto por fotografias das estradas e das
escolas do município. Os pesquisadores da região referem-se ao conjunto de fotografias
como “Coleção Arruda Negreiros”. Percorrendo os acervos do Instituto de Pesquisas
Históricas e Análises Sociais da Baixada Fluminense ( IPAHB), do Instituto Histórico e
Geográfico de Nova Iguaçu (IHGNI) e de particulares, foi possível reunir e digitalizar 76
fotografias de escolas.
Esse conjunto não é o acervo completo de fotografias de escolas. Não houve
acesso ao conteúdo do álbum na sua integridade. Em algum momento, o álbum foi
desfeito, as fotos foram distribuídas, pelo que se pode notar, conforme a área de atuação
desses pesquisadores e instituições. Assim, fotos de escolas do distrito-sede ficaram
com o Instituto Histórico e Geográfico de Nova Iguaçu, fotos de escolas de São João de
Meriti foram depositadas no Instituto de Pesquisas Históricas e Análises Sociais da
Baixada Fluminense (IPAHB).
Até agora, somente por ocasião de pesquisa de doutorado (DIAS, 2014)é que
parte dessas fotografias foi novamente reunida, sob a forma digitalizada. Não foi
recomposto o acervo de fotografias das estradas. Não foi descoberto se a prefeitura, ou
outro pesquisador, possui outra edição ou cópia da coleção.
Estamos atribuindo a datação das fotos ao ano de 1933. Nesse caso, elas foram
produzidas após os festejos do Centenário. De fato, no periódico local Correio da
Lavoura, não localizamos menção a iniciativa do prefeito na cobertura feita do grande
rol de iniciativas que ocorreram em prol do centenário, comemorado no mês de janeiro.
E há outros indícios, quando comparamos as fotos com os mapas de frequência escolar.
Por exemplo, há uma fotografia como legenda de Escola feminina Jeronimo de
Mesquita (FDE, APERJ, 02694), mas aparecem meninos na imagem. No dossiê de
mapas desta escola, ela passa a ser identificada como escola mista em outubro de 1932.
O cruzamento das legendas das fotos com os dossiês também permite a
comparação entre a quantidade de docentes que aparecem em determinadas fotos e a
composição do quadro docente que é registrado nos mapas do ano de 1933. Por isso, em
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
alguns casos, as oscilações de registro nos mapas confluem com o número de docentes
que aparecem em algumas fotos. Ainda pretendemos iniciar, na imprensa fluminense,
uma pesquisa sobre os preparativos para o centenário de Iguaçu, para ver se é
mencionada a iniciativa de fotografar escolas e estradas.
A fotografia, tal como qualquer registro instrumentalizado como fonte pelo
historiador, precisa ser problematizada e interrogada. Recompor a origem e trajetória do
acervo e as possíveis imbricações com outros documentos ou fotografias amplia as
possibilidades de uso para além de insuficientes, e por vezes, inadequados, recursos de
ilustração (Mauad, 2009, p.254).
O ato de fotografar serviu para documentar acontecimentos, sendo utilizado pela
imprensa e pelos governos. O empenho das administrações públicas em registrar através
de fotografias realizações como obras e construções esteve presente desde fins do
século XIX (Vidal, 1998, p.81). Em função do estatuto de credibilidade e de evidência da
narrativa imagética, utilizava-se o registro fotográfico para atestar e propagandear as
ações dos governantes em prol do progresso e da modernidade.
Essa finalidade deve ser considerada para situar o acervo fotográfico, no caso de
estradas e escolas fotografadas em Nova Iguaçu. É no rol das iniciativas pelo centenário
de fundação da Vila de Iguaçu que a Prefeitura encomenda as fotografias. Tanto as
escolas quanto as estradas eram concebidas como mediações para a construção da
modernidade e do progresso em Iguaçu: “O que está em jogo, atualmente, no estudo da
imagem é justamente sua situação na sociedade que a produziu e a recebeu como forma
de representação social, ou seja, como suporte de uma experiência social passada,
elaborada a partir de um conjunto de mediações culturais específicas” (MAUAD, 2009,
p.255).
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Entre as quatro escolas estaduais que possuem mais de uma docente é relevante
o registro de treze cargos no Grupo Escolar Rangel Pestana. No quadro docente do
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
grupo escolar, das treze professoras, apenas uma é “interina não diplomada”, Maria
Amelia Kelly Marques. Todas as outras são diplomadas e concursadas.
Interessante notar que em todas as escolas municipais só havia uma docente
lotada e todas funcionavam em apenas 01 turno. Entre as escolas estaduais, além do
expressivo número de docentes no grupo escolar, 03 outras escolas tinham registro de
mais de uma docente e, juntamente com o Grupo Escolas, pelo menos 04 escolas
estaduais funcionavam em mais de um turno em 1933.
Outro resultado importante desse cruzamento de informações entre legendas de
fotografias e mapas de frequência escolar foi a organização da exposição fotográfica
Retratos da escolarização em Iguaçu(1933). As imagens das escolas foram organizadas
entre escolas municipais e estaduais, e, além dos nomes das docentes, são informadas os
modos de organização de cada escola, entre turnos, classes e séries, ao longo do ano de
1933.
A diversidade de nomenclaturas de situações funcionais do magistério público
municipal e estadual e os deslocamentos das docentes entre escolas da região que são
observados fomentam a investigação de trajetórias individuais, mas demonstram
também as dinâmicas de um movimento mais amplo do que foi a experiência de
institucionalização das escolas. É da posição de análise da história de sujeitos no
território que se descortinam aspectos do “fazer-se magistério”. Assim, outra fonte
fundamental para a continuidade do projeto é a hemeroteca da Biblioteca Nacional. A
partir de buscas pelos nomes das docentes, principalmente das professoras concursadas
do Estado, é possível enveredar por trajetórias individuais e flagrar as docentes desde a
formação na Escola Normal de Niterói, lotação para Iguaçu e recebimento de
gratificações por tempo de magistério, como acontece quando são pesquisados os
nomes de Camilla Leonidia Netto e Venina Correa. As imagens dessas docentes e dos
alunos também colocam as questões de raça, gênero e classe como perguntas para o
campo da história da educação.
Referências
ALEXANDRE, Maria Lúcia Bezerra da Silva. Um cenáculo de letrados: Sociabilidade,
imprensa e Intelectuais a partir da Arcádia Iguassuana de Letras (AIL) (Nova Iguaçu,
1955-1970). Nova Iguaçu, 2015. Dissertação em história na Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, Instituto de Ciências Humanas e Sociais/ Instituto Multidisciplinar.
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VII Seminário Vozes da Educação
CABRAL, Vivian da Silva. Maria Rosa Paris e Augusto Monteiro Paris: experiências
de magistério em Iguaçu (1875-1935). 2017. Trabalho de Conclusão de Curso.
(Graduação em Pedagogia) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2017.
MACEDO, Elza Dely. Ordem na casa e vamos à luta! Movimentos de mulheres, Rio de
Janeiro:1945/1964. Lydia da Cunha: uma militante. Tese, doutorado em história, UFF,
Rio de Janeiro, 2001.
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SANTOS, Júlio Cesar Paixão. Cuidando do corpo e do Espírito num Sertão Próximo: A
Experiência e o Exemplo da Escola Regional de Meriti (1921-1932). Dissertação
(Mestrado em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz. Casa de
Oswaldo Cruz, 2008.
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VII Seminário Vozes da Educação
Angélica Borges
UERJ
angelicaborgesrj@gmail.com
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 934
VII Seminário Vozes da Educação
Mas se não havia habilitados em número suficiente, como fazer a escola criada entrar
em exercício ou garantir o funcionamento da escola vaga? Essa era uma questão que
merecia considerável atenção das autoridades nos relatórios e que dava visibilidade ao
problema de viabilizar a ampliação da escolarização na província, que passaremos a
analisar a seguir.
Primeiramente importa destacar que a lei de criação da Escola Normal trata da
formação de professores, mas também regulou aspectos das escolas públicas primárias.
A lei de criação da Escola Normal de 10 de abril de 1835 estabeleceu no primeiro artigo
que a referida instituição tinha como objetivo habilitar as pessoas “que se destinarem ao
magistério de instrução primária, e os Professores atualmente existentes, que não
tiverem adquirido a necessária instrução nas Escolas de Ensino na conformidade da Lei
de quinze de Outubro de mil oitocentos e vinte sete, Artigo quinto”. 108 Portanto, os
professores que não haviam se habilitado no ensino mútuo nas “escolas das capitais”
tornavam-se por lei obrigados adquirirem a habilitação pela Escola Normal. O artigo 10
estabeleceu que os professores das escolas públicas aprovados nos exames da Escola
Normal estavam habilitados para continuarem a reger suas cadeiras, já os reprovados
perderiam o direito a elas. O mesmo artigo define que os alunos da escola normal,
denominados de “escolares”, que forem aprovados “serão mandados a substituir os
Professores que forem chamados a frequentar a Escola Normal.”
Os professores em exercício que descumprissem a norma estavam sujeitos a
penalidades previstas no artigo 12:
Portanto, segundo a norma, para o professor que não possuísse uma “justa
causa”, restava optar por cursar a Escola Normal ou se aposentar. No caso dos
pensionistas, alunos que recebiam abono de vinte mil réis mensais para cursarem a
108
Art. 5 Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que couberem com a suficiência nos
lugares delas, arranjando-se com os utensílios necessários à custa da Fazenda Pública e os Professores
que não tiverem a necessária instrução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus
ordenados nas escolas das capitais (Lei Geral de Ensino de 15 de outubro de 1827).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
escola normal, eram obrigados a assumir uma cadeira após se habilitarem. A recusa
incorria na devolução da quantia recebida aos cofres públicos109.
Observa-se uma tentativa de garantir tanto a habilitação quanto o
recrutamento de professores para o ensino público. O governo obriga os professores em
exercício a cursarem a Escola Normal e obriga o aluno pensionista a entrar em exercício
no magistério público. O mecanismo da obrigatoriedade só não funcionou com os
alunos que não eram nem professores públicos nem pensionistas, o que gerava certo
desapontamento das autoridades, como sugerem os relatórios de governo ao registrarem
a existência de alunos formandos que desistiram do ofício ou optaram por abrir escolas
particulares, deixando dessa forma de compor a estatística de normalistas aproveitados
no ensino público.
Conforme já assinalado, o decreto de criação da Escola Normal também
normatizou aspectos da escola pública primária, na medida em que os artigos 10, já
mencionado, e 15 impactam diretamente no funcionamento das escolas. O artigo 15
suspendeu “o provimento de Cadeiras de primeiras Letras vagas, ou que vagarem, até
que na Escola Normal se habilitem pessoas que as possam servir”110.
No entanto, ao mesmo tempo em que a norma impede o provimento de cadeiras
das escolas públicas primárias por pessoas sem habilitação, a Escola Normal parece não
conseguir formar um quantitativo suficiente e interessado em ocupar as mesmas
cadeiras. Nesse sentido, a previsão da existência de alunos pensionistas que recebiam
uma quantia para estudar na Escola Normal, segundo Villela (2000), visava atrair
indivíduos interessados em seguir a carreira do magistério.
Esse problema tornou-se motivo de grande preocupação de diferentes
presidentes de província que defendiam a formação pela Escola Normal e a exigência de
habilitação para lecionar, mas que se deparavam com a dificuldade de prover as escolas,
como relata o Presidente de Província Caldas Vianna, em 1844, ao tratar das escolas
criadas: “Destas cinco Escolas as duas primeiras acham-se providas; a terceira não teve
concorrentes e as duas últimas não foram postas a concurso por não haverem alunos da
Escola Normal aprovados, que as preencham” (Relatório do presidente João Caldas
Vianna, 01/03/1844, p.35).
109
O Regulamento de 1869 também estabelecerá a devolução dos valores pelo pensionista que “§ 4.° Se
recusar-se a exercer o magistério depois de habilitado, ou não quiser aceitar a cadeira que lhe for
designada pelo governo.”
110
Como nos alerta Faria Filho (1998), a lei entendida como prática social requer a distinção entre dois
momentos: o de produção e o momento de realização da lei.
sumário 936
VII Seminário Vozes da Educação
111
José Murilo de Carvalho afirma que o “império reviveu a velha prática portuguesa de fazer circular
seus administradores por vários postos e regiões” (2007, p.121) permitindo ao político ganhar experiência
e adquirir uma perspectiva menos provinciana.
sumário 937
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 938
VII Seminário Vozes da Educação
O presidente da província Luiz Alves Leite de Oliveira Bello que deu início ao
funcionamento da escola em 1862, defende que “Enquanto a escola normal nos não der
professores mais habilitados, do que aqueles, que atualmente se destinam ao magistério
público, julgo conveniente que haja a maior parcimônia na criação de novas escolas.”
(4/05/1862, p.113).
A solicitada “parcimônia” pode ter relação com o quantitativo de escolas criadas
e vagas a espera de professor, em 1862. No relatório do diretor da instrução, podemos
observar os dados acerca do estado do provimento das escolas naquele momento:
Foram criadas pelos decretos n. 1205, 1210, 1222, 4229 e 1253 mais 26
escolas: não se tendo, porém, consignado fundos para elas, deixaram de
ser providas [...]. Funcionam atualmente na província 112 escolas públicas
destinadas ao sexo masculino e 58 ao feminino, perfazendo todas o numero
de 170: juntando-se-lhes 21 em que não há ensino por falta de professores
efetivos ou interinos, e as 26 criadas pelos decretos supra citados, eleva-se o
número das escolas que tem de servir no ano de 1863 ao de 217 [...].
(Relatório do Diretor Thomas Gomes dos Santos, 8/09/1862, p.7, grifos
nossos).
sumário 939
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
No ano de 1863 para 1864 foi ele frequentado por 55 alunos, no de 1864 para
1865, por 63; dos alunos aprovados plenamente em todas as matérias do
curso, quatro tem sido elevados ao magistério público e o exercem muito
vantajosamente, as escolas de Guapymerim e do Sertão da Saudade cuja
frequência média, quando regidas por antigos professores seria apenas de 5 a
7 alunos, tem-na hoje de 18 a 20. (Thomas Gomes dos Santos, 14/09/1865,
p.12).
Dois anos depois, em 1867, o diretor Thomas Gomes dos Santos, apresenta um
balanço dos dados da Escola112 e apresenta um outro problema:
No decurso de cinco anos tem a escola normal dado prontos trinta e três
alunos-mestres, treze do sexo masculino e vinte do feminino; deles acham-se
dez empregados no magistério publico, e um no lugar de amanuense da
diretoria de fazenda, lugar conquistado em público concurso. Cinco exercem
o magistério particular, os mais esperam a idade regulamentar. No
corrente ano se habilitarão provavelmente oito, quatro de cada sexo. De
Junho de 1866 a Junho de 1867 foi a escola frequentada por sessenta e oito
alunos, trinta e sete do sexo masculino, e trinta e um do feminino; do total do
número de alunos trinta e nove são matriculados, e vinte e nove ouvintes
(Diretor Thomas Gomes dos Santos, 19/08/1867, p. 64, grifos nossos).
O problema da idade mínima para ser professor que era de 21 anos irá impedir
alguns alunos formados de entrarem imediatamente em exercício. Como a matrícula era
permitida aos que tinham 16 anos e o curso durava 3 anos, alguns alunos se formavam
com 19 e tinham que esperar dois anos para exercerem o ofício no magistério público.
Diante da urgência para prover as escolas públicas, o fato era considerado um “grave
inconveniente” pelo diretor da instrução Thomas dos Santos, em 1868, que ainda
alertava para os problemas causados pelos dois anos de espera com cessação dos
estudos.
A partir da década de 1870 há um crescimento significativo no número de
escolas, impulsionado pela Lei n. 2.040 de 28 de setembro de 1871, conhecida como
Lei do Ventre Livre, que coloca a educação dos ingênuos na pauta de discussões das
autoridades. Se, em 1870, o diretor da instrução registra a existência de 216 escolas, em
112
Em 1868, após a nomeação de José Carlos Alambary Luz para o cargo de diretor da escola Normal,
haverá relatórios relativos à instituição. Neles também podemos observar os dados levantados por
Alambary Luz, como os relacionados aos alunos: “Têm sido matriculados no primeiro ano do curso da
escola normal, desde sua abertura até o ano de 1867 inclusive, 39 alunos e 48 alunas; destes concluirão
seus estudos no ano de 1867 e foram aprovados plenamente 37, dos quais 13 do sexo masculino e 24 do
feminino entre eles contam-se 14 pensionistas, 8 do sexo feminino e6 do masculino: tiveram entrada no
magistério público 18, 10 do sexo masculino e 8 do feminino” (12/09/1868, p. 12).
sumário 940
VII Seminário Vozes da Educação
113
Em 1789, a então freguesia de Magé foi elevada à categoria de Vila. Segundo Alonso (2000, p. 54), o
território deste município contava com as freguesias de Nossa Senhora do Magepe, Nossa Senhora da
Guia de Pacobaíba, Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim, Nossa Senhora d’Ajuda de Guapimirim e
São Nicolau do Suruí.
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114
A escola masculina localizada no Porto da Estrela foi inserida no quantitativo de escolas da década de
1840.
115
Professores que frequentaram a Escola Normal: José de Castro e Silva, Manoel José do Valle, Albino
Alves de Azevedo, José Raymundo de Vasconcellos, Manoel José da Silva Guanabara, Wencesláo José
de Siqueira Junior, Eliziário Marques de Freitas, Francisco Antonio Augusto da Costa Almeida Barreto,
Ricardo Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, Narciso Pires de Siqueira, Alexandre Joaquim da Costa,
Antônio Bartholomeu da França. E as professoras: Claudina Custodia Ribeiro, Jacintha Tereza Soares
sumário 942
VII Seminário Vozes da Educação
Medella, Amelia Honorata da Matta, Joanna Rosa de Magalhães, Leopoldina Cordovil de Siqueira,
Anastácia Maria Desoudin, Virginia Maria da Silva Weingaster e Romana Augusta Barradas Muniz.
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116
Segundo dados do Almanak Laemmert faziam parte do Município ou Vila de Estrela quatro
freguesias: Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim (criada em 1868), Freguesia de Nossa
Senhora da Guia de Pacobaíba (criada em 1755), Freguesia de Nossa Senhora do Pilar (criada em 1696),
e o Curato de São Pedro de Alcântara (Petrópolis), fundado no dia 16 de março de 1843 pelo Imperador
Dom Pedro II. A partir do ano de 1857 o Curato de São Pedro de Alcântara emancipou - se, sendo
elevado à categoria de cidade tornando-se o que é hoje a Cidade de Petrópolis. Para essa análise e pelo
pouco tempo de permanência do Curato de São Pedro de Alcântara na configuração da Vila de Estrela, os
dados e as discussões aqui apresentadas não irão se debruçar sobre as informações referentes à
escolarização de Petrópolis, já que o mesmo veio a deixar de fazer parte do município em 1856.
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VII Seminário Vozes da Educação
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do regime político. Faleceu em 13 de julho de 1911, aos 71 anos de idade, segundo uma
nota de jornal que também informa que a professora exerceu o magistério público e
particular por 41 anos e que era titulada pela “primitiva Escola Normal desta cidade” (O
Fluminense, 14/07/1911, p.1).
Considerações finais
Podemos observar que a política de provimento das escolas públicas primárias
na Província do Rio de Janeiro com alunos egressos da Escola Normal apresentou uma
série de problemas como o baixo número de concluintes, desinteresse pela carreira do
magistério, o fechamento da Escola Normal e a adoção da política de formação pela
prática. As autoridades recorreram à estratégia de prover as escolas com professores
interinos para contornar a lei que obrigava o provimento com os habilitados normalistas,
de obrigar professores em exercício a cursarem a Escola Normal e os alunos
pensionistas a assumirem cadeiras públicas de primeiras letras.
A defesa da formação pela Escola Normal não era um consenso e isso se refletia
no perfil do corpo docente das escolas públicas da província diante das diferentes
decisões políticas e estratégias tomadas ao longo do tempo, sendo possível observar um
conjunto heterogêneo de professores com e sem formação específica. Essa
heterogeneidade gerava tensões entre as autoridades quando se tratava de discutir a
qualidade do ensino e as medidas a serem tomadas.
Apesar disso podemos observar também uma quantidade expressiva de
professores habilitados pela Escola Normal atuando nos municípios, como nos casos de
Magé e Estrela, e relatos do diretor da instrução acerca da melhora no “aproveitamento”
do ensino nas escolas da província em que atuavam os referidos professores. Embora os
discursos das autoridades governamentais presentes nos relatórios possuam a intenção
de dar visibilidade e valorizar os atos do governo, acompanhar trajetórias docentes e o
funcionamento das escolas no âmbito local permitem perceber com maior profundidade
os efeitos das políticas educacionais, conforme procuramos dar a ver enfocando os
municípios de Magé e Estrela.
Referências
ALONSO, José Inaldo.Notas para a história de Magé. Ed. do autor-Niterói, 2000.
CARVALHO, José Murilo. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro das
sombras: a política imperial. 3ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2007.
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VII Seminário Vozes da Educação
GINZBURG, C.; PONI, C.O nome e o como. Troca desigual e mercado historiográfico.
In: GINZBURG, C.; CASTELNUOVO; PONI, C. (orgs.). A micro-história e outros
ensaios. Rio de Janeiro, RJ /Lisboa, Portugal: Bertrand Brasil /Difel, 1991. p.169-178.
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O Império das Províncias: Rio de Janeiro, 1822-
1889. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. A legislação escolar como fonte para a história da
educação: uma tentativa de interpretação. In: ______. (Org.). Educação, modernidade e
civilização. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, p. 89-125.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Contexto de la experiencia
La Escuela Campesina Alternativa (ECA) es una institución Educativa privada,
que tiene como base la Educación Popular Alternativa, planteada como un conjunto de
procesos mediante los cuales las comunidades de base recuperan sus saberes,
reivindican sus conocimientos y abonan su comprensión del mundo en interacción con
conocimientos foráneos, sin subyugar los propios, con participación efectiva y
encaminados a la protección y conservación saludable de la tierra y el ambiente, sin
injerencias coloniales de ninguna índole. La ECA, tiene su ámbito de acción en la
comunidad de Pomabamba, que pertenece al distrito de Jesús, departamento de
Cajamarca.
Marco el contexto de la experiencia narrando una pequeña historia de cómo
comenzó este viaje, que por cierto tuvo boleto de ida, pero no de retorno. Remoto hacia
el año 2005 en el que la ilusión de pensar mi país, con mejores oportunidades para
todos, me llevó a acompañar a un grupo de jóvenes voluntarios extranjeros que
desembarcaban en Cajamarca para hacer una experiencia de desarrollo personal y apoyo
solidario en un país del “tercer mundo”.
En la Escuela nos hablan de desarrollo, país de tercer mundo, primer mundo, los
de arriba y los de abajo, norte y sur; conceptos que nos hacen situarnos en una
denominación de país del tercermundo, conquistado, dominado y colonizado por afanes
políticos, económicos y religiosos. No hablo de quienes nos conquistaron, pero la
fractura fue honda, las generaciones vienen - van y el Perú se ha convertido en un país
que no logra comprender su identidad, su raíz, su esencia. Nos es difícil saber de dónde
venimos y menos aún a dónde vamos; a pesar que análisis internacionales hablan del
Perú como un país emergente, con grandes oportunidades de desarrollo desde la
inversión privada, transnacionales, políticas económicas, educativas y yacimientos
mineros explotados y por explotar, que aseguran una esperada industrialización y el
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VII Seminário Vozes da Educação
Descripción de la problemática
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
sin embargo, la brecha entre Escuela y Universidad es cada vez más grande. Los
estudiantes deben pasar un proceso de formación preuniversitaria privado para acceder a
la universidad, lo que difícilmente se logra por el bajo nivel cognitivo con el que
termina la formación educativa secundaria.
La respuesta a la pregunta ¿Al servicio de quién está la Escuela?, Claudio
Naranjo responde:..La misión inconfesada de la educación es mantener a la gente igual,
que no cambie, la educación, yo digo, es el socio invisible… la educación es para tener
trabajadores, no para tener desarrollo humano y el problema, yo creo, es que sin
desarrollo humano, no hay evolución social, la sociedad está muy mal y tendría que
evolucionar la sociedad, para que se resuelva la crisis social multifacética. La
conciencia es nuestra esperanza. Como nos dice Claudio Naranjo en una entrevista con
RT Play Español “la Educación es un sistema creado por un sistema económico para
crear una fuerza de trabajo apropiada y para que la gente obedeciera a mandatos y para
que no pensara mucho en sí misma.”
Un sistema educativo valorado en cantidad de cuadernos completados en un año,
aunque con dibujo de fotocopias, con recortes de revistas, con láminas o 180 ejercicios
de prácticas de matemática que se realizan sin comprender para qué sirven en la vida
diaria.
La humildad nos ayuda a reconocer esta sentencia obvia, nadie lo sabe todo,
nadie ignora todo. Todos sabemos algo, todos ignoramos algo. La humildad,
que de ningún modo significa falta de respeto hacia nosotros mismos, ánimo
acomodaticio o cobardía. Al contrario, la humildad exige valentía, confianza
en nosotros mismos, respeto hacia nosotros mismos y hacia los
demás(FREIRE, 1996, pág. 60).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Una sala para biblioteca, que en este sentido es espacio físico de referencia de
libro, encuentro con la naturaleza, comodidad para leer, libertad para escoger, belleza
para imaginar y reflexionar. La biblioteca está más allá de grandes ambientes, muebles
y cementerios de libros a veces olvidados. La Biblioteca es el espacio de animación a la
lectura y escritura, herramienta fundamental de todo proceso de aprendizaje. Lectura
crítica
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Estrategia de trabajo
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VII Seminário Vozes da Educação
Cada área considera contenidos temáticos, los mismos que están articulados en
integrados en el proceso de aprendizaje en el sentido de ser reflexionados través de la
lectura que constituye una herramienta dinamizadora del aprendizaje y desarrollo
integral. La lectura se recrea en la posibilidad de construcción creativa de textos y
contextos.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Ambiente y Lenguaje y
geografía matemática
Ética y Sociedad
Historia de la
comundiad
Una comunidad
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VII Seminário Vozes da Educação
y de europa, sino que también somos ciudadanos y ciudadanas de un solo mundo (de
una comunidad global)
Desde esta propuesta educativa, crear comunidad implica que la Escuela deja de
ser un espacio cerrado y centrado en conocimientos,para pasar a ser un espacio
dinámico donde se movilizan diferentes actores, para construirse como familia,
hermandad. El maestro deja de ser maestro para ser alumno, facilitando el aprendizaje
desde las diferencias.
Reflexión – Aplicación
Construir una escuela como un espacio físico de encuentro comunitario y
desarrollo de aprendizajes, desde de la socialización y colectivización de saberes, donde
todos enseñan y todos aprenden y en el que las flores, sol, tierra, plantas,piedras, luna y
estrellas se ponen en sintonía para ser compañeras y compañeros inspiradores
deemociones para la literatura, el lenguaje, el dibujo, la pintura, tamaño y formas
matemáticas. Nuestra propuesta es un camino compartido hacia la construcción del
individuo dentro de una comunidad, en ese sentido, construyendo escuela, construimos
comunidad.
La metodología de proyectos nos muestra que todas las áreas articuladas sirven
para el desarrollo del aprendizaje desde el disfrute del pensamiento creativo, la
recuperación del saber ancestral, reflexión, preguntas, respuestas y participación
colectiva. En el que la lectura se convierte en el motor y herramienta de reflexión de
nuestra vida individual y colectiva. Leer y escribir nos convierte en este binomio
cómplice de ser lector y escritor que viaja en el vaivén del tiempo y el espacio.
La casa fue construida para ser una escuela, donde la edad sólo es la referencia
de madurez y crecimiento, no solo en el aspecto físico también intelectual, donde
aprendemos a respetarnos, desarrollar vínculos para relacionarnos desde la reciprocidad,
más no para separarnos en un grado y otro. La escolarización no es la rigidez de aulas
de cemento frías, que impiden ver el sol, ni carpetas uniformemente ubicadas donde el
profesor sube a la palestra para dar un discurso, llamar lista o visualizar la totalidad del
grupo de trabajo poniendo las reglas establecidas.. La casa sirve de referencia para la
comunidad en la búsqueda y procura constante de mantener el paisaje andino, en
contraposición de modelos urbanísticos de vida.
Es importante traer a la memoria que la comunidad, la cultura, el medio
ambiente, reto personal y colectivo es el horizonte de esta propuesta educativa.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Queremos ser una propuesta educativa a un sistema a veces absurdo, donde le valor de
la nota determina el saber, aunque sólo sea de memoria y no de reflexión.
Me quedo con una pregunta que hago a muchas niñas, niños, jóvenes ¿Para qué
vas a la escuela?, para ser alguien en la vida, responden.Entonces, aparece otra
pregunta ¿Quién eres ahora?
Sabemos también que esta propuesta sobrepasa las paredes escolares, sin
embargo sabemos que lo cambios verdaderos van a darse desde el diálogo constante
entre alumnos, familia, maestros, comunidad y todos los agente involucrados en ello.
FUENTES DE CONSULTA
INTERMÓN. Oxfan, Pistas para cambiar la Escuela. Barcelona, 2009
GALEANO. Eduardo, Fragmento del texto que escribió al recibir el premio Stig
Dagerman, en Suecia. 2010
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Este trabalho é parte da pesquisa que vem sendo desenvolvida com intuito de
perceber as articulações dos movimentos conservadores e sua atuação no campo da
educação. Sendo assim, analisamos o avanço do conservadorismo nos tempos atuais e o
desafio que isso representa para a educação, sobretudo pública.
Para tal análise usamos autores e obras como Frigotto (2017), Marx (2010) e
Tonet (2005), mas para além dessas obras, outras complementares como Fernandes
(1981) e Shiroma, Moraes e Evangelista (2004). Tais autores nos auxiliam a
compreender tanto os movimentos da sociedade atual em torno da construção de temas
como Estado e Políticas Públicas e suas relações com as demandas da sociedade
capitalista, porém, ao se tratar do Brasil, leva-se em conta sua estrutura social e
econômica dependente, periférica e de submissão ao imperialismo, sobretudo,
estadunidense.
Faz-se necessário, diante do cenário que se desenha, compreender qual o papel
da educação na sociedade atual, porém sem desconsiderar o modelo de sociabilidade
vigente, o contexto histórico e político, bem como outros elementos que a ela se
agregam ou desagregam. Política, religião, família, entre outros, são temas
recorrentemente associados e em outros momentos desassociados da educação, o que
torna essencial uma avaliação das intencionalidades implícitas nesses processos.
Compreende-se aqui a política como um espaço de conflitos que se acirra,
principalmente, nos campos institucionalizados, tornando assim os espaços legislativos
- Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e, sobretudo, o Congresso Nacional -
um território onde se intensificam as disputas e se constrói o consenso (SHIROMA;
MORAES; EVANGELISTA, 2004, p. 8). Nesse território, movimentos como o Escola
sem Partido (ESP) e a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) têm atuado com efetivo
protagonismo na articulação de suas ideologias e na interferência, seja direta ou indireta
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
com vistas à construção de Políticas Pública, quando de seu interesse, mas ao mesmo
tempo no embargo ao avanço de pautas que são contrárias aos mesmos interesses.
No ano de 2013 manifestações populares tomaram as ruas das principais capitais
do Brasil demonstrando as mais diversas insatisfações. De reajustes de passagens à
corrupção. Melo e Vaz (2018) descrevem que inicialmente o Movimento Passe Livre
(MPL), movimento estudantil que mobilizou as primeiras manifestações, não acreditava
que este tomasse tamanha proporção e mobilizasse tantas pessoas e em tantas cidades.
Embora o cenário aparentasse uma organização desarticulada de uma política partidária,
o cenário eleitoral de 2014 demonstrou que movimentos conservadores se aproveitaram
da polarização construída nas ruas para se apropriarem do Congresso Nacional e de
espaços legislativos estaduais e municipais. O discurso conservador e antipolítico vêm
assim se consolidando e tomando a sociedade de assalto.
Dado o cenário político, econômico e social específico brasileiro, cabe-nos uma
avaliação de como vêm se construindo as articulações entre diferentes frações da
sociedade, porém é preciso pensar estratégias à imposição dos interesses da classe
dominante em detrimento da classe trabalhadora e que vem imprimindo na sociedade
seus projetos sem que haja uma mobilização de resistência efetiv. Que grupos compõem
e como se articulam estas frações de classe? Quais são seus projetos e como se
manifestam na sociedade?
Metodologia
Este trabalho desenvolveu-se a partir de análise bibliográfica e levantamento de
dados sobre o comportamento da Frente Parlamentar Evangélica como uma articuladora
do atual avanço conservador, aqui analisado a partir do movimento de articulação em
torno do processo de discussão, proposta e promulgação do Plano Nacional de
Educação (PNE) e dos Planos Municipais de Educação (PMEs).
Esta análise parte de uma articulação entre meu Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) apresentado na Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF)
(COSTA, 2018) e o artigo “A Frente Parlamentar Evangélica: Força política no estado
laico brasileiro” (TREVISAN, 2013). A análise levou em conta as considerações
trazidas em ambos os trabalhos, bem como a articulação destas aos conceitos e
reflexões propostos por outros autores apresentados neste trabalho e que nos ajudam a
compreender como os avanços e retrocessos desse conservadorismo interferem nos
processos educacionais e emancipatórios, não se restringindo ao ambiente escolar, mas
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VII Seminário Vozes da Educação
Resultados e discussão
Em minha monografia já apontava a necessidade de analisar o processo de
construção do Plano Nacional de Educação (PNE) e dos Planos Municipais de
Educação (PMEs), que no caso do trabalho citado se ateve a uma análise comparada
entre o processo legislativo ocorrido em Duque de Caxias, município da Baixada
Fluminense do Rio de Janeiro que fica na região sudeste e os municípios de Chapecó e
Paulo Lopes em Santa Catarina, região sul do país. Identificou-se nos três municípios
uma articulação de movimentos cristãos de vertente conservadora, percebidos a partir
das falas de vereadores e outros atores sociais (COSTA, 2018, p. 17). Tal fato aponta
que, embora aparentemente isolados os movimentos de discussão dos planos de
educação não o foram, em parte por atenderem à uma especificação do Ministério da
Educação (MEC), mas também pela articulação entre outros movimentos na discussão
de pontos específicos do projeto, como o caso do que foi nomeado à época como
ideologia de gênero.
Trevisan indica que a FPE nasce em 2003 já com o objetivo audacioso de
“influenciar mudanças mais efetivas, ampliando sua atuação para além das igrejas,
estendendo-se para o conjunto da sociedade” (2013, p. 35). Para tanto, segundo
Trevisan, existe uma estruturação organizativa com vistas a dar eficiência ao citado
projeto, que não fica apenas à cargo dos parlamentares, mas grande parte da tarefa é
desempenhada por um corpo de assessores. É significativa, ainda segundo a autora, a
mudança nos argumentos utilizados pelos integrantes da FPE na defesa de seus
posicionamentos e valores religiosos ao revesti-los de um discurso técnico-jurídico para
embasar sua avaliação de temas que consideram bíblica ou moralmente condenáveis.
A articulação intencional de grupos de interesse pode ser percebida ainda pela
organização de outros espaços de influência e pela construção de novas alianças, pois
embora a FPE agregue especificamente parlamentares evangélicos, em 2006 uma
articulação mais ampla cria a Frente Parlamentar da Família (FPF) congregando
evangélicos e católicos em torno de projetos comuns aos dois segmentos, dando mais
peso à luta por temas convergentes aos dois grupos (TREVISAN, 2013, p. 44).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
O que propugna o Escola sem Partido não liquida somente a função docente,
no que a define substantivamente e que não se reduz a ensinar o que está em
manuais ou apostilas, cujo propósito é de formar consumidores. A função
docente no ato de ensina tem implícito o ato de educar. Trata-se de, pelo
confronto de visões de mundo, de concepções científicas e de métodos
pedagógicos, desenvolver a capacidade de ler criticamente a realidade e
construírem-se sujeitos autônomos. A pedagogia da confiança e do diálogo
crítico é substituída pelo estabelecimento de uma nova função: estimular os
alunos e seus pais a se tornarem delatores (FRIGOTTO, 2017, p. 31).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
49) fortalece as pautas conservadoras. Este quadro nos mostra uma possível articulação
sendo desenvolvida em torno de um projeto comum, a consolidação de grupos cristãos,
tanto na sociedade em geral como dentro do espaço legislativo, em torno de um projeto
conservador.
Segundo dados Organizados pelo Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar, por meio de relatórios publicados em seu web site, desde 2003 a Bancada
Evangélica vem crescendo a cada legislatura tendo sofrido queda apenas no período de
2007-2011 por conta dos escândalos envolvendo parlamentares evangélicos que fizeram
parte do Mensalão, CPMI das Sanguessugas, da Máfia das Ambulâncias (DIAP, 2006,
p.33).
2003-2007
2007-2011
2011-2015
2015-2019
2019-2023
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VII Seminário Vozes da Educação
Fonte: https://apublica.org/2016/02/truc 1
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O discurso do Escola sem Partido não foi devidamente enfrentado, a meu ver,
desde o momento em que ele surgiu, em 2004, justamente por parecer
absurdo e em fundamentos legais para aqueles que conhecem o debate
educacional, e também porque ele se espalha com muita força, não em
debates acadêmicos, mas nas redes sociais. Esse discurso utiliza-se de uma
linguagem próxima a do senso comum, recorrendo a dicotomias simplistas
que reduzem questões complexas a falsas alternativas e valendo-se de
polarizações já existentes no campo político para introduzi-las e reforçá-las
no campo educacional (PENNA, 2017, p. 35).
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VII Seminário Vozes da Educação
uma educação que em nada contribui para a emancipação do educando enquanto ser
humano e social. Marx ao discutir a emancipação à liga diretamente à liberdade e como
elemento político à cidadania, porém sem limita-la à isso, tornando-a um elemento
humanizador (2010, p. 3). Embora se reconheça que o indivíduo não se realiza em sua
totalidade social apenas pelo ato educativo, necessitanto de seu elemento fundante (o
trabalho) para realizar sua matriz economica, o que não elimina ou impede que outras
determinações contribuam para sua construção histórica e possível emancipação
(TONNET, 2005, p. 138).Embora a educação não seja trabalho, em seu sentido
ontológico, isso não diminui seu papel no processo social ou mesmo na transformação
da sociedade (IBIDEM, p. 140).
Considerações finais
Entende-se que as Jornadas de Junho (re)apresentaram velhas pautas à
sociedade e os desdobramentos que se deram a partir delas demonstram que o
conservadorismo vem se instalando no cenário nacional há longa data. A articulação de
grupos religiosos por dentro do legislativo vem agora reconfigurada em discursos
jurídicos e legais.
A classe dominante, sob o discurso anticorrupção, desvelou sua insatisfação e
incômodo com as políticas de redução das desigualdades desenvolvidas durante o
governo do Partido dos Trabalhadores (PT) (MELO; VAZ, 2018, p. 29) e deixaram
clara a impossibilidade da conciliação de classes. A divergência de interesses representa
uma nítida necessidade de organização da classe trabalhadora para o enfrentamento aos
interesses conservadores do capitalismo que se organiza para impor sobre os mais
pobres pautas que aprofundam as desigualdades.
Mascaradas pelo discurso religioso moralizante tais pautas vêm sendo impostas
de forma acrítica às populações mais empobrecidas e que se tornam as principais
vítimas da perda de direitos pela expropriação privada do grande capital.
Sendo assim, a ferramenta hábil para enfrentar tais pautas e o espaço
privilegiado para discuti-las ainda é a escola, sobretudo a pública, uma vez que nela
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
COSTA, Marcos Luis Oliveira da. A mulher na sociedade capitalista e a abordagem
na luta de classes: primeiras aproximações. 2018. 60 f. TCC (Graduação) - Curso de
Licenciatura em Pedagogia, Centro de Humanidades, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Duque de Caxias, 2018.
MELO, Cristina Teixeira Vieira de; VAZ, Paulo Roberto Givaldi. E a corrupção coube
em 20 centavos. Galáxia (são Paulo), [s.l.], n. 39, p.23-38, dez. 2018. FapUNIFESP
(SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1982-255434843.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Contextualização
O presente trabalho é fruto de uma investigação inicial acerca do estudante
refugiado e docente na educação nas escolas públicas do município de São Gonçalo. Os
estudos sobre educação para refugiados no Brasil ainda é um tema muito recente, pouco
explorado que passa despercebido pelo estado.Após a constatação de pouco material
voltado para a educação desses sujeitos, se faz necessário despertar atenção de mais
pessoas para o tema dos refugiados na atualidade, conhecer as lutas, os desafios de estar
em um novo país e a importância da ação potencializadora da escola. Refletir, pesquisar
e por em prática as propostas pedagógicas com o intuito de incluir estudantes refugiados
é pensar em educação em âmbito global, não podemos deixar de incluir aqueles que
perderam o direito de permanecer em sua terra, seja por causas climáticas, religiosas ou
conflitos civis.
Neste sentido, como o primeiro movimento da pesquisa, foi realizada a pesquisa
no Portal da periódicos da CAPES/MEC utilizando as seguintes palavras-chave:
“refugiados” + “educação”, resultando em 361 periódicos. Refiz a pesquisa delimitando
pela área da educação e pelo idioma, aparecendo 4 artigos publicados entre 2014 a
2018: 3 apresentavam reflexões sobre o tema “refugiado” na abordagem disciplinar,
seus direitos e suas situações nos contextos nacionais e 1 sobre “educação”, mas
nenhum dos trabalhos abordava sobre a educação para pessoas em situação de refúgio.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
desemprego, pelo fato de seus diplomas não serem válidos, o que resulta na exploração
da mão de obra e, na precarização de trabalho. Desta forma, as pessoas em situação de
refúgio são obrigadas a trabalharem sem qualquer medida protetiva que os assegurem
legalmente. Este problema, infelizmente, causa a xenofobia (aversão a estrangeiro)
executadas pelas pessoas do local de destino. Isto ocorre, porque os xenófobos
entendem que o fato de a mão de obra estrangeira ser vista como mais barata, contribui
para que os refugiados sejam admitidos no mercado trabalho.
Atualmente os principais conflitos que elevam o número de refugiados estão na
Síria, Afeganistão, Sudão do Sul, Mianmar, Somália, Rep. Dem. Do Congo, Sudão,
Iraque, Eritreia, Rep. Centro Africana e Ucrâniatem saído de suas terras à procura de
uma condição melhor e de refúgio – em suma, países do continente da África, Oriente
Médio, Europa e Ásia. Segundo dados divulgados pelo Cômite Nacional para os
Refugiados (CONARE) na 4º edição do relatório “Refúgio em Números”,em 2018 o
Brasil reconheceu um total de 1.086 refugiados de múltiplas nacionalidades. Desta
forma, o país atinge a marca de 11.231 pessoas reconhecidas como refugiadas pelo
Estado brasileiro. Desse total, os sírios representam cerca 36% da população refugiada
com registro ativo no Brasil, seguidos dos congoleses, com 15%, e angolanos, com 9%.
Neste mesmo ano foi maior em número de solicitações de reconhecimento de
condição de refugiado. Isto ocorreu pelo fato de o deslocamento dos venezuelanos ter
um aumento significativo. No total, foram mais de 80 mil solicitações, sendo 61.681 de
venezuelanos. Além destes os haitianos também solicitaram 7 mil, os cubanos 2.749, os
chineses 1.450 e os bengaleses 947. No que tange os estados com mais solicitações em
2018 são estes: Roraima (50.770), Amazonas (10.500) e São Paulo (9.977).
Em âmbito nacional, o Brasil, apesar de não possuir uma ementa em documentos
oficiais para a educação de refugiados, de forma a pensar e praticar a educação para
esse público, no âmbito do acolhimento e matricula em escolas públicas o país é o
número 1 na América Latina em recepção de crianças refugiadas, acolhidas e inseridas,
sendo elogiado pela ONU por sua iniciativa.
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VII Seminário Vozes da Educação
brasileira. Diferente das crianças brasileiras, que, ainda que em condições difíceis, já
são inseridas na língua falada e na sua própria cultura. Contudo, as crianças refugiadas
chegam ao Rio de Janeiro, em muitos casos, com torturadas (fisicamente e
psicologicamente), assim como seus pais, que não compreendem a dinâmica social em
um novo país, o idioma do local de destino, vivem muitas vezes em moradias precárias
e, até mesmos passam fome.
Em alguns casos, onde a escola não facilita a inserção da criança, faz-se
necessário a intervenção daCáritas, entidade que atua na sociedade, na defesa dos
direitos humanos seu olhar está voltado para os povos carentes e oprimidos e, sua luta é
pela busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Sendo assim,aCáritas, que por sua
vezaciona a Defensoria Pública, para que a criança seja inserida na rede municipal de
ensino. Atualmente, segundo aCáritas- RJ, existem, aproximadamente,400
(quatrocentas) crianças refugiadas dentrodas salas de aulano Estado do Rio de Janeiro.
No ano de 2017, o Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de
Refúgio (PARES/ Cáritas-RJ), juntamente com a companhia de energia elétrica, Enel
Distribuição Rio, inauguraram na cidade de São Gonçalo-RJ, no bairro Santa Luzia, um
núcleo de atendimento. O projeto visa em amparas as pessoas em situação de refúgio,
oferecendo-lhes assistências socias, como integrando-os no mercado de trabalho,
realizando passeios culturais e, oferecem auxilio transporte. Vale ressaltar que neste
ano, mapeou-se 38 (trinta e oito) refugiados em São Gonçalo: congoleses (19),
angolanos (14) e venezuelano (05).
Neste município, encontra-se algumas escolas da rede pública, especialmente,
instituições municipais, que acolhem crianças em situação de refúgio. Como no caso da
escola Municipal Castelo Branco, situada no Centro, contém 1 venezuelano e, o CIEP
Brizolão 051 Municipalizado Anita Garibaldi, localizado no bairro de Jardim Catarina,
contendo,haitiano, congolese e angolano.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Esta realidade até a sala de aula é refletida nessas crianças, que passam pela
tortura em seu país, a viagem longa e incerta, que pode durar até 20 dias de barco, a
chegada ao Brasil e, em alguns casos, passarem fome e terem de dormir na rua nos
primeiros dias. Tudo isso somado ao fato de a criança não compreender a dinâmica
social no novo país.
A priori conclui-se que os refugiados, imigrantes e migrantes são invisíveis na
legislação brasileira voltada para a educação e quando notados são citados de forma
rápida, através de comentários em sala como “a aula de hoje será sobre a terra de
fulano” em uma aula de história. Suas dificuldades de aprendizagem nos conteúdos,
língua e sociabilização existem somente na escola através do currículo oculto, ou seja,
está presente no dia a dia dos alunos, mas para o currículo escolar e os documentos
oficiais estas dificuldades, e consequentemente esses estudantes, não existem.
Ao tratarmos esses estudantes como brasileiros, estamos negligenciando a sua
cultura e deixando suas dificuldades de aprendizagem, língua e sociabilização se
solucionarem sozinhas. No momento em que os documentos oficiais não oferecem
nenhum tipo de apoio para aprendizagem da língua portuguesa e acompanhamento
psicológico para essa criança e adolescente refugiado. Deixando esses estudantes à
própria sorte, torcendo para que se adaptem ao modelo brasileiro que possui altos
índices de reprovação e evasão de nativos, que tende muito mais a excluir do que incluir
aqueles que não se encaixam.Somente oferecer a vaga em uma escola não transforma
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão
sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o
caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias
esferas da atividade humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma
língua.
Dessa forma, a interação para ser concluída depende que a linguagem dos
falantes seja única, logo essas pessoas deverão aprender o idioma do país escolhido para
residir, visto que a língua é considerada pelo autor supracitado uma prática social. Para
tanto, o ensino de Língua de Portuguesa abrange a todos nessa situação, porém o estudo
apontará as questões apresentadas pelos professores das instituições que oferecem o
ensino aos refugiados. Entretanto, quando o ensino de uma língua não ocorre de forma
aplausível, o silêncio torna-os invisíveis no processo de aprendizagem dentro da sala.
Uma vez que a escola é a extensão da sociedade, tal atuaçãosurge um efeito
negativamente no ambiente não-escolar.
Sem um mediador que ensine a língua e acompanhe seu trabalho em sala de
aula, o estudante refugiado é excluído do processo educativo. Como um refugiado com
necessidades linguísticas especiais, mas sendo tratado como um estudante brasileiro, o
educando existe na sala de forma figurativa, não de forma plena. A tudo assiste, nada
compreende.
Não houve relatos, nas entrevistas e análises documentais e bibliográficas de
salas de aula para a aprendizagem da língua portuguesa para esses estudantes, sejam nas
salas de aula especiais ou ensino de português no contra turno para os estudantes
refugiados. O desafio de compreender uma língua com uma variação verbal tão extensa
quanto o português aparentemente não é um desafio assumido nas escolas de São
Gonçalo
A escola assume o papel de compartilhar o conteúdo com o estudante refugiado.
Espera-se, por parte da escola, que ele se dedique e, se não estiver mais em fase de ir
para a classe de alfabetização, alfabetize-se sozinho. Sem acompanhamento para esses
estudantes, a escola delega aos estudantes refugiados o seu sucesso ou fracasso escolar.
A escola como espaço de exclusão estende-se para além dos estudantes brasileiros que
não se adaptam, ofertando notas baixas e reprovações também aos estudantes não falam
a língua portuguesa.
É importante que haja um aprofundamento nas salas de aula, em futuras
pesquisas, para compreender as motivações da exclusão por parte da turma e quais
alternativas aos professores vêm trabalhando (ou não) para combater.
sumário 978
VII Seminário Vozes da Educação
A reflexão que fazemos partindo da importância de uma sala de aula que busca a
inclusão é que faz-se necessário olhar para esse estudante refugiado adepto de um outro
idioma e que necessita aprender o novo idioma, além de se incluir socialmente em uma
nova cultura.
Este trabalho de inclusão não se faz de modo aleatório, somente com o professor
em sala. É preciso que toda a equipe pedagógica trabalhe junta para que esse estudante
refugiado se inclua da forma mais agradável e educativa possível, proporcionando uma
boa experiência, que lhe será refletida em seu rendimento escolar. O desafio escolar é
proporcionar um espaço inclusivo para que esse estudante não se sinta reprimido por
não conhecer o idioma, e que essa inclusão proporcione um aprendizado mais fluído e
sem discriminações.
sumário 979
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Neste sentido, para o professor pensar, por exemplo, uma avaliação para o
estudante refugiado, que possui a barreira linguística, faz-se necessário uma
compreensão de sua realidade e suas dificuldades, caso contrário, a avaliação para esse
sujeito será uma ferramenta de exclusão.
sumário 980
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ACNUR. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Disponível em:
<http://www.acnur.org/refugiados/representam-atualmente-a-maioria/>. Acesso em: 19 fev 2018
ACNUR. Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Disponível em:
<http://www.acnur.org/portugues/noticias/relatorio-do-acnurretrata-crise-na-educacao-para-
refugiados/>. Acesso em: 20 mar 2019.
sumário 981
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 982
VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Este texto é desdobramento da pesquisa em curso intitulada “Educação e
Currículo: práticas, políticas e programas no cotidiano da escola”, cujo objetivo é
compreender a natureza do processo de construção do currículo escolar a partir dos
impactos das políticas, programas e projetos educacionais que chegam às escolas
públicas de modo a contribuir, também, para a compreensão de como estes se
concretizam na prática, fornecendo elementos, tanto sobre a escola, quanto sobre os
programas educacionais e as práticas que perpassam a estrutura educacional da escola
contemporânea.
Neste trabalho focalizamos o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE
Escola, que, alinhado com o MEC, na direção da melhoria da qualidade do ensino e da
gestão, é um programa dirigido às escolas que apresentam baixo desempenho, também
chamadas de prioritárias, ou seja, para as escolas que apresentam baixo IDEB. O PDE
Escola tem como função “elevar a qualidade da escola e torná-la mais eficiente”
(RODRIGUES;SOLANO, 2016, p.10-11), segundo a ótica gerencialista que está no
cerne da proposta deste programa.
Desse modo, a pesquisa exploratória realizada vem proporcionar maior
familiaridade com o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE Escola, de forma a
explicitá-lo e a identificar sua natureza, características e alinhamento com o cotidiano
escolar.
sumário 983
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 984
VII Seminário Vozes da Educação
Plano de Metas Todos pela Educação do Governo Federal, de acordo com Cordeiro
(2015, p.31), “[...], o PDE Escola passou a fazer parte de uma das metas a serem
implementadas por unidades escolares de todo o país que apresentassem baixo IDEB
como forma de dar condições para que melhorassem a qualidade do seu ensino [...] com
vistas à elevação do índice”. Assim sendo, o programa atende a todas as escolas com
baixo rendimento e os estados e municípios, que aderiram à proposta, assinam um
Termo de Adesão ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) Nacional,
vinculado ao “Compromisso Todos pela Educação” (CORDEIRO, 2015).
O programa PDE Escola, na sua constituição, pretende ser um apoio à gestão
escolar e de melhoria da qualidade da educação, utilizando-se do planejamento
estratégico para a realização de um diagnóstico, construído coletivamente, refletindo a
realidade escolar e, consequentemente, um plano com metas e um planejamento. A
partir desta ação, o MEC repassa recursos financeiros, que tem como base o número de
alunos matriculados na unidade escolar e o censo do ano anterior (CORDEIRO, 2015),
visando apoiar as ações da escola para a execução no todo ou em parte do seu
planejamento.
Nessa perspectiva, os recursos são repassados por dois anos consecutivos
visando auxiliar a escola na implementação das ações definidas por ela no seu plano,
que é, previamente, validado pelo MEC. Cabe destacar que, segundo Fonseca (2009,
p.192), “as propostas dirigidas ao planejamento escolar orientam-se pelas diretrizes
estabelecidas em documentos produzidos pelo BM [...]”, cuja ênfase está na liderança
do diretor, a partir de treinamento intensivo em planejamento estratégico, tornando-se,
assim, a mola mestra impulsionadora do programa na escola. Nas palavras de Fonseca
(2003, p.305), “[...] A liderança constitui o elemento básico para que a escola possa
construir seu projeto e que possa administrar suas carências financeiras com iniciativas
próprias ou com o suporte da comunidade em que se localiza a escola”, atribuindo, por
conseguinte, ao gestor, o papel de protagonista do programa PDE Escola e pontuando,
também, a natureza da propalada descentralização na lógica neoliberal.
Em 2011, o MEC criou uma ferramenta denominada PDE Interativo,
aperfeiçoando a metodologia e a funcionalidade do programa neste novo sistema. Neste
sentido, segundo Oliveira (2014), a introdução do PDE Escola no PDE/Plano de Metas
vem atender aos interesses do MEC de desenvolver um sistema mais amplo de apoio e
monitoramento das escolas com os piores indicadores educacionais. De todo modo, de
acordo com Oliveira (2014, p.52) “[...], a entrada do PDE Escola no conjunto de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
sumário 987
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
residência ou trabalho a fim de otimizar o tempo para dedicar-se mais tempo à pesquisa
de campo. Os sujeitos foram, inicialmente, os gestores das escolas públicas e, num
segundo momento serão realizadas entrevistas com integrantes da equipe pedagógica e
da prestação de contas das Secretarias de Educação, em ambos os municípios.
O procedimento adotado foi a entrevista semiestruturada, com base em um
roteiro guia para as perguntas que contemplavam os objetivos exploratórios da pesquisa.
As entrevistas foram previamente agendadas, tendo em vista o movimento e as
dinâmicas das escolas e a disponibilidade dos gestores.
A pesquisa de campo, no período de 2 anos, tem sido executada por alunos da
disciplina de Gestão I e da disciplina de Gestão Educacional da Faculdade de Formação
de Professores/UERJ e a Universidade do Grande Rio - Unigranrio, respectivamente, a
partir de um roteiro guia com pontos chave sobre a temática. Esta experiência visava o
enriquecimento do espaço formativo que é a sala de aula; objetivava a que os alunos
conhecessem o trabalho que é realizado pela Gestão Escolar, de modo a compreender
suas atribuições, suas responsabilidades e sua atuação no cotidiano da Instituição de
Ensino, bem como tinha como objetivo, também, a coleta de dados e a aproximação do
aluno com a prática da pesquisa e o conhecimento, tanto da realidade da gestão como no
tocante aos programas que as instituições de ensino recebem, na atualidade, no
cotidiano da escola como estratégia da descentralização financeira implementada sob a
égide da concepção economicista de viés neoliberal das políticas governamentais para a
educação. Para execução da tarefa, os alunos fizeram algumas leituras sobre o tema
gestão escolar no contexto neoliberal e o gerencialismo; sobre o programa PDE Escola e
fizeram, ainda, dois laboratórios de entrevistas, visando um breve treinamento,
antecedendo a entrada em campo.
sumário 988
VII Seminário Vozes da Educação
currículo escolar, as práticas e nas múltiplas dimensões que este imprime ao cotidiano
das escolas públicas de ensino fundamental, foco deste estudo.
Nos municípios investigados, verificamos que a adesão das escolas das redes
estudadas não foi compulsória, ficando de fora do programa várias escolas com baixo
rendimento. Nesta perspectiva, os dados coletados revelam algumas lacunas na
materialização do programa nas redes pesquisadas: há falta de informações sobre o
programa por parte dos gestores das escolas e, em alguns casos, total desconhecimento;
alguns gestores não participaram, tanto pela preocupação com a complexidade da
prestação de contas que continha um cem número de formulários a serem preenchidos,
quanto pela preocupação com o volume de recursos públicos que seriam recebidos pela
escola; a ausência de orientação e acompanhamento sistemático do programa
desencorajou a adesão de alguns gestores; houve relatos com relação à interrupção do
recebimento da verba para a execução do plano de ação das escolas; relatos de que
planos de ação foram executados parcialmente contribuindo para que não houvesse
mudanças qualitativas no âmbito pedagógico nas escolas de baixo desempenho que
aderiram ao programa. Foram feitas críticas ao programa e às Secretarias de Educação
no tocante à ausência de formação continuada dos gestores.
Tomando de empréstimo a reflexão de Minayo (2004, p.90) sobre a
inatingibilidade do objeto em que ela explica que “as ideias que fazemos sobre os fatos
são sempre mais imprecisas, mais parciais, mais imperfeitas” que o próprio objeto,
levando o pesquisador, no processo de pesquisa, a um movimento de “definição e
redefinição do objeto”, de escolhas e tomada de decisão. Nesse sentido, os dados
coletados nesta primeira fase do estudo indicaram a necessidade de uma investigação,
junto à Secretaria de Educação dos municípios pesquisados, para conhecer como está a
gestão, o acompanhamento e o controle do Programa nas escolas e mapear os resultados
aferidos nas instituições de ensino.
Foi observado nesse caminho percorrido que a gestão da escola, no geral, está
envolvida em funções burocráticas e administrativas, em detrimento das atribuições
pedagógicas, colocando, portanto, a dimensão pedagógica do trabalho escolar num
segundo plano. Encontramos, também, uma gestão enfrentando vários desafios, entre
eles, problemas oriundos da ausência de recursos que comprometem, sobremaneira, a
qualidade do trabalho escolar e, por conseguinte, a tão propalada qualidade da
educação.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ANDRADE, E. Alternativa de política educacional para o Brasil: School
Accountability. Revista de Economia Política, vol. 29, nº 4 (116), pp. 454-472,
outubro-dezembro/2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572009000400009>
Acesso em: 04.10.2019.
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VII Seminário Vozes da Educação
sumário 991
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Victoria Guilherme
UERJ PPGEdu/ Bolsista CAPES
victoriaguilherme.s@gmail.com
Introdução
sumário 992
VII Seminário Vozes da Educação
Dessa forma, a população mais pobre acabava excluída dos projetos das grandes
cidades e sendo forçada a irem para os subúrbios, onde as condições de vida eram
precárias, sem saneamento básico, sem escolas suficientes e com uma taxa de
mortalidade por verminoses, tuberculose e alcoolismo, entre outros fatores, muito alta.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
representada pela cor mais escura no gráfico. Sendo assim, a situação do Rio de Janeiro
tinha caráter de urgência na resolução das mortes e epidemias que se espalhavam entre
os sujeitos, principalmente entre a população rural.
No bojo dessas ações voltadas à higienização e sanitarismo da população, entre
as décadas de 1920 e 1960, a ideia de pensar a nacionalidade e do ser brasileiro, foi uma
questão que fez parte dos debates da intelectualidade. Desde Os Sertões (1901), de
Euclides da Cunha, Freitas (2001) constatou que o escritor demonstrava insatisfação
diante da falta de uma unidade racial e dos vários “brasis regionais” dentro de um
mesmo território, enfatizando principalmente as carências do interior (saúde e
educação). A cisão entre rural e urbano, salientava as diferenças, enquanto os centros
urbanos cresciam na busca do progresso, os sertões permaneciam estáticos, em uma
outra etapa histórica. O paradigma euclidiano passou a influenciar os intelectuais da
educação, como:
sumário 994
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Assim, também no bojo das ações reformadoras, o médico Oswaldo Cruz, como
Diretor Geral de Saúde Pública, a partir de 1903 (CAMARA, 2010) realizou uma
política sanitária de intervenção na cidade para tratar os problemas de saúde da
população e do meio. A questão higienista e sanitarista foi colocada em primeiro plano
para solucionar os problemas da cidade. Segundo Sevcenko (2003, p. 36) o médico
tinha "Plenos poderes amparados pelo domínio federal", poderes que fizeram emergir
ações que ficaram conhecidas popularmente como "ditadura sanitária".
sumário 996
VII Seminário Vozes da Educação
Desse modo, a população negra e pobre foi colocada como um problema que
precisava ser discutido. "Afinal, (para alguns intelectuais da época) as doenças teriam
vindo da África, assim como o nosso enfraquecimento biológico seriam resultado da
mistura racial [Grifos nossos]" (SCHWARCZ, 2001, p. 31). Nesse ínterim, as teses
eugenistas sobre o "branqueamento" da raça ganhavam força também, como afirma
Stepan (2005, p. 167):
[...] a população negra da cidade, via de regra pobre e marginalizada, não era
considerada pelos detentores do poder, impregnados destas ideias higienistas
e eugênicas, como a população ideal da cidade. Não era a parcela da
população que deveria ser levada em conta num planejamento urbano com
vistas a modernizar e europeizar o Rio de Janeiro (ANDRADE, 2018, p. 99).
sumário 997
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Assim, o saneamento das grandes cidades, sobretudo do Rio de Janeiro por ser
a Capital Federal, era visto como a solução para todos esses males que preocupavam
tanto intelectuais como a própria população. O higienismo veio com força, intervindo
na cidade e na família com autoritarismo. “[...] essa nova atitude dos profissionais
médicos visava sair dos espaços públicos de atuação e ganhar os locais privados,
impondo hábitos, costumes e mesmo atitudes. (SCHWARCZ, 2001, p. 30, Grifos da
autora) Era hora de investir em uma educação sanitária que impusesse à população
como agir higienicamente.
117
Termo usado pela autora Nancy Leys Stepan em seu livro: A hora da eugenia: raça, gênero e nação na
América Latina (2005).
sumário 998
VII Seminário Vozes da Educação
A partir das ações sanitaristas nos primeiros anos do século XX, dos médicos
Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Belisário Penna e Arthur Neiva descobriram
um Brasil demarcado pela ausência. A falta de investimento na educação, na
salubridade, na higiene e acesso escolar, hospitalar e cultural na zona rural,
revelava a existência de uma realidade nacional oposta ao que era
considerado civilizado. (NUNES, 2018, p. 27)
Nunes (2018) nos chama atenção para as urgências da zona rural e do território
nacional “demarcado pela falta”, por esse motivo, as ações dos médicos sanitaristas
tiveram como missão sanar os problemas da saúde que acometiam o campo. Além de
118
O termo Baixada, segundo Silva (2017), surgiu ao final do século XIX, era também nomeada como
Arrabalde ou Grande Iguassu, para especificar o lado oeste das terras ao redor da Baia de Guanabara. No
ano de 1833, a Freguesia de São João Batista de Merity se integrou ao povoado de Iguassu como seu 4º
distrito. Em 1875 iniciou-se a construção da Igreja Matriz de São João ampliando a população existente
naquela freguesia, banhada pelos rios Sarapuí, Miriti e Pavuna. (PREFEITURA DE SÃO JOÃO DE
MERITI, 2019).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1000
VII Seminário Vozes da Educação
Ao ser recebido no Posto, o paciente era fichado com todos os seus dados de
identidade e antropométricos. No dia da matrícula era pesado, e verificava-se “a taxa de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações finais
Ao receber uma educação sanitária, Jeca-Tatu prosperou! Antes era abatido,
triste, doente, o novo Jeca era sinônimo da saúde e do progresso que deveriam ser
alcançados pela população pobre e rural. Longe das moléstias, dos vícios, dos maus
costumes que a falta de uma educação sanitária, higiênica e profilática poderia
proporcionar, o Jeca tinha chances de caminhar para o progresso.
O discurso eugenista, que muitas vezes associava a população pobre, negra e
rural ao atraso do país estava presente nas ações sanitárias. Rotular e erradicar o Jeca
Tatu doente, preguiçoso e ignorante era uma forma de eliminar aquele que era
considerado o mau e o atraso da raça brasileira. Essas ideias serviram como
justificativa para medidas efetivas na transformação social e no projeto de construção da
nacionalidade brasileira, sendo assim, o Posto de Merity foi apenas um recorte diante
sumário 1002
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ANDRADE, Vanessa. Pereira Passos (1902-1906), a memória da escravidão e algumas
implicações sociais e raciais. Mosaico, v. 9, n. 15, 2018, p. 86-104. Disponível em:
>file:///C:/Users/User-PC/Downloads/76897-162852-1-PB%20(1).pdf< Acesso em: 30
de set. de 2019.
EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro: Conquista, 1957.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1004
VII Seminário Vozes da Educação
Cintia Larangeira119
FFP UERJ
119
Mestranda FFP-UERJ/Bolsista Capes.
sumário 1005
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1006
VII Seminário Vozes da Educação
a cidade. Pinóquio, antes mesmo de chegar à escola, vive com o território citadino
relações de “educabilidade” (FREIRE, 1996), que o constituem como sujeito e
atravessam as suas experiências afetivas, espaciais e com saberes que não são
exclusivos da escolarização.
Em diálogo com as aventuras desse boneco tão emblemático e as ciências
sociais, esse trabalho buscará refletir sobre as relações Estado e Sociedade, cidadania e
educação, pensando questões políticas que delas derivam na disputa e manutenção das
relações de poder. Ainda, pensar a constituição de crianças como cidadãs na sociedade
brasileira contemporânea, considerando que seu direito de participação, apesar de
legislado, ainda é efetivamente pouco praticado. Nesse sentido, pensar como a
complexidade dessas relações podem afetar as infâncias ao mesmo tempo em que por
elas são afetadas nas múltiplas interações socioespaciais vividas nas metrópoles
contemporâneas.
sumário 1007
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
educação ser de ocupação da Igreja e ter uma característica mais diletante do que
instrumental para a vida pública, a relação estabelecida entre Estado, cidadania e
educação é observável pela intermediação eclesiástica. Contudo, no final da Idade
Média, no início do processo em que se consolidará um novo meio de produção, outro
sentido começa a ser atribuído ao conceito de cidadão.
Assim, na base da formação do Estado moderno as relações entre cidadania e
educação se ressignificam atravessadas pelas transformações econômicas, jurídico-
políticas e culturais. Isto é, a transformação dos meios de produção com excedentes, a
formação de força de trabalho assalariada, o processo de acumulação de capital e a
concentração de meios de produção por uma classe, além do advento da ciência
positivista, conduz a um processo acentuado de reordenamento político.
Nesse contexto, com o nascimento da propriedade privada, a reorganização do
trabalho e a transformação das relações com o conhecimento, emerge a teoria dos três
poderes, que tem no Estado a função reguladora da sociedade, na qual a formação,
distribuição e exercício do poder se definem como seu processo político. Na
consolidação do Estado moderno, o alicerce ideológico que deu sustentação à relação
entre o liberalismo-econômico e o liberalismo-político, foi a tríade liberdade, igualdade
e fraternidade, como fundamentação ética e jurídica, bem como o direito à propriedade
privada (BOBBIO, 2007).
Tais pressupostos, de acordo com o ideário liberal, circunscreveram o direito à
cidadania como individual, consubstanciados em direitos e deveres fundamentados em
normas jurídicas. Assim, todo o cidadão tem seu direito à liberdade, igualdade e
fraternidade, desde que se preserve o direito inalienável da propriedade privada, do qual
o Estado será o garantidor, se preciso, com o uso da força.
É inegável a importância revolucionária da burguesia na ruptura com a servidão
aristocrática, mas também é inegável que o processo de acumulação capitalista foi
desumanizando os sujeitos à medida em que estes foram obliterando-se nas relações de
troca, nas quais inclusive as relações religiosas se tornaram mercadoria, quando se
buscava “comprar um lugar no céu”, para garantir a vida eterna. Dessa forma, a
necessidade é inventada pela via do capitalismo, que tem no Estado a norma jurídica
como ordenação, portanto também é inventada a distinção entre Estado e Sociedade.
sumário 1008
VII Seminário Vozes da Educação
Partindo da premissa que todo projeto de educação está inserido num projeto
político de sociedade, o surgimento da educação pública gratuita, universal e obrigatória
nas sociedades modernas, tem como objetivo favorecer um contexto social à
acumulação capitalista - à integração dos indivíduos nas novas relações sociais e de
produção, além da preparação técnica para o trabalho com uma perspectiva disciplinar e
hierárquica com vistas a aquisição de hábitos e condutas próprios do mundo produtivo.
A escola passa a ser instrumento de inculcação e consolidação dos valores da classe
proprietária dos meios de produção, na construção de sua hegemonia.
A cidadania no Estado liberal-burguês, então, passa pela conotação jurídico-
legal na qual se deve ser cumpridor de seus deveres, resguardando-se os direitos perante
o Estado e a Sociedade. Em Marx, o Estado “não é senão um comitê para gerir os
negócios comuns de toda a classe burguesa” (MARX e ENGELS, 1999), o que tensiona
a concepção política de igualdade, que na prática tinha como arquétipo de cidadão o
homem, branco e detentor de propriedade (fossem os meios de produção ou o
comércio). Fora desse escopo, pobres, estrangeiros, mulheres e crianças não tinham
direito ao exercício político, ao exercício da cidadania. Assim, na instalada
estratificação social, a relação com o Estado (construção de normas, reinvindicação de
direitos) era praticada, de forma representativa, por uma fração muito pequena da
sociedade. Nesse sentido, a escola acaba sendo reprodutora das práticas sociais e
conformando a desigualdade na medida em que distingue a formação dos indivíduos
para o trabalho ou para atuação na esfera pública. Essas relações entre Estado,
Sociedade e Educação serão fortes ainda até meados do século XX, mesmo que
atravessadas por muitas mudanças como a separação relativa do Estado e da economia,
a separação do Estado e da sociedade civil e a associação contratual de sujeitos jurídicos
individualizados que se denotam nas relações mercantis.
O aparelho do Estado moderno burguês, assim, apresenta o que Nico Poulantzas
(2000) vai chamar de “materialidade institucional do Estado”, cujas características são a
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1010
VII Seminário Vozes da Educação
com sua personalidade petulante, grosseira e teimosa, conduz, na mais pura acepção
pedagógica, Pinóquio para a escola com o intuito de que ele venha aprender os bons
valores e costumes sociais, assentados na moral e no trabalho. Seus esforços contam
ainda com a ajuda de outros personagens como o Grilo Falante, a Fada dos cabelos
azuis, entre outros, na medida em que o boneco se desvia do propósito de se tornar um
“bom menino”. Isto é, para alcançar a sua humanidade, Pinóquio passa por muitos
percalços, travessuras, arrependimentos que o desviam e retomam ao caminho “certo”,
o que indica uma grande complexidade do personagem e algumas reflexões possíveis
em várias perspectivas. Contudo, buscarei aqui um recorte a partir da perspectiva sócio-
política em diálogo com o conflituoso e antagônico processo de mudanças que vimos
assistindo em nossa sociedade brasileira contemporânea, na tentativa de aproximar a
marionete de nossas infâncias.
Em linhas gerais, após longo período de ditadura militar, pela emergência de
lutas trabalhistas e sociais, o Brasil entra em processo de redemocratização, e no final
dos anos 1980 é promulgada a nossa Constituição (CF/1988) vigente, que inspirada nos
Movimentos Sociais produziu, em termos de participação, elementos para ação (ex.
Conselhos Municipais). Porém, nos trinta anos completos da Constituição brasileira
(idem), precisamos refletir criticamente sobre o direito à educação, compreendendo que
o campo da Educação é atravessado, de forma inseparável, pela relação de suas
características estruturais e conjunturais (FRIGOTTO, 2011). Assim, na medida em que
o Estado é relacional, a Educação reside na indissociabilidade do exercício do poder,
porque nasce da política. Nesse sentido, a Educação no Brasil é um campo de forças
atuantes, que revelam em suas concepções contradições epistemológicas, frutos da
perspectiva histórica, ideológica, política e cultural do país, cujas relações tem no
próprio Estado também elementos para reprodução e manutenção do poder, agravada
ainda, pela interdependência internacional que vem, historicamente, consolidando tal
influência.
Disso decorre que a despeito dos avanços nas políticas públicas educacionais
brasileiras, ainda encontramos na escola uma reprodução das desigualdades sociais, que
vêm se acentuando com ajustes estratégicos que caminham a passos largos para
diretrizes de políticas neoliberalistas. As atuais políticas públicas educacionais que vêm
sendo desenvolvidas nos últimos anos coadunam com perspectivas pragmáticas para a
educação e tendo forte tendência à manutenção de uma sociedade classista,
sumário 1011
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
120
Utilizo o termo infâncias no plural aqui como reconhecimento que os inúmeros contextos históricos,
sociais, econômicos, políticos, espaciais nos quais as crianças estão inseridas produzem infâncias plurais
em suas singularidades.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
(In)conclusões provisórias
Retomando a epígrafe do texto, qual seria a perspectiva certa para qual
Montaigne (2005) nos convida a lançar o nosso olhar sobre o mundo? Será que a
revolução burguesa foi capaz de promover a ruptura com a servidão, quando falamos de
classes populares ou do coletivo infantil? Afinal, o mundo contemporâneo ao qual
pertencemos é o mesmo para todos/as?
Nas relações que se estabeleceram entre Estado e Sociedade na modernidade, é
possível observar também as tensões e conflitos que atravessaram as transformações
desde o final da Idade Média até os dias atuais, mediadas por questões políticas e pela
disputa de poder. O mundo que historicamente vem sendo disputado, para Arendt
(1997) é o domínio público, no conjunto de obras e conhecimentos produzidos pela
humanidade. Para autora esse mundo também é político, que se traduz para ela em
mundo comum, espaço tangível onde os homens se relacionam no discurso e na ação,
em sua pluralidade, forma pela qual viveriam sua liberdade.
A radicalização da hierarquia em nossa sociedade (ocidental, capitalista,
globalizada, neoliberal), vem afetando as relações sociais, produzindo cada vez mais
marginalizados e destituindo-os em sua cidadania, em sua humanização. Homens,
mulheres e crianças, negros/as, homoafetivos, pessoas refugiadas não conseguem
estabelecer relações de pertencimento, na medida em que o capitalismo produz a
fragmentação, a exclusão, o preconceito. Se são marginais, como podem agir
politicamente? A crescente atomização dos indivíduos produzida pela sociedade de
mercado desumaniza cada vez mais.
Por outro lado, Pinóquio em suas peripécias citadinas, acaba ressignificando
suas relações de “educabilidade” (FREIRE, 1996), quando experiencia na cidade, com
suas ações, sua corporeidade, formas outras de ser e estar no mundo que o modificam e
produzem outros sentidos para o território. Se educa na cidade compreendendo
condições de construção de pertencimento que lhe outorgam certa autonomia e
solidariedade no encontro com o outro, mesmo antes de chegar à escola.
No contexto político, econômico e social no qual nos encontramos atualmente
no Brasil, faz-se necessário refletir à luz da constituição do Estado brasileiro para
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VII Seminário Vozes da Educação
buscar outras formas de ser e estar no mundo que não estejam condenadas ao
obscurantismo das notícias prontas, da velocidade das informações e da simplificação e
naturalização de nossas desigualdades. Nesse sentido, é importante nos questionarmos
sobre a educação passar de um direito social e subjetivo para tornar-se uma mercadoria,
um serviço a ser adquirido por aqueles que podem comprar. Como é possível inverter
tal lógica da ação educativa na atual conjuntura, enquanto vem crescendo o desinteresse
do capital pelos direitos sociais em favor da acumulação, resgate e manutenção dos
aparelhos de hegemonia, na contrapartida do aumento da descrença e desesperança
popular no Estado em geral (poderes Judiciário, Legislativo e Executivo),
desarticulando as mobilizações de resistência e conscientização das classes populares?
Com base nesse cenário que articula alguns eventos estruturais e conjunturais da
educação brasileira, é possível retornar à Freire (1967), considerando a inseparabilidade
entre educação e política, percebendo que entrelaçado a qualquer ato educativo há
valores, ideais e intenções que podem estar a serviço da humanização ou da
desumanização, da acomodação ou da participação. Se a educação está voltada para a
desumanização e acomodação o “homem rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se”
(FREIRE, idem). Assim, promover práticas educativas que impliquem a participação
ativa dos atores educativos, será propício no sentido de sua humanização, tornando-os
sujeitos críticos, atuantes, livres de fórmulas gerais ou prescrição, corrompendo a lógica
massificadora a que eram e mesmo hoje continuam sendo submetidos.
Defendemos que na cidade contemporânea ainda é possível buscar a
compreensão da multiplicidade de relações com o território vivido, nas especificidades
comunicativas que o abarcam e atravessam. Investigar sobre a relação de crianças,
“recém-chegados” (ARENDT, 1997), na/com a cidade, procurando complexificar seu
acolhimento nesse espaço relacional e formativo, que é o urbano, auxilia a refletir sobre
as relações tecidas no/com/sobre o território citadino e sua potência na constituição de
cidadãos/ãs mais conscientes, evidenciando formas de interação e construção de
pertencimento, pelas quais a cidade revela seus efeitos na (trans)formação de sujeitos
mais humanizados. Na aproximação com o “outro”, procurando conhecer as diferentes
lógicas das infâncias, vem se tornando possível aprender com as crianças a potência de
relacionar-se com o território (a rua, o bairro, a escola, a cidade) em que vivem de
forma mais autônoma e ativa, propiciando às crianças conhecer mais de seu passado,
participar mais de seu presente e ter a confiança de assumir a responsabilidade sobre seu
futuro na (e da) cidade.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ARENDT, H. A condição humana. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: por uma teoria geral da política. Tradução
de Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1967.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introducción
El Currículo Nacional -CN- es un instrumento de política educativa que orienta
la educación básica -EB- en Perú, con una duración de cinco años aproximadamente
desde su puesta en práctica. Expresa el perfil de egreso del estudiante de EBR y articula
todas las áreas curriculares, las competencias con sus estándares de aprendizaje, los
enfoques transversales en relación con la cotidianidad de la vida de los estudiantes y de
la comunidad educativa, a partir de enfocar necesidades y demandas sociales.
El Currículo Nacional de la Educación Básica -CNEB- surge como un
documento que permita articular los tres niveles de la educación básica regular, y lo que
también se espera de la educación básica alternativa y de la educación básica especial
atendiendo las necesidades de estudiantes.
El CNEB, es también una herramienta pedagógica valiosa para maestros, en
cuanto le da sentido común al conjunto de esfuerzos para la mejora de los aprendizajes,
del desarrollo docente, mismo que tiene que equiparse con todo un arsenal pedagógico:
saberes, estrategias, metodologías, transposición didáctica, instrumentos de evaluación,
enfoques pedagógicos, dominio conceptual, y sobre todo con una profunda formación
ética y dominio socio emocional para promueve las habilidades blandas y formación
integral. Como herramienta de gestión promueve la mejora de procesos, el abordaje del
contexto, la pertinencia entre lo que la escuela enseña, lo que el estudiante aprende y la
sociedad demanda.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
En el ámbito de Conocimiento:
• Que pueda indagar y comprender el mundo natural y artificial utilizando
conocimientos científicos en diálogo con saberes locales para mejorar la calidad
de vida y cuidando la naturaleza.
• Que interprete la realidad y tome decisiones a partir de conocimientos
matemáticos que aporten a su contexto.
• Que desarrolle procesos autónomos de aprendizaje en forma permanente para la
mejora continua de su proceso de aprendizaje y de sus resultados.
En el ámbito Personal:
• Que se conozca como persona valiosa y se identifique con su cultura en
diferentes contextos.
• Que comprenda y aprecie la dimensión espiritual y religiosa en la vida de las
personas y de la sociedad.
• Que practique una vida activa y saludable para su bienestar, cuide su cuerpo e
interactúe respetuosamente en la práctica de distintas actividades físicas,
cotidianas o deportivas.
En el ámbito Laboral:
• Que gestione proyectos de emprendimiento económico o social de manera,
ética, que le permitan articularse con el mundo del trabajo y con el desarrollo
social, económico y ambiental del entorno.
• Que aproveche responsablemente las tecnologías de la información y de la
comunicación (TIC) para interactuar con la información, gestionar su
comunicación y aprendizaje.
Para lograr este perfil se tiene que unificar los criterios y establecer una ruta para
alinear las 31 competencias con sus capacidades y mirando en todo momento los
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
De derechos Inclusión o
Búsqueda de de atención
la excelencia a la
diversidad
Enfoques
Orientación transversales
al bien Intercultural
común
Igualdad de
Ambiental género
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N° COMPETENCIA CAPACIDADES
1 Construye su • Se valora a sí mismo
identidad • Autorregula sus emociones
• Reflexiona y argumenta éticamente
• Vive su sexualidad de manera integral y responsable de acuerdo con
su etapa de desarrollo y madurez.
2 Se desenvuelve de • Comprende su cuerpo
manera autónoma a • Se expresa corporalmente
través de su
motricidad
3 Asume una vida • Comprende las relaciones entre la actividad física, alimentación,
saludable postura e higiene y la salud
• Incorpora prácticas que mejoran su calidad de vida
4 Interactúa a través de • Se relaciona utilizando sus habilidades sociomotrices
sus habilidades • Crea y aplica estrategias y tácticas de juego
sociomotrices
5 Aprecia de manera • Percibe manifestaciones artístico-culturales
crítica manifestaciones • Contextualiza las manifestaciones artístico-culturales
artístico-culturales • Reflexiona creativa y críticamente sobre las manifestaciones
artístico-culturales
6 Crea proyectos desde • Explora y experimenta los lenguajes de las artes
los lenguajes artísticos • Aplica procesos de creación
• Evalúa y comunica sus procesos y proyectos
7 Se comunica • Obtiene información de textos orales
oralmente en su • Infiere e interpreta información de textos orales
lengua materna • Adecua, organiza y desarrolla las ideas de forma coherente y
cohesionada
• Utiliza recursos no verbales y paraverbales de forma estratégica
• Interactúa estratégicamente con distintos interlocutores
• Reflexiona y evalúa la forma, el contenido y el contexto del texto
oral
8 Lee diversos tipos de • Obtiene información del texto escrito
textos escritos en su • Infiere e interpreta información del texto
lengua materna • Reflexiona y evalúa la forma, el contenido y el contexto del texto
escrito
9 Escribe diversos tipos • Adecúa el texto a la situación comunicativa
de textos en lengua • Organiza y desarrolla las ideas de forma coherente y cohesionada
materna • Utiliza convenciones del lenguaje escrito de forma pertinente
• Reflexiona y evalúa
10 Se comunica • Obtiene información de textos orales
oralmente en • Infiere e interpreta información de textos orales
castellano como • Adecúa, organiza y desarrolla las ideas de forma coherente y
segunda lengua cohesionada
• Utiliza recursos no verbales y paraverbales de forma estratégica
• Interactúa estratégicamente con distintos interlocutores
• Reflexiona y evalúa la forma, el contenido y el contexto del texto
oral
16 Convive y participa • Interactúa con todas las personas
democráticamente en • Construye y asume acuerdos y normas
la búsqueda del bien • Maneja conflictos de manera constructiva
común • Delibera sobre asuntos públicos
• Participa en acciones que promueven el bienestar común
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VII Seminário Vozes da Educação
N° COMPETENCIA CAPACIDADES
17 Construye • Interpreta críticamente fuentes diversas
interpretaciones • Comprende el tiempo histórico
históricas • Explica y argumenta procesos históricos
18 Gestiona • Comprende las relaciones entre los elementos naturales y sociales
responsablemente el • Maneja fuentes de información para comprender el espacio
espacio y el ambiente geográfico y el ambiente
• Genera acciones para preservar el ambiente local y global
19 Gestiona • Comprende las relaciones entre los elementos del sistema económico
responsablemente los y financiero
recursos económicos • Toma decisiones económicas y financieras
20 Indaga mediante • Problematiza situaciones
métodos científicos • Diseña estrategias para hacer indagación
para construir • Genera y registra datos e información
conocimientos • Analiza datos e información
• Evalúa y comunica el proceso y los resultados de su indagación
21 Explica el mundo • Comprende y usa conocimientos sobre los seres vivos; materia y
físico basándose en energía; biodiversidad, Tierra y universo
conocimientos sobre • Evalúa las implicancias del saber y del quehacer científico y
los seres vivos; tecnológico
materia y energía;
biodiversidad, Tierra y
universo
22 Diseña y construye • Determina una alternativa de solución tecnológica
soluciones • Diseña la alternativa de solución tecnológica
tecnológicas para • Implementa y valida alternativa de solución tecnológica
resolver problemas de • Evalúa y comunica el funcionamiento y los impactos de su
su entorno alternativa de solución tecnológica
23 Resuelve problemas • Traduce cantidades a expresiones numéricas
de cantidad • Comunica su comprensión sobre los números y las operaciones
• Usa estrategias y procedimientos de estimación y cálculo
• Argumenta afirmaciones sobre las relaciones numéricas y las
operaciones
24 Resuelve problemas • Traduce datos y condiciones a expresiones algebraicas
de regularidad, • Comunica su comprensión sobre las relaciones algebraicas
equivalencia y cambio • Usa estrategias y procedimientos para encontrar reglas generales
• Argumenta afirmaciones sobre relaciones de cambio y equivalencia
27 Gestiona proyectos de • Crea propuestas de valor
emprendimiento • Trabaja cooperativamente para lograr objetivos y metas
económico o social • Aplica habilidades técnicas
• Evalúa los resultados del proyecto de emprendimiento
28 Se desenvuelve en • Personaliza entornos virtuales
entornos virtuales • Gestiona información del entorno virtual
generados por las TIC • Interactúa en entornos virtuales
• Crea objetos virtuales en diversos formatos
29 Gestiona su • Define metas de aprendizaje
aprendizaje de manera • Organiza acciones estratégicas para alcanzar sus metas de
autónoma aprendizaje
• Monitorea y ajusta su desempeño durante el proceso de aprendizaje
Fuente: CNEB.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
en cuenta que estos niveles de complejidad del logro de la competencia no quiere decir
que se tiene que uniformizar a los estudiantes, sino que se encontrará una variedad de
niveles de logro de la misma, pero nos permitirá a los docentes tener un parámetro de
referencia para poder elaborar la programación curricular.
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VII Seminário Vozes da Educação
textuales para reforzar sentidos y producir efectos en el lector según la situación comunicativa.
Escribe a partir de sus hipótesis de escritura diversos tipos de textos sobre temas variados
considerando el propósito y el destinatario a partir de su experiencia previa. Desarrolla sus ideas
2
en torno a un tema con la intención de transmitir ideas o emociones. Sigue la linealidad y
direccionalidad de la escritura.
Este nivel tiene como base principalmente el nivel 1 de la competencia “Se comunica oralmente
1
en su lengua materna”.
Fuente: CNEB.
Generar interés y
Partir de
disposición como Aprender Partir de los
situaciones
condición de haciendo saberes previos
significativas
aprendizaje
Mediar el progreso
Construir el Aprender del Generar el de los estudiantes
nuevo error o el error conflicto de un nivel de
conocimiento constructivo cognitivo aprendizaje a otro
superior
Promover el Promover el
trabajo pensamiento
cooperativo complejo
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Referencias
MINISTERIO DE EDUCACIÓN DEL PERÚ. Currículo Nacional de la Educación
Básica: Perú: 2016.
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VII Seminário Vozes da Educação
Conjuntura Nacional
O processo de reorganização da economia capitalista no mundo, que ensejou
mudanças nos rumos internos da economia brasileira, afetaria de maneira incisiva o
cenário nacional, projetando ações no campo educacional inspiradas nas orientações de
organismos internacionais dos grandes centros do capitalismo. Nesta geopolítica, a
relação de dependência do Brasil neste contexto determinaria o caráter destas ações. A
pretexto de crescimento da economia nacional e da modernização do país, o pensamento
que se constituiu como princípio operador na construção de legislações, projetos e
medidas na área visou posicionar as políticas educacionais no contexto de sua posição
no mapa da ordem econômica capitalista, como aponta Romanelli (1989):
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VII Seminário Vozes da Educação
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Diocese de Nova Iguaçu, também sofreria um atentado à bomba. Ainda sim, a Igreja
manteria o perfil de sua atuação.
O quadro político do município de Nova Iguaçu nos anos finais da Ditadura
Civil-Militar mostrava, de um lado, o seguinte cenário: entre 1977e 1983 governou a
cidade o Sr. Ruy de Queiroz (1934-1997), quadro orgânico arenista, ex-interventor
municipal indicado pelo Presidente Emílio Garrastazu Médici, cuja família seria
proprietária de escola no município de Nilópolis e Nova Iguaçu. Seria sucedido pelo Sr.
Paulo Leone, eleito na esteira do Brizolismo para o período 1983-1988, mas que após
intensas denúncias de corrupção viria a sofrer impeachment no último ano de seu
mandato. Em seu lugar, como Interventor estadual, é nomeado o Sr. Francisco Amaral,
vice-governador do estado no mandato de Moreira Franco.
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Referências
CUNHA, L. A. C. GÓES, M. O golpe na educação. 11. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 2002.
CUNHA, Luiz Antonio. Educação, Estado e Democracia no Brasil São Paulo: Cortez
Niterói, RJ, 1991.
FERNANDES, Cinthia Votto. Desatando nós... os fios que tecem o percurso da pré-
escola no Brasil: da liberdade de escolha à obrigatoriedade de freqüência. Textura, v.18,
nº 36, jan/abril 2016. Disponível em
LOBO, Lidiane Barros. Quem manda na escola pública? Universidade do Estado do Rio
de Janeiro Faculdade de Educação da Baixada Fluminense: Duque de Caxias, RJ, 2019.
No prelo.
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Notas
¹ Ao afirmamos que as relações entre os setores privatistas e o Estado são “aprofundadas”, queremos
enfatizar que as disputas no campo educacional, especificamente em relação ao financiamento, não
seriam novidade no período da Ditadura.
² O Departamento Nacional da Criança - DNCr (a partir de 1940), do Ministério da Educação e Saúde, e
a Legião Brasileira de Assistência - LBA (fundada em 1942), órgão de colaboração do Governo. O
Departamento Nacional da Criança foi uma instituição de múltiplos objetivos e finalidades, que
centralizou, durante 30 anos, a política de assistência à mãe e à criança no Brasil. Tudo que houve nesta
área partiu desse Departamento ou teve sua influência. A Legião Brasileira de Assistência, uma
instituição híbrida, surgiu da iniciativa privada, da iniciativa do Governo Federal e da influência de uma
primeira-dama (Darcy Vargas). (VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Mal necessário: Creches no Departamento
Nacional da Criança. Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas: Nº 67, novembro, 1988. p. 04).
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Fávero (2012) enfatiza que, no contexto da informação educacional no início dos anos
de 1980, contava-se com a presença histórica da Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos (RBEP) criada em 1944 e mantida ao longo desses anos, mesmo na crise
sofrida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep) na década de 1970.
Os dados históricos apresentados por Fávero (2012), as análises de Rothen
(2005) e de outros autores, registram a resistência e a potencialidade do periódico RBEP
ao longo dos anos, bem como nos ajuda a justificar sua escolha como fonte de pesquisa
neste estudo. Nessa justificativa, é oportuno registrar que o periódico RBEP encontra-se
classificado, pelo Sistema Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), com o conceito A1 nacional e que vem alcançando, desde sua
criação, o objetivo proposto de divulgação das pesquisas do Inep bem como a
consolidação de sua dimensão política no serviço do governo brasileiro via Ministério
da Educação e Cultura (MEC).
A escolha do periódico RBEP como fonte de pesquisa para este estudo deu-se
por se tratar de um periódico que já vem sendo disponibilizado em formato impresso e
eletrônico desde julho de 1944, veiculado pelo Inep, que vinha, até o término deste
trabalho de pesquisa, assessorando o MEC em proximidade e intimidade com a
comunidade acadêmica, discutindo e encaminhando os destinos da educação no Brasil.
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histórica local, documental e oral, com a análise etnográfica. A partir desses registros, a
pesquisadora explica que a coleta de dados foi feita por meio da observação
participante, discussão da prática das monitoras em reuniões de orientação pedagógica,
entrevistas, análise de documentos e aplicação de testes para avaliar o nível de
linguagem dos alunos.
A publicação coordenada por Candido Alberto Gomes (1995)se configura notas
de pesquisa onde os autores apresentam o artigo a partir do texto introdutório e
explicam que a pesquisa foi realizada como treino no curso de Economia e Finanças da
Educação, oferecido no primeiro semestre de 1995 pelo Mestrado de Educação da
Universidade Católica de Brasília. Na citada pesquisa, o grupo de autores registra que
objetivo do citado estudo foi atender a uma das tônicas do projeto do referido mestrado,
que previa o envolvimento de docentes e discentes na pesquisa, e também oferecer
subsídios para os que conduzem o Programa de Alfabetização de Adultos da citada
universidade, procurando evitar que em “casa de ferreiro se use espeto de pau”. Partindo
para a descrição do referido contexto, os autores detalham que, a partir do primeiro
semestre de 1995, período da coleta de dados da pesquisa, foram habilitados 651 dos
926 alunos iniciantes, correspondendo a evasão a 29,7% e que, durante o período letivo,
atuaram no trabalho 87 universitários, sendo três alunos do Centro Educacional da
Católica de Brasília, três alunos do Colégio D. Bosco e 35 voluntários das comunidades,
atingindo um total de 128 monitores, relação de 7,2 alunos por monitor.
O texto de autoria dos pesquisadores Candido Alberto Gomes e Marcia Paoliello
de Andarde. (1997), se configura uma análise acerca das características
socioeducacionais, dos planos e das percepções sobre a educação, o trabalho e a renda
de um grupo de alfabetizandos jovens e adultos de São Bernardo do Campo, São Paulo.
Objetivando traçar o perfil socioeducacional do citado grupo de jovens e adultos que
não teve oportunidade de frequentar a escola no tempo próprio e se matriculou no
Programa Municipal de Alfabetização e Cidadania oferecido pela Universidade
Bandeirante. Os pesquisadores indicam no artigo que a perspectiva teórica para o estudo
foi fundamentada em publicações de pesquisadores acerca de educação e trabalho com
foco nas percepções dos respondentes como um dos ângulos de análise que, nas
concepções dos autores, é caracterizado por maior "subjetividade", mas que é capaz de
descerrar outros aspectos da realidade. Destacando os estudos de Weber (1976), Ferretti
(1988), Turner (1960), Hum (1977), Mills (1973), Davis e Moore (1945) como quadro
teórico estudado para compreensão e análise da problemática, os autores apresentam, no
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VII Seminário Vozes da Educação
texto, suas concepções acerca das aspirações educacionais dos jovens e adultos
entrevistados, fazendo referência aos autores e teorias a respeito do processo de
estratificação social, indicando que esse amplo arco teórico enfoca as relações entre
educação, estratificação social e renda e sua pluralidade de posições teóricas.
As autoras Susana Gakyia Caliatto e Selma de Cássia Martinelli (2008)
descrevem, no artigo, um trabalho que teve como objetivo analisar a escrita ortográfica
em atividade de ditado e de reescrita de uma lenda por parte dos estudantes jovens e
adultos. Os registros das autoras indicam que participaram da pesquisa 57 alunos da
modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede municipal de uma cidade do
interior de São Paulo, sendo que 27 (47,37%) cursavam a 3ª série do ensino
fundamental e 30 (52,63%) cursavam a 4ª série. No percurso metodológico, as
pesquisadores pontuam que a análise dos resultados foi possível a partir da
categorização e da análise comparativa dos erros apresentados nas atividades escritas,
construídas pelos estudantes em processo de aprendizagem da leitura e da escrita e que,
após análise das produções dos estudantes, os resultados indicaram que as principais
dificuldades de escrita apresentadas por eles se relacionam ao apoio na oralidade, mais
especificamente, quando se trata de palavras que empregam sílabas compostas, dígrafos
e letras que representam vários sons. A esse respeito, as pesquisadoras acrescentam,
ainda, que, no que se refere à prática de escrita de frases e de textos, foi destacada a
dificuldade dos estudantes em segmentarem as palavras. Para as autoras, a ocorrência de
erros considerados como escritas particulares que não propiciam a leitura e a
compreensão das palavras escritas pode indicar que a alfabetização não se realizou
principalmente porque erros desse tipo foram encontrados de maneira expressiva na
amostra selecionada e se apresentaram como indicadores de que os participantes do
estudo não adquiriram o que se esperava deles em termos de conhecimentos sobre a
ortografia, fato que possibilitou que as pesquisadoras apontassem para algumas
implicações educacionais e sociais nesse contexto. No que diz respeito às citadas
implicações educacionais, as pesquisadoras destacam que os erros encontrados
demonstram falhas na alfabetização, e, levando-se em conta que esses alunos se
encontram nas séries finais do primeiro ciclo do ensino fundamental, o erro
automatizado pode dificultar a correção dessas falhas. O argumento mais pontuado
pelas pesquisadoras é fundamentado em Sisto (2001) quando defende que “os erros que
persistem durante vários níveis de ensino podem formar um hábito ou automatismo, que
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
se tornam quase inconscientes, e, mesmo que mais tarde o estudante venha a conhecer a
regra que rege a ortografia, tenderá a escrever errado”.
A respeito dos quadros teóricos ou das fundamentações teóricas acessadas por
esses pesquisadores, a análise dos artigos nos encaminhou à seguinte compreensão: por
conta do contexto histórico do período de publicação dos artigos, as pesquisas
desenvolvidas nos programas de mestrado e doutorado da época, centralizavam seus
estudos de alfabetização na EJA, com base fundamental nas teorias construtivistas de
Piaget e Ferreiro (1982) sociointeracionistas de Vygotsky (1979, 1984), Luria (1990) e
em estudos interculturais como os de Tulviste (1988) e Saxe e Posner (1983) e outros,
principalmente, porque a preocupação da política educacional em alfabetização de
crianças, e de sujeitos jovens e adultos nas décadas de 80/90, do século XX, era resolver
o problema do analfabetismo pela via das práticas alfabetizadoras fundamentadas nas
concepções construtivista e sociointeracionistas formuladas por esses autores.
Esses estudos se configuravam, naquele contexto histórico, como práticas
progressistas porque o confronto entre a alfabetização tradicionalmente praticada nas
escolas e os resultados da pesquisa educacional deflagrados nas duas últimas décadas,
teve início no ano de 1983, década em que vigorava no Brasil o debate sobre o
aprendizado da escrita e da leitura a partir das questões sobre os métodos e a partir da
preocupação com a forma como os professores deveriam alfabetizar os estudantes: de
acordo com o método tradicional do ensino formal das partes que constituem as
palavras ou centrando o ensino em letras e sílabas por meio da leitura de textos
portadores de significados para os aprendizes.
Nesse contexto, as pesquisas desenvolvidas na área da alfabetização
apresentavam as justificativas das temáticas, destacando as mudanças que a história da
alfabetização começou a apresentar na década de 1980, iniciadas por uma crítica
chamada “Polêmica dos Métodos” e que, a partir dessa polêmica, foi provocada nas
pesquisas, a busca por respostas para os problemas teóricos e práticos do aprendizado
da leitura, da escrita e da alfabetização de adultos. Portanto, as pesquisas naquelas
décadas, eram realizadas, objetivando resolver problemas das práticas educacionais.
Sobre os artigos que foram identificados como relato de experiência no descritor
Alfabetização de Jovens e Adultos, destaca-se, em um deles, que a autora indica a
pretensão de transformar o processo de elaboração de um livro de leitura, no próprio
processo de alfabetizar-se para o alfabetizando adulto e no processo de formar-se
educador para o alfabetizador dos sujeitos jovens e adultos. A respeito dos
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Referências
ARMELLINI; Neusa Junqueira (coord.). Alfabetização de Adultos: em Busca de uma
Proposta Político-Pedagógica. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.
73, n.175, p. 467-612, set/dez, 1992.
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MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social.
In: ______. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2002, p.
16-18.
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Adrielle Lisboa
UERJ FFP
driellelisboa@gmail.com
Introdução
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
mudanças que ocorrem no sistema de produção capitalista mantem o poder nas mãos de
determinados grupos e que por fim, excluem os demais, cultivando desta forma as
relações de poder.
121121
Entrevista da escritora Conceição Evaristo, concedida ao jornal BBC em 09/03/2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
unem coletivamente e criam seus repertórios de ação, para tornar provável uma
educação emancipatória durante a trajetória dos distintos estudantes no PVPPP.
Nesse contexto social e territorial, a desigualdade de classe está intrinsicamente
ligada à raça e gênero, sendo necessária uma análise com teor interseccional. Isto é,
considerando as nuances sobre como o racismo, o capitalismo e o sexismo são
condições estruturantes das relações humanas e como o encontro dos determinados
fatores se confluem como formas combinadas de opressão (DAVIS, 2016).
Assim, seguindo o raciocínio estabelecido é necessário partimos das
especificidades dos sujeitos que atualizam anualmente a luta do Pré-vestibular Popular
Pedro Pomar, em maioria negros/as das periferias urbanas e do norte e nordeste. Todas
essas pessoas compartilham processos de resistências em busca do seu reconhecimento
como sujeito histórico político de direito. Almejam através da educação melhores
condições de vida.
Importante ressaltar que esse embate preserva como característica preponderante
o fortalecimento da luta no coletivo, em prol do enfrentamento das desigualdades
sociais e educacionais, seguimos na contramão na formação de pessoas para fortalecer
os movimentos necessários à transformação social. Como explicita bell
hooks 122 (2017)“Um ensino que permita as transgressões, um movimento contra as
fronteiras e para além delas. É esse movimento que transforma a educação na prática de
liberdade” (HOOKS, 2017, p. 25)
122
A autora feminista e ativista estadunidense Gloria Jean Watkins, justifica a assinatura de suas obras
com o seu pseudônimo “bell hooks” grifado com letras minúsculas, pois pretende dar enfoque as suas
ideias representadas em suas escrita, não a sua pessoa.
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VII Seminário Vozes da Educação
[...] nas entranhas do poder local a fim de encontrar pistas fecundas sobre o
longo e difícil processo de democratização do direito à educação, sobretudo
do ensino superior de jovens homens e mulheres negros e pobres do
município de Niterói e São Gonçalo (TAVARES, 2017, p. 276).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O acesso das camadas populares ao Ensino Superior tem sido uma discussão
atual no cenário político e acadêmico. As classes populares estão historicamente ligadas
às lutas pelo direito à educação, que tem se apresentando como um dos principais
fatores que contribuem na manutenção e aprofundamento das desigualdades sociais no
Brasil.
Essas trajetórias desiguais contribuem de forma atenuada, principalmente no
caso das muitas mulheres negras das classes populares que, por vezes consideram a
faculdade como um espaço inatingível, sobretudo pelas condições concretas nas quais
estruturam a sua vida cotidiana.
Historicamente, por muitas décadas, as mulheres foram interditas do espaço
público, como quando eram excluídas da política, impedidas de votar. Na maioria das
vezes o argumento central era que os seus interesses políticos eram protegidos pelo
esposo ou pelo pai (MIGUEL, 2014). De modo histórico, a mulher é vista como uma
extensão do outro, nessa sociedade patriarcal a qual estamos inseridos, por
consequência da tardia extensão do direito ao voto a baixa proporção das mulheres nas
esferas do poder político, ainda é uma realidade. Podemos destacar, que na divisão
sexual do trabalho as tarefas e os cuidados, principalmente com crianças e idosos
consomem muito o tempo das mulheres e as liberam pouco para a vida pública, espaços
tradicionalmente ocupado por homens.
Em diálogo com essa perspectiva, entendemos hoje que a questão de gênero
constitui um dos eixos centrais que organizam nossas experiências no mundo social
mais amplo. Isso significa afirmar que, onde existem desigualdades estruturais e
conjunturais que atendem a padrões de gênero, também são definidos posicionamentos
relativos ao papel de mulheres e homens, ainda que a questão de gênero não possa ser
compreendida de maneira isolada, mas em profunda vinculação com as questões de
classe, de raça e sexualidade.
No Brasil, por sua inserção histórica e social, a mulher negra e pobre, de modo
geral, é mais vulnerável, sendo a desigualdade de gênero enraizada na sociedade
patriarcal, na qual estão inseridas, devido ao passado marcado pela escravidão brasileira
e pela estrutura desigual deste país. De modo geral, a mulher negra ainda convive com o
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Referências
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98349-69-5.
HOOKS, B. Ensinando a Transgredir. 2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
LAHIRE, B. Sucesso escolar nos meios populares: As razões do improvável. 1ª. ed.
São Paulo: Ática, 2008.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
VAINER, C. B. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local?
Cadernos IPPUR: Planejamento e Território: ensaios sobre a desigualdade, Rio de
Janeiro, agosto - Dezembro 2001. 13-32.
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VII Seminário Vozes da Educação
A charge do cartunista brasileiro Miguel Paiva foi escolhida para abrir nossas
reflexões acerca das aspirações em torno da Democracia. Palavra que utilizamos
atualmente para designar uma forma de governo, um sistema político, uma ideologia
que visa estruturar e organizar a sociedade em políticas agregadoras, de garantia e
permanência à proteção das minorias, para romper com marcas históricas, que em nosso
país, nos desafia desde o período colonial: os privilégios em detrimento das elites
econômicas. De uma formação social baseada na desigualdade, na construção
processual de um regime econômico com efeitos político-culturais que sustenta o
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
capitalismo com barreiras de cor, sexo e idade. Processo denominado por Bocayuva e
Veiga (2002) como Apartação Social.
No contexto brasileiro, a década de 30 inaugura um novo padrão de vida, de
relações. O padrão capitalista de acumulação industrial que se efetivou e alargou os
ideais em torno do desenvolvimento de uma sociedade moderna. As legislações
passaram a reger o início, o ritmo e a abrangência desse sistema social que não se
limitou ao campo econômico, mas que atravessou as relações sociais em sua forma de
organização política, organização territorial, sociedade civil, emprego de valores e
significados em suas produções e visão de mundo. O Estado Novo tomou o perfil de
regulador das tensões sociais, apropriando-se dos pactos pelo alto como meio para
chegar à modernização. Uma modernização conservadora legitimada por uma direita
autoritária que compreendia essa transformação pelo alto como um projeto de
constituição da nação brasileira. Era a perpetuação de um modelo político embebido de
contradições e conflitos. Uma cidadania regulada, uma cidadania em recesso. Uma
conciliação entre as frações modernas e atrasadas das classes dominantes para excluir as
classes populares do processo. Movimento que Coutinho (2008) elucida ao citar uma
“revolução passiva”, conceito aplicado por Gramsci. É nesse mesmo período, onde
nossas experiências governamentais possuíam muito mais traços oligárquicos do que
democráticos, que a educação brasileira passou a se reconfigurar.
O conceito de democracia mais difundido é o de um sistema político em que os
cidadãos elegem, por meio de voto, os seus representantes ou dirigentes. A democracia
precisa ser entendida como um processo em permanente construção como afirma
Coutinho (2002). Entretanto é necessário reconceituar o termo Democracia, como nos
sugere Morin (2016) definindo-a como um ideal e um anseio, um conceito político, um
respeito à complexidade humana em suas múltiplas expressões.
Com o intuito de problematizar a epistemologia da palavra, Bobbio (2014),
defensor do Estado Democrático de Direito, pluraliza a democracia como um dos
diversos modos de exercer o poder político, de forma que sua relação com outras formas
de governo marcam o seu caráter específico de manifestação. Em um Estado
Democrático de Direitos a organização política prevê soberania do povo em suas
tomadas de decisões, incorporando participação ativa nas deliberações que preconizam
o bem comum, o respeito à coletividade, às variadas formas de expressão e exercício da
cidadania.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
administração refiro-me ao zelo daquilo que pertence ao povo, sem pactuação com a
administração especificamente capitalista criticada por Paro (2016).
Macaé, nacionalmente conhecida como “A Princesinha do Atlântico”, por anos
intitulada a “Capital Nacional do Petróleo”, atraiu brasileiros de diferentes localidades
desde a década de 70 em busca de oportunidade no mercado de trabalho e estabilidade
profissional com a instalação de bases da Petrobrás. Entretanto, originalmente sua
produção era alicerçada nas atividades agrícolas e práticas comerciais urbanas
potencializadas por uma rede férrea responsável por ligar a cidade aos progressos
econômicos presentes na capital do Rio de Janeiro. Estudos elaborados por Rocha
(2019) revelam que os novos contornos a forjar uma capital nacional do petróleo não
respeitaram a identidade local em Macaé. O regime militar da época encerrou as
atividades das oficinas ferroviárias no bairro Imbetiba, para atender aos avanços da
exploração petrolífera.
A cidade fica no norte fluminense, cerca de 180 quilômetros da capital do
Estado e já viveu anos de muito progresso chegando a comportar sede de importantes
empresas multinacionais do petróleo. O município, segundo fontes do IBGE, possui
244.139 pessoas em 2017, contra 67 mil habitantes na década de 1970. Estabelecendo
assim, um desafio aos governantes de corresponder com as expectativas de quem chega
à cidade com o anseio de encontrar não somente oportunidade de emprego, mas
estrutura em seus serviços básicos como saúde e educação. O crescimento populacional
sem planejamento habitacional e a falta de políticas públicas em áreas como a segurança
geraram uma combinação que inevitavelmente fez surgir zonas periféricas de grande
carência e vulnerabilidade semelhantes às grandes capitais.
A crise financeira de 2013 e os escândalos de corrupção envolvendo grandes
diretores das empresas ligadas à Petrobras acarretaram numa demissão em massa de
trabalhadores, que no caso macaense, muitos eram vinculados aos serviços do ramo
petróleo e gás. Empresas de pequeno porte foram fechadas e comerciantes locais foram
atingidos com um esvaziamento da cidade, acentuado pelo perfil de uma população
flutuante formada a partir dos vínculos empregatícios firmados.
O modo de habitar a cidade macaense e as relações sociais foi alterado. O
impacto de uma crise econômica provoca mudanças para além das quantificações
financeiras. Ela mexe com estruturas de organização dos espaços, emprego de valores e
ideais para determinado local. As certezas foram substituídas por dúvidas emergentes
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Referências
ABREU E SILVA, Scheila Ribeiro de; CARVALHO, Meynardo Rocha
de.(org.).Macaé, do caos ao conhecimento: olhares acadêmicos sobre o cenário de
crise econômica. Macaé: Prefeitura Municipal de Macaé, 2019, pág. 12- 21.
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: por uma teoria geral da política.
Tradução: Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014, p. 135.
BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca; VEIGA, Sandra Mayrink (orgs.).Afinal, que país
é este? – 2ª edição. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2002, p. 12.
COUTINHO, Carlos Nelson. O Estado brasileiro: gênese, crise, alternativas. In: LIMA,
Júlio Cesar França; NEVES, Lucia Maria Wanderley. Fundamentos da Educação
Escolar do Brasil Contemporâneo. 2ª reimpressão, Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
2008, Cap 5, p.66-97
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PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da educação pública. 4ª.ed. São Paulo:
Cortez, 2016. p. 08-16
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. (In). História Geral do Brasil. Maria Yedda
Linhares (Organizadora). 6.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p.342
TIRIBA, Lea. Educação infantil como direito e alegria. 1ª ed. Rio de Janeiro/São
Paulo: Paz e Terra, 2018,p. 45.
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/11gesdem.pdf
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12858.htm
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resultado da pesquisa vem a ser, justamente, a continuidade das intervenções feitas com
aqueles e outros participantes, somando novas intervenções artísticas, com o referido
público, e com outros públicos. Reconheço a pesquisa, olhando para o mapa afetivo,
como um acervo vivo, que pode ser listado em um livro tombo de novos afetos,
patrimônio imaterial dos mais relevantes, sempre colecionando novas experiências, em
um movimento rizomático (Deleuze, 1996), sempre que ‘damos voltas com’ o outro.
Nesse caso com a EJA e com os estudantes, professores, artistas, educadores e usuários
de museus, quando com eles, conversamos. Sobre a noção de conversa retomamos com
Alves e Ferraço (2018, p. 42) a etimologia do verbo “conversar” apresentada por
Maturana (1997, p. 167) que diz (...) a palavra conversar vem da união de duas raízes
latinas: cum, que quer dizer ‘com’, e versare que quer dizer ‘dar voltas com’.
No caso da pesquisa aqui retratada, conversa-se com a EJA e demais
participantes, mas também com o outro-eu, visto que a “[...] interlocução, tanto com os
sujeitos da pesquisa quanto com os autores e colegas, serve de bússola, de combustível
e alimento à pesquisa. Na leitura do outro me ressignifico, me compreendo, me desafio,
[...]” (SERPA, 2018, p. 97).
O entendimento da dimensão do eu com o outro me serviram de guia, por
exemplo, para decidir os critérios para a seleção dos artistas e respectivas obras que
seriam usadas para inspirar os estudantes a criarem suas próprias intervenções. Nesse
momento da pesquisa, conversei prolongada e seriamente comigo mesma. Se as
intervenções deveriam ser realizadas nos jardins do Museu da República, poderiam ser,
ou não, apoiadas pela instituição. Deveriam ser patrocinadas pela instituição ou à
revelia do Museu da República? Se as obras de intervenção artística seriam selecionadas
independentemente do investimento na produção da mesma, e descartaria os critérios
canônicos sobre a definição de arte? A escolha seria somente minha ou participativa?
A curadoria pedagógica, nessa perspectiva coletiva e colaborativa, em
conversas com os estudantes, com os praticantes das intervenções artísticas, e até com o
público que as recepcionam, permite-nos pensar a potência dessas conversas, para
colocar sob suspeitas os clichês-opiniões-verdades na escolha dos objetos de arte com
os quais experimentaríamos a fruição das obras de intervenção artística, de modo a que
elas mediassem também, os “fluxos, acasos, experiências, encontros, devir,
multiplicidade e permanentes aberturas para os acontecimentos” (ALVES; FERRAÇO,
2018, p. 57).
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espaço orientado pela museologia social (CHAGAS, 2017), que realiza muitas ações
artísticas, algumas de iniciativa da própria comunidade, não teria havido nenhuma
frequência dos estudantes desta modalidade? Haja vista que a instituição programa
ações cineclubistas; cede espaço para serestas organizadas pela própria comunidade;
promove eventos de música popular nos jardins, entre tantas outras atividades ofertadas
também no horário noturno, inclusive, visita mediada no horário estendido, toda última
terça-feira do mês, para agendamento pelas escolas.
Há de fato uma lacuna? E o que impede as instituições museu e escola de
conversarem sobre como preencher os espaçostempos museal também com esse
público? Talvez fosse uma questão de visibilidade ou a invisibilidade sublinhe a lacuna.
Todavia, o Museu da República realizou entre 2007-2018, várias ações para estabelecer
encontros do museu com a escola, e vice-versa para o público da EJA, em projetos de
mediação do acervo do Palácio, conforme pode ser constatada nas pesquisas de Vianna
(2015), Santos (2014), Mello (2018). Esse museu é composto pelo Palácio do Catete,
construído com “pedra e cal”, no tempo do Império entre 1858 e 1867 e do seu
respectivo Jardim. Ambos tombados pelo patrimônio público em 1938, durante o
Estado Novo, pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – atual
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Sendo o jardim, um
local privativo por muitos anos, pois só foi aberto ao público a partir de 1960, quando a
propriedade residência da nobreza imperial e posteriormente dos presidentes da
república, tornou-se museu por decreto presidencial, inaugurando novos usos. Assim,
indago-me sobre os usos do jardim, igualmente monumento histórico, vivo, tombado
pelo patrimônio público, tal qual o Palácio e as frequências da EJA. Nesse espaço que
também é um espaço de Direito, a plena circulação.
Não há registros no Museu da República sobre essa frequência. Evidências
possivelmente transformadas, deterioradas na memória dos proponentes, caso tenham
sido descartados, nos mecanismos de preservação dos registros em acervo da
instituição. De certo, sobrevivente nas memórias de quem viveu experiências marcantes
no jardim.
Sem informações oficiais incialmente, busquei na internet alguns indícios sobre
a frequência dos estudantes da EJA no jardim, uma vez que a instituição informou não
haver uma estimativa oficial à época que iniciei a pesquisa. Encontrei notícias sobre
intervenções artísticas no museu, vídeos sobre o MR-RJ e respectivo jardim, feito por
visitantes, turistas, pesquisadores e também vídeos institucionais. Encontrei outras
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Essa obra fílmica foi produzida a partir de um edital público e tem se destacado nos
festivais nacionais e internacionais de cinema.
Encontrei, ainda, um vídeo que me fascinou e estou chamando de Selfiepoema.
Um vídeo simples de 45 segundos, tendo o cenário o próprio jardim e depositado em
uma conta pessoal e pública no Youtube em nome do poeta George Patiño. Seria uma
intervenção artística? Seria uma intervenção com autonomia? Seria considerada uma
obra para inspirar os alunos da EJA a também produzirem seus próprios vídeos? Creio
que sim, às perguntas do parágrafo anterior.
Os estudantes e demais participantes, se assim quisessem, também poderiam se
encantar/encantar-se nesse mesmo espaço jardim. Sentir ventos, experimentar rotas de
fuga, suspender tempos, expressar desejos de criação no jardim e usufruírem também de
festas nesse ambiente, naquele que era e continua sendo “um jardim singular”. Lembro
que havia mais um critério para a seleção dos projetos artísticos. As obras deveriam
estar disponíveis na internet de modo que pudessem ser acessadas pelos estudantes.
Os três projetos selecionados levam as experiências dos jardins rede afora, assim
como os trabalhos dos estudantes. As experiências-conversas entre mim e os demais
participantes, professores e educadores do museu, artistas, estava iniciada e a
possibilidade de uma pesquisa a ser retomada, quando será possível assumir com mais
envergadura a metodologia da conversa,também.
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Para educadores, como lembra Oliveira (2010), o Jardim pode ser definido, de
acordo com a abordagem freiriana: “o que faz um jardim é o pensamento do jardineiro”.
(OLIVEIRA, 2010, p.48). Assim é também o mapa afetivo, elaborado, em tempos
diferenciados, a cerca do jardim do MR-RJ.
O jardim pode ter muitos significados e motivações diferenciadas para cada
frequentador. Contudo, um jardim histórico, além de um lindo cenário, pode ser
também um personagem, sobre o qual uma história é narrada. Eis um desafio: como
conversar com sujeitos e com as memórias dos sujeitos em espaçostempos, diferentes
dos acontecimentos das intervenções artísticas? Para realizar a intervenção com os
alunos, de modo a dialogar com as intervenções realizadas anteriormente, em outros
momentos, com os artistas selecionados, tendo o jardim como lugar para ser/estar? Foi
necessário criar outro espaço, ou uma nova rede. Era preciso também que a EJA, ao
menos naqueles que participaram da pesquisa, inaugurasse a frequência ao jardim, a fim
de conhecer e se familiarizar com o espaço jardim.
Por isso, idealizei um mapa afetivo como um lugar de encontro presencial e
virtual. Presencialmente, a partir da planta do jardim, cada participante registrava seu
lugar preferido de observação e de interação com o jardim. Além de sinalizar no mapa
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VII Seminário Vozes da Educação
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Reativando conversações
Três novas atividades foram realizadas no MR_RJ posteriormente o
término da pesquisa, com outras escolas e alunos, mantendo a proposta de intervenção
artística em espaços públicos. A primeira atividade de desdobramento da pesquisa foi
uma Roda de Conversa em que, cada participante, era convidado a contar sua
experiência sobre a primeira vez que visitou um jardim. A conversa aconteceu durante
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um evento intitulado Virada Política, em outubro de 2018, com a ação “Museu e Escola,
É Direito!”.
Ainda o ano passado, após convite a realizar uma ação interventiva durante a
Semana do Patrimônio Fluminense, realizamos (eu, alunos e professores) uma
intervenção artística um Ensaio Fotográfico, novamente nos Jardins do MR-RJ.
Este ano, participei de um desafio educativo cultural lançado no faceboock para
apresentação de painel a ser exposto, na UFRJ-RJ, junto à campanha #Profsou. O mapa
afetivo, com o nome dos participantes e a inscrição dos lugares de afeto escolhido por
cada um deles, foi bordado para o projeto a Docência e os fios da Memória, onde relatei
artisticamente, aquela experiência no MR-RJ. A EJA esteve presente nessa nova rede
formada.
Recentemente, em outubro de 2019, realizei outras intervenções, desta vez nos
Jardins Passeio Pública e na Praça Paris, Centro e Glória, no Rio de Janeiro,
respectivamente. Desta vez, em lugar de vídeo, os alunos realizaram um ensaio
fotográfico, com uma câmera instantânea de modo a registrar aquele momento, sem
preocupação com pose, buscando apenas uma boa incidência de luz.
Agora, nesse artigo, retomo algumas dessas falas por considero que a EJA se faz
presente também nessa rede de vozes, retomando conversas inacabadas, porque sempre
necessárias à potencia dos processos formativos em resistências às desigualdades
sociais.
Referências
ALVES, Nilda. FERRAÇO, Carlos Eduardo. Conversas em redes e pesquisas com os
cotidianos. A Força das multiplicidades, acasos, encontros, experiências e amizades. In:
RIBEIRO, Tiago; SOUZA, Rafael de; SAMPAIO, Carmen Sanshes. (Org.). Conversas
como Metologia de Pesquisa. Por que não? Rio de Janeiro: Editora Ayvu., 2018.
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Introdução
A universalização do ensino fundamental, ainda que inconclusa, é um processo
que representa mudança de qualidade na dinâmica das contradições educacionais no
Brasil. O sentido democratizador, por meio do qual parcelas da população
historicamente progrediram dentro do sistema de ensino, levou o direcionamento do
foco para o campo da permanência e qualidade como componentes essenciais do direito
à educação. De acordo com Oliveira:
Ainda que as políticas que tiveram como foco a universalização do acesso não
tenham sido acompanhadas de uma série de outras políticas que ajudariam a manter esse
ingressantes nas escolas, desencadeando evasão escolar, repetência que gerou a
defasagem idade-série, a universalização permitiu um processo de democratização da
escola.
Entende-se que as políticas setoriais são de extrema importância, pois, ainda que
não resolva completamente o problema do acesso, da qualidade e da permanência, vão
ampliando os debates e temas do campo educacional de forma abrangente.
Para a superação da totalidade dos problemas educacionais que estão
intrinsecamente ligados ao sistema social e econômico, precisaríamos de um novo
sistema com outros mecanismos de funcionamento na sociedade. Portanto, nos
permitiremos aqui o debate em torno das políticas de universalização, considerando as
contradições sociais e econômicas no seio da sociedade brasileira.
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Neste sentido, pretendo neste trabalho apontar alguns dos achados que minha
pesquisa de mestrado tem me possibilitado.
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Ainda que essa desigualdade nas relações raciais brasileira tenha servido como
mecanismos de reprodução do racismo nas instituições, contraditoriamente, serviu como
baluarte da luta por reparação histórica à população negra.
A transição das relações de trabalho na República exigia uma formação
educacional para garantia da mão de obra livre. A luta pelas garantias de direitos civis e
cidadania, encampada por organizações negras que emergiram nesse processo, tinham a
educação como ponto fundamental na conquista por igualdade de direitos.
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VII Seminário Vozes da Educação
As associações que surgiram na primeira década do século XX, nas quais setores
da população negra, na busca por respeitabilidade e condições iguais de vida,
reivindicavam o direito à educação. A história do povo negro e da sua educação tem um
longo caminho de negligência. As abordagens da historiografia brasileira e o processo
de questionamento dessas abordagens têm sido determinantes para ressignificar as
representações, inclusive subjetivas, sobre as ações do povo negro para sua inserção na
sociedade brasileira. (FONSECA, 2016).
A luta pela educação, por parte desses movimentos que reivindicavam a
educação formal nas instituições, combinada com garantia de projetos de autoeducação
no seio das suas entidades e associações negras, objetivava garantia de direitos iguais e
inserção social.
Por isso, é compreensível que as políticas públicas de caráter universalista na
educação básica, apesar da sua importância, não dão conta de efetivamente garantir
justiça social para indivíduos que foram marcados, historicamente, pela exclusão,
desigualdade e privação de direitos básicos, como escola, saúde, moradia, emprego etc.
De qualquer forma, a população negra consegue acessar minimamente alguns
direitos básicos, a partir da universalização desses direitos. Os dados oficiais mais
recentes mostram que avançamos, mas, é necessário expandir as políticas de ações
afirmativas. Sabendo que:
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Considerações Finais
Este texto está articulado à minha pesquisa de mestrado, onde pretendo
aprofundar os estudos sobre os processos gerais das políticas públicas, no que se trata da
população negra com acesso, permanência e conclusão da escolarização, ocorre no
Colégio Pedro II, considerando os ingressantes através do sorteio.
Considero que as mudanças na educação brasileira, no que tange os setores da
população mais pobre, em especial a população negra, de acordo com os dados oficiais,
se mantém com dificuldades para a permanência até a conclusão do processo de
escolarização.
Tenho buscado não somente compreender como a demanda de acesso à
educação básica numa escola federal, bem como, subsidiar os elementos que a fazem,
no ideário do senso comum, representar uma escola pública de qualidade.
Neste sentido, pretendo na pesquisa que venho construindo, ter como referência,
não só ampliar os registros sobre a relevância da universalização do Ensino
Fundamental no Brasil, mas também trazer aspectos que representam os desafios que
acompanham este processo (OLIVEIRA, 2007), tais como, pensar em como o acesso à
educação em Colégios Federais é possibilitado para toda a população e como ocorre a
permanência de estudantes negros nestas instituições.
Referências
BENTO, Maria Aparecida. Branqueamento e Branquitude no Brasil. In.: ______.
CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida da Silva (Orgs.). Psicologia Social do
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Rosa Monaco
Introdução
Em plena segunda metade do século XX, os países latino americanos ocupavam
um lugar desconfortável frente às críticas que lhes eram tecidas pelo cenário
internacional acerca das elevadas taxas de analfabetismo ainda percebidas. Isso pode ser
compreendido nas discussões da II e III Conferências Mundiais de Educação de Adultos
(CONFINTEAs123), as quais ocorreram nas cidades de Montreal (Canadá) no ano de
1960, e em Tóquio (Japão) no ano de 1972, de modo respectivo. Em amplo debate
houve o reconhecimento do analfabetismo como uma consequência do
subdesenvolvimento e, por causa disso, surgiriam expectativas e estratégias apoiadas
em políticas públicas que eliminassem permanentemente o analfabetismo nesses países.
O olhar estava justamente sobre os países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento, como era o caso do Brasil, que se sentiu pressionado à buscar
soluções para a educação em território nacional, uma vez que outros países já haviam
saído dessa condição. Além do mais, o Brasil suscitava ser um país potência, de acordo
com os discursos e das ações realizadas pelos generais presidenciáveis e sua equipe de
colaboradores, no governo militar. Visando esta mudança de status, o regime
autoritário, que via nos projetos educativos uma forma de implementar as suas ideias,
investiu em “Sucessivas operações (categoria do vocabulário profissional militar)”
[grifos do autor] que “foram lançadas com o objetivo de ampliar e melhorar a escola de
1º grau”, analisou Cunha (1991, p. 55).
Fato era que no contexto dos anos 1970, a crise do ensino já havia se instaurado
pela total incapacidade dos sistemas de ensino suportarem a crescente demanda de
escolarização. Ademais, pelas novas exigências de formação profissional impostas com
a introdução da informática, o modo de produção industrial sofrera transformações.
Nesse interim, surgia com mais força o modelo de ensino a distância, principalmente
123
As CONFINTEAs são promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) e acontecem uma vez à cada década. Para maiores detalhes c.f.:
IRELAND, Timothy Denis; SPEZIA, Carlos Humberto. Educação de Adultos em retrospectiva: 60 anos
de CONFINTEA. Brasília: UNESCO, MEC, 2014, p. 119-148.
sumário 1106
VII Seminário Vozes da Educação
124
A Lei nº 5.692/71, do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que fixou as Diretrizes e Bases para o
ensino de 1° e 2º Graus, além de providências para a educação de jovens e adultos.
125
Nesse processo, ocorreram incentivos às exportações de produtos industriais e agrícolas. Como
exemplo, citamos os investimentos realizados pelas grandes empresas automobilísticas como: General
Motors, Ford e Chrysler (FAUSTO, 1994, p. 485). Segundo Góes (1991), a demanda do mercado externo
impulsionou para que o mercado interno crescesse. C.f.: FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo:
Edusp, 1994. C.f.: GÓES, Moacyr de. Voz Ativa. In: CUNHA, Luiz Antônio Cunha e ________, Moacyr
de(orgs.).OGolpe na Educação. Série: Brasil os anos de Autoritarismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1991, 7ª ed. p. 7-34.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
de Goiânia, Goiás. Por meio desses programas foi possível supor a visão do ensino
supletivo no período do regime militar. O Projeto Minerva e o CES estiveram como
partes vislumbradas de menor escala (micro); contudo, expressando propriedades do
todo da educação de adultos no país; este último tendo sido observado pela escala maior
(macro).
Burke nos dá pistas sobre o modelo do qual iremos encontrar pela frente: este foi
caracterizado por uma forma mais restrita de educação para o público jovem e adulto,
fruto de uma construção intelectual que decodificou, para uma forma simples, o que a
realidade já apontara como sendo corriqueiro, tanto o genérico, quanto o típico. A
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
126
Conceito oficial de educação a distância (EAD) no Brasil segundo o Decreto nº 5.622/2005, art. 1º:
“Para os fins deste Decreto, caracteriza-se a Educação a Distância como modalidade educacional na qual
a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de
meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo
atividades educativas em lugares ou tempos diversos”.
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VII Seminário Vozes da Educação
(19,5 milhões, segundo a mesma fonte e nos mesmos anos)” [todos grifos do autor] e
ainda criticou, dado que “O Brasil se converteria numa imensa escola, regular ou
supletiva, na qual toda a população de 7 a 39 anos deveria passar um bom número de
anos” (FÁVERO, 1980).
Conforme Fávero (1980) atentou para a faixa etária facultativa que serviu para a
contagem, também é sujeito à atenção, a ausência de estudos, levando-se em conta as
variações regionais, ou mesmo pesquisas de gênero e/ou de raça, por exemplo. Os
resultados ficaram vulneráveis, sem sofrerem maiores análises. Ficou claro que o Estado
não procurava solucionar o problema da falta de escolarização do 1º Grau, nem tão
pouco intentava investir no sistema regular de ensino para a faixa etária/série adequadas
e/ou dos jovens e adultos, mesmo que a longo prazo. Monaco (2017, p. 29) analisou que
“mais pareceu uma inibição ao interesse voluntário do aluno em frequentar a escola
noturna do que, propriamente, uma escolha abrangente para a solução”. A autora
entendeu que “as escolas de adultos para a conclusão do ensino de 1º Grau eram em
número insuficiente e, por conseguinte, os candidatos interessados teriam que,
necessariamente, ingressar em outro tipo de escola”.
Trazendo para a cena a especificidade de cada um dos dois projetos
selecionados, o Projeto Minerva que esteve nas ondas do rádio por dezenove anos
(1970-1989), não possuía avaliação no processo pedagógico, uma vez que o Projeto
preparava os seus participantes à prestarem os exames supletivos oferecidos pelos
estados federativos, em média duas vezes por ano. Dentre os seus participantes que
prestaram os exames supletivos, “somente 33% deles foram aprovados” (ALONSO 127,
2006 apud CASTRO, 2007, p. 57). Além disso, o programa não conquistou a população
“que o chamava de ‘Projeto Me Enerva’” [grifos do autor] (PAVAN 128 , 2006 apud
CASTRO, 2007, p. 50). Outra crítica surgira quanto à falta de renovação nos
personagens e do curso como um todo, prejudicando, assim, a aceitação do mesmo pelo
público (ANDRELO et al, 2009, p. 86).
O Projeto Minerva mantinha um monitor, que muitas vezes era um dos alunos
com um pouco mais de desenvoltura, para estar junto à grupos de 30 a 50 participantes
nos rádio postos, onde as aulas irradiadas eram disponibilizadas aos alunos. Esta forma
127
ALONSO, Katia Morosov. Educação a distância no Brasil: A busca de identidade. In: Preti, O. (Org.),
Educação a distância: Inícios e indícios de um percurso. Nead/IE – UFMT. Cuiabá: UFMT, 1996, p. 57-
74.
128
PAVAN, Alexandre. Em busca de sintonia. Revista Educação, São Paulo, Editora Segmento, edição n.
246, outubro de 2001.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
129
O Parecer nº 254/80 foi o responsável por aprovar o Plano de Estrutura e Funcionamento dos mesmos,
autorizado pelo Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro (CEDERJ), com votação favorável por
unanimidade.
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VII Seminário Vozes da Educação
O que se pode ver na tabela apresentada são duas concepções distintas, porém,
com características próximas que nos fez identificar um modelo de educação supletiva.
Esses programas com suas metodologias puderam ser contemplados, visto que, a
normatização permitira as múltiplas variações. Sobre isso, Monaco (2017) analisou
sumário 1113
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
acerca das adaptações que os cursos supletivos estiveram dispostos a sofrer, conforme
as novas diretrizes promulgadas para o ensino supletivo pela Lei 5692/1971:
[...] tudo poderia ser adaptado, desde o método até a duração, passando pela
estrutura, mídias, material, e assim por diante. Enfim, como seria o controle e
a inspeção, prática fidelizada na época da ditadura, com uma gama tão
grande de variáveis para montar e implementar um curso? Até mesmo para
treinar os profissionais dos órgãos públicos que fariam o acompanhamento
dos cursos: quando estes estivessem aptos a um tipo de avaliação para um
tipo de modelo de curso, o próximo tipo já teria surgido. Em um período
marcado por controles e coerções, como explicar variantes tão diversas na
educação supletiva? Suscita-nos a pergunta se tal variedade seria estratégica
para os governantes, ao invés de ser somente opção para os jovens e adultos
(MONACO, 2017, p. 45).
O modelo dos cursos supletivos, com a exposição das muitas variáveis, não
parecia estar contradizendo aos ideais dos militares e de seus colaboradores? Afinal, o
regime militar teria como peculiaridade a centralização do poder acrescido à censura.
Nesse sentido, a gama de programas e projetos educacionais poderia tornar dificultoso
exatamente o controle desses. Monaco (2017) continuou em sua análise destacando, a
partir de Niskier (1996), quanto à falta de clareza na qual a educação supletiva fora
vítima: “O autor constatou ter sido a flexibilidade dos currículos a geradora de grande
confusão, tornando-os sem objetividade (NISKIER, 1996, p. 425 apud MONACO,
2017, p. 45). Sem contar que a aplicação dos projetos e programas foram “através de
abundante e confusa legislação educacional” (GHIRALDELLI JUNIOR, 1990, p.163).
Horta (1973, p. 465) também corroborou com a análise de Niskier (1996) quando, em
seus estudos sobre o Projeto Minerva, apontou que não havia ocorrido até aquele
momento, por nenhuma das entidades de direito, pesquisas mais amplas de avaliação,
incluindo o acompanhamento dos alunos concluintes.
Considerações finais
Particularmente sobre a justificativa para a criação do Centro de Estudos
Supletivos, sob o ensino semipresencial, Monaco (2017) compreendeu que este fora
pensado com a finalidade de mediar os dois extremos das categorias metodológicas: de
um lado as escolas noturnas regulares e do outro o ensino totalmente a distância. As
escolas noturnas para a conclusão do ensino de 1º Grau eram em número insuficientes e
os cursos totalmente à distância, como os transmitidos por rádio ou TV, não tinham o
professor in lócus para a compreensão das dúvidas dos estudantes.
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ANDRELO, Roseane et al. A Utilização do Rádio na Educação à Distância (EAD): O
Projeto Minerva e o Movimento de Educação de Base 1. Anais da 1ª Jornada
Científica de Comunicação Social. A pesquisa em Comunicação: tendências e
desafios. São Paulo, 2009.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
CUNHA, Luiz Antônio. Roda-Viva. In: ______; GÓES, Moacyr de(Orgs.).O Golpe na
Educação. Série: BRASIL os anos de AUTORITARISMO. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1991, 7ª ed. p. 35-90.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Carla Gonçalves
UERJ FFP
cmarcellesg1@gmail.com
Apresentação
Aproximar escolas de universidades nas ações de formação docente corresponde
a questionar a centralidade dos processos de formação de professores. Os desafios são
muitos se queremos transformar escolas em locais de práticas reflexivas e
universidades, em espaços abertos à sociedade, através da construção de um campo
ampliado de formação docente formulado a partir do diálogo com comunidades
epistêmicas amplas.
Através de um Projeto de Extensão, um grupo de 28 professores e estudantes de
19 escolas e 1 universidade públicas, autointitulado Coletivo Investigador, desenvolveu
oFórum de relações entre escolas e universidade, com o objetivo de, a partir da
implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), investigar as condições
de que dispunham as escolas para responder democraticamente à nova politica.
A revisão das condições epistêmicas nas quais se apoiam as práticas de
formação de professores tem relações diretas com as interações entre escolas e
universidades, o que implica uma revisão das relações de saberes entre ambas. No
entanto, é necessário nos perguntarmos: Como se efetiva a parceria entre escola e
universidade, se a perspectiva de construção de conhecimento sempre foi de
responsabilidade exclusiva da universidade? Enquanto isso, as escolas são
compreendidas como espaço de práticas do conhecimento produzidas na universidade.
Nóvoa (2011) e Silva Jr. (1990) destacam a dimensão coletiva da prática
docente como sendo uma ação que se realiza inclusive através da colaboração. Afirmam
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Objetivo
Fundamentados na ideia de que currículos são campos de disputas, afirmamos a
urgência na valorização da escola pública frente aos violentos ataques que vêm
sofrendo. Através da instauração de um espaço de pesquisa coletiva, reagimos frente as
forças que insistem em gestar a escola pública sempre de fora para dentro e tomamos o
cotidiano escolar como campo de pesquisa apoiados nos conhecimentos científicos
atualizados da Educação. Nesse contexto, a pesquisa teve como objetivo
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Foi através das ideias de Freire (2006) para os Círculos de Cultura, que Franco
(2016) elaborou os dispositivos para a Pesquisa-Ação Pedagógica, destacando três
momentos: a) a investigação temática, quando os componentes do Círculo buscam nas
experiências dos participantes os temas para seus processos educativos; b) a
tematização, quando o grupo decodifica estes temas; e c) a problematização ou o meio
pelo qual as experiências são perspectivadas através da visão crítica em diálogo com
outras referências. Nosso percurso metodológico foi construído sobre estas bases:
partimos de nossos saberes comuns na direção da práxis, experienciando, num processo
contínuo de autoconscientização, reflexões sobre nossas circunstâncias e perspectivas.
A autora afirma que a pesquisa em educação tem uma perspectiva
eminentemente pedagógica, pois estuda as práticas educacionais por meio da
participação dos próprios sujeitos, agindo também no campo da formação dos
envolvidos, transformando-os. Essa opção pressupõe a integração dialética entre o
sujeito e sua existência, entre fatos e valores, entre pensamento e ação e entre
pesquisador e pesquisado (FRANCO, 2012). A pesquisa-ação voltada para a formação
contínua de professores foi denominada por Franco (2016) de pesquisa-ação-
pedagógica, pois tem a formação como objetivo principal.
A dinâmica de um processo formativo centrado na escola, como propomos,
vincula o ensino à pesquisa e a pesquisa à extensão, objetivando formar o professor,
como profissional, capaz de compreender e atuar na realidade educacional
contemporânea; da mesma forma que cria condições para a universidade expandir seu
papel social. A pesquisa configura-se espaço de formação articulado à extensão
universitária, como “braços” da universidade que, através do diálogo e de
compromissos pactuados, ampliam a ação universitária para estar em algumas escolas
do município. Por outro lado, busca, também, trazer para dentro da universidade o que
Sousa Santos (2010) propõe como “extensão às avessas”, quando se constrói condições
de outros saberes e atores atuarem no interior da universidade, convidando os
professores das escolas a refletirem juntos com os estudantes universitários em espaços
de formação continuada.
As fases da pesquisa
Refletindo juntos, nosso pensamento foi adquirindo diferentes “formas” durante
o processo, todas complementares. Baseados em Franco (2016), podemos destacar
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Com base neste artigo, estruturamos um formulário que identifica a escola; o(s)
pesquisador(s); data; as propostas pedagógicas desenvolvidas para o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e para qualificá-la para o
trabalho; a equipe da escola responsável pela proposta identificada e as condições
encontradas pelo pesquisador para realizar a pesquisa nas escolas.
Para as pesquisas nas escolas, professores (em alguns casos, reunidos a
estudantes da universidade) constituíram pequenos grupos (houve também professor
que trabalhou individualmente) e saíram a campo nas suas próprias escolas, buscando
levantar as informações que constavam no formulário. Para isto, utilizaram ferramentas
distintas: rodas de conversas, entrevistas semiestruturadas e análises de documentos das
escolas.
Nos dados reunidos, identificamos propostas variadas como ações voltadas para
famílias e comunidades (17%), ações articuladas com o sistema de saúde (7%), ações
desenvolvidas pelo Programa Mais Educação do MEC (5%), ações articuladas à cultura
local de escolas (3%), ações em diálogo com as linguagens artísticas (5%), ações
voltadas para ampliar a participação de estudantes nas escolas (23%), ações de combate
a preconceitos sociais (20%) e 20% de ações genéricas não identificáveis aos objetivos.
Em relação às condições para a pesquisa encontradas nas escolas: 45%
indicaram que havia boas ou satisfatórias condições para as relações de investigação
pedagógica. Por outro lado, para 55% dos professores, há nas escolas muita resistência
às demandas voltadas para investigações pedagógicas nas escolas. Um dos desafios
nesta rede é o de promover mais espaço para a pesquisa e o debate pedagógico no
cotidiano escolar.
Considerações e Perspectivas
A pesquisa buscou contribuir para a construção de conhecimentos através de
relações partilhadas entre a universidade e escolas numa cidade do Rio de Janeiro.
Nessa perspectiva, a investigação é um espaço partilhado interdisciplinar, de
convergência entre professores/pesquisadores, estudantes, lideranças sociais e
profissionais de distintas áreas de pesquisa e atuação. A pesquisabuscou um trabalho
articulado entre a Educação Superior e a Escola Básica, colaborando para a formulação
de conhecimentos socialmente referenciados para ambos os sistemas educacionais.
Podemos afirmar também que iniciamos um trabalho de desterritorialização da
formação docente. Porque questionamos a centralidade da universidade neste processo.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
preciso um Estado forte no campo da educação básica e da formação docente, onde são
produzidas as forças de trabalho ideologicamente submissas para o capitalismo atual. A
Educação é compreendida subordinada às metas do mercado internacional e é nessa
perspectiva que as políticas curriculares e os processos de ensino-aprendizagem serão
concebidos dentro de regimes de “gestão de qualidade”, que são instaurados em toda a
vida social a partir de uma agenda empresarial e não como políticas de garantias de
direitos cidadãos. A agenda se constitui de duas metas principais que estamos assistindo
também no Brasil: a primeira é assegurar que o ensino esteja vinculado aos princípios
de reprodução ideológica e econômica que marcam o neoliberalismo; a segunda e
favorecer que as empresas privadas possam fazer dinheiro e lucrar com a Educação.
Hill (2003), porém, destaca que a Educação não é uma mercadoria, e por mais
que se possa comprar os meios para a educação não é possível comprar o aprendizado
em si. Se as mercadorias geram lucros privados à Educação, é um bem que trabalha com
outro paradigma, precisa ser repartida, foge à posse do indivíduo, circula, é livre. Por
esta razão, o aprendizado pode prosperar apesar das medidas impostas pelo lucro. A
educação é movida por motivações que vão além da conquista de um bem, deseja
transformar, é imprevisível. Mesmo que tentem limitá-la a mercadoria, o ato de
aprender, de questionar é maior do que tudo o que o mercado exige para se autogerir.
É nesse sentido que compreendemos nosso papel como trabalhadores da
educação, como intelectuais capacitados para avaliarem criticamente uma gama de
perspectivas nas quais estamos inseridos e, ao mesmo tempo, desafiados a agirem de
forma emancipada. Como professores e estudantes em trabalho coletivo, estamos
exercendo formas de práticas intelectuais e políticas que deve sem compreendidas como
campo de lutas pelas relações de poder/saber.
Comprometidos com a resistência emancipatória, compreendemos o político
como pedagógico e o pedagógico como político. Ação e reflexão aproximam-se e
tornam a práxis um exercício que nos salvaguarda. No entanto, somos cautelosos em
relação aos potenciais por mudanças que possuímos. Há restrições crescentes nos
nossos espaços de trabalhos para o desenvolvimento de democráticas e emancipatórias.
Contra isso é necessário agir não importando a escala de nosso alcance e seus impactos.
A luta de professores estudantes pela educação pública é uma gramática da qual não
podemos nos afastar mesmo que devamos reconhecer que este é um momento crítico
para nosso país e para o mundo. Se somos perigosos para os capitalistas, como a
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
veracidade com que somos atacados comprova, só nos resta exercer nosso poder e falar
cada vez mais alto e em conjunto.
Referências
ALVES, Nilda. PNE, Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e os cotidianos das
escolas: relações possíveis? In: AGUIAR, Márcia Angela da S. e DOURADO, Luiz
Fernandes (Orgs.). A BNCC na contramão do PNE 2014-2024: avaliação e
perspectivas. Recife: ANPAE, 2018. [Livro eletrônico].
FRANCO, Maria Amélia. Pedagogia e prática docente. São Paulo: Cortez, 2012.
NÓVOA, António. Nada substitui um bom professor: proposta para uma revolução no
campo da formação do professor. In: GATTI, Bernadete Angelina et al. (Org.). Por
uma política nacional de formação de professores. São Paulo: Ed. UNESP, 2011.
sumário 1128
VII Seminário Vozes da Educação
Cinthya Nunes
FFP UERJ
cinthya.nunes14@gmail.com
Rosa Monaco
PROPED UERJ
rosa-monaco@hotmail.com
Introdução
O ensino de adultos no Brasil sempre foi marcado por alternativas que pudessem
suprir os altos índices de alfabetização e de desescolarizados no território nacional. Haja
vista que os dados no ano de 1940 indicavam que 56% da população adulta brasileira
eram formados por analfabetos (MOBRAL, 1973, p. 9); em 1960 a taxa era de 39,6%; e
em 1970 esteve na ordem de 33,6% (IBGE, Centro Demográfico de 1970). O histórico
do país denotara a incapacidade dos sistemas de ensino em suportarem a crescente
demanda de escolarização que se formava ao longo dos anos, principalmente no século
XX. Mediante este cenário educacional nacional, o Estado tratou de traçar estratégias
para alcançar o público adulto. Para esse fim, investiu-se no ensino a distância, e entre
este, o ensino via rádio. Houve, com isso, a intenção de promover o acesso ao ensino
para diferentes públicos por meio de projetos e/ou programas educativos sob a esfera
nacional.
Entre as inúmeras alternativas citamos algumas que tornaram-se expressivas nas
estações de rádio como: o Serviço de Radiodifusão Educativa (1943-1951), que
funcionava como órgão subordinado do Ministério da Educação que tinha como
objetivo organizar a radiodifusão educativa do Brasil e dirigir a Rádio Ministério da
Educação a PRA-2, antiga Rádio Sociedade; a Universidade do Ar (1941-1945),
transmitida pela Rádio Nacional com a proposta de formar os professores do ensino
secundário; o Movimento de Educação de Base (MEB) (1961-1966), coordenado por
bispos da igreja católica e pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), estruturado
através de uma rede de escolas radiofônicas; o Projeto Minerva (1970-1989), destinado
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
à educação de jovens e adultos acima de 17 anos que contou com o apoio do material
didático para o acompanhamento.
Em especial, dois desses programas, que tiveram suas aplicações durante
períodos dominados pelo regime militar, nos saltaram aos olhos tornando-se alvo desta
investigação. Sendo assim, este trabalho tem o objetivo de compreender as concepções
de educação via rádio do Serviço de Radiodifusão Educativa (1943-1951) e do Projeto
Minerva (1970-1989). Nosso interesse se justifica pela inexistência de trabalhos, na
perspectiva da História da Educação, que abordem os dois programas. Para isso,
utilizaremos como fontes teóricas e metodológicas: Salgado (1946); Horta (1973);
Ferreira (1974); Velho (1981); Rangel (1997); Pimentel (1999); Calabre (2004);
Capelato (2012); entre outros. Este trabalho está dividido em cinco partes: Introdução;
O princípio de tudo; O Serviço de Radiodifusão Educativa (1943-1951); O ensino
supletivo pelo Projeto Minerva (1970); e as Considerações iniciais; uma vez que a
pesquisa está em construção permanente.
O princípio de tudo
O rádio constituiu-se como recurso tecnológico inovador, possibilitando maior
integração entre os povos. De acordo com Salgado (1946), o rádio surgiu no século
XIX, aproximadamente na década de 1860, a partir da descoberta da existência de ondas
eletromagnéticas, por Maxwell (1839-1879). Este fato possibilitou o desenvolvimento
de pesquisas que levaram à descoberta de ondulações elétricas. Essas poderiam ser
transmitidas a distância, por meio de um aparelho que ficou reconhecido como
ressoador Hertz. No Brasil, a comemoração do Centenário da Independência em 1922
foi o marco da transmissão radiofônica. Nesta ocasião, o Presidente Epitácio Pessoa, no
dia 7 de setembro de 1922, propagou seu discurso na inauguração da Exposição
Internacional do Centenário da Independência. Foi uma grande novidade, revelando à
sociedade a nova tecnologia de comunicação. A partir desse evento surgiram outras
iniciativas de radiodifusão.
No Brasil a década de 1920 foi expressiva para desenvolvimento do país. Havia
um movimento de progresso que circulava em diversas áreas como: educação, saúde,
direito, urbanismo e entre outras. O ano de 1922 foi significativo nas artes, com a
Semana da Arte Moderna; na política, com o Centenário da Independência; e na
tecnologia, com o investimento em recursos para a transmissão via rádio (RANGEL,
2010). A partir desta comemoração foram criadas estações de rádio como: a Rádio
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VII Seminário Vozes da Educação
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quando Gustavo Capanema conseguiu definir que a Rádio Ministério da Educação seria
gerida pelo Serviço de Radiodifusão Educativa. Como afirma Nunes (2018):
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VII Seminário Vozes da Educação
comerciais, partidários, uma vez que esteve voltada à causa educacional na formação do
Brasil. O Serviço de Radiodifusão Educativa atuava como órgão do Estado que era
responsável pela Rádio Ministério da Educação. Ofertava conhecimento de forma geral
e específica aos conhecimentos destinados às zonas rurais, bem como assuntos para
mulheres, crianças e, também, para jovens e adultos. Com objetivo de assumir um papel
importante na formação do povo, as transmissões davam oportunidade de integrar o
país, oportunizando o acesso à educação as populações marcadas pelo abandono. De
acordo com Nunes (2018):
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Considerações iniciais
Apesar dos distanciamentos percebidos nos contextos históricos que estão
inseridos, tanto no Serviço de Radiodifusão Educativa (1943-1951), quanto no Projeto
Minerva (1970), ambos os programas se aproximaram no seu ideal fundador: levar a
educação para cada canto do país, ofertando o conhecimento para além da escola. Em
comum, foram aplicados em momentos políticos de poder legítimo coercitivo, tendo os
governantes no poder, a educação como meio para a propagação dos seus ideais. Em
contrapartida, houve favorecimento por meio dos mesmos programas para que a
educação fosse levada além dos prédios escolares.
O Serviço de Radiodifusão Educativa foi dividido em dois momentos: o
primeiro (1937-1943) regulamentação e o segundo (1943-1951) de implementação. O
período de 1937 a 1943 marcou as disputas políticas para a sua regulamentação. Neste,
a Rádio Ministério da Educação funcionou de forma precária, apenas com o material
doado pela antiga Rádio Sociedade. O segundo período de 1943 a 1951 foi iniciado com
o ingresso de Fernando Tude de Souza para a direção do Serviço e da Rádio Sociedade.
Na sua gestão, a rádio foi aprimorada com novos materiais e estruturas, além disso,
também pode expandir os ideais roquettianos de levar a educação para aonde a escola
não chegava.
Com este propósito, Fernando Tude de Souza dedicou-se a transmitir programas
educativos, promover o problema da alfabetização, da educação de jovens e adultos,
com aulas extracurriculares, cursos para professores conferidos pela Associação
Brasileira de Educação (ABE), e conferências por meio da rádio Ministério da
Educação. Pode-se constatar que a presença de Fernando Tude de Souza na direção do
sumário 1136
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ALMEIDA, Antonio Luis Mendes de. Reforma do Ensino: a Hora Crítica da
Educação. Rio de Janeiro: CEA, 1974.
130
C.f.: ALONSO, Katia Morosov. "Educação a distância no Brasil: A busca de identidade" In: Preti, O.
(Org.), Educação a distância: Inícios e indícios de um percurso. Nead/IE – UFMT. Cuiabá: UFMT,
1996, p. 57-74.
131
C.f.: PAVAN, Alexandre. Em busca de sintonia. Revista Educação, São Paulo, Editora Segmento,
edição n. 246, outubro de 2001.
sumário 1137
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
CAPELATO, Maria Helena. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: DELGADO,
Lucília de Almeida Neves. O tempo do nacional estatismo: do início da década de
1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
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VII Seminário Vozes da Educação
PIMENTEL, Fábio Prado. O rádio educativo no Brasil, uma visão histórica. Rio de
Janeiro: Soarmec Editora, 1999.
______; CAMARA, Sonia. Educando o Brasil nas ondas do rádio: Fernando Tude de
Souza e o projeto de radiodifusão educativa no Ministério da Educação e Saúde Pública
(1943-1951). In: SOUZA, Josefa Eliana (org.). Intelectuais da Educação e Educação
escolar. Maceió: Edufal, 2017.
SANTOS, Jose Carlos. “Eu cresço com o Minerva e o Brasil cresce também”. O
Projeto Minerva pela radiobrás: a experiência em Sergipe (Brasil - 1970/1985). Porto
Alegre: PUC-RS, 2016. 234p. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Disponível
em: < http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7093>. Acesso em ago. 2017.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Na intenção de começar este diálogo, trago esta poesia declamada pelo poeta
Everson Anderson durante o SLAM, uma batalha de poesias realizada nos espaços
públicos da cidade. Jovens e adolescentes se reúnem para através da poesia relatarem a
realidade de grande parcela da população brasileira, que vive na pobreza; depende dos
serviços precários de saúde, segurança, educação e que vivem diariamente a violência
sistêmica, o machismo e o racismo.
Para realizar esta conversa a qual me proponho, busco trazer dados que
concretizam essa realidade na cidade do Rio de Janeiro e São Gonçalo, território no qual
se localiza a Faculdade de Formação de Professores (FFP – UERJ) em que venho
transitando nos últimos quatro anos como estudante do curso de Licenciatura em
Geografia. Na qualidade de estudante e bolsista de Iniciação Científica(CNPq/UERJ),
venho participando da pesquisa “A infância, a escola e a cidade: investigando
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Sendo que 555 eram homens. Desse número total, 273 vítimas eram pardas, 145
eram pretos e 98 eram brancos. A política de segurança executada na região
metropolitana do Rio de Janeiro tem cor.
Dados deste mesmo instituto mostram que entre 2014 e 2018, na cidade do Rio
de Janeiro, Niterói e São Gonçalo foram mortas ao todo 2.191 pessoas pardas/pretas,
enquanto que 428 pessoas brancas morreram. A faixa etária mais atingida por ações
policiais é entre 14 a 24 anos, ou seja, adolescente e jovens, majoritariamente pardos e
pretos. Veja os gráficos a seguir:
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estavam fora da escola. O principal motivo para que adolescentes nesta faixa etária
evadam da escola se deve ao fato da necessidade de trabalho.
No Estado do Rio de Janeiro estima-se que 70 mil crianças e adolescentes
estejam em situação de trabalho infantil, isso significa que o estado tem a maior
proporção de trabalho infantil urbano do país. Em reportagem realizada pelo G1,
crianças e adolescentes que trabalham no centro da cidade do Rio de Janeiro relataram
que o dinheiro de suas vendas ajuda a comprar o essencial para a alimentação de sua
família: o arroz e o feijão.
Dados do IBGE (2010) e da Secretaria Municipal de Educação de São Gonçalo
mostram que não está ocorrendo ampliação de vagas nas redes públicas de educação
infantil afetando principalmente os moradores de bairros periféricos. A pobreza, o
desemprego e a precariedade urbana se ampliam, principalmente nos bairros e
loteamentos irregulares como nos bairros do Salgueiro, Jardim Catarina e Itaoca
(TAVARES; LARANJEIRA; OLIVEIRA, 2019, p. 175).
São crianças, adolescentes, pobres, negros, moradores de favelas inseridos na
perpetuação da lógica do corpo destinado à produção.
Sendo assim, é imprescindível para os detentores dos meios de produção que
essa condição econômica e social se perpetue, para que a mão de obra continue barata e
a consciência alienada, sendo assim, moderada a ameaça de mobilizações, estas sim,
devem ser de toda forma contida, pois estagnam o funcionamento das atividades
realizadas na cidade, e param a produção, causando desta forma prejuízo. Por isso, a
alienação do sujeito sobre a sua própria condição é tão importante para a elite, uma vez
que impede a noção de coletividade entre os trabalhadores.
Entretanto, a questão do direito à cidade (LEFEBVRE, 1991), vem se
tensionando nas últimas décadas, culminando frequentemente na organização de
parcelas da sociedade civil para reivindicar o direito de viver a cidade plenamente de
forma que possam exercer sua condição de ser cidadão.
Em junho de 2013, a sociedade civil se mobilizou para reclamar seus direitos. A
inicial proposta de manifestação, organizada pelo MPL - SP (Movimento Passe Livre –
São Paulo) começou tímida com quatro mil estudantes indo às ruas, na região
metropolitana de São Paulo, para protestar contra o aumento de 20 centavos no valor da
tarifa dos ônibus. Em poucos dias se tornou uma manifestação que ocorria em muitas
cidades, culminando “em protestos amplos e generalizados no país, que não ocorriam
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desde 1992” (SECCO, 2013, p.71) com adesão de cerca de 3 milhões de pessoas em
escala regional.
Segundo o Movimento Passe Livre - São Paulo, ao formular a questão da
organização da manifestação contra o aumento da tarifa como forma de luta pelo direito
à cidade, disse
Para o Movimento Passe Livre – SP, as catracas sendo uma barreira física, são a
materialização da barreira construída historicamente ao pobre, produzindo espaços de
exclusões. Além das catracas, outras barreiras se fazem presentes no acesso aos
shoppings, nas entrevistas de empregos, nas escolas, nos espaços de lazer, como as
praias. Em 2015, as obras na “cidade linda” estavam a todo o vapor. A cidade
maravilhosa daqui a um ano seria sede dos Jogos Olímpicos, logo era necessário que a
imagem dessa cidade fosse veiculada nos canais de comunicação de vários países, de
forma que atraísse possíveis turistas ao país.
Mas por trás de todo esse esplendor, existia uma forte política de segregação,
uma vez que jovens moradores da zona norte e oeste que aos finais de semana seguiam
para as praias da zona sul eram frequentemente retirados (sem motivo) dos ônibus e
levados para o Centro de Atendimento à Criança, onde ficavam retidos aguardando a
chegada dos pais. Além disso, no mesmo ano foram extintos itinerários de 22 linhas
dificultando o acesso dos moradores de favelas/periferias como a Maré, Jacaré, Ramos e
Olaria às praias. Esses são só alguns da enorme lista de situações que podemos citar
neste artigo para exemplificar as questões do direito à cidade, tão negado a grande de
nossa sociedade.
Ser cidadão nessa estrutura societária já é algo desafiador (e desafiante! No
sentido de que os que lutam pela sua condição de cidadão desafiam as camadas
superiores dessa estratificação classificatória) para os adultos, que dirá para as crianças
que equivocadamente são entendidas como sujeitos “vir-a-ser”, ou seja, que estão em
formação”( CATRO et al, 2008, p.182). Mas não estão os adultos também sempre em
formação no sentido biológico, psiquíco e profissional? As crianças são consideradas
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pela atual lógica capitalista como àqueles que trarão as mudanças e a inserção
tecnológica no futuro, quando a ‘atualização do sistema operacional’ estiver concluída.
Entretanto, como esse objetivo pode ser alcançado com a oferta de uma
educação precária, um serviço de saúde insatisfatório, a deficitária oferta de
equipamentos culturais e baixo investimento em tecnologia? Como sair da condição
icônica de país agrário - industrial - exportador que remonta desde a colonização? São
perguntas para provocar a reflexão para quem sabe, uma próxima conversa.
As crianças assim como os adultos estão na cidade, seja dentro dos carros, nas
ruas, nas escolas, nas praças, em casa, nos diferentes equipamentos urbanos. É
importante ressaltar que na cidade temos a presença de crianças que vivem os espaços
da cidade só de passagem, outras tem condições de acessar espaços culturais e
destinados ao lazer e outras estão na cidade, mas em condições subumanas de vida.
Mesmo estando em condições sociais distintas, o comum entre essas crianças, é
que elas são tratadas como se (ainda) fossem seres sem capacidade intelectual, sendo
assim não capazes de decidir o que é melhor para si. Mas na verdade devem ter o seu
direito à participação social garantido através de políticas econômicas e sociais, como
nos convida a pensar o Estatuto da criança e do adolescente (ECA,1990).
Concordo com Aquino e Gonçalves (2018, p.33) quando dizem “A problemática
aqui trazida procura questionar (grifo meu) justamente o fato de que, sob o manto da
proteção, a criança para ser feliz deve ser alienada dos dolorosos processos de luta
gerados em uma sociedade profundamente desigual”.
É urgente que os adultos deixem de falar pelas crianças acerca de assuntos que
dizem respeito a elas, dando vez a voz e ao lugar de fala dessas crianças, mesmo que
seja sobre assuntos que convencionalmente os adultos respondem por elas. Denoto ser
importante a o estabelecimento de redes de solidariedade entre crianças e adultos,
estabelecendo assim uma relação dialógica onde ambos buscam se compreender como
sujeitos que vivem lado a lado no espaço e são influenciados pela questão urbana de
modos distintos.
Defendendo essa relação dialógica, ressalto que as crianças demonstram
interesse em estabelecer este vínculo relacional e democrático. Mas percebo maior
resistência por parte dos adultos, muitas vezes de forma subconsciente de suas ações,
talvez por não reconhecer as crianças como sujeitos competentes (CASTRO, 2013),
capazes de formularem questões tão complexas quanto a que os nós (os adultos)
fazemos.
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Elas têm as suas próprias formas de questionar, assim como Lopes (2018)
compartilha conosco a experiência que teve ao ser questionado por uma criança sobre
para onde era que o sol ia depois que ele se escondia. Obviamente, a curiosa criança não
sabia (ainda) sobre o movimento de rotação do planeta Terra e que na verdade o sol
permanece estático. Mas sua pergunta não deixa de ser válida, assim como não se
apresenta de forma incorreta, se mesmo os adultos dizem que o sol se “põe” e “nasce”
todos os dias. O significado do verbo pôr é sinônimo de colocar em algum lugar. Então
os adultos assim como as crianças dizem que o sol se coloca em algum lugar e nesse
movimento de ir para algum outro lugar, ele se esconde para nós.
As perguntas das crianças são repletas de lógicas, as lógicas infantis (LOPES,
2018) e o modo como perguntam não deve ser desqualificado por nós, adultos,
tampouco repreendidas, pois basta pensarmos que até Isaac Newton um dia deitado
debaixo de um pé de maçã buscando entender por que a lua não se afastava da terra,
observou uma maçã caindo e construiu a hipótese de que a lua era influenciada por uma
força assim como a maçã também era influenciada. Isso não lhe provocou o
entendimento, mas lhe provocou o início de uma pesquisa e a realização de
experimentos que mais tarde resultaram nas Leis de Newton. Daí a importância de
escutar o que as crianças têm a (nos) dizer e compreendê-las em suas linguagens.
As crianças, ao contrário do que pensamos, expressam pensamentos críticos
acerca de diversos assuntos, pois com frequência surpreendem nós adultos com
perguntas que nem mesmo havíamos parado pra pensar ou que mesmo não sabemos as
respostas. Apresento a seguinte citação:
É bem verdade que adultos também muitas vezes deixam de manifestar sua
opinião ou de fazer alguma pergunta por receio de ser rechaçado. Mas as crianças
geralmente, demonstram seus pensamentos de forma tão natural e descontraída,
demonstrando toda a sua curiosidade, sem medo de ‘respostas erradas’, pois na sua
criatividade, na sua lógica de pensamento, respostas erradas são relativas. Elas
produzem histórias, culturas, novas formas de ver o mundo, criam soluções originais e
inventivas para as questões que as afligem. Assim como nos diz Perez e Borges (2018),
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elas criam os seus biografemas, ou seja, invenções de novas línguas, novas formas de
narrar as suas “Artes de Fazer” (CERTAU, 1996) a partir do seu cotidiano, trilhando
novos caminhos e fazendo descobertas.
Através da pesquisa de inspiração etnográfica, venho buscando compreender a
criança como sujeito ativo, participantes e construtores de saber, bem como cidadão de
direito. Barbosa (2014) vai nos dizer que as crianças são produtoras de conhecimento e
é importante que as pesquisas sejam conduzidas de forma ética e que o/a pesquisador/a
saiba escutar e compreender as crianças na pesquisa, dando a devida importância e
visibilidade aos seus projetos, produzindo transformações no modo de ver a infância,
não somente como vulnerável, mas como agente ativo da mudança social.
Portanto, pesquisar com as crianças exige do pesquisador, uma postura ética e
reflexiva acerca das ações, de modo que o protagonismo da criança não seja descartado,
mas sim reconhecido. A pesquisa com os pequenos exige que o/a pesquisador/a
desenvolva a escuta sensível (BARBIER, 1993) de modo que possa compreender o
outro na sua singularidade, na sua alteridade. A escuta sensível não pressupõe somente
um bom ouvido, mas o desenvolvimento de uma escuta que envolva todos os quatro
sentidos, sem a imposição de um juízo de valor. Logo a escuta sensível exige que o
pesquisador questione e possa ter uma compreensão ativa sobre os pré-conceitos
adquiridos ao longo da vida, para que assim possa escutar o outro na sua singularidade e
modo de ser e estar no mundo.
Tavares (2018) em seus estudos sobre as infâncias e a cidade de São Gonçalo,
defende a concepção de “alfabetização cidadã”, que implica em mais do que aprender
a ler e escrever, é necessário aprender a ler o mundo, seu contexto, localizar-se no
espaço. É ler o espaço e pensá-lo como construção social e histórica da ação humana. O
geógrafo Milton Santos (2006, p.63) também concorda que o espaço é uma construção
humana. Ele vai dizer que o espaço é “formado por um conjunto indissociável, solidário
e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.” Ou seja, o homem a
partir da técnica domina a natureza transformando-a em objetos através de sua ação e
intencionalidade. Nesse processo, o homem transforma a natureza e a si mesmo,
construindo a sua história: a história da humanidade.
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Referências
ABREU, Maurício de Almeida. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
IPP, 1988.
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MPL – SP (Movimento Passe Livre- São Paulo). Não começou em Salvador, não vai
terminar em São Paulo. In: Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que
tomaram as ruas do Brasil. Ermínia Maricato [et al.] 1 ed. São Paulo: Boitempo:
Carta Maior, 2013. p.13-18.
______. Há cidadãos neste país? In: O espaço do cidadão. São Paulo – SP: Editora da
Universidade de São Paulo, 2007, p. 19 - 30.
______. O cidadão mutilado. In: O espaço do cidadão. São Paulo – SP: Editora da
Universidade de São Paulo, 2007, p.31- 46.
SILVA, A. G. S et al. Rodas de conversa: uma escuta sensível às vozes das crianças. In:
CARREIRO, H. J. S; TAVARES, M. T. G (Orgs). Estudos e pesquisas com o
cotidiano da educação das Infâncias em Periferias Urbanas. São Carlos – SP: Pedro
e João Editores, 2018, p. 277 - 290.
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G1.com. Secretário de educação do Rio de Janeiro admite que não tem vaga para
todos os estudantes. Disponível em:<https://g1.globo.com/rj/rio-de-
janeiro/noticia/2019/02/18/secretario-de-educacao-do-rj-admite-que-nao-tem-vaga-
para-todos-os-estudantes.ghtml> Acesso em 12 out. 2019
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Fora da escola não pode!
Disponível em: <http://www.foradaescolanaopode.org.br/mapa-da-exclusao-escolar-no-
brasil> Acesso em: 13 out. 2019
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Introdução
Analisando a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, observamos que esta
modalidade da Educação Básica reverbera uma trama imbricada de relações tensas entre
Estado e Sociedade Civil, envolvendo instituições não governamentais e ainda os
movimentos sociais. Diante desta situação, observa-se implementações recorrentes de
políticas neoliberais, onde a educação é tratada mais como um negócio do que um
direito fundamental propriamente dito.
Ao disponibilizar a escolarização de jovens e adultos, o Estado na verdade busca
ofertar a educação para o trabalhador em uma perspectiva ressignificada, objetivando
uma formação voltada para o mercado de trabalho, desconsiderando a complexidade do
problema de educar sujeitos que durante muito tempo estiveram ausentes do processo
educacional escolar, ou sequer nele chegaram a ingressar. Nesta formação serôdia
vemos jovens e adultos, em sua maioria trabalhadores (assalariados ou não), alguns
casados, outros já com filhos, buscando meios de melhorar sua vida profissional ou
pessoal. Essa busca pode ser imposta por exigência do mercado de trabalho ou pelo
desejo de entender o mundo em que vivem, conhecer seus direitos e deveres para assim
estarem aptos a exercer sua cidadania plena.
Por outro lado, uma das responsabilidades sociais mais destacadas do Estado
contemporâneo é a garantia do direito à educação elementar dos seus cidadãos, não
importa a idade, e de oportunidades de alfabetização, letramento e educação continuada
ao longo da vida. Contudo, é nítido que isto nunca foi prioridade para os governos, pois
toda ação educacional sempre esteve voltada para o benefício das elites, o que fez com
que uma imensa população adulta analfabeta ou pouco escolarizada entrasse no
mercado de trabalho, tanto nas áreas rurais como nas urbanas, produzindo desigualdades
num sistema que se retroalimenta.
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Políticas Públicas: frutos de uma relação complexa e tensa entre Estado, Governo,
Sociedade e Educação de Jovens e Adultos
Um importante fator a ser levado em consideração na análise das desigualdades
sociais é o acesso ao conhecimento. Para entender o fenômeno da exclusão social de
grande parte da população brasileira, antes de tudo precisamos entender o nosso
processo histórico.
Desde o início de nossa história, nega-se às camadas populares o direito social
básico de educar-se. As políticas públicas sociais surgiram como forma de resposta do
Estado ou Sociedade (neste caso, a sociedade civil) através de leis que asseguram o
direito e levam ao exercício da cidadania (direito que emana do povo) em questões
como saúde, educação, esporte, lazer, etc. Por outro lado, as políticas públicas dão
respostas às demandas existentes na sociedade, por consequência da questão social.
De acordo com Höfling (2001), as políticas públicas podem ser compreendidas
como projeto de ações do Estado que vão atender setores específicos da sociedade
através de programas implementados pelo projeto do “Estado em ação”.
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Dessa forma, a autora destaca mudanças que não foram significativas e deixaram
a desejar na transformação histórica indispensável para a modalidade e seu respectivo
público-alvo. Os trabalhadores não enxergaram na modalidade a identidade precisa para
dar continuidade ao seu conhecimento. Por esse motivo, não assumiram à EJA como
parte integrante da educação básica, consequência de uma redação malfadada da lei que
não buscou romper com os paradigmas históricos destinados à esta modalidade.
Assim, faz-se necessário analisar, além do contexto histórico desta modalidade
em nosso país, alguns dos programas executados e o seu financiamento.
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O PAS constituiu-se, na condição de programa oficial, como uma das ações desenvolvidas pelo
Conselho da Comunidade Solidária, órgão criado pelo governo federal, desde 1995, tendo como papel a
mediação entre parceiros públicos e privados para ações que visassem reduzir os índices de desigualdades
e as “condições subumanas do povo” (BRASIL. CCS, 1997, p. 9 apud Machado, 2009, p.20)
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O que parecia evoluir para fundamentação coerente de política pública sofreu influência
de um governo neoliberal. Vetado o orçamento que implicaria na ação das metas, o
presidente Fernando Henrique Cardoso não aprovou a lei de financiamento das metas,
que em tese garantiria a ampliação dos recursos advindos do orçamento da União para o
investimento na educação, segundo Machado (2009). E o que era para ser realizado em
um ano (conforme estabelecia a Lei n.º 10.172/2001 para que os estados que a
executassem) levou em torno de nove anos, e mesmo assim, pouco estados colocaram
em prática. O veto dado às metas prosseguiu e permaneceu no governo seguinte do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E a lei acabou sendo de pouca relevância para a
educação.
Alguns Estados do Nordeste procuraram reverter o efeito do veto do Presidente
Fernando Henrique Cardoso quanto a participação da EJA no Fundef e buscaram criar
outro programa intitulado como “Programa Recomeço”, que mais tarde ficou conhecido
como “Programa Supletivo”. A Bahia foi um dos Estados que procurou reverter à falta
de financiamento e passou a contar as turmas de alunos da EJA como classes de
aceleração.
Segundo Rummert e Ventura (2007), com a exclusão da EJA de receber o
financiamento do Fundef a modalidade ficou praticamente sem nenhum recurso até
2001, quando foi criado o Programa Recomeço133.
O programa foi financiado pelo Fundo de Amparo à Pobreza, criado no ano
2000 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Esse Fundo tinha como objetivo
financiar projetos de assistência social. A finalidade do programa estava no
enfrentamento da diminuição do analfabetismo de jovens a partir de 15 anos e da baixa
escolaridade.
133
“Também cabe considerar que o Recomeço integrou o Projeto Alvorada14, responsável por articular
programas sociais, de infraestrutura e desenvolvimento focados na redução das desigualdades regionais e
melhoria das condições de vida nos locais mais pobres do Brasil, identificados a partir do seu IDH”.
(RUMMERT; VENTURA, 2007, p.38).
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134
“O PBA foi criado pelo Ministério da Educação e coordenado pela Secretária Extraordinária de
Erradicação do Analfabetismo (SEEA) em janeiro de 2003, mas somente oficializado pela Lei 10.880, de
9 de julho de 2004.” (ALVARENGA, 2010, p.183).
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135
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação – Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual (um fundo por estado
e Distrito Federal, num total de vinte e sete fundos), formado, na quase totalidade, por recursos
provenientes dos impostos e transferências dos estados, Distrito Federal e municípios, vinculados à
educação por força do disposto no art. 212 da Constituição Federal. Disponível em
<http://www.fnde.gov.br/financiamento/fundeb/sobre-o-plano-ou-programa/sobre-o-fundeb>. Acesso em:
31 de jul.de 2019.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Por conta desse motivo, o texto sobre o Parecer, que teve como relator Carlos
Roberto Jamil Cury, auxiliado por outros autores, procurou ressaltar as funções da EJA
para evoluir com a obrigatoriedade da oferta desta modalidade:
Antes de o Parecer ser consolidado como documento oficial da EJA, foram realizadas
reuniões que tinham como representantes organizações e líderes importantes (a
Universidade de Brasília – UnB e o Serviço Social da Indústria – SESI, com o apoio da
UNESCO) para a construção desta modalidade de ensino, que trabalhava com a ideia de
profissionalizar os estudantes da EJA.
Deste modo, o Parecer foi discutido em cada tópico até a sua formação
organizacional, sempre tendo a supervisão do MEC. “As sugestões, as críticas e as
propostas foram abundantes e cobriram desde aspectos pontuais até os de
fundamentação teórica.” (BRASIL, 2000).
O relator do Parecer deixa explicito a função reparadora da EJA, que é de
compensar uma dívida história social, que Brasil tem com essa população. E qual
população seria essa? Os analfabetos e iletrados? Sim, mas existe todo um contexto por
trás dessas pessoas comprovado por estática e pesquisas, contexto de pobreza,
desemprego, evasão entre outros motivos.
Segundo o autor do Parecer, em 1996, mesmo após a Constituição Federal de
1988 e a LDBEN, havia um número elevado de evadidos entre os jovens e adultos e isso
ocasionou o mau rendimento da escolarização. Esse índice atingia em maior proporção
famílias pobres, que moravam em locais afastados do centro da cidade e também os
afrodescendentes. Por meio desses fatores, há uma compreensão que o problema da
evasão não está associado apenas à educação (um fator importante para igualdade de
direitos), porém está associado aos problemas históricos sociais do Brasil.
Portanto, quando um jovem ou adulto não consegue iniciar ou dar continuidade
a sua trajetória escolar por causa dos problemas sociais, automaticamente ele é privado
de viver uma democracia participativa que inclui conhecimentos, reflexões e
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Considerações finais
O dualismo escolar constitui historicamente uma característica da organização
educacional brasileira: um tipo de escola de ensino profissional, destinada,
principalmente, para as classes subalternas; e outro tipo de escola, de caráter acadêmico,
destinado a preparar pessoas para formar a elite dominante.
Essa configuração dualista da escola é característica presente na maioria dos
países capitalistas. E este modelo estimula a seleção dos aptos e não aptos, de acordo
com um padrão pré-estabelecido pela tradição que ignora a cultura que o aluno possui,
bem como desconsidera o fato de que ele é coconstrutor do conhecimento.
Segundo Brandão (1981), a realidade da educação brasileira não segue o que é
prescrito pela legislação, ou seja, o sistema educacional legitima o ensino elitista
difundido no Brasil. O autor explica isso ao afirmar que esse sistema desigual é
garantido graças aos interesses políticos e econômicos de pessoas que se beneficiam
pela manutenção desse sistema, ao afirmar que a expansão do ensino privado no país
desobrigou o Estado de custear a educação, de modo que se configura o caráter elitista
da educação brasileira.
Assim, o descaso pelo ensino público tem sido uma constante desde o início de
nossa colonização. Desde o início, toda ação educacional estava voltada para o
benefício da aristocracia rural e da burguesia emergente. Não havia qualquer ação
consistente em prol da escolarização dos não ou pouco escolarizados. Uma imensa
população adulta analfabeta assumiu os postos de trabalho, tanto no campo como nas
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Referências
ALVARENGA, Marcia Soares de. Sentidos da Cidadania: Políticas de Educação de
Jovens e Adultos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
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Introdução
No Brasil o acesso à educação formal é reconhecido como direito humano e
social e por este motivo não pode ser negado a nenhum cidadão. No contexto brasileiro,
trata-se de um direito construído progressivamente. A história da educação nos mostra
que nosso país frequentemente adotou políticas que excluíam parcela significativa da
sociedade. Podemos falar da exclusão dos negros, mulheres, indígenas e pessoas com
deficiência, transtorno do espectro autista, ciganos, quilombolas, dentre outros. Esta
exclusão retrava (a) as formas sociais pelas quais o Brasil se organizava (a).
No que se refere a pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA)
e pessoas com altas habilidades /superdotação esta realidade se asseverou muito mais e
persiste até os dias atuais, visto que sua presença nos ambientes escolares
frequentemente é questionado, o que não acontece com as outras parcelas da população
acima citadas.
No entanto, segundo Mantoan e Santos (2012), a partir da Constituição Federal
de 1988, o Brasil em consonância com os movimentos sociais fortalecidos na década de
80, e com os movimentos internacionais de direitos das pessoas com deficiência, ao
definir a educação como direito de todos e como primeiro princípio do ensino a
igualdade de condições de acesso e permanência na escola, reafirmou o compromisso
com a inclusão plena de todas as crianças, jovens e adultos no sistema regular de ensino.
Para as autoras, a carta magna não deixa dúvidas quanto ao direito de todos
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A definição acima transcrita, da Política de 1994, nos faz perceber que a mesma
apresentava orientações gerais para implementação de práticas com o objetivo de
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especiais, e não provocando nas escolas discussões sobre as práticas educacionais que
poderiam ser as origens de tais dificuldades.
Além disso, o termo Atendimento Educacional Especializado não aparece na
resolução no 2/2001 do CNE conforme é concebido atualmente. Certificou-se que a
presença do termo “apoio pedagógico” deveria ser realizada nos espaços denominados
salas de recursos, para complementação ou suplementação ao currículo, conforme
podemos verificar a seguir:
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quais voltaremos aos períodos integracionistas, com práticas muito próximas da política
de 1994.
A proposta mesmo apresentando como referencial as mesmas legislações que
implementam o princípio da inclusão plena no Brasil, e utilizando um discurso
inclusivo, se distancia destes, quando apresenta em suas propostas modificações que
causarão imensurável retrocesso no direito de inclusão nas classes regulares dos alunos
público alvo da educação especial (LEPED/UNICAMP apud KASSAR, REBELO e
OLIVEIRA, 2018).
Ao apresentar dados estatísticos referentes ao aumento da matrícula na educação
especial, este documento apresenta dados referentes ao fluxo escolar, evasão e
retenção, específicos dos alunos públicos nas escolas regulares, como se tais percentuais
não fossem muito próximos aos percentuais dos alunos com desenvolvimento típico,
visto que uma análise detalhada destes mesmos aspectos, bem como dos resultados das
avaliações externas evidenciaria que os problemas apontados da inclusão escolar não
são privilégio apenas dos alunos desta modalidade, o que indica a necessidade de rever
a política educacional brasileira e suas formas internas de colaborar para a produção das
desigualdades sociais e não apenas propor modificações na PNEEI/2008.
Destaca-se dentre as mudanças propostas a nova definição do público alvo da
educação especial, pela política denominada por ela como “estudantes apoiados pela
educação especial”, que agora se dividem em apenas dois grupos: estudantes com
deficiência e estudantes com altas habilidades/superdotação. O documento utiliza o
conceito de deficiência a seguir:
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VII Seminário Vozes da Educação
serviços ofertados pela educação especial poderão colaborar para o processo de inclusão
dos mesmos e que os sistemas de ensino devem agir de forma intersetorial
principalmente com o sistema de saúde. De acordo com o código internacional de
doenças (CID 10) são os transtornos mentais: a esquizofrenia, o transtorno
esquizotípico, os transtornos delirantes persistentes, entre outros.
Entretanto, o retorno das escolas especiais e classes especiais é a alteração
proposta mais inconstitucional, visto que a CF de 1988 define claramente a educação
como um direito de todos sem nenhum tipo de condicionante para que os cidadãos
possam exercê-lo (MANTOAN, 2015; FÁVERO, 2011; LEPED/UNICAMP, 2018).
Em tempos de tantos retrocessos é preciso considerar que o princípio do direito
de acesso a uma educação formal com condições de pleno acesso, com condições para
permanência e aprendizagem na escola, foi um princípio defendido e construído pelos
diversos grupos da sociedade civil, que de forma organizada, por meio do movimento
de direito das pessoas com deficiência se fizeram presente no Brasil de forma muito
visível no período de redemocratização, que antecedeu a promulgação da CF de 1988
(BRASIL, 2010).
De igual forma é preciso considerar que a escolarização dos alunos em classes
comuns é reconhecida como um grande instrumento de desenvolvimento das pessoas
com deficiência. Esta afirmativa encontra-se fundamentada nos estudos da neurociência,
da psicologia, da pedagogia e tantas outras áreas do conhecimento que enfatizam a
importância de ambientes estimuladores, onde a demandas deste ambiente provocam
nos alunos formas elaboradas de pensamento (FERNANDES & CORREA, 2008).
Quanto ao Atendimento educacional especializado (AEE), a nova política
proposta, se tornada oficial, traz profundas modificações em dois aspectos: o primeiro
deles é que o AEE está pouco definido, pois suas funções são complementares e
suplementares a escolarização dos estudantes, previstas inclusive em dispositivos legais
brasileiros, não aparece de forma clara. Ao invés disto, o texto o define como “ações
pedagógicas realizadas pelo professor especializado para apoiar o desenvolvimento
curricular, bem como o planejamento de atividades pedagógicas realizadas na escola
pelo professor da classe comum” (BRASIL, 2019 p.25). Estas funções ora definidas
mais aproximam o professor do AEE de um orientador pedagógico ou de um professor
de reforço escolar do que de sua função antes estabelecida na PNEEI/2008. Além disto
a sala de recursos multifuncionais, que antes era espaço específico para o AEE, poderá
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
ainda ser utilizada para realização de “outros serviços e uso de recursos da educação
especial” (BRASIL, 2018 p.27).
Diante de tantos retrocessos propostos, inúmeros pesquisadores e instituições se
colocaram contrários ao disposto na proposta de revisão da PNEEI/2008. Assim,
publicaram manifestos e notas de repúdio às propostas, dentre outros: O LEPED
/Unicamp; a UFRN, e a UFRGS segundo o qual uma consulta pública “visando
melhorias nas políticas de educação especial” naquele contexto político pós-
impeachment constituía-se “uma ação politicamente ambígua e refém de diferentes
agenciamentos” (KASSAR, REBELO & OLIVEIRA, 2019 p. 12)
Para além das dificuldades impostas ao processo de inclusão escolar a proposta
apresentada retrata um posicionamento muito oposto ao que até aqui tem sido
construído no campo do direito à educação e dos direitos humanos, e coaduna-se
claramente com outras medidas neoliberais imposta neste momento histórico brasileiro,
tais como corte de verbas em universidades públicas, militarização das escolas e
quaisquer outras formas de desmonte dos direitos sociais e humanos até então
garantidos ao povo brasileiro.
Considerações Finais
A educação no Brasil sempre foi um bem considerado como direito de poucos.
No campo da educação especial, esta situação é ainda mais alarmante. Vivenciamos na
história da educação brasileira, retrocessos muito representativos das variadas formas de
organização social e interesses antagônicos marcados pela valorização do capital em
detrimento da valorização humana, para aqueles cujas diferenças são muito fortes,
diferenças estas, oriundas de deficiência, TEA, ou mesmo por ter altas
habilidades/superdotação, estes retrocessos são ainda mais marcantes.
Enquanto para os que tem desenvolvimento típico, as formas de retrocesso
indicam para a desvalorização de seus professores, diminuição do número de vagas,
corte de financiamento universitário, dentre outros, para os alunos público alvo da
educação especial, denominados pela proposta como estudantes atendidos pela
Educação Especial, este retrocesso denota a retirada do seu direito de ter acesso à
educação formal, e seu retorno para espaços segregados denominados classes ou escolas
especiais.
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VII Seminário Vozes da Educação
A análise feita por este estudo, demonstra que a “nova/velha” proposta, traz de
volta práticas integracionistas previstas na política de 1994, fazendo da educação
especial um conjunto desarticulado e incoerente de ações.
A proposta da volta das classes ou escolas especiais, remonta o período
integracionista, segrega e impede o acesso ao currículo escolar em ambientes
heterogêneos. Em tempos de valorização da diversidade, separar alunos por suas
“igualdades” é minimamente contraditório.
Além disto, a proposta governamental no que se refere ao AEE e as salas de
recursos multifuncionais, descaracteriza tal serviço e leva à possibilidade de que o
mesmo se reorganize conforme definia a política de 1994 e se constitua em espaço de
reforço escolar. Ademais, as salas de recursos multifuncionais ao serem utilizadas para
“realização de outros serviços e uso de recursos da Educação Especial, quando
necessário” (BRASIL, 2018 p.27) pode perder sua função principal que é a oferta do
próprio AEE.
Enfatizamos ainda que a nova proposta apresenta uma lacuna em seus dados
estatísticos, pois não traz dados relativos à acesso, permanência, evasão e
aproveitamento de alunos matriculados em classes e escolas especiais, em períodos que
eram realidade no Brasil, de forma a demonstrar tecnicamente e com evidências que
estas sejam de fato uma boa alternativa para a escolarização dos alunos público alvo da
educação especial.
Trata-se de um momento importante de reflexão, vista disso, ou defendemos o
direito de todos aprenderem juntos nos mesmos espaços, para garantir o
desenvolvimento integral por meio do acesso aos saberes proporcionado pelo currículo
escolar, currículo este, repleto de importantes conteúdos, sejam eles atitudinais,
conceituais ou procedimentais, entendendo o direito à educação como um direito
humano, ou assumimos que no Brasil, há pessoas cuja condição específica, não os torna
detentores de direitos humanos e cuja educação formal não fará falta.
Referências
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução n° 2, de 11 de setembro de
2001. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Brasília, DF:
CNE, 2001. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf>
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Segundo Gramsci (2007), tais sacrifícios econômicos das classes dominantes têm como objetivo
restringir a consciência e a organização da classe trabalhadora ao momento econômico-corporativo da
correlação de forças.
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A função neoclássica de produção mais utilizada, sob a fórmula de Cobb-Douglas, explica o
crescimento econômico pela equação X = AKaL1-s, onde: X = volume de produtos; A = nível de
tecnologia; K = insumos de capital; L = insumos de mão de obra; a = uma constante; e 1- s = unidade
para dar rendimentos constantes de escala (FRIGOTTO, 2006).
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VII Seminário Vozes da Educação
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ser elemento básico de referência para a formação escolar, fosse nos níveis mais
elementares da escolarização, responsáveis pela formação dos indivíduos de aptidões
comuns destinados à execução das tarefas simples, fosse na educação superior. A
generalização da escolarização cumpriu o duplo objetivo de elevar a qualificação da
força de trabalho e atender às demandas da população.
As exigências educacionais impostas pelas inovações tecnológicas mediadas
pelo poder dos capitalistas e pelas necessidades de ampliação da produtividade são
elevadas ao plano da consciência individual a partir de um método de análise da
realidade que produz a ideia de que os interesses da classe proprietária e os interesses da
classe trabalhadora caminham juntos. A sinergia entre os interesses das grandes
potências industriais e dos países de capitalismo dependente demonstra a perspectiva
altamente integradora da ideologia do desenvolvimento e da teoria do capital humano.
Nos rumos nitidamente fixados pelo capital, a mobilização política fundamentava-se na
afirmação da possibilidade de integração dos indivíduos aos benefícios produzidos pela
civilização contemporânea através da elevação da qualidade de vida e dos padrões de
consumo. Tais ideias vinculavam projetos de vida individuais, projetos de nação
(desenvolvidas e não desenvolvidas) e o projeto de sociabilidade do grande capital sob a
mesma bandeira: a promessa de prosperidade e melhorias futuras para toda a sociedade
trazidas por meio do advento industrial.
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138
Segundo Carcanholo e Baruco (2011), o neoliberalismo pode ser interpretado como uma estratégia de
desenvolvimento capitalista que busca responder a própria crise a partir da recuperação do padrão de
acumulação do período anterior, por meio de três componentes: 1) estabilização macroeconômica
(controle da inflação e dos gastos públicos; 2) reformas estruturais pró-mercado voltadas para a promoção
da livre iniciativa e dos investimentos privados, com a liberalização, desregulamentação e abertura dos
mercados; 3) retomada dos investimentos privados com a finalidade de viabilizar o crescimento
econômico.
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comunidade, ou seja, diz respeito à estrutura de relações entre as pessoas e nas pessoas.
O capital social pode ser entendido como “a capacidade que pessoas e grupos sociais
têm de pautar-se por normas coletivas, construir e preservar redes e laços de confiança,
reforçar a ação coletiva e assentar bases de reciprocidade no tratamento que se estendem
progressivamente ao conjunto da sociedade” (CEPAL, 2007, p. 24).
O termo capital social ressurgiu mais intensamente nos anos 1990, em várias
áreas do conhecimento, com diferentes abordagens teóricas, resultando em múltiplos
significados e direcionamentos, impossibilitando uma definição objetiva. No entanto,
passou a figurar nas orientações dos organismos internacionais para a aplicação no
âmbito educacional nos anos 2000, a partir das concepções de James Coleman e Robert
Putnan sendo empregado para designar o desenvolvimento do espírito empreendedor, da
autoconfiança e da capacidade das pessoas em administrar os riscos e as incertezas,
investindo não na constituição e reprodução de “laços sociais duráveis” capazes de
proporcionar proveitos materiais e simbólicos (MOTTA, 2012).
Embora a ideologia do capital social mantenha o estigma do capital e seja um
termo cunhado e disseminado como orientador de políticas públicas pelas frações
burguesas dominantes, ancora-se em categorias como solidariedade, respeito, relações
sociais duráveis, participação política, cidadania e igualdade que, aliadas aos interesses
de estabilidade política e reconstrução do Estado, buscam a criação um cenário livre de
conflitos para o funcionamento do mercado, no intuito de educar o consenso e obter a
participação da maioria da população no projeto de sociabilidade neoliberal, garantindo
os propósitos de acumulação e expansão do capital através do consentimento ativo dos
trabalhadores e trabalhadoras, em face da regressão dos direitos sociais, do
aprofundamento do desemprego estrutural e do subemprego.
Considerações finais:
A expansão do desemprego estrutural e do emprego precário, principal estratégia
do capital para subordinação da classe trabalhadora, o aumento da desigualdade e da
pobreza não apenas nos países de capitalismo dependente, além do agravamento dos
problemas relacionados aos recursos naturais e ao meio ambiente, obrigam o capital a
redefinir constantemente suas estratégias de hegemonia econômica, política e cultural.
Em meio às incertezas decorrentes das constantes mudanças proporcionadas pela
adoção dos sistemas de produção flexíveis e automatizados e do desmonte da sociedade
salarial, as relações de trabalho e as relações educativas foram reordenadas a partir da
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Referências
BATISTA, Roberto Leme. A Panacéia das competências: uma problematização
preliminar. In: ALVES, G; GONZALES, J. L. C.; BATISTA, R. M. Trabalho e
educação: contradição do capitalismo global. Londrina: Práxis, 2006.
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MOTTA, Vânia Cardoso. A ideologia do capital social: atribuindo uma face mais
humana ao capital. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2012.
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Adriana de Almeida141
FFP UERJ
adryanaalmeida@gmail.com
139
Graduando em História UERJ FFP, Bolsista IC-FFP UERJ.
140
Bolsista IC-FFP UERJ.
141
Prof. Adjunta do Departamento de Educação da FFP UERJ.
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VII Seminário Vozes da Educação
Por isso, a educação, segundo Álvaro Vieira Pinto é a formação do homem pela
sociedade em que está inserida, ou seja, é o processo onde a sociedade integra o
individuo em seu modo de ser social, sendo assim a educação é o processo pelo qual a
sociedade forma seus membros a sua imagem e em função dos seus interesses. O autor
cita também a educação no seu sentido mais amplo, no qual o individuo vive um
processo contínuo de educação onde a transferência de saberes e a construção do
conhecimento. Por isso, é importante perceber como esses indivíduos se colocam e se
identificam na construção do conhecimento, como suas historias influenciam na didática
dos educadores da EJA, como essa formação insere esse individuo em um lugar social
“superior”, quais as condições de estudos desses indivíduos e como o meio que estão
inseridos necessitam de uma demanda maior de investimento público.
Além disso é necessário entender como a ampliação dessas oportunidades
educacionais para aqueles que não tiveram oportunidades na idade própria e se
articulam com as politicas publicas de inclusão e valorização dos sujeitos. Assim,
percebe-se que as transformações econômicas, as desigualdades sociais alarmantes e
como consequência disso a realidade dos sujeitos que frequentam a educação de jovens
e adultos deve ser diversificada e não desvalorizada, além de perceber o papel formador
da escola de conhecimentos, capacidades e desenvolver a qualidade individual como um
papel autônomo. Infelizmente, o que encontramos é uma perspectiva no modelo
pedagógico taylorista ou fordista que se fundamenta em atender as demandas das
transformações do mundo do trabalho:
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sumário 1202
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sumário 1203
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fundamental obrigatório e gratuito, assegurando inclusive a sua oferta para todos que
não tiveram acesso na idade própria. A criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação Básica (FUNDEB), passou a destinar verbas para a Educação de jovens e
Adultos.
Tal processo caracteriza um duplo movimento para a história da EJA ao longo
da década de 1990; a reiteração da histórica descontinuidade e falta de efetivo
compromisso com a modalidade, e a pulverização da oferta e a baixa complexidade do
que era oferecido, negando a apropriação das novas tecnologias e das novas formas do
processo de trabalho aos estudantes jovens e adultos.
A inclusão da EJA na legislação configura-se como uma opção política que
precisa ser legitimada pela prática pedagógica. Vale lembrar que a legislação prevê
como forma de oferta da EJA os cursos e exames. Portanto, na base da organização e da
orientação do trabalho pedagógico na EJA, está o desafio de desenvolver processos de
formação humana, articulados a contextos sócio-históricos, a fim de que se reverta à
exclusão e se garanta aos jovens e adultos, o acesso, a permanência e o sucesso no
início ou no retorno desses sujeitos à escolarização básica como direito fundamental.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Outra questão importante apontada na entrevista é que a rede pública não conta
com um planejamento de formação de professores e, apenas em 2019, foi realizada uma
primeira jornada que envolveu os professores, coordenadores e diretores da EJA, mas
com pouca aderência.
A SEMED, em 2018, contava com aproximadamente 4010 alunos matriculados
no 1 e 2 segmento respectivamente. Segundo a coordenação não há um quantitativo
sumário 1207
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
exato de professores que a rede possui, mas afirmou que estavam em funcionamento
132 turmas.
No município, a EJA tem um programa único de funcionamento, que é um
projeto que foi construído em 2004, coletivamente junto com as escolas, atualmente,
segundo a SEMED está em processo de revisão e ainda não foi implementado. O
projeto trabalha questões como: Valorização do aluno, experiências do aluno e projetos.
Na proposta pedagógica também está descrito o conteúdo mínimo que cada disciplina
precisa estar atendendo.
A Secretaria aponta como desafios um trabalho mais efetivo em relação a
evasão, atualmente a evasão vem se dando em maior proporção por conta da violência,
pois o aluno não consegue sair da sua região para ir à escola "porém para ajudar com
essa questão é preciso haver um trabalho de parceria com a secretaria de segurança”
(coordenação/SEMED/SG). Afirma que:
"É preciso também se pensar na escolha dos professores para trabalhar com
EJA, escolher professores que tenham o perfil para esse público. Mesmo que
internamente, poderia se pensar em uma seleção para os professores que irão
trabalhar com a EJA, pois na maioria das vezes o professor escolhe a EJA
não por gostar, mas por necessidade pois trabalha em outros lugares na parte
da manhã".
Marques (2016) aponta que o cenário da EJA na rede pública municipal de São
Gonçalo, representa a a dinâmica da realidade social e a lógica neoliberal pela qual a
política educacional vem sendo gerenciada. Para a autora, historicamente, o direito à
educação para as pessoas jovens e adultas trabalhadores que tiveram o acesso negado ou
interrompido foi pensado, porém esses sujeitos sempre estiveram à margem dessas
políticas públicas.
Considerações preliminares
As proposições cada vez mais ramificadas de ações educativas para os
trabalhadores representam uma oferta desigual do conhecimento científico e do
conhecimento do mundo do trabalho. Essas propostas para a EJA, conforme pode-se
perceber na pesquisa realizada, colaboram para a melhoria de autoestima, certificação
de escolaridade e algumas mudanças parciais nas relações educativas. O processo de
emancipação e do efetivo direito à educação é uma conquista na área da educaçãoO
sumário 1208
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ALMEIDA, A.; CORSO, A.M. A educação de jovens e adultos: aspectos históricos e
sociais. Grupo de Trabalho - Educação de Jovens e Adultos. Educere.
UERJ/UNICENTRO. 2015. Disponível em:
https://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/22753_10167.pdf. Acesso: set, 2019.
BOSI, E. Memória e sociedade: lembrança de velhos. 2.ed. São Paulo: T.A. Queiroz,
1987.
FREIRE, P. À sombra desta mangueira. 2. ed. São Paulo: Olho D’água, 1995.
142
Rummert, Algebaile e Ventura (2012, p.4) afirmam que o capital-imperialismo, sob o escudo do
capital-monetário, coloca-se sobre dois mitos fundamentais: “o primeiro refere-se ao fato de que é na
atividade de gestão intelectual que se constrói o lucro, do qual deriva, por exemplo, o fetiche da sociedade
do conhecimento; o segundo mito, que decorre do anterior, propaga a tese de que o trabalho vivo não
assume mais nenhuma função relevante na vida social”.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
PINTO, A. V. Sete lições sobre educação de adultos. 16 ed. São Paulo: Corteza, 2010.
sumário 1210
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1211
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
146
Para mais informações: Relatório apresentado ao Presidente do estado do Rio de Janeiro Dr. Alberto
de Seixas Martins Torres pelo Secretário das Finanças João Rodrigues da Costa. Rio de Janeiro:
Tipografia da Papelaria Jeronymo Silva, 1900. Anexos ao Relatório do Diretor das Finanças n. 1. Tabela
n. 35: despesas diversas. p. 8.
sumário 1212
VII Seminário Vozes da Educação
Por outro lado, um denunciante anônimo publicou uma carta sobre a situação do
ensino primário em Maricá, nas páginas do jornal O Paiz, destinada ao Conselho
Superior de Instrução. Ele relatou o precário funcionamento da escola de ensino
primário, com frequência superior a 120 alunos, sem a quantidade de livros suficientes e
com um professor, cujo comportamento foi questionado. Dias depois, o diretor da
instrução pública do estado, Alberto de Oliveira, respondeu aos questionamentos,
alegando a distribuição irregular das escolas feita anteriormente, atribuindo à solução
através da reforma realizada. Justificou que a falta de livros foi ocasionada pelo
professor, por não ter comunicado a necessidade ao inspetor. O número de alunos não
correspondia com o mapa escolar enviado pelo docente à diretoria, em que havia a
matrícula de 73 alunos e a frequência de 48 crianças. Em relação ao professor, narrou a
dificuldade de manter os docentes em escolas do interior, culpabilizando-os por todos os
problemas.
sumário 1213
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
147
A carta do denunciante consta em: O Paiz, Rio de Janeiro, p. 2, ano IX, n. 4.043, 2 jun. 1893. Já a
resposta do diretor da instrução pública foi publicada em: O Paiz, Rio de Janeiro, p. 2, ano IX, n. 4.045, 4
jun. 1893.
148
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem enviada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro pelo presidente Dr. Joaquim Maurício de Abreu em 15 de setembro de 1896. p. 10.
sumário 1214
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1215
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
149
Relatórios dos Diretores de Instrução Pública (1896, 1897, 1898, 1929).
sumário 1216
VII Seminário Vozes da Educação
150
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro em 1 de agosto de 1910 pelo presidente Dr. Alfredo Backer. p. 48.
151
O decreto n. 1.200, de 7 de fevereiro de 1911, criou o ensino subvencionado, destinado a localidades
onde não houvesse escolas para atender até 30 crianças; ou a escolas do quadro que não fossem
requisitadas por professores efetivos.
sumário 1217
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Esse tipo de escola foi tratado como uma alternativa eficaz para a difusão do
ensino primário, considerando a regularidade do funcionamento. Por outro lado, os
governantes apostavam nele porque gerava “economia” ao estado com a diminuição no
orçamento do pagamento de aluguéis e de benefícios aos servidores, além de se
apresentarem como um aparelho político com fins eleitorais. Diante disso, nota-se a
preferência pela promoção de um ensino a baixo custo, com prédios adaptados e
professores com formação aligeirada. A expansão da educação primária fluminense
enfrentava crise econômica e a dificuldade em conseguir professores formados pela
escola normal, principalmente para atuar nas escolas rurais.
O decreto estadual n. 1.723, de 29 de dezembro de 1919, reformou a instrução
pública primária e profissional. Estabeleceu a fiscalização remunerada das instituições
de ensino primário; criou a inspetoria escolar com cinco funcionários; tornou
obrigatória a função de delegado escolar confiada à promotoria pública. A inspeção
escolar foi considerada de suma importância para manter as instituições de ensino
primário, uma vez que as mesmas eram responsáveis pela formação da nacionalidade.
Os programas de ensino primário foram revisados, considerando os debates
pedagógicos da época e a necessidade de aquisição de materiais pedagógicos.
As escolas noturnas eram destinadas àqueles que não puderam frequentar o
ensino primário antes dos 13 anos, devendo ter matriculados 50 alunos, com a
frequência mínima de 25 alunos153.
152
Os mapas escolares das escolas subvencionadas apontaram as denominações das instituições existentes
no ano de 1926 (Fundo Departamento de Educação/ Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro). Cabe
ressaltar que a existência das mesmas não foi sinalizada no relatório do diretor de instrução pública
(1927). Organização da autora.
sumário 1218
VII Seminário Vozes da Educação
153
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro em 1 de agosto de 1920 pelo presidente do estado Raul de Moraes Veiga. p. 9-10.
154
Informação extraída de: CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a
República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 70.
155
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro em 1 de agosto de 1927 pelo presidente Feliciano Pires de Abreu Sodré. p. 99.
sumário 1219
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
*Apesar do marco temporal dessa pesquisa (1889-1926), a ausência de dados relacionados à educação
primária em Maricá nos anos anteriores gerou a necessidade de apontar as informações obtidas,
intentando auxiliar na compreensão da expansão do ensino. Fontes: Mensagens dos presidentes de estado
do Rio de Janeiro (1920-1930), relatórios dos diretores de instrução pública (1927, 1928 e 1929), álbum
do centenário da independência do Brasil (1922) e mapas escolares das escolas públicas estaduais (Fundo
Departamento de Educação / Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro). Organização da autora.
156
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro em 1 de agosto de 1921 pelo presidente do estado Raul de Moraes Veiga. p. 51.
157
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro em 1 de agosto de 1927 pelo presidente Feliciano Pires de Abreu Sodré. p. 87.
sumário 1220
VII Seminário Vozes da Educação
158
Sessão da Liga Fluminense publicada em: O Paiz, Rio de Janeiro, p. 6, ano XXXIII, n. 11.856, 25 mar.
1917.
159
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado do Rio de
Janeiro Dr. Francisco Chaves de Oliveira Botelho pelo Secretário Geral Dr. Horacio Magalhães Gomes,
de 31 de agosto de 1914. p. 86.
160
Aponto a necessidade de realização de pesquisas no que concerne à municipalização do ensino em
Maricá. Para ver mais: RIO DE JANEIRO (ESTADO). Exposição feita ao Chefe do Governo Provisório
da República Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas, pelo Interventor Federal, Capitão de Corveta Ary Parreiras.
Niterói, RJ: 1934. p. 310-311.
161
Fundo Departamento de Educação (APERJ).
sumário 1221
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
162
RIO DE JANEIRO (ESTADO). Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do estado do Rio de
Janeiro em 10 de agosto de 1903 pelo presidente Quintino Bocayuva. p. 10-11.
163
Esse modelo escolar permaneceu no cenário nacional até o ano de 1970, conforme estudos de Schueler
e Magaldi (2009, p. 57).
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VII Seminário Vozes da Educação
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164
O ensino secundário formal em Maricá inexistia durante a Primeira República.
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
FREITAS, Marcos Cezar; BICCAS, Maurilane. História Social da Educação no
Brasil (1926-1996). São Paulo: Cortez, 2009.
MATOS, Maria Izilda Santos de. Para além das tensões campo e cidade: o ruralismo
brasileiro. Separata de Projeto História, São Paulo, n. 19, nov. 1999, p. 291-295.
______. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Presidente do Estado do Rio de Janeiro Dr.
Francisco Chaves de Oliveira Botelho pelo Secretário Geral Dr. Horacio Magalhães
Gomes. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1914.
SOUZA, Rosa Fátima de. Alicerces da Pátria: escola primária e cultura escolar no
estado de São Paulo (1890-1976). In: IV Congresso Brasileiro de História da
Educação, 2006, Goiânia. IV Congresso Brasileiro de História da Educação. Goiânia:
Ed. UCG; Ed. Vieira, 2006. v. 1. p. 18-19.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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autor produz uma análise sobre a criação e desenvolvimento das cidades, por meio do
método regressivo/progressivo, também explicado em seu livro sobre a lógica formal e
a lógica dialética.
Deiró (1979), que realiza um profundo estudo sobre a presença da ideologia
dominante nos textos de livros didáticos de Português, desvenda como os conteúdos
dos livros pesquisados se orientam por formar um tipo de “habitus” nas crianças que
têm acesso aos mesmos. Para tanto, realiza suas análises a partir do conceito de
ideologia desenvolvido por, pelo menos, três autores: 1) o de Poulantzas (1971 e 1977),
separando-o em dois: a ideologia em geral e a ideologia da classe dominante na
sociedade capitalista (p, 21-26); 2) o de Althusser (1974), quando realiza uma análise
da escola como aparelho ideológico de estado; 3) e o de Bourdie e Passeron (1975),
quando explica a ação pedagógica como instrumento de inculcação da ideologia
dominante para formar um habitus na classe popular.
165
O conceito de “habitus” utilizado pela autora é de Bourdieu e Passeron na obra “A Reprodução”. Os
grifos nas duas vezes em que a palavra aparece foram feitos por Deiró.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
166
Criado por um advogado olavista (“Olavista” é uma expressão dada aos seguidores de Olavo de
Carvalho. Um pseudofilósofo brasileiro, que vive nos Estados Unidos da América e que acredita que a
Terra seja plana. Para saber mais, clique em: https://www.uol.com.br/tilt/ultimas-
noticias/redacao/2019/01/09/o-que-a-ciencia-diz-sobre-a-terra-ser-o-centro-do-universo.htm - Acesso em
16/Out/2019.), Miguel Francisco Urbano Nagib.
167
Aqui o projeto é escrito em letras minúsculas porque corroboramos com o Professor Fernando Penna,
da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, quando nos fala sobre as distorções da
realidade e o alto grau de desinformação e preconceito, presentes nesse amontoado de escritos que forma
o referido projeto. Sobre esse assunto, ver Frigotto (org), 2017.
168
Ministro da Educação imita meme da internet após anúncio de desbloqueio de verba para
universidades. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/ministro-da-educacao-imita-meme-da-
internet-apos-anuncio-de-desbloqueio-de-verba-para-universidades-1-24027629 - Acesso em
19/Out/2019.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Jovens e Adultos), com o número total de 44.039 (quarenta e quatro mil e trinta e nove)
alunos, distribuídos em 110 (cento e dez) Unidades Educacionais. Onde o Ensino
Fundamental é oferecido em 88 (oitenta e oito) unidades, fazendo jus, dessa maneira, de
“escolher e receber” os livros didáticos do PNLD.
São Gonçalo se caracteriza, majoritariamente, como um município de residência
de pessoas que pertencem à classe economicamente desfavorecida pela lógica do
sistema capitalista, sob a perspectiva neoliberal. Dito de outra forma, de acordo com
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2016, a
cidade possuía uma população de 1.049.826 (um milhão, quarenta e nove mil e
oitocentos e vinte e seis) pessoas. Sendo que, dessa população, apenas 129.689 (cento e
vinte nove mil seiscentos e oitenta e nove) pessoas encontravam-se ocupadas em termos
de trabalho. Isto é, apenas 12% do povo gonçalense.
Desses 12%, o instituto nos traz a informação de que os trabalhadores com
ocupações formais recebiam o salário médio mensal de pouco mais de dois salários
mínimos (2,1). Contudo, uma curiosidade é a de que, apesar desses dados o índice de
desenvolvimento humano do município foi considerado acima da média. Ou seja,
alto171. Consideração essa justificada pela longevidade da população gonçalense e pelo
número de escolas que, apesar de ser insuficiente, atende a população em um número
acima da média estipulada pelo índice.
Hoje, o município possui um governo vinculado ao Partido Cidadania, que é o
novo nome do Partido Popular Socialista (PPS), cuja mudança aprovada pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) aconteceu recentemente. Mais precisamente no último dia 19
de setembro de 2019.
Sobre o partido do executivo municipal é importante destacar que, apesar do
nome que carregou até recentemente, os posicionamentos oficiais são regidos pela
agenda neoliberal e todos os 8 (oito) deputados federais votaram a favor da Reforma da
Previdência, que é um projeto antigo da direita brasileira 172 , junto com valores
relacionados à família tradicional, a vida dos cidadãos de bem e a liberdade individual.
171
“O Índice de Desenvolvimento Humano (IDHM) - São Gonçalo é 0,739, em 2010, o que situa esse
município na faixa de Desenvolvimento Humano Alto (IDHM entre 0,700 e 0,799). A dimensão que mais
contribui para o IDHM do município é Longevidade, com índice de 0,833, seguida de Renda, com índice
de 0,711, e de Educação, com índice de 0,681”. São Gonçalo. IN: Atlas do Desenvolvimento humano no
Brasil. Disponível em: http://atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/sao-goncalo_rj - Acesso em 23/Set/2019.
172
Para saber detalhes sobre essa votação, clique em https://exame.abril.com.br/economia/veja-como-os-
deputados-votaram-em-1o-turno-a-reforma-da-previdencia/ - Acesso em 11/Set/2019.
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VII Seminário Vozes da Educação
O governo local possui propostas e agendas que compartilham com esses valores
e interesses, que também são os valores e interesses do atual governo federal, vinculado
ao PSL (Partido Social Liberal), declaradamente neoliberal, conservador e religioso.
Que defende a “religiosidade do Estado”, por meio da valorização das religiões cristãs,
destacando ramos da igreja evangélica neopentecostal.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
[em 1993 e 1994] São definidos critérios para avaliação dos livros didáticos,
com a publicação “Definição de Critérios para Avaliação dos Livros
Didáticos” MEC/FAE/UNESCO. [e em 1995] de forma gradativa, volta a
universalização da distribuição do livro didático no ensino fundamental. Em
1995, são contempladas as disciplinas de matemática e língua portuguesa.
Em 1996, a de ciências e, em 1997, as de geografia e história (BRASIL,
2017).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BRASIL, 2017. História do Programa do Livro. In: INEP. Disponível em:
http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/legislacao/item/518-
hist%C3%B3rico – Acesso em 02/Set/2019.
MATHEUS, Graciano. História de São Gonçalo. In: Sim São Gonçalo, 2019.
Disponível em: https://simsaogoncalo.com.br/historia/ - Acesso em 02/Set/2019.
SHIROMA, Eneida Oto et. al. Política Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[seus] princípios têm sido cada vez mais desprezados nas políticas [...] de
Educação Infantil; seja pela redução da jornada como estratégia de ampliação
de vagas (instituições de horário integral passam a funcionar em dois turnos,
duplicando as matrículas), seja pela redução de vagas paras as turmas de
creche, uma vez que estas demandam uma razão adulto/criança maior do que
as turmas de pré-escola (AQUINO, 2015, p. 163-164).
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VII Seminário Vozes da Educação
como direito civil, político e social, como forma de combate ao fantasma histórico do
assistencialismo.
Dentre as motivações para a oferta de Educação Infantil em tempo integral
elencadas na pesquisa que convidamos como referência para o presente artigo,
destacamos: a necessidade das mulheres por inserção no mercado de trabalho e de
proteção às crianças dos perigos das ruas - especialmente nas periferias das grandes
metrópoles. O reconhecimento dessas demandas potencializa uma expectativa
educacional e emancipatória para as políticas de Educação Infantil em tempo integral e
para seu reconhecimento legítimo como uma demanda de toda a sociedade com caráter,
efetivamente, democrático.
A fundamental compreensão de que a ampliação da jornada escolar deva ser
uma política pública de qualidade reforça a análise de que a mesma deve ser repensada
quanto as suas lógicas, formas de acolhimento e, mesmo, sua função social, podendo
incorporar, até mesmo, a compreensão da proteção social e da função da Educação
Infantil como um braço importante para uma educação pública de qualidade para a
pequena infância.
Mediante o exposto, optamos, no presente artigo, por dialogar com pesquisa
realizada recentemente, conforme veremos a seguir, com o objetivo de reforçarmos a
necessidade de planejamento e implementação de políticas democráticas de Educação
Infantil em tempo integral em interlocução, ou seja, em relação dialógica com as
demandas das famílias das camadas populares.
Movimentos da pesquisa
Nesta seção, trazemos as experiências da pesquisa realizada - de escuta às vozes
das famílias -, consideradas fundamentais na tentativa de compreender o que significa,
para elas, o direito à educação de seus filhos pequenos. Vale ressaltar que a temática
sobre a garantia da oferta de Educação Infantil em tempo integral, ora colocada em
debate, emergiu no contexto de diálogos com as mães sobre o que elas pensam e quais
são suas expectativas a partir do acesso dos filhos à Educação Infantil oferecida pelo
poder público municipal.
Sendo assim, se faz importante esclarecer que o tema sobre a Educação Infantil
em tempo integral, eleito como destaque neste artigo, emerge em meio a outros sentidos
compartilhados nos diálogos com as mães, como: reconhecimento da importância da
bidocência no trabalho com as crianças pequenas; o acesso à Educação Infantil como
sumário 1241
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
etapa importante para o início de uma trajetória escolar para as crianças das classes
populares; as lutas cotidianas das famílias classes populares pelo direito à educação,
dentre outros.
A pesquisa realizada teve, como um de seus principais objetivos, investigar
sentidos construídos por familiares de crianças das camadas populares sobre o direito à
educação de seus filhos, a partir de uma perspectiva dialógica tendo, na alteridade entre
os sujeitos em diálogo, seu principal elemento constitutivo.
A discussão do tema se colocou na perspectiva de escuta aos familiares das
crianças, cujo referencial teórico-metodológico se ancorou nas concepções de
metodologia qualitativa de investigação, apoiado na perspectiva dialógica da linguagem
proposta pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (2014), para quem as relações de
linguagem estão inscritas nos modos pelos quais os sujeitos se organizam em sociedade.
Nesse contexto, ao tomar o direito à Educação Infantil como objeto de sentido, temos o
desafio de buscarmos compreendê-lo em uma perspectiva dialógica, ou seja, de modo
necessariamente relacionado aos diferentes lugares que os sujeitos ocupam na realidade
social.
A pesquisa foi realizada em um município localizado no leste metropolitano do
estado do Rio de Janeiro, tendo sido escolhida uma de suas escolas municipais que
atende a um grupo de crianças na Educação Infantil em tempo parcial. A turma do Pré II
- com crianças de 4 anos -, escolhida para a realização da pesquisa, apresentou um total
de 17 crianças matriculadas no ano de 2016, das quais, foi possível acesso a 12 de seus
familiares, dentre eles, 10 mães, um pai e uma avó.
Nesta seção dedicada à descrição da metodologia da pesquisa, após descritos
alguns elementos sobre a escola e sua inserção socioeconômica, apresentamos, a seguir,
informações sobre os sujeitos com os quais a pesquisa se lançou em diálogo.
A maioria dos familiares (74%), eram nascidos em municípios de várias regiões
do estado do Rio de Janeiro (norte, noroeste, serrana, região dos lagos e demais
municípios vizinhos da região metropolitana). Apenas (26%) era natural do município
onde foi realizada a pesquisa. Foi constatado também, que nenhuma das 17 crianças da
turma pesquisada era de naturalidade maricaense, sendo 92% nascidas nos municípios
vizinhos e, as demais, em outras regiões do estado.
Em relação à escolaridade, ao tempo da pesquisa, a maior parte dos familiares
possuía o Ensino Fundamental incompleto, sendo 55% dos pais e 42% das mães,
totalizando 97%. Pouco mais da metade dos pais das crianças, em torno de 56%,
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VII Seminário Vozes da Educação
173
Fonte: http://www20.caixa.gov.br/.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Eu queria que fosse integral. É mesmo pela nossa vida que é corrida, né?
Trabalho, essas coisas pra gente que é difícil, entendeu? [...] pra eu trabalhar,
eu não tenho ninguém quase pra ficar com ela [com a filha]. Aí, quer dizer,
pra mim o horário integral seria ótimo! [...] Já dava tempo (Terezinha Lúcia
Vale, 2016, 39 anos).
Danieli se apresenta como uma mulher que realiza uma atividade com um
retorno financeiro para complementar a renda familiar, em paralelo aos afazeres
domésticos e à tarefa do cuidado dos filhos.
Sobra um tempo pra eu poder ajeitar as coisas em casa mais rápido, né?
Porque aí, ela [a filha] "tando" na escola [no turno da manhã] eu tô
despreocupada, que eu sei que ela tá na escola. Dá tempo de arrumar a casa,
limpar o quintal. Porque também eu fico em casa, mas eu "marco" pra fora.
Eu faço "ponto-cruz". Aí... cedo eu arrumo tudo pra, à tarde, eu ficar
desocupada, fazendo meus trabalhos. (Danieli Campos, 2016, 28 anos, grifo
nosso).
174
A fim de dirimir quaisquer dúvidas quanto às questões éticas no que se refere à identificação das
mães, cabe informar que a pesquisa foi desenvolvida mediante a autorização das mesmas para serem
citadas, incluindo autorizações assinadas por elas através de termos de livre consentimento esclarecido.
sumário 1244
VII Seminário Vozes da Educação
Ah, ficou bem pra mim. Mais fácil, né? A vida ficou mais fácil pra mim,
porque eu passo, deixo ele [o filho] aqui e vou pro serviço. Se não, eu ia ter
que ir lá em Inoã, deixar ele lá e ia ficar contra-mão pra mim (Alexandra de
Carvalho, 2016, 34 anos).
175
Reportagem disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/. Acessado em: 23 de janeiro de 2017.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Olha, eu acho, primeiro que é um espaço seguro pra ela ficar nesse período.
Eu acho que deveria ser integral mas, como não é... Porque principalmente
pra gente que trabalha fora o horário integral é muito bom, né, pra criança
ficar. Porque a gente sabe que o período que a gente vai tá fora de casa,
trabalhando, a criança vai estar em um espaço seguro que é a escola. [...]
Entendeu? (Sandra Moraes, 2016, 35 anos).
[...] quando ela era mais novinha, ela estudava em outra escola[...]. Ela entrou
lá com 3(três) anos e lá era horário integral. Aí, depois que ela passou de
4(quatro) anos pra frente, passou a ser meio período. E isso até que me
dificultou um pouco, em matéria de ter que pagar uma pessoa e ter mais uma
despesa [...] pra poder ficar com ela o restante do horário. Era bom quando
era de de manhã, até "5" (cinco) horas, né? (Sandra Moraes, 2016, 35 anos).
Aí, eu pagava uma moça pra pegar minha filha lá na escola e ela ficava lá
pertinho, na casa dela. É uma moça que toma conta de criança já, há muito
tempo. [...] Essa rotina é um pouco desgastante. A gente tem que se virar.
Tem que trabalhar, tem que pagar alguém pra ficar depois do horário porque,
senão, não consegue trabalhar (Sandra Moraes, 2016, 35 anos).
Porque... tem mães que têm dificuldade. Eu, por exemplo, eu vim pra cá, eu
tive dificuldade de botar minha filha em uma escola pública, até porque eu
vim em maio... Aí eu tive que "ralar" pra pagar uma escola de quatrocentos e
poucos reais. Eu pagava trezentos e pouco, porque eu chorei muito. Assim
mesmo, tinha que levar tudo, mais transporte escolar. Tive um pouco de
dificuldade porque minha remuneração não era o bastante ( Sandra Moraes,
2016, 35 anos).
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VII Seminário Vozes da Educação
Araújo (2015) nos ajuda a pensar alguns paradoxos que rondam o atendimento
ao direito à Educação Infantil, em tempo integral,
Considerações Finais
Dados os impasses e paradoxos presentes nas discussões sobre o direito à
educação da infância e de suas famílias, especialmente quando consideradas as famílias
das camadas populares e o tempo de educação integral, vimos nos propondo fortalecer o
reconhecimento das famílias, para além das crianças, como grupo de direito à Educação
Infantil.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
AQUINO, L. L. de. Educação Infantil em tempo integral: infância, direitos e políticas
de Educação Infantil. In: ARAÚJO, V. C. de (org). Educação Infantil em Jornada de
Tempo Integral: dilemas e perspectivas. Brasília/DF: Ministério da Educação; Vitória:
EDUFES, 2015.
sumário 1248
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
______. Para uma agenda da educação da infância em tempo integral assente nos
direitos da crianças. In: ARAÚJO, V. C. de. (org). Educação Infantil em Jornada de
Tempo Integral: dilemas e perspectivas. Brasília/DF: Ministério da Educação; Vitória:
EDUFES, 2015.
sumário 1250
VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
O presente artigo é fruto de um trabalho de pesquisa iniciado há alguns anos
com o interesse voltado para a instrução popular e que ganha novo ânimo com o
ingresso no doutorado176.
Diante de uma sociedade em que os “Donos do Rio” (Barbosa, 2000),
constituídos por representantes dos grupos de camadas mais abastadas, procuravam
ditar normas, difundir opiniões e manipular frente aos interesses de grupos específicos
de poder, encontramos a publicação de vários jornais por trabalhadores que representam
outras expressões, interesses e reivindicações. Desta forma, percebemos experiências
populares que desafiaram as grandes máquinas estatais e deixaram marcas de suas
multiplicidades, partilhando do desejo em comum, o aspecto de expressar suas vozes,
lugares de fala que demonstraram concepções, aspirações e interesses, constituidoras de
memórias. Atuaram na composição de pautas que refletiram suas demandas e
constituíram agendas que expressaram uma série de lutas por direitos, dentre eles,
iniciativas educacionais. Participaram de processos históricos, com enfrentamentos,
forte resistência, no espaço de entraves e tensões sociais que foram observadas muitas
vezes, evidenciando tentativas de sufocamento, opressão e asfixia por parte de uma
burocracia oficial que objetivava manter o domínio das relações de poder. Numa
sociedade em que os valores democráticos de fato possuíam pouca expressividade,
frente a modelos que tentavam se legitimar, baseado na acentuação das desigualdades,
travaram debates e elaboraram propostas por uma educação de perspectiva mais ampla e
integral nos jornais analisados.
176
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação - Processos Formativos e
Desigualdades Sociais – UERJ/FFP. Professora de Educação Infantil da Prefeitura do Rio de Janeiro.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Caminhos
O trabalho propõe percorrer caminhos em prol da educação realizados por
trabalhadores, no sentido de tocar em temáticas que nos mostram a pluralidade, nuances
e matizes existentes no processo histórico que faz parte da história da educação no
Brasil, nos quais os diferentes agentes históricos assumem funções que fogem de
rotulações e visões que muitas vezes os enquadram a personagens meramente
ilustrativos na história. Acreditamos que estes percursos possam contribuir no sentido
de ampliar as visões a respeito das agências dos múltiplos atores sociais e nos permitirá
perceber melhor a complexidade dos projetos e lutas sociais e políticas em disputa em
torno da educação popular (Martinez, 1997).
As questões que orientam o presente artigo tomam como base uma linha
historiográfica que contempla os diversos projetos, tensões, e a pluralidade e
sumário 1252
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1253
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1254
VII Seminário Vozes da Educação
vista os projetos em disputa, diversos grupos sociais com interesses específicos sobre a
educação, num contexto de formação de Estado e Nação (Gondra e Schueler, 2008), o
presente trabalho volta-se para as vozes, interesses e pautas dos trabalhadores
envolvidos em movimentos e ações diversas em prol da instrução popular.
Ainda que tenhamos em mente que ganhava relevância o modelo de instrução
pública difundido pelo estado, com interesses bem específicos voltados para a ordem e
progresso, para organização e controle social, assim como era forte a iniciativa privada
na manutenção de escolas e definição das políticas educacionais, temos a pretensão de
partir dos movimentos por parte dos trabalhadores e para tal, observar os anseios,
concepções e iniciativas movidas por eles referente à instrução.
Ao percorrer os periódicos, podemos observar redes de sociabilidade em que
personagens como Fabio Luz, Octavio Brandão – intelectuais e lideranças entre
trabalhadores que se destacaram na imprensa popular – mas também outros professores
e pensadores, concernentes a grupos com formação intelectual e grau de instrução
formal variado e nem sempre elevado, ajudaram a compor os cenários plurais nos quais
nos debruçamos, argumentando em prol de escolas com uma concepção de educação
que visou abalar as estruturas da concepção de ensino tradicional que se constituía:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1256
VII Seminário Vozes da Educação
Este cenário, que vai se delineando no último quartel do século XIX, pode ser
visto inclusive na virada do século e anos iniciais do século XX, fomentando na
pluralidade dos trabalhadores o anseio por maior organização, a fim de que suas causas
sumário 1257
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pudessem ganhar corpo e forma por meio de conquistas de seus direitos para suas
respectivas classes.
Agendas articuladas pela luta por direitos compõem uma série de formação de
grupos de trabalhadores. Sob esta perspectiva, vemos a organização de estivadores,
marmoristas, padeiros, tecelões, dentre outros, que almejam por condições de trabalho
mais justas. Não obstante, a educação aparece como pauta, seja ela formal por meio de
escolas, mas também com caráter mais informal nos mais variados espaços educativos.
Bibliotecas, associações literárias, conferências, teatro e outros diferentes espaços de
sociabilidade que ressaltam representações de discursos a respeito da instrução popular,
discursos estes fomentados pelos trabalhadores. Deste modo, ampliam as possibilidades
de nossos olhares, no sentido de voltarmos para propostas educacionais pensadas e
articuladas por trabalhadores.
O grande desafio se faz em construir uma narrativa que procure contemplar os
anseios e debates de práticas educativas, pelo viés da perspectiva dos trabalhadores.
Nesse sentido, o olhar lançado volta-se para iniciativas que envolvem práticas da cultura
letrada pela chave da dinâmica e do ponto de vista dos trabalhadores. Associados a estas
análises estão diversos aspectos relacionados a dificuldade de articulação, questões
financeiras, falta de verbas, dentre outras características que levam a desarticulação dos
trabalhadores em prol de iniciativas em benefício da instrução popular. No entanto, o
acesso à imprensa popular, sem que desconsideremos os grandes desafios atrelados aos
caminhos do pensamento até efetivamente as ações, das continuidades,
descontinuidades e rupturas, encaradas como barreiras reais e existentes, deixa um
recado à história da educação brasileira: em meio a uma instrução popular pensada pelas
elites dirigentes e grupos pertencentes ao Estado, havia processos em disputa, pensado e
gerido por múltiplos trabalhadores, com diferentes propostas, condições e distinto poder
de atuação, frente às suas demandas.
Em muitas publicações podemos perceber seleções de textos com conteúdos que
abordavam a necessidade de acesso a uma instrução que pudesse promover a
emancipação dos trabalhadores que viviam em condições de trabalho marcadamente
excludentes e exploratórias. Havia a preocupação em escrever para gerar a inquietação,
reflexão das situações postas, a fim de problematizar o modo como viviam. Sob esta
perspectiva, vale ressaltar que os jornais exerciam muito mais do que a função de
difundir e propagar a causa operária, considerando que o acesso à instrução compunha
uma dessas causas. Também fazia parte das análises no periódico a instrução necessária
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
o que “cada dia mais faz sentir a necessidade de escolas sustentadas pelos syndicatos”.
(Alliança dos Trabalhadores em Marcenarias”. Voz do Povo, Rio de Janeiro, edição 107,
Quarta-feira, 26 de maio de 1920, p.3.)
O jornal dava publicidade aos debates no interior da associação dos marceneiros,
criada em 1919, que sinalizavam para a necessidade da instrução como forma de seus
trabalhadores reivindicarem direitos trabalhistas como as horas de trabalho e refletir
sobre as condições impostas pelos patrões. E foram além, avaliando as condições do
ensino na capital federal e fazendo uma crítica à nomeação para os cargos de confiança
a cada governo e as mudanças com a troca dos mesmos: “O atraso em que se acha o
ensino primario no Distrito Federal é devido exclusivamente a essa anomalia: a de
escolher-se para o dirigir individuos que jamais se dedicaram as questões
pedagógicas”.(Voz do Povo, Rio de Janeiro, edição 121, Quarta-feira, 9 de junho de
1920, p. 1.)
Um texto sem assinatura intitulada “Um problema a resolver: Educação e
Ensino” publicadono Voz do Povo discutia os desafios, dificuldades e perspectivas
referentes à educação moderna, na perspectiva de teóricos anarquistas. Pode-se perceber
uma perspectiva que contempla a educação a partir da experiência, uma instrução que
visa promover a autonomia e o pensamento crítico para a leitura de mundo:
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Considerações finais
O trabalho cumpre a proposta de pensar e problematizar a instrução das camadas
populares por outros ângulos. Ainda que muito ainda tenha que ser percorrido, em busca
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VII Seminário Vozes da Educação
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Referências
BARBOSA, Marialva. Os donos do Rio. Imprensa, poder e público. Rio de Janeiro: Vício
de Leitura, 2000.
COSTA, Ana Luiza J. da. O educar-se das classes populares oitocentistas no Rio de
Janeiro entre a escolarização e a experiência. Tese de Doutorado em Educação, São
Paulo, Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, USP, 2012.
SILVA, Lúcia. A cidade do Rio de Janeiro nos anos 20: urbanização e vida urbana In:
FENELON, Déa Ribeiro. (orgs).Cidades. PUC/SP, 1999.
sumário 1265
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1266
VII Seminário Vozes da Educação
“Ora, o tempo não se reduz a uma ‘ideia’ que surja do nada, por assim dizer,
na cabeça dos indivíduos. Ele é também uma instituição cujo caráter varia
conforme o estágio de desenvolvimento atingido pelas sociedades. O
indivíduo, ao crescer, aprende a interpretar os sinais temporais usados em sua
sociedade e a orientar sua conduta em função deles. A imagem mnêmica e a
representação do tempo num dado indivíduo dependem, pois, do nível de
desenvolvimento das instituições sociais que representam o tempo e
difundem seu conhecimento, assim como das experiências que o indivíduo
tem delas desde a mais tenra idade” (ELIAS, 1998:15).
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"Cada praça, cada comitê, nomeia seus responsáveis. Aqui o presidente emite
as células e tudo se passa regularmente. O princípio da mais pura democracia
é praticado aqui, uma organização humana indispensável a todos. É pelo
método que compreendemos as necessidades da criança e as necessidades
imperiosas do mundo atual, que a escola Decroly prepara a vida de homens e
das mulheres saudáveis, aprendendo a responsabilidade da democracia do
amanhã deixando-a forte e feliz” (RévolutionÉcole: 2016: 01:18:47 –
01:19:39).
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Considerações Finais
Assim, uma educação voltada para cidadania inserida em um contexto político-
econômico neoliberal, tem a importante missão de formar cidadãos autônomos para que
eles próprios possam buscar e construir o seu futuro, construir a sociedade na qual
desejam que as próximas gerações nasçam e se desenvolvam.
Cada parte da sociedade tem uma função. Como as partes funcionam de forma
coesa? Tendo um mesmo objetivo. Esse objetivo é a construção do cidadão do futuro.
Todavia, como previamente desenvolvido, o futuro é construído no presente através dos
processos de socialização, dos habitus e do processo de escolarização. O fator que
permeia essas formas de construção dos indivíduos é a pedagogia, é a ideologia eleita
para doutrinar os corpos e os pensamentos. Essa ideologia é o futuro. Quando a criança
que assimila essa ideologia ganha autonomia para interferir politica e economicamente
na sociedade, o futuro se materializa. Por isso a sociedade do presente deve ter
consciência dos valores, da moral, dos habitus, das interdições, dos tabus, da cultura
através da qual orientam o caminho das crianças. São essas ideologias que constituirão
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Referências
BERGER, Peter L., LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de
sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.
DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ELIAS, Norbert. Sobre o Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
TEIXEIRA, Anísio. Educação Para a Democracia. Rio de Janeiro, José Olympio, 1936.
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Introdução
Este artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa em andamento,
realizada no Mestrado em Educação - Processos Formativos e Desigualdades Sociais
em curso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – FFP – UERJ, na qual temos
como temática a reforma do Ensino Médio (EM) com foco na produção de sentidos dos
itinerários formativos.
Nosso objeto de estudo vem sendo analisado segundo a perspectiva do
Materialismo Histórico Dialético, oriundo da crítica de Karl Marx. Três categorias
teórico-metodológicas foram importantes no processo de elaboração dessa teoria:
totalidade, contradição e mediação.
Examinar um fenômeno social que emerge em um determinado período histórico
exige de nós um olhar atento à relação entre conjuntura e estrutura. A conjuntura é fruto
de determinações históricas, e para analisá-la nos valemos de algumas categorias:
“acontecimentos, cenários, atores e relação de forças” (SOUZA, 1984, p.9). A estrutura
é determinada pela posição dos indivíduos e de grupos em um sistema. De maneira mais
geral, podemos dizer que a estrutura se refere a como a sociedade se organiza.
Neste trabalho, buscamos compreender como a atual reforma do ensino médio
está alinhada ao ponto de vista da estrutura do Estado burguês. À luz da teoria marxista,
faremos uma exposição de elementos que têm cooperado para a fratura da escola
pública a partir das mudanças no EM, introduzidas pela Lei nº 13.415/17.
Interpelando nosso objeto buscamos compreender qual o projeto societário que
se traduz na relação Estado/ Sociedade nessa reforma. Para tal, realizamos uma pesquisa
bibliográfica com bases epistemológicas em Karl Marx, Antonio Gramsci, Nico
Poulantzas e Carlos Nelson Coutinho; e documental em leis e decretos. Nosso objetivo
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VII Seminário Vozes da Educação
é delimitar de forma mais clara os fenômenos sociais e históricos que dão materialidade
às mudanças no ensino médio. Assim, a teoria social crítica é basilar nessa análise.
Dito isto, traremos pontos necessários para a discussão que engendra as relações
capital-trabalho, capital-educação e trabalho-educação como desdobramentos da
reforma do EM. À vista disto, avançamos em uma tessitura sobre o trabalho assalariado
e a introdução do capitalismo industrial no Brasil como ponto de partida sobre a
educação brasileira para as massas populares.
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um país independente tenha sido frágil. A moderna burguesia brasileira preferiu pactuar
com o atraso a conciliar com as classes populares. Assim:
[...] desde o início de nossa formação histórica, uma classe dominante que
nada tinha a ver com o povo, que não era expressão de movimentos
populares, mas que foi imposta ao povo de cima para baixo ou mesmo de
fora para dentro e, portanto, não possuía uma efetiva identificação com as
questões populares, com as questões nacionais (COUTINHO, op.cit., p.176).
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Poucos meses após ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, o novo
Ensino Médio avança no País, ainda que num cenário repleto de dúvidas
sobre sua implementação. De fato, ainda não muitos os desafios a serem
cuidados para que as mudanças possam sair do papel. Mas é alentador saber
que, apesar do grave cenário de crise política, há um grande esforço do
Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Educação, de secretários
de Educação e de instituições e fundações do Terceiro Setor para aterrissar
esse novo Ensino Médio no chão de escola.
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Considerações provisórias
Iniciamosnossa reflexão com uma breve tentativa de elaborar um conceito de
Estado, baseado nas contribuições de Marx e Gramsci, para, a partir dele interrogarmos
o nosso objeto de forma mais consistente. Nesse movimento, verificamos que temos a
necessidade de conhecer mais sobre a temática, pois há inúmeras perguntas em aberto, e
precisamos de mais tempo e mais provocações teóricas para respondê-las.
Todavia, podemos provisoriamente concluir que a reforma do EM proposta pela
Lei nº 13.415/17, que altera a Lei 9.394/2016 não supera a problemática da precarização
da formação da classe trabalhadora neste seguimento da educação básica, pelo
contrário, irá potencializar as desigualdades dos processos formativos e reforçar a
estrutura dual do seguimento, já que atende a uma lógica hegemônica do Estado: formar
a elite para dirigir e a as classes populares para ser dirigidas.
Isto posto, temos o desafio de continuar nosso esforço epistemológico na
compreensão das disputas que ocorrem entre o Estado e a sociedade civil em uma
conjuntura cuja lógica mercadológica neoliberal nos impõe limites e nos desumaniza
com processos cada vez mais instáveis de oferta de trabalho e de direitos sociais.
Referências
BRASIL. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Dispõe sobre a organização do
ensino secundário.
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MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1.ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2008.
______, José Paulo. Introdução ao estudo do método de Marx. 1.ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2011.
______; BRAZ, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica. 8. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.
SILVA, Monica Ribeiro. Como fica o Ensino Médio com a reforma – vem aí o
Ensino Médio “líquido”. Observatório do Ensino Médio, 2017.
<http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/como-fica-o-ensino-medio-com-a-
reforma-vem-ai-o-ensino-medio-liquido/>
SOUZA, H. De. Como se faz análise de conjuntura? Petrópolis: Editora Vozes, 2002.
TIBLE, Jean. Marx contra o Estado. Revista Brasileira de Ciência Política. nº 13.
Brasília, janeiro-abril de 2014.
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Doutoranda PPGEdu – Processos Formativos e Desigualdades Sociais/ FFP/UERJ.
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substancial da população em idade escolar que sequer se apresenta como demanda por
vaga?
Educação e disputa
Segundo as análises de Angela Martins e Lúcia Neves em seu artigo
“Materialismo Histórico, Cultura e Educação: Gramsci, Thompson e Willians” (Revista
HISTEDBR, 2013), os teóricos Antonio Gramsci, Edward Palmer Thompson e
Raymond Williams apresentaram como denominação comum das suas reflexões , um
papel fundamental da cultura e da educação nos processos de conservação e de
transformação das sociedades contemporâneas.
Na sociedade contemporânea, diversas são as formas onde cultura e educação
são propagadas. No entanto, a escola básica pública ainda é o local privilegiado de
educação das classes populares e centro de formulação e disputa de políticas públicas
orientadas pelos projetos de sociedade.
Os sujeitos políticos coletivos apontam papéis diferenciados para a escola. No
documento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Banco Mundial(BM)
intitulado Conhecimento e Inovação Para a Competitividade (Brasília,2008) , fica claro
que o papel da escola é o de formação de capital humano para o novo momento da
produção. Nas principais mensagens sobre o ensino fundamental, o documento aponta
(p.178), que “os formuladores da política educacional se concentraram ( corretamente)
na expansão da cobertura do ensino fundamental, da alfabetização e da igualdade do
acesso nos últimos 15 anos.” E ainda
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VII Seminário Vozes da Educação
Outros sujeitos políticos coletivos como o MST (Movimento de trabalhadores Sem Terra),
MTST (Movimento de Trabalhadores Sem Teto) , Partidos Políticos, associações de moradores,
organizações religiosas, Organizações Não Governamentais , etc também entram na disputa por
políticas públicas para a educação.
Ao disputar políticas públicas para a educação escolar, os movimentos sociais também
imprimem uma marca no conteúdo e na qualidade da escola. Sendo assim, a escola é um espaço
tanto de manutenção da realidade quanto de gestão de sua mudança. Os projetos que constroem seu
dia a dia disputam tanto sua quantidade como sua qualidade e desenham sua realidade atual.
No Brasil em 2017 a escola básica teve 48,6 milhões de matrículas 15,
representando quase ¼ da população brasileira, o que demonstra seu peso como política
de atendimento à população. E de potencial de conformar sociabilidades e habilidades.
As redes municipais detêm 47,5% das matrículas na educação básica; as redes
estaduais participam com 33,4%; a rede privada tem uma participação de 18,3%, a rede
16
Federal participa com menos de 1%. Assim, a escola básica pública atende a maioria
das matrículas e entre elas destacam-se as Redes Estaduais e Redes municipais.
No entanto o número de alunos fora da escola, atestado nos preâmbulos dos
documentos das Conferências Mundiais e em recentes campanhas educacionais como a
da Fundação Roberto Marinho (-# Nem1PraTras- que aponta mais de 1milhão e
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
trezentos mil jovens fora da escola)17, evidencia que não se atingiu a universalização do
ensino.
Nas Conferências Mundiais de Educação Para Todos de Jomtien e Dakar o
acesso à educação é tida como uma prioridade. No entanto, nas décadas posteriores às
Conferências (1990 e 2000), ainda não se alcançou a universalização no país. A análise
do acesso à escola pode nos dar pistas da correlação de forças do embate entre os sujeitos políticos
coletivos.
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VII Seminário Vozes da Educação
O olhar para o número de matrículas nas redes de escolas básicas nos mostra
aspectos fundamentais da política traçada para o Estado do Rio de Janeiro em sintonia
com o projeto neoliberal de Estado Mínimo. Diversos Governadores aplicaram
políticas neoliberais na educação como Marcello Alencar, com a demissão voluntária
do funcionalismo, incluindo a educação, e Antony Garotinho, que instituiu o Projeto
Nova Escola, baseado no conceito de meritocracia e que consistia em avaliações,
classificações e consequentes gratificações . Mas não é por acaso que o olhar desse
início de estudo é para o período de 2007 a 2017, marcado pelo Governo de Sérgio
Cabral e Luiz Pezão. O ritmo e profundidade das políticas educacionais dos governos de
Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão contribuíram com maior peso para o desenho da
escola pública básica em nosso Estado hoje.
A tabela da evolução de matrículas na Escola Básica , baseada nos Censos
escolares do Inep21, revela dados resultantes das políticas implementadas em 10 (dez)
anos.
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Referências
Banco Mundial/Confederação Nacional da Indústria. Conhecimento e Inovação para a
Competitividade. RODRIGUES Alberto; Dahlman Carl, Salmi Jamil. BM/CNI.
Brasília .2008
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
GLOBO. Secretario de Educação do RJ admite que não tem vaga para todos os
estudantes. Disponível em: https//gl.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/02/18
MATOS, Gregório de. In:, José Miguel, Org. Poemas Escolhidos, São
Paulo,Cultrix,1976, p.320
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MATOS, Gregório de. In:, José Miguel, Org. Poemas Escolhidos, São Paulo, Cultrix,1976, p.3207
2
A Declaração de Jomtien contém 10 objetivos: satisfazer as necessidades básicas de
aprendizagem;expandir o enfoque;universalizar o acesso à educação e promover a eqüidade;concentrar a
atenção na aprendizagem;ampliar os meios e o raio de ação da educação básica;propiciar um ambiente
adequado à aprendizagem;fortalecer as alianças;desenvolver uma política contextualizada de
apoio;fortalecer solidariedade internacional.
3
Declaração de Jomtien (Tailândia) -09 de Março de 1990 Disponível em
www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990
4
Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/20674-desemprego-volta-a-crescer-com-13-1-milhoes-de-pessoas-em-busca-de-
ocupacao
5
Grupo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) criado em 2000
6
Lei Nº13.467 de julho de 2017- Reforma Trabalhista modifica as relações de trabalho previstas na CLT,
entre elas a admissão do trabalho intermitente, a venda das férias, a não remuneração do tempo de
deslocamento para o trabalho, terceirização , etc.
7
Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-40006165 A Formação de Jovens Violentos -
Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema (Rolins, Marcos editora Appris),2017
8
Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/aumenta-numero-de-criancas-e-
adolescentes-envolvidas-em-crimes-no-ma.ghtml
9
Disponível em https://globoplay.globo.com/v/6737015/programa/
10
Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/02/18/secretario-de-educacao-do-rj-
admite-que-nao-tem-vaga-para-todos-os-estudantes.ghtml
11
Disponível em: https://eurio.com.br/noticia/5422/crise-na-educacao-atinge-alunos-e-professores-no-
e.html
12
A CNTE Conta com 50 entidades de Profissionais da Educação filiadas, somando mais de um milhão
de associados.
13
Disponível em https://www.cnte.org.br/index.php/cnte-na-midia/20794-trabalhadores-se-mobilizam-
em-todo-pais-rumo-a-greve-geral-da-educacao.html-acessoem 22/04/2019
14
Disponível em : https://www.cnte.org.br/index.php/institucional/a-cnte.html acesso em 22/04/2019
15
Censo Escolar 2017-Inep- Notas Estatísticas
16
Censo Escolar 2017-Inep- Notas Estatísticas
17
http://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/256683/canal-futura-faz-campanha-pelo-acesso-
educacao-de-.htm, acessado em 22 de abril de 2019
18
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/panorama-acesso em 22/04/2019
19
Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/panorama acesso em 22/04/2019
20
Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2604200025.htm 26 de abril de 2000.
Acessado em 22 de abril de 2019.
21
Fonte : Censo Escolar Inep (http://inep.gov.br/resultados-e-resumos)
22
Disponível em http://inep.gov.br/resultados-e-resumos; acesso 06/2018
23
Disponível em http://academia.qedu.org.br/censo escolar /notas-técnicas acesso 06/2018.
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Barbacena para São Paulo, no segundo semestre de 1921. Diante deste quadro, enquanto
ela residia em Barbacena, local, que segundo ela, o convívio estava ficando cada vez
difícil, a escrita se transformava no seu lugar, no mundo onde o que ficava represado
poderia ser extravasado.
Através dessas cartas a subjetividade e a forma de ver e ler o mundo de Maria
Lacerda ficavam mais evidentes, já que determinados assuntos tratados nas cartas foram
temas dos seus livros. Dessa forma, as cartas por serem textos que abarcam uma forte
carga subjetiva, trazem no seu bojo aspectos como “verdade como sinceridade” e
“ponto de vista do autor do documento” (GOMES, 2004, p. 14) elementos que
possibilitam leituras mais profundas do autor.
Nas palavras de Gomes:
Iniciamos a nossa abordagem das cartas de Maria Lacerda para Fábio luz,
buscando situá-lo no momento histórico o qual as correspondências foram trocadas e
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
libertária em periódicos como Spartacus, A Vida, Voz da União, A Plebe etc. Em 1920,
sua colaboração no jornal anarquista diário Voz do Povo levou-o à prisão, após a
invasão e o empastelamento da redação do periódico pela polícia.
No ano de 1904, participou da iniciativa de instalação de uma Universidade
Popular com o intuito de atender a classe proletária. Desse projeto participaram
intelectuais como Elísio de Carvalho, Evaristo de Moraes, José Verissimo, entre outros.
A empreitada não teve vida longa. No campo literário se dedicou a escrita de romances,
tais como O Ideólogo, Os Emancipados e Elias Barrão (1915); de novelas, Nunca e
Manuscrito de Helena. Além da imprensa anarquista, colaborou também na Imprensa
comercial, na função de crítico literário. Seus artigos foram compilados em diversos
livros tais como; A Paisagemno Conto, na Novela e no Romance (1922), Estudos de
Literatura (1927), Ensaios (1930) e Dioramas (1934). Maria Lacerda procurava
referências e interlocutores para dialogar. Fábio Luz foi um intelectual com um
currículo de lutas, de honestidade, de produção e de abnegação com os trabalhadores,
com a educação e um feroz contestador do sistema capitalista. Com todos esses
predicados a sua postura e representação social atraiu Maria Lacerda.
Essa atração levou Maria Lacerda a trocar correspondências com ele. A
compartilhar suas dúvidas e anseios, a partilhar a sua forma singular de ver o mundo,
como veremos a seguir nas três cartas selecionadas por nós, de um corpus de quinze
cartas. A seleção como se sabe é um critério pessoal. Nesse caso, buscamos
compreender como o entendimento entre os missivistas se deu e qual a importância de
um para o outro. Infelizmente, não tivemos acesso as respostas de Fábio Luz, o que nos
levou através dos indícios (GINZBURG, 2009), a buscar o contexto e das datas
elementos que nos ajudassem a entendê-las.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Não podemos deixar de observar que os anos de 1920 a 1922, são os anos
cruciais da partida para o mundo de Maria Lacerda. Não esqueçamos que ela já havia
lançado dois livros, “Em torno da educação” (1918) e “Renovação” (1919). Dessa
forma ela já poderia se sentir inserida enquanto escritora. Ela era professora, ele
também. Logo o uso da palavra “confrade” a colocava num mesmo patamar.
Fábio Luz era um anarquista declarado, pelas suas ações sociais, políticas e
pedagógicas. Fazia parte com outros intelectuais, operários, sindicalistas do movimento
contrário ao governo da época. Portanto, sua prisão no período estava dentro de um
projeto continuado e maior para acabar com a ideologia anarquista no país e com os
seus ideólogos. Principalmente no que concernia as autoridades e ao governo
constituído
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VII Seminário Vozes da Educação
Mesmo diante desses fatos Maria Lacerda, não se furtava em fazer conferências
e atacar as estruturas sociais da época. Entretanto, nessa carta ela apenas mencionava o
fato da prisão dele. E prosseguia de forma doce e amistosa:
Li seu belo livro – com interesse e com prazer. Não o escreveu só para
crianças: a gente grande nele encontra muito sabor. Sensibiliza e leva a
outros pensamentos fraternais daqueles que o leem sentindo.
Subscrevo a apreciação de Almachio Diniz quando escreve: “Permitam,
porém, os dois pedagogos, o autor e a prefaciadora que foi D. Esther Pedreira
de Mello, que eu coloque o livro acima da modéstia de um e dos escrúpulos
profissionais da outra”.
Andorinhas é de uma beleza, de um colorido, de um imprevisto admirável.
Lindas páginas contém todo o livro.
Talvez não saiba que há em Belo Horizonte belíssima herma de Anita
Garibaldi. Foi inaugurada na capital pelo Dr. Fausto Ferraz – por sinal que o
presente lhe custou dissabores: os padres e elementos católicos da beata
Minas deram-lhe lesíveis pancadas pela imprensa.
Confesso meu grande contentamento ao saber que lhe não sou estranho.
Seremos amigos de certo.
À Exma. Família cumprimentos afetuosos. Às filhinhas merecedoras de tão
delicados sentimentos – beijos carinhosos.
Saudações
Maria Lacerda de Moura
Barbacena, 11/04/1920 (MOURA, 1920, Arquivo Nacional)
Nessa parte da carta vemos Maria Lacerda elogiando a publicação do seu livro e
buscando o estreitamento de laços com o destinatário. Ao falar de leveza e
encantamento com o livro que recebera, situa o interlocutor com mais proximidade,
mais intimidade. Como ensina Gomes,
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Não tenho outra preocupação, nem outra aspiração que não seja a vitória do
ideal que me alentou a alma de moço e se cristalizou em prisma facetado, de
onde a luz de um futuro de amor e felicidade tira chispas douradas que
iluminam o caminho da velhice. Não desejo ser oráculo, guia, mestre ou
dirigente, como supõe alguém. [...] É um alto sentimento de justiça que me
impulsiona para convosco alcançar a realização de uma reforma social de
igualdade absoluta. (LUZ, Spartacus, Rio de Janeiro, 04/10/1919)
Na epígrafe podemos perceber o caráter idealista que movia Fábio Luz. Ele não
arrefecia os seus ideais de liberdade e de perspectivas para se construir uma sociedade
justa e igualitária. Podemos deduzir que essas características que transparecem no seu
texto, foram ao encontro das expectativas de Maria Lacerda, que estava predisposta a
expor o seu universo privado e estabelecer novos vínculos de sociabilidade.
O diálogo que se estabelece através das cartas tem um caráter revelador dos
missivistas. Na apresentação, Maria Lacerda fala do estímulo ao receber a resposta de
Fábio Luz. Observamos no discurso da intelectual que ela se preparava para o salto que
daria, posteriormente, ao mudar de Barbacena para São Paulo. Momento importante do
seu crescimento intelectual, pois a flagramos diante das dúvidas cruciais da sua virada
na compreensão do país, das questões que a mobilizavam.
sumário 1312
VII Seminário Vozes da Educação
revolução não é talvez para os nossos dias ou pelo menos não dará o
resultado desejado em os nossos dias? ...
Com que devemos contar por ora? (MOURA, 1920, Arquivo Nacional)
A intelectual acreditava na educação como uma ponte de saída para o caos que
via no país, mas já entendia que essa mesma educação, encontrava-se nas mãos dos que
não pleiteariam mudanças num sistema oligárquico e conservador. Como mudar o
estado de coisas, como estruturar a mudança, como avançar nas causas que ela
acreditava, eram dúvidas, que podemos observar, transbordavam das linhas da carta. Ela
se sentia impotente para implementar as mudanças.
Maria Lacerda duvidava se o tempo seria suficiente para implementar as
mudanças que julgava necessárias. Não tinha certeza se parte da população, que estava
fora do processo por “ignorância” ou desconhecimento teria condições de encampar
essa empreitada. E continuava,
Acho o golpe por demais profundo para toda essa gente incapaz de encarar a
questão. Em torno de mim vejo ou ouço as maiores barbaridades contra o
ideal anárquico, barbaridades pronunciadas por pessoas generosas, idealistas.
É que o tempo não soou para elas: é a ignorância, e não se ensina a criança à
força o que o seu cérebro não pode conceber. É preciso jeito e tempo na obra
educativa. O povo é como a criança.
Peço-lhe que me diga porque é que não tenho razão.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O movimento anarquista que se espalhou pelo país, com maior potência no eixo
Rio de Janeiro-São Paulo, nas duas primeiras décadas do século XX, e por algumas
outras cidades. Defendia um modelo de sociedade que se assentasse na liberdade dos
indivíduos, na solidariedade, na coexistência feita de harmonia, na propriedade coletiva,
este postulado contrariava completamente a perspectiva da propriedade particular, na
autodisciplina e autogestão, entre outros.
Uma sociedade que saía de um modelo agrário-escravocrata e tentava dar uma
roupagem nova para o país, não alcançaria objetivos tão avançados. A opção pela
educação seria o melhor caminho para retirar o povo da condição subalterna e submissa
e dar condições para ele, de construir as mudanças tão profundas, pois, nas suas
palavras, “o povo era como uma criança”, precisava de cuidados e tempo para ser
educada.
Comecemos pelo princípio: o verbo no condicional nada tem que ver ou pelo
menos pouco tem que ver com o meu estado psicológico.
Não significa dúvida enorme como supôs e muito menos ironia.
Se me conhecesse melhor não seria capaz de imaginar que eu usasse de
ironias e muito menos com uma pessoa para mim veneranda a quem voto
infinita consideração em vista da sua superioridade moral (MOURA, 1920, p.
1) (Grifos da autora).
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VII Seminário Vozes da Educação
dessa forma não teria dúvidas sobre a sua fala. Inclusive destacava “os cabelos brancos”
do interlocutor, como sendo motivo suficiente para respeitá-lo, mas reafirmava as
qualidades por ela destacadas, qual seja, dele ser “um lutador pela causa da
humanidade” (MOURA, 1920, p. 1).
Segue o diálogo, pois a escrita de Maria Lacerda apresentava a vivacidade típica
da oralidade, a densidade discursiva do seu texto transbordava, o que permite ao leitor,
imaginá-las como se estivessem sendo faladas para o destinatário e não escritas.
Observamos essas marcas de oralidade e de uma busca de intimidade com o
destinatário, ao fazer referência aos seus livros de estreia. Nesse caso, ela se refere aos
livros Em torno da educação (1918) e ao livro Renovação (1919), ela afirma:
Não estivesse eu de mal com alguns períodos dos meus livros de estreia e
lhes mandaria para verificar num trecho ou noutro a sinceridade do meu auto
retrato psicológico e em conheceria bastante para ver o quanto me magoou o
haver causado pesar ao seu generoso coração (MOURA, 1920, p. 1) (Grifos
da autora).
Esse espaço temporal que abarcava os anos de 1920 e 1922, foram anos em que
Maria Lacerda reavaliou suas posições educacionais, bem como do contato com outros
intelectuais, como José oiticica. Os quais foram fundamentais para a intelectual
descobrir e descortinar novas vertentes na construção do seu pensamento educacional,
mas principalmente nas questões que envolviam a emancipação e a educação feminina.
Maria Lacerda entabulou e retomou a discussão ao fazer uma pergunta retórica,
para demonstrar que não havia uma divergência de grande monta e para provar as suas
teses: “quer ver como estamos de perfeito acordo?” E ela responde que a “felicidade
dos povos se realizará pela anarquia ou pelo comunismo anárquico, que é a mesma
coisa”. Podemos observar que a intelectual já se embebia das questões e pautas
anárquicas, em relação as questões educacionais, a sexualidade, a emancipação.
Neste momento ela dizia sentir a “possibilidade do comunismo”, citava o
exemplo de “comunidades religiosas” onde as relações poderiam ser melhoradas.
Abraçava a discussão e retrucava:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Augustin Fréderic Adolphe Hamon (20/01/1862 – 03/12/1945), escritor francês, filósofo, editor de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
escancaradas para devorar os próprios filhos – uns engolem os outros” (MOURA, 1920,
p. 4).
O seu olhar para a sociedade era de desalento, pois via “o caos, a hipocrisia, o
egoísmo e a ambição” como fatores que dificultariam a chegada do novo tempo. Neste
aspecto, a intelectual parecia querer jogar com o tempo, dominá-lo. Sobre esta questão
afirma Gomes:
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VII Seminário Vozes da Educação
contar com “ela mesma, com o próprio coração e com a própria razão” e também
contava com os amigos para poder dividir as suas angústias (MOURA, 1920, p. 6). A
intelectual usava as cartas como forma de desabafar as suas agruras, como forma de
compensar a sua vida distanciada dos grandes centros onde estavam ocorrendo as lutas.
Talvez para livrá-la da solidão que por ventura estivesse vivendo. Nessa direção, a
escrita de si e a escrita epistolar podem funcionar como terapia, como catarse para os
missivistas, pois podem auxiliar no alívio das angústias, da solidão. Preenchendo o
espaço de um companheiro, “ao qual quem escreve se expõe, dando uma prova de
sinceridade” (Gomes, 2004, p. 21).
Prosseguia o seu ato confessional e estabelecia uma comparação entre o
surgimento do comunismo e o surgimento do cristianismo, analisava como os dois
conceitos foram deturpados desde a ideia original. Apontava o choque de interesses
entre os libertários de São Paulo e os do Rio de Janeiro sobre a implantação ou não da
ditadura do proletariado como forma de mediar o caminho para a revolução plena.
Reclamava da falta de “coesão”, das “divergências” e das “tendências opostas” que
geravam dúvidas e incertezas para prosseguir na luta (MOURA, 1920, p. 6).
Avançava na sua avaliação do quadro político. Deixava o texto aberto através de
reticências, quando escrevia que “se a dúvida se alastrava na vanguarda dos
combatentes...” Afirmava: “também eu sinto dúvida”. É possível detectar nesta carta a
desconfiança de qual caminho a seguir. A mulher forte e determinada dos livros
publicados e das conferências, mostrava as fragilidades inerentes aos seres humanos, a
impotência aparecia na sua intimidade: “O que me falta compreender (e isso não tem
importância: a evolução se fará quer eu a compreenda ou não) é esse meio de
transformação” (MOURA, 1920, p. 7). Expunha a dúvida e sua sentença:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[...] Eis de que o meu coração tem fome num anseio ardente de mostrar a
toda gente até aonde pode ir o pensamento humano em busca do bem estar
para todos.
Eis o que eu desejaria se me fosse dado almejar qualquer coisa em proveito
dessa humanidade explorada, ludibriada, em prol da extinção da miséria
universal (MOURA, 1920, p. 7).
Referências
CAMPOS, Andreia da Silva Laucas de. Fábio Luz e a Pedagogia Libertária: traços
da educação anarquista no Rio de Janeiro (1898-1938). Dissertação de Mestrado.
Orientador: Prof. Drº. Roberto Luís Torres Conduru. Rio de Janeiro: ProPED-UERJ,
2007.
GOMES, Angela de Castro. Escrita de si, Escrita da História: a título de prólogo. In.:
GOMES, Angela de Castro (Org.). Escrita de si, Escrita da História. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2004.
LEITE, Miriam Lifchitz Moreira. Outra face do feminismo: Maria Lacerda de Moura.
São Paulo: Ática, 1984.
MOURA, Maria Lacerda de. Cartas para Fábio Luz. Fundo Fábio Luz. Arquivo
nacional.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Dada as diferentes percepções de região e regional, Faria Filho (2009) propõe
conceber a região como uma unidade de análise e como posição epistemológica. Dessa
forma o que possibilita no campo da história da educação “a realização de uma história
regional é a maneira pela qual eu produzo teórica e metodologicamente o meu objeto de
pesquisa” (FARIA FILHO, 2009, p.60). Isto implica ir além de “critério geográfico,
político ou mesmo cultural” (FARIA FILHO, 2009, p.60). Significa considerar “as
temporalidades e dinâmicas próprias [do objeto], a suas relações com os demais
fenômenos sociais e por fim as fontes mobilizadas” (FARIA FILHO, 2009, p.60).
Assim o exame das Atas das sessões das Câmaras permite “acompanhar as
discussões dos mais variados projetos legislativos” (BARCELLAR, 2010). Além de
permitirem o mapeamento das iniciativas da nova prefeitura em matéria educacional e
conhecer as condições das escolas que é o nosso foco, possibilitam também apreender
as disputas de poder não só entre sociedade política e a sociedade civil, assim como no
seio da própria sociedade política (os conflitos entre o poder executivo e legislativo).
Permitem ainda compreender outros aspectos da história da região.
As sessões das reuniões da Câmara Municipal de Duque de Caxias estão
salvaguardadas no Instituto Histórico de Duque de Caxias, estando o acervo organizado
em livros que variam entre 300 e 400 páginas de manuscritos.
As Atas eram escritas por um redator (pessoa específica responsável por esta
função) e embora passassem por todo um processo para a sua aprovação, encontramos
reclamações sobre irregularidades nas Atas (IHCMDC, Livro3, Ata da 1ª Sessão
Ordinária,03/11/1949, p.305-310), constando ainda o registro de que houve “inúmeras
vezes graves omissões” das questões levantadas pelo edil Waldemar de Almeida,
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Optamos por deixar os trechos das fontes em sua grafia original.
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Entende-se aqui como instituição escolar no sentido estrito e instituição educativa em um sentido
amplo, tal como definido por Sanfelice (2005).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
meio, da sua classe, de sua cultura”, por meio legal, em que todas as engrenagens rodam
para converterem essas crianças em “um capital potencial”, ou seja, em bons
trabalhadores (VARELLA; URIA, 1992, p.87).
A 5ª sessão extraordinária da Câmara do ano de 1947 consta a existência de um
ofício enviado pelo “ex-prefeito Coronel Sapião da Silva Carvalho” em que este
comparece “doando ao Patrimonio Estadual a aréa de terreno doada à prefeitura pela
Empreza Melhoramentos de Caxias, para construção de grupos escolares”. A “doação
da referida aréa ao Estado” ocorreu “por não ter a Prefeitura meios para a construção do
grupo escolar” (IHCMDC, Livro 1, Ata da 3ª Reunião Extraordinária, 24/10/1947,
p.35).
Ainda se tratando dos tipos de escolas que eram propostas/ desejadas para o
município, percebe-se uma variedade de modalidades de ensino e natureza de
instituições. com uma “Indicação do Vereador Waldyr Medeiros para que seja criado
uma escola de Instrução Militar neste Municipio” (IHCMDC, Livro 3, Ata da 13ª
Sessão Ordinária,31/03/1949, p.74), a indicação de “serem reencetados os cursos
supletivos noturnos de várias escolas municipais” (IHCMDC, Livro 6, Ata da 8ª
Reunião ordinária,15/03/1951, p. 63), a “indicação do edil Peixoto Filho creando uma
escola na Igreja Metodista da Av. Rio Petrópolis” (IHCMDC, Livro 7, Ata da 6ª
Reunião Extraordinária,28/08/1951, p.160), nomeando também “uma professora” para
esta Igreja (IHCMDC, Livro 8, Ata da 12ª Reunião Ordinária,20/11/1951, p.125),
ambas sugestões foram “aprovad[a]s sem restrição” (IHCMDC, Livro 8, Ata da 13ª
Reunião Ordinária,21/11/1951, p.132).A proposição da criação de uma escola na Igreja
Metodista pode sugerir as formas pelas quais a educação no município era financiada.
O vereador Alves Branco solicitou a “instalação de uma escola do Senai”
(IHCMDC, Livro 11, Ata da 1ª Reunião Extraordinária,26/01/1953, p.146) e o vereador
Perez Montilho fez uma indicação que foi aceita “sugerindo entendimento do Prefeito
com o ‘SENAC’ para a creação de um ginásio gratuito em Caxias” (IHCMDC, Livro
12, Ata da 9ª Reunião Ordinária,13/03/1953, p.24). O memso vereador assinalou que
havia verba para a construção de uma escola em “Gramacho” (Vila Leopoldina) em que
o edil Gonçalves Moura sugeria que esta fosse feita “em terreno doado para esse fim”
(IHCMDC, Livro 12, Ata da 19ª Reunião Ordinária,30/03/1953, p.86).
Identificamos também o requerimento da instalação do “curso Secundário” em
um grupo escolar, ao Secretário de Educação e Assistência por parte do vereador
Moacyr Alves Branco (IHCMDC, Livro 7, Ata da 18ª Reunião
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do exposto acima que apesar do município ainda não conseguir dar conta da demanda
existente para o ensino primário, havia uma busca por Ginásios para a região.
...o vereador Luiz Gonzaga Peçanha fazendo ver a casa o estado de abandono
em que se acha à escola do centenário, que a noite e esconderijo de
vagabundos e jogadores, e comunica que hontem foi procurado pelo
proprietário do prédio em que funciona a citada escola, e que este alega, que
não recebe aluguel do prédio desde o tempo em que era Prefeito o senhor
Arruda Negreiros, o aluguel irrisório de oitenta cruzeiros mensais (IHMDC,
Livro 1, Ata 4ª Reunião Ordinária,06/11/1947, p.52).
Numa outra passagem ainda sobre a escola Centenário é possível perceber que
embora a escola que temos hoje seja totalmente diferente da escola experienciada
naquele momento, havia um certo ideário mínimo de escola que deveria ser atendido.
Esta mesma passagem nos dá margem para pensar que as políticas públicas propostas
até aquele momento não atendiam as necessidades das escolas, e que os próprios
vereadores tentavam sanar essas necessidades de forma privada (IHMDC, Livro 1, Ata
da 12ª Reunião Ordinária, 19/11/1947, p.109).
Com o intuito de amenizar a situação difícil da escola, é “apresentado pelo
Vereador Luiz Peçanha” ainda neste ano de 1947 um “Projeto de resolução, para
fornecimento pelo executivo de material escolar” (IHMDC, Livro 1, Ata da 13ª Reunião
Ordinária,21/11/1947, p.117).
No que se refere ao pagamento do aluguéis atrasados até o mês de dezembro de
1947 não tinha sido realizado, segundo o vereador Pereira Pinto, o mesmo pressionou o
Executivo a fazê-lo (IHMDC, Livro 1, Ata da 17ª Reunião Extraordinária, 26/12/1947,
p.237-238). Essa situação ainda não tinha sido resolvida até o final do ano de 1948,
dado que os vereadores Luiz Peçanha e Corrêa Lima sugeriram a efetivação dos
pagamentos (IHCMDC, Livro 2, Ata da 9ª Sessão Extraordinária,30/12/1948, p.371).
A problemática de ausência de pagamentos de aluguéis chegou atingir a “escola
Dr. Manhães do Parque Lafaiete” (IHMDC, Livro 4, Ata da 7ª Reunião
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das obras e o preço dispensado na construção de cada unidade escolar que seria
insuficiente para uma obra de qualidade constituíram estas problemáticas.
...Passando a falar o edil Bastos Ruy, leu certo trecho do jornal estipendiado
pela Prefeitura, no qual se acham publicados os documentos da concorrência
para construção das escolas. Destacou então que, o preço unitário estipulado
éra de CR$ 40.000,00 e estavam sendo pagas a CR$ 85.000,00. Como
cidadão pediria no judiciário c’o uma ação. Nesta altura a exaltação éra
grande o Sr. Presidente suspendeu a reunião por 5 minutos. Quando os
trabalhos recomeçaram o Sr. Zulmar Bastista refutou aquelas assertivas,
lendo o artigo 6º do edital de concorrência, aditando que a soma de Cr$
40.000,00 éra para efeito de caução porque não era crível que, no, dias de
hoje, houvesse quem se comprometesse a edificar escolas amplas por apenas
40 mil cruzeiros (IHCMDC, Livro 13, Ata da 8ª Reunião
Ordinária,12/11/1953, p.137).
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Considerações finais
O exame das Atas da Câmara Municipal além de revelar uma pluralidade de
temas ligados à educação municipal, descortina os contextos múltiplos em que se deu a
criação de escolas a partir da instalação do poder político local. Tendo em vista os
aspectos assinalados acima nota-se que os jornais municipais e os documentos oficiais
locais são fontes importantes para a história local, uma vez que fornecem indícios da
“força popular, tanto como uma atividade, quanto uma forma literária”, pois, trabalhar
com o local para “é uma construção política e simbólica, antes de ser físico-geográfica,
porque são as práticas políticas e as relações de poder que nomeiam, inventariam e
produzem sentido, visibilidade e reconhecimento do espaço físico” (CAVALCANTI,
2018, p.285).
Cumpre atentar nesta direção que a análise das Atas da Câmara Municipal de
Duque de Caxias traz à tona nuances que estiveram presentes no processo de criação de
escolas a partir da instalação do poder político local. Nuances essas que apontam que
mesmo havendo um esforço do poder legislativo municipal no que se referia a criação
de escolas, esta não atendia a demanda daquele contexto. Articulando-se à isso as
condições das construções de algumas escolas no território como o caso das escolas que
ruíram coloca em questão a problemática da quantidade versus a qualidade das
instituições escolares municipais criadas pelo poder municipal. Além disso, não se pode
perder de vista a presença da concessão de subvenções por parte do poder público
municipal às instituições privadas. Assim não se trata apenas de se saber quantas e quais
escolas foram criadas no território no período em análise, mas de também perceber os
contextos que foram tecidos nestes processos.
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Referências
ALMEIDA, T. M. A.; BRAZ, A. A.De Merity a Duque de Caxias:encontro com a
história da cidade. Duque de Caxias, RJ: APPH, CLIO, 2010.
BACELLAR, Carlos. Uso e mau uso dos arquivos.IN: PINSKY, Carla Bassanezi (org.)
Fontes Históricas ., 2.ed., 2ª reimpressão. São Paulo: Contexto,2010.
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é aquela que propicia devires, um vir-a-ser, que nada tem a ver com um
futuro, com um amanhã ou com uma cronologia temporalmente marcada,
mas com aquilo que somos capazes de inventar como experimentação de
outras coisas e outros mundos. (p.180).
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atendimento é prestado e voltarmos o olhar para as crianças que são atendidas neste
espaço.
A UMEI está localizada na Região Oceânica de Niterói, no bairro de Itaipu.. O
seu prédio é constituído por cinco salas de aula e atende as crianças em grupos
denominados Grupos de Referência da Educação Infantil (GREI), sendo portanto, à
epoca da pesquisa, cinco grupos: um (01) grupo de três anos (GREI3), dois (02)
grupos de quatro anos (GREI4A e GREI4B) e dois (02) grupos de cinco anos (GREI5A
e GREI5B). Pela portaria que rege a modulação do quantitativo de crianças por grupo
(Portaria FME 087/2011), cada grupo tem como limite o número de 20 crianças,
podendo se estender para mais duas em casos de extrema necessidade, contudo, das 5
salas, pelo tamanho limitado, apenas duas comportam esse número de crianças e as
outras três comportam, no máximo, 16 crianças. Além das salas de aula, a Unidade
apresenta para as crianças uma sala de multimeios, onde há espaço para TV, leitura,
arara com fantasias e funciona como um espaço para atividades diversas, assim como o
nome anuncia. O refeitório da Unidade tem capacidade para, no máximo, 40 crianças
fazerem as refeições. Apresenta no térreo um banheiro infantil feminino com três
chuveiros e um infantil masculino sem chuveiros, um banheiro feminino adulto e um
adaptado (que funciona como o masculino adulto, que não existe na Unidade). No andar
superior, onde ficam as salas das crianças de 5 anos, funciona um banheiro infantil com
um chuveiro e um banheiro de adulto. A UMEI possui uma secretaria com banheiro,
uma sala de direção e um almoxarifado. Uma varanda grande é utilizada como
parquinho de grama sintética, apresentando alguns brinquedos, tais como, escorregos,
gangorras de plástico, casinha de bonecas.
A Unidade contava, na época da pesquisa, com onze professoras, duas para cada
grupo de crianças; uma professora de apoio educacional especializado (que atendem às
crianças com necessidades educacionais especiais); um agente administrativo e uma
auxiliar de coordenação; equipe de apoio operacional composta por três funcionárias de
serviços gerais e três merendeiras; equipe de articulação pedagógica composta por uma
diretora, uma diretora adjunta, uma coordenadora e uma pedagoga. O horário de
funcionamento da Unidade é das 8 às 17 horas e às quartas-feiras por ocorrerem
reuniões semanais de avaliação e planejamento das professoras, as crianças são
dispensadas às 15 horas.
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VII Seminário Vozes da Educação
O bairro de Itaipu, assim como os outros bairros da região, possui uma vasta
área natural, composta por praias e uma expressiva extensão de Mata Atlântica
preservada, no Parque Estadual Serra da Tiririca.
Além das riquezas naturais, o bairro apresenta uma grande riqueza cultural e
histórica, patrimônio da cidade de Niterói. Na praia de Itaipu existem sambaquis que
guardam registros históricos de animais e habitantes que ali viveram e o Museu
Arqueológico de Itaipu, que traz à comunidade e aos visitantes uma exposição
permanente dos materiais encontrados nas dunas e nas ruínas de um antigo abrigo para
mulheres, conhecido como Recolhimento de Santa Tereza, existente ali no século
XVIII.
Na praia também existe a colônia de pescadores. Esta comunidade guarda uma
história e uma cultura muito importantes a serem preservadas e promove movimentos
de resistência e luta por esta preservação. Em um outro ponto do bairro, no Engenho do
Mato, existe um espaço de resistência quilombola conhecido como Quilombo do
Grotão, que também realiza atividades comunitárias e guarda um patrimônio histórico e
cultural na localidade. Em vários pontos do território do Parque Estadual da Serra da
Tiririca, encontramos o caminho de Darwin, importante trilha a ser explorada.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(2010), as práticas nas instituições de Educação Infantil devem ser pensadas através de
princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao
bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades
(p.16). Reforçando ainda que se faz necessário a garantia de experiências que
incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a
indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao
tempo e à natureza (p.26).
As falas das crianças mostram esta relação com o mundo ilimitado, que vai
muito além do espaço físico da UMEI tão restrito e limitado. A valorização dada por
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Tiririca e também, através do plantio do mangue, onde as crianças e suas famílias são
convidadas a participar.
Através destas ações, a equipe pedagógica foi encontrando, em certa medida
formas e propostas pedagógicas e culturais, que rompem de certo modo com os limites
colocados pela estrutura física, que se demonstra altamente condicionante. As crianças
passam nove horas diárias em uma estrutura espacial muito restrita que as condiciona a
rotinas com poucas possibilidades de flexibilização e estes espaços externos dão um
alívio nas tensões que surgem devido a estas limitações.
Professoras também buscam, na sensibilidade, encontrar meios de explorar a
inventividade das crianças apesar das dificuldades encontradas, como podemos perceber
no diálogo abaixo.
Pesquisadora: Como você acha que a estrutura física da UMEI interfere nas
escolhas das crianças? Facilitam ou dificultam? Se dificultam, você consegue
ver formas de romper com os possíveis limites?
- ISO: Débora, na verdade eu acho que para as crianças não facilita e nem
dificulta, porque eles buscam estratégias para adaptarem-se aos espaços, onde
a brincadeira é sempre o mais importante. Nós adultos e profissionais é que
temos um olhar diferente, pensando as possibilidades que poderiam ser dadas
a eles. Por exemplo: algumas crianças do meu grupo necessitam mexer em
terra, nas pedrinhas, nas folhas.... eles resolveram este problema! Sabe o que
eles fazem? Eles vão mexendo a terra dos vasos, aí eles criam pedrinhas para
colocar nos carrinhos com o cimento do parquinho que está soltando. O R., a
gente percebe que ele está acostumado a brincar em espaços maiores, onde
deve ter árvores. Aí o que ele faz? Ele precisa estar sempre subindo em
alguma coisa. Ele também já resolveu o problema dele.. Vive subindo nos
bancos e dando pulos... altos, né? Utiliza também as escadas dos escorregos
pra dar os impulsos e dar pulos mais altos. Ele... se acha um super herói...
com certeza!
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Como premissa da pesquisa, me reuni com grupos de crianças com idades entre
3 e 5 anos para conversas sobre os espaços e tempos que experimentam diariamente na
UMEI. Nesses encontros me foi revelada a riqueza da percepção infantil sobre estes
temas. Essas vozes nos revelam os pensamentos das crianças sobre a vivência
cotidiana nesses espaços, e sobretudo, sobre as práticas e as organizações propostas por
nós adultos sobre a organização do cotidiano da UMEI, indicando como percebem a
política pública Mais Infância.
Nesse sentido, através de uma escuta sensível (Barbier, 2002), em um processo
de pesquisa-ação e no constante desafio de buscar uma relação de alteridade com as
crianças, afastando as tentações e armadilhas das práticas adultocêntricas, que se
fundamentam em estruturas históricas de longa duração, que nos atravessa e está
arraigada em nós. Em direção contrária, fui buscando estabelecer uma relação de
confiança com o grupo de crianças com o qual me reuni nas trajetórias da pesquisa.
Como afirmam Carvalho e Muller (2010, p. 67):
Desse compromisso de não ouvir somente o que se quer ouvir, é que surgem os
grandes achados da pesquisa.
Inicialmente, foram feitas perguntas às crianças sobre o que elas pensam sobre a
UMEI: O que vocês acham da UMEI? O que gostam e o que não gostam? Se pudessem
melhorar, o que fariam? As perguntas foram feitas sob formas de brincadeiras com o
objetivo de organizar os momentos de fala de cada um, buscando o exercício de escuta e
de respeito às falas do outro. CLA, de 5 anos, relembra nesses encontros dos momentos
em que chorava para ficar na UMEI, dizendo que “sentia e ainda sente saudade da sua
mãe porque fica muito tempo longe dela, mas agora não choro mais.”
Outra questão apontada pelo FLA, de 6 anos, é que “gostaria que tivesse um
campo para fazer esportes, correr e fazer capoeira”. Os outros do grupo concordam.
As crianças concordam sobre não gostar de determinados espaços da Unidade,
porém, em algumas falas percebo que as insatisfações são com as imposições adultas,
mais do que com os espaços propriamente ditos, revelando que a forma como a rotina é
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
- Da mesma forma que tem crianças que não gostam da hora do descanso, na
UMEI existem crianças que gostam, como aqui mesmo já foi dito. O que
poderiam fazer aqueles que não gostam de dormir, já que as salas de aula
estão ocupadas com os colchonetes e com as crianças que dormem?
- A gente poderia deixar eles quietos lendo livros na secretaria - fala MAI
- Mas na secretaria não teria espaço pra todo mundo, não teria nada
interessante para crianças lá e os funcionários estão trabalhando.
- Ahhh já sei, já sei!!! - Grita ANA - A gente vai ver um vídeo na televisão.
- Humm, e aonde seria esse vídeo? - eu pergunto de forma entusiasmada
- Aqui (sala de multimeios).
- Neste tatame - completa MAI
- E alguém tem mais alguma sugestão?
- Eu acho que pode ir pro parquinho - sugere CLA
Nesse momento, MAI questiona:
- Mas no parquinho depois do almoço vai passar mal!
- E baile à fantasia? (risos) - fala brincando.
- Mas com os outros dormindo?? - Eu pergunto
(Todos começam a rir)
MEL - Que tal assim, quando as pessoas não quiserem dormir, ficam
assistindo filme na Multimeios.
- Então vamos conversar com as professoras sobre as propostas de vocês.
Combinado? - Digo eu, assumindo o compromisso de conversar com as
professoras.
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VII Seminário Vozes da Educação
O Projeto Político Pedagógico tem sido uma ferramenta para acolhimento das
vozes das crianças. Está em constante processo de construção, visto que a realidade da
UMEI é múltipla e dinâmica.
As participações na escrita do PPP das crianças foram estimuladas nos grupos,
pelas professoras suas contribuições foram dadas através de desenhos e falas registradas
pelas docentes. As ideias das crianças foram levadas aos encontros para que fossem
incorporadas ao documento, e desta forma, foram incluídas poesias sobre a história
local, de autoria das crianças e ilustrações que dos seus desejos em relação à UMEI.
Dentre os desejos das crianças expressos no documento, estão:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ABRAMOWICZ, Anete. O direito das crianças à educação infantil. Proposições, v. 14
n.3(42), set.-dez. Campinas, 2003, pp 13-24.
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VII Seminário Vozes da Educação
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. Por amor e por força: rotinas na educação
infantil. Porto Alegre: Artmed, 2006.
CASTRO, Lúcia Rabelo de. O futuro da infância e outros escritos. Rio de Janeiro:
Letras, 2013.
HOLM, Anna Marie. Eco-arte com crianças. São Paulo: Ateliê Carambola, 2015.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
Este artigo se propõe a apresentar o esforço que o município de Maricá vem
empreendendo no sentido de dar continuidade à proposta de educação integral em
tempo integral após o forte esvaziamento financeiro e pedagógico do Programa Mais
Educação que teve como consequência a redução do número de alunos atendidosno
país. Não queremos com isto considerar este programa um modelo a ser adotado por
todos, mas reconhecer o vigor que imprimiu ao crescimento de matrículas e de
experiências diversas de educação integral em tempo integral ou ampliação da jornada
escolar. Assim, tomamos o município de Maricá como um exemplo de rede de ensino
que vem se organizando para manter e ampliar o número de escolas de tempo integral
visando a educação integral por reconhecer neste projeto um investimento para a
qualidade do ensino.
O artigo começa apresentando um histórico da sustentação teórica que embasou
propostas de educação integral em tempo integral ao longo dos anos no país. A seguir
relata resultados de pesquisas realizadas à medida que o crescimento de matrículas em
tempo integral foi se adensando e os instrumentos legais que foram sendo promulgados.
Em segundo momento, apresentamos o município de Maricá e os dados educacionais
recentes, descrevendo o histórico da implantação da proposta de educação integral em
tempo integral que vigora hoje na rede, através do Programa Municipal de Educação
Integral em Tempo Integral (PROMETI)
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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alunos com maior dificuldade” (CAVALIERE, 2013, p. 240). A autora considera que,
se a ampliação da jornada escolar proporciona processo educativo democrático, então
esta proposta de educação integral deve atender a todos.
Pesquisa financiada pela FAPERJ em municípios do estado do Rio de Janeiro
sobre os sujeitos da ampliação da jornada escolar (COELHO; et al, 2012) evidenciou
que quase todas as experiências investigadas não se constituíam enquanto políticas
públicas. As respostas dos participantes deixavam entrever diferentes visões sobre a
ampliação da jornada escolar para tempo integral: uma visão assistencialista presente
principalmente em comunidades mais carentes; e outra que procurava conjugar a
extensão do tempo com uma concepção de educação mais ampla, que passa pela
formação cognitiva e cultural do aluno. As entrevistas remetiam para a tensão
contemporânea entre a universalização e a focalização das políticas de educação. Como
a implantação de educação integral em tempo integral implica em prioridades cujas
concepções e operacionalização vão marcar o projeto e seus desdobramentos,
enfatizamos que a extensão do tempo exige condições para expandi-lo qualitativa e
integradamente.
A proposta de escola de tempo integral não é nova. Foram desenvolvidas
experiências, a partir do início dos anos 1950 no Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal,
em cinco escolas públicas de 1ª à 4ª série. Sob coordenação, supervisão e apoio
financeiro do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), presidido na época por
Anísio Teixeira, este projeto experimental constituiu campo de pesquisa aplicada
segundo orientações curriculares diversas. No mesmo período, desenvolveram-se quatro
ginásios públicos, equivalentes ao ensino médio, com finalidade de qualificação
profissional.
A fundamentação do projeto de educação em tempo integral que se desenvolveu
no CIEP no Rio de Janeiro, originou-se nos argumentos que levaram Anísio Teixeira,
com quem Darcy Ribeiro trabalhou longos anos, a inaugurar, em 1950, o Centro
Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, quando era secretário de educação da
Bahia. O Centro, chamado de Escola Parque, contava com quatro escolas-classe, de
nível primário, com funcionamento em dois turnos, projetadas para 1.000 alunos cada, e
uma escola-parque, com sete pavilhões, destinados às chamadas práticas educativas,
frequentadas pelos alunos em horário diverso ao da escola-classe, de forma que as
crianças permanecessem dia completo em ambiente educativo. A proposta era que esse
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O Programa Bolsa Família é um programa de transferência de renda do Governo Federal, para as
famílias pobres, com renda per capta até R$89,00. A contrapartida é que as famílias zelem pela
frequência dos filhos à escola e mantenham a vacinação em dia.
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Programa Federal, criado em 2008 como uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), com intuito de induzir municípios e estados a desenvolverem programas ou políticas de ampliação
do tempo de permanência na escola para 7 horas ou mais. Os recursos eram repassados às escolas através
do Programa Dinheiro Direto na escola (PDDE) do FNDE para equipar as escolas e contratar monitores
para desenvolver oficinas de acordo com os eixos temáticos escolhidos pelas unidades escolares. Para
aderir ao programa, os estados e municípios tinham que assinar o Plano de Ações Articuladas (PAR).
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No quadro acima temos o resultado do IDEB para os anos iniciais nas escolas
municipais do Brasil e do município de Maricá, de 2005 a 2017. Veja-se que o
município de Maricá teve crescimento contínuo do IDEB, ultrapassando a média
nacional em 2017. Nos anos finais, abaixo, o crescimento do IDEB de Maricá não é
contínuo, somente a partir de 2013, conseguindo superar a média nacional em 2017.
Não consideramos que resultados de proficiência e IDEB traduzam os objetivos do
PROMETI, mas é o que temos registrado por enquanto.
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E.M. Marques Maricá 823 116 15% 10% 4,8/5,5 4,1/5,0 2014
E.M. João Monteiro 753 56 - 2,1% - 3,7/4,8 2014
Inep http://idebescola.inep.gov.br/ideb/consulta-publica
O quadro revela que nenhuma das escolas tem a totalidade dos seus alunos em
tempo integral, ou seja, o atendimento nesta modalidade é por série. Indica que a maior
parte dos alunos que participou do SAEB em 2017, componente do IDEB, estudava em
tempo integral, portanto este aspecto se fez presente no resultado do IDEB apurado.
Todas as escolas, com exceção de uma única, tiveram crescimento no IDEB de 2015
para 2017 tanto nos anos iniciais quanto nos finais, independente de terem alcançado a
meta prevista ou não. Poderíamos desejar que o crescimento fosse maior para as escolas
que estão há mais tempo no programa, mas isso se revela para algumas e não para
outras, mostrando a interferência de outros fatores no resultado do desempenho das
escolas.
Este texto buscou sistematizar alguns elementos para a análise da política de
educação integral em tempo integral do município de Maricá, à luz do ciclo das
políticas de educação integral em tempo integral que foram implantadas ao longo da
história da educação brasileira. Transpareceu que a temática está presente na agenda
político-educacional do município e que podem ser apontados vários indicadores de
ordem social ou educacional que justificam ações de ampliação da jornada escolar.
Fazer uma análise da proposta da política de ampliação de jornada do município de
Maricá mostra o grande desafio, dada a descontinuidade dos programas e repasses
federais para a ampliação do tempo escolar, ea escolha política feita pelo município,
para a não paralisação da proposta. A reorganização da rede para a ampliação da
jornada, não se desenvolveu cronologicamente em sintonia com as publicações de
documentos oficiais. Como dizia Darcy Ribeiro, a política se desenvolveu como um
“fazimento”, e sua legislação foi se construindo com o passar do tempo. Sobre isto,
Darcy afirma que “Nada se ganharia, esperando de braços cruzados – senão a reiteração
de uma rotina pobre – se eu não mandasse rodar, improvisando. Rodar da única forma
que as coisas marcham no mundo real que é ir fazendo e corrigindo no curso do
fazimento” (RIBEIRO, 2018, p. 201/2).Ficou evidenciado, também, através deste
estudo que em cada fase do ciclo da política pública de educação integral de Maricá há
uma tendência à continuidade e ampliação desta proposta, mesmo com as mudanças no
executivo municipal e na gestão da secretaria,apesar de não contar mais com programas
e repasses federais para a educação integral.
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No que tange ao ensino, conseguimos perceber que mesmo não atingindo em sua
totalidade as metas estipuladas para o IDEB, houve um crescimento representativo no
alcance dos indicadores. Pela descrição da organização do tempo na matriz curricular e
concepções editadas nas normativas, pode-se inferir que a reestruturação
pedagógicacaminha para a criação de um currículo integrado, vendo o aluno como ser
integral e buscando ações que se complementam, configurando o princípio da educação
integral.
Ponderamos que, diante de um tema tão abrangente, importante e
imprescindível, ainda há muito que se investigar, que se refletir sobre o assunto e suas
complexidades. Dessa maneira, faz-se necessário investigar a fundo estratégias do
Prometi e até que ponto elasbuscam solucionar as dificuldades encontradas para a
aquisição e construção do conhecimento ou se estão sendo levadas em consideração
apenas as condições e as possibilidades que priorizam determinados aspectos da
sociedade global. Mas podemos inferir que dada a atual conjuntura política e econômica
do Brasil, Maricá se sobressai como experiência exitosa, nesta arena de disputas
ideológicas que interferem diretamente nas políticas educacionais do Brasil, nas quais
se percebe o posicionamento antidemocrático que se instaura na formulação e
implementação de tais políticas.
Referências
BRANDÃO, Z. A escola de Primeiro Grau em tempo integral: as lições da prática.
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 11, nº 32, p. 116-129, jul.-set. 1989.
______. Decreto no. 6.094 de 2007. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de abril
de 2007.
______. Decreto no. 7.083 de 2010. Regulamenta o Programa Mais Educação. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 27 janeiro 2010.
______. Lei nº 9.394, 20 dez 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez.
1996.
______. Lei nº 10.172, 09 jan. 2001. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan.
2001.
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VII Seminário Vozes da Educação
______. Lei no. 13.005 de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação 2014-2024.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de junho de 2014.
______. Portaria Normativa Interministerial no. 17, de 2007. Institui o Programa Mais
Educação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 abril de 2007.
CAVALIERE, Ana Maria. Escola de tempo integral versus aluno de tempo integral.Em
Aberto, Brasília, INEP, vol. 22,no. 80, p. 51-63, abr. 2009.
______. IDEB.In.:http://portal.inep.gov.br/web/guest/ideb.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
PARO, et al.Escola de tempo integral: desafio para o ensino público. São Paulo:
Cortez, 1988.
RIBEIRO, Darcy. O Livro dos CIEPs. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1986.
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é Privilégio. 5. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
1994.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Antes de entrarmos nas reflexões que conduzimos neste artigo, precisamos situar
o que entendemos sobre História e História da Educação para nós que não somos
historiadores de ofício, essa compreensão preliminar é relevante.
Poderíamos ter iniciado este texto com a pergunta proposta por Marc Bloch no
início de seu Livro Apologia da História, para serve a História? Pergunta esta, feita por
uma criança. Para tentar responder essa pergunta, propomos outra, para que fazer
pesquisa em História da Educação? Uma reflexão em torno dessas duas questões, nos
leva, inicialmente, a compreender o objeto da História, quanto a isso Bloch (2004, p.54)
afirma que “(...) o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os
homens”. Em outro momento, o autor acrescenta que a história é a ciência dos homens
no tempo (Idem, p.55).
Ao estudarmos a história estudamos os homens, as mulheres, ou seja, a nós
mesmos. E para que estudarmos a nós mesmos? O que nos move a olharmos para o
passado? O que nos move são as questões do presente (PROST, 2012), (BLOCH,
2004). Olhamos para o passado na busca de compreendermos o presente com as
questões que elencamos, que nos provoca. Todavia, essa tarefa é complexa, pois o
presente não é permanente:
Ao refletirmos sobre a história temos que ter em mente que o tempo está sempre
em movimento, como os homens estão em movimento, não podemos falar em paisagens
estáticas e tempos estáticos (BLAUDEL, 2007). Voltamos a nossa pergunta inicial para
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
que serve a História? Para essa pergunta caberiam muitas respostas e nenhuma
definitiva, uma delas é dada por March Bloch (2004, p.46) “É um esforço para o
conhecer melhor: por conseguinte, uma coisa em movimento.” Dessa forma, a História
é um esforço para conhecer melhor o presente, para entender melhor as demandas e
questões que ele nos coloca ou que colocamos para ele.
A história da Educação se insere nesse âmbito da História, apesar de ter suas
próprias questões e campo de pesquisa. Podemos então voltar a nossa segunda questão,
para que pesquisar em história da educação? Também poderíamos encontrar muitas
reflexões a esse respeito, Lopes e Galvão (2001) nos apontam que:
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VII Seminário Vozes da Educação
Com essa passagem, o Manifesto Mais uma vez convocados apontava que na
década de1950 os tempos eram outros. Havia se passado 27 anos desde o Manifesto dos
Pioneiros da Educação Nova de 1932 e agora o país respirava novos ares. Poderia ter se
modificado o número de alunos e os professores talvez não tivessem mais a “vocação”
necessária para o magistério, mas os ideais do primeiro Manifesto ainda não haviam se
concretizado. Era necessário escrever um novo Manifesto “ao povo e ao governo”.
Na década de 1950 a educação entra em pauta como impulsionadora do
desenvolvimento nacional, nos anos de Jucelino kubichek o desenvolvimento era a
marca de seu governo “cinquenta anos em cinco”.
Fausto (2009) denomina os anos que entre 1945 e 1964 de período democrático.
O Brasil respirava a democracia, após atravessar o Estado Novo (1930 a 1945), mas
entraria novamente no período ditatorial com o golpe militar (1964 a 1984). É entre
essas duas ditaduras que se desenvolve a década 1950, década de grande
desenvolvimento econômico, social e educacional, mas de perenes contradições.
Apontada como “os anos dourados” a década de 1950 teve a educação como uma
questão que precisava estar em pauta para o desenvolvimento da nação.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Segundo Pécault (1990) outro ponto que caracteriza os anos de 1950, no Brasil,
era à busca de uma identidade nacional. Essa “missão” de pensar o país pertencia aos
intelectuais que deveriam se voltar para as questões nacionais.
A educação não passou ao largo da perspectiva desenvolvimentista da década de
1950, pelo contrário, a educação deveria impulsionar o país em seu progresso. Todavia,
o que se desejava como educação para o país estava longe de um consenso. A década de
1950 foi terreno de disputas travadas entre católicos e liberais em torno da escola
pública. Foi também cenário dos embates que configuraram a confecção da primeira
Lei de Diretrizes e Bases Nacional, Lei nº 4.024 de 1961 (ROMANELLI, 1991),
(GHIRALDELLI, 2008). Nesse cenário, é moldado a Campanha Nacional pela Escola
Pública e o Manifesto Mais uma vez convocados, o que abordaremos a seguir.
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Fonte: Jornal O Estado de São Paulo 01 de julho de 1959, p. 08, Acervo O Estadão online.
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de 1959. A citação que segue é, a nosso ver, a passagem que mais expressa as ideias
contidas neste documento:
Entendemos, por isso, que a educação deve ser universal, isto é, tem de ser
organizada e ampliada de maneira que seja possível ministrá-la a todos sem
distinções de qualquer ordem; obrigatória e gratuita em todos os graus;
integral, no sentido de que, destinando-se a contribuir para a formação da
personalidade da criança, do adolescente e do jovem, deve assegurar a todos
o maior desenvolvimento de suas capacidades físicas, morais, intelectuais e
artísticas. Fundada no espírito de liberdade e no respeito da pessoa humana,
procurará por todas as formas criar na escola as condições de uma disciplina
consciente, despertar e fortalecer o amor à pátria, o sentimento democrático,
a consciência de responsabilidade profissional e cívica, a amizade e a união
entre os povos (MANIFESTO, 1959, p. 18).
Esses ideais apontados acima, até hoje não alcançadas, muito nos toca e nos
inquieta como educadores. Em 20 de dezembro de 1961, a Lei 4.024 foi aprovada, a
respeito da nossa primeira LDB, Anísio Teixeira diria se tratar de “Uma meia vitória,
mas ainda assim uma vitória” (GHIRALDELLI, 2008).
3. Considerações finais
Os embates e contradições, da década de 1950, na sociedade e na educação que
levaram a confecção do Manifesto dos Educadores Mais uma vez convocados, ainda
não foram superados na sociedade brasileira. Convivemos até hoje com os muitos
“brasis”, com um país de desigualdades sociais e educacionais profundas.
Podemos afirmar o mesmo da nossa educação, o que temos alcançado não são
meias vitórias? A educação pública que nos deparamos hoje deixa quase tudo pelo meio
do caminho, muito para fazer. O Brasil que experimentou momentos de
desenvolvimento na década de “ouro” da educação, ainda é o “país do futuro”, com suas
contradições que de tão profundas e enraizadas chegam a ser quase como uma tradição.
Não se trata de “resgatar” os ideais do Manifesto, fazendo uma transposição para
os dias de hoje, mas sim de ter esse documento monumento como marca de uma época
rica para a educação brasileira. Não dissemos com isso que o Manifesto não tenha suas
contradições, como as tem toda produção humana, todavia ele representa a síntese
possível do pensamento de uma plêiade de educadores e intelectuais que lutavam por
uma educação pública gratuita e laica e de qualidade que inserisse o Brasil no mundo
moderno.
Referências
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
AZEVEDO, Fernando de. Mais uma vez convocados (Manifesto ao povo e ao governo)
Revista brasileira de Estudos Pedagógicos. vol. XXXI, n. 74 abril-junho, 1959, p. 3-
24.
______; ROBERTO, Jodar de Castro. Entre o “sonho e ação”: a infância e sua educação
nas crônicas de Cecília Meireles no jornal de Notícias, de 1930 a 1932. Educação em
Foco. ano 20 n. 30 jan/abr. 2017, p. 39-58.
GINZBURG, Carlos. Mitos, emblemas, sinais. Morfologia e história. Cia das Letras:
São Paulo, 1989.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Este texto é desdobramento da pesquisa em curso intitulada “Educação e
Currículo: práticas, políticas e programas no cotidiano da escola”, cujo objetivo é
compreender a natureza do processo de construção do currículo escolar a partir dos
impactos das políticas, programas e projetos educacionais que chegam às escolas
públicas de modo a contribuir, também, para a compreensão de como estes se
concretizam na prática, fornecendo elementos, tanto sobre a escola, quanto sobre os
programas educacionais e as práticas que perpassam a estrutura educacional da escola
contemporânea.
Neste trabalho focalizamos o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE
Escola, que, alinhado com o MEC, na direção da melhoria da qualidade do ensino e da
gestão, é um programa dirigido às escolas que apresentam baixo desempenho, também
chamadas de prioritárias, ou seja, para as escolas que apresentam baixo IDEB. O PDE
Escola tem como função “elevar a qualidade da escola e torná-la mais eficiente”
(RODRIGUES;SOLANO, 2016, p.10-11), segundo a ótica gerencialista que está no
cerne da proposta deste programa.
Desse modo, a pesquisa exploratória realizada vem proporcionar maior
familiaridade com o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE Escola, de forma a
explicitá-lo e a identificar sua natureza, características e alinhamento com o cotidiano
escolar.
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(2015, p.31), “[...], o PDE Escola passou a fazer parte de uma das metas a serem
implementadas por unidades escolares de todo o país que apresentassem baixo IDEB
como forma de dar condições para que melhorassem a qualidade do seu ensino [...] com
vistas à elevação do índice”. Assim sendo, o programa atende a todas as escolas com
baixo rendimento e os estados e municípios, que aderiram à proposta, assinam um
Termo de Adesão ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) Nacional,
vinculado ao “Compromisso Todos pela Educação” (CORDEIRO, 2015).
O programa PDE Escola, na sua constituição, pretende ser um apoio à gestão
escolar e de melhoria da qualidade da educação, utilizando-se do planejamento
estratégico para a realização de um diagnóstico, construído coletivamente, refletindo a
realidade escolar e, consequentemente, um plano com metas e um planejamento. A
partir desta ação, o MEC repassa recursos financeiros, que tem como base o número de
alunos matriculados na unidade escolar e o censo do ano anterior (CORDEIRO, 2015),
visando apoiar as ações da escola para a execução no todo ou em parte do seu
planejamento.
Nessa perspectiva, os recursos são repassados por dois anos consecutivos
visando auxiliar a escola na implementação das ações definidas por ela no seu plano,
que é, previamente, validado pelo MEC. Cabe destacar que, segundo Fonseca (2009,
p.192), “as propostas dirigidas ao planejamento escolar orientam-se pelas diretrizes
estabelecidas em documentos produzidos pelo BM [...]”, cuja ênfase está na liderança
do diretor, a partir de treinamento intensivo em planejamento estratégico, tornando-se,
assim, a mola mestra impulsionadora do programa na escola. Nas palavras de Fonseca
(2003, p.305), “[...] A liderança constitui o elemento básico para que a escola possa
construir seu projeto e que possa administrar suas carências financeiras com iniciativas
próprias ou com o suporte da comunidade em que se localiza a escola”, atribuindo, por
conseguinte, ao gestor, o papel de protagonista do programa PDE Escola e pontuando,
também, a natureza da propalada descentralização na lógica neoliberal.
Em 2011, o MEC criou uma ferramenta denominada PDE Interativo,
aperfeiçoando a metodologia e a funcionalidade do programa neste novo sistema. Neste
sentido, segundo Oliveira (2014), a introdução do PDE Escola no PDE/Plano de Metas
vem atender aos interesses do MEC de desenvolver um sistema mais amplo de apoio e
monitoramento das escolas com os piores indicadores educacionais. De todo modo, de
acordo com Oliveira (2014, p.52) “[...], a entrada do PDE Escola no conjunto de
programas que compõe o PDE/Plano de Metas evidencia uma tentativa do governo
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VII Seminário Vozes da Educação
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Referências
ANDRADE, E. Alternativa de política educacional para o Brasil: School
Accountability. Revista de Economia Política, vol. 29, nº 4 (116), pp. 454-472,
outubro-dezembro/2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572009000400009>
Acesso em: 04.10.2019.
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Introdução
O presente artigo representa a continuação de uma linha de pesquisa, cuja
temática principal liga-se ao conjunto de questões referentes a possíveis alternativas
para se pensar uma educação básica de qualidade. O tema abarca inquietações e
complexidades relevantes à questão da avaliação da Educação Infantil como primeira
etapa da Educação Básica no Brasil, constituindo-se como elemento chave nas
discussões no campo educacional.
A discussão sobre a qualidade da educação básica no Brasil, de acordo com
estudiosos do tema, aponta que é uma premissa investimentos urgente na educação.
(LUCKESI 2002, p.15). Segundo o autor, o fraco desempenho dos estudantes no
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica o SAEB deixa claro, que o Brasil
precisa de sérias medidas para mudar o quadro, uma vez que a realidade dos sistemas de
ensino no país vem apresentando resultados insatisfatórios como o do último SAEB,
como sinalizadores dos fatos que foram investigados.
Os resultados segundo Perrenoud (2002) demonstram a indiscutível exclusão da
maioria na esfera da ação como sujeitos que são condenados a ser meros objetos, em
nome da suposta superioridade de poucos, em termos de mérito. A estrutura atual da
educação formal se coloca como guardiã levando a um conformismo generalizado, para
poder operar e subordinar as exigências sob a ótica da ordem estabelecida.
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VII Seminário Vozes da Educação
Problematização
A atual crise no Sistema Educacional Brasileiro está ancorada na redução de
investimentos significativos em educação, que na visão neoliberal configura-se como a
política do estado mínimo, de acordo com a citação;
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Neste caso, é possível perceber que, não somente a escola, mas o sistema
educacional prioriza os resultados em detrimento ao aprendizado, o que configura uma
pedagogia cristalizada no ensino médio, entendida como uma prática permanente de
atividades docentes e discentes. Logo, especifica-se neste nível de ensino, o treinamento
para se resolver provas, memorizar tabelas, enunciados e aprender a destacar questões
mais complexas, objetivando a aprovação para o ingresso na universidade, o que se
constitui em uma porta socialmente fechada.
Objetivos
Geral
Estudar o caso SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), no
que tange aos seus avanços e retrocessos para o acesso a uma educação de qualidade e
como isto se efetiva na concepção dessa avaliação.
Específicos
➢ Identificar estratégias e ações docentes que contribuam para avaliações qualitativas da
Educação Infantil no município delimitado na pesquisa.
➢ Identificar os atores sociais envolvidos na formação e fomentar estratégias para
potencializar a abrangência das atividades no processo de formação.
Justificativa
A análise e compreensão dos dados anteriores e atuais do SAEB, pode se
desdobrar em movimentos que contemplem uma educação que priorize a formação e
não apenas resultados avaliativos de caráter discriminatório dessa pedagogia vigente,
que promove a prática de examinar em detrimento do ato de avaliar de modo formativo.
Contudo, a inclusão da Educação Infantil no contexto da política de avaliação do INEP,
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VII Seminário Vozes da Educação
requer uma investigação mais apurada sobre seus desdobramentos nesta primeira etapa
da educação básica.
“Nos estudos sobre avaliação, pouco se tem debruçado sobre a Educação
Básica” (LOUZADA, 2017 p.24)
Porém, a Educação Infantil vem afirmando sua identidade e se consolidando na
legislação e nas políticas públicas brasileiras como dever do Estado e direito de todas as
crianças de 0 a 5 anos de idade à educação. Sua institucionalização está assegurada nos
seguintes documentos:
sumário 1387
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Metodologia
A metodologia utilizada para esta pesquisa incluiu um amplo levantamento
bibliográfico qualitativo e quantitativo que conforme a citação de Molina (2004, p. 96).
Referencial teórico
No século XVI, foram elaborados os primeiros instrumentos de avaliação
escolar, usados como forma de disciplinamento social dos estudantes (LUCKESI, 2002,
p. 17). Este modo de avaliar estava inserido na pedagogia jesuítica do século XVI, que
tinha por objetivo a construção de uma hegemonia católica a fim de impedir as heresias
protestantes. A ocasião das provas configurava-se como um momento solene tantos nas
classes mais abastadas quanto nas populares.Neste contexto, os instrumentos usados
pelos educadores causavam medo e vergonha aos educandos.
sumário 1388
VII Seminário Vozes da Educação
Para a pedagogia Comeniana, a ação do professor deve ter uma atenção especial
acreditando que os exames servem como um instrumento para estimular os estudantes
ao trabalho intelectual e a aprendizagem. E obrigando-os a estarem sempre preparados
para os exames finais do curso superior, ainda que próximo à colação de grau. Neste
caso, para o aluno aprender é preciso prestar atenção, sendo o medo um recurso
fundamental para o comprometimento em sala de aula, e a prova, um instrumento
bastante utilizado para estimular o medo. Isto pretendia tornar a aprendizagem eficaz e
atraente, mesmo usando métodos rígidos, marca da pedagogia tradicional na história da
educação, segundo Aranha (1998, p.108).
“Comênio diz que o medo é uma fator para manter a atenção dos alunos. O
professor pode e deve usar desse “excelente” meio para manter os alunos
atentos ás atividades escolares. Então eles aprenderão com muita facilidade,
sem fadiga e com economia de tempo” (LUCKESI, 2002, p.22).
sumário 1389
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1390
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ARANHA, Maria de Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo, ED. Moderna, 2º
edição 1998.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. Ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2004.
sumário 1391
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
FREITAS, Luis Carlos de. Avaliação Escolar Caminhando pela Contramão. Petrópolis,
Editora Vozes, 2009.
MOLINA, R.M. O enfoque teórico metodológico qualitativo e o estudo de caso: uma reflexão
introdutória. In: MOLINA NETO, V.; TRIVINÕS, A.S. (Org.). A pesquisa qualitativa na
Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Sulina, 2004
(pp. 95-105).
SOARES, J.F.; ALVES, M.T.G. & MARI, F. Avaliação de escolas de ensino básico. In:
FREITAS, L.C. (org.). Avaliação de escolas e universidades. Campinas: Komedi, 2003, p.
59-92.
sumário 1392
VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
O presente trabalho inscreve-se junto ao projeto de pesquisa intitulada Políticas
Educacionais e Poder Local: Um estudo sobre a implantação do Plano Municipal de
Educação e suas repercussões no processo de escolarização em São Gonçalo que tem
como objetivo principal analisar como as políticas nacionais direcionadas para a
educação básica estão sendo estabelecida pelas instituições públicas locais e como as
questão relativas ao direito à educação e à cultura estão sendo inseridas por
organizações e/ou movimentos organizados pela sociedade civil do município de São
Gonçalo - RJ. Considerando o plano de trabalho do recorte da pesquisa realizou-se a
cartografia da produção científica dos trabalhos de monografias de TCC no contexto do
Projeto de Iniciação Científica e dissertações de mestrado do PPGEdu – Processos
Formativos e Desigualdades Sociais elaboradas no âmbito da pesquisa em tela, tendo
como recorte temporal o período de 2008 a 2018.
Para tanto, o trabalho tem como objetivo buscar fontes documentais que
evidenciam as políticas educacionais para a modalidade de ensino EJA (Educação de
Jovens e Adultos) com enfoque nas ações governamentais e movimentos sociais
organizados, a partir das quais atualizamos a cartografia das escolas municipais de São
Gonçalo-RJ.
O levantamento e estudo de revisão acerca das pesquisas apresentadas no GT 18
da Associação Nacional de Pesquisa em Pós-Graduação em Educação fez-nos perceber
sumário 1393
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
que as pesquisas, as quais possuem a temática Políticas Públicas voltadas para Educação
de Jovens e Adultos (EJA), são abordadas como estudo de caso em instituições de
ensino da rede pública, ou em análises de dados censitários em áreas de influências
nacional e internacional. Destacamos que as contribuições oferecidas pelas pesquisas
nos revelam a possibilidade de uma avaliação minuciosa de modo a captar pontos
positivos e negativos das políticas educacionais, em seus rebatimentos local, regional e
nacional, a qual proporcionará ampliar o tema da pesquisa em consonância ao contexto
vivenciado.
Desse modo, cabe destacar que o estudo nos permitiu compreender a dinâmica
das relações de forças entre os sujeitos de um lugar e alude sobre os desafios que
envolvem o processo de democratização da EJA e da consolidação do direito à
educação dos sujeitos jovens e adultos que, a despeito deste direito ser reconhecido por
lei, não tem sido respeito no sentido de sua ampliação em quantidade e qualidade que
deveria ser garantido pelo governo local.
sumário 1394
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1395
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1396
VII Seminário Vozes da Educação
Tabela 2
Trabalho de Iniciação Científica
Aluno Título do Trabalho Ano
Felipe Neuman Movimentos Sociais de Cultura Sociais das 2019
Juventudes em São Gonçalo
Guilherme Figueiredo e Sousa Poder local e educação: a atuação dos 2016
empresários da educação no município de São
Gonçalo/RJ
Felipe Neuman Poder local e políticas educacionais: a atuação 2016
dos movimentos de jovens sobre o direito à
educação em São Gonçalo/RJ
Marcelo de Souza Valente Poder local e direito à educação: cartografando 2015
ações do legislativo municipal em face ao direito
à educação na cidade de São Gonçalo/RJ
Jéssica Gonçalves da Silva O ensino da língua inglesa na educação de jovens 2014
e adultos trabalhadores: uma análise da ?Coleção
Cadernos de EJA? (MEC-2007)
Gabriela Fernandes Santos Alves Contribuições metodológicas do 2013
geoprocessamento para uma cartografia do
direito à educação
Isadora da Silva Marques Poder Local e políticas educacionais: cartografia 2013
do direito à educação
Thamyres Cabral Poder local e direito à educação: cartografia dos 2013
processos comunicacionais
Isadora da Silva Marques Educação de Jovens e Adultos na perspctiva da 2013
Educação Popular: uma leitura no município de
São Gonçalo-RJ
Marcelo Valente de Souza Poder local e políticas educacionais: a atuação do 2012
legislativo em São Gonçalo em face ao direito à
educação
Natália Fraga Coutinho Processos comunicacionais e poder local: 2011
articulações entre movimentos sociais e poder
governamental sobre o direito à educação
Josiane Gomes Cortes Oficinas Pedagógicas na Educação de Jovens e 2011
Adultos em escola de periferia urbana
Marcela Parmanhane Guimarães Educação de Jovens e Adultos: reflexões teórico- 2010
Garcia metodológicas sobre linguagem e o ensino de
Língua Portuguesa
Marcela Parmanhane Guimarães O ensino da Língua Portuguesa na Educação de 2010
Garcia Jovens e Adultos: práticas pedagógicas docentes
em escola pública de São Gonçalo/RJ
Natália Fraga Coutinho Processos comunicacionais e o direito à 2010
educação no bairro Jardim Catarina
Natália Fraga Coutinho Processos Comunicacionais e direito à educação: 2010
o papel dos movimentos sociais em São Gonçalo
Micheli Lanes Meireles Leituras cartográficas sobre o direito ä educação 2010
no município de São Gonçalo
Micheli Lanes Meireles Leituras cartográficas sobre o direito à educação 2009
na cidade de São Gonçalo
Natália Fraga Poder Local e Políticas Educacionais: O Plano 2009
Municipal de Educação e suas repercussões
sobre o direito à educação em São Gonçalo
Tatiana Gonçalves Costa O Plano Municipal de Educação e suas 2008
repercussões sobre o direito à Educação infantil
no município de São Gonçalo
Fonte: Acervo das produções bibliográficas do projeto. Tabela elaborada pela bolsista.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1398
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1399
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Fonte: INEP
Fonte: INEP
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VII Seminário Vozes da Educação
Meta 10: Oferecer e garantir, no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) das
matrículas ofertadas pelo Município para a Educação de Jovens e Adultos,
sendo 30% (trinta por cento) oferecidas para educação profissional, na forma
concomitante ou subsequente. Este percentual deverá ser alcançado nos
primeiros cinco anos, garantindo a sua manutenção nos 5 (cinco) anos
restantes. Garantir a sistematização e a implantação da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável em todo o território do Município de São
Gonçalo. (PME, 2015)
Conclusões provisórias
O trabalho teve como objetivo principal construir uma cartografia da produção
científica no âmbito do projeto com vista às análises sobre as ações do poder local
cotejadas à luz das metas do Plano Municipal de Educação (PME/SG).
sumário 1401
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ALVARENGA, M. S.; TAVARES, Maria Tereza Goudard (Org.) Poder Local e
Políticas Públicas para Educação em periferias urbanas do estado do Rio de
Janeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Quartet/Faperj, 2015.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
Pensar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é compreendê-la como resultado
de um processo histórico de desigualdades no seio da sociedade brasileira. É
compreendê-la como fruto de uma lógica capitalista de exploração e mais valia. É
compreender a necessidade de (re) assumirmos a discussão e defendermos a Educação
Pública, gratuita, laica e de qualidade humana e formativa para os sujeitos sociais,
sobretudo os das camadas populares. É refletirmos sobre qual tipo de escola estamos
construindo para formar que tipos de sujeitos? Para que tipo de sociedade? Tais
questionamentos nos orientam para a necessária (re) invenção da educação para a
construção efetiva de uma superação do modelo tradicional de ensino, por compreender
que este modelo de educação (regulado pela lógica mercadológica da educação) nunca
foi capaz de atender de fato às necessidades de uma educação conscientizadora,
emancipatória, crítica para os estudantes, sobretudo os das camadas populares,
considerando que estes são historicamente subjulgados e explorados por uma sociedade
capitalista desigual e dual.
Neste sentido, este trabalho busca dialogar com a construção de uma escola
organizada em ciclos para os estudantes da modalidade da Educação de Jovens e
Adultos, refletindo sobre algumas constituições históricas, compreendendo a herança de
uma visão pejorativa sobre estes sujeitos e sobre educação destinada a eles. A proposta
deste trabalho é trazer uma reflexão acerca dos processos de organização da
escolaridade na EJA em ciclos e das possibilidades de rompimento com as práticas
naturalizadas e tradicionais que refletem um olhar para esta modalidade apenas como
um espaço de compensação e correção de fluxo escolar. Diante disto, o recorte deste
sumário 1404
VII Seminário Vozes da Educação
185
Utilizo neste estudo a 3º pessoa propositalmente. Muito embora, a apropriação dos conhecimentos
tenha se dado no âmbito individual, opto por trazer implícito na minha fala a construção feita em um
trajeto de aprendizagens e trocas que se deu também no coletivo. Neste trabalho em especial eu ressalto a
importância do coletivo para a reconstrução da escola, buscando a superação dos pressupostos
tradicionais, desta forma, emprego o coletivo em minha voz, para representar aqui este coletivo como
força em meu processo formativo.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Perspectiva Metodológica
Amparados na perspectiva de pesquisa qualitativa trazida por Minayo (2013),
compreendemos o método como uma escolha do pesquisador, que apresenta como
função fundamental tornar plausível a abordagem da realidade, a partir das perguntas
lançadas pelo próprio pesquisador.
186
Diferentes autores se apropriam do conceito dando a ele outras nomenclaturas, tais como Educação e
aprendizagem ao longo da vida (DINIZ, 2011); educação continuada e ao longo da vida (HADDAD,
2009). No entanto, embora possuam semelhanças, foi decidido dar ao tópico a nomenclatura herdada da
Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos, elaborada na V CONFINTEA, em julho de 1997, e
publicada em 1998 pela UNESCO.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Planejar em ciclos
Vamos iniciar este tema com uma pergunta: o que é planejar? Imagino que as
possibilidades de entendimento estejam associadas à construção de um percurso, de um
trajeto, considerando onde estamos e para onde queremos ir com determinada ação. Eu
posso planejar as ações do dia, do mês, do ano. Posso planejar uma festa, e também
posso planejar as ações didático/pedagógicas para o meu fazer educacional.
Com relação especificamente a questão do fazer educacional, precisamos refletir
sobre a relação entre o planejamento e a própria função social da escola, uma vez que o
planejamento das ações cotidianas (micro) em salas de aula deveria estar entrelaçado
com uma proposta de educação (macro), onde o envolvimento de todos com a
percepção do percurso e de onde se almeja chegar deveria ser um objetivo claro para
todos.
Consideramos relevante destacar aqui que não se trata de pensar este
planejamento como uma série de etapas a serem cumpridas, hierarquicamente
ordenadas, fragmentadas nas ações cotidianas. Não significa ainda defender que não
seja possível retornar ao ponto anterior, reformular o trajeto e as escolhas feitas, se esta
for uma necessidade percebida no coletivo a partir do processo avaliativo do
planejamento em execução. Fetzner (2007) alerta que:
sumário 1410
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
187
As possibilidades de organização da escolaridade podem ocorrer por meio dos: ciclos de alfabetização;
ciclos de aprendizagem; e os ciclos de formação (FETZNER, 2007, p. 2).
sumário 1414
VII Seminário Vozes da Educação
ele ganha maior flexibilidade para ser reagrupado em outros grupos com base em uma
avaliação que pode considerar aspectos múltiplos, desde os cognitivos, mas também aos
culturais, afetivos, geracionais, entre outros. Pois é preciso não perder de vista que na
EJA a duração dos anos escolares é em geral semestral e os estudantes tem uma
variação na faixa etária.
Desta forma, diante destas peculiaridades, a questão da implementação dos
ciclos na EJA se traduz em processo de desseriação (KRUG, 2007) e de reinvenção da
educação em sua práxis, em um desafio constante de perceber estes estudantes em seus
saberes, em buscar a construção de conhecimentos significativos a eles, na dinâmica
plural que eles se constituem. Não se trata de entender os ciclos como o objetivo final
do percurso de uma educação emancipatória, mas de entendê-lo como uma
possibilidade viável hoje para esta travessia, para este caminhar.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa
Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 12 ago.
1971. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm>. Acesso
em: 01 set. 2019.
BARRETTO, Elba Siqueira de Sá; MITRULIS, Eleny. Trajetória e desafios dos ciclos
escolares no Brasil. Revista Portuguesa de Educação, v. 16, n. 2, p. 69-115, 2003.
DINIZ Adriana Valéria Santos. Estudar e aprender ao longo da vida: análise de dilemas
enfrentados por sujeitos adultos. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 34., 2011, Natal.
Anais eletrônicos... Natal: ANPEd, 2011. Disponível em:
http://34reuniao.anped.org.br/index.php?option=com_content&view=category&id=47&
Itemid=59 . Acesso em: 01 out. 2019.
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VII Seminário Vozes da Educação
KRUG, Andréa Rosana Fetzner. A construção de uma outra escola possível. 4. ed.
Rio de Janeiro: Wak, 2007. (Ciclos em Revista, 1).
______. Esse é o meu lugar… esse não é o meu lugar: inclusão e exclusão de jovens e
de adultos na escola. Educação e Sociedade [online], v. 34, n. 122, p. 227-244, 2013.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302013000100013>. Acesso em:
12 ago. 2014.
sumário 1417
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
Ao se propor pensar em direitos humanos, pretendeu-se refletir acerca da
constituição de preceitos e concepções que permitam compreender que,
independentemente de origem, credo, cor da pele, orientação sexual, faixa etária e
classe social, todos os sujeitos – respeitadas as diferenças culturais, sociais, históricas,
étnicas, religiosas – são passíveis de direitos e deveres.
No que diz respeito à sociedade brasileira, profundos ataques aos direitos
humanos e sociais, atualmente, afetam os princípios fundamentais da cidadania, deixam
marcas na democracia e, por consequência, atingem o processo de educação nacional.
Nesse contexto, afloram discriminações e preconceitos em relação às pessoas que têm
uma orientação sexual considerada diferente, dos que não se enquadram na
heterossexualidade.
Como afirma Hannah Arendt (1987, p. 188-189):
188
Doutoranda em Educação.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
faculdades políticas, pois apela ao senso comum e seu interesse pelo mundo “é
puramente desinteressado”.
Atualmente, é fundamental desenvolver, no cotidiano das escolas, pesquisas
sobre Gênero e Sexualidade, sobre direito de exercer a diferença, pois vivenciamos na
sociedade uma retórica conservadora, que tende a defender os valores tradicionais. É
importante ressaltar que esse conservadorismo se reproduz nas práticas pedagógicas
escolares e, amiúde, fundamenta processos de exclusão. Muitas vezes, a pessoa sente-se
discriminada, excluída, o que interfere no processo de construção de sua identidade, no
seu rendimento escolar. Não se sentindo aceita, foge da escola.
É imprescindível, portanto, pensar a questão da sexualidade, da cor, da classe, da
religião no campo da educação, pois atuam como marcadores de identidade e de
diferença.
Louro (2008, p. 25) afirma que:
A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por
separar adultos de crianças, católicos de protestantes. Ela também se fez
diferente para os ricos e para os pobres e ela imediatamente separou os
meninos das meninas.
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VII Seminário Vozes da Educação
Nessa lógica, é preciso considerar que “[...] a sexualidade é uma das dimensões
do ser humano que envolve gênero, identidade sexual, orientação sexual, erotismo,
envolvimento emocional, amor e reprodução” (ABRAMOVAY et al., 2004, p. 29) e
que, portanto, não pode ser alienada das características humanas.
Segundo Deborah Britzmam ( 1996, p. 74):
189
Conceito criado, em 1993, pelo pesquisador americano Michael Warner para descrever a norma que
toma a sexualidade heterossexual como norma universal, e os discursos que descrevem a situação
homossexual como desviantes (DINIS, 2011).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Metodologia
O estudo é uma investigação qualitativa, utiliza a técnica de análise de
conteúdo,à luz de uma perspectiva sócio-histórica, examinou-se livros, revistas e
trabalhos de instituições nacionais e internacionais contemporâneos, sobre o tema
proposto.
Resultados e Discussão
Historicamente, a escola não só transmite ou constrói conhecimento como
também reproduz padrões sociais, pois está inserida em um contexto que, muitas vezes,
tende a refletir opiniões das classes dominantes. Bourdieu aponta que, conforme
distintas disposições de capitais sociais, “a instituição escolar pode funcionar como uma
imensa máquina cognitiva operando classificações que reproduzem as classificações
sociais preexistentes” ( BOURDIEU, 2001, p. 80). Estudos indicam que o ambiente
escolar, embora devesse se constituir em um espaço de promoção da cidadania,
apresenta-se como adverso, intolerante e violento no que diz respeito a lésbicas, gays,
bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros LGBTs), configurando-se, por muitas
vezes, como espaço de produção e reprodução da homofobia (JUNQUEIRA, 2009a, p.
121).
Nesse contexto, Junqueira (2009b, p.15) destaca ser a escola um ambiente que:
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Conclusões
Após analisar os temas deste estudo, inferiu-se que o caminho para garantir a
cidadania plena, para que o direito possa ser assegurado a todos e todas, no contexto
educacional, é perceber a importância de lidar com a manifestação da diferença. Para
isso, é indispensável que educadoras e educadores repensem suas práticas, de modo que,
a partir do debate, possam surgir outros olhares sobre o corpo, a sexualidade, os
comportamentos de gênero, a etnia, a classe social e a religião.
O estudo constatou que as políticas públicas são indispensáveis para a
construção de uma escola mais justa, pacífica, livre do preconceito e da discriminação,
na qual se permite o exercício da cidadania, em que se respeitam os direitos humanos.
A importância da inclusão no currículo também é reforçada por inúmeros
autores que recomendam “inserir, como discussão curricular, a questão das diferentes
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ABRAMOVAY, Miriam; CASTRO, Mary Garcia; SILVA, Lorena Bernadete
de.Juventudes e Sexualidade. Brasília: Unesco, 2004.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Arendt, Hannah. (1987) Condição Humana. Trad. Roberto Barroso. Rio Raposo. Rio
de Janeiro: Forense - Universitária.
______. (2004) Crises da República. Trad. José Volkmann. 2. ed., São Paulo: Nova
Perspectiva.
______. (2016) Entre o passado e o futuro. Trad. Mauro Barbosa, 8. ed., São Paulo:
Perspectiva.
JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Diversidade sexual e homofobia: a escola tem tudo a ver
com isso. In Xavier Filha, Constantina (org.). Educação para a sexualidade, para a
equidade de gênero e para a diversidade sexual. Campo Grande: UFMS, 2009a, p.
111-142.
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VII Seminário Vozes da Educação
UNESCO. O perfil dos professores brasileiros: o que fazem, o que pensam, o que
almejam... São Paulo: Moderna, 2004.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Em outras palavras, construir uma política com fins e princípios mais amplos,
comprometidos com os interesses da maioria da sociedade, requer a
implantação de projetos que transcendam a um mandato de governo, o que
implica a instauração de uma nova cultura política. (SOUZA &
ALCÂNTARA, 2017, p.768)
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
IBGE, referente à faixa etária de 0 a 5 anos de idade nos anos de 2010 e 2014, bem
como o quantitativo de matrícula na rede pública e privada, conforme tabela.
Educação Infantil
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
tempo em que as políticas educacionais têm elegido apenas as metas que corroboram
com os ideais da educação para o mercado, atendendo ao neoliberalismo e à
meritocracia, cenário que piora com os retrocessos políticos atuais que anunciam
ataques à educação pública, que impulsionarão o aumento das desigualdades sociais e
educacionais.
Referências
AMARAL, N. C. PEC 241/55: a “morte” do PNE (2014-2024) e o poder de diminuição
dos recursos educacionais. RBPAE - v. 32, n. 3, p. 653 - 673 set./dez. 2016
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
EIXO 3
IDENTIDADES, INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO
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VII Seminário Vozes da Educação
Introduccion
La creación de los centros educativos ha sido una demanda por los miembros de
la comunidad; pero, el ingreso de la escuela a la comunidad ha transformado la
valoración de quechua no solo de los niños y jóvenes sino principalmente de los padres
y por extensión a la comunidad en general. Por este proceso de homogenización, el
quechua fue relegado a espacios no-académicos como el hogar la chacra, el pastoreo.
Este hecho incidió de manera significativa en la actitud de los monolingües hablantes
del quechua, lo que dio inicio a la incorporación del castellano en todos los espacios
aunque de manera rudimentaria y gradual. Este fenómeno a lo largo de estos años ha
dado como resultado en la actualidad un bilingüismo activo, pero con tendencia al
monolingüismo en castellano, pareciera esto reflejado en las nuevas generaciones,
infantes principalmente. Proceso que alarmantemente va en avance vertiginoso por
factores sociales, económicos, culturales, religiosos y educativos influyen en el
desplazamiento del uso del quechua por parte de los hablantes de la zona principalmente
los jóvenes estudiantes como una imposición del castellano sobre el quechua (Condori,
2014).
El estudio Intercultural Bilingüe (EIB) desarrollada en zonas rurales realiza un
diagnóstico del uso y funciones que asignan a su lengua originaria los bilingües-
hablantes entres escenarios. A través del bilingüismo e interacción que los jóvenes de
nivel secundario tienen en la comunidad de habla quechua se describe y analiza la
mantención desplazamiento o vitalización que tiene el idioma ancestral en la zona. Para
sumário 1441
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Metodologia
Lugar de ejecución
El estudio se realizó en el ámbito de la Institución Educativa (IE) Asillopata de
la comunidad campesina de Huayhuahuasi del distrito de Coporaque provincia de
Espinar región Cusco Perú.
Descripción de la investigación.
Se entrevistó a estudiantes de primaria del programa EIB y secundaria en el uso
del idioma que usan en la interacción comunicativa entre los miembros de su entorno
entrevistándolos:
en el ámbito familiar (hermanos, padres, abuelos y parientes referidos a su
contexto familiar), institución educativa (compañeros, amigo, docentes, autoridades
educativas, autoridades de otras instituciones e integrantes de la comunidad educativa),
por ultimo interactuando en la comunidad y agentes externos (comerciantes,
transportistas, autoridades, laicos, medios de comunicación, y personasextrañas)
Metodología de investigación
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
de notas y cuaderno de campo que sirvió para registro de datos documentales propios de
la entrevista donde se organizó y sistematizo la información.
Resultados y discucion
La IE Asillopata es punto de concentración de diferentes actividades sociales
económicas, laborales, culturales, religiosas, deportivas y de encuentro que los
pobladores tienen donde existe una relación con agentes de diferentes lugares
Los hablantes bilingües al momento de entablar una conversación con un
interlocutor bilingüe esporádico externo o perteneciente a la comunidad, otorgan a éste
la elección de uno u otro idioma mencionando: “Castellano hablo cuando hay visitas o
cuando cualquier persona te viene y te habla puro castellano tienes que responder
también, si es quechua tienes que responder quechua” (Raúl Censia)
La I.E Asillopata está ubicada a pie de carretera que une los distritos de, Yauri
Pichihua y Coporaque. En el presente estudio se logró identificar los siguientes factores:
Factor económico
Los padres de los estudiantes para generar su economía necesitan ir a trabajar a
las minas, obras de construcción, municipios y diferentes actividades económicas y
están en contacto con el castellano mientras, que las mamás se quedan en la casa al
cuidado de sus hijos y suganado donde predomina en el hablar del quechua. Las ferias
de ganaderas también convocan masivamente a foráneos de habla castellano de
diferentes lugares de la región.
Factores sociales
Existe una marcada diferencia entre los estudiantes que migraron en la época de
vacaciones a trabajar a ciudades cercanas donde mayormente se habla en castellano y
los estudiantes que se quedan a en sus casas pasteando sus ganados donde mayormente
hablan quechua creándose diferencias sociales.
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VII Seminário Vozes da Educação
Factor religioso
Desde la época de la conquista la religión juega un papel importante,
actualmente en la I.E Asillopata los estudiantes tiene diferentes religiones donde sus
pastores predican en castellano y quechua la biblia está escrita en los dos idiomas.
Factor educativo
La I.E es el lugar donde los estudiantes permanecen la mayor parte del día
recibiendo diferentes sesiones pedagógicas, la mayoría de los docentes son castellano
hablantes, los materiales que se reparten por el ministerio son en base al idioma
castellano. Los estudiantes tienen predilección por el uso del castellano esto por su
contacto con la ciudad, la que se da en periodo vacacional y su permanencia en la
ciudad después del término de clases.
Factor de transporte
Al desplazarse de la comunidad a la capital de provincia o las ciudades cercanas,
los estudiantes interactúan con diferente tipo de personas donde su comunicación es
mayormente en castellano quedando desplazado el quechua.
Se observa un continuo y acelerado desplazamiento del quechua, fenómeno que,
se debe, principalmente, al contacto dinámico y fluido que tienen los hablantes con
representantes o representaciones exógenos a la comunidad. A los dos contextos
geográficos se suma un contexto “moderno” imaginario o imaginado donde el
castellano en mayoría es usado y através de ella se exige y reproduce formatos de vida
solo desde una visión. Las exigencias se dan dentro de la misma comunidad, por
adopciones de elementos introducidos, como fuera de ella (Condori,2014).
Todos estos factores en alguna medida desplazan el habla el quechua dentro de
la interacción de la I.E, familiar y la comunidad.
Cabe mencionar que estos factores escritos afectan el desplazamiento del
quechua sin embargo traen desarrollo y crecimiento a la I.E Asillopata y a la comunidad
de Huayhuahuasi.
Coporaque, actualmente, es una zona que alberga grupos de actores e
instituciones de la zona y foráneas que emplean el castellano y quechua desde sus
particulares necesidades e intereses. Con los testimonios recogidos y situaciones
observadas, se constató que los diferentes grupos en Coporaque viven en el paradigma
de la colonialidad de poder (Garcés 2005) y diferenciación colonial, los cuales tienen
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Concluciones
Los factores económicos, sociales, desarrollo tecnológico, religioso, educativo,
de transporte y cultural afectan el desplazamiento del habla del quechua en los
estudiantes de la institución educativa Asillopata.
En la comunidad deHuayhuahuasi,convergen diferentes personas de
diferentes instituciones y actividades que emplean el castellano y quechua de acuerdo a
sus intereses.
Los estudiantes de la I.E Asillopata pasaran de un habla monolingüística –
quechua a un bilingüismo quechua-castellano debido a los factoresdescritos.
El desarrollo y crecimiento por los factores que afectan al desplazamiento del
quechua tiene un efecto negativo en el monolingüismo pero un efecto positivo en el
bilingüismo del quechua- castellano.
Recomendaciones
Se recomienda fortalecer el EIB en las instituciones educativas rurales y
urbanas.
Fortalecer habla del idioma quechua en los diferentes escenarios que afectan al
habla del quechua en la IE de Asillopata de la comunidad de Huayhuahuasi.
sumário 1446
VII Seminário Vozes da Educação
Bibliografia
Bertely, María 2000 Un acercamiento etnográfico a la cultura escolar. México: Paidós.
Bonfil, Guillermo 1987 “La teoría de control cultural en el estudio de procesos étnicos”.
Revista de la Casa Chata Nº 3. México: CIESAs.23-43.
Condori, 2014. Usos del quechua en Layo. Kama Su yupi Cusco. Primera edición:
UMSS/ Andes/Plural editores.Bolivia.
Córdova, Gavina. 2005 ¿Falacias en torno del quechua? Una reflexión desde la
formación docente EBI. Lima, proeduc A-gtz.
Garcés,Fernando2005Delavozalpapel.Laescrituradelperiódicoconosur Ñawpaqman. La
Paz:Plural-cendA.
Schatzman, L., & Strauss, A.L. (1973). Field research: Strategies for a natural
sociology. Inglewood Cliffs, NJ Prentice-Hall
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Deste modo, entendemos que não basta haver imagens, artefatos, propagandas
que dêem conta de “representar” a diversidade étnico/racial na escola, mas, é preciso
que as ações pedagógicas se voltem para a construção desse olhar atento sobre as
imagens e a construção das narrativas sobre elas. Ou seja, no caso da contação de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
história acima citada, a ilustração do livro provoca e assusta a criança que não se
reconhece como negra, mas é na mediação pedagógica que se pode, de fato, construir
esse processo de estranhamento do que seria ser negro, segundo a fala da aluna.
No geral, temos uma escola no Brasil que ainda é extremamente racista e
excludente. Segundo dados do Todos Pela Educação, uma organização da Sociedade
civil, sem fins lucrativos, em um levantamento feito em 2015, 30% da população negra
(pretos ou pardos) não completava o Ensino Fundamental antes dos 16 anos e só 56,8%
da população preta e 57,8% parda, entre 15 e 17 anos, continuava no Ensino Médio. E o
cenário se agrava se comparado a dados da população branca: 82% dos alunos brancos
terminam o Ensino Fundamental, e 71% com idade entre 15 a 17 anos, continuavam no
Ensino Médio. Segundo dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de
2015, 44,8% dos alunos brancos do 9º ano do Ensino Fundamental aprenderam
adequadamente o português e somente 30,8% e 24,5%, entre os estudantes pardos e
pretos, respectivamente. Em matemática, 27,4% dos brancos tem o domínio adequado
da disciplina contra 15% dos pardos e 10,7% dos pretos. Dados do questionário do
Censo Escolar de 2015, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com 52 mil diretores de escolas, mostram que em
12 mil delas não existem projetos com a temática do racismo.
Assim, neste difícil cenário, entendemos que a cultura visual assume um
importante papel no currículo, uma vez que, a partir dela, pode-se buscar fomentar os
modos pelos quais vemos o mundo e a nós mesmos. Esta noção de visão, para além da
fisiologia, mas articulada às questões culturais, nos parece fundamental para os
processos pedagógicos:
Isto quer dizer que o campo da Cultura Visual, mais do que pensar quais
imagens ou objetos devem ser estudados, analisados e questionados, se debruça sobre as
construções de narrativas a partir das representações traduzidas nestas imagens, objetos
e artefatos. Ou seja, coloca em discussão os modos de dizer o que e como é o mundo
sumário 1452
VII Seminário Vozes da Educação
que habitamos, auxiliando na construção de visões sobre nós mesmos no mundo, sobre
nossas identidades individuais e coletivas.
Segundo Freedman (2002), a identidade de cada sujeito se reflete e se define no
modo como cada um representa a si mesmo visualmente. Para esta autora a cultura é a
forma como o sujeito vive, e a cultura visual dá forma ao mundo do sujeito, uma vez
que atribuem significados às imagens e suas produções partir de suas próprias histórias
de vida e experiências cotidianas.
Assim, é preciso que a escola ofereça as condições necessárias para que esta
atribuição de sentidos ocorra, o que passa por não só oferecer imagens que que
“retratem” a diversidade mas discutir a diversidade a partir da experiência, do cotidiano
da escola. Não basta, por exemplo, somente colar cartazes no mural sobre a luta anti-
racista ou falar da cultura afrobrasileira como um conjunto de tópicos ou características
formais e visuais, mas sim, discutir como essas imagens ganham sentido a partir da
experiência dos alunos e alunas, em especial, os negros e negras que, como vimos,
ainda vivem uma absurda desigualdade no acesso e permanência na escola no Brasil.
Neste sentido, a preocupação com a imagem/representação não devem fazer
parte somente das aulas de arte na escola, mas estar integrada ao currículo como um
todo, permeando os diferentes fazeres pedagógicos na escola. Aqui, entendemos
imagem como “símbolos e narrativas visuais, que abordam a todo instante os sujeitos
contemporâneos neste início de século, promovem um cruzamento de significações e
constroem conhecimentos quando se lê ou se produz imagens” (CARDOSO, 2010: 11).
Foi com esse norte que buscamos desenvolver no Colégio Universitário Geraldo
Reis da Universidade Federal Fluminense (COLUNI- UFF) uma série de ações tendo a
imagem como eixo central de atividades pedagógicas que colocassem em discussão a
temática étnico-racial na escola. A primeira delas partiu do autorretrato. Pedimos que
cada aluno (as) desenhasse como se via e como gostaria de ser. A imagem que mais nos
surpreendeu foi esta:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Isaque, 8 anos. À esquerda, desenho de como o aluno se vê. À direita, desenho de como ele gostaria de
ser.
sumário 1454
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ABRAMOVAY, MIRIAM; CASTRO, Mary Garcia (Coord.). Relações raciais na
escola: reprodução de desigualdades em nome da igualdade. Brasília: UNESCO,
INEP, Observatório de Violências nas Escolas, 2006. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001459/145993por.pdf. Acesso em:20 de julho
de 2009>.
______. A cultura visual antes da cultura visual. Porto Alegre, v. 34, n. 3, p. 293-
301, set./dez. 2011. Disponível em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/9288/6778>.
Acesso em: 29/05/2019
sumário 1455
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
______ (Org). Inquietações e mudanças no Ensino de Arte. (7 ed.) São Paulo: Cortez,
2012.
GOMES, Nilma Lino. Educação e Pesquisa. São Paulo, v.29, n.1, p. 167-182, jan./jun.
2003.
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
O pensamento de Boaventura Sousa Santos 192 tem sido muito difundido no
Brasil. O autor discute muitas temáticas como epistemologia, cidadania, emancipação
social, sociologia do direito, igualdade/diferença, interculturalidade, teorias pós-
coloniais, conhecimento, justiça social, democracia, entre outros.
O interesse em aprofundar a expressão “descolonização” trazida pelo
autor Boaventura Sousa Santos veio através da leitura de artigo da autora Nilma Lino
Gomes, intitulado “Relações Étnico-Raciais, Educação e Descolonização dos
Currículos”. A autora discute e destaca as tensões que impossibilitam a
“descolonização” dos currículos na educação básica. Dessa forma, indica que deve
ocorrer uma mudança epistemológica e política que valorize e trate a questão étnico-
racial de forma obrigatória nos currículos, como se refere a Lei 10.639/03193. O dialogo
feito pela autora com Boaventura 194 se dá por meio da noção de “descolonização”
proposta por este, ou seja, uma (re)construção histórica alternativa e emancipatória que
192
Boaventura de Sousa Santos nasceu no dia 15 de novembro de 1940, na cidade de Coimbra, em
Portugal. Em 1963 licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo realizado no ano de
1964 um curso de pós-graduação na Universidade de Berlim. Obteve seu título de mestre em 1970, pela
Yale University, com a tese “As Estruturas Sociais do Desenvolvimento e o Direito”, e em 1973 concluiu
seu doutorado pela mesma instituição. Atualmente é Professor Catedrático da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade
Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É igualmente Diretor do
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Diretor do Centro de Documentação 25 de abril
da mesma Universidade e Coordenador Científico do Observatório Permanente de Justiça Portuguesa.
Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/cientistassociais/boaventura. Acesso em: 28 jul. 2019.
193
A lei que torna obrigatório nas escolas públicas e privadas o ensino de história e cultura afro-
brasileira e cujo objetivo é desconstruir o preconceito étnico-racial no âmbito do espaço escolar.
194
Neste trabalho me refiro ao autor Boaventura Sousa Santos, não pelo sobrenome “Santos”, mas pelo
primeiro nome “Boaventura”, pois é uma forma mais comum de nos referirmos a ele, além de diferenciar
dos outros autores com o mesmo sobrenome.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Em seu texto “Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes”, o autor afirma que o pensamento moderno ocidental é um
pensamento abissal, considerando a existência de diferenciações “visíveis” e
“invisíveis”. Para ele, a realidade social é dividida em dois universos distintos. A
separação acontece quando “o outro lado da linha” desaparece enquanto a realidade
torna-se inexistente. A inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser
relevante ou compreensível. O que é produzido como inexistente é excluído de forma
radical, porque “permanece em um universo exterior que a própria concepção aceite de
inclusão julga como sendo o Outro” (SANTOS, 2010, p. 32). “O pensamento abissal é
impossibilidade de copresença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece
na medida em que esgota a realidade relevante. Para além dela apenas existência,
invisibilidade e ausência não dialética” (SANTOS, 2010, p. 32).
O pensamento abissal representa a permissão à ciência moderna do monopólio
da distinção universal entre o verdadeiro e o falso, em detrimento de dois
conhecimentos alternativos: a filosofia e a teologia. A questão principal é a disputa
epistemológica moderna entre as formas científicas e não-científicas de verdade. Tendo
como validade universal da verdade científica é, reconhecidamente, como uma verdade
sempre relativa, dada pelo fato de poder determinar apenas em relação a certos tipos de
objetos em determinadas circunstâncias e por meio de determinados métodos, ou seja,
como que ela se relaciona com outras verdades possíveis, podendo “inclusivamente
reclamar um estatuto superior, mas não podem ser estabelecidas de acordo com método
científico” (SANTOS, 2010, p. 33).
O autor identifica a existência de “linhas abissais globais dos tempos modernos”,
essas que operando de forma diferenciada, são bilaterais, mesmo com as tensões. E
exemplifica que as tensões entre a ciência, a filosofia e a teologia são visíveis, portanto,
ele está em defesa da complementariedade entre ambas. Os conhecimentos populares 195
não se encaixam nas formas de conhecer invisibilizando a sua visibilidade.
195
O autor faz menção aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, indígenas do outro
lado da linha. Esses que desaparecem como conhecimentos relevantes ou comensuráveis por se
encontrarem para além do universo do verdadeiro e do falso.
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VII Seminário Vozes da Educação
196
Os trabalhadores, imigrantes vítimas de xenofobia, afrodescendentes vítimas de racismo, muçulmanos
pobres, refugiados, mulheres, população LGBTQ+, entre outros.
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possibilidades plurais e concretas futuras o que ele chama de “vir a ser” (SANTOS,
2004, p. 793).
Boaventura (2004, p. 794) dialoga e compartilha do mesmo pensamento do autor
Ernst Bloch (1995), quando cita a afirmação deste de que “o possível é o mais incerto, o
mais ignorado conceito da filosofia ocidental”. Neste sentido, a sociologia das
emergências traz a ideia de que a realidade não se restringe àquilo que existe, ela age
também nos possíveis “Ainda-Não realizados”.
sumário 1462
VII Seminário Vozes da Educação
Neste sentido, os sujeitos que foram produzidos como ausentes apresentam seus
modos de ser diferentes, podendo-se caracterizá-los como oprimidos, silenciados,
pessoas humanas que têm sido excluídas do modo dominante de ser e conhecer. As
relações de poder desiguais se fazem presentes em seus cotidianos. O autor indica que é
preciso resgatar em seus processos cognitivos o seu protagonismo, que é um “ato depré-
conhecimento, um impulso intelectual e político” (SANTOS, 2019, p.53).
Portanto, é “estabelecida uma relação entre o sujeito que conhece e o objeto de
conhecimento”, sendo nesse processo dialético que se resgata a autoria do sujeito, a luta
social (âmbito coletivo) e política. Dessa forma, o conhecimento (razão) e o saber (com
o corpo e os sentidos) são constituídos por práticas de resistência contra a opressão.
(SANTOS, 2019, p. 19).
Boaventura considera não haver justiça social sem a justiça cognitiva, por isso a
descolonização do conhecimento é um “pensamento alternativo as alternativas para
fortalecer as lutas contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado” (SANTOS,
2019, p. 24).
“Descolonização” vem do termo “colonialismo”, que é a recusa de “reconhecer a
humanidade integral do outro”. E descolonizar provoca a “descolonização do
conhecimento colonizado quanto do conhecimento do colonizador”. Sendo importante
considerar a expansão e a consolidação da dominação moderna que aconteceu através
do capitalismo (mercantilização e exploração da natureza do trabalho) e o seu caráter
patriarcal (desvalorização dos corpos, do trabalho das mulheres). Essas que funcionam
em conjunto, incluindo a ocupação territorial e estrangeira. Havia outras formas de
colonialismo, na Europa, como o racismo e a discriminação de certos grupos sociais.
(SANTOS, 2019, p. 163).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O autor está em defesa dos conhecimentos nascidos das lutas sociais, porque é
construção do desenvolvimento da luta, nomeado pelo autor por “conhecer com”. Sendo
uma realização de reflexão da ação e, ao mesmo tempo, a reflexão sobre a própria ação.
197
Exemplo de um deles seria a ciência moderna;
198
Para se integrar nas ecologias de saberes, a ciência precisa considerar o “critério de objetividade
próprio da ciência, respeitando também o critério do esforço das lutas contra a opressão” (SANTOS,
2019)
sumário 1464
VII Seminário Vozes da Educação
É impossível falar sobre uma única história sem falar sobre o poder. Há uma
palavra, uma palavra da tribo Igbo que eu lembro sempre que penso sobre as
estruturas de poder do mundo, e a palavra é “nkali”. É um substantivo que
livremente se traduz: “ser maior do que o outro”. Como nosso mundo
econômico e político, histórias também são definidas pelo princípio do
“nkali”. Como são contadas, quem as conta quando e quantas histórias são
contadas, tudo realmente depende do poder (ADICHIE, 2016).
199
O conceito de “vasos comunicantes” foi abordado pelo professor Kabengele Munanga na Conferência
de Abertura do COPENE de Uberlândia, em Minas Gerais, em 12 de outubro de 2018.
200
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional;
201
No ano de 2016, 52 anos após o golpe 1964, o nosso país vive em “tempos sombrios”. Atualmente, a
Seppir foi extinta após o golpe de 2016, por uma medida de Michel Temer. O que vivemos em 2016 e
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
continuamos a viver, hoje, neste país foi/é um desrespeito à Constituição Federal de 1988 e contra o
“estado democrático de direito”, após a retirada de uma presidente eleita pelo povo.
sumário 1466
VII Seminário Vozes da Educação
tem o papel de responsabilizar os alunos pelos maus resultados que virão. Como exigir
de um estudante negro, de periferia que faça escolhas “livres e com autonomia” para o
“seu projeto de vida” numa comunidade miserável e violenta?
Como podemos, ver foi aprovado
um conjunto de medidas que permitiram uma redução das desigualdades raciais. No
entanto, estamos passando por um momento de retrocesso histórico e temos visto o
retorno de modelos autoritários. Atualmente, o discurso conservador tem ignorado as
demandas das minorias, como quando o presidente afirma que “no Brasil o racismo é
algo raro”202, negando a nossa história, as pesquisas acadêmicas e indicadores sociais
que constituem os bancos de dados disponíveis para o estudo das relações raciais por
meio do IBGE, IPEA e INEP. Para compreender a situação acima,
é preciso que a ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial.
202
Disponível em:
https://www.folhape.com.br/politica/politica/bolsonaro/2019/05/08/NWS,104376,7,1267,POLITICA,219
3-BOLSONARO-AFIRMA-QUE-RACISMO-ALGO-RARO-BRASIL.aspx
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações finais
A Boaventura de Souza Santos não é um estudioso das relações racial, mas
aborda diversas temáticas e questões sociais. O termo “descolonização” proposto em
seu pensamento traz uma reflexão sobre outra epistemologia alternativa, essa que deve
considerar a pluralidade, diversidade e reconhecimento da humanidade integral do outro
(diferente de nós). O processo de descolonização do conhecimento é um “pensamento
alternativo” as alternativas para fortalecer as lutas contra o capitalismo, o colonialismo e
o patriarcado. Produz contribuições significativas para mudarmos a nossa óptica e nos
abrir para as diferenças culturais como riquezas que aumentam as nossas experiências e
a nossa sensibilidade, ou seja, propõe uma diversidade cognitiva do mundo.
Para isso nos propõe a desconstruir pontos que foram naturalizados que nos
impossibilitam de enxergar de forma positiva as diferenças culturais, sendo assim,
potencializando a educação intercultural, que contribui para descolonização dos
conhecimentos. O autor nos convida a investir nas possibilidades/práticas
emancipatórias educacionais e igualitárias. Sendo preciso mais do que discursos e muita
coragem e “luta por um fim sem fim” (SANTOS, 1996, p. 21).
Referências
ARROYO, M. G.. A pedagogia multirracial popular e o sistema escolar. In: GOMES,
Nilma Lino (Org.). Um olhar além das fronteiras: educação e relações raciais. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.
______. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal 10.639/03. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2005. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001432/143283por.pdf
sumário 1468
VII Seminário Vozes da Educação
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdf
______; MENEZES, Maria Paula (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez,
2010.
sumário 1469
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
Esse trabalho tem como finalidade tecer algumas considerações relacionadas aos
Corpos Negros e o movimento eugenista e sua influência na educação brasileira na
década de 30. Nesse sentindo o estudo tem como objetivo discutir a prática esportiva
enquanto prática de ampliação e consolidação da educação eugênica no âmbito escolar.
A escola “é vista como um espaço em que ensina e compartilha não só
conteúdos e saberes escolares, mas também valores, crenças, hábitos e preconceitos
raciais” (GOMES, 2005, p .40). Nesse espaço, assim como na sociedade, “nós
comunicamos pormeio do corpo. Um corpo que é construído biologicamente e
simbolicamente na cultura e na história” (GOMES, 2005, p. 41). Segundo Guedes
(2006), foi através desse movimento corporal que os médicos sanitaristas utilizaram a
prática esportiva para além da disciplina, mais como disseminador de valores eugenistas
na educação brasileira.
Mas, retornemos as nossas questões iniciais: com a criação do modelo ideal de
raça superior idealizado a partir do homem eurocêntrico, o movimento eugenista foi
inserido nas escolas? A partir dessa prerrogativa, como esses corpos negros foram
adequados na escola? Para responder tais perguntas utilizaremos um referencial teórico
pautado na discussão sobre a Educação da Relações Étnico-Raciais, tendo como método
a pesquisa bibliográfica, por ser um conjunto de conhecimentos reunidos em obras.
Segundo Fanchin (2006), esse método tem como finalidade fundamentar vários
procedimentos metodológicos, ou seja, dados obtidos através de várias fontes escritas
como documentos, livros, fontes, etc.
Nesse sentido, o estudo apresenta-se assim estruturado: na primeira parte
abordarmos o movimento eugenista e os corpos negros, focando no surgimento dessa
teoria ideológica no Brasil; a segunda parte trata-se da influência do movimento
203
Mestrado em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Especialista em
Diversidade Étnico-Racial e Educação Superior Brasileira pela UFRRJ, Graduação Licenciatura em
História pela Universidade Veiga de Almeida.
sumário 1470
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
204
No final do século XVIII a categoria raça ganhou força no pensamento social tendo reforçado os seus
pressupostos no final do Século XIX com o desenvolvimento da ciência em especial da biologia e de uma
forma “social de entender o Dawin e Spencer (HERNANDEZ, 2008, p. 132). De acordo com esta autora,
na modernidade era relevante a hierarquização dos quatros grupos étnicos elaborados pelos “naturalistas”
na qual era articulada o patrimônio genético, e as aptidões intelectuais na qual classificam o negro como
inferior e o branco como superior.
sumário 1472
VII Seminário Vozes da Educação
205
Surgiu como política de incentivo a entrada de imigrantes espanhóis, italianos, entre outros, com o
intuito da limpeza étnica da nação. Nesse sentindo buscava o critério de imigração para o povo que teria
que ser de raça branca; imigração esta vista como possibilidade de regeneração da raça brasileira. Nesse
sentido a teoria do branqueamento sustentava a concepção de superioridade da raça branca. Como afirma
a autora MORALES (2002, p. 88), essa teoria tinha como pretensão criar uma positividade para o fato da
miscigenação, e afirmava que mesmo na união com o indivíduo portador de uma herança negra o
elemento branco predominaria”. Ainda com a autoraMorales (2002) essa teoria não estava apenas no
plano do pensamento social. Ela era incorporada na visão constitucional e utilizada como instrumentos de
fomentação de políticas de imigrações, sendo regulamentada através de leis que permitiam a inserção de
trabalhadores brancos em solo brasileiro.
sumário 1473
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A Eugenia e a Escola
A escola é o espaço de socialização do indivíduo, onde o sujeito resignifica
novas palavras, conhecimentos, espaço de interação do educando, nesse sentindo é
sumário 1474
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1475
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1476
VII Seminário Vozes da Educação
Educação Física enquanto área que trata do movimento humano e que tem o
corpo como um instrumento a ser disciplinado, docilizado e intencionalmente
discriminado para deflagrar movimentos higienistas. Culminando com o fim
da escravidão em que o negro passou à condição de homem “livre”, foi
necessária, portanto, uma política de ordenamento dos corpos (GUEDES,
2006, p. 6).
sumário 1477
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
um dos caminhos encontrados por esses atores sociais para intervir nas
diretrizes da política nacional para o setor foi a criação da Direção de
Educação Física, cujo objetivo compreendeu interferir, diretamente na
formação do profissional dessa área. Atuação de alguns segmentos das
Forças Armadas do país, período colaborou para imprimir, como
características de política de nacionalização do Ensino, a preocupação com o
revigoramento físico da população e a presença do racismo (NASCIMENTO,
2012, p. 221).
sumário 1478
VII Seminário Vozes da Educação
partir de uma perspectiva darwinista de uma raça superior e idealizando uma teoria do
branqueamento com base no modelo eurocêntrico.
Referências
BRASIL. Constituição de 1934 Planalto. Constituição da república dos estados
unidos do Brasil. 1934 Disponível em:
<//www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm>. Acesso em: 25 out.
2017.
sumário 1479
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. 1 ed. São Paulo. Boitempo: 2016.
GUEDES, Ivanilde Mattos. Educação Física e o Corpo Negro. Espaço Plural, 2006,
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______. O ensino da genética nas escolas primárias. Boletim de Eugenia. (11 Nov.
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HERNANDEZ, Leila Maria Gonçalves. África na sala de aula: uma visita a história
contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2008.
MORALES, Lúcia Arraes. Vai e Vem, Vira e Volta: as rotas dos soldados da
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VII Seminário Vozes da Educação
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina
Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2010.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
RESENHA CRÍTICA
BHABHA, HOMI K. NUEVAS MINORÍAS, NUEVOS DERECHOS, NOTAS
SOBRE COSMOPOLITISMO VERNÁCULO (2013)
Sinopse
Homi K. Bhabha chama a atenção para as Novas minorias, que não são tão
novas assim, referindo-se àqueles sujeitos das comunidades diaspóricas, “sem Estado”.
O desafio é o de se sentir em casa, tendo vindo de fora, uma vez que essas minorias não
são levados em consideração sob o prisma da política de reconhecimento, tornando-as
invisíveis, do ponto de vista da cidadania e inclusão social. Tais minorias postulam
serem reconhecidas e advogam uma noção de direitos, não na dimensão estatal, mas a
partir de uma enunciação, na perspectiva discursiva das minorias, numa proposta de
superação das diferentes formas de opressão e discriminação dos povos subalternizados.
Homi K. Bhabhaanalisa que é no âmbito da cultura que se expressam as dimensões de
poder globalizador/normalizador/normatizador, sobretudo na esfera discursiva, que
tende a apagar as diferenças, assumindo que a linguagem é que institui a realidade e não
mais a representa.
Bhabha discute no capítulo 1 o conceito de comunidades paradoxais formada
por comunidades diaspóricas que se aceitam, na medida em que se reconhecem
estrangeiros; reconhecer o outro, o movimento de aproximação e de audição da
experiência do outro é o início de um processo que vai fazer com que se faça uma
política de reconhecimento das minorias, a partir de uma reflexão das comunidades
paradoxais. Não há como entrar nessa discussão sem entrar nessa clivagem social “eu e
o outro”- o nativo e o estrangeiro; o cidadão e o forasteiro; direito de sangue e do
solo; e sem abordar os processos de subjetivação construídos por formações discursivas
que diz respeito às diferentes formas de opressão e discriminação dos povos
subalternos. Menciona o conceito do terceiro espaço o qual é um espaço intersticial da
ambivalência, cujo movimento é fluídico, performático, não localizado. É um conceito
conflituoso, pois, nunca é negada a tensão. É o local de luta política de quem não foi
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aceito ou luta por várias outras demandas que o tempo inteiro é imprevisível,
indecidível, pois é um processo dinâmico e impossível de se prever. Bhabha finaliza
esse primeiro capítulo trazendo esse terceiro espaço, cuja negociação conflituosa
perpassa pelo desafio de se sentir em casa, tendo vindo “de fora”. É no âmbito da
cultura que se expressam as dimensões de poder, estando ambas as dimensões
relacionadas para além da mera dimensão estatal, sobretudo na esfera discursiva,
assumindo que a linguagem institui a realidade e não mais a representa; ele traz o
conceito de autenticidade como uma prática da aceitação. É uma construção, um
conflito constante desse agente da ação. O sujeito do reconhecimento se faz através do
agente da ação. A prática do reconhecimento é apenas a metade do caminho, sendo esse
caminho o terceiro espaço, sendo um espaço aberto à contingência.
No capítulo 2 Bhabha trabalha com o conceito da ambivalência, no sentido da
produção de verdade, sendo a ambivalência o território do plural e não do singular,
tanto na área científica quanto na área social. Bhabha retrata as ambivalências do
global, trazendo a questão do direito da igualdade, na diferença. O título Novas
Minorias fala de minorias que não são novas, uma vez que tais minorias sempre
existiram, mas eram invisíveis e agora elas estão sendo reconhecidas e precisam de
novos direitos. Ele coloca quais são os limites para se romper com a forma com que
essas minorias eram vistas na modernidade, onde se admitia até mesmo a barbárie;
retrata todo o processo histórico pelo qual a humanidade passou relembrando o
holocausto e o perigo daquele acontecimento tenebroso cair em banalidades,
considerando o fato de que hoje em dia ser comum pessoas visitarem os túmulos das
vítimas do holocausto e fazerem comentários fúteis, sem se darem conta ou
demonstrarem empatia à altura do que foi aquele horror! Hanna Arendt (1998, p.247
apud BHABHA, 2013 p.48) discute “a questão de a governança global promover uma
espécie de alienação que segue uma dinâmica demoníaca para as minorias” tornando-
as invisível, uma vez que não são as mesmas levadas em consideração, dentro da ética
da política. A exemplo disso é possível citar uma significativa força de trabalho na
agricultura e outros tantos trabalhadores que se ocupam na construção civil que sequer
tinham documentos – não são assim tão invisíveis, portanto!
Bhabha vai trabalhar com o conceito da ambivalência na esfera do direito,
porém, no relativismo; nos deslizamentos. No terreno do cultural explodem várias
tensões e conflitos, porque não há como enquadrar, normatizar ou normalizar as
posições das minorias, o poder globalizador/normalizador/normatizador pode significar
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a invisibilização daqueles sujeitos “sem Estado”, pois não são levados em consideração
dentro da ética da política significando a morte do sujeito de direito.
Retoma a questão da tradução para que pensemos o terceiro espaço como uma
alternativa de se pensar o direito das minorias que é o espaço da tradução, da reflexão
sobre as diversas ambivalências. Essas ambivalências exigem uma reflexão em torno de
uma ética global que permita a sobrevivência de uma cultura plural. Essa ética não
surge do nada, não está escrita, mas haverá de ser forjada nos interstícios da relação
com o outro, na medida do compartilhamento de sentidos que nos lembrem, por
exemplo, de fatos históricos marcados pela barbárie para que esta jamais se repita, uma
vez que sabemos muito bem do o quê o ser humano é capaz de fazer com o outro,
diferente, no sentido da barbárie.
No capítulo 3, Bhabha nos traz a noção de agências sociais, que no seu entender
dá-se na contingência, sem apriorismos, devendo seguir o fluxo do movimento de
tradução. Bhabha critica a visão do humanismo tradicional, na medida em que parte das
agências humanas conservadoras tendem a esboçar realidades nacionais circunscritas.
Essas formas nacionalistas que tentam reforçar essas identidades fixas, homogêneas e
coesas, expõem a ideia de uma cultura fundamentalmente “nacional” ou “nacionalista”.
Essa inteireza propagada é, na verdade, uma tentativa de se apagar as minorias, pois a
noção de totalidade de uma pequena inteireza vai sendo desmontada por Bhabha, uma
vez que não existe uma essência que as caracterize – quer na cultura nacional, quer na
cultura das minorias – Não há uma agência prévia dos sujeitos; a agência se dá nesse
movimento de tradução. A ideia de agência não remete a um tempo preciso, pois ela se
dá nos interstícios que emergem na tensão, nos espaços híbridos de tradução, em meio
aos fluxos de movimentos das questões culturais, sem apriorismos. A ideia de agência,
´sem apriorismos` é a ideia de se pensar a tradução, não como sendo literal porque ela
se dá contingencialmente, emergindo neste entre-lugar de contornos fronteiriços
borrados, junto ao terceiro espaço da enunciação, o qual é ambivalente, híbrido, que
exige as negociações como ato de tradução.
No capítulo 4, Bhabha recusa a identificação do ser como identidade e vê um
atributo do ser na multiplicidade das ideias, entre as quais existe a relação de alteridade
recíproca. A ideia de gênero, raça, classe cria e recria o antagonismo e a forma como se
vê o mundo acreditando-se naquele entendimento de que existe um fundamento para a
concepção desses binarismos. Tal visão de mundo tem uma lógica cultural que
naturaliza algo que não é natural, e a partir deste lugar “ser mulher/homem”; “ser
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Considerações complementares
Os capítulos 1-5 nos levam a pensar sobre o caráter ambivalente da cultura, cuja
dinâmica serve tanto ao poder hegemônico, quanto a um projeto de resistência, de
criação de criação de novas identidades, de novas representações, sempre perpassados
por essas ambivalências, as quais provocam desdobramentos: o primeiro deles é a
relação entre saber & poder - a necessidade de refletirmos sobre como as imagens e
percepções pressupostas que temos do mundo podem servir para justificar certas esferas
de poder que temos na sociedade, responsáveis pela hierarquização e assimetria entre os
grupos culturais, estando a esfera da política, cada vez mais permeada por essa
dimensão cultural de criação de novos imaginários que disputam suas representações
identitárias, na contingência, sendo tal identidade concebida no sentido do Bhabha,
como indeterminação e discurso, como uma elaboração híbrida e inconclusa. Outro
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Registro do trecho do vídeo no youtube (14:35), da Conferência no Departamento de Ciência Política
da UFF -Pensamento pós-coloniais, segunda parte –Professor Bruno Sciberras Carvalho: Canal Estudos
Humanos, Publicado em 28/09/2011 - Vídeo Youtube, 14min35 https://youtu.be/jrpmeBNeUOc
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1996 , p. 9), de modo a fazer com que a identidade do sujeito possa constituí-lo como
tal, sendo este sujeitado às dinâmicas intersubjetivas que ocorrem nas classes
multiétnicas e na diversidade cultural e, sem que ensejam nas interdições dos jogos de
poder, quando da proclamação dos discursos e enunciados que venham a favorecer uma
(e não outra) política cultural, forjada na contingência, onde a luta política é possível?
Sim, é possível, mas quem seria esse sujeito e em que circunstância seria capaz de agir
na interseção de diferentes tradições, livres de imperativos, de apriorismos?
Referências
BHABHA, Homi K. Nuevas Minorías, Nuevos Derechos, notas sobre
Cosmopolitismo vernáculo. 1.ed. al cuidado de mariano siskind. Traducción de Hugo
Salas: Siglo Veintiuno editores, 2013- (224 p.)Capítulos1-5.
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Introdução
Os currículos escolares atinentes à história do Brasil colonial, ainda na
atualidade, são fortemente impactados por construções da historiografia que perpetuam
com relativa força e autoridade uma pretensa exclusividade do protagonismo jesuítico
na história do Brasil e na história da educação brasileira.As fontes tradicionais da
historiografia, ao exaltarem a atuação da Companhia de Jesus, e, consequentemente,
secundarizarem ou mesmo destituírem de valor a atuação de outras ordens religiosas
que tomaram parte da empresa colonial – ensejaram representações exageradase
estereotipadas desses grupos religiosos. Segundo Sangenis e Mainka (2019), ao
considerarem as duas principais ordens, a franciscana e jesuíta, seja pelo número de
membros, seja pela extensão geográfica de sua atuação nos brasis coloniais, entenderam
que ambas se destacaram ao seu modo na educação e no ensino.
Mais propriamente, a ordem franciscana e suas ramificações instituídas
historicamente em variados institutos e províncias mereceriam atenção dos
pesquisadores. Os franciscanos precederam os jesuítas em mais três séculos, uma vez
que sua fundação ocorreu no início do século XIII, enquanto os jesuítas surgiram na
terceira década do século XVI. Entre seus membros, contam-se renomados mestres
escolásticos e pensadores destacados responsáveis por originar uma tradição intelectual
consagrada no tempo e que determinou o surgimento ulterior de renovadas vocações à
ciência, à erudição e ao ensino em todos os níveis. Tanto na Europa, quanto no Novo
Mundo, mantiveram escolas e fundaram universidades. Antes do aparecimento dos
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Mas estou certo de que ao espírito de São Francisco – a este mais agradável
será que a recordação dos feitos dos seus filhos no Brasil esteja menos nos
livros que no folclore; menos na prosa dos eruditos, que na poesia dos
analfabetos; menos nas estátuas dos escultores acadêmicos que nas imagens
dos santeiros populares. (FREYRE, 1959, p. 16).
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depende de seu papel de mensageiro. Sem ele, orixás e humanos não podem se
comunicar”.
Diz a mitologia africana que Exu andava pelas terras iorubás procurando
soluções para problemas que atormentavam o povo e os orixás. Segundo Prandi (2001),
ele é orientado a ouvir a todos, seres humanos, animais, divindades e quaisquer outros
seres que compartilham da terra com os homens. Após ampla pesquisa, ele reuniu o
necessário para explicar a gênese e a regência do mundo dos homens e da natureza
sobre os flagelos que ameaçam a todos. São eles, a pobreza, a perda de bens, a posição
social, as derrotas injustas, as infertilidades, a doença e a morte. Esses saberes foram
dados a um adivinho chamado Orunmilá, ou Ifá, que os transmitiu aos seus sacerdotes,
que são os babalaôs ou pais do segredo. Para os iorubás antigos nada é novo, tudo que
ocorre já é resultado de algo que ocorreu anteriormente. Exu então tem o papel de elo de
comunicação entre o adivinho e Orunmilá, o deus do oráculo, que é o responsável por
responder e transportar as oferendas ao mundo dos orixás.
Exu, portanto, é o orixá que se encarrega de ser o elo entre os humanos e as
divindades. Ele não é bom nem mau, e possui todas as reações e sentimentos humanos.
Exu controverte os paradigmas acerca do conceito de bem e de mal presentes na cultura
europeia, segundo a modelagem do monoteísmo judaico-cristão e os separa de forma
estanque. Na visão africana, o bem e o mal variam de acordo com as situações e pessoas
envolvidas, ganhando então um olhar mais subjetivo.
No período colonial, quando ocorreu o choque com as pluralidades de culturas
existentes na época, os conceitos cristãos de bem e de mal começaram a se impor sobre
os povos dominados, e os costumes que não seguiam o modelo eurocêntrico foram
demonizados e excluídos. Os povos indígenas e africanos sofreram um violento
processo de aculturação de modo que se adaptassem aos novos paradigmas impostos.
Porém, o sincretismo é mais complexo e não se resume a uma simples estratégia de
suposta adaptação ou de dissimulação das raízes culturais para que não se perdessem
por completo.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
uma identidade nacional, por assim dizer, uma identidade que refletisse o
conjunto geral da sociedade católica em expansão. (PRANDI, 1998, p. 154)
A Igreja era a única escola aberta aos pobres na Colônia. As festas populares,
as suas grandes oportunidades de trocas de conhecimentos e de
experimentações coletivas a céu aberto. Vigorava uma pedagogia suportada
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Segundo Prandi (2001), na cultura tradicional africana e ioruba, ter muitos filhos
é sinal de felicidade. É preciso ter muitas esposas e uma vida sexual ativa para gerar
descendência numerosa. As representações africanas de Exu valorizam a forma fálica
do orixá. Suas efígies exageram o tamanho do falo ereto, desproporcional ao restante do
corpo. Exu então é o responsável da ligação de gerar sucessores para garantir a
sobrevivência do povo e imortalizar a raça humana. No entanto, os missionários
interpretaram negativamente o realce das características sexuais exarcebadas do orixá,
identificando-o com o diabo cristão.
No Brasil, Exu perde o acento demasiado nas suas características priápicas que
foram reprimidas ou em grande parte esquecidas, facilitando que se amoldasse à moral
cristã dominante.
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Conclusões
A correlação e o paralelismo sincrético entre Santo Antônio e Exu, com toda a
evidência, está na raiz das invocações e do título de casamenteiro atribuído pelo povo ao
santo católico. A imagem africana de Santo Antônio publica por Freyre, com elemento
que não pertence a simbologia católica, no entanto, originária da cultura africana, apela
para a necessidade de ampliar estudos sobre a história, culturas e religiões ancestrais do
continente africano. Tais estudos ajudarão a melhor entender a nossa própria história e
formação cultural, tão mestiça, plural e sincrética. Considerando que avançamos
consideravelmente nessa direção, é preciso, agora, aprofundar e ampliar o que já foi
feito.
A pesquisa histórica precisa considerar o africano para além da escravidão,
situação que enriqueceria substancialmente o conhecimento acerca da cultura negra na
diáspora colonial. Mas há muito a ser feito nessa área de estudo, inclusive maior
investimento dos historiadores que tratam da história da educação aos estudos que
elegem o período colonial brasileiro e a busca de novas fontes que, certamente, não se
resumiriam a documentos e a antigos manuscritos perdidos nos arquivos.
De igual forma, precisa haver maior investimento da historiografia no estudo de
outras ordens religiosas, além da Companhia de Jesus. É preciso buscar, catalogar e
utilizar outras fontes historiográficas não jesuítas. Constatamos que, em relação aos
franciscanos, é preciso buscar na cultura popular brasileira vestígios da exitosa ação que
exerceram na formação do imaginário nacional. Foram exímios evangelizadores e
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
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no Brasil. Universidade Católica portuguesa Família Franciscana Portuguesa. Actas, II
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das Letras, 2018.
SANGENIS, Luiz Fernando Conde. Aula magistral: Frei Jaboatão e a exaltação da cor
parda na festa do Beato Gonçalo Garcia no Recife setecentista. EDUR • Educação em
Revista, Belo Horizonte, n.33, e165930, 2017.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
SANGENIS, Luiz Fernando Conde. Santo Antônio e seus muitos nomes: mitologia
afro-brasileira e educação popular. Teoria e Prática da Educação, v. 20, n.1, p. 75-90,
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SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade
Média. Bauru: Edusp, 2007.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
livrinhos coloridos, princesinhas brancas e louras com seus príncipes encantados. [...]
Como poderiam lutar contra a opressão e desprezo dos irmãos, da sociedade, se ela
própria (a sociedade) lhe diz o tempo todo que elas (as mulheres negras) não podem? A
borralheira Negra passa a esperar também pelo seu príncipe encantado (SANTOS, 2004,
p.43).
Nesse sentido, a predominância de personagens brancas, de modo especial, as
princesas na LI, reflete que o projeto de nação brasileira, no qual a literatura estava
atrelada (COUTINHO, 2002) não tinha pessoas negras como prioridade. Não é por
acaso que os estudos feministas (ADICHIE, 2017) questionam a relevância dessa
personagem, já que em muitos casos elas incutem discursos conservadores na criança e
correspondem a uma organização hegemônica.
Nessa perspectiva, os estudos do feminismo decolonial (LUGONES, 2014)
auxiliam-nos a problematizar a princesa de etnia negra em uma narrativa infantil. Como
uma obra literária como Cinderela e Chico Rei pode contribuir para a desconstrução de
um discurso hegemônico, que ao reforçar a categoria de mulher universal, subalterniza
crianças negras na literatura?
Em diálogo com estas perspectivas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de história e Cultura Afro-
brasileira e Africana endossam a emergência de produções literárias que resgatem os
valores de uma comunidade cuja participação foi decisiva na construção da nação
brasileira. As contribuições de França (2006) a respeito da LI e personagens negras
revelam que o Movimento Negro (MNU) já há algum tempo vem reivindicando
personagens femininas negras que contribuam para a desconstrução de estereótipos.
Dessa maneira, é importante destacar que ao investigar as possibilidades que
Cinderela e Chico Rei oportuniza no trabalho da reeducação das relações raciais
buscamos não somente respostas, mas ao contrário, fazer novas perguntas. A partir daí,
o caminho escolhido para a investigação se deu através da elaboração de uma ficha de
análise motivada pelo método da teórica Matsuda (1991) de fazer outras perguntas. O
conceito desenvolvido pela autora articula raça e gênero, para visibilizar os marcadores
de racismo e violência de gênero, nos diversos contextos sociais. Vejamos abaixo, a
conceituação do método:
Muitas vezes uma condição pode ser identificada, por exemplo, como
produto óbvio do racismo, porém, mais poderia ser revelado se, como rotina,
fossem colocadas as seguintes perguntas: “Onde está o sexismo nisso? Qual a
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Era uma vez, uma princesa negra: título da obra, tema, autoria e editora.
A obra literária Cinderela e Chico Rei conta-nos a história de Abioye, a filha de
reis africanos que morreram em um navio negreiro. Após o falecimento dos pais, ela foi
escravizada e vendida para uma mulher muito má. Em seguida, trazida para o Brasil e
forçada a realizar tarefas domésticas exaustivamente.
Abioye também era obrigada a suportar as ofensas que Mafalda e Fiona
provocavam. As duas moças apelidaram-na de Cinderela, porque ela vivia suja de
cinzas. Certo dia, o mensageiro anuncia que Chico Rei210 dará um baile em Vila Rica
convidando todas as moças da região. Cinderela deseja profundamente ir ao baile, mas
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Francisco Rei é um personagem lendário da tradição oral de Minas Gerais, Brasil. Segundo esta
tradição, Chico era o rei de uma tribo no reino do Congo, trazido como escravo para o Brasil. Conseguiu
comprar sua alforria e de outros conterrâneos com seu trabalho e tornou-se "rei" em Ouro Preto.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
julga que seu desejo é impossível de ser realizado, por conta de sua condição de
escravizada.
Como a obra Cinderela e Chico Rei é uma adaptação dos contos de fadas, a
narrativa conta com fenômenos mágicos no desenrolar da história. Quando Cinderela
perde totalmente as esperanças de ir ao baile, eis que surge a fada madrinha
transformando o seu destino. Com uma atitude encorajadora e palavras mágicas, a fada
madrinha transforma as vestes de Cinderela em um belo vestido, a abóbora em
carruagem e faz surgir um par de chinelinhos de cristal. Cinderela “segue o baile” e
surge linda perante Chico Rei. Não demora muito tempo para que Chico Rei a resgate
das maldades de Fiona e Mafalda, ao calçar-lhe os chinelinhos de cristal.
Conforme já foi mencionado, Cinderela e Chico Rei foi publicada em 2015, pela
Mazza Edições. Diante da leitura da história, era necessário compreender o que Abioye
apresentava como possibilidade de princesa, no que tange à valorização étnico-racial
negra. O trecho escrito pelos autores da obra expõe algumas pistas:
O trecho acima é uma fala dos autores da obra presente na contracapa do livro.
Nela, é possível identificar que os autores da obra literária referenciaram-se em contos
de Charles Perrault, Hans Christian Andersen e dos Irmãos Grimm, para a produção da
narrativa. É válido ressaltar que estes escritores são tradicionais nomes dos contos de
fadas. Ao mesmo tempo, essas histórias foram produzidas em um período histórico,
cujas narrativas seguiam influências europeias, porém pouco exploradas em temáticas
de questões raciais. Ainda assim, Agostinho e Coelho propõem trabalhar a valorização
racial produzindo um conto de fadas, que apresente a princesa africana como
personagem principal. Espera-se, então, que a referida obra literária ofereça recursos
para trabalhar a reeducação das relações raciais.
Nesse sentido, é primordial aprofundar-se nos elementos que constituem
Cinderela e Chico Rei. Sendo assim, sugiro um breve diálogo, a respeito da autoria da
obra, em harmonia com as perguntas apresentadas na ficha de análise. Agostinho e
Coelho são dois autores prestigiados no mercado editorial. Agostinho é uma escritora
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211
O Alfabeto Negro é um trabalho composto de livro-texto com belas ilustrações e manual do professor,
que visa sensibilizar para a questão dos brasileiros negros. De A a Z, figuram múltiplas possibilidades de
pesquisar e trabalhar: palavras de origem africana e palavras que remetem a lugares, personalidades e
temas africanos e afro-brasileiros nas áreas da cultura, da história e do político-social.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
uma obra literária infantil. Elas ajudam a delinear a abordagem de uma narrativa com
relação às questões raciais. Esse é um fator relevante, porque em meio ao mito da
democracia racial que ignora as hierarquias dos grupos subalternizados, é preciso
atentar-se aos detalhes.
Na EI, as obras literárias têm grande significado e são recomendadas em
documentos elaborados pelo Ministério da Educação (2014) a respeito de práticas
pedagógicas e currículo escolar. Dessa forma, é com elas que a criança interage em sala
de aula, seja nas rodas de leitura, contação de histórias, ou em brincadeiras de faz de
conta. Em muitos casos, também é possível que o único contato que a criança tenha
com uma obra literária infantil se dê no espaço escolar. Considerando tais aspectos, as
pesquisas sobre personagens negros na literatura têm sido produzidas de maneira atenta
às ilustrações das narrativas, visto que elas também despertam o imaginário da criança.
A este exemplo, Oliveira (2003) aponta aspectos depreciativos, negativos e
estereotipados na representação de sujeitos negros através de imagens na literatura. A
visão da autora corrobora com o que explicito, sobre a importância de avaliar
ilustrações com personagens negros. Diante disso, destaco o seguinte trecho da autora:
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VII Seminário Vozes da Educação
amplitude, se considerarmos a importância de que tal temática adquira cada vez mais
visibilidade no espaço escolar. Nesse sentido, é fundamental que o material da referida
obra literária seja de boa qualidade. Afinal, dificilmente a criança irá escolher um livro
cujas capas estejam rasgadas, amassadas, de aspecto envelhecido, tornando-o pouco
atrativo.
Levando em conta as reflexões acima, narrarei os aspectos observados para a
análise da capa. Nela, há a identificação do título da obra, autores, editora e ilustrador.
O título e a ilustração dialogam no objetivo de apresentar ao leitor/leitora os
personagens principais da narrativa. Há também forte investimento das ilustrações, que
por sinal, ocupam a maior parte da capa. As ilustrações delineiam os personagens
principais, utilizando seus rostos como representação. É praticamente impossível não se
voltar para o olhar marcante de Abioye (Cinderela). Os traços dos personagens são
precisos e intimistas, exatamente como o ilustrador da obra costuma delinear suas
produções utilizando aquarela.
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VII Seminário Vozes da Educação
Naquela época, as minas de ouro de Vila Rica atraíam tanta gente que a
cidade tinha mais habitantes que as grandes cidades da Europa, como
Londres e Paris. Mas Abioye não conhecia Londres nem Paris. Só conhecia
aquela casa, onde era obrigada a trabalhar dia e noite [...]. Por isso, as duras
irmãs que a maltratavam muito, apelidaram-na de Cinderela, que quer dizer,
suja de cinzas (AGOSTINHO e COELHO, 2015, p.02.).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
essa razão, utilizar personagens para simbolizar o aspecto dualístico (bem e mal) é uma
estratégia bastante utilizada pelos contos de fadas.
Em diálogo com tal questão, é válido ressaltar que já nos primeiros anos de vida,
crianças precisam escolher entre o certo ou errado, o que é bom ou ruim. A rotina
escolar da EI reflete bem essa ideia, através de combinados realizados pela turma
juntamente à professora, acerca das ações que serão ou não aceitas em sala de aula.
Sabendo destes objetivos, narrativas de contos de fadas são repletas destas simbologias,
fazendo uso dos personagens para representá-las no universo infantil.
Sob outro ponto de vista, o fato de uma princesa negra representar o lado bom
em Cinderela e Chico Rei também diz respeito à desconstrução de estereótipos, onde o
sujeito negro é visto distanciado dos aspectos morais. Em “A máscara” Kilomba (2010)
explicita que “no mundo conceitual branco, o sujeito negro é identificado como ruim”.
(KILOMBA, 2010, p.174) Neste mesmo diálogo, Schucman (2012) traz notáveis
contribuições com sua tese, uma vez que os sujeitos entrevistados associaram a moral à
cor da pele, exatamente como Kilomba explicitava. Na concepção de Schucman, essas
associações são ainda seguidas de uma perspectiva de superioridade, a qual os sujeitos
brancos se apropriam. Vejamos então uma das considerações da autora, a respeito do
assunto:
Ser branco para ele vincula-se a características de atitudes e não a cor da pele
[...] É interessante observar que nos sujeitos entrevistados, há insistência nos
discursos. Vinicius com sua espontaneidade reproduz a ideia de que as raças
não são definidas apenas por diferenças físicas, mas correspondem também a
diferenças morais, psicológicas e intelectuais e que dentro dos grupos raciais
existem as atitudes “melhores”, “naturalmente” associadas aos brancos
(Schucman, 2012, p.73).
sumário 1510
VII Seminário Vozes da Educação
212
Cinderela é um dos contos de fadas mais populares da humanidade. Sua origem tem diferentes
versões. A versão mais conhecida é a do escritor francês Charles Perrault, de 1697, baseada num
conto italiano popular chamado La gattacenerentola ("A gata borralheira"). A mais antiga é originária
da China, por volta de 860 a.C.. Existe também a dos Irmãos Grimm, semelhante à de Charles Perrault.
Nesta, porém, não há a figura da fada-madrinha e quem favorece a realização do desejo de ir ao baile são
os pombos e a árvore que crescem no túmulo de sua mãe. Neste caso, Cinderela sabe palavras mágicas,
usadas no imperativo, que auxiliam na transformação de seu pedido em realidade. No final, as irmãs
malvadas ficam cegas quando são atacadas por pombos que lhes furam os olhos. Segundo outras versões
a figura da fada madrinha na verdade é o espírito da falecida mãe da própria protagonista que trazia um
vestido do céu para Cinderela usar no baile.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Como Chico Rei é um ex-escravizado, que se tornou um dos homens mais abastados de
Vila Rica, ele acaba por libertar Cinderela da condição de escravizada através do
casamento, trazendo grandes mudanças para a vida da personagem.
Naturalmente, a abordagem da figura masculina representada por Chico Rei
merece ser debatida como questão neste trabalho. Por outro lado, reitera-se que na
versão escrita por Agostinho e Coelho, a história de amor entre os personagens
Cinderela e Chico Rei serve como pano de fundo para falarmos sobre a afetividade da
mulher negra. E este é um tema importantíssimo de ser debatido mesmo no contexto
infantil, porque basicamente toda mulher negra tem recordações dolorosas de sua
infância e adolescência (ARRAES, 2019).
Além disso, o tema há um tempo já é pauta de debates feministas e trabalhos
acadêmicos, a partir da constatação que raça e gênero são aspectos determinantes para a
solidão da mulher negra. Pacheco (2008) chega a essa conclusão através da tese que
desenvolveu sobre escolhas afetivas e significados de solidão, entre mulheres negras em
Salvador, Bahia. Os resultados apontaram a cor e a raça como elementos precedentes na
preferência afetiva sexual dos parceiros. Como consequência, haveria um “excedente”
de mulheres negras sem relações afetivo-sexuais estáveis, em relação às mulheres
pertencentes a outros grupos raciais.
Dado o exposto percebemos que a questão racial resulta em relações
diferenciadas de feminino. Ao observar Cinderela e Chico Rei, podemos considerar que
uma obra literária que se propõe a trazer a história de amor de uma personagem negra
acaba realizando uma abordagem singular de narrativa nos contos de fadas. Não é fácil
para crianças não brancas darem início às suas experiências de ser mulher, tendo
princesas brancas como referências majoritárias de feminilidade. As eminências de
princesas brancas, sumariamente reproduzidas nos contos de fadas, reforçam o
pensamento de que o padrão de feminilidade não foi pensado para meninas negras.
Os padrões de gênero são tão profundamente incutidos em nós que, às vezes, é
difícil desaprendê-los. Consequentemente, crianças negras e brancas são tratadas sobre
diferentes perspectivas, exatamente por estarem inseridas em tais padrões. É
impressionante como nem sempre há a devida conscientização sobre como os
estereótipos de gênero e raça implicam na vida das crianças, ao que diz respeito a
gênero, raça e classe.
Sobre isso, apresento os seguintes dados: no Brasil, entre os períodos de 2011 a
2017, houve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra
sumário 1512
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ADICHIE, Chimamanda. Para educar crianças feministas. 1ª ed. - São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.
213
Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/junho/25/2018-024.pdf. Acesso
em 12/07/2018.
214
Disponível em: https://www.geledes.org.br/meninas-negras-sao-vistas-como-menos-inocentes-do-que-
brancas-diz-estudo/. Acesso em 01/5/2019.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
BAKTHIN, Michael. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
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VII Seminário Vozes da Educação
em:<https://www.scribd.com/document/313908659/MATSUDA-Mari-Besides-My-
Sister-Facing-the-Enemy.Acesso em 12/02/2019>.
PACHECO, Ana Cláudia. Branca para casar, mulata para F..., negra para
trabalhar:escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em
Salvador, Bahia.2008.
SANTOS, Gislene. Mulher negra, homem branco. Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
SANTOS, Shirlene dos. Nos traços da mulher: a menina negra na literatura infantil
negro-brasileira. 2016.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Graziele Lira
UFRRJ
liragrazi@gmail.com215
Valter Filé
UFRRJ
valterfile@gmail.com216
1. Laçando a pesquisa
O texto que ora apresentamos é um recorte de uma pesquisa de mestrado
vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e
demandas populares da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - linha de
pesquisa: Educação e Diversidades Étnico-Raciais. Uma composição que tenta pensar
junto ao Laboratório de estudos e aprontos multimídia: relações étnico-raciais na
cultura digital (LEAM)217 as desigualdades produzidas nas relações étnico-raciais, nas
transformações socioculturais produzidas pelas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs), bem como no aparecimento de outras formas de racismo
buscando promover ações para uma educação antirracista na formação dos professores.
A pesquisa acompanhou o processo de criação e desenvolvimento da Síncopa-
TV218, uma Web TV que está sendo desenvolvida pelo LEAM no projeto de pesquisa
Educação das relações étnico-raciais na cultura digital219 (2017-2020). A pesquisa de
Mestrado, que resultou na dissertação A Síncopa-TV por uma educação antirracista:
215
Mestre em Educação pelo PPGEDUC-UFRRJ. Pedagoga pela UFRRJ. Membra do Laboratório de
estudos e aprontos multimídia: relações étnico-raciais na cultura digital (LEAM). Orientadora Pedagógica
do Município de Japeri.
216
Professor da UFRRJ - coordenador do LEAM
217
Linha de pesquisa ao qual essa composição está vinculada. O LEAM é coordenado pelo Profº. Drº.
José Valter Pereira (Valter Filé) no Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ-IM). Suas pesquisas e movimentos podem ser acompanhados no site:
<http://estudoseaprontosmultimidia.info/.>.
218
A Síncopa-TV foi lançada no final de 2016 e se encontra disponível em <http://sincopa-
tv.estudoseaprontosmultimidia.info/>.
219
O projeto propõe um estudo das relações étnico-raciais na cultura digital a fim de compreender as
resistências à implementação da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino sobre História e Cultura
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VII Seminário Vozes da Educação
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o
que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas
coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo
o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. (LARROSA,
2002, p. 21)
2. O projeto
O projeto nó221 propõe um estudo das relações étnico-raciais na cultura digital a
fim de compreender as resistências à implementação da Lei 10.639/03, que torna
obrigatório o ensino sobre História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas,
220
Dissertação orientada pelo Prof. Dr. Valter Filé. Defendida em abril de 2019.
221
Forma como os pesquisadores do LEAM denominam os estudos que nascem ou se articulam a partir
do projeto central desenvolvido pela linha de pesquisa, no caso, o projeto Educação das relações étnico-
raciais na cultura digital.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Para o LEAM a cultura digital - suas mídias e linguagens - podem ajudar a criar
outros processos e espaços-tempo de formação que articulem tanto o campo das
relações étnico-raciais quanto às questões geradas pelas TICs.
3. Os desassossegos
Uma das questões que impulsionam essa pesquisa nasceu no processo seletivo
para o mestrado. Uma pergunta que ressoou nos ouvidos da autora da pesquisa e
provocou enorme desassossego: “E se alguém te perguntasse: por que você, uma pessoa
branca, se interessa por pesquisar as relações étnico-raciais?” Repenso essa pergunta da
seguinte forma: por que uma pessoa não se interessaria por pesquisar as relações étnico-
raciais?
Entre os diversos voos que a autora fez para pensar essa pergunta um deles foi
lembrar desde quando começou a se identificar como “branca”... Pouco antes de entrar
na faculdade ela teve que preencher um formulário que perguntava a sua identificação
racial. Ela passou os olhos nas classificações: Branca; Parda; Negra; Indígena. Até antes
daquele momento ela não se recordou de ter pensado sobre reconhecer seu
pertencimento racial. Ela passou a se reconhecer, também, pelo olhar do Outro…
Passou a se incomodar com essa autoclassificação que tem como base os traços físicos
que carregamos e ao mesmo tempo passou a sentir-se como uma branca não-branca.
Como nos diz Carone (2002, p. 23): “a cor/ raça protege o indivíduo branco do
preconceito e da discriminação raciais na mesma medida em que a visibilidade do negro
o torna um alvo preferencial de descargas de frustrações impostas pela vida social”.
Afinal o que é ser branca no Brasil? Estamos longe de concluirmos um pensamento
sobre isso, mas partimos do princípio que ser branca no Brasil é reconhecer seus
privilégios por ser vista como o padrão da normalidade, do belo, do ético, da
competência, do bom… Mas a autora ainda não havia se dado conta disso durante a
sumário 1518
VII Seminário Vozes da Educação
222
O mito da democracia racial propaga que por ser, o Brasil, um país miscigenado não existe
discriminação racial, dificultando o enfrentamento do racismo ao reproduzir um discurso de minimização
e invisibilização do preconceito e da discriminação racial no cotidiano brasileiro.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Dessa forma, seria um equívoco jogar apenas nas mãos dos educadores a
responsabilidade em garantir uma educação antirracista para as novas gerações, pois
essa é uma questão estruturante na sociedade brasileira. E não nos formamos apenas nas
dependências das escolas guiados pelos professores... Somos formados desde cedo para
a eliminação da representatividade negra, uma verdadeira tentativa de epistemicídio
(Boaventura de Souza Santos, 2004). Como de uma hora para outra faremos diferente
apenas nas salas de aula? Como podemos ampliar essa luta para outros espaços-tempo?
Ou seja, precisamos pensar na política educacional como uma das muitas ações
para equidade na sociedade brasileira. Segundo Gomes,
Lutar pela valorização da história e culturas negras e indígenas dando a ver uma
imagem positiva, crítica e emancipatória desses povos e seus grandes personagens me
faz pensar no espaço de aparência desses sujeitos e do quanto a escola e a mídia se
comportam, muitas vezes, como instrumentos na reprodução do racismo. Segundo
Arendt, “tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem maior
divulgação possível. Para nós a aparência - aquilo que é visto e ouvido pelos outros e
por nós mesmos - constitui a realidade.” (ARENDT, 2007, p. 59). Ou seja, o espaço de
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VII Seminário Vozes da Educação
E mais...
O quadro não pode ser mais significativo: enquanto o ensino discorre pelo
âmbito do livro o professor se sente forte, porém quando aparece o mundo da
imagem o professor perde o chão, seu terreno se move: porque o aluno sabe
muito mais e sobretudo maneja muito melhor as linguagens da imagem que o
professor. E ademais porque a imagem não se deixa ler com a univocidade de
códigos que a escola aplica ao texto escrito. Frente a esse desmoronamento
de sua autoridade ante ao aluno, o professor não sabe reagir senão
desautorizando os saberes que passam pela imagem. (MARTÍN-BARBERO,
2000, p.97)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
223
desenvolver com/no ciberespaço possibilidades de entramar histórias
problematizando os desafios que emergem nessas complexas áreas para a Educação que
refletem a formação dos professores.
Dessa forma, a pesquisa buscou acompanhar o processo de criação e
desenvolvimento de uma Web-TV. Em virtude das múltiplas transformações que as
novas tecnologias propiciam a partir de seus usos Cerqueira (2009) nos afirma que o
conceito de Web-TV não está dado e não pode ser amarrado com palavras
determinadoras, mas pode ser pensado a partir de seu funcionamento generalizado.
Da mesma forma Ribeiro nos adverte que a programação de uma Web-TV pode
ser pensada com foco nos temas discutidos através da linguagem audiovisual “mais do
que um novo meio digital, a Web-TV chega com um viés colaborativo revolucionário
ao descentralizar o foco das discussões do meio para o conteúdo” (RIBEIRO, 2009,
p.10). Essa inversão no uso vai além de uma interação reflexiva do conteúdo. Ela
possibilita a quem sempre foi consumidor se tornar agora produtor de conteúdo. Quais
caminhos se abrem com esse abalo na estrutura do poder midiático?
5.1 A Síncopa-TV
Como já foi dito, a Síncopa-TV é o Canal do LEAM que oportuniza pensar
sobre/com as narrativas e experiências formativas, pedagógicas, sociais e políticas que
constituem os sujeitos. Seu uso pode nos dar pistas para pensar sobre as problemáticas
pesquisadas no projeto nó, a formação de professores para uma educação das relações
étnico-raciais e as desigualdades perpetuadas nos diversos processos formativos.
223
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que surge da
interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da
comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os
seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 1999, p.17).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
7. (In)Conclusões
Esse texto não apresenta resultados finais ou conclusões finais, o que buscamos
oferecer são as questões e movimentos que surgem/encontramos/provocamos e que tem
possibilitado pensar a partir da Síncopa-TV as desigualdades perpetuadas nos diversos
processos formativos, a relação do audiovisual com a perpetuação da discriminação,
mas que pode a partir de outros usos aliar a formação de professores para uma educação
das relações étnico-raciais…
É preciso legitimar e efetivar ações educativas e culturais que promovam uma
educação antirracista no Brasil. Essa luta precisa estar aliada contra o desperdício da
224
O Puxando Conversa aconteceu entre 1990 e 2004 e se materializa com o registro audiovisual da
memória de vida e obra dos compositores de samba do RJ. O projeto foi idealizado por Valter Filé.
225
A TV Maxambomba conduziu na Baixada Fluminense atividades inéditas de TV comunitária, por
meio de vídeos os moradores retratam sua realidade e as exibições ocorrem em praças públicas. Para
maiores informações acesse: <http://www.cecip.org.br/site/tv-maxambomba-2/>. Acesso em 20 jan de
2018.
226
Disponível em https://youtu.be/b_xEE3CDsD0. Acesso 17 de março de 2018.
sumário 1524
VII Seminário Vozes da Educação
experiência, como nos aconselha Boaventura, pois para democratizar a escola é preciso
descolonizar o pensamento, o currículo e as práticas educativas.
Pensar a Síncopa-Tv é questionar as pedagogias que conduzem, formam,
educam a nossa forma de olhar. Como estamos sendo formados ética, estética e
politicamente através das imagens que nos circundam não só nas escolas, mas nas
diversas instituições que nos formam? Como os professores se preparam para trabalhar
nas escolas públicas, onde a maioria dos alunos são negros e pobres? Que olhar ele leva
do outro para dentro de sala de aula?
Referências
ALVES, Nilda. Imagens das escolas: sobre redes de conhecimentos e currículos
escolares. Educar, Curitiba, n. 17, p. 53-62. 2001. Editora da UFPR.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2007.
CARONE, Iray. Breve histórico de uma pesquisa psicossocial sobre a questão racial
brasileira. In: CARONE, Iray & BENTO, Maria A. S. (orgs.). A psicologia social do
racismo: estudos sobre branquitude e braqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2002.
GOMES, Nilma Lino. Um olhar além das fronteiras: educação e relações raciais. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.v. 1. 135p.
______. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira: desafios,
políticas e práticas. ANPAE, 2010. Disponível em:
<http://www.anpae.org.br/iberolusobrasileiro2010/cdrom/94.pdf>. Acesso em 20 fev de
2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
SANTOS, Boaventura de Souza (org). Conhecimento prudente para uma vida decente -
Um Discurso sobre as Ciências revisitado. São Paulo: Cortez, 2004;
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VII Seminário Vozes da Educação
Marcio Ramos
UERJ FFP
marcio.ramos.uerj@gmail.com
Introdução
O escopo desta proposta é discutir e problematizar a atuação pedagógica dos
profissionais da escola pública, no que tange à historicidade cultural de seus educandos.
Em outras palavras, construir uma relação dialógica entre a escola e a compreensão de
vida e perspectiva de comunidade escolar, sobretudo dos estudantes.
Uma grande fatia da sociedade brasileira, principalmente nas periferias urbanas
das grandes cidades, se encontra sucumbida diante do mundo do trabalho e sem
vislumbrar nenhuma melhoria na qualidade de vida. Desta forma, a contextualização do
discurso escolar, principalmente na escola pública, torna-se fundamental na busca de
uma perspectiva pluralista que permitirá o entendimento das desigualdades e diferenças,
base do preconceito e discriminação.
O Aumento da pobreza nas duas últimas décadas do século passado foi um forte
pilar para o incremento das desigualdades sociais. Desta forma, as diferenças, tais
como, a de gênero, raça e cor foram destacadas por questões que perpassam nossa
história, evidenciando a hegemonia colonizadora. Sendo assim, os projetos neoliberais
implantados nos últimos 25 anos do século XX tem forte influência no mundo do
trabalho e na educação brasileira.
A partir dos anos 1970, o Capitalismo entrou em um novo ciclo de crise, abrindo
espaço para uma nova recomposição das relações sociais capitalistas. Assim, o consenso
em torno do “Estado de Bem-Estar Social” (walfare state) foi sendo substituído pela
agenda econômica neoliberal, a qual colocou em ‘xeque’ o regime de acumulação
keynesiano-fordista. O Estado, então, assumia o papel de um agente essencial na
condução do desenvolvimento econômico, fosse através de intervenções reguladoras
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Hoje, nas comunidades populares de São Gonçalo, Estado Rio de Janeiro, pode-
se observar uma grande quantidade de trabalhadores desempregados o que caracteriza
um aumento da pobreza, um afastamento entre culturas e um aumento sobremaneira da
desigualdade, como afirma a expressão, acima, “subproletariado”. Além disso, a
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
[...] além de o direito à escola ter sido afirmado lentamente, pode-se dizer que
também se revelou oscilante. Esse é um dado que de uma ou de outra
maneira ajuda a entender o quão frágil é a nossa escola pública. É que a
garantia jurídica do direito social, cuja afirmação também depende da pressão
do setor da sociedade mais prejudicado, define em que medida o Estado deve
atuar para salvaguardar as finalidades expressas na lei.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
gênero, raça e cor como diferenças. Desta forma, os exemplos reais que aconteciam em
sua comunidade foram colocados.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Claro que posso jogar, cada um joga como sabe, lembra o que o professor
falou! [...] aluno do sétimo ano, ao ser rejeitado no futebol (2019).
Só saio da quadra quando decidirem como vou brincar (aluna do sexto ano,
2019).
[...] regras do futebol mesmo, profissional, nem sempre vale pra gente. A
gente faz as regras conforme a gente precisa! (aluna do sétimo ano, 2019)
A discussão das regras em sala foi feita, em função, não só do esporte, mas
também das diferentes necessidades reivindicatórias que mais se aproximavam da
realidade da comunidade do Salgueiro e suas diferenças socioculturais. Desta forma, a
manipulação da classe dominante não é fortalecida pelo seguimento de regras
excludentes. De forma mais precisa e objetiva, as regras que as classes dominantes
determinam é um estimulo ao racismo e a discriminação que não se adequam as classes
populares.
A imposição do trabalho escravo negro era feita debaixo da chibata, porque as
regras não se condiziam para seres humanos, portanto eram impostas, e mesmo assim as
revoltas dos negros escravizados aumentava, de alguma forma tinham que impor suas
próprias regras (GOMES, 2012).
Isso fica claro nos alunos do CIEP Professor Tulio Rodrigues Perlingeiro,
quando se percebe hábitos e costumes consumistas. Provavelmente, uma tentativa de
negação da exclusão formando uma expropriação da sua cultura. Por outro lado, faz
questão de ressaltar a forma de linguagem da comunidade do Salgueiro, ou seja, adere
parcialmente as regras externas.
O entendimento das diferenças e desigualdades começa a se clarear a cada aula
ou atividade pedagógica que, de alguma forma, envolva os TT. No entanto, a percepção
do valor do conhecimento que vem se adquirindo, não está claro de como e de que
maneira será usado como instrumento de lutas.
Considerações finais
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
AKKARI, Abdeljalil; SANTIAGO, Mylene Cristina. Diferenças na Educação: do
Preconceito ao Reconhecimento. Revista Teias, [S.l.], v. 16, n. 40, p. 28-41, mar.
2015. ISSN 1982-0305. Disponível em: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/24548>. Acesso em: 21 out.
2019.
BOITO JR., Armando. Política neoliberal e sindicalismo no Brasil. São Paulo, Editora
Xamã, 2002
BORON, Atilio A.Socialismo siglo XXI: Hay vida después del neoliberalismo?. 2
ed., Buenos Aires: Luxemburg, 2009.
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lugar de fala. Em “Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão?”, A preocupação
do carnavalesco era facilitar o entendimento de quem está assistindo ao desfile. Para ele,
o público que realiza a leitura o caderno Abre-Alas ou de outros roteiros detalhados das
apresentações não é maioria, todavia os espectadores possuem a liberdade de apenas
“brincar” o carnaval, o que não os impede de posteriormente, caso os interessem,
pesquisar a respeito do que se tratou aquele tema.
Os enredos das escolas de samba não necessitam apresentar uma temática crítica
para se afirmar a posição identitária. Os outros temas que, apesar de não terem essa
perspectiva de forma explícita em seus desfiles, emergem como um lócus de reflexão
para o grande público. A ação de desfilar e relevar as origens negras já aponta como um
ato de resistência. Assim, estas podem ser utilizadas por um amplo público como fontes
de conhecimentos históricos e culturais, visto que constroem representações dos modos
pelos quais seus componentes articulam as memórias, as relações de pertencimento e
suas visões perante a história do Brasil e do mundo.
Referências
CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca: dos bastidores ao
desfile. 3° ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2006.
FARIA, Guilherme José Motta de Souza. As escolas de samba cantam sua negritude
nos anos de 1960: uma página em branco na historiografia sobre o movimento negro no
Brasil. In:ABREU, Martha; XAVIER, Giovana; MONTEIRO, Lívia; BRASIL, Eric.
Cultura Negra vo1 1: festas, carnavais e patrimônios negros. Niterói: Eduff, 2018.
LOPES, Nei. SIMAS, Luiz Antonio. Dicionário da História Social do Samba. 1° ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
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EIXO 4
LINGUAGENS, SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS
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VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1549
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VII Seminário Vozes da Educação
internet, além de permitir que os usuários criem seus próprios canais televisivos. Desde
o seu lançamento, a principal regra do site é o não compartilhamento de vídeos
protegidos por direitos autorais, fato que muitas vezes não é cumprido. O YouTube
tornou possível a qualquer um que usa computador postar na internet um vídeo que
milhões de pessoas podem visualizar em poucos minutos. A grande variedade de
tópicos cobertos pelo YouTube tornou o compartilhamento de vídeo uma das mais
importantes partes da cultura da internet. Com o recurso “Convide seus amigos”,
contribuiu para aumentar o número de usuários, o que vem agregando várias pessoas a
essa prática cultural, principalmente entre os jovens.
O YouTube, desde a sua criação, participou de três revoluções na internet. A
primeira se refere ao fato de transformar as formas de produção de vídeo, o que causou
a popularização do uso das câmeras digitais dos telefones celulares (interface de
software de produção mais fácil). A segunda, pelo surgimento da Web 2.0, que
colaborou para que os “sujeitos praticantes” possam participar e colaborar na produção
de conteúdo online. A terceira, pela Revolução Cultural que permitiu a qualquer pessoa
do mundo criar conteúdos e publicá-los (MARCELINO; SANTOS, 2015).
O YouTube hoje também é considerado uma rede social, já que muitos de seus
usuários, além de assistir a vídeos, possuem uma conta, efetuam login e criam canais.
Nesses canais os “praticantes culturais” comentam, compartilham e criam vídeos com
seus dispositivos móveis e suas webcams. Para Burgess & Green (2009), os vídeos são
o principal elo entre os usuários da rede; para compreender esse fenômeno, é preciso
não ficar restrito a assistir aos conteúdos dos vídeos, mas também criar, compartilhar e
comentar, pois só por esse movimento pode-se entender o funcionamento do YouTube
como conjunto de tecnologias e como rede social.
É isto que esta investigação vem tentando construir com os sujeitos: uma relação
de aproximação dialógica em que cada sujeito inserido em determinado lugar e espaço
pode revelar seu modo de ver o outro e a cultura que os envolve, considerando que a
compreensão que cada pessoa tem de si se constitui por intermédio do olhar e da palavra
do outro (JOBIM e SOUZA, 2007; BAKHTIN, 1999); essa perspectiva de análise
defende que nossa individualidade não teria existência se o outro não a criasse. O
território interno de cada um não é soberano; ser significa ser para o outro, por meio do
outro e para si próprio, porque é pelo olhar e pela palavra do outro que se realiza a
interação com a consciência alheia. Bakhtin recorre ao conceito de exotopia para discutir
que não é possível uma consciência total de si ou de um fenômeno sem recorrer ao olhar
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
do outro, pois é o outro é que pode me ajudar a ver o que sozinho não consigo enxergar.
Não há como fazer pesquisa na área das Ciências Humanas sem essa dimensão do que o
outro vê. Cada um de nós se encontra na fronteira do mundo que vê.
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VII Seminário Vozes da Educação
los. Assim, o virtual passou a ser entendido como espaço de experimentação da própria
realidade, como lugar de transformação e de desestabilizações, com efeito no
comportamento das pessoas (LÈVY, 1999).
Nesse sentido, pesquisar tais experiências no espaço do YouTube vem
contribuindo para a pesquisa em Ciências Humanas, por problematizar questões e
pensar a imagem técnica como “instrumento mediador e revelador das intensas
experiências culturais e subjetivas na atualidade”. Como Jobim e Souza (2007, p. 78)
afirma “as práticas de pesquisa precisam ser condizentes com a experiência do sujeito
contemporâneo de ver e ser visto” graças à mediação desses instrumentos técnicos; para
tanto, os conceitos fundamentais de dialogismo e alteridade de Mikhail Bakhtin
contribuem para pensar as questões éticas e metodológicas relativas à publicação e
autoria no YouTube. Embora Bakhtin tenha dedicado grande parte da sua obra à análise
de textos literários, suas reflexões no campo da criação estética permitem expandir suas
considerações teóricas e metodológicas a enunciados que escapam da forma oral e
escrita. Permitem analisar as imagens técnicas como enunciados que carregam sentidos
e abrem novos formatos éticos e metodológicos e lançam novos desafios
epistemológicos para as pesquisas nas áreas das Ciências Humanas.
Marcelino e Santos (2015) defendem que a criação e a publicação de vídeos
tornaram-se elemento importante da cultura contemporânea; por isso a necessidade da
compreensão de questões relacionadas à reconfiguração dessas tecnologias. Como são
produtos de coletividades, não é possível utilizá-los sem interpretá-los, pois são os usos
que fazemos deles e as táticas dos praticantes (CERTEAU, 2014) que podem modificar
o modo de refletir e agir no mundo.
As questões teórico-metodológicas
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mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre
o meu interlocutor (BAKHTIN, 2010 p. 133).
Para Bakhtin (2010), o que é esperado do homem é o ato responsável e o
entendimento de que nada é absoluto nem um produto acabado. Estamos sempre em
construção. O sujeito situado no seu lugar e no seu tempo é responsivo e responsável
em/pela sua sociedade e seu contexto histórico. Com base nisso, este estudo busca fazer
emergir novos sentidos para uma pesquisa de práticas online, mas ciente de que não é
uma tarefa fácil, uma vez que escutar o outro sem sufocá-lo ou subestimá-lo é um
exercício de pesquisa e de escuta, e para que se estabeleça a possibilidade do diálogo é
necessário também assumir uma posição que é minha, somente minha, em relação ao
outro; isso assume o meu lugar ético na pesquisa em Educação.
Acredito na importância desta investigação, porque como professora
compreendo a importância de pesquisas que deem visibilidade a jovem que leem,
escrevem e dialogam sobre literatura. Reconhecendo que para compreender é preciso
construir junto e estar atento ao que o outro pode me ensinar é que venho buscando
estabelecer esse contato dialógico e exotópico com estes jovens. Com o aceite para
participar desta discussão e a parceria dos jovens da Escola Municipal Paulo Reglus
Neves Freire é que todo o processo investigativo tem se tornado mais fácil e não me
sinto mais um investigador secreto que está ali para descobrir e publicar; eu me vejo
como uma professora pesquisadora que sabe muito pouco sobre a internet, sobre a
cibercultura e que precisa dos jovens que vivenciam essa experiência cotidiana para lhe
mostrar os sentidos que esse artefato cultural proporciona e buscar construir
coletivamente outras formas de ver, ler e interpretar os canais literários.
Esse entendimento de que não sei tudo e de que o outro pode me ajudar a ver o
que sozinho não consigo enxergar é conceituado por Bakhtin como exotopia. Para
Bakhtin (2010), esse termo não é simplesmente um ver-se no outro, como num espelho;
é perceber que somente o outro, do lugar que ocupa e habita, pode me dizer o lugar que
ocupo; estou condenado a não me ver. Bakhtin também defende que há algo a mais
além da exotopia: um elemento que faz parte dela e que não percebemos é a
“inconclusibilidade” humana – a noção de que esse acabamento que o outro pode me
dar é sempre provisório e mutante.
Esse conceito de exotopia é bem explicitado por Bakhtin no livro Estética da
Criação Verbal, quando ele analisa a relação autor-herói na atividade estética. O autor é
mostrado como alguém que sempre sabe mais que o herói e que possui, em relação a
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Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
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JAKOBSON, Roman. A geração que esbanjou seus poetas. Trad. e posfácio Sônia
Regina Martins Gonçalves. São Paulo: CosacNaify, 2006.
MARTÍN BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2015.
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227
“A escola não dá conta. Nas ruas, ônibus, centros culturais, em todo lugar se aprende. Em cada um,
uma história, um modo de ver, de dizer, de aparecer. Neste blog, nossas contribuições para quem
cidadaniza o mundo, respeitando a terra.” Texto de abertura do blog Cidade Educativa RJ
(http://cidadeeducativa.blogspot.com/)
228
Publicada pela Azougue Editorial, com o Auxílio Editoração da FAPERJ, em 2009, sob o título
Claricidade – a cidade segundo Clarice.
229
“Caminho do campo” é tomado aqui como uma noção apreendida com a leitura heideggeriana da
fenomenologia, isto é, como o colocar-se numa via que busca a compreensão da dimensão existencial da
história, retomando a investigação ontológica do ser. Especificamente, neste trabalho, admito ainda uma
interpretação mais literal do termo e compreendo “caminho do campo” como apreensão da presença de
elementos na cidade que não são passíveis de serem classificados como urbanos, mas que tanto nela (na
cidade), quanto no campo, participam de acontecimentos existencialmente significativos, como o vento,
por exemplo. Cf. HEIDEGGER, 1969.
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para o que disciplinariza o saber e o que o separa do meio em que foi produzido. É
preciso cuidar enquanto se conhece, pois pela lógica de exclusão da materialidade do
conhecimento, apaga-se a participação do corpo na aprendizagem, decisiva na
percepção e apreensão do mundo. Nesse sentido, a concepção fenomenológica contribui
para diminuir a distância entre o que se aprende na escola e fora dela. Hoje já é senso
comum referir-se à qualidade da presença, como um modo de ser-no-mundo. A partir
dessa experiência, nos damos conta de como a História se reflete em nossas relações, o
que permite acompanhar e elaborar melhor o vai-e-vem da prática educativa e da
interpretação dos dados.
Uma atitude ética em que a investigação e a compreensão das diferenças
não se separam empenha-se no desenvolvimento de um projeto educativo pelo qual a
aprendizagem acontece como participação qualificada, ou seja, por meio da apropriação
de uma poética, um dizer que necessariamente se descobre como expressão de uma voz,
isto é, de uma ação.
Em que consiste a aprendizagem poética na cidade? Na assimilação da
tensão necessária entre poder e despojamento; e entre conflito e apaziguamento. Pela
aprendizagem poética – sempre realizada pelo posicionamento diante de uma realidade
específica –, promove-se o reencontro autoral, de des-re-apropriação dos lugares-
territórios230 e de afirmação do habitante em relação à sua cidade. Considerando toda
cidade como uma obra de arte ou um projeto de convivência, admitimos que dela
também se depreenda uma poética, isto é, um modo de fazer revelador de realidades
internas e externas ou, simplesmente, de acontecer, de acordo com diferentes modos de
aparecer, os quais podem ser designados como: convergente, pela acolhida de diversas
culturas; fundante, pelas portas que abre para a experiência; comunitária, ainda que em
desequilíbrio, entre as necessidades mundanas e as demandas ambientais; infiltrada de
poesia, pela constante reinvenção e dinamismo da linguagem.
O ProAR baseava-se então, de acordo com o projeto encaminhado para a
FAPERJ, em 2012, na interação de saberes acadêmicos de áreas diversas, artísticos, da
cultura popular e da indústria cultural; na realização de visitas pela cidade; e em debates
teóricos. A proposta era (e ainda é) abrir espaço para a formulação de propostas
230
A partir dos anos 1970, a discussão de território em constante processo de produção do espaço,
envolvendo relações de poder, no cotidiano e em redes, em diferentes tempos, lugares e circuitos, isto é, a
territorialização, desterritorialização e reterritorialização, ganha um caráter interdisciplinar, passando pela
geografia, a ciência política e a epistemologia. Sobre Educação e Território, cf. o site
https://compromissocampinas.org.br/educacao-e-territorio/
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No momento, a produção em nosso blog (cidade educativa rj), como um locus operandi de estudantes,
monitores e pesquisadores, para tessitura e dinamização de uma rede de intercâmbio das experiências e
saberes investigados, em permanente transformação, tem se dado de modo intermitente. Abaixo,
encontram-se listadas as categorias que compõem alguns tags do blog: 1) Leituras da cidade, incluindo
relatos, textos literários e históricos, predominantemente sobre o Rio de Janeiro, mas também de outras
cidades, ruas e bairros de moradia, para além de um olhar turístico da cidade; a visitação com registro e
proposição de circuitos históricos, culturais, paisagísticos e sócio-ambientais; episódios ou detalhes
pitorescos com informações que façam diferença na observação dos roteiros; registro de trabalhos
artísticos de relevância que intensifiquem a visão poética da cidade e a correlacionem a aspectos estéticos
e éticos (intervenções urbanas, mostras ou experiências artísticas urbanas em espaços museais e não
convencionais; 2) Modos de ver, incluindo o levantamento de conceitos teóricos e pontos de vista
estabelecidos à luz de experiências que implementem uma renovação das leituras da cidade, para
redefinição de termos e ampliação de um glossário sempre aberto e em discussão sobre as dimensões
educativas da cidade; 3) Estações da experiência, incluindo o levantamento de instituições e projetos que
atuam no binômio cidade-educação, e de sites e blogs referenciais.
232
https://www.facebook.com/busderhoffnung
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233
Cf. “O direito à cidade’, de David Harvey. New Left, 2008.
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Kevin Lynch cunhou os conceitos de legibilidade e imageabilidade, a fim de aprimorar a percepção
ambiental. Para operacionalizá-los, ele sugere a análise de cinco elementos presentes em todas ascidades:
caminhos (paths), limites (edges), bairros (districts), pontos nodais (nodes) e marcos, tendo em vista sua
estrutura, identidade e significado.
235
Natalia Garcia, do projeto Cidade das pessoas, traduziu e adaptou os 12 critérios para determinar o que
é um bom espaço público estabelecidos por Jan Gehl et alli no livro New City Life. São eles: proteção
contra o tráfego, segurança nos espaços públicos (circulação de pessoas, espaços que tenham vida de dia e
de noite, boa iluminação); proteção contra experiências sensoriais desagradáveis; espaços para caminhar;
espaços de permanência; possibilidade de observar; ter onde sentar; oportunidade de conversar; locais
para se exercitar; escala humana; possibilidade de aproveitar o clima; e boa experiência sensorial.
236
Cf. PASSOS, Eduardo, BARROS, Regina B. A. “Cartografia como método de Pesquisa Intervenção”.
In: PASSOS, E. (Org.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de
subjetividade, 2009.
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237
Cf. “A hora da micropolítica”. Entrevista com Suely Rolnik. Disponível em
https://www.goethe.de/ins/br/pt/kułfok/ruł20790860.html
238
Cf. CARNICEL, A., FERNANDES, R.S., PARK, M. (orgs.). Palavras-chave em educação não-
formal, 2007; GOHN, 2010.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
ABREU, J.G. “Arte pública e lugares de memória”. In: Ciências e Técnicas de
Património. Porto, 2005. Série vol. IV, pp. 215-234.
BENJAMIN, W. Rua de mão única. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho e José Carlos
Martins Barbosa, São Paulo: Brasiliense, 5a ed., 2000.
______. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
CALVINO, I. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi, São Paulo: Companhia das
Letras, 1990.
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VII Seminário Vozes da Educação
DOWBOR, L. O que é Poder Local? São Paulo: Brasiliense, 1995 (Coleção Primeiros
Passos).
HARVEY, D. “O direito à cidade”. Trad. por Jair Pinheiro. Versão cotejada com a
publicada (“The right to the city”), na New Left Review, n. 53, 2008. Disponível em
28/10/19 em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/272071/mod_resource/content/1/david-
harvey%20direito%20a%20cidade%20.pdf
HEIDEGGER, M. Caminho do Campo. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades,
1969.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983.
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Introdução
As concepções atuais da educação apontam para o desenvolvimento do ser
humano como um todo, relacionando seu papel nas transformações pelas quais vêm
passando as sociedades contemporâneas e assumindo um compromisso cada vez maior
com a formação para a cidadania. Portanto, a concepção de educação que dispomos hoje
em dia está intimamente ligada à concepção de sociedade que temos e que pretendemos
ter.
As habilidades da língua portuguesa compreendem utilizar a palavra oralmente:
ouvir e falar; e de utilizar a palavra escrita: ler e escrever. A seguir, trechos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, que comunicam-se com a proposta para a formação
do leitor crítico:
Os PCN’s indicam como objetivos para o ensino fundamental que os alunos
sejam capazes de:
• (...) Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes
situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de
tomar decisivas;
• (...) desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de
confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de
inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na
busca de conhecimento e no exercício da cidadania;
• (...)
• utilizar diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e
corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias,
interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e
privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
• (...)
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ALMEIDA, Amanda do Nascimento dos Santos. Releitura de clássicos na contemporaneidade: um
instrumento necessário em mãos precisas – Formação de leitores em foco, 2016.
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VII Seminário Vozes da Educação
2. O Agente de Leitura
O servidor que está responsável pela sala de leitura, é o responsável não apenas
pela salvaguarda dos livros, mas também pelo seu asseio, bom estado para empréstimo,
organização, disposição nas prateleiras, identificação, empréstimo e orientação de
leitura para os estudantes.
O agente de leitura deve ser um amante de livros, um ávido degustador de
literaturas. Muitas vezes os estudantes são impelidos a retirarem livros porque tem
algum trabalho para fazer, é comum que professores principalmente de língua
portuguesa e literatura demandem resenhas de obras literárias, situação a qual o aluno
que não tem o hábito de frequentar a sala de leitura e nem de ler livros, abomina.
O agente de leitura deve orientar o estudante para o nível de leitura desejado,
principalmente quando for da escolha do aluno o autor, enredo da obra. É preciso olhar
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
para esse estudante e entender qual livro em meio a tantos poderá instiga-lo não só a
investir tempo naquele, quanto o leve a procurar outras leituras e literaturas.
Certa vez um aluno da terceira série do ensino médio me procurou com esse
propósito. Ele escolheu o livro mais fino que viu pela frente, intitulava-se "cabelos
molhados". Então aquele aluno de quase dois metros, jogador de futebol, atleta juvenil,
se interessou pela leitura de "cabelos molhados"? Poderia. Mas não foi o caso. Recusei-
me a registrar o empréstimo do livro, e levei o a outros títulos cujas narrativas
encaixavam se melhor no seu momento de vida e em seus gostos pessoais.
Não raramente os jovens desconhecem o que gostariam de ler, e precisamos
puxar deles essa informação. O aluno terminou por escolher uma trama de Agatha
Christie, não tão mais “paginosa” do que "cabelos molhados", mas desta vez escolheu
de verdade, pelo que o livro poderia lhe oferecer e contribuir para a vida, não apenas
como um "dever de casa", uma tarefa obrigatória.
Esse olhar cuidadoso pode mudar a vida de um estudante, insistir em demasiado
não recomendo mas perguntar por qual motivo escolherá este ou aquele livro, se já
conhece tal autor, ou se interessa por ficção científica, romance, biografia...
Nosso objetivo é que eles leiam. Os livros que mais emprestei foram romances
românticos de Nicolas Sparks, John Green, Nora Roberts, passando pela aventura com
J.K. Rowling, com sua saga atemporal, o Ladrão de Raios, Crônicas de Gelo e Fogo, e
por aí vai. Mas nenhum, nenhum livro foi mais emprestado do que "a sexualidade para
adolescentes - tudo que uma garota precisa saber". Esse título praticamente não parava
na estante, e somava tantos empréstimos que trocávamos a ficha de anotação na capa do
livro. O bom agente de leitura não julga a escolha do seu público e procura entende-la.
Foi então que junto a direção recomendamos palestras sobre gravidez na
adolescência, uso de métodos contraceptivos e saúde da mulher. Teve camisinha na
banana, respondendo dúvidas, a apresentação do preservativo feminino. Muitas vezes
os jovens nos dizem todo o tempo do que precisam, mas nós não conseguimos perceber.
Nessa percepção, é necessário, portanto, criar um ambiente acolhedor que gere interesse
de permanência dos estudantes. Assunto que trataremos no próximo capítulo.
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VII Seminário Vozes da Educação
suficiente para que o estudante consiga alcançar as prateleiras mais baixas ainda com
boa visibilidade. Outra estratégia é mudar a cor de uma ou duas paredes, animando o
ambiente, mas sempre lembrando de mantê-lo suave e propício a leitura.
Se no espaço houver outros móveis, é importante dispô-los pensando na
movimentação dentro da sala de leitura, de modo que os estudantes não esbarrem nos
itens. Veja, tudo na sala de leitura deve ser pensado para que o estudante queira ficar
nele. O que nos leva ao próximo ponto: conforto.
É interessante que a sala de leitura tenha sofás ou cadeiras acolchoadas, pufes e
tapetes inclusive confeccionados pelos alunos, já que também ajudante a produzir o
ambiente, ele se torna consequentemente mais valorizado pela comunidade escolar. O
ambiente aconchegante fica direcionado a quem quiser pegar uma leitura rápida como
revistas e histórias em quadrinhos como também consultas rápidas, que dispensem levar
o livro para casa.
Colocar papel de parede pode parecer complicado, mas de fato não é. Eu mesma
o coloquei em uma parede apenas com auxílio de uma escada. Colocamos tecido com
cola branca, tive o auxílio de uma aluna que se dispôs para ajudar na tarefa.
Eis um ponto interessante, quando os alunos percebem a movimentação de
transformação daquele ambiente, provavelmente vão se envolver e querer participar. É
importante não tolher a ajuda e as ideias dos jovens, deixá-los decidir coisas que não
impactem a estrutura fixa da escola, como cores, locais para pendurar quadros ou
colocar cartazes.
Uma ideia ainda em relação a estrutura da sala, é quando na impossibilidade de
pintar as paredes, pulsar adornos como cartazes, que podem ser desde simples figuras
que remetam a leitura como a frases de incentivo para ao estudo já que a biblioteca
muitas vezes é usada para produzir trabalhos escolares.
Os jovens e adolescentes possuem muita energia que canalizada para os afazeres
estudantis dão muitos frutos. Eles são cheios de ideias e estão sempre antenados ao que
está "na moda", por isso essa participação é tão fundamental e indispensável, pois é
igualmente impensável que um ambiente feito para eles não seja coerente com seu
comportamento e modo de ver o mundo.
Por isso cada sala de leitura vai assumir uma roupagem diferente, pois cada
comunidade escolar possui suas especificidades, e colocará em prática trabalhos e
atividades que melhor lhe encaixarem. Eis algumas formas de caracterizar o ambiente:
• Pintura na parede;
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VII Seminário Vozes da Educação
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Não precisa ter necessariamente uma placa pedindo silêncio aos estudantes. Sim,
não precisa. Há momentos nos quais os alunos cão fazer trabalhos e vão precisar fazer
pesquisas e discutir sobre elas, conversar sobre a confecção de trabalhos e outras
atividades que podem implicar em barulho. Mas existe barulho melhor do que o de
conhecimento sendo exercitado?
Algazarra é proibida. Mas logo os alunos vão perceber que precisam se respeitar
caso queiram continuar a utilizar o espaço, pois, do contrário, o mesmo fixaria inviável.
É preciso que saibam que há medida é momento para todas as atividades e que o
respeito é a régua que decide o momento de mais e o momento de menos.
Som ambiente costuma funcionar e nem precisa ser um aparelho de áudio muito
elaborado. A maioria das escolas tem um radinho FM esquecido em um canto, e quando
não o tiver não é difícil quem o doe.
Deixe o som tranquilo , ameno e suave. Deixe o rádio à mostra, como se tivesse
à disposição. Faça acordos com os frequentadores da sala de leitura, que escolham a
rádio e /ou as músicas durante o seu intervalo. Todo jovem adolescente gosta de música,
muitos a mais do que os que gostam declaradamente de ler.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Conclusões
Ler um texto é um ato crítico histórico-social culturalmente situado, ou seja, é
um ato (um conjunto deles) que envolve e comporta hipóteses e juízos. A literatura por
si mesma assume muitos saberes, e são esses, que pretende-se fazerem dialogar com os
saberes dos participantes dos elementos apresentados como experiências possíveis.
Sem dúvidas a biblioteca escolar é um ambiente potencial de desenvolvimento
do conhecimento e da ação diante do mundo. Formar um cidadão sem acesso a livros é
impossível se considerarmos que a leitura em si mesma é complexa e traz benefícios
que outras mídias não podem agregar.
Pode-se dizer que: o leitor crítico é aquele que vai além do título e da capa de
um livro. Sempre lê a sinopse, porém é uma ou duas palavras que contém nela que
chama-lhe atenção. Ao folhear o livro ele encontra trechos que o fazem pensar naquela
leitura como um desafio que tem que superar. Quase sempre o leitor crítico não se
prende ao nome do autor, é verdade que o título sempre vai dizer algo mais a ele. Seja
num texto verbal ou não verbal, ele sempre se colocará em alerta, não aceitando aquilo
como uma verdade. E mesmo nos textos de ficção, ele sabe que o que está ali é apoiado
no real, no sentido do real. Ele lê nas entrelinhas. Ele sabe que há pistas que o
transportam para além do texto.
Para que tal movimento seja possível, é preciso que continuemos a movimentar
nossas bibliotecas escolares, a mobilizar funcionários, servidores, voluntários, todo
aquele que souber o potencial e importância de uma biblioteca escolar.
Referências
BRASIL. Programas do Livro – PLi. Brasília: Ministério da Educação/FNDE, 2004.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
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Introdução
Eu dei uma atenção maior pro português, do que a matemática, porque eles
não sabiam nem escrever, não sabiam ler... então, eu dei um enfoque maior
pro português, sinto que ficou faltando essa parte da matemática...(Professora
do Reforço Escolar no ano de 2015)
Trabalho muito a leitura para poder dar a matemática, porque se não souber
ler, não vai saber matemática! ... (Professora do Reforço Escolar no ano de
2015)
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VII Seminário Vozes da Educação
[...] mesmo no tempo em que dizia que as pessoas iam à escola para aprender
a ‘ler, escrever e contar’, o ensino de Matemática e o da Língua Materna
nunca se articularam para uma ação conjunta, nunca explicitaram senão
relações triviais de interdependência. É como se as duas disciplinas, apesar
de longa convivência sob o mesmo teto – a escola – permanecessem
estranhas uma à outra, cada uma tentando realizar sua tarefa isoladamente ou
restringindo ao mínimo as possibilidades de interações intencionais
(MACHADO, 1998, p. 15).
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VII Seminário Vozes da Educação
nossa visão acerca de algo está radicada nas nossas percepções, no que
sentimos do mundo, no que sentem do mundo as pessoas com as quais
convivemos, de como elaboramos essas percepções e as tornamos
operacionalizáveis para continuarmos vivendo e convivendo (vivendo com
outros). Isso é próprio do que poderíamos chamar de ‘processo de formação’,
ainda que tal processo não tenha um objetivo claro e definido previamente,
pois também seus objetivos vão se alterando durante o processo, mantendo
algumas características e revertendo outras que até então julgávamos
estabelecidas (GARNICA, 2008, p. 499).
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Cabe ressaltar, que a Rede Municipal de Niterói, através das equipes que
integram a Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia (SMECT/FME),
tem buscado instituir ações e estratégias pedagógicas cuja pretensa proposta é promover
“melhorias” em relação ao ensino da matemática para os anos iniciais do ensino
fundamental. Além do Projeto de Reforço Escolar, iniciado no ano de 2015 (e ainda
vigente), no início do ano letivo de 2017, a equipe que integra a Diretoria de 1º e 2º
Ciclos de ensino elaborou o Projeto Matemática em Ação, o qual consistia no
oferecimento de vagas para estagiários, graduandos em Matemática, estarem atuando
em regime de colaboração/parceria com os professores regentes do 5º ano de
escolaridade, no que se refere ao ensino da matemática para os alunos.
Além da integração formativa entre Universidade e Escola Básica, a proposta
para o desenvolvimento do trabalho previa uma construção coletiva de estratégias de
ensino/aprendizagem privilegiando o diálogo entre atividades que utilizassem materiais
manipuláveis, lúdicos, jogos..., e a sistematização do conhecimento matemático
conforme abordado nas avaliações em larga escala, e pelas quais o desempenho dos
estudantes do 5º ano do ensino fundamental seria mensurado/aferido.
Nesta proposta de trabalho, buscava-se potencializar as práticas de ensino,
através da inclusão e co-participação democrática dos sujeitos envolvidos na ação
pedagógica, desmitificando assim, a crença de que o conhecimento matemático é
destinado apenas a mentes privilegiadas, e por isso de difícil familiarização. Por outro
lado, ainda que de modo contraditório, buscava-se concomitantemente melhorar o
desempenho dos alunos na resolução de questões baseadas na Teoria de Resposta ao
Item (TRI), propostas em avaliações internas e externas da Rede Municipal de
Educação de Niterói.
O Projeto Matemática em Ação teve início no ano de 2017 e contou inicialmente
com a contratação de 10 estagiários, os quais atuaram nas unidades escolares, sendo
remunerados com uma bolsa-auxílio para desenvolverem atividades junto aos
professores regentes de 5º ano de escolaridade. Cada estagiário poderia atuar em até 4
turmas, sendo uma turma em cada dia da semana. Nas quartas-feiras, não havia
acompanhamento aos alunos, pois ficava reservado ao planejamento junto aos demais
professores da escola. Devido ao pequeno número de estagiários frente as 47 unidades
escolares que atendem ao 2º Ciclo de ensino, apenas algumas escolas tiveram a
oportunidade de participar das ações propostas pelo Projeto Matemática em Ação,
embora esta fosse uma iniciativa desejada por gestores(as) e pedagogos(as) das escolas.
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Algumas considerações
Considerando os últimos cinco anos, temos assistido uma efervescência de
prescrições acerca do trabalho pedagógico a ser desenvolvido pelos professores dos
anos iniciais, ante ao desafio de favorecer o “melhor desempenho dos/as alunos/as”,
sobretudo nas avaliações em larga escala, proposta pelas atuais ações da Política Pública
em vigor. Dentro desses sentidos, a promoção de uma educação matemática “mais
eficiente/eficaz” tem sido focada e requisitada, buscando uma (re)significação do
trabalho docente para os profissionais que atuam nesse segmento de ensino. Cabe
lembrar que, embora estes profissionais tenham que ensinar matemática, mesmo não
possuindo formação específica para fazê-lo, cada vez mais lhe são exigidas habilitações
para ensinar componentes curriculares não abordados durante sua formação
exclusivamente em Pedagogia. Tal condição, contribui para a formação de uma ideia na
qual a formação do professor nunca é suficiente para ensinar matemática aos alunos.
Destaca-se neste caso, a inserção dos componentes Álgebra, Probabilidades e
Estatística, previstos na BNCC para ensino da matemática durante os cinco primeiros
anos de escolaridade, os quais comumente não são abordados nos cursos de formação
pedagógica. A partir desses impasses, que se apresentam na confluência entre
investigações sobre Formação de Professores, Currículo e Avaliação, surgiram as
questões descritas neste trabalho, as quais sugerem ampliar o campo de pesquisa
vinculado à Educação Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. De fato
compreende-se que, enquanto estas questões continuarem invisibilizadas e silenciadas,
continuar-se-á buscando soluções superficiais e locais para problemas estruturais, e de
ausência de articulação efetiva entre os Ciclos de Aprendizagens. Nesse sentido,
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observa-se, cada vez mais frequente, o esforço das Redes de ensino para “remediar” e
atender as prescrições da Política Pública para a Educação, sendo a implementação de
Projetos paralelos ao trabalho desenvolvido pelos docentes em sala de aula uma, entre
outras, saídas pensadas para sanar tais situações.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação
- PNE e dá outras providências. Brasília, 2014. Disponível em: <www.planalto.gov.br>.
Acesso em: 20 mai. 2018.
______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei nº
12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional para dispor sobre a formação dos
profissionais da educação e dar outras providências.Brasília, 4 de abril de 2013.
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1. Introdução
As políticas educacionais têm implementado ações que visem acolher no âmbito
escolar as experiências culturais dos alunos. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
destacam a necessidade do levantamento e valorização das formas de produção cultural
mediadas pela tradição oral. Segundo os PCN’s (1997, p.156), a valorização dessas
vozes no cotidiano da escola implica pesquisas de cunho literário e também junto à
comunidade, por meio de depoimentos que muitas vezes não têm registros nas escritas
de nossas histórias.
Desenvolvido na área de abrangência do Instituto Federal Fluminense campus
Macaé, o presente trabalho é um projeto integrador, reunindo ações de ensino, extensão
e pesquisa abrangendo:
• O resgate dos textos de Tradição Oral;
• A contação de histórias;
• O fanzine – como suporte pedagógico.
1.1 O resgate
Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais já tratavam do tema Pluralidade
Cultural, destacando a necessidade do levantamento e valorização das formas de
produção cultural mediadas pela tradição oral. Segundo os PCN’s (1997) a linguagem
oral pressupõe a investigação das histórias orais em diferentes épocas e contextos, como
transmissoras de uma determinada cultura, tendo em vista preservar e reinventar
valores, normas e costumes no interior daquele grupo social. Daí a sua relevância para a
configuração de nossa memória e identidade. Entretanto, é certo que a memória de um
povo, muitas vezes, acaba desvinculada do currículo formal ou, quando nele está, não é
levada em consideração nas sequências didáticas que, efetivamente, chegam à sala de
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aula. Isto fica claro quando o Mec afirma que “frequentemente esse processo complexo
presente na vida brasileira é ignorado e/ou descaracterizado. Na escola, onde a
diversidade está presente diretamente naqueles que constituem a comunidade, essa
presença tem sido ignorada, silenciada ou minimizada”. Ainda, segundo o Mec (1997),
a valorização dessas vozes no cotidiano da escola implica pesquisas de cunho literário e
também junto à comunidade, por meio de depoimentos que muitas vezes não têm
registros nas escritas de nossas histórias. Tratar da tradição oral de diferentes grupos
étnicos e culturais terá, assim, tanto um sentido de exploração de linguagem quanto de
conhecimento de elementos ligados a diferentes tradições culturais. Dessa forma,
literatura, arte e tradição fundem-se valorizando a cultura no cenário educacional.
Antigamente as tradições eram transmitidas apenas oralmente. Para Zumthor
(1985) a voz é mais que a palavra. Sua função vai além de transmitir a língua e mesmo a
cultura – racional e tecnológica – está impregnada de tradições orais e sem elas
dificilmente subsistiria. Com o avanço da tecnologia e a migração, esta forma de
comunicação começou a ficar ameaçada. Mesmo com toda riqueza da cultura popular,
há uma disparidade entre o currículo formal e o ensino da transmissão oral de tradições.
Esse projeto nasceu do desejo de se trabalhar não só a Literatura prevista no currículo,
mas incluir neste a Literatura Oral Brasileira.
O IFFluminense campus Macaé reúne alunos oriundos não só deste município,
mas de diferentes lugares. Nesse contexto, o projeto possibilita a troca entre culturas de
diversas partes do país, oportunizando-se discussões a respeito da diversidade cultural.
Ao aluno recém-chegado é oferecida a possibilidade de conhecer o lugar em que vive,
as culturas produzidas, além de mostrar um pouco de suas raízes, contando as histórias
da cidade de onde veio. Um grande desafio no conhecimento e respeito à diferença
cultural e heterogeneidade de experiências no âmbito escolar. Ao propor aos alunos que
realizem pesquisas relacionadas à literatura oral nas comunidades, estudem a melhor
maneira de fazer a transposição do oral para o escrito e retornem o resultado à
comunidade, proporciona-se a interação entre tradição e ensino acadêmico. Para
desenvolver as atividades os alunos recorrem a conteúdos relacionados a várias
disciplinas. Ao articular diferentes áreas do conhecimento humano, proporciona-se a
integração do que se estuda com o cotidiano buscando valorizar a tradição da oralidade
como patrimônio imaterial e cultural.
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1.3 A fanzinagem
A origem do termo fanzine encontra-se na contração das palavras inglesas
“fanatic” e “magazine”, ou seja, revista do fã. Assim Henrique Magalhães o define
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O uso de fanzines como uma ferramenta pedagógica na escola tem sido tema de
estudos e pesquisas. Professores e pesquisadores favoráveis à utilização dessas revistas
artesanais como recurso destacam vários pontos positivos, entre eles: abordam a
criatividade, a expressividade, a autoralidade e o trabalho em equipe; podem fomentar o
pensamento divergente e a convivência com pontos de vista diferentes; pode-se
trabalhar qualquer componente curricular de forma reflexiva, consciente e criativa;
podem servir como instrumento eficaz de avaliação. Apesar de inovador, o fanzine
ainda tem sido pouco utilizado enquanto ferramenta pedagógica.
Como destacou Andraus, além dos alunos, o fanzine também proporciona aos
professores a percepção de que eles também são autores em potencial. A construção do
conhecimento se faz no contexto da relação pedagógica entre aluno e professor, sendo
necessário diálogo entre os mesmos e que o professor tenha autonomia e capacidade de
autoria.
A construção do conhecimento se faz na relação, no encontro e, portanto,
além do conhecimento intelectual, crítico, exige também afetividade, diálogo
e escuta sensível. Estas exigências requerem do(a) professor(a) atitudes que
tendem sempre mais para a autenticidade, a criatividade, autoralidade e
autonomia, afinal, apesar de preparar-se antecipadamente para suas aulas,
elas acontecerão de fato, na atualidade de cada novo encontro com aquele
grupo de alunos(as), que, a cada dia, traz desafios novos. Se o(a) professor(a)
não tiver autonomia e capacidade de autoria não irá conseguir responder de
forma positiva a estas exigências. (ANDRAUS e NETO, 2010, P. 30)
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Apesar disso, são escassos trabalhos que apontem reflexões sobre o uso do
fanzine efetivamente empregado por professores no processo ensino-aprendizagem
relacionado ao afeto e a subjetividades em suas produções. Como desdobramento dessa
ação, aponta-se, na etapa posterior ao presente trabalho, uma análise do impacto de uma
fanzinoteca no ambiente escolar.
2. Objetivos:
Além de resgatar a Literatura de Tradição Oral na área de abrangência do
IFFluminense campus Macaé utilizando o fanzine como ferramenta pedagógica
inovadora, o projeto tem os seguintes objetivos:
• Valorizar a cultura no cenário educacional;
• Contribuir na interação entre tradição e ensino acadêmico;
• Coletar as histórias contadas há várias gerações nos municípios da área de
abrangência do IFFluminense campus Macaé;
• Socializar as histórias pesquisadas com a comunidade através de círculos de
leituras, rodas de contação de histórias e/ou outras formas de apresentação;
• Realizar oficinas e minicursos sobre Literatura Oral e contação de histórias;
• Contribuir com a formação inicial e continuada de professores da Educação
Básica;
• Analisar as contribuições do uso de fanzines em diversas disciplinas e etapas
de ensino;
• Aplicar o conceito “faça você mesmo”, propondo atividades em que alunos e
professores articulem texto e imagem utilizando técnicas de ilustração em
suas produções;
• Analisar a relação entre o fanzine e o processo formativo do aluno e do
professor enquanto autores, buscando entender como os mesmos se
constituem e se reconhecem como sujeitos quando experienciam a função de
autoria através da produção de fanzines.
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4. Resultados e discussão:
Em cada ciclo do projeto, após várias reuniões com a presença de
coordenadores, bolsistas e voluntários dos projetos “Em cada canto, um conto”, “Em
cada conto, um encanto!” e “IFFanzine”, a seleção de histórias coletadas através de
pesquisas escritas e entrevistas orais é publicada no zine Traços de Memória. O
lançamento de cada edição da revista tem sido um momento especial, marcado por
muita emoção. Realizados no auditório do IF Fluminense campus Macaé conta com a
participação da comunidade externa, das equipes dos projetos parceiros e de alunos e
servidores. Nesse evento, além da socialização do referido zine, há visitas de contadores
de histórias e a participação de servidores aposentados e membros da comunidade
pesquisada, com apresentação de relatos de memória. A revista já está em sua terceira
edição, divulgando as histórias coletadas, de forma original e criativa, em todo o país.
Importante destacar, também, a colaboração de servidores do IFF campus
Macaé, em especial dos setores de comunicação e audiovisual, auxiliando a equipe com
os equipamentos utilizados durante todo projeto e as gravações produzidas.
O público envolvido durante o processo contou com a participação de
servidores, alunos do curso Médio Integrado e do Proeja, familiares desses alunos e
outras pessoas das comunidades onde residem, alunos e professores de escolas
municipais e estaduais. Considerando as atividades internas e externas, o projeto já
atingiu cerca de 500 pessoas.
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5. Considerações e perspectivas:
Dentre várias ações do projeto, continuarão sendo desenvolvidas atividades de
ensino relacionadas ao resgate da Literatura Oral e de relatos de memória e ao uso do
fanzine no meio educacional, assim como as oficinas e minicursos destinados aos
alunos do curso de Formação de Professores e professores da Educação Básica.
O trabalho com os conteúdos ligados à literatura de forma prazerosa, vinculando
a memória do povo a propostas curriculares e didáticas, tem despertado interesse na
comunidade acadêmica. A prática efetiva da indissociabilidade ensino-pesquisa-
extensão constitui-se em instrumento primordial no que diz respeito tanto à formação
continuada dos professores quanto à formação acadêmica de todos os alunos
envolvidos. A equipe dará continuidade à pesquisa sobre Literatura e Tradição Oral e o
uso de fanzines como ferramenta pedagógica, divulgando os resultados através de
publicações de artigos, edições de revistas e participações em eventos.
Referências
ANDRAUS, G. Minhas experiências no ensino com os criativos fanzines de histórias
em quadrinhos e outros temas. In: SANTOS NETO, E. dos; SILVA, M. R. P. da (Org.).
Histórias em quadrinhos e práticas educativas. Volume I: o trabalho com
universos ficcionais e fanzines. 1 a ed. São Paulo: Criativo, 2013.
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SISTO, C. Textos & pretextos sobre a arte de contar histórias. 3. ed. rev. e ampl. –
Belo Horizonte: Aletria, 2012.
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Mestrado Acadêmico Processos Formativos e Desigualdades Sociais Formação de Professores,
História, Memória e Práticas Educativas
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Paulo Freire nos leva a perceber que a escola, antes de ser feita de tijolos e
paredes, é um lugar de gente. E por isso precisa de vida, interação, discussão e troca, e
que o ato de educar não pode ser mecânico, antes precisa ser um processo criativo e
prazeroso. Freire diz que “a curiosidade do(a) professor(a) e dos alunos, em ação, se
encontra na base do ensinar-aprender” (2016, p.113).
Outra questão que precisamos ressaltar é que a escola costuma priorizar a
linguagem escrita, e quando fala sobre a oralidade é muitas vezes para ensinar às
crianças que a gente escreve o que se diz. Mas nem sempre é assim, a linguagem oral
tem características impossíveis de serem transcritas, mesmo com todo o aparato das
modernas tecnologias. O olhar, as expressões, os tons da fala necessitam da presença
para serem compreendidos.
A narrativa sobre esta experiência pretende demonstrar o quanto é possível
transformar os momentos vividos em sala de aula em momentos significativos para
todos nós. Basta que estejamos abertos a ver, ouvir, sentir o que se passa no cotidiano
de nosso dia a dia.
Percebo, então, que posso ser uma professora pesquisadora da minha prática,
buscando a reflexão nos processos vividos para dar continuidade à minha trajetória,
considerando que as crianças são agentes diretos de minha formação.
Desta forma podemos atualizar aquilo que aprendemos na teoria, todos os dias,
na relação com as crianças em sala de aula e com as colegas com quem convivemos na
escola.
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VII Seminário Vozes da Educação
Essa semente foi sendo cultivada num trabalho social realizado por anos através
de um Grupo Espírita que atende crianças em situação de vulnerabilidade social,
momentos em que pude exercer a prática docente de forma um tanto improvisada e que
me motivou a estudar pedagogia, a princípio só para me dedicar melhor a esta tarefa.
Mas, ao longo curso foi despertando em mim uma euforia que pode ser comparada a de
uma adolescente descobrindo sua vocação.
Foi assim que no ano seguinte ao término do curso a partir de uma experiência
bem sucedida em um concurso, me encontrava diante de uma turma de segundo ano do
fundamental de uma escola pública da cidade de Maricá, cidade onde moro.
Embora muito envolvida com a sala de aula, não parei mais de estudar,
acreditando ser este o caminho do diálogo com meus pares que me possibilitaria ter
êxito na tão esperada tarefa que assumira.
Cursei a pós-graduação em Alfabetização das Crianças de Classes Populares na
UFF, com o GRUPALFA, coordenado na época por Regina Leite Garcia. E depois o
mestrado em Processos Formativos e Desigualdades Sociais, na Faculdade de Formação
de Professores da Uerj, com a orientação da professora Mairce Araújo.
O exercício autorreflexivo de rememoração a partir da escrita, confirmando que
“escrever sobre si permite rever e resignificar experiências vividas”, foi me
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A defesa que fazemos da escrita docente representa tanto uma luta contra o
esquecimento quanto uma defesa pelo direito à palavra e ao dizer, aspectos
que merecem atenção nestes tempos modernos. Benjamin mais uma vez nos
alerta sobre a necessidade de desenvolvermos sobre as experiências vividas
uma atenção sensível, já que elas se perdem quando as histórias não são
mais conservadas. (1985: 205). Portanto, é preciso (e possível) assumir a
narrativa como um direito ético e estético, como uma forma de olhar a
contrapelo o que se vive e se viveu. E uma das formas de conservar o vivido
é escrevendo. (p. 216)
Atenção, gravando!
A narrativa de um dos episódios dos diversos vídeos gravados por nós em sala
de aula, e tem como objetivo de, humildemente, oferecer algumas possibilidades de
enfrentamento dos momentos em que ficamos sem saber o que fazer para nos aproximar
de nossos alunos para sensibiliza-los sobre a importância da construção de
conhecimento na escola.
Acredito que nós professoras precisamos nos encorajar umas as outras, porque
nem sempre é fácil avançar neste lugar que ocupamos, por isso, embora impotentes em
muitos momentos, temos nossos momentos de vitória que precisam ser trocados.
Precisamos fazer ouvir a nossa voz também na academia, foi o que aprendi com Regina
Leite Garcia:
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Sendo assim, vamos para a narrativa. O vídeo Cabelo Crespo começou com
uma criança chorando:
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youtubers, relatando como cuidam e gostam de seus cabelos crespos, ensinando a fazer
lindos penteados, falando sobre os produtos que valorizam os cachos e como lidar com
isso de forma natural. O tempo foi passando e nossas atividades em aula giravam
sempre em torno deste tema, elaboramos textos, fizemos um dia da beleza, enfim,
conversamos bastante sobre as diversas opiniões e as crianças puderam colocar
livremente seus preconceitos, sendo ouvidas e convidadas a refletir sobre isso.
E logo iniciamos o processo de elaboração do vídeo. Já tínhamos bastante
conhecimento sobre o tema e começamos um roteiro. Teríamos o depoimento da
Estéfany, entrevistas com professores negros, e dicas de cuidados com o cabelo crespo.
Raquel foi a entrevistadora de um dos grupos, com sua folha na mão se
preocupava em seguir o roteiro que elaboraram juntos.
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Era muito bom perceber o quanto esses pequenos vídeos realizados com o
celular da professora, estavam possibilitando as crianças a explorar novas possibilidades
na escola, onde elas vão se colocando como protagonistas de suas próprias histórias,
descobrindo sentido na troca de experiências e no debate de ideias.
Como foi o caso da discussão do racismo, que não estava planejada, mas surgiu
no cotidiano da sala de aula. E não podia ser desprezado, como tantas vezes fazemos
por não ser o “assunto da aula”.
O efeito era muito mais surpreendente do que podia imaginar no início. A
possibilidade de discutir a temática do racismo encorajou diversas outras crianças, que
não se reconheciam negras, a se colocarem e a perceberem o que tinham em comum
com Estefany. Quase todas as meninas chegavam à escola com seus penteados cheios
de trancinhas e birotes. Isso foi demais!
Sem falar da própria Estefany, que a partir do enfrentamento da situação chegou
um dia à escola com seu cabelo solto, bem penteado, com uma linda tiara, sem ter
vergonha e sem sofrer assédio dos colegas, que acharam bacana a novidade. Ela ganhou
o respeito de todos e virou referência para seus colegas.
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Ela estava na verdade plagiando uma das afirmações ouvidas na internet de uma
youtuber, mas não importava, o importante foi o importante passo dado na direção da
construção de sua identidade.
Pude perceber que tratar destas questões na sala de aula foi muito importante
para que as crianças pudessem refletir sobre a sociedade em que vivemos, onde ser
branco é sinônimo de privilégios e de valorização, especialmente, considerando que
cerca de 80% das crianças de nossa sala são afrodescendentes, mas com grande
dificuldade de se reconhecerem como negras.
Acredito que seja na verdade por pura defesa, em busca de escapar do
preconceito cruel, que de forma bem velada muitas vezes, ainda tenta colocá-los em
uma situação de subalternidade, herança de um longo período de escravidão a nossos
descendentes foram submetidos. Longe de ser uma situação isolada, a nossa sala de aula
serviu de palco para uma situação social grave em nosso país. E como todo problema
social, é responsabilidade de todos,
As entrevistas se consolidaram como uma continuidade de nossas rodas de
conversa, oportunidades de novos diálogos, de novas experiências. As muitas palavras
vão se tornando uma voz coletiva, vai se constituindo como diálogo. Como nos diz
Barbero (2014) dialogar é arriscar uma palavra ao encontro não de uma ressonância, de
um eco de si mesma, mas sim de outras palavras, da resposta de um outro. (p.33).
Através das entrevistas tudo o que já tinha sido dito em sala, os vídeos que assistimos,
os textos que lemos faz muito mais sentido, ganha um aspecto mais humano, mais real.
Barbero (2014) nos fala sobre a importância do diálogo por consolidarem nossas
identidades:
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de vida dos sujeitos presentes, num cruzamento que constrói e reconstrói os sujeitos
diariamente.
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Raquel, 8 anos
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de diálogo, afinal ele nos ensinou que ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar
possibilidades para a sua própria produção ou construção.
Privar as crianças das escolas públicas destas tecnologias é privá-las do próprio
acesso à cidadania e ao mundo do trabalho, dois eixos que fundamentam a própria
escola.
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Referências
ARAÚJO, Mairce da Silva. A formação da professora alfabetizadora: reflexões sobre
a prática/Regina Leite Garcia (Organizadora). São Paulo: Cortez, 2001.
______. Novos olhares sobre a alfabetização. Regina Leite Garcia (org.). São Paulo:
Cortez. 2001.
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______. Ação cultural para a liberdade. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
______. FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. São Paulo: Paz e
Terra, 2011.
FRIGOTTO, Gaudência. (org). Escola “sem partido”: esfinge que ameaça a educação
e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017.
ZACCUR, E. Alfabetização dos alunos das classes sociais: ainda um desafio. Regina
Leite Garcia (org.) São Paulo: Cortez, 2012.
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Aline Bernar
UFF/ CAPES
alinebernar@yahoo.com.br
Pode constituir para alguns leitores um grande escândalo ler a obra O ódio à
Democracia, de Jacques Rancière (2014). Um escândalo que o próprio Rancière explica
pela insociabilidade natural e original dos homens. Segundo ele, as razões que levaram
os homens a fundar governos teriam vindo depois da chamada “democracia” – que
rompe com a lógica de que os que têm títulos exercem autoridade sobre aqueles que não
têm.
Consoante a esse raciocínio, a chamada “democracia” não é uma forma de
sociedade porque além de ser fantasiosa a expressão “sociedade democrática”, da
mesma maneira, as sociedades sempre foram organizadas pelos jogos das oligarquias –
exercidos por uma minoria sobre uma maioria.
O que conhecemos como “democracia” também não constitui uma forma de
governo, sendo esta afirmação mais esclarecida pela distinção entre “democracia direta”
e “democracia representativa” ou ainda “realidade” e “utopia”, respectivamente.
A “democracia direta” era adequada para as cidades gregas antigas porque
apenas uma minoria representava os homens livres. As mulheres e escravos não
estavam aptos a escolherem seus representantes e, dessa forma, essa função estava
diretamente nas mãos de poucos. A eleição direta, segundo Benjamin Constant,
constitui, como assinala Rancière (2014), o único e verdadeiro governo representativo.
Contudo, quando se fala em “democracia representativa”, não se considera que a
representação tenha vindo sanar as dificuldades talvez enfrentadas pela “democracia
direta” no que tange ao crescimento populacional daqueles sujeitos aptos a eleger um
representante. Desde a sua história, todo e qualquer tipo de representação foi a
representação de estados, ordens ou instituições, quer pelo título que é conferido a
poucos, quer por um poder soberano que lhes consulta.
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oposta: São sujeitos que representam uma maioria, mas uma maioria tida como
incompetente e subalternizada por uma minoria que se julga ou é tida como superior e
competente sobre os demais.
Sendo mulheres idosas, esses sujeitos, hoje, enfrentaram durante anos, o
machismo de seus pais e maridos (muitos hoje já falecidos) e sendo pobres e negras, só
hoje encontram espaço em um projeto mantido pela prefeitura para realizarem o sonho
de toda uma vida: a aquisição da leitura e da escrita.
Ao a refletir sobre a subalternização, silenciamento ou ocultação do Outro, uma
importante contribuição surge com o texto “Ciencias Sociales, violência epistemica y el
problema de la invención del otro” em que Santiago Castro- Gómez fala da “invenção
do outro”. O autor explica que ao falar em invenção, não está apenas fazendo referência
ao modo como um certo grupo de pessoas se apresentam mentalmente a outras, mas sim
nos dispositivos de poder a partir dos quais essas representações são constituídas.
Santiago Castro-Gómez (2005) traz para a discussão a pesquisa de Beatriz
Gonzáles Stephan que identificou três práticas disciplinares que contribuíram para forjar
a cidadania dos latinos americanos do século XIX, a saber: as constituições, os manuais
de urbanidade e as gramáticas da língua. E ainda coloca: “Beatriz Gonzáles constata que
estas tecnologías de subjetivación poseen un denominador común: su legitimidad
descansa em la escritura” (CASTRO-GÓMEZ, 2005).
Este último fator apontado por Beatriz Gonzáles pode contribuir em muito para
elucidar a reflexão proposta neste presente texto, pois Santiago Castro-Gómez explica
que escrever era um exercício que, no século XIX, respondia à necessidade de ordenar e
instaurar a lógica da civilização. A palavra escrita escrevia leis e identidades e
organizava a compreensão do mundo em termos de inclusão e exclusão.
Se o projeto de fundação de uma nação se faz, como lembra Santiago Castro-
Gómez (2005), mediante a implementação de instituições legitimadas pela letra, como
escolas, hospícios ou prisões e de discursos hegemônicos, como mapas, gramáticas,
constituições, manuais ou tratados de higiene, esta fundação se faz pela regulamentação
da conduta dos sujeitos. São demarcações que estabelecem ou reafirmam a fronteira
entre uns e outros e, como salienta ainda o autor, “transmitem a certeza de existir o
dentro e o fora dos limites definidos por essa legitimidade escrituraria”.
Santiago Castro-Gómez e Beatriz Gonzáles Stephan (2005) ajudam a ver que
essas mulheres, sujeitos ativos que são na realização da referida pesquisa, não
realizaram apenas o sonho de terem seu processo de alfabetização iniciado, pois
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considerar o movimento feito por esses sujeitos apenas como a realização de um mero
sonho seria torná-lo ainda menor, provavelmente.
Essa busca pela escola na “terceira idade” não se trata apenas de realização de
um sonho, pois é bem maior que isso. Essas mulheres, hoje na faixa etária dos setenta
ou oitenta anos de idade, trazem em si as marcas não só da subalternização de uma
mulher, empregada doméstica, negra, pobre e analfabeta, mas ainda permanecem nelas
a negação de uma cidadania ambientada e normatizada também e principalmente pela
ausência da escrita. Sem a escrita, sem saber escrever, elas não poderiam sentir-se
cidadãs autorizadas a intervir e atuar socialmente.
Com isso, a importância de se tentar entender a dimensão do saber escrever para
aqueles que não o fazem na infância, quando ainda não são capazes de antever essas
questões. Essas mulheres buscaram a escrita durante toda a vida, sentiram vontade de
conhecer as primeiras letras na infância e viram-se impossibilitadas por inúmeras
circunstâncias políticas e sociais. Umas eram proibidas pelos pais de frequentarem a
escola, outras na vida adulta pelos maridos, outras ainda porque todos diziam que escola
não era lugar para elas.
Não satisfeitas, outras tentativas ainda vieram, mas sem êxito por conta de tantas
objeções. Mas mesmo depois de idosas, ainda que conseguissem gerir suas vidas com
ou sem ajuda de terceiros, sentiam a necessidade de integrar-se à vida social e política
de sua comunidade e a chave para adentrar esse mundo não poderia ser outra:
precisavam saber escrever, precisavam inscrever-se socialmente, precisavam da
escritura e da leitura.
Assim como a chamada “democracia representativa”, aos olhos de Jacques
Rancière (2014), a escrita pode também ocupar esse lugar paradoxal diante daquilo que
oferece, parece oferecer ou rejeitar.
Assim, Freire (1989) e Spivak (2010) revelam, com a questão da subalternidade
e da leitura de mundo, respectivamente, as duas faces da escritura vistas em Foucault e
politicamente relacionada em Castro-Gómez (2005). A primeira questão, a
subalternidade, é sempre favorecida quando a justificativa é a ausência de conhecimento
sobre o uso das letras. A segunda questão, a leitura de mundo, traz para a discussão não
apenas a leitura que essas mulheres fazem do mundo, pois é, principalmente, ao
olharem para si mesmas e para suas condições subalternas que puderam, finalmente,
construir uma perspectiva de ruptura.
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VII Seminário Vozes da Educação
Não é tarefa fácil romper com a subalternidade e é exatamente isso que essas
mulheres mostram ao encarar um processo de alfabetização na terceira idade. Elas
perceberam o que muitos não percebem, elas tentaram romper com o ciclo quase que
vicioso da subalternidade e com as vozes dos grupos dominantes em um ciclo em que o
sujeito subalterno está sempre tentando sair, mas muitas vezes sem êxito.
Diante da falta da escrita, a subalternidade se acentua e as faltas se acumulam:
falta o emprego, falta a cidadania, falta o voto, etc. Então, o sujeito busca a escrita
(mesmo diante de tantas vozes dizendo que nunca vai conseguir) e, quando finalmente
pensa que conseguiu, a subalternidade volta a aparecer e as justificativas também se
acumulam: é tarde demais, nunca poderá competir com os demais, já não precisa votar
para eleger seus representantes, ou foi tudo em vão.
O sujeito subalterno corre sempre contra o prejuízo que acha ter sido culpado e,
quando pensa que finalmente acabou, verifica que ainda está longe da linha de chegada.
É uma ilusão criada, um jogo de espelhos para deixar que o sujeito pense que pode vir a
ser, mas ao sair do jogo, a ilusão criada pelos espelhos desfaz-se em cacos que podem
cortar.
Outros pensadores a que recorremos na busca por compreensão e reflexão
também abordam a escritura como documento e maquinário de poder. Além de Jacques
Derrida (2001) que aborda filosófica e politicamente o poder da escritura e Michel
Foucault (2007) aborda, por sua vez, a escritura como manipulação de poder, pois ela
fornece material documental para que esse poder seja exercido com mais legitimidade.
Assim, mais uma vez, reaparece a discussão iniciada com Deleuze e Guattari
(2003) e Santiago Castro-Gomez (2005) neste texto, pois se a escrita é a forma de
expressão legitimada pela sociedade e a constituição de um cidadão como “sujeto de
derecho” passa pela escrita, percebe-se precisamente o que se chama de “invenção da
cidadania”. Sim, pois a cidadania não é dada, mas precisou ser inventada a partir de um
molde, um campo de identidades homogêneas, um projeto do qual algumas pessoas
estariam inevitavelmente fora, assim como a chamada “democracia representativa.”
Não saber escrever significa estar fora da inscrição da própria cidadania que não
é dada e retirada por questões políticas como foi no caso dos Argelinos, como aconteceu
a Jacques Derrida, por exemplo, mas uma tal cidadania que nem mesmo abre a
possibilidade de ser realizada ou reclamada. Analfabetos simplesmente não existem
socialmente, pois não podem atuar nem responder politicamente por seus direitos.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1632
VII Seminário Vozes da Educação
Conclusão
Os sujeitos dessa pesquisa são especiais ao extremo, pois conseguem reunir
várias possibilidades de exclusão e vencê-las. Em uma sociedade que se quer
homogênea, o sujeito idoso, mesmo que reúna todas os traços idealizados pelo projeto
da modernidade (branco, heterossexual, proprietário e alfabetizado) já destoa dos seus
por ter passado da juventude, da época em que poderia intervir socialmente. O idoso é
aquele que não serve mais, já perdeu suas forças físicas, sua capacidade de agir e
raciocinar rapidamente e, por esta razão, passa a ser aquele que só dá trabalho aos
demais.
Vive-se diante de uma sociedade não só excludente e malvada, mas
principalmente ignorante quando descarta aquilo que parece não mais servir da mesma
forma que antes.
sumário 1633
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
CASTRO-GÓMEZ, Santiago. “Ciências Sociales, violencia epistemica y el problema
de la invención del otro” in: La Colonialidad del Saber: eurocentrismo y ciências
sociales: perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de
Ciências Sociales – CLACSO, 2005.
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Kafka Para Uma Literatura Menor.
Tradução: Rafael Godinho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003
FREIRE, Paulo. A importância do Ato de Ler. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 1989.
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VII Seminário Vozes da Educação
Aline Bernar
UFF/CAPES
alinebernar@yahoo.com.br
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
ecoar. Voltei a pensar nas vozes que ouvia, tentei dar-lhes atenção, mas o som já não era
mais o mesmo. Percebi que eram vozes vindas de outros tempos e espaços que insistiam
em estar presentes, em fazerem-se ouvidas. Só que, no âmbito da pesquisa doutoral não
me encontrava mais diante dessas mulheres, pois eu não estava realizando um trabalho
de campo, não me encontrava mais diante de “gente”, mas sim diante de suas vozes
transcritas no papel.
As vozes vindas dessas narrativas me fizeram enxergar não mais as mulheres
idosas em fase de alfabetização que conheci, mas os retratos que traziam de uma
infância sem escola e seus contornos. E passei a debruçar-me sobre as narrativas orais
de mulheres idosas que têm em comum uma vida inteira de negação. O que aqui chamo
de negação consiste nos traços de um desenho social que não foi pintado por elas. Elas
foram inseridas em um desenho que já existia e, uma vez de dentro dele, essas mulheres
perceberam que tinham poucas cores para colorir a sua infância, uma infância longe da
tão sonhada escolarização.
Mesmo não sendo a negação social o ponto crucial da minha tese,
inevitavelmente passo por ele e julgo ser é necessário dizer que essa mesma negação
ocorreu pautada em algumas categorias, pressupostos ou estereótipos. Sua condição
naquele momento não era apenas ser uma criança do sexo feminino, condenada
socialmente a cuidar, limpar, cozinhar e, principalmente, a realizar tudo aquilo que
quisessem fazer, somente após os irmãos (mais velhos e homens) ou ter seus desejos
ignorados simplesmente.
Entretanto, essas mulheres, impedidas de estudar na infância e ao longo da vida,
carregavam também outras implicações para a negação que sofriam: eram meninas
negras, pobres, trabalhadoras e que não dominavam a leitura e a escrita; pois “não
conheciam escola”, conforme dizem em suas narrativas. O fardo de ser mulher em uma
sociedade patriarcal e machista pesava já sobre a infância dessas meninas, obrigando-as,
inevitavelmente, à obediência do pai, dos irmãos mais velhos e, mais tarde, dos
maridos.
Foi assim com as mulheres cujas narrativas me encontro dentro da tese, mas é
assim também com inúmeras meninas e mulheres, ainda hoje subjugadas ao legado
masculino e a uma sociedade patriarcal e machista. Todavia, essas mulheres não
desistiram e, mesmo aos setenta ou oitenta anos, não se permitiram abrir mão de mais
essa luta: aprender a ler e a escrever independentemente da idade. Quem sabe
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Posso, então, tentar pensar junto com Assmann (2010) a faísca citada como
símbolo. É a faísca que promove a possibilidade de reacender o fogo, é ela também que
surge das cinzas em brasa, às vezes quando menos se espera, às vezes por causa de um
vento ou sopro ou ainda quando se revira as cinzas com algum objeto. Se as cinzas
configuram o material que sobrou depois da destruição pela ação do fogo, a faísca é
aquilo que pode oferecer a vivacidade do fogo novamente. Contudo, a faísca em estado
latente reside, até que se revire os restos de brasa, no meio das cinzas. Brasas, cinzas e
faíscas alegóricas com certeza, mas também símbolos que me auxiliam a refletir.
Segundo Walter Benjamin (1992): “As alegorias são, no âmbito do pensamento, o
mesmo que a ruína no âmbito das coisas”.
Assim, volto a pensar esse novo cotidiano, um cotidiano recriado pelas
reminiscências do passado, daquilo que ficou de toda uma vida. Surge em mim a
pergunta: seriam essas reminiscências como as cinzas da metáfora exposta acima? Não
estou interpretando o passado como morte, contudo, estou pensando no que resta
quando o fogo se acalma, quando queima lentamente, mas ainda se mostra ali, mostra
sua presença em meio às cinzas, moribundo talvez, mas não morto. Sua cor é fascinante
e seu calor ainda queima, mas estão apenas a espera, aguardam que alguém os faça
reviver, não da mesma forma, mas com ainda mais força e pronto para fazer queimar
novamente. As ruínas, que ao mesmo tempo podem significar restos, também são
representantes de algo que existiu ou ocorreu. Talvez essa também possa ser parte da
associação feita por Benjamin (1992) ao tratar as experiências como ruínas.
Como professora e eterna estudante da Literatura, me pego com frequência
pensando por metáforas; contudo, estou ciente de que elas podem tornar a compreensão
do exemplo mais fácil, mas nem por isso deixar o texto mais claro. Dentre as metáforas
existentes para memória, lembrança, esquecimento, passado e presente, acredito que a
metáfora da faísca com as cinzas possa constituir uma delas, seja por seus elementos
aparentemente paradoxais, seja porque reside na aparente morte, mas também porque
poderá vir a ser chama, uma chama viva e nova. Entretanto, da mesma forma, penso
também no conceito de memória e suas possíveis metáforas, naquilo que ficou do que se
viveu, sentiu ou experienciou. Se uma faísca metafórica reacende o fogo ou a brasa
dentro das cinzas do passado e se torna uma composição narrativa nova criada no
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
momento presente, sinto-me da mesma forma convocada a pensar também naquilo que
pode configurar o estado latente dessa memória: o esquecimento.
Penso se existiria na memória dessas mulheres a noção de esquecimento, ainda
em estado de fogo brando, de brasa, uma espera de vir a ser faísca, a partir do árduo e
imprevisto exercício de rememorar. Enquanto escrevo, penso no que acontece com a
memória de um sujeito enquanto ele não sente a necessidade de revirar os escombros de
seu passado. Será o estado de latência da memória uma espécie de sono profundo? Seria
o movimento de recordar, um acordar ou despertar das lembranças? Busco nos escritos
de Benjamin (1992) mais pistas:
“Uma tradição popular adverte para que não se contem sonhos de manhã, em
jejum. (...) Neste estado, o relato de sonhos é fatal, porque o homem,
semiconluiado ainda com o mundo onírico, o trai com as suas palavras, pelo
que tem de contar com a sua vingança. Numa expressão mais moderna, dir-
se-ia: ele trai a si mesmo. (...) Porque só da outra margem, em pleno dia, é
que o sonho poderá ser interpelado, numa recordação sobranceira. (...)
Aquele que está em jejum, fala do sonho como se falasse de dentro do sono.”
(BENJAMIN,1992:38).
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VII Seminário Vozes da Educação
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
meio e fim nas devidas posições. Já o tempo da narrativa dispõe de outras maneiras de
ser notado. Esse tempo especial pode ter seu início pelo meio (in media res – do latim
“no meio das coisas”), como uma técnica literária em que a narrativa começa pelo meio
da história, em vez de no início (ab initio); ou pelo fim (in ultima res ). Isso é possível
porque um narrador pode começar a sua história de qualquer ponto da narrativa, do
meio da história ou do fim da história, voltando depois ao início ao fazer um grande
flashback.
Aqui vejo surgir a complexa, mas não menos interessante questão da
experiência. Mas antes de percorrer os caminhos de qualquer outra análise, tento pensar
junto com a frase de Benjamin (1992), pois as narrativas com as quais trabalho trazem
acontecimentos do passado, voltam ao período da infância em que o desejo pela
escolarização tinha força, mas não suficiente para vencer todos os interditos impostos a
essas mulheres. Ao tocar na possibilidade de encontrar significado nos acontecimentos
do passado, Benjamin os define como um eufemismo que se conhece com o nome de
experiência.
A experiência, seria então, para Benjamin, a suavização de algo equivalente a
“acontecimentos do passado”. Talvez por ser um conceito impreciso e difícil de definir;
ou ainda porque a palavra experiência possa também apontar para algo associado à
experimentação e pode mudar de acordo com o pensamento de cada autor. São
hipóteses apenas, mas a partir delas, caminho para uma questão que, neste momento, se
coloca diante de mim: Benjamin diz que a experiência é um eufemismo, uma
suavização para “acontecimentos passados”. Pode ser que usar a palavra experiência
seja mais abrangente, menos específico do que “acontecimentos”, mas preciso de mais
do que isso, preciso relacionar experiência e narrativa, que também pode conter os
acontecimentos passados. Penso em mais uma hipótese, aparece em forma de pergunta,
mas é apenas mais uma tentativa de entender um conceito tão complexo: Seria, a
narrativa, o local da experiência por excelência, assim como o poema é o local do
encontro?
Assim como Benjamin (1992) e outros teóricos problematizam o conceito de
experiência e a escassez do trabalho narrativo; Jacques Derrida (2003) também pensa e
faz pensar no poema como local do encontro com o outro. Se eu puder seguir esse
raciocínio, posso pensar a narrativa como local da experiência e também como local do
encontro do narrador com ele mesmo. Assim como um poeta, segundo Paul Celan
(1996) , deixa parte de si no papel onde escreve seu poema e se lança ao desconhecido,
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VII Seminário Vozes da Educação
“O poema pode enrolar-se em bola, mas fá-lo ainda para voltar os seus signos
agudos para fora. Ele pode, sem dúvida, refletir a língua ou dizer a poesia,
mas nunca se refere a si mesmo, nunca se move por si como estes engenhos
portadores da morte. A sua ocorrência interrompe sempre, ou desvia, o saber
absoluto, o ser junto de si na autotelia. Este demônio do coração jamais se
congrega, antes se perde (delírio ou mania), expõem-se à sorte, preferiria
deixar-se despedaçar por aquilo que sobre ele avança.” (DERRIDA,
2003:10).
Para entender melhor o que vem a ser o conceito de experiência, e ver quando e
se a mesma ocorre nas narrativas trabalhadas, parto de Walter Benjamin (1992), mas
encontro outros pensadores e teóricos pelo caminho que também oferecem suas
concepções à análise, como Giorgio Agamben (2014), por exemplo, que ao pensar sobre
a pobreza em experiência comunicável, trazida por Walter Benjamin, reflete sobre a
destruição da experiência:
sumário 1645
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
catástrofe como uma guerra, porque o homem estaria, segundo ele, “expropriado de sua
experiência”. Os eventos nunca se tornariam experiências porque tudo é vivido de
forma efêmera e superficial, quase nada hoje teria elementos traduzíveis em
experiência. Os gêneros do discurso Máxima e Provérbio, por exemplo, praticamente
não existem mais. Agora é a vez do slogan mostrar que ali não é o lugar a procurar pela
experiência.
A princípio, ao estudar o conceito de experiência para esta tese, pensava que a
mesma se relacionasse diretamente ao aspecto narrativo das histórias de vida com as
quais eu trabalhava. Não necessariamente na volta ao passado para recordar os fatos
vividos, mas na confecção da própria história com a reminiscências de muitos
sentimentos e emoções misturadas, os silêncios, os espaços vazios e com as criações
improvisadas na hora ou decoradas. Assim, achava eu ter exemplos do conceito de
experiência com as narrativas orais outrora produzidas por essas mulheres diante de
mim. Mesmo no papel, esperava encontrar nas palavras e nas frases, mas também nas
entrelinhas, aquilo que não é visível no papel, mas que se experimenta ao criar e ao
ouvir.
Entretanto, ao reler a leitura de Agamben (2014) sobre a obra de Benjamin
(1992), percebi que o que ele, Agamben, chama de expropriação da experiência, já
estava implícita no projeto da ciência moderna. Esta nasce desconfiada em relação à
experiência e, ao enumerar os pensadores, suas teses e projetos, é notório que quando se
fala em ciência moderna, não se fala de confiança, mas de dúvida. Se a experiência
ocorresse espontaneamente, ela seria chamada de “acaso”, se fosse buscada, se
chamaria de “experimento”.
Ao pensar no conhecimento separado da experiência, vejo que em seus escritos,
Agamben recorre a Aristóteles, Montaigne e Platão e pensa junto deles para dizer que
ambos sempre foram assim:“O conhecimento não possuía nem mesmo um sujeito no
sentido moderno de um ‘ego’, mas, ao contrário, era o próprio indivíduo o ‘sub-jectum’
no qual o intelecto agente, único e separado, realizava o conhecimento.” (AGAMBEN,
2014:26).
O conceito de experiência apresenta diversas leituras e interpretações,
entretanto, não era assim tão simples também pela disputa entre os autores, inclusive os
seguidores do pensamento aristotélico. A separação do conhecimento da experiência vai
bem mais além. O intelecto representado como inteligência (nous) e a experiência
representada pela alma (psyché) diziam desde a era medieval que o intelecto não era
sumário 1646
VII Seminário Vozes da Educação
“Em sua busca pela certeza, a ciência moderna abole esta separação e faz da
experiência o lugar – o ‘método’, isto é, o caminho – do conhecimento. Mas,
para fazer isto, deve proceder a uma refundição da experiência e a uma
reforma da inteligência, desapropriando-as primeiramente de seus sujeitos e
colocando em seu lugar um único novo sujeito.” (AGAMBEN, 2014:28)
O que Agamben (2014) está dizendo é que experiência e ciência, que até então
se referiam a dois sujeitos distintos, agora se reúnem em um sujeito único e dá origem
ao (ego cogito) cartesiano, ou seja, a consciência. O sujeito que une experiência (nous) e
conhecimento (psyché) é apresentado hoje como uma substância (eu substantivado),
mas diferente da substância material, a quem é atribuído tudo que caracteriza a
psicologia tradicional e, inclusivamente, a sensação.
Se a finalidade da experiência era conduzir o homem à maturidade é porque
antes ela tinha um caráter finito, algo que se podia ter e fazer. Entretanto, quando essa
experiência está referida ao sujeito da ciência, a experiência move-se ao contrário e
adquire um caráter infinito, algo que se pode fazer, mas nunca ter. Significa que o velho
sujeito da experiência não existe mais. Em seu lugar existem dois sujeitos o do
conhecimento que pode apenas fazer experiências e o sujeito da experiência que pode
ter a experiência, sem jamais fazer. Para Agamben os personagens de Cervantes, Dom
Quixote e Sancho Pança personificariam os dois tipos de sujeito: o do conhecimento e o
da experiência, respectivamente.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Walter Benjamin (1992), no texto “O Narrador”, vai explicar que a arte de narrar
está em extinção porque as pessoas perderam sua capacidade de trocar experiências.
Mas explica ainda que não está falando de qualquer troca de experiência, mas da
experiência que “anda de boca em boca”, onde os narradores da tradição oral vão beber.
A essência da narrativa para Benjamin é a utilitária, moralizante, de dar conselhos ou
orientações aos seus ouvintes. O narrador da tradição oral, ao contar suas histórias, teria
nelas sempre um ensinamento a dividir, mas, hoje esse tipo de prática que comunica e
aconselha ou troca experiências está morrendo. A explicação que Benjamin (1992)
oferece é que para pedir um conselho, em seu sentido mais amplo, é preciso,
inicialmente, saber narrar a sua própria história. Ao solicitar uma orientação, instrução
ou conselho é preciso que o narrador saiba contextualizar a sua narrativa, expor
abertamente a sua situação crítica para aí sim abrir-se ao recebimento do que configura
o conselho: a sabedoria.
Essa sabedoria que Benjamin (1992) fala está ligada à tradição oral, não aos
livros escritos. A tradição oral, bem como seus narradores, ao dividir suas histórias,
trazia de forma inerente o compartilhamento de experiências individuais ou coletivas. O
próprio momento da narração que configura um momento de criação, está também
relacionada a essa troca com os demais, com os ouvintes que dividem aquele espaço e
tempo da narrativa com outros. No momento da narrativa, cada um, à sua maneira,
levará consigo a experiência ou sabedoria compartilhada que mais se aproximar das
suas necessidades e com elas terão oportunidade de recontar em outro momento e local
a “mesma” história que nunca será a mesma.
Sendo atemporal, a narrativa não perde nunca sua atualidade e pode perpassar
várias gerações diferentes, trazendo ainda sua contribuição para as dúvidas ou mazelas
inerentes à essência do sujeito. Essa narrativa, chamada de artesanal por Benjamin, é
uma espécie de mergulho na experiência do narrador que a vive como ofício. Esse
ofício não é apenas o dom de narrar, mas também de ouvir e de recontar. Nas rodas de
contações de histórias que temos notícia da tradição oral, o ouvinte estava com as mãos
ocupadas, tecendo, costurando ou mesmo limpando as ferramentas de trabalho para o
dia seguinte e, ao esquecer de si, ocupado com as mãos, o dom de ouvir fazia com que
ele adquirisse o dom de narrar.
sumário 1648
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ALVES, Nilda et alii. Pesquisar o cotidiano na lógica das redes cotidianas. Texto
disponível na homepage do GT Currículo http://cfch.ufrj.br/gtcurriculo/,1998.
FERRAÇO, Carlos Eduardo, PEREZ, Carmen Lúcia Vidal & OLIVEIRA, Inês Barbosa
de (Orgs.) Aprendizagens Cotidianas com a pesquisa – Novas reflexões em pesquisa
nos/dos/com os cotidianos das escolas. Petrópolis: DP et Alii, 2008.
sumário 1649
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Líbia Busquet
FFP/UERJ, mcpessin@gmail.com
Introdução
Este artigo é efeito da dissertação em andamento - “Teatro e saberes em cena: o
que há no fazer teatral no chão de uma escola pública de ensino médio? ” - de uma das
autoras, cujo objetivo é conversar com o fazer teatral numa escola básica de ensino
médio, o Colégio Estadual Walter Orlandini (CEWO). Há outro contexto de discussão
que pauta este trabalho, o encontro com o livro “Hermenêutica do Sujeito”, de Michel
Foucault (2010), no decorrer da disciplina Sujeito e Sociedade, ministrado por uma das
autoras, no PPGEdu Processos Formativos e Desigualdades Sociais, no primeiro
semestre de 2019. Tal encontro produz problematizações para pensar o fazer teatral
como cuidado de si. E, neste contexto de análise e de intervenção, problematizamos,
aqui, o teatro e o exercício pedagógico teatral por meio do trabalho realizado pelo ator
como uma forma possível de lançar-se além da criação artística, de modo que esta possa
reverberar em seu corpo e em sua vida. Para tanto, o artigo se constitui das seguintes
partes: Um exercício de pensar o teatro com Foucault e Stanislavski: o trabalho do ator
sobre si mesmo e A Pedagogia Teatral de Gilberto Icle (2010): uma conversa com
Foucault e Stanislavski.
Icle (2010), em seu livro, trata dos processos de construção que ocorrem na
prática do teatro, afirmando que talvez possa ser uma escrita de si (FOUCAULT, 2006).
Nas palavras do autor, “uma maneira de me fazer homem de teatro e escrever sobre o
presente, sobre o meu entorno, sobre o meu trabalho”. Algo próximo do que uma de nós
realiza com a produção da referida dissertação. Para dar materialidade a esta tessitura
escrita, o artigo trará, inclusive, relatos de estudante-atriz do CEWO para conversar com
o tema proposto, o teatro como cuidado de si.
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VII Seminário Vozes da Educação
Ele vai procurar e encontrar uma saída [...], distanciando-se dos tempos
modernos e interrogando a Antiguidade[...]. Com que objetivo?
Aparentemente, para passar dos tormentos da sexualidade à simplicidade dos
prazeres e para lançar uma nova luz sobre os problemas que, contudo,
suscitam, ainda que ocupem muito menos a atenção dos homens livres e
escapem à delícia e ao escândalo do proibido. Mas não posso impedir-me de
pensar que, com A vontade de saber, com as críticas veementes que esse livro
suscitou, uma espécie de caça ao espírito [...] que se seguiu e talvez uma
experiência pessoal que só tenho como supor e com a qual acredito que ele
mesmo tenha ficado surpreso, na ignorância do que ela representava [...],
modificam profundamente sua relação com o tempo e com a escrita. Os
livros que vai escrever sobre temas que lhe são muito próximos são, à
primeira vista, livros de historiador estudioso mais do que obras de
investigação pessoal. Até o estilo é diferente: calmo, apaziguado, sem a
paixão que queima em tantos de seus outros textos. Entrevistado por Hubert
Dreyfus e Paul Rabinow e interrogado sobre seus projetos, ele exclama, de
repente: ‘Oh, eu vou primeiro cuidar de mim!’ Declaração que não é fácil de
esclarecer, mesmo se pensarmos um pouco apressadamente que, seguindo a
Nietzche, ele estivesse inclinado a fazer de sua existência – daquela que lhe
restava viver – uma obra de arte. É assim que será tentado a pedir aos antigos
a revalorização das práticas de amizade, as quais, sem se perder, não
voltaram a encontrar, a não ser entre alguns de nós, sua elevada virtude. A
philia que, entre os gregos e até entre os romanos, permanece o modelo do
que há de mais excelente nas relações humanas [...], talvez acolhida como
uma herança ainda capaz de ser enriquecida.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Deve-se entender, com isso, práticas refletidas e voluntárias através das quais
os homens são somente se fixam regras de conduta, como também procuram
se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra
que seja portadora de certos valores estéticos e responda a certos critérios de
estilo. [...] Tal é a ironia desses esforços feitos a fim de mudar-se a maneira
de ver, para modificar o horizonte daquilo que se conhece e para tentar
distanciar-se um pouco. Levam eles, efetivamente, a pensar diferentemente?
Talvez, tenham, no máximo, permitido pensar diferentemente o que já se
pensava e perceber o que se fez segundo um ângulo diferente e sob uma luz
mais nítida. Acreditava-se tomar distância e, no entanto, fica-se na vertical de
si mesmo. A viagem rejuvenesce as coisas e envelhece a relação consigo.
Parece-me que seria melhor perceber agora de que maneira, um tanto
cegamente, e por meio de fragmentos sucessivos e diferentes, eu me conduzi
nessa empreitada de uma história da verdade: analisar, não os
comportamentos, nem as ideias, nem as sociedades, nem suas ‘ideologias’,
mas as problematizações através das quais o ser se dá como podendo e
devendo ser pensado, e as práticas a partir das quais essas problematizações
se formam (FOUCAULT, 1994, p. 15)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Próximo do que temos com o filósofo, “Ocupar-se consigo não é, pois, uma
simples preparação momentânea para a vida: é uma forma de vida”. (Foucault, 2010, p.
446). O cuidado de si, portanto, traduz-se também numa atitude (ethos), uma maneira de
estar no mundo. Também é um modo de agir, de produzir relações com os outros, de
encarar as coisas.
O cuidado de si é um fio condutor que está sendo tecido por todo trabalho do
ator. Neste contexto, esse cuidado é assim expresso por Foucault: “é preciso que te
ocupes contigo mesmo, que não te esqueças de ti mesmo, que tenhas cuidado contigo
mesmo” (FOUCAULT, 2010, p. 6). Ainda na aula do dia 17 de fevereiro, o filósofo se
pergunta como a noção de cuidado de si, que vigorou desde a antiguidade até o século
IV-V d.C., tendo percorrido toda a filosofia grega e romana, bem como a espiritualidade
cristã, foi excluída do pensamento filosófico moderno, privilegiando-se o conhecimento
de si (gnôthi seautón). Para Foucault, o “momento cartesiano” em muito contribui para
a desqualificação e a exclusão do cuidado de si como preocupação filosófica da
modernidade, postulando o conhecimento como único meio de acesso à verdade.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Icle (2007) nos coloca que o teatro com suas diversas práticas tem sido um
instrumento na forma de se conduzir a vida como convém. E, em sua obra, afirma
Gilberto Icle (2010, p. 23) ”Eis a promessa do discurso teatral: a sua prática, do teatro,
ofereceria um caminho para a humanização do homem “[...], o que tenho observado na
vida atravessada pelo teatro.
Durante a vida implicada de uma de nós pelo fazer teatral, surgiu a oportunidade
de conviver e sentir mais proximamente como se constitui o trabalho do diretor e do
professor de teatro, Fernando Mattos, que conhecemos a anos e desenvolve oficinas de
teatro no CEWO em São Gonçalo. O trabalho do Fernando e seus estudantes é da ordem
da criação, pois “[...] professor – artista suporia um professor – criador, um artista na
escola, uma escola com arte, uma aula com arte, antes que uma aula sobre arte”. (ICLE,
sumário 1658
VII Seminário Vozes da Educação
2012, p. 18). E o animador cultural com o grupo de estudantes atores constrói uma
relação pautada na troca e diálogo.
O coordenador e animador cultural Fernando Mattos atua como mediador
quando interage com seus grupos, fazendo com que sejam produzidas tanto ideias
quanto práticas que pretendam modificar sua realidade. E para conversar um pouco com
o conceito de intelectual específico:
sumário 1659
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
oficinas do CEWO, podem perceber como o teatro e seu fazer contribuem com seus
processos socializadores, estéticos, cognitivos, de subjetivação e construção artística,
exercitando essa liberdade nas ações individuais e no coletivo. Nesses encontros do
fazer teatral no CEWO são feitas não apenas leituras dos textos das peças, mas da
realidade em que estes estudantes atores estão inseridos.
Ainda, conforme colocado por Icle (2012), é necessário que o professor artista
(teatro) possa “produzir arte” e, portanto, “ser artista”, possibilitando uma prática-
pedagógica, aliás uma aprendizagem (experimentação) como processo de criação-
investigação junto aos estudantes atores, desse modo, possibilitando a estes serem
também estudantes diretores, estudantes dramaturgos, estudantes iluminadores, etc.
sumário 1660
VII Seminário Vozes da Educação
Numa perspectiva de pensar em grupo teatral e sentir nos corpos de cada um, e
no grupo, o atravessamento de diversas práticas sensíveis ao se vivenciar situações no
teatro, na vida. E essa espécie de sistema tem fios, que traduzem certa inquietude, e que
são inerentes ao sujeito, não são fáceis ou dóceis, mas que estabelecem a relação deste
mesmo sujeito com o mundo e com as práticas da filosofia, levando-o a buscar o
cuidado de si, por meio de uma reorganização progressiva do próprio ser.
Nesse contexto os atores, ao terem contato com o teatro, potencializam as
relações com os próprios corpos e os dos colegas, e com o professor – artista – diretor,
envolvidos por uma liberdade, segundo Boy. Seus corpos têm dimensões de movimento
e de pausa, oscilando a potência das ações, experimentando sentimentos diversos,
levando os efeitos a reverberarem em suas vidas, para além da experimentação no
teatro, em uma verdadeira humanização dos sujeitos que são atravessados por este.
E, em seus estudos, Foucault nos mostra a constituição dos indivíduos através do
assujeitamento em nossa sociedade e, talvez, a nossa aposta aqui foi a de mostrar que a
experiência do trabalho coletivo de um fazer teatral, pode descortinar uma possibilidade
de experiência de si sobre si mesmo com outro modo de constituição, onde o cuidado de
si se faz presente.
Referências
ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. 2. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BUSQUET, Líbia. Teatro e Saberes em cena: o que há no fazer teatral no chão de uma
escola pública de ensino médio? São Gonçalo: Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro: UERJ, 2019. Dissertação em andamento. No Prelo.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
ICLE, Gilberto. Pedagogia Teatral como Cuidado de si. São Paulo: Hucitec, 2010.
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VII Seminário Vozes da Educação
Marcelo Machado
Proped/UERJ
mar_chado@hotmail.com
244
https://nacoesunidas.org/populacao-de-migrantes-no-brasil-aumentou-20-no-periodo-2010-2015-
revela-agencia-da-onu/
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
245
O desenvolvimento das pesquisas, nos/dos/com os cotidianos, nos fez compreender que as dicotomias
herdadas do modo de construção do pensamento na Modernidade significavam limites ao que
precisávamos tecer quanto aos pensamentos necessários às redes educativas que estudávamos. Por esse
motivo, adotamos essa forma de escrever os termos antes dicotomizados: juntando-os, grafando-os em
itálico, entre aspas simples, pluralizando-os com frequência e, algumas vezes, invertendo o modo como
escutamos serem ditos e escritos (ex práticateoria em lugar de teoria-prática; aprendizagemensino e não
ensino-aprendizagem; dentrofora das escolas etc).
246
Ao criar estes termos, assim reunidos, Oliveira (2012), partindo do pensamento de Certeau (2012) que
os chama “praticantes”, vai além dele, mantendo-se coerente com o pensamento deste autor que os vê
criando ‘conhecimentossignificações’ permanentemente.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Todavia, enquanto o herói masculino é definido por seu trabalho, ações, e/ou
princípios, a heroína é usualmente definida por sua beleza ou sex appeal.
Interessa-nos, neste momento, assinalar que na maior parte dos filmes
hollywoodianos este herói/protagonista é um homem branco e solteiro à
procura de riqueza ou poder, isto é, uma figura inserida no WASP. De acordo
com Griffin e Benshoff, este fato não deve ser encarado como uma surpresa,
uma vez que esta representa a ideologia do status quo da sociedade norte-
americana. (p.62)
sumário 1666
VII Seminário Vozes da Educação
muitas vezes faz com que elas abram mão de suas próprias vidas. Fizemos uso dessas
narrativas para sensibilizar os sentidos a partir do que já mencionamos serem as
múltiplas redes de ‘conhecimentossiginificacões’ que nos formam e somos formados
cotidianamente.
A metodologia consistiu no que denominamos em nosso grupo de pesquisa
como ‘cineconversas’. Dialogamos com Alves e Ferraço (2018) ao propormos as
conversas como metodologia de nossas pesquisas. Estes autores afirmam que as
conversas são situações que insurgem nas redes de relações que estabelecemos com as
pessoas em nosso dia a dia, sujeitas às indeterminações e aos acasos que fazem das
nossas vidas uma permanente abertura diante do imprevisto. (p.42)
Primeiro exibíamos os filmes com nossos estudantes da rede pública do estado
do Rio de Janeiro, mais especificamente no município de Duque de Caxias. Em seguida,
conversamos acerca dos afetos produzidos por estes filmes.
Nesse modo, os ‘conhecimentossignificações’ produzidos são, sem dúvidas,
importantes nos processos formativos dos ‘praticantespensantes’, que nesses processos,
‘fazendopensando’’ os mesmos, os percebem como inseridos e entrelaçados nos
movimentos da pesquisa. Isto se estende, nesta pesquisa que realizamos, nos ajudando a
compreender e pesquisar o caráter multifacetado das redes que nos formam e nos
ajudam a formar os jovens dentro dos nossos cineclubes e conversas. Oliveira (2008)
reafirma nosso movimento com os cotidianos, dizendo:
sumário 1667
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
entendemos que esse tipo de pesquisa nos/dos/com os cotidianos foge das pesquisas
clássica onde se busca a separação entre o objeto e o cientista. Afirmamos e
reconhecemos as negociações entre os elementos envoltos na tessitura dessas pesquisas.
A validade da ciência está em sua conexão com a vida cotidiana (MATURANA,
2001, p. 30 apud OLIVEIRA, 2008, p. 29). Através dessa escrita do autor chileno,
podemos observar o quanto ciência e cotidiano não podem ser tratados de modo
dicotômico, muito pelo contrário, é possível e fundamental que encontremos respostas
científicas nas nossas atividades cotidianas, que nos usemos desses caminhos para
movimentar ações nos mais diversos ‘espaçostempos’, inclusive os escolares.
Nesse pensamento, Maturana (1997) aponta os diferentes aspectos de uma
mesma situação, como a existência de caminhos diversos que os observadores podem
ter trilhado para chegar naquela visão. Assim, concordamos com os pressupostos de
Alves (2012-2017) quando descreve a importâncias das nossas redes que nos entrelaçam.
De acordo com as redes em que estamos inseridos, formando e sendo formado, cada
indivíduo compreende os filmes de forma diferente, e nem por isso estão errados ou
incompreendidos, apenas estão observando a uma situação por um ângulo distinto.
E justamente neste aspecto que torna essas leituras tão importantes para nossas
pesquisas, pois compreende que todas as ações que se concretizam no/dos/com os
cotidianos nos ‘espaçostempos’ escolares são possibilidades de tessitura de reflexões,
saberes e ‘conhecimentossignificações’. Sendo ainda possível a compreensão de modo
coletivo, realizada através das ‘conversas’.
Entendemos as conversas de Maturana (2001) como um possibilitador que
fomentam e enriquecem as relações humanas, lemos o que o autor escreve:
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VII Seminário Vozes da Educação
Nunca se sabe aonde uma conversa pode levar... Uma conversa não é algo
que se faça, mas algo no que se entra...e, ao entrar nela, pode-se ir aonde não
havia sido previsto...e essa é a maravilha da conversa...que, nela, pode-se
chegar a dizer o que não queria dizer, o que não sabia dizer, o que não podia
dizer...
E, mais ainda, o valor de uma conversa não está no fato de que ao final se
chegue ou não a um acordo...pelo contrário, uma conversa está cheia de
diferenças e a arte da conversa consiste em sustentar a tensão entre as
diferenças... (p. 212)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
Alves, N. & Ferraço, C. E. Conversas em redes e pesquisas com os cotidianos – a força
das multiplicidades, acasos, encontros, experiências e amizades. In: RIBEIRO, T.,
SOUZA, R. & SAMPAIO, C. S. Conversa como metodologia de pesquisa: por que
não? Rio de Janeiro, Ayvu, 2018.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Filmes
La noire de... (Senegal, 1966 - Tradução: A negra de...). Direção: Ousmane Sembene.
Preto e Branco. Drama. 55 minutos.
Que horas ela volta? (Brasil, 2015). Direção: Anna Muylaert. Colorido. Drama. 114
minutos.
sumário 1672
VII Seminário Vozes da Educação
Sara Busquet
FME/Niterói e FFP/UERJ
sarabusquet@gmail.com
Introdução
Este artigo é efeito do encontro entre duas professoras entre Universidade
e Escola Básica, conversas e escritas diarísticas de ambas. Em 2013, iniciamos, na
mesma turma, o curso de graduação em Pedagogia na Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). Durante nossa
trajetória no curso, vivenciamos momentos juntas, mas ainda nada havia se passado
entre nós.
Sara foi bolsista de Iniciação a Docência do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) no Subprojeto PIBID/CAPES/FFP/UERJ do
Curso de Pedagogia248, coordenado, na época, pela Professora Doutora Rosimeri Dias e
pela Professora Doutora Anelice Ribetto. Permaneceu durante os anos de 2014 e 2015,
também no início de 2016. Jussara também foi bolsista de Iniciação a Docência do
mesmo projeto, mas em 2016 e 2017, e, na época, era coordenado pela Professora
Doutora Rosimeri Dias e pela Professora Doutora Mairce Araújo.
Sem termos vivido, no mesmo período, o Subprojeto PIBID de
Pedagogia da FFP/UERJ, encontramo-nos, mesmo que sozinhas e em experiências
248
Na época em que participamos (2014-2015 e depois 2016-2017), o Subprojeto de Pedagogia articulava
professores e estudantes na perspectiva da pesquisa intervenção e da cartografia, para uma análise
micropolítica das práticas, dos aprendizados, dos acontecimentos, das políticas de cognição, da formação
inventiva de professores e das relações que constituem o cotidiano da Escola Básica e da Formação inicial
e continuada de Professores. Disponível em http://www.ffp.uerj.br/index.php/2-uncategorised/81-grupos-
de-pesquisa-do-dedu Acesso em 21/09/2019.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
249
Segundo Deleuze (1990), dispositivos são máquinas de fazer ver e fazer falar.
sumário 1674
VII Seminário Vozes da Educação
Encontros
250
O Coletivo Diferenças e Alteridade na Educação foi criado em 2011. No coletivo desenvolvemos
projetos de pesquisa, de ensino e de extensão vinculados ao Departamento de Educação e ao Programa de
Pós-Graduação em Educação, Processos Formativos e Desigualdades Sociais da Faculdade de Formação
de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Também nos vinculamos ao Núcleo de
Pesquisa Vozes da Educação Memória(s), História(s), Formação de Professores(as). O Coletivo
Diferenças e Alteridade na Educação, coordenado pela professora Anelice Ribetto, atualmente, reúne
professoras da escola básica, professoras e estudantes da FFP/UERJ, gestoras das redes públicas de
ensino e famílias – principalmente mães – de estudantes ditos “pessoas com deficiências”.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Essa insegurança e esse medo tencionaram muitas conversas entre nós duas. Há
rótulos, estigmas, signos, saberes sobre os estudantes. Pensando com Skliar (2017), nos
questionávamos: como habitar o encontro com estes estudantes se já se tem um saber
sobre eles? Foi preciso que fizéssemos o exercício de desconhecer o que deles foi
produzido, para então nos encontrarmos com eles. Conversando entre nós, percebemos
com Skliar (2017) que para habitarmos o encontro, precisamos tentar sempre voltar ao
início, ao não saber, ao começo, a não fabricação do outro.
Como gesto pedagógico, conversar se dirige não tanto àquilo que as coisas
são, mas àquilo que há nas coisas. Conversa-se não tanto sobre um texto, mas
sobre seus efeitos sobre alguém, mas sobre suas ressonâncias em nós,
conversa-se não para saber, mas para manter tensas as dúvidas essenciais: o
amor, a morte, o destino, o tempo. (SKLIAR, 2018, p. 12)
Durante muitos dias, nossas conversas eram tecidas com um questionamento que
nos atravessava: O que fazer ao perceber que aquele corpo, naquele momento, não
suporta a medicação dada?
sumário 1676
VII Seminário Vozes da Educação
Olho para ele e penso, o que fazer se ele não me responde? Não responde a
nenhum estímulo que ofereço. E quando contrariado, me bate e deita no sol
novamente. Lagartixando, tão gostoso que até me dá vontade de ficar assim
também, ao seu lado. Ao mesmo tempo, penso no que irão pensar de mim? Já
devem pensar que não faço nada, porque todos querem me dar “dicas” do que
fazer... (Escritos de diário de campo – abril/2019)
Essas angústias desestabilizam e nos deslocaram. Rolnik (1999) nos diz ser
necessário enfrentarmos o caos, repensá-lo, reposicionarmo-nos diante dele. Essa
sensação é de tamanha impotência que, às vezes, toma conta de nossa “alma”. A
insegurança de um fazer, por vezes, nos entorpece, nos deixando operar não por lógicas
modelares com passos a seguir, mas de experienciação do que acontece no encontro
com o outro.
Rolnik (1999) nos faz pensar, quando nos questiona sobre que mudanças se
estariam operando nas subjetividades, hoje, para levá-las a revisar seu conceito de caos
e de ordem, assim como da relação entre ambos?
Hoje foi meu primeiro dia no abrigo. Estou feliz! Aparentemente não é como
me descreveram. No meu imaginário, era um lugar feio, sem infraestrutura
adequada. Confesso que me deixei impregnar por falas de outros. Não
conseguia me sentia capaz de trabalhar com estes rapazes. Além de ser uma
pessoa muito emotiva, minha insegurança gritava tão alto dentro de mim, que
eu mesma não conseguia me reconhecer. Um misto de sensações e
sentimentos, que me desestruturou e só me fazia chorar. (Escritos do diário
de campo – 12/03/2019)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
cada vez mais vastos, como se tendessem a cobrir o corpo social inteiro.
Pequenas astúcias dotadas de um grande poder de difusão, arranjos sutis, de
aparência inocente, mas profundamente suspeitos, dispositivos que obedecem
a economias inconfessáveis, ou que procuram coerções sem grandeza, são
eles, entretanto que levaram à mutação do regime punitivo, no limiar da
época contemporânea. Descrevê-los implicará na demora sobre o detalhe e na
atenção às minúcias: sob as mínimas figuras, procurar não um sentido, mas
uma precaução; recolocá-las não apenas na solidariedade de um
funcionamento, mas na coerência de uma tática. Astúcias, não tanto de
grande razão que trabalha até durante o sono e dá um sentido ao
insignificante, quanto da atenta "malevolência" que de tudo se alimenta. A
disciplina é uma anatomia política do detalhe.
Hoje fiquei extremamente comovida com C; Ela estava triste e brigando com
B, porque todo mundo estava seguindo para a escola e ela não. Chegou
chorar! Me cortou o coração! Quase chorei também! Ela quer sair daquele
ambiente deprimente. Quer rir, conversar e fazer novos amigos. Geralmente,
é uma das mais animadas e carinhosas. Ela anda com cadeiras de rodas e é
extremamente ativa. (Escritos do diário de campo – 05/04/2019)
Esse relato do diário de campo nos remete as palavras de Butler (2017, p.25)
quando diz que “a formulação do sujeito em questão ressoa com uma dificuldade
cultural e política maior, a saber: como assumir uma relação de oposição ao poder que
esteja reconhecidamente implicada no próprio poder ao qual nos opomos.”. Ainda neste
contexto, transcrevemos mais um trecho de diário de campo:
W.J. não estava bem hoje. Chorando todo tempo, xingando a todos e
relembrando toda a sua história de vida. Nos contou da sua mãe, seu pai e diz
não querer sair dali. Aqui é minha casa e não quero embora (disse ele). “Eu
preciso ser um bom menino, né?! Eu sou bom, né? Assim vão me deixar
ficar. Diz sou bom!” Não gosto de vê-lo assim, sofrendo... (12/04/2019)
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VII Seminário Vozes da Educação
Conclusões provisórias...
Inquietamente, a aposta neste artigo foi a de produzir com as escritas dos diários
de campo, conversas, problematizações com aquilo que nos acontece dia a dia como
Professoras de Apoio Educacional Especializado no encontro entre nós e estudantes
diagnosticados com deficiências.
Em uma tentativa de fechamento provisória deste artigo, pensamos um exercício
talvez nos seja preciso nos espaços educativos que habitamos: nos desafiar todo o
tempo, fugindo de uma forma preestabelecida de agir e de fazer aprendizagens.
Encontros “entre”. (DIAS, 2012) diz, que é um desafio trazido pelo deslocar-se do
“sobre”, do “com”, do “em”, para se movimentar [...] sem roteiro prévio, mas com
muitas questões. Apontar os sentidos e não os lápis, para fugir dos registros certeiros.
Como continuamos a nos desafiar e tentar fugir das normas e fabricações do
outro? Skliar (2015) aponta, que necessitamos ter “pequenos gestos”, “gestualidade
mínima”. A olhar sem julgamento, nem condenação prévia, a olhar para a possibilidade
de outras existências diferentes da nossa, a fazer uma saudação disponível, a dar as boas
vindas, a perguntar, a dar vazão, a permitir, a possibilitar, a deixar fazer, a dar o que
fazer, a sugerir, a conversar, etc.
Referências
BARROS, L. P.; KASTRUP, V. Cartografar é acompanhar processos. Porto Alegre:
Sulina, 2012, p. 52-75. In: PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (orgs.) Pistas
do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto
Alegre: Sulina, 2009.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Com as mudanças ocorridas no capitalismo no decorrer dos séculos XIX
(predominantemente na Europa e Estados Unidos) e no século XX (no Brasil), ocorreu
uma crescente inserção da mulher no mercado de trabalho. Essa conjuntura, sem dúvida,
estimula as mulheres a pensarem o papel que desempenham na sociedade. As mulheres
se organizam e passam a buscar uma situação de protagonismo nos movimentos sociais
em geral onde travam também suas lutas específicas. A questão da emancipação
feminina está ligada a resistência ao capitalismo.
A CSP-Conlutas, Central Sindical e Popular – Conlutas onde foi desenvolvida
essa pesquisa, que organiza mulheres socialistas, que debatem e seguem na luta por
reivindicações históricas, como a divisão do trabalho doméstico, do aborto ou das
creches, infelizmente ainda não possui um projeto claro para as crianças. No que diz
respeito às crianças o capitalismo tem um plano claro de estímulo frequente ao consumo
de bens para uns, genocídio de outros. E dentre o largo espaço que surge entre os que
podem adquirir bens e serviços de ponta e os que podem ser executados a qualquer
tempo por uma polícia que serve a um governo que incita o ódio e ignora estas
arbitrariedades, aqueles que se adéquam aos programas de governo, se beneficiam de
programas de ONG’s – Organizações Não Governamentais, um longo etc. Um lugar
para cada criança, de cada região, gênero, cor e sobretudo possibilidades econômicas, a
necessidade de incorporar as crianças as nossas lutas, de pensarmos inclusive em como
acolhê-las em nossos de organização e na importância de sua formação é o que faz com
que eu me lance neste trabalho.
Estas reflexões são anteriores a elaboração do meu TCC – Trabalho de
Conclusão de Curso sobre o tema, na minha graduação em Serviço Social. Se iniciam
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
251 A Creche UFF surge a partir da luta de professoras no intuito de construir um espaço de pesquisa e
extensão sobre/para as crianças voltado para a prática e para a formação profissional. Tendo funcionado
durante a maior parte da sua existência sem ligação institucional com qualquer departamento da
Universidade, hoje é parte do COLUNI (Colégio Universitário Geraldo Reis) como sua Unidade de
Educação Infantil.
252 Grupo composto por representantes dos professores, funcionários e responsáveis que tinha a
atribuição de administrar a instituição.
sumário 1686
VII Seminário Vozes da Educação
253 Espaço de organização dos responsáveis com funcionamento ordinário onde os problemas da
instituição eram discutidos e as questões das famílias também eram apresentadas. Era um espaço de
articulação dos responsáveis que trabalhava em articulação com o Grupo Gestor.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Dito de outra forma: não se trata apenas de entender qual é o lugar das crianças
no movimento social que estudamos, no caso a CSP-Conlutas; é entender se ele se
conforma como um motivo para reflexão política – se fazer espaços de cuidado e
recreação nos encontros, congressos e demais fóruns serve apenas para liberar as
mulheres militantes para as reuniões e atividades ou se, considerando o que Arroyo nos
diz, poderíamos pensar um projeto socioeducativo para as crianças, famílias e
organizações. Estudar esses espaços pode nos permitir avançar para que as políticas de
gênero que versam sobre os espaços de cuidado e recreação da CSP-Conlutas possam,
para além de atender a demandas das mulheres mães, iniciar uma reflexão sobre o papel
das crianças nesta Central e se pode ser gestada uma ligação entre este movimento
sindical e popular e uma pedagogia de classe afinada com seus princípios.
Metodologia
Não apenas pelo caráter não-escolar das creches da Central, mas também por
conta da minha experiência como militante, como alguém que esteve na construção da
CSP-Conlutas desde sua fundação, minha pesquisa exige uma metodologia específica.
Meu lugar como pesquisadora é influenciado pelo que penso como militante, uma vez
consideramos que em quaisquer pesquisas existe uma inegável troca entre pesquisador e
objeto de pesquisa, aqui o problema é um pouco maior: um dos meus objetivos no
trabalho foi devolver ao movimento o conhecimento produzido ali, integrar sujeito e
objeto num todo, onde o que foi elaborado não responda apenas ao que compreendi ser
e o que consegui elaborar a partir do que vi/vivi nesses espaços, mas que esse produto
seja fruto de uma elaboração coletiva sobre algumas das questões que emergem neste
contexto.
A construção de espaços para nossas crianças, na CSP-Conlutas, me levou a
entender que devemos refletir sobre os espaços em que deixamos as nossas crianças, e
fazendo isso com quem faz uso deles – crianças e adultos – e em diálogo com aqueles
que decidem sobre eles, na tentativa de fazer com que não reproduzam as tão perversas
ideologias que circulam em nossa sociedade atualmente. Ideologias essas, que através
sumário 1688
VII Seminário Vozes da Educação
No dia seguinte, logo no início do dia pude observar uma mãe brincando com
uma criança, num parque em que estavam outras crianças. Aproximei-me e
perguntei por que a criança não brincava com as demais, por que ela não
estava na creche. A mãe me disse que gostaria muito de estar nas atividades,
mas não estava participando porque sua filha havia se recusado a ficar na
creche pois a menina estava no alojamento com uma amiga com quem brinca
desde sempre e elas têm meses de idade de diferença. Ela não aceitava ficar
num outro grupo e a monitora informou que de outro modo não seria possível.
Perguntei se gostaria que falasse com o responsável e ela aquiesceu. Antes de
falar com ele expliquei como funcionava a creche, que os monitores estavam
subordinados a coordenadores e que o dono da empresa estava no local quase
que durante todo o evento. Disse que ela podia e devia questionar qualquer
situação em relação à creche junto à organização. Procurei o responsável pelo
espaço de cuidado e recreação e a criança foi integrada imediatamente.
(CAVALCANTI, 2017, p. 46)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
A conversa com a mãe, a conversa com o responsável pela empresa, o diálogo, elas
vão me propiciar,
Mas nem sempre uma “boa conversa” resolve todas as nossas questões. Em
meio ao “caos organizado” que é um Congresso Nacional de uma Central Sindical e
Popular, encontro o Augusto254.
254 Nesse momento, após conversar com seus pais, com a sua autorização, faço, excepcionalmente, a
opção por usar não apenas o nome da criança, mas também seus sobrenomes, pela importância que os
nomes têm em nossa história.
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VII Seminário Vozes da Educação
Eu fiquei com o Augusto porque ele era como a minha filha e a mãe dele era
como eu mesma. São laços de solidariedade que são mantidos pelas classes
subalternizadas, muitas vezes assegurando sua existência, desde sempre.
Nesse trabalho se misturam militância, maternidade, cuidado, amorosidade e
política. O cuidado materno na minha pesquisa aparecerá com “um sentido político, de
compromisso de ‘cuidado’ do cidadão com a pólis, da participação assumida para a
construção de seu mundo de vida cotidiana e, por extensão, da história do seu tempo”
(BRANDÃO, 2009, p. 84). Por isso, o cuidado e o amor que tenho pela minha filha, e o
encantamento por tudo que esses espaços podem representar para essas mulheres e
crianças, constroem ligações entre nós, enquanto protagonistas da história e do cuidado
com o outro.
Para desenvolver minha pesquisa, nesse cotidiano no qual estou radicalmente
envolvida, utilizo-me de alguns procedimentos da pesquisa-ação255. A pesquisa-ação é
um método que entende que há não apenas uma ligação indissociável entre pesquisador
e tema, mas que essa ligação lhe dá um sentido político transformador. Os métodos de
pesquisas clássicos não dão conta de uma pesquisa como esta. Esta já seria
comprometida com uma militância feminista, mesmo que no diálogo com os outros os
meus olhos não brilhassem tanto e a experiência com minha criança e as possibilidades
de outras mulheres vivenciarem algumas das experiências positivas que tive (e por que
não melhores?!) não me tocassem e animassem tão profundamente. E é reconhecendo o
meu papel de mulher, mãe, militante e pesquisadora que realizei uma pesquisa
utilizando métodos que se propõem a ajudar a transformar efetivamente a nossa
realidade, senão o mundo, ao menos na Central em que atuamos, nas questões que nos
dizem respeito. Com todo esse envolvimento emocional, atuo nessa pesquisa, nesta
instituição, numa tentativa de colocar essas ciências
255 5Tendo como referência BONILLA et al, uso os termos estudo-ação, pesquisa-ação e pesquisa-
militante como sinônimos
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
da Central quando se trata dos espaços de cuidado e recreação? Quando citamos o ECA
para debater o direito à educação e a necessidade de atender uma demanda, por que não
reivindicamos também o seu 16o artigo, que fala sobre o direito à liberdade e cita os
aspectos que lhe são inerentes, como os direitos à opinião e expressão e à participação
na vida política? Relacionando-se com o mundo adulto, as crianças estão sujeitas às
mesmas opressões que nós, no mundo em geral e também nos espaços que lhes são
“próprios”.
sumário 1693
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1694
VII Seminário Vozes da Educação
O debate sobre a existência dos espaços poderia avançar para essa reflexão. Pois,
no dizer de Freire:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1696
VII Seminário Vozes da Educação
seria possível não apenas combater as ideologias hegemônicas, mas pensar uma
proposta contra hegemônica de sociedade, no que toca a esse entrecruzamento entre
gênero, infâncias e educação.
Como uma das mães que conversamos mesmo afirma, falando desses espaços,
Eu não consigo ser a favor da legalização do aborto, eu que sou ateia, eu que
defendo o amor entre duas pessoas do mesmo sexo e não dar leituras a meu
filho que vão nesse sentido. Não consigo não dizer para o meu filho que ele
tem um tio e padrinho que são namorados, eu não sou uma pessoa no meu
espaço privado e outra no espaço coletivo, porque o meu espaço privado é
parte do que sou no espaço coletivo. (CAVALCANTI, 2017, p.114)
Mas é isso, Ticyane, eu acho que o trabalho vai dar frutos importantes,
assim….
Entendeu? Eu acho que é isso, ele ajudou a fazer uma reflexão. É aquele
negócio, por exemplo, quando a gente for pro próximo espaço, pra mim ter
essa preocupação que sempre existiu pra mim, mas que ela vai se concretizar
em outra forma de querer discutir com a […] e.... “E aí, como foi?” E coisa e
tal…. Esse negócio, ter algum elemento, uma forma de…. Por que, no final
das contas, o que é que acontece? O registro que significou aquilo lá, aquele
espaço, no caso pra mim, a partir da tua pesquisa… (CAVALCANTI, 2017,
p. 114)
Referências
ARENHART, Deise. Infância, Educação e MST: quando as crianças ocupam a cena.
Chapecó: Argos, 2007.
sumário 1697
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
//www.universidadepopular.org/site/media/leituras_upms/Acoes_Coletivas_e_Conheci
mento__30-11-09.PDF
CSP-Conlutas: https://cspconlutas.org.br
DELGADO, Ana Cristina Cool. Infâncias e crianças: o que nós adultos sabemos sobre
elas? 2003. Disponível em:
http://www.sabercom.furg.br/bitstream/1/1441/1/infancias_e_criancas.pdf
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1987
sumário 1698
VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Esse trabalho discute as práticas da escrita na universidade no campo dos Novos
Estudos do Letramento (STREET, 2004; GEE, 2004). A leitura e a produção de textos
acadêmicos pelos alunos é tema de estudos nesta área (LEA&STREET, 1998;
CARLINO, 2005; IVANIC, 1998; ZAVALA, 2010; FIAD, 2011; MARINHO, 2010,
WILSON, 2017, 2016, 2006, WILSON&CARMO, 2017) e vem apontando origens e
causas para as dificuldades encontradas pelos alunos quando se debruçam sobre
atividades de leitura e escrita de gêneros acadêmicos, sobretudo artigos, ensaios,
projetos e monografias.
Há uma ideia de que os alunos chegam à universidade prontos para responder às
demandas que o ambiente acadêmico exige, porém, as experiências escolares anteriores,
os conhecimentos e culturas de origem se tensionam em contato com as novas
linguagens e outros conhecimentos, moldando o desempenho dos alunos em sua
trajetória na graduação. Portanto, não há garantia de que os estudantes estejam
preparados, muitas vezes de acordo com as expectativas prévias dos professores, para
vivenciar o letramento acadêmico. Novos modos de pensar, dizer, sentir e se expressar
são exigidos e muitas vezes entram em conflito com formas mais padronizadas e/ou já
alicerçadas e assentadas em paradigmas distintos (pois dominantes) daqueles
conhecidos. Daí, surgem desafios tanto para professores quanto para alunos em suas
respectivas atividades acadêmicas.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1700
VII Seminário Vozes da Educação
256
O texto em língua estrangeira é: “[…] one of its consequences is that it disguises the cultural and
ideological assumptions that underpin; so that it can then be presented as though such are neutral and
universal and that literacy will have benign effects.”
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1702
VII Seminário Vozes da Educação
O texto em língua estrangeira é: “[...] identity is not socially determined but socially constructed. This
258
means that the possibilities for the self are not fixed, but open to contestation and change.”
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
De fato, há uma ideia de que os alunos chegam ao ensino superior prontos para
responderem às demandas de letramento que esse nível de escolaridade exige, porém, os
problemas relacionados à produção e recepção de textos acadêmicos vão além dos
aspectos puramente linguísticos, sendo resultados de falta de familiaridade com
discursos acadêmicos, conforme Wilson (2006). Zavala complementa, pontuando que o
letramento não é algo que possa ser ensinado formalmente devido ao fato de que as
pessoas se tornam letradas observando e interagindo com outras pessoas, com a
comunidade acadêmica, até que as formas de falar, atuar, pensar, sentir e valorizar
comuns a esse discurso se tornem naturais a elas. Neste sentido, a escrita e a leitura são
concebidas como sistemas simbólicos enraizados na prática social, inseparáveis de
valores sociais e culturais, e não como habilidades descontextualizadas e neutras,
utilizadas para a codificação e decodificação de símbolos gráficos, sendo assim, o
letramento se adquire como parte da identidade das pessoas (ZAVALA, 2010).
Carlino (2005) também problematiza o conceito de letramento acadêmico (por
ela denominado alfabetización académica) e argumenta a favor da diversidade de
letramentos, sendo o letramento acadêmico um de seus tipos, mostrando que se trata de
uma questão complexa, e que, mesmo tendo sido adquirido algum tipo de letramento em
certo momento, não se completa totalmente: “Pelo contrário: a diversidade de temas,
aulas de texto, propósitos, destinatários, reflexões implícitas e contextos em que se lê e
se escreve sempre colocam para aqueles que iniciam neles novos desafios e demandam
continuar aprendendo a ler e escrever260” (CARLINO, 2005, p. 7, tradução das autoras).
A autora acredita na força do conceito de alfabetización académica, pois
questiona a ideia de que ler, escrever, elaborar e comunicar sejam atividades iguais em
todos os contextos, e que aprender a produzir e interpretar textos seja um assunto
concluído quando o aluno ingressa no ensino superior. Pelo contrário, a diversidade de
gêneros textuais, de temas e propósitos, de leitura e escrita, além dos contextos em que
259
O texto em língua estrangeira é: “It is not only the decision to use literacy but also the way in wich it is
used wich is culturally shaped: imbued with values, beliefs and power relations wich exist in the cultural
context. […] Values, beliefs and power relations are in a constant process of contestation and change.”
260
O texto em língua estrangeira é: “Por el contrario: la diversidad de temas, clases de textos, propósitos,
destinatários, reflexiones implicadas y contextos en los que se lee y escribe plantean siempre a quien se
inicia en ellos nuevos desafios y exigen continuar aprendiendo a leer y escribir.”
sumário 1704
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Ou seja, embora seja necessária a familiaridade com os estilos dos gêneros para
que o processo de aprendizagem se torne menos “doloroso”, as convenções dos gêneros
também atuam como forças reguladoras no processo de aprendizagem somadas às
experiências subjetivas com os letramentos acadêmicos.
O relato a seguir explicita a angústia de uma aluna em relação à sua experiência
com a escrita acadêmica mais complexa. A aluna 261 narra a sua experiência de
letramento acadêmico ao longo de sua trajetória nas aulas de projeto de monografia:
Totalmente sem norte, acredito que é dessa forma que os alunos chegam ao
último período da faculdade para fazer a monografia. Pelo menos comigo foi
assim, mesmo participando de pesquisa há algum tempo. Agora, me
questiono como os alunos que não tem a oportunidade de pesquisar se
sentem, pânico? Logo, é totalmente justificável e indispensável que esse
261
Thalita T. A. do Carmo, aluna da disciplina Projeto de Monografia, cujas aulas eram ministradas por
Victoria Wilson C. Coelho, professora da disciplina. Era, na época, bolsista de Iniciação à Docência
(UERJ) participando de projeto de pesquisa, de extensão, vinculado à bolsa sob orientação da professora
Dra. Marcia Lisbôa Costa de Oliveira.
vii
Trata-se de material trabalhado nos aulas de Projeto de Monografia e cedido pelos alunos.
sumário 1706
VII Seminário Vozes da Educação
processo comece mais cedo com disciplinas que ajudem a trilhar o caminho,
como um empurrão. (WILSON&CARMO, 2017, p. 853).
Diante desse relato, é preciso que professores se questionem sobre seu papel na
construção da linguagem e do conhecimento especializados pelos alunos. Em geral, as
práticas docentes e o conhecimento produzido na universidade estão “alojados” em
modos de compreensão prototípicos do paradigma dominante dos usos da ciência,
negligenciando-se ou mesmo desprezando-se culturas e saberes locais, experiências
subjetivas com a língua(gem) e conhecimentos outros que modelam nossas experiências
com a língua escrita. O silenciamento de saberes e linguagens outros repercute nas
produções dos alunos e nas formas de sua expressão “acadêmica” – a adequação ao
saber-fazer científico muitas vezes sufoca modos de dizer que poderiam ser expressos e
integrados à cultura acadêmica se fossem sentidos e observados como modos de
conhecimento legítimos.
Sabemos que a leitura e a escrita dos gêneros acadêmicos como artigos, teses, e
monografias são práticas realizadas principalmente nas universidades, pois, não são
conteúdos trabalhados em escolas de ensino fundamental e médio (MARINHO, 2010),
o que nos leva a crer que o espaço em que estes gêneros devem ser compreendidos é em
uma instituição de ensino superior. Neste sentido, as atividades realizadas em uma
universidade devem abranger e abordar práticas necessárias para que os alunos
desenvolvam as suas habilidades também, seus conhecimentos e ativem suas
experiências relativas à produção de textos.
Pensando sobre o contexto da faculdade de formação de professores da UERJ, a
qual disponibiliza como disciplina obrigatória para os alunos de Letras a disciplina
projeto de monografia, entendemos que a referida disciplina atua como forma de
preparar os alunos para a elaboração do produto final – a monografia- e tem uma função
relevante neste sentido, ainda que seja oferecida nos últimos períodos do curso.
Durante o processo de apropriação do letramento, os alunos têm de lidar com
questões pessoais e acadêmicas que podem interferir negativamente na produção dos
textos, têm de lidar com a insegurança, e ainda, com o temor de não conseguir produzir
a monografia da forma esperada e/ou almejada. Além disso, os alunos precisam de um
professor que os orientem desde o projeto de monografia até a monografia, cuja tarefa
necessita de comprometimento de ambas as partes. E as dificuldades que surgem neste
processo não serão somente as do aluno, como salientam as teorias do déficit, mas
serão problemas de ambos, pois, entendemos que se trata de um processo e de um
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações finais
Na aprendizagem dos gêneros acadêmicos, são muitos os esforços a serem feitos
e não há nada de familiar e natural neste sentido. É preciso que o professor reconheça
esse fato e não naturalize as dificuldades como se essas fossem inerentes aos alunos,
porque também ele não se costuma reconhecer no tempo que demorou para “adquirir as
atitudes e valores que se associam com o modelo de aprendiz ideal” (HAGGIS, 2003,
apud ZAVALA, 2010, p. 89).
Acreditar que o processo de letramento se desenvolve de forma linear e sem
nenhum obstáculo é crer em uma utopia, pois, as próprias experiências dos alunos
relativas às diferentes tipos de gêneros e linguagens, o letramento escolar anterior ao
ingresso na faculdade que pode ou não favorecer de imediato a aprendizagem de outros
gêneros, a motivação pertinente à escrita vinculada à sua finalidade acadêmica, as
práticas de escrita de textos acadêmicos desenvolvidas e estimuladas pelos professores
em suas aulas, as expectativas dos professores, dentre outros, são fatores que
influenciam o modo como ocorre o processo de letramento acadêmico. E presumir que
o processo de letramento acadêmico não seja algo complexo significa ignorar as
dificuldades existentes durante o processo de aprendizagem e de saber lidar com uma
nova e intricada etapa de estudos.
Em vista disso, se faz necessário que adotemos uma postura aberta e flexível
para que outras possibilidades de metodologias, outras interpretações e ideias possam
ser sugeridas e debatidas, visando a um bem maior, visando tornar o momento de
formação de professores uma fase significativa para que reverbere de forma positiva na
vida dos estudantes. Portanto, as contribuições deste estudo estão centradas na
compreensão dos diferentes letramentos já adquiridos pelos alunos que estão em
processo de letramento acadêmico, nas dificuldades referentes (mas não inerentes) ao
processo de produção de textos acadêmicos, especificamente os gêneros projeto de
monografia e monografia, que são trabalhos decisivos para a conclusão da graduação, e
sobre o quê e como a comunidade docente acadêmica, em diálogo com a comunidade
discente, pode auxiliar a minimizar o estranhamento e os conflitos dos alunos com
relação à produção de escrita acadêmica.
sumário 1710
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 261-306.
GEE, J. P. The New Literacy Studies and the "Social Turn". In: D. Barton, M.
Hamilton and R. Ivanic (Eds.), Situated Literacies: Reading and Writing in Context.
London: Routledge, p. 180-196, 2000.
HEATH, S. Protean shapes in literacy events: ever-shifting oral and literate traditions.
In: TANNEN, D. (Ed.). Spoken and written language: exploring orality and literacy.
Norwood, N.J.: Ablex, 1982, p. 91-117.
sumário 1711
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
STREET, B. The new literacy studies. In: GRENFELL, M., BLOOME, D., HARDY,
C., PAHL, K., ROWSELL, J., and STREET, B. V. (Orgs.), Language, Ethnography,
and Education: Bridging New Literacy Studies and Bourdieu., Routledge, New York,
2012.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Os projetos vão além dos limites do currículo, pois os temas eleitos podem
ser explorados de forma ampla e interdisciplinar, implicando pesquisa, busca
de informações, experiências de primeira mão como visitas e entrevistas,
além de possibilitarem a realização de inúmeras atividades de organização e
de registro, feitas individualmente, em pequenos grupos ou com a
participação da turma toda (CORSINO, 2012, p.101).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sentido para ele, e muitas vezes nem para os pequenos. Essa metodologia, envolve
crianças e professores na construção do conhecimento. Segundo Corsino (2012):
Para que o trabalho com projetos seja desenvolvido de maneira integradora com
a instituição, é muito importante a parceria com os outros sujeitos da escola como
gestores, pais e toda a comunidadede escolar. Segundo Corsino (2012), “a duração de
um projeto é variável. A possibilidade de planejamento seria determinar um início, meio
e fim do projeto mesmo que este fim seja provisório e que deste surjam outros projetos”
(pag.103).
Portanto a culminância é necessária para apresentar todo o resultado da pesquisa
à comunidade escolar, dar visibilidade ao trabalho desenvolvido pelas crianças e
professores, além de abrir possibilidades de, por meio dos conhecimentos produzidos,
gerar novas propostas de estudos e projetos. Existem algumas maneiras de apresentar o
produto final através de dramatizações, danças, livros etc. Embora seja necessária uma
“finalização” no trabalho com projetos, o processo ou caminho percorrido da pesquisa é
o mais importante.
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VII Seminário Vozes da Educação
Problematização...
Durante a história da “Chapeuzinho Verde”, que apresentava a história da
menina e da vovó que tinham o hábito de comer carne de lobo. Na parte da história
“Quando o caçador chegou na casa da vovó e viu as duas comendo lobo assado,
prendeu-as pois o lobo que elas estavam comendo era de uma espécie rara e estava em
extinção”. Nesse momento, uma das crianças perguntou:
- O que é extinção?
- Alguém sabe o que é extinção? Uma das professoras retornou com a
pergunta para o grupo.
- É quando os animais somem ou morrem! Uma criança prontamente
respondeu.
Com esse diálogo registramos em um cartaz o que as crianças sabiam sobre os
animais em extinção e o que gostaríamos de descobrir sobre eles e o por que da
investigação.
Com isso, vale a pena pensar no que Maria Angela da Silva Monteiro nos leva a
refletir:
Foi proposta uma pesquisa para ser feita em casa e pensamos juntos sobre as
diversas fontes onde poderíamos encontrar informações sobre o assunto, pois
acreditamos com Corsino que:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O trabalho com projetos é uma prática pautada no diálogo e nas interações entre
os sujeitos. O ouvir, o escutar e o observar são fundamentais nessa proposta para a
construção de um diálogo sensível e vivo entre os sujeitos que se permitem afetar pelo
outro. Barbosa & Horn (2008) destacam que, “o ponto de partida do trabalho com
projetos será sempre o diálogo” (pag.84).
Desta forma, deixo com esse trabalho, a minha contribuição para as reflexões
sobre a Pedagogia de projetos na Educação Infantil buscando refletir sobre a
importância do desenvolvimento de um trabalho que seja produzido numa perspectiva
dialógica na Educação Infantil, o que permite que as diferentes vozes sejam escutadas
de forma que o espaço e o tempo da Educação Infantil sejam também o espaço de uma
educação democrática.
Referências
ANDRADE, Ludmila Thomé de. As (im)possíveis alfabetizações de alunos de classes
populares pela visão de docentes na escola pública. Projeto de Pesquisa
CAPES/OBEDUC 2010.
BRASIL. LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394/96. Brasília,
DF, 1996.
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VII Seminário Vozes da Educação
Notas Introdutórias
O mundo global, pós-moderno, ligado por redes, conectado por meio da
comunicação áudio visual imagética, vive atualmente grandes dilemas sociais, abrigar
em diferentes espaços culturais seres humanos oriundos de várias regiões nos mais
longínquos continentes.
Da arte rupestre, à computação gráfica; das cavernas a chegada a marte; da pedra
lascada ao voo em um avião supersônico, enfim, dos pergaminhos à era digital,
passamos pelas mais diversas fases de desenvolvimento tecnológico.
Crianças, adolescentes, jovens, adultos, pessoas da e na melhor idade estão hoje
vivendo em um mundo globalizado pelas comunicações em todos os níveis. Só para
exemplificar, com um aparelho de celular nas mãos, conseguimos nos comunicar com o
mundo, vendo imagens e ouvindo pessoas nas mais variadas partes do planeta.
Hoje, em plena era da globalização, em que as fronteiras se tornaram meras
linhas imaginárias, cujo poder das comunicações ultrapassam barreiras, nos
encontramos frente alguns dilemas sociais: como educar, neste emaranhado universo de
transformações, indígenas, negros, quilombolas, menores de rua, homossexuais,
estrangeiros, pessoas com deficiência dentre outros, se a nossa escola ainda está ladeada
de preconceitos, discriminação, estereótipos e estigmas sociais que reduz, diminui e
impossibilita de lutarmos pela nossa igualdade social, econômica, cultural e por assim
dizer política.
No contexto da escola, ladeada pelas mais variadas transformações, estamos na
atualidade frente algumas encruzilhadas: o que fazer para educar diferentes sujeitos
sociais que estão presentes na sala de aula? como incluir esses novos indivíduos que
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
estão adentrando nas escolas se a nossa formação inicial não nos possibilitou base para
isso? Enfim, o que devemos fazer para abrigar nos espaços escolares, desde o ensino
fundamental a pós-graduação, estes novos grupos sociais que batem as nossas portas,
adentram as escolas, clamam por justiça social, direito a cidadania, enfim, respeito a
diversidade.
É óbvio que vivemos em um mundo conectado e interconectado pelas redes. É
obvio também que as pessoas em todos os continentes precisam acompanhar essa lógica
transformação que ocorre a cada minuto. E a escola brasileira em suas diversas
instâncias vem acompanhando essas transformações tecnológicas?
Problema de pesquisa
A presente reflexão teórica resulta das nossas inquietações pedagógicas em sala
de aula, em especial, nos cursos de formação de professores nas licenciaturas onde
atuamos formando os novos docentes que futuramente irão atuar na educação básica
ministrando aulas para diferentes sujeitos sociais com e sem deficiência. Partindo dessa
premissa, a questão de pesquisa que suleou essa reflexão foi: Por que, em pleno século
XXI, na era digital, avançada, em que as tecnologias ultrapassam continentes em
questão de segundos, indagamos como ensinar/mediar saberes e difundir conhecimentos
às pessoas com deficiência se a nossa formação inicial é precária, se nas universidades
ainda não estão valorizando os processos inclusivos, enfim, se a nossa prática
pedagógica é excludente nos processos de escolarização das pessoas com deficiência?
Objetivos
Se considerarmos que a educação pode emancipar cidadãos. Se levarmos em
conta que nossas escolas podem se tornar espaços de libertação. Finalmente, se
reassumirmos nosso papel de educador, mentor do conhecimento, formador da
consciência política nesse novo século que ora se inicia, pretendemos alcançar nesse
ensaio de reflexão os seguintes objetivos:
• Analisar as razões pedagógicas, pelas quais, a formação de professores de
geografia no ensino superior é muito abstrata;
• Conhecer os principais desafios pedagógicos enfrentados pelos professores
de geografia, para tornar o ensino mais inclusivo aos alunos com deficiência
visual nas universidades;
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VII Seminário Vozes da Educação
Método
Nossa opção nesta reflexão teórica foi pela pesquisa qualitativa. Para tanto
apoiamo-nos em Lüdke e André (1986, p. 11), ao assinalar que: "a pesquisa qualitativa
tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento".
Nossas reflexões se balizaram em mapeamentos bibliográficos referentes ao
ensino de geografia, principalmente, considerando que nossa intenção foi destacar nesta
ciência o quanto ela pode se tornar inclusiva aos estudantes com deficiência visual, uma
vez ensinada de maneira concreta. Neste sentido, a pesquisa bibliográfica é entendida
por Severino (2007, p. 123) como: "nas investigações bibliográficas o pesquisador parte
das pesquisas já existentes para fundamentar seu trabalho".
Procuramos dar ênfase nos documentos legais que embasam o ensino inclusivo.
Desse modo, lançamos mão de alguns documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996); na Resolução N°. 2, de 1
de julho de 2015 (BRASIL, 2015). Estes documentos nos fizeram perceber que é
necessário tornar em todos os níveis o ensino mais inclusivo, bem como o currículo
acessível a todas as pessoas, não importando se essas são ou não deficientes.
Se considerarmos que nossa reflexão utilizou-se também documentos para
fundamentar essa investigação, apoiamo-nos em Piana (2009, p. 122) ao assinalar que
"a pesquisa documental apresenta algumas vantagens por ser fonte rica e estável de
dados, não implica altos custos, não exige contato com os sujeitos da pesquisa e
possibilita uma leitura aprofundada das fontes".
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
cartografias, globos, escalas... Os alunos com deficiência visual seguramente irão ficar
alheio aos conteúdos expositivos que estão sendo ministrados em sala de aula. Partindo
dessa premissa, Venturini, (2009), assinala que os documentos cartográficos táteis, os
mapas em relevos, o globo adaptado, dentre outros auxiliam de forma eficaz os alunos
com deficiência visual. Isso se evidencia na medida em que ao tocar nesses recursos, o
conhecimento científico e o saber sistematizado se torna mais fácil, considerando que
nosso processo de ensino é, precisa ser e deve ser pensado de forma concreta.
A luz da literatura que enfatiza o processo de escolarização dos deficientes
auditivos, os recursos didáticos mencionados acima não precisam ser concretos,
ilustrados para os alunos surdos, por exemplo, até porque, esses sujeitos são
excensialmente visuais, não necessitando, portanto, tocar, sentir e perceber de maneira
concreta esses recursos utilizados em seu processo de inclusão. Nesse aspecto, é
profícuo esclarecer que o estudante com deficiência auditiva precisa é de linguagem
clara, fácil, comunicação não rebuscada e tradução e interpretação dos conteúdos das
ciências geográficas que estão sendo ministrados pelos professores em sala de aula do
ensino comum.
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VII Seminário Vozes da Educação
Ao longo dessa análise foi possível constatar que a escola brasileira em todos os
níveis precisa passar por modificações intensas em sua estrutura física, quando se refere
ao direito e autonomia dos sujeitos com deficiência em ir e vir; na sua estrutura
pedagógica, eliminar a homogeneização de conteúdos e currículos inflexível que
dificultam e/ou impossibilita o processo inclusivo; finalmente, romper com a barreira
atitudinal, talvez seja essa uma das mais difíceis para ser eliminadas, uma vez que
depende do nosso comportamento e vontade de mudar.
Enquanto sujeito com deficiência sensorial, e, agora nos últimos dez anos
atuando no ensino superior, em especial, nas licenciaturas percebemos que há em
muitas disciplinas conteúdos abstratos, quase imperceptíveis aos olhos e aos ouvidos
das pessoas com deficiência visual e deficiência auditiva.
No contexto da educação especial em uma perspectiva inclusiva, não é mais
possível ensinar em uma sala de aula caracterizada como homogênea. Na escola atual
registramos neste novo século diferentes sujeitos com anseios e expectativas diversas no
interior da sala de aula. Frente ao exposto, cumpre-nos indagar: e a geografia enquanto
ciência como pode contribuir neste processo inclusivo? De acordo com Silva e Azevedo
(2016, p. 299) "o ensino de geografia se destaca, pois possibilita uma visão crítica e
verdadeira da realidade tal qual ela é, como um processo histórico permeado por
conflitos de interesses". Os autores querem nos alertar é que a geografia, uma vez
ministrada de forma crítica, recheada de recursos didáticos acessíveis seguramente pode
contribuir para o processo ensino aprendizagem de todas as pessoas, sejam elas, com e
sem deficiência.
O processo ensino aprendizagem para todas as pessoas pode se tornar mais
acessível quando ministrado de forma concreta. Crianças, adolescentes, jovens e adultos
também aprende melhor se a elas forem dada a oportunidade de sentir, tocar,
pegar...objetos. Ao se referir à geografia física apresentada na sala de aula por meio de
mapas, globos, escalas etc., essa pode se tornar concreta para aqueles cuja visão é
normal, ou pode se tornar abstrata se na sala de aula, se fizer presente alunos com
deficiência visual por exemplo.
Tornar o ensino mais inclusivo, possibilitar acesso à aprendizagem dos
conteúdos que estão sendo ministrado, facilitar a comunicação visual para todos os
alunos não se configura uma tarefa fácil, pois requer do professor preparação, adaptação
e adequação dos recursos que vão ser apresentados na sala de aula, em especial, se nesta
se fizer presente alunos com deficiência visual. Frente essa assertiva, Venturini, (2009)
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sumário 1730
VII Seminário Vozes da Educação
Notas Conclusivas
Nessas reflexões que não tem a pretensão de ser finais, até por que, não
acreditamos no pronto e acabado, defendemos que nos processos inclusivos deve haver
respeito às diferenças entre os diversos ritmos de aprendizagem dos alunos, pois
sabemos que ninguém aprende no mesmo ritmo, do mesmo jeito enfim, da mesma
forma. Nesse sentido torna-se primordial o respeito a diversidade.
Nossas reflexões nos fizeram perceber que quando se trata dos processos
inclusivos nas escolas em todos os níveis, esses ainda são deficitários, pois falta aos
professores formação inicial e continuada especifica para que o ensino possa se tornar
mais inclusivo.
Consideramos ao longo dessas reflexões que as nossas escolas não estão
adaptadas para receber o diferente/deficiente. Identificamos que as escolas estão
escassas de recursos didáticos pedagógicos para incluir com qualidade os alunos com
necessidades educativas especiais, em especial, aqueles com deficiência visual que
necessita de materiais concretos, uma vez que nas ciências geográficas há muitos
conteúdos abstratos que requer do professor na escola comum, algumas adaptações.
Na nossa trajetória enquanto aluno com deficiência visual encontramos muitas
dificuldades para se manter na escola comum, visto que os conteúdos eram sempre
ministrados essencialmente visuais. Hoje, em plena era da globalização, do mundo
moderno, ligado por redes, essas barreiras podem ser superadas, na medida em que os
professores busquem recursos adaptados e materiais concretos que possam facilitar o
processo de inclusão de todos os alunos, neste caso em especial, os alunos com
deficiência visual.
Nas escolas em todos os níveis, pensamos ser necessária a remoção de muitas
barreiras que dificulta o processo ensino aprendizagem. Pensamos que uma das
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
barreiras Que muito dificulta a apreensão do saber pelos alunos com deficiência é a
sistêmica, presente na falta de adaptação do currículo, na adequação dos conteúdos e na
flexibilização das avaliações.
Finalmente, enquanto educador com deficiência sensorial, percebemos que entre
as barreiras que mais dificulta nosso acesso ao saber sistematizado é a barreira
atitudinal, uma vez que essa depende de nós, do nosso comportamento, da nossa
mudança de atitude frente à inclusão escolar dos diferentes/deficientes.
Essas reflexões ao longo deste ensaio teórico nos fizeram perceber que em todas
as ciências, em especial na geografia, quando nos referimos à inclusão do deficiente
visual, a meta é romper com os pressupostos do conservadorismo que ainda se faz
presente nas escolas em todos os níveis. Essas ações conservadoras também estão
presentes nas universidades, nos cursos de formação, inicial e continuada, na postura
arcaica de muitos professores que não acreditam na inclusão dos diferentes no espaço
escolar.
Referências
ALMEIDA, Diones Carlos de Souza; SAMPAIO, Adriany de Ávila Melo. Ensino de
geografia, sob a ótica da inclusão social, no início do século XXI. In: 10° ENCONTRO
NACIONAL DE PRATICA DE ENSINO EM GEOGRAFIA, 10., 2009, Porto
Alegre. Anais... . Porto Alegre: Trabalhos Completos, 2009. p. 01 - 11. Disponível em:
<http://docplayer.com.br/7446613-Ensino-de-geografia-sob-a-otica-da-inclusao-social-
no-inicio-do-seculo-xxi.html>. Acesso em: 20 jan. 2018.
sumário 1732
VII Seminário Vozes da Educação
UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos. Plano de ação para
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, Tailândia, 1990.
Disponível em: <http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10230.htm> Acesso em: 01
mai. 2015.
sumário 1733
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
262
Segundo a Sociedade Brasileira de Estudo da Dor, a dor significa: experiência sensitiva e emocional
desagradável associada ou relacionada a lesão real ou potencial dos tecidos. Disponível em:
http://www.sbed.org.br/materias.php?cd_secao=76. Acesso em: 21 de jun. 2016.
263
O Ideal de Ego representa uma identificação positiva em relação ao outro.
http://www.portaleducacao.com.br/psicologia/artigos/40593/o-ideal-de-ego. Nesse estudo, o ideal de ego
representa uma identificação positiva do “[para] o negro, há apenas um destino. E ele é branco” Fanon
(2008, p.28)
sumário 1734
VII Seminário Vozes da Educação
1968), por certo, se determina a cada grupo, o seu papel social, o seu “lugar” 264 na
estrutura socioeconômica e política.
A legitimidade mitológica e científica do racismo, nas áreas onde houve a
escravidão negra, provocou/a naquelas/es que possuem mais melanina na sua
epiderme, o seu lugar na sociedade, “a escravidão produziu efeitos sobre o território
negro, que afetou sua própria possibilidade de se constituir como indivíduo social”
(Nogueira,1998), passou a corroborar ações de violência ao corpo negro, tanto no
âmbito escolar quanto o seu desdobramento no cotidiano. Essa escrita, também está em
consonância com a “escrevivência”265 de Souza (1983) e dos relatos por parte do corpo
discente pesquisado, a autora nos faz compreender como a negação do território negro,
na sua dimensão ontológica onde “Saber-se negra é viver a experiência de ter sido
massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida às
exigências, compelida a expectativas alienadas. Mas (...) de comprometer-se a resgatar
sua história e recriar-se em suas potencialidades”. Houve um massacre do território
negro ontológico, a partir de um racismo mitológico e científico, e, tem um custo
emocional da negação de sua identidade histórico-existencial do território negro.
Assim, através de questionário aplicado a um grupo de ex-alunas/os do Colégio
Estadual Nilo Peçanha (SG/RJ), usamos esse instrumento com a finalidade de conhecer
um pouco das/dos entrevistadas/os, e, também, obter respostas a
questões Goode e Hatt (1977) que pudessem nos auxiliar no desenvolvimento deste
trabalho com o objetivo de perceber como foi imputado a elas/es uma afirmativa que
negasse a sua condição de ser do corpo negro, do racismo e das situações do racismo,
no cotidiano dessxs alunxs e como se comportaram diante dessas situações. Além de
apresentar algumas práticas pedagógicas que contribuíram para fomentar uma outra
lógica, a Decolonial, Quijano (2010), Castro-Gómez (2005), Maldonado-Torres
(2010), Dussel (2005), Mignolo (1996), Walsh (2006; 2009), Santos (2010), são ações
264
O conceito de lugar pela Geografia Tradicional estava associado à uma abordagem descritiva de uma
região e da paisagem geográfica. A partir dos anos 70, a Geografia Humanística e Geografia Crítica tem à
ideia de que o lugar é uma inter-relação entre o ser humano e seu ambiente. Para Santos (1988), o
geógrafo está condenado a errar em suas análises, se somente considera o lugar, como se ele tudo
explicasse por si mesmo, e não a história das relações, dos objetos sobre os quais se dão as ações
humanas, já que objetos e relações mantêm ligações dialéticas, onde o objeto acolhe as relações sociais, e
estas impactam os objetos. Assim, compreendemos que um corpo/território ocupa um lugar
dialeticamente imbricado nas relações sociais, econômicas, políticas e seu ambiente.
265
Conceito desenvolvido pela escritora e professora Conceição Evaristo, que consiste na escrita a partir
das experiências que o autor obtém ao longo de sua vida.
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266
Operação teórica que, por meio da tradição de pensamento e pensadores ocidentais, privilegiou a
afirmação de estes serem os únicos legítimos para a produção de conhecimento e como os únicos com
capacidade de acesso à universidade e à verdade. O racismo epistêmico considera os conhecimentos não
ocidentais como inferiores Oliveira (2012, p.79).
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VII Seminário Vozes da Educação
267
O vocábulo 'escravo' termo que traz implícita uma conotação de condição imutável e subtrai a
identidade de origem da pessoa referida. Uma outra expressão, 'africano escravizado' restitui a identidade
étnica e humana, transmitindo a noção da liberdade cassada pelo progresso escravista. Nascimento
(2008:228)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
de que o branco “como ser rico, como ser bonito, como ser inteligente” (Fanon, 2008,
p.60), ele é o símbolo da perfeição e da racionalidade universal. Souza (1983) faz uma
análise, através de entrevistas, de um discurso da negação e do massacre da identidade,
dos fatores psicológicos e emotivos do corpo negro, que fala sobre si mesmo; de como é
viver no mundo da alienação de seu corpo, de sua identidade de seu ser. Sobretudo, da
baixa autoestima dxs negrxs, como analisa Jurandir Freire no prefácio do livro Tornar-
se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social de
Neusa Santos Souza, que a violência racista pode submeter o sujeito negro a uma
situação cuja desumanidade nos desarma e deixam perplexos, mesmo assim a autora
defende a necessidade de prosseguir lutando na construção de uma identidade positiva
do negro brasileiro.
Existe uma interrelação com o outro na construção de uma identidade permeada
por crenças, padrões, ações e normas que determinam uma sociedade específica. Nós
construímos a nossa identidade com o outro, possibilitando transposições positivas ou
negativas para essa construção identitária. O processo de negação dos valores e das
referências do território negro provocou nefastamente a desvalorização que esse corpo
negro dá a si próprio, ou seja, nega-se a si mesmo, e busca no outro, e aqui na
identidade branca, o Ideal do Ego268. Fanon (2008) e Souza (1983) discorrem em seus
textos a grande problemática da construção da identidade e da existência do negro, que
é o seu embranquecimento “ a civilização branca e a cultura europeia, impuseram ao
negro um desvio existencial” Fanon (2008).
No livro Tornar-se Negro, o conceito Ideal do Ego, discutido pela autora para
caracterizar o desvio existência que (Fanon, 2008, p.30) denuncia se constitui como
elemento de signos (valores estético, moral e comportamental/ontológico) marcados no
imaginário como algo idealizado de uma representatividade, e aqui, portanto é uma
representatividade que “o negro de quem estamos falando é aquele cujo Ideal do Ego é
branco” (Souza, 1983, p. 34).
Me permitam falar agora em primeira pessoa, pois se trata de
uma escrevivência docente de longos anos de trabalho em sala de aula na Educação
Básica (1987 - até hoje), sempre procurei encarar a Educação como um vetor político,
268
Para Souza (1983, p. 32-33) não podemos confundir Ideal do Ego com o Ego Ideal. O Ego Ideal é uma
instância regida pelo signo da onipotência e marcada pelo registro do imaginário e caracteriza-se pela
idealização das representações fantasmáticas. Já o Ideal do Ego é o domínio do simbólico, ou seja, é uma
instância que estrutura o psíquico, é o lugar do discurso. O Ideal do Ego para o negro, é o branco, assim,
passa a negar de qualquer referência ontológica negra.
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Negrx Brancx
Desfavorecido Padrão
Escravidão Privilégio
Pobreza Riqueza
Desrespeito Superior
Polícia Força
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VII Seminário Vozes da Educação
Negrox Brancx
Resistência Domínio
Beleza Preconceito
Força Exploração
Cultura Racismo
Conscientização Indiferente
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
estabelecido por ela.” (entrevistadx 2); “menos nível de escolaridade” (entrevistadx 1);
“maiores vítimas de homicídios” (entrevistadx 3) e “no passado e no presente
explorado e oprimido” (entrevistadx 5). Contudo, em relação ao ser branco,
expressaram as seguintes definições: “tem o padrão de beleza, e de tudo o que é
confiável, limpo, iluminado e capaz” (entrevistadx 4); “tem privilégios sociais e
econômicos” (entrevistaxs 2 e 3) e “no passado e no presente tem a hegemonia
econômica e social” (entrevistadx 5).
Alicerçados nas frases acima, verificamos, mais uma vez que, essas
representações ideológicas raciais, demarcam as qualidades negativas para o ser negro e
positivas para o ser branco, e a compreensão da espoliação a que foi submetido o corpo
negro, além dos limites sócio-econômicos entre negros e brancos, numa sociedade
calcada no racismo, nada mais comprovável que a fissura entre esses diferentes grupos
raciais pelas estatísticas. A escola é um lugar de reforçar ou desmontar preconceitos,
discriminações e racismo, quando não são trabalhados os seus conteúdos e temas que
relevem a diversidade cultural e a alteridade, como ela, também, é responsável pela
construção identitária, pode reforçar representações positivas ou negativas.
Assim, solicitamos axs alunxs que relatassem exemplos de racismo dentro do
ambiente escolar. O entrevistadx 3, contou-nos que “quando eu cursava o nono ano, fui
chamado de ‘preto, macaco’por um colega da classe. Outro entrevistado (5) relata que
“houve um furto de um celular na sala de aula. O único a ser questionado e ser suspeito
foi o colega negro.” Entrevistadx 2, “eu tenho a boca muito grande, sempre riam
de mim.” (entrevistadx 3). Como esse corpo discente reagiu ao racismo? “não fiz nada.”
(entrevistado 2); já o entrevistadx 3, “Me senti muito triste, e tenho a frase até hoje em
minha cabeça”. Essas frases corroboram em aceitar e calar-se, ou explicitam
uma escrevivência da memória da dor, e, assim podemos perceber que o racismo deixa
marcas invisíveis no território negro.
Como avaliar tais situações e seus desdobramentos psíquicos? Não temos como
aferir, o que buscamos, mas através das vivências de exclusão, de olhares, de emoções,
frases e palavras nos mostrem os efeitos psicossociais que o racismo provoca no
indivíduo uma memória da dor. Partimos da hipótese de que esse corpo discente
pesquisado traz consigo marcas e uma memória da dor que o racismo provoca.
As práticas pedagógicas que realizamos no espaço escolar (Leitura do
livro Quarto de Despejo de Carolina Maria de Jesus (2014; 2015); documentários,
dentre eles: Racismo Científico, Eugenia e Darwimnismo Social (2009; 2010; 2011;
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VII Seminário Vozes da Educação
2012; 2013; 2014; 2015); Palestra com Éle Semog (2015); História dos Reinos
Africanos (2009; 2010; 2011; 2012; 2013; 2014; 2015); reflexões sobre o papel da
Mulher Negra ontem e hoje (2014; 2015); comparação entre os deuses iorubá, gregos e
romanos (2009; 2010; 2011; 2012; 2013; 2014; 2015); História da Frente Negra
Brasileira e do Teatro Experimental do Negro (2009; 2010; 2011; 2012; 2013; 2014;
2015) – citados no questionário. Contundentemente por um viés do racismo, a análise
da violência ao corpo negro é sugerida por Fanon (1968:39) como um corpo que “se
acha num estado de tensão permanente” por longos anos, o corpo negro foi submetido à
força motriz de trabalho, de exploração, de subordinação e de negação como ser, e que
está num estado de tensão permanente e de traumas, pois esse estado é fruto de uma
negação sistematicamente do outro, assim esse corpo não se vê como gente, pois o
processo de inculcação dessa negação, criada pelo racismo que recusa reconhecer ao
outro qualquer atributo de humanidade, provoca uma violência no âmbito interno, a
baixa autoestima, além de aferir-se com as ações antirracistas que desenvolvemos o
Pensamento-Outro, que possibilitou uma mudança nesse Ideal do Ego inculcado por
séculos nas sociedades que foram colonizadas e que o africano escravizado produziu
cultura.
Foram testemunhos de que através de ações decoloniais acarretam na
possibilidade da superação de uma negação de ser negro e de fortalecer a autoestima, ao
desenvolver um Pensamento-Outro, e assim, mostrar os feitos positivos da população
negra, ou seja, uma representação social de afirmação política, histórica e educacional
do negro. É uma Pedagogia Engajada (hooks,2013) que procura manifestar
em sua práxis um Pensamento-Outro; evidenciar os saberes silenciados, levar o corpo
discente negro a uma reflexão da importância que o negro tem na construção cultural de
nossa sociedade. As ações pedagógicas que em seu bojo trazem saberes de uma História
africana e da cultura afro-brasileira constroem novas identidades para o corpo discente
negro, além de que fomentam uma reflexão e uma transformação nos sujeitos e na
Educação. É uma luta antirracista.
Referências
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: Editora Difel, 1989.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
NASCIMENTO, E.Larkin. (Org). A Matriz Africana no Mundo. São Paulo, Selo Negro,
2008 V. 01.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para Além do Pensamento abissal: das linhas globais a
uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (Org.). Epistemologias
do Sul. São Paulo: Cortez, 2010, pp. 31-83.
SANTOS, Milton. Território e Sociedade – Entrevista com Milton Santos. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2000.
sumário 1746
VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
Ao iniciar esse ensaio, coloca-se a exposição algumas considerações quanto aos
processos formativos não-formais, ou seja, que ocorrem para além do ambiente escolar
ou universitário. A respeito do que se dispõe como educação formal, não-formal e
informal (ARANTES; GHANEM; TRILLA 2008)269, quando olhamos de modo mais
atento a educação não-formal, ou, educação em espaços não escolares, nota-se que essa
pode vir a ser uma possibilidade de formação, onde, o conhecimento pode atingir
requisitos que constroem conhecimentos relevantes, e, que estão para além da tradição
formal, como por exemplo: a cidadania, o auto-conhecimento e a convivência.
A educação social vem ganhando, paulatinamente, mais espaço no meio
acadêmico e, com isso, acaba pondo em pauta reflexões sobre uma educação não
escolar, as relações entre os indivíduos e também sobre ações que ultrapassam os muros
físicos (e sociais) em torno da universidade. Seja na dimensão de uma sala de aula, ou
fora dela, as discussões sobre o campo se fazem necessárias, uma vez que a educação
social é imprescindível para a formação do indivíduo, além de inevitável, dado que
estamos sendo formados por espaços não escolares a todo o momento. No âmbito
269
No livro, os autores procuram esclarecer as diferenças entre educação formal, não-forma e informal,
onde, a formal corresponde a ambientes escolares, no geral. Já a não formal é referente a espaços não
escolares, como exemplo, hospitais, atividades extra-curriculares e museus. Por fim, a informal, onde, a
sua diferença entre as outras se da na intencionalidade, pois, nesse processo a intenção no processo
formativo é a de ensinar algo simples e momentâneo, a exemplo de uma receita de bolo ou uma
informação.
sumário 1748
VII Seminário Vozes da Educação
universitário, a educação social está inserida, também, nos projetos, nas pesquisas e na
extensão universitária.
A extensão universitária é, basicamente, um meio pelo qual a universidade pode
partilhar tudo àquilo que é produzido na mesma através do ensino e da pesquisa para
com a comunidade, promovendo desta forma uma troca de saberes significante.
Recomenda-se que esse processo formativo não seja realizado de modo unilateral, mas,
plural, pois, compreende-se que na ação extensionista deve haver a partilha mutua do
conhecimento entre os diferentes sujeitos e não uma hierarquização do conhecimento
dos mesmos. Dessa forma, se faz importante que o docente-extensionista 270 não
reproduza um processo similar ao da educação bancária271 (FREIRE, 1987) para com o
educando-extensionista272.
270
Docente-extensionista: educador que promove a extensão.
271
Diferentemente da educação libertadora, essa, reproduz uma tradição escolar a qual vê o aluno como
um sujeito passivo no processo de aprendizagem e o professor como aquele que transmite o
conhecimento.
272
Educando-extensionista: educando que participa da extensão.
273
O Jornal Extensão em FOCO é uma ação de extensionista da Coordenação de Difusão e Fomento à
Extensão (CDFEX) com o objetivo de, através do olhar e percepção dos discentes, divulgar e difundir as
ações de Extensão desenvolvidas na Universidade Federal Fluminense, no intuito de apresentar e
estimular o envolvimento tanto da comunidade acadêmica como da população em geral com as atividades
extensionistas.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
compromisso ético274 em torno da ação docente que tem por sua finalidade um preparo
para a vida em sociedade, fazendo com que este sujeito possa existir no mundo de modo
efetivo e significativo com seus próprios saberes. Essa reflexão está no seio da educação
social e é importante para compreendermos qual é o seu possível alcance e objetivo.
sumário 1752
VII Seminário Vozes da Educação
com outros indivíduos e família, por exemplo, são configurados como espaços não
escolares onde a prática educativa acontece, e essas são instituições nas quais nós,
enquanto membro da sociedade, passamos tempo significativo do nosso cotidiano e
também somos formados enquanto indivíduo. Esse ponto é algo extremamente caro
para a nossa discussão. No campo teórico, a pedagogia social se faz importante para
entendermos mais sobre essa relação entre o educador social e o educando. Evelcy
Machado (2002) diz:
[...] têm sido considerados, como objetos da pedagogia social, dois campos
distintos: o primeiro referente a socialização do individuo, socialização
compreendida como ciência pedagógica da educação social do individuo, que
pode ser desenvolvida por pais, professores e família; o segundo relacionado
ao trabalho social, com enfoque pedagógico, direcionado ao atendimento a
necessidades humano sociais, desenvolvido por equipe multidisciplinar da
qual participa o Educador Social, como profissional da pedagogia social
(MACHADO, 2002, pág. 3).
A autora citada evidencia nesse trecho aqueles que são os objetos da Pedagogia
Social e, por conseguinte, ajuda-nos a pensar sobre a ação da educação social para os
grupos sociais. Nesse sentido, essa tem a função e a capacidade de intervir
pedagogicamente nesses espaços a fim de contribuir para o processo formativo de
acordo com a demanda social apresentado em uma determinada localidade.
Desse modo, entendemos que essas ações mediadoras são parte daquilo que está
na essência da extensão universitária, que, para além de um compromisso cientifico e
fonte de desenvolvimento para aquele que promove a extensão, a mesma surge de uma
demanda social e ajuda a romper a distância que, em diversos momentos é estabelecida
entre a universidade e a população geral. Essa se apresenta também diversas vezes com
a educação básica também. Quanto a esses pontos, a LDB é bem clara no Art. 43º,
incisos VII e VIII que falam sobre as finalidades do Ensino Superior:
sumário 1753
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Embora a LBD por si só, se faz importante para um entendimento mais amplo
do processo educativo e reconheça a importância das ações extensionistas, a Resolução
N 2º, de 1º de julho de 2015 que dispõe as diretrizes curriculares nacionais para a
formação docente inicial em nível superior e para a formação continuada. No Art. 4º a
pauta está colocada da seguinte forma:
A partir dos documentos supracitados, infere-se que aqueles que não possuírem
a experiência contemplativa de experimentar esses três pilares da formação – o ensino, a
pesquisa e a extensão – terão uma formação deficitária, ou seja, carente de certos
elementos que são fundamentais para a experiência pedagógica como: a aproximação
com realidades diversas, dialogar com práticas não escolares, promover o direito a
educação para uma comunidade que talvez não tenha acesso e dar espaço para uma
troca de saberes entre a universidade e a população ao seu entorno.
Essa experiência acaba por promover a construção tanto do indivíduo que
promove a ação, ou seja, o docente-extensionista, quanto àquele que participa da ação,
ou seja, o educando-extensionista. O sociólogo Boaventura Santos faz reflexões
interessantes sobre a Universidade do século XXI e também sobre a Extensão. “[...] No
século XXI, só há universidade quando há formação graduada e pós-graduada, pesquisa
e extensão. Sem qualquer destes, não há universidade.” (SANTOS, 2004, pág. 46). Essa
provocação feita por Santos deve estar em voga quando pensamos qual o papel da
universidade na sociedade, sua contribuição para com a sociedade e os conflitos que
podem ser mediados pela mesma.
Mediante a essa obrigatoriedade e os pontos relevantes a essa prática,
acreditamos que seja oportuno refletir o porquê que essas práticas regularmente acabam
por não terem o devido apoio por parte das instituições que financiam os projetos de
pesquisa, e também o porquê de uma cultura acadêmica que, por sua vez, faz com que
parte do corpo pedagógico e institucional universitário não só não considere, em
proporções similares a ensino e pesquisa, a importância dessas ações na formação
docente como também não as colocam em prática.
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275
Professor Adjunto do DEDU da UERJ/FPP
276
O TEAR é um projeto de extensão pelo qual essa pesquisa é organizada. O projeto é orientado pelo
professor Arthur Vianna Ferreira.
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277
Com base em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estátistica)
278
Segundo Ferreira (2015) os diários de campo são divididos baseados na estrutura do método
fenomenológico de Husserl. Dessa forma, noema, noese e variação eidética constituem o diário de campo.
O noema refere-se à parte mais objetiva do relato analisado; é a descrição do fenomeno a partir de uma
percepção mais imparcial possível. O noese, ao do contrário, seria a parte subjetiva; é aqui que o sujeito
pode escrever suas lembranças, sentimentos e percepções do fenômeno, ou seja, como esse sujeito, o
analisador, reagiu ao objeto. A variação eidética ou redução eidética, é a forma de relatar o fenômeno a
partir da visão e dos sentimentos dos outros que fazem parte da ação. O relato é feito a partir do que o
outro demonstra mediante ao fenômeno. (FERREIRA, 2015, pág. 8).
sumário 1756
VII Seminário Vozes da Educação
isso, espera-se identificar o panorama das ações produzidas pelos grupos, estimular a
troca de saberes e possíveis caminhos para desenvolvermos a boa convivência em
sociedade.
Para atingir tais reflexões, os apontamentos de Xésus Jares (2007) se fazem
oportunos. O autor irá tratar da convivência humana e sua complexidade, sugerindo que,
as relações humanas são permeadas por um conflito que é inerente a nosso desejo.
Assim sendo, o que gera o conflito proposto por Jares (2007) são as diferenças
existentes em nossa própria maneira de existir no mundo. Quando transportamos essas
noções para a prática, em especial, para o contexto que analisamos, podemos notar
alguns aspectos relevantes.
Ao realizar uma ação de extensão em uma universidade pública em uma região
periférica do Rio de Janeiro, há de se considerar que as barreiras de classe e status social
são atenuadas. O ensino superior no Brasil foi marcado por um baixo acesso de
discentes e docentes oriundos de regiões periféricas, desse modo, é possível inferir que
o afastamento de tal realidade pode ser um ponto de conflito desses grupos no momento
da atividade de extensão. Jares (2007) explicita que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos pode servir de base para uma paz-positiva, entende-se, uma relação onde
existe o conflito e ele não é dado de modo violento.
Essa atitude violenta pode ser notada, por exemplo, quando um docente exerce
sua autoridade de um modo negativo, ou seja, ignorando todo o contexto, desejo, e
saberes dos alunos, transmitindo assim um conteúdo de modo imaleável e distante. Essa
distancia ocasiona em um processo formativo, onde, o docente não vai de encontro ao
outro, ou seja, buscar conhecer o contexto do outro. Pensando na formação docente,
Baptista irá trazer colocações que podem sugerir maneiras de como se preparar para
lidar com o outro. Segunda as palavras à autora:
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
ações se tornam válidas ou não, mas sim, pensar analisar e traçar reflexões sobre como
essas estão sendo produzidas e seus possíveis impactos.
A partir da experiência obtida nesse primeiro momento da pesquisa proposta
pelo TEAR, é possível notar pautas plurais como raça, pobreza, formação docente,
educação infantil, cultura e dentre outras inseridas nos grupos e coletivos do
departamento de educação e cabe fazer um exercício de pesquisa mais profundos e
observar como essas pautas são tratadas, os métodos e os recursos a fim de que ao final
dessa analise seja possível identificar como a Universidade pode contribuir de modo
relevante para as discussões dessas temáticas e também dar espaço para que esses
sujeitos se apresentem no meio acadêmico.
Conclusão
Se levarmos em consideração que a experiência é algo fundamental para
construirmos um processo formativo uns para com os outros, devemos, antes de
qualquer movimento, buscar conhecer a realidade em torno do sujeito e as suas reais
necessidades com o intuito de gerar uma ação verdadeiramente mobilizadora e o mesmo
processo deve ocorrer para com aqueles que compõem a universidade hoje. Deve haver
um movimento no qual universidade, enquanto corpo técnico, docente e discente, olhem
para si e se reconheça enquanto instituição de ensino que, para além do compromisso
com a sala de aula, terá um compromisso para além da mesma.
Faz-se necessário, portanto, buscar o estreitamento teórico e prático entre os
profissionais da educação do Educação Superior, da Educação Básica e da educação
social a fim de que essas ações legais sejam cumpridas e, para mais, constituam um
compromisso ético dos educadores para com aqueles que não têm acesso à diversidade
de práticas educativas e culturais existente nos diversos espaços sociais e não somente
nas escolas e universidade.
Por isso, cremos que as práticas de extensão podem ajudar a romper com
estruturas acadêmicas conservadoras e burocráticas e dar ao outro a oportunidade de
interagir com a mesma e reconhecer a sua importância para com a sociedade como um
todo, com isso, a mesma poderá se permanecer atemporal, pois ela se comunica com os
indivíduos que habitam a localidade. O estudo sobre as ações extensionistas, a formação
docente e o impacto sobre os grupos sociais se fazem relevante nesse aspecto: de
entender como a educação não formal potencializa laços de convivência entre os seres
humanos tão distintos a partir de posturas éticas de proximidade que irão gerar formas
sumário 1759
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
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Pontos e Contrapontos. 1. ed. São Paulo: Summus, 2008. v. 1. 168p.
BAPTISTA, Isabel. Dar rosto ao futuro: a educação como compromisso ético. Porto,
Portugal: Profedições, 2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1997.
______. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
JARES, Xésus. Educar para a paz em tempos difíceis. São Paulo: Pala Athenas,
2007.
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
que estabelece uma normalidade e julga todos que não se enquadram nela como
deficientes por não se adequarem a uma norma previamente estabelecida.
Talvez um diferencial na formação de futuras docentes seja pensar estudantes
com e sem deficiência a partir de uma lógica não medicalizante, buscando a realização
de práticas pedagógicas e a construção de uma escola inclusiva. Para isso,
experimentamos a extensão universitária enquanto discentes de Pedagogia e futuras
docentes por meio do Projeto: “Encontros com educadoras/es na Baixada Fluminense:
diálogos a respeito de inclusão e mediação”, realizado na Faculdade de Educação da
Baixada Fluminense (FEBF/UERJ), em Duque de Caxias. Entre os objetivos do projeto
está o debate sobre concepções de deficiência a partir de uma perspectiva não
medicalizante, que possa permitir a valorização das diferenças ao invés de práticas que
criem sujeitos excluídos por não se adequarem à normalidade previamente
estabelecida.
O projeto de extensão do qual fazemos parte convida a comunidade docente
(professoras, mediadoras, agentes de apoio à inclusão, agentes de educação especial,
orientadoras pedagógicas, equipes da gestão escolar e educacional, entre outras) da
Baixada Fluminense para participar de encontros de formação continuada. Nesses
encontros, há centralidade na discussão e no compartilhar de experiências da prática
dessas pessoas na relação com a deficiência. Há espaço para escutas, escritas, leituras e
ressignificações. São propostos textos que apresentam conceitos e referenciais a partir
do modelo social de deficiência, que nos permite entendê-la “não como uma
desigualdade natural, mas como uma opressão exercida sobre o corpo deficiente”
(DINIZ, 2012, p. 19). Ou seja, a deficiência é produzida a partir do encontro com a
sociedade e suas práticas, nas barreiras sociais, no planejamento dos espaços que não se
pautam na diversidade. Com essa referência, percebemos que poderíamos registrar
nossas experiências e registros e compartilhar o que temos feito no projeto de extensão
universitária a partir do que temos vivenciado e elaborado na nossa formação e em
nossas práticas de estudo. Partimos da participação no projeto e suas contribuições na
formação discente e na prática escolar para apresentar a construção de novas percepções
sobre os alunos que se encontram em situação de inclusão, termo que nos remete à ideia
de Beyer (2006 apud KAUFMAN, TABAK, 2016, p.30) de que “os alunos em situação
de inclusão são aqueles que, no encontro com os funcionamentos da escola, produzem
uma relação com desafios, com dificuldades. ” O espaço da inclusão é apenas umentre
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VII Seminário Vozes da Educação
tantos outros, no qual o aluno pode estar em diferentes momentos, podendo deixar de
estar de acordo com as suas diferentes necessidades (KAUFMAN, 2016).
Dessa forma, o principal objetivo do presente trabalho é apresentar os relatos de
três estudantes de pedagogia, enquanto participantes do projeto, em diferentes posições
de fala: estudante voluntária e professora já formada em Geografia (E1), estudante
voluntária e professora com mais de 20 anos de atuação nos anos iniciais (E2) e
estudante bolsista que tem experiência familiar com a deficiência (E3). Propomo-nos a
pensar as (trans)formações que vivemos na compreensão da deficiência e das práticas
pedagógicas inclusivas, desde a nossa experiência discente.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Relatos de experiências
E1: No ano de 2018, recebi em uma de minhas turmas de nono ano um aluno
diagnosticado (com laudo médico) como Asperger. A ênfase aqui dada ao diagnóstico
não tem por objetivo estereotipar o aluno, mas sim, construir uma possibilidade de
análise, que adiante será retomada e nos possibilitará entender a construção de um outro
olhar sobre o aluno.
O estudante chama-se Lucas e estava com catorze anos, era um jovem bastante
sorridente e participativo nas aulas, socializava-se de forma bem espontânea com os
demais alunos da sala. A relação com os professores era sempre de grande troca,
perguntava e questionava em todas as minhas aulas. Na semana da chegada de Lucas, a
direção da escola informou a turma e aos professores que receberíamos “um aluno
Asperger” (eu fui avisada somente depois de ter ministrado a aula na turma de Lucas), e
que ele possuía algumas dificuldades motoras. Nesse momento eu não sabia muito o
que era isso e quais as necessidades que esse futuro aluno teria. Não houve nenhuma
orientação por parte da direção sobre caminhos que pudessem facilitar essa chegada ou
qualquer coisa relacionada às práticas pedagógicas.
O primeiro contato com Lucas aconteceu de forma natural, sem saber que ele era
um aluno em situação de inclusão. Ministrei minha aula normalmente, achando que era
apenas mais um aluno. Perguntei seu nome, me apresentei, e segui a aula. Após ser
avisada, fiquei surpresa, pois esperava diante de uma apresentação que frisava o seu
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
diagnóstico, que seria necessário uma grande preparação e estudos para buscar
caminhos.
No decorrer do ano letivo e da aproximação com o aluno, foi possível conhecer
um pouco mais de sua história. Lucas é apaixonado por esportes e sonha ser locutor
esportivo e realizar a narração de um jogo do Fluminense, seu time de coração. Era de
se esperar que Lucas não pudesse fazer esportes que necessitasse de movimentos ágeis
ou muita coordenação, já que seu diagnóstico indica uma maior dificuldade motora.
Como eu sei disso? Após saber que ele seria meu aluno, pesquisei um pouco sobre a
Síndrome de Asperger na internet. Bastou alguns cliques para saber do que se tratava e
que condições eu supostamente enfrentaria. Ilusões e contradições foram o que se
seguiu nessa experiência.
Lucas não amava apenas o esporte, ele praticava! E como jogava! Disputava
todas as bolas no futebol, nas aulas de educação física e no recreio. E eu me
questionava: como? Mas minhas inquietações ficavam sempre em segundo plano, pois o
tempo corrido entre as turmas nem sempre me permitia uma análise ou reflexão mais
questionadora.
Entre as explicações e os exercícios, Lucas contava alguma história de sua vida e
acabamos nos conhecendo um pouco mais. Sempre que o conteúdo lhe interessava ele
tinha várias perguntas. O ano de 2018 foi marcado por vários e intensos debates sobre a
questão política, e ele sempre tinha uma opinião para colocar. Lucas nunca realizou uma
prova diferente dos demais alunos, a direção nunca solicitou e, em minha disciplina, não
via essa necessidade. Ele as realizava muito satisfatoriamente.
No último bimestre do ano, a família de Lucas passou por problemas pessoais
relacionados à saúde de sua irmã, precisando mudar de endereço, o que inviabilizava a
frequência escolar. A escola permitiu que no último bimestre o aluno fosse avaliado
através de trabalhos, e que as avaliações finais fossem realizadas em horários
diferenciados, que se encaixassem na dinâmica que a família estava vivenciando.
No conselho de classe final, a pauta mais longa foi a aprovação ou retenção de
Lucas, devido a um resultado abaixo da média em português. O professor alegava que
ele não realizou um trabalho, e não via nele um esforço para mudar ou superar alguma
dificuldade na disciplina. O professor relatou que em outro momento havia lecionado
para um aluno com Síndrome de Down e, segundo ele, essa deficiência era muito mais
grave, e o aluno nunca havia deixado de entregar nenhum trabalho e foi aprovado por
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
os outros, e assim passou a ter um relacionamento muito mais próximo com todos os
integrantes do espaço escolar.
E3: A experiência de matrícula de meu irmão Rafael em sua primeira escola,
gerou em minha família, e por consequência em mim, uma profunda sensação de
frustração. No ano de 2014, decidimos matricular o Rafael em uma escola, para que ele
pudesse desfrutar do convívio com outras crianças e iniciar sua caminhada pedagógica.
Essa primeira tentativa acabou por terminar em uma mistura de sentimentos negativos.
No dia em que minha família foi fazer a matrícula, foi avisado que a criança
tinha Síndrome de Down e que tinha também uma condição chamada defeito do Septo
Atrioventricular (DSAV), mas que estava sendo medicado e que, até aquele momento,
não era indicada a realização de cirurgia cardíaca. No dia seguinte, a diretora chegou
apresentando duas propostas: devolver à família o valor pago pela matrícula, ou a
família ficaria responsável em arcar com as despesas da contratação de uma enfermeira
para acompanhá-lo durante as aulas. Optamos pela devolução do dinheiro. A sensação
foi de que a escola tinha comprado uma mercadoria e não tinha gostado, e parecia estar
fazendo a devolução.
A partir disso vários questionamentos começaram a surgir. Qual é o real papel
da escola no processo de inclusão? É direito de uma instituição negar a uma criança o
acesso à educação, ainda que seja uma instituição privada?
Hoje compreendo que não, já que o acesso à educação é direito fundamental do
ser humano e não pode ser limitado ou restrito. Há diferentes leis que regulamentam o
acesso à educação, como apontam alguns artigos da Constituição Federal, de 1988:
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VII Seminário Vozes da Educação
privada, próxima o nosso local de moradia. Novamente a experiência não foi muito
positiva.
Por várias vezes, minha mãe foi à escola para resolver questões de secretária e,
deparou-se com meu irmão sozinho pelo pátio da escola. A matrícula não foi recusada,
mas não havia um lugar ocupado por ele na escola. Refletindo melhor, havia um lugar,
o da exclusão.
Minha família sempre teve resistência em nos matricular em escolas públicas,
mas após conversas com algumas professoras na faculdade, convenci minha mãe de que
a escola pública poderia ser uma opção para o Rafael. Hoje ele se encontra matriculado
em uma escola municipal, e em alguns momentos é acompanhado por uma mediadora.
A escola atual tem diversos alunos em situação de inclusão. Frequentemente as
professoras estão presentes em palestras sobre deficiência, e os temas são levados a
salas de aula, onde os alunos debatem e fazem apresentações sobre deficiência. Tais
práticas contribuem para a formação de todos os alunos, pois construí um novo olhar
sobre as diferenças, não como anormalidade, mas como algo ordinário, comum a todos
nós.
É necessário que ocorram mudanças nas atitudes e uma conscientização no meio
escolar para que haja um maior engajamento em práticas inclusivas efetivas. Os
desafios, dilemas e barreiras encontradas por pessoas com deficiência precisam ser
expostos como uma forma de conscientização da vida humana.
As escolas têm a obrigação de incluir alunos deficientes no ambiente escolar de
forma respeitosa. Mesmo havendo a necessidade de apoio do mediador, o aluno
continua sendo responsabilidade da escola e da professora regente. É preciso repensar as
práticas pedagógicas, rever conceitos e pré-conceitos, reavaliar as necessidades de cada
aluno, pois nem sempre é necessária a intervenção de uma pessoa. A pessoa com
deficiência não necessita constantemente de cuidados, ou demanda uma enfermeira
como a primeira escola exigia. O aluno, em situação de inclusão, poder ser mediado
através de diferentes elementos, que podem ser desde mediadores até objetos com os
quais o estudante se identifica, ou seja, é possível que haja mediadores humanos e não
humanos (KAUFMAN, 2016).
Transformações
E1: Hoje Lucas frequenta uma escola da rede estadual/RJ e cursa o primeiro ano
do ensino médio. O contato com o aluno se manteve mesmo após sua saída da escola.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Lucas envia mensagens para tirar dúvidas de sua matéria, ou mesmo para contar sobre
seus romances. Mesmo sabendo de sua deficiência, Lucas nunca havia mencionado
nada em relação a ela para mim, apenas após um relato pessoal em um aplicativo de
mensagens sobre minha experiência com uma deficiência semelhante na minha família,
é que ele me procurou e contou sobre seu diagnóstico, eu também não havia tocado na
questão.
Retomo aqui a questão do diagnóstico, citado no início do relato. A escola
apresentou Lucas a partir de um olhar medicalizante, pensando sua deficiência como um
fator descritivo e definitivo de sua personalidade, de sua ação como sujeito. Era preciso
pensá-lo não como o “aluno com Asperger”, mas como um aluno com potencialidades e
dificuldades que são, afinal, comuns a qualquer discente em processo de aprendizagem.
Lucas não era isolado, não apresentava dificuldades cognitivas exacerbadas, a
sua dificuldade motora não era um impedimento, era comunicativo e participativo,
características que não foram exploradas pela escola e pelo corpo docente, pois
pensava-se no aluno a partir de seu diagnóstico e não como o sujeito que ele realmente
era.
A escola apresentou uma postura autoritária e cheia de desconhecimento sobre o
aluno. O professor de português demonstrou uma grande resistência, resistindo a uma
nova avaliação, um outro olhar sobre o aluno. Ao estereotipar, pensou-se Lucas a partir
de sua deficiência e não como um indivíduo com habilidades, vontades e afinidades
com certos conteúdos escolares. Eu sinto que pude construir propostas diferentes e que
encontrei limitações também, foi um processo que permitiu uma nova aprendizagem,
uma outra perspectiva sobre como olhar para deficiência e suas supostas limitações.
Naquela época, mesmo sem clareza, pude viver um processo importante para a minha
formação, uma aproximação de outra perspectiva para pensar e se relacionar com
deficiência e suas supostas limitações. O processo de inclusão na escola, naquele
momento, foi pouco efetivo.
Hoje eu consigo olhar para essa história e pensar diversas formas de fazer todo o
processo de inclusão de maneira diferente. A principal delas é partir da sensibilidade do
olhar - quem é meu aluno? O que ele mais gosta de brincar? Quais são as suas
curiosidades? Quais são os seus sonhos? Com o conhecimento teórico e as experiências
trocadas nos encontros promovidos pelo grupo de extensão, pude perceber que a
deficiência não está relacionada a uma incapacidade, falta ou limitação. É um fator
muito mais associado a uma sociedade pautada em uma lógica produtivista, que
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Considerações finais
As experiências com as quais nos deparamos durante nossas trajetórias nos
levaram a busca por respostas. O encontro com a licenciatura em pedagogia começou a
deslocar nossas perspectivas e concepções para novos entendimentos e práticas
possíveis diante da deficiência.
A deficiência, antes entendida como uma falta, incapacidade, inadequação,
ganhou um novo significado, pois percebemos e passamos a entendê-la através do olhar
da diferença. Somos, afinal, todos diferentes, e é necessário que possamos entender as
particularidades de cada indivíduo, e buscar em suas singularidades as estratégias de
aproximação, de inclusão desse sujeito no espaço escolar e na sociedade.
Os encontros, as trocas de experiências, as leituras e os debates proporcionaram
a ressignificação de diversos conceitos e práticas pedagógica, que agora nos permite
realizar um trabalho e caminhada mais justa, pautada no aluno, pensando-o como um
sujeito de direitos, ativo em seu processo de ensino e aprendizagem. Para isso, é
fundamental que possamos olhar para as diferenças e reconhecer nelas infinitas
possibilidades de ações.
A participação no grupo de extensão tem colaborado para a realização de todo
processo de mudança que vivemos. As discussões no grupo provocam e, a partir das
inquietações experimentadas, começamos a problematizar as situações vividas com
nossos alunos e/ou familiares. As experiências descritas neste artigo reverberam fatos
que acontecem diariamente e que marcam profundamente a vida de professores em
formação. Com relação aos familiares, a sensação de não estarem sozinhos produz um
caminho para a quebra de silêncio e demonstra que cada pessoa tem a sua
especificidade e que é possível transformar silêncio em luta e resistência.
Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de
1988. http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_
205_.asp.
DINIZ, Débora. O que é deficiência. 1° edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 2012.
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KAUFMAN, Nira. Cinco pistas para uma mediação escolar não medicalizante. In:
conversações ente psicologia e educação. Org. Comissão de Psicologia e Educação do
CRP-RJ 5° região. Rio de Janeiro: CRP- RJ 5° região, 2016.
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Considerações Iniciais
O presente texto, fragmento de uma pesquisa de doutorado em curso, busca
colocar em relevo as maneiras como os licenciandos praticantespensantes1 da vida
cotidiana (OLIVEIRA, 2012) criam suas escritas docendo2 nos espaçostempos
universitários, considerando as relações próprias e potentes com a oralidade (e a
leitura), que são interdependentes, mas guardam suas especificidades.
Trata-se de uma pesquisa nosdoscom os cotidianos que, nas palavras de Garcia
(2014, p. 82):
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Pontua em seguida (2014, p. 8), que “o que se entende até hoje como
relações normais de escrita e leitura, (...), poderia ser visto agora como relações
específicas e frequentemente problemáticas, ou mesmo precárias, em uma distribuição
desigual da escrita e da leitura e nas relações incertas entre formas de escrita e formas
de fala”.
De Certeau oferece recursos para a compreensão das práticas cotidianas e
destaca a fala como prática do tipo tática. Aponta que: “essas táticas manifestam
igualmente a que ponto a inteligência é indissociável dos combates e dos prazeres
cotidianos que articula, ao passo que as estratégias escondem sob cálculos objetivos a
sua relação com o poder que os sustenta, guardado pelo lugar próprio ou pela
instituição” (ibidem, p. 47), levando-nos a compreender que a escrita é,
hegemonicamente, uma prática do tipo estratégica – o que nos impõe o desafio de
buscar potência em outras escritas e maneiras de lidar com posicionamentos
preconceituosos da oralidade, tal como destacado por Marcuschi e Dionísio (2007, p. 7)
quando afirmam que: “A distinção entre fala e escrita vem sendo feita na maioria das
vezes de maneira ingênua e numa contraposição simplista (e) as posições continuam
preconceituosas para com a oralidade”.
Concebemos que cabem às interações orais a maior parte das aprendizagens e
realizações das atividades cotidianas. As percebemos como repletas de nuances que
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circulam na sociedade; fio condutor da relação entre os sujeitos, com ele mesmo, e com
o mundo, revelando como resistimos na dinâmica da vida social, cultural, política e
econômica dos nossos espaçostempos.
Interessam-nos assim, escritas que, enquanto práticas educativas da vida
cotidiana são desenvolvidas contra-hegemonicamente. Interessam-nos os praticantes da
vida cotidiana (CERTEAU, 1994) que criam modos de escrever contrariando o
descontextualizado, o imposto autoritariamente, o retrocesso na diversidade cultural
peculiar aos espaços escolares.
Nas nossas pesquisas buscamos sinalizar pistas a partir das nossas escolhas
teóricas, práticas e epistemológicas – sempre políticas. Escolhi trabalhar com as
conversas e as entrevistas em redes, entendendo-as como metodologias convergentes e
potentes na construção de caminhos de investigação. Tanto as narrativas individuais
captadas qualitativamente nas entrevistas, quanto as conversas na pesquisa são escolhas
metodológicas de base oral e que impõem desafios. A premissa aqui é a de através da
oralidade é possível contribuir para a superação de invisibilizações e silenciamentos na
produção de discursos nos currículos. Afirmamos compreender a oralidade enquanto
meio de expandir as percepções sobre as subjetividades que emergem nos contextos
escolares através da linguagem oral, na produção/compreensão curricular e na
fabricação de saberes coletivos nos/dos espaçostempos pesquisados
Quando nos estudos com os cotidianos, nos dispomos a investigar o que “passa
quando nada se parece passar” (PAIS, 1993), é no intuito mesmo de “encontrarmos
condições e possibilidades de resistência que alimentam a sua própria rotura” (ibidem,
p. 108).
Debruçar-me então sobre os modos como produzimos nossas falaescritafalas
considerando a complexidade do cotidiano significa, para mim, mais um desafio: o de
eleger o movimento como ponto de partida e de chegada.
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. –
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 5ª ed. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2013. – (Coleção linguagem).
LARROSA, Jorge. Elogio da escola. Tradução Fernando Coelho –1. Ed. – Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2017. – (Coleção Educação: Experiência e Sentido).
PAIS, José Machado. Nas Rodas do Cotidiano. Revista Crítica de Ciências Sociais. n.
º 37. Junho, 1993.
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______. Pela mão de Alice: o social e o político na pós modernidade. – 14. ed. – São
Paulo: Cortez, 2013.
Notas
1- Os neologismos unidos grafados em itálico apresentam-se como recursos utilizados nas pesquisas
nos/dos/com os cotidianos, propostos por Alves (2008) como modo de romper com as dicotomias do
pensamento moderno e como possibilidade de produzir novos sentidos para aquilo que fomos levados a
perceber de maneira fragmentada. A junção dos termos possui justamente o sentido de mostrar a
consciência de uma superação de limites da nossa formação.
2- O neologismo faz referência específica ao período de formação inicial dos licenciandos, futuros
professores. Compreende a noção como possibilidade potente de dar visibilidade às peculiaridades do
referido período.
3- Parte dessa seção foi usada como contribuição ao Trabalho Encomendado à minha orientadora, Prof.a
Dra. Alexandra Garcia Lima, para a Anped 2019 (As múltiplas e complexas redes educativas e as
diferentes formas de produzir conhecimentossignificação para além dos textos escritos), sob o título: A
potência de outras escritas e da oralidade na produção de conhecimentos: redes educativas de resistência
nas pesquisas com os cotidianos, com parte intitulada: A oralidade como potência de produção de saberes
coletivos.
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VII Seminário Vozes da Educação
1. Um campo em construção
O habitus é um conceito complexo e amplo, que foi utilizado por Aristóteles,
Durkheim, entre outros estudiosos de diferentes áreas: iconográfica, linguística,
sociológica (PANOFSKY, 1986; CHOMSKY, 2006; ELIAS, 2008; WEBER 279 ;
BOURDIEU, 1996, 2007a, 2007b, 2009, entre outros). O conceito foi traduzido da
palavra grega hexis, que Aristóteles definiu como “as disposições adquiridas do corpo
de da alma” (DUBAR, 2005, p. 77). Foi no século XIII que o termo foi traduzido para o
latim (habitus) por São Tomás de Aquino e analisado na Suma Teológica, adquirindo o
sentido de “disposição durável suspensa”, situada entre a “potência” e a “ação
propositada” (WACQUANT, 2007, p. 65).
Durkheim, por sua vez, empregou o conceito para analisar a natureza do trabalho
pedagógico. No texto Évolution pédagogique em France, Durkheim discute sobre este
estado profundo da alma, sobre o qual o educador deve exercer ação duradoura (apud
DUBAR, 2005). Contudo, é Bourdieu, estando a par das abordagens filosóficas do
conceito, quem o amplia, renovando a noção de habitus e propondo-a como meio de
“romper com a dualidade do senso comum entre indivíduo e sociedade”, na intenção de
captar a “interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade”
(WACQUANT, idem).
Em um dos capítulos da obra A socialização: construção das identidades sociais
e profissionais Dubar (idem) analisa a socialização como incorporação do habitus. O
autor sistematiza as abordagens deste conceito, resumindo algumas evocações de
Bourdieu sobre suas possibilidades de aplicação, evidenciando que o habitus deve ser
tomado enquanto “princípios geradores e organizadores de práticas e de
279
Particularmente no texto Wirtschaft und Gesellschaft (1918), publicado na obra Economia e Sociedade
(2009).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
representações” 280
. Dubar, revisitando o desenvolvimento da noção de
habitusbourdieusiano também lembra que este não deve ser reduzido às influências e
determinantes (no sentido de limites) da socialização primária, compreendida, por
exemplo, pelas ações familiares e educativas (intencionais ou não), mas às próprias
trajetórias sociais. Por outro lado, tais itinerários sociais não devem ser definidos apenas
pela cultura do grupo de origem, mas, sobretudo, pelas formas como estes grupos
projetam a descendência. Nesta acepção, importa analisar a posição social e os
comportamentos típicos da posição de classe 281, sem perder de vista a influência dos
percursos individuais e suas associações a campos sociais específicos. Por isso, o
habitus enquanto constructo teóricopode ser capaz de exprimir ao mesmo tempo uma
posição e uma trajetória.
A noção de habitus em Bourdieu (2009) sempre esteve confrontada com a visão
escolástica sobre o senso prático, que dizia respeito à lógica em ação e que concebia um
sujeito dotado de consciência, capaz de observar o mundo como espetáculo e construir
uma representação sobre ele. A representação, neste caso tomada como verdade, era
estratégia de compreensão e sinônimo da lógica prática da ação – um subterfúgio
teórico insuficiente para apreender a complexidade das ações sociais, na visão de
Bourdieu. O conceito de habitus, neste sentido, parece ter sido construído como
resposta a uma tradição utilitarista e a sua insuficiência em lidar com o essencialmente
subjetivo, fora de uma lógica causal de ação e reação, consciente na sua relação com o
mundo.
A noção de habitus em Bourdieu está estruturada pela posição do agente no
espaço social. A sociedade (espaço social e campos) conforma a posição dos agentes,
sendo simultaneamente contexto para a constituição das disposições e para as tomadas
de posição. As ações práticas dos agentes estão intimamente relacionadas à sua
socialização, que assumem forma(s) corporificada(s) por meio dos habitus e que se
expressam nas atitudes, gostos, opiniões, habilidades, valores e disposições. Em
movimentos que se retroalimentam, o habitus é uma interiorização da exterioridade e
uma exteriorização da interioridade. Os habitus, convertidos em ações, retornam ao
longo do tempo, reconfigurados ao espaço social.
280
O trecho trazido por Dubar (2005) foi retirado da obra Le Sens Pratique (BOURDIEU, 1980, p. 88).
281
Como fez Bourdieu (2007c), quando analisou o habitus na perspectiva do espaço dos estilos de vida,
indicando a associação entre o princípio gerador das práticas (gostos, escolhas, valores) às posições
sociais dos indivíduos: burguês (distinto), pequeno-burguês (pretensioso) e povo (modesto).
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VII Seminário Vozes da Educação
A noção de habitus vem sendo utilizada como uma teoria ampla, que tem se
prestado à tradução dos processos de socialização e aprendizagem do homem, desde
Aristóteles. SETTON (2002), ao propor uma releitura da noção de habitus, faz jus a sua
origem complexa, mas flexível e a utiliza como ferramenta para a compreensão dos
novos modelos de socialização e de formação de identidades. A autora exemplifica a
possibilidade do habitus ser uma ferramenta de análise útil num contexto cultural
amplo, no qual o mundo social é confrontado por diferentes agências de socialização.
Em alguns de seus trabalhos, vimos propostas bem-sucedidas de metodologias
inspiradas pela noção de habitus em Bourdieu (SETTON, 2005).
A teorização sobre o habitus, apesar de complexa, é tomada como capaz de
orientar o trabalho de campo e direcionar o olhar do pesquisador para as nuances da
experiência social dos agentes na execução de suas atividades familiares, estudantis e
profissionais.
Em diferentes trabalhos de pesquisa empreendidos, a adoção da perspectiva do
habitus, proporcionou elencar rotinas, disposições e habilidades, caracterizando o
conhecimento prático derivado das rotinas familiares e escolares, expresso nos valores,
opiniões e percepções sobre a vivência escolar, que se exteriorizam nas ações e nos
depoimentos de estudantes (BRANDÃO, 2010; BRANDÃO, CANEDO e XAVIER,
2012; XAVIER, 2015).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
rearranjos e nas trajetórias de agentes que guardam influências, mas que são sempre
protagonistas, demonstrando que é possível e necessária a composição de arranjos
metodológicos voltados para uma Sociologia do Sujeito e uma Sociologia de Si
(MICHEL, 2012).
A ambição da pesquisa foi a de um olhar compreensiva sobre o conjunto de
disposições escolares favoráveis (cognitivas e comportamentais, objetivas e subjetivas),
caracterizando práticas e hábitos que são base da qualidade de ensino, nos levou a
produzir um grande volume de dados. Tínhamos em mente todo o tempo a variação de
escalas de observação (REVEL, 1998) nesta investigação exploratória do habitus
escolar.
Este panorama metodológico de pesquisa poderia retratar a articulação de
perspectivas gerais (de longe) com as mais próximas (de perto). Pais e filhos foram
entrevistados em casa, na escola, numa tentativa de nos aproximarmos da
microssituação (COLLINS, 2000), concebendo a entrevista como um espaço para a
reflexão sobre as ações e como momento privilegiado para delinear as impressões
pessoais sobre as rotinas e valores constitutivos do habitus. O complexo conceito de
habitus pode funcionar neste contexto como um elo entre macro e micro abordagens, na
medida em que carrega em seu significado as disposições e valores individuais, bem
como os elementos estruturais do campo social em que foi forjado. Da análise da
sociedade a uma sociologia do indivíduo, o conceito de habitus e das disposições
cultural e socialmente herdadas ilustra a conexão entre ações individuais e coletivas.
De forma semelhante, porém ampliada, à análise das impressões
familiares, apresentamos estas sínteses, antecedidas de quadros contextuais, como o
estabelecimento de possível argumento de autoridade, emoções identificadas durante as
entrevistas (empatia, timidez, apatia), procurando destacar a linguagem do corpo –
entendido como elemento que contribui fortemente na modelagem do habitus
(BOURDIEU, 2011a: 234). Na análise das entrevistas, foi respeitada a integridade dos
textos, com ênfase às expressões nativas dos entrevistados.
O corpo socializado desenvolve propensões e aptidões, que são condições
particulares que os munem de disposições diferenciadas para entrar no jogo. Bourdieu
(2007a, p. 184-5) esclarece, dizendo que o princípio da ação está numa interseção “do
corpo no mundo social e do mundo social no corpo”. A investigação do habitus
acadêmico e profissional se articula aos indivíduos, aos pertencimentos familiares e às
instituições acadêmicas e profissionais, com seus projetos e práticas recorrentes,
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
4. Um horizonte em construção
Espera-se, em futuro próximo construir um corpus de pesquisa que possa
caracterizar as relações entre formação superior e inserção profissional, aproximando
assim educação e mundo do trabalho; desenvolver instrumentos e estratégias de
pesquisa em composições metodológicas menos ortodoxas e mais aptas a captar a
complexidade do processo de formação discente e sua inserção no mundo profissional.
Almejamos estimular e ajudar a construir quadros teórico-metodológicos que
contribuam para a aproximação entre as necessidades de qualificação profissional e o
desenvolvimento de programas de formação contínua (FONTOURA, 2019; LEITE &
FONTOURA, 2018). Além disso, espera-se contribuir para análises sociais lastreadas
em pesquisas empíricas que auxiliem nos planejamentos das instituições e organizações
sociais envolvidas, de forma a impactar itinerários formativos discentes e docentes,
programas de estágio e projetos pedagógicos de formação acadêmico-profissional.
Em um mundo social, que cada vez mais se configura como líquido e fluido
(BAUMAN, 2007), no qual tantos estudos insistem, ainda, em analisar o indivíduo e a
sociedade como entidades dissociadas (ELIAS, 1994; CORCUFF, 2001), sigamos
impulsionados a construir desenhos metodológicos menos ortodoxos, humanos,
contextualizados e condizentes à complexidade da vida social em aproximação entre os
olhares, vozes e experiências de alunos e professores.
Referências
AMARAL, da Fontoura, H. Desafios da formação docente: o curso de Pedagogia da
Faculdade de Formação de Professores (FFP/UERJ). Revista Formação Docente, v.
11, p. 57, 2019.
sumário 1794
VII Seminário Vozes da Educação
_______. (2009). O Senso Prático. Rio de Janeiro: Ed. Vozes. Trad. Maria Ferreira e
Luiz Odaci Coradini.
BRANDÃO. Z.; CANEDO, Mª. L.; XAVIER, A. (2010). Family and school in solidary
construction of student habitus. In: XVII ISA World Congress of Sociology:
Sociology on the move, Gothenburg, Suécia.
sumário 1795
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
_______. (2009). A socialização como fato social total: notas introdutórias sobre a
teoria do habitus. Revista Brasileira de Educação, Ago, vol.14, no.41, p.296-307.
ISSN 1413-2478.
XAVIER, A. (2009). Jovens Elites Escoares: uma análise sociológica dos hábitos de
leitura. Dissertação de Mestrado. 185 f. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro – PUC-Rio. Departamento de Educação. Rio de Janeiro.
sumário 1796
VII Seminário Vozes da Educação
WACQUANT, L. (2007). Esclarecer o habitus. In: Educação & Linguagem. Ano 10,
n. 16, jul-dez, pp. 63-71.
sumário 1797
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Introdução
O conhecimento vem sendo o maior, senão o mais importante fio condutor do
avanço e desenvolvimento humano, estando a serviço da sociedade como construção
histórica, socioeconômica e como relação de poder, partimos do pressuposto que deter o
conhecimento, é apropriar-se de um bem cultural, que historicamente vem sendo
colonizado pelos grupos sociais de alto poder aquisitivo, induzindo as desigualdades
educacionais evidenciadas nas escolas públicas. Considerando estas premissas, o estudo
estrutura-se a partir da dualidade entre avanços e desafios das políticas públicas a
respeito das TIC implementadas na educação brasileira.
Observando o notório e extenso investimento que o Brasil vem fazendo em prol
da democratização do acesso à tecnologia e à internet, percebemos que ainda assim os
projetos não alcançaram todo território nacional de maneira adequada, satisfatória e
inclusiva, sobretudo para os integrantes das camadas mais populares.
A educação brasileira vem acompanhando o avanço tecnológico, na medida que
suas políticas apontam para a modernização dos meios numa perspectiva de prevalência
econômica.
Julgamos importante discorrer sobre as aproximações-distanciamentos entre a
tecnologia da informação e comunicação e educação afim de refletir sobre o papel de
ambas na atual conjuntura social brasileira para que as TIC não sejam reconhecidas
apenas como mero recurso instrumental potencializadora das propostas de
desenvolvimento econômico, com um fim em si mesma, contrapondo-se à sua própria
finalidade como elemento estruturante; e mesmo a educação não seja exclusivamente
um caminho para a modernização social.
sumário 1798
VII Seminário Vozes da Educação
Nesse sentido concordamos com Nelson Pretto que complementa dizendo que
“as finalidades próprias do sistema educacional têm sido relegadas a um patamar
secundário, [...] sendo utilizado como uma mera estratégia para a consolidação dos fins
propostos por outras áreas, em especial a [...] econômica e a [...] técnico-científica.
(BONILLA; PRETTO, 2000, s/p).
No escopo dessas discussões, buscamos neste recorte enfatizar o mapeamento do
percurso histórico da informática e tecnologia nas escolas brasileiras destacando as
principais iniciativas de informática educativa desenvolvidas no país.
282
O teletipo é um sistema de transmissão de textos, via telégrafo, por meio de um teclado que permite a
emissão, a recepção e a impressão da mensagem. Ele foi inventado em 1910 e permitiu o envio de
mensagens a distância utilizando o código Baudot, criado por Émile Baudot em 1874.
sumário 1799
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1800
VII Seminário Vozes da Educação
283
Por meio de várias observações, com crianças, o professor e biólogo suíço Jean Piaget (1896- 1980)
deu origem à Teoria Cognitiva. Ele valorizou o potencial infantil pela legitimidade cognitiva (ligada ao
saber), social, afetiva (ligada à postura e sentimentos) e cultural. Segundo o pesquisador, existem quatro
estágios de desenvolvimento cognitivo no ser humano, relacionados com o saber: Sensório-motor, Pré-
operacional, Operatório-concreto e Operatório-formal.
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sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
O Projeto Formar
A proposta da formação era um marco na educação pública do país e foi de
fundamental importância porque disseminava as ideias de uma prática pedagógica
diferenciada com a utilização do computador, além da possibilidade de elaborar
propostas para disseminar o uso a partir dos estudos teóricos e discussões entre os
professores de diversas partes do Brasil.
O Projeto Formar fora criado a partir das recomendações do Comitê Assessor de
Informática e Educação (Caie) do Ministério da Educação (MEC), operacionalizado
como curso de especialização em Informática na Educação, em nível de pós-graduação
lato sensu, realizados na Unicamp, em 1987 e 1989. Tinha como objetivo principal
formar professores com vistas a implantação dos Centros de Informática Educativa
(CIEd) visando atingir um número expressivo de profissionais em boa parte do território
brasileiro. A proposta era propagar os conhecimentos sobre informática educativa,
ampliando as pesquisas e atividades na área para além dos centros do Educom,
sumário 1803
sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
O Programa Proninfe
Na década de 90 houve uma fase de estagnação de investimentos e mesmo de
políticas públicas na área, precedida pela inovação dos equipamentos e softwares,
ocasionando muitas baixas e até mesmo abandono das atividades e projetos. As
propostas que dependiam exclusivamente das verbas federais foram as primeiras a
pararem suas ações, enquanto outros grupos mais comprometidos e resistentes
refletiram sobre a possibilidade de continuar e buscar novos rumos para o trabalho com
a Informática em Educação, mesmo frente as grandes dificuldades do momento.
Umas das ações proposta pelo Brasil foi a realização de uma Jornada de
Trabalho Luso-Latino-Americana de Informática na Educação, que aconteceu em
Petrópolis em 89 e consistia na identificação de possíveis áreas de interesses comum
relativo à formação de recursos humanos e à pesquisa que pudessem contribuir ou
mesmo custear um futuro projeto internacional sob a chancela da OEA.
Alicerçado em todas numa gama de iniciativas anteriores, foi criado em 1989 um
Programa Nacional de Informática Educativa (Proninfe), que tinha como finalidade:
sumário 1804
VII Seminário Vozes da Educação
Programa ProInfo
O país continuava na busca pela informatização e avanços tecnológicos. Ainda
que não priorizasse a educação como principal questão para o desenvolvimento,
contraditoriamente investiam em avanço tecnológico também como uma questão
educacional que traria o tão sonhado progresso. Era de se esperar que a ocorrência das
tecnologias não se dera de maneira neutra.
O Programa Nacional de Informática na Educação criado pela Portaria no
522/MEC, de 9 de abril de 1997, como ele mesmo se caracteriza, é um programa
voltado para a expansão e democratização do acesso às tecnologias.
O objetivo central do projeto é a universalização das tecnologias da informação
e comunicação, através do estímulo à informática.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações finais
O levantamento sobre as iniciativas da inserção da informática ao processo de
ensino-aprendizagem no Brasil, é de extrema importância pois através deste estudo
sumário 1808
VII Seminário Vozes da Educação
torna-se possível verificar quais propostas vem sendo criadas ao longo da década de 70
e a entender como as TIC estão estruturadas nos espaços escolares, pois o percurso da
tecnológico se fundamenta nas estruturas de poder vigentes, aliada numa educação
tecnológica instrumental com fim em seus próprios meios. Dessa forma, podemos
tensionar a inclusão das tecnologias entre a educação na/para tecnologia e a tecnologia
na/para educação sob aspectos sóciotecnológicos.
Diante do exposto neste estudo, pode-se constatar o investimento que o país vem
fazendo em prol da democratização do acesso às tecnologias na educação, ainda que
seus projetos não alcancem todo território nacional e nem aconteçam de maneira
satisfatória e inclusiva, além da descontinuidade das ações.
As propostas dos programas nem sempre conseguem refletir o cotidiano dos
profissionais que encontram salas de aulas cheias de estudantes imediatistas, espaços
com equipamentos obsoletos e falta de boa vontade política. Não é raro conseguir
ponderar o dia-a-dia desses jovens, que mesmo tendo acesso aos bens tecnológicos e a
internet, não dispõe de qualidade de vida, acesso à cultura e de educação voltada para
sua emancipação. A própria falta de infraestrutura escolar e continuidade de incentivo à
formação docente são reflexos dessa ausência de entrosamento e contextualização das
políticas públicas pensadas distantes dos beneficiários.
Coexistem na dialética escola e tecnologia, uma lacuna que precisa ser
redimensionada para que as mediações apontem para a “abertura de possibilidades, não
apenas para a atratividade, interatividade, acessibilidade e universalidade”, conforme
propõe Guimarães (2010, p. 184).
Conforme mencionado por Lidugério (2019), o ambiente informatizado se
mantém um espaço desejado pela comunidade escolar, pois nele pode-se aprimorar
trabalhos, ir a lugares onde não estiveram e ampliar as possibilidades de informação, de
produção e de conhecimento. É o lugar que os transporta para outros cenários, que
muitas das vezes somente a escola possa propiciar.
Cabe ressaltar que a introdução da informática como recurso pedagógico deve
partir da própria comunidade escolar. Compete a esta verificar a necessidade de
mudança em seu processo educacional com vistas a atender as demandas sociais
vigentes. Este grupo precisa pensar como a informática impactaria suas ações e como
ela se integra ao seu projeto político pedagógico. Devem, portanto, discutir de forma
abrangente seus prós e contras, além de ponderar os pontos de vista de todos os
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Assim acreditamos que este estudo possa contribuir para incrementar as análises
críticos-reflexivas sobre os impactos do uso das TIC no âmbito educacional enquanto
ferramenta pedagógica, bem como analisar as políticas públicas vigentes e os
investimentos na área. Por esse motivo, o presente artigo se propôs a refletir acerca da
utilização dos espaços e recursos destinados às tecnologias da informação e
comunicação como elemento potencializador da educação emancipatória (FREIRE,
1987), como (re)criação da ludicidade proposta por Luckesi (2014) e como
possibilidade de (in)formação integral dos atores da escola na busca pela promoção da
equidade sociocultural.
Referências
ALMEIDA. M. E. B. O aprender e a informática: a arte do possível na formação do
professor. PROINFO/SEED/MEC, Coleção Informática para a mudança na Educação,
1999 39 p.
sumário 1810
VII Seminário Vozes da Educação
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6300.htm>.
Acesso em: 24 jun. 2018.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1812
VII Seminário Vozes da Educação
Aline Lima
SME/RJ
limasnt@yahoo.com.br
sumário 1813
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
experiência (LAROSSA, 2002). Experiência essa de quem vive a sala de aula, suas
incertezas, seus conflitos, singularidades, mazelas, escutas, descobertas, aprendizagens,
escrita com a palavra...
Então, na tessitura deste texto compartilho alguns registros infantis referentes à
atividade desenvolvida com a turma 1304 em que atuo como regente – numa escola
municipal situada no subúrbio carioca. É importante explicar que nas escolas da
prefeitura do Rio de Janeiro os anos iniciais da alfabetização se constituem do 1º ao 3º
ano. O grupo em questão é composto por 30 crianças das classes populares com idades
entre 8 e 9 anos. Elas são criativas, inventivas e muito questionadoras.
285
A Roda de conversa é uma metodologia que consiste em espaços de diálogo na qual os alunos se
expressam e escutam uns aos outros. Os assuntos que vão para a roda são diversos, eles podem ser de
cunho individual ou coletivo, de vivências dentro ou fora da escola.
286
A greve dos caminhoneiros no Brasil teve ampla repercussão em âmbito nacional e internacional,
também chamada de Crise do Diesel. Foram 11 dias de paralisação e reinvindicações realizadas por
caminhoneiros autônomos que se manifestaram contra reajustes frequentes nos preços dos combustíveis,
fim da cobrança de pedágio e fim do PIS/Cofins sobre o diesel. Com base nisso e em outras lutas próprias
da categoria realizaram bloqueio de rodovias - em 24 estados e no Distrito Federal. A greve acabou por
impactar vários setores da economia.
sumário 1814
VII Seminário Vozes da Educação
coletivo e individual. Então, um registro se faz preciso! O que as crianças têm a dizer,
escrever, desenhar sobre a greve dos caminhoneiros? São nos relatos delas que esse
trabalho encontra sentido.
Separo folhas de A4 cortadas pela metade e peço que entreguem para seus
colegas. Já em seus lugares, sentados em duplas ou trios pré-estabelecidos, a proposta é
que cada um faça seus registros e depois compartilhe no coletivo sua produção. Essa
dinâmica já é familiar para a turma - quem ainda não escreve com autonomia, solicita
ajuda.
É importante lembrar que nas turmas de alfabetização das classes populares, a
prática da leitura e escrita é compreendida, em sua maioria, como um grande desafio.
Lógico que também lido com algumas inquietações; alunos e alunas desacreditados de
seu potencial de aprendizagem, a função social da leitura e escrita vivenciadas apenas
na escola, além dos altos índice de faltas “dos alunos que parecem demonstrar
dificuldade de aprendizagem”.
Não por acaso a prefeitura do Rio de Janeiro promove ações e cursos voltados
para essa temática. É inegável que uma das grandes preocupações na área educacional
está relacionada aos índices de analfabetismo (funcional) e aos elevados números de
reprovação a nível Brasil.
Sendo assim, existe uma ampla discussão histórica sobre a produção do fracasso
escolar, uso indiscriminados das cartilhas e livros didáticos como herança dos processos
de escolarização de uma sociedade excludente - pautada no pilar da produção em massa.
Smolka (2008) alerta que:
“na prática escolar: nossa sociedade traz as marcas da indústria cultural, pela
neutralização das diferenças, pela produção em massa, pela mistificação da
própria cultura como independente do processo de sua produção (e
consumo). Os processos de alfabetização e escolarização não ficam isentos
dessas marcas e, pelo contrário, as assumem e incorporam”. (Idem. p.79).
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Pergunto o que escreveu. Ele explica o que queria escrever, a gente pensa junto
sobre sua produção. Então, Kayo reescreve: “Tudo ta caro”. O contexto de sua escrita é
a greve dos caminhoneiros que impactou o sistema de abastecimento de várias cidades
e, com isso os preços dos produtos estavam subindo. As marcas da oralidade estão
presentes em sua escrita. É lindo como ele preocupa-se com a estética do registro –
utiliza a imitação de uma cédula para enriquecer e dar sentido ao que deseja registrar.
Nessa perspectiva, a criança vai se apropriando dos conhecimentos socialmente
construídos em relação ao processo de aquisição da leitura e da escrita, uma vez que
nessa constante interlocução com o outro vai se compreendendo o uso social da mesma.
Luis Gabriel (aluno da 1304) utiliza o seu registro para direcioná-lo ao
presidente. Sua escrita também é fruto das discussões sobre a greve dos caminhoneiros,
mas poderia ter sido produzida em vários contextos, pois dados estáticos do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística apontam para o aumento da miséria e da fome.
Entendendo que as crianças são seres sociais, seus saberes muitas vezes dialogam com
as questões sociais vigentes.
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VII Seminário Vozes da Educação
É possivel perceber que apesar de ainda não escrever de acordo com os padrões
da norma culta, a escrita de Igor deixa pistas de uma escrita fragmentada, contraditória,
complexa e por que não lúdica, uma vez que traz uma estética peculiar. Nas entrelinhas
também é possível perceber que o menino possui alguns conhecimentos já
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Giovanna tem muito a dizer sobre a greve! Sua leitura de mundo (FREIRE,
1996) mediante aos acontecimentos cotidianos suscitam uma escrita inconformada.
Assim, ela denuncia que na rua está faltando tudo, os mercados estão com prateleiras
vazias e produtos com preços elevados. Além disso, ainda cobra uma postura política
diante da greve dos caminhoneiros, se posicionando a favor das reinvindicações da
classe trabalhadora.
Leio em voz alta e na íntegra o modo como ela escreveu. Giovanna percebe que
tem questões para serem resolvidas no seu texto. Ela pergunta se tem erros. Afirmo que
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sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
tem, mas indago o que ela quer fazer. Opta por me entregar como está. Talvez ela tenha
compreendido que sua escrita não tem por finalidade ser corrigida por mim. Há um
acordo com a turma que as escritas são para serem praticadas com autoria, com
significado e sentido para elas e, por elas.
Para concluir...?
No decorrer da minha prática, as palavras de Paulo Freire dialogam com o que
acredito: o papel do educador é de estimular o educando na “busca permanente que o
processo de conhecer implica” (Freire, p.119. 1996).
Desse modo, uma de minhas ações pedagógicas, é justamente a de promover nas
crianças o gosto pela leitura e a autoria pelos seus registros, mas confesso que apesar de
já trabalhar com as escritas infantis a pelo menos cinco anos, só nos últimos dois anos
de docência venho me debruçando sobre suas produções - elas trazem pistas sobre suas
formas de dizer, escrever e compreender o mundo.
Vale ressaltar que o uso de folhas de A4 em branco cortadas no meio, a priori,
era um recurso para economizar fotocópias. No entanto, isso sem querer favorece a
trabalhos diferenciados, estéticas diferenciadas, escritas diferenciadas.
Cada criança traz o seu olhar e suas experiências com a palavra no processo
(inicial) de aquisição da leitura e escrita. Visibilizar outras formas possíveis de escrever
o que dizem, o que pensam e como dizem, constituem momento de interlocução e
autoria infantil.
Nesse sentido, é preciso valorizar as produções infantis para no fim superar as
marcas da escolarização tradicional de corrigir tudo que se escreve. Permitir que a
criança pense sobre a escrita escrevendo e dialogando com seus pares. É isto que move
a minha prática!
Sigo com os registros de alunos e alunas das classes populares de alfabetização
para refletir sobre as implicações pedagógicas, os aspectos sociais e políticos
envolvidos no ato de ensinar e aprender com os saberes infantis.
Referências
ALVES, N. Decifrando os pergaminhos- o cotidiano das escolas nas lógicas das redes
cotidianas. In: OLIVEIRA, I. B; ALVES, N. (Org.). Pesquisa nos/dos/com os cotidianos
das escolas-sobre redes de saberes. Petrópolis: DP et Alii, 2008.
sumário 1822
VII Seminário Vozes da Educação
FERRAÇO. C.E.Eu caçador de mim. In: GARCIA, R.L. (Org.). Método: pesquisa com
o cotidiano. Rio de Janeiro: DP& A, 2003.
GERALDI. J.W. Aprender e ensinar com os textos de alunos. São Paulo: Cortez, 1997.
______. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Doutoranda PPGEdu/GPPFA/Unirio.
288
Doutoranda PPGEdu/GPPFA/Unirio.
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VII Seminário Vozes da Educação
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No campo dos estudos com cotidianos, a justaposição de termos possibilita uma apropriação plural dos
seus significados, uma vez que, separados, afirmam a lógica dicotômica da ciência moderna. A
juntabilidade das palavras é uma tentativa de romper com as dicotomias e provocar sentidos outros.
sumário 1825
sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
superior a outra dentro ou fora do espaço educativo. (p. 81). Compreendemos aqui a
importância da existência de uma relação dialógica e horizontal, entre adultos e crianças
no seu convívio diário na escola. O interesse aqui não é considerarmos a igualdade
como uma ideia, mas vivê-la nas práticas cotidianas com as crianças.
O ponto de vista que Tiriba (2018) nos apresenta sobre o trabalho com a
educação infantil acerca do princípio da democracia vem a dialogar com a nossa
pesquisa, pois entendemos que é necessário desconstruir relações verticais de poder
reproduzidas entre nós, adultos com as crianças e com a natureza. Com efeito, atentar
para que o foco esteja mais nas ações das crianças, para o interesse demonstrado por
elas e pela sua participação cotidianamente na UMEI.
Maria do Nascimento
290
No município de Niterói as Unidades Municipais de Educação Infantil - UMEI adotam a bidocência,
que consiste na atuação de duas (ou mais) professoras por grupo de referência - ambas responsáveis pela
dinâmica no e com o cotidiano das crianças.
sumário 1826
VII Seminário Vozes da Educação
planejadas para cada dia da semana sem o menor sentido para as crianças, propondo
apenas preencher o tempo do trabalho pedagógico com elas.
Em minha pesquisa, venho investigando minha prática de professora de crianças
inserida no contexto da educação infantil de uma escola pública de Niterói. Desta
forma, através das narrativas infantis, busco trazer as reflexões que venho tecendo nesse
processo de construir cotidianamente e coletivamente o currículo com as crianças. Que
pistas quentes (ZACCUR, 2008) as crianças apresentam e que me ajudam a pensar nas
propostas de trabalho a serem desenvolvidas com elas?
Inicialmente, a fotografia entrou em nosso cotidiano 291 porque pretendíamos
criar com as crianças um filme de animação. Nas primeiras oficinas realizadas, cujo
objetivo era apresentar a proposta e o funcionamento, da câmera fotográfica,
percebemos o interesse imediato delas por essa novidade. Por esse motivo, temos
incorporado esse recurso em algumas atividades com as crianças e percebido a
potencialidade que isso deu ao nosso trabalho pedagógico cotidiano com elas.
Assistir aos vídeos e registros fotográficos produzidos por elas tem se
apresentado enquanto uma possibilidade de escuta sensível (BARBIE, 1998). Tenho me
desafiado a ouvir as crianças para além de uma escuta meramente biológica, uma escuta
atenta que me ajuda a compreender as crianças nas suas inteirezas de pensamentos,
movimentos e emoções.
Inicialmente, achei que ouviria as crianças apenas nas rodas de conversa, pois,
no meu lugar de adulta, estava organizando aquele momento e ‘garantindo’ que todas as
crianças pudessem falar. Mas eu estava enganada, e foram elas, as crianças, que me
mostraram isso. Quando, por exemplo, me surpreendiam no parquinho dizendo:
- Tia, vamos conversar sobre os piores machucados que a gente já teve?
Ou quando outra me dizia:
- Vem ver tia, um monte de casulinhos!
As crianças se expressam de diversas maneiras, inclusive o silêncio constitui
uma forma de se comunicar. No mergulho cotidiano que venho vivenciando com as
crianças percebo que elas não se comunicam apenas através de palavras, mas através,
por exemplo, dos gestos, desenhos, pinturas, pela maneira que se relacionam com as
outras crianças e com os adultos, a forma como brincam e com o que brincam. Escutar
as crianças requer tempo e atenção.
291
Nas Unidades Municipais de Educação Infantil - UMEI da rede de Niterói é adotada a bidocência (duas
professoras no grupo de referência).
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sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Fabiane Florido
292
Uma pesquisa realizada esse ano (2019), por mim com as famílias das crianças, fui surpreendida pelo
grande número que não se reconhece como pessoa de origem negra. Muitas famílias caracterizam as
crianças, na sua grande maioria, como de origem parda e algumas outras de origem branca.
293
É um programa do Governo Federal de transferência direta de renda, direcionado às famílias em
situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, de modo que consigam superar a situação de
vulnerabilidade e pobreza.
sumário 1828
VII Seminário Vozes da Educação
[...] em nossos estudos "com" os cotidianos das escolas, há sempre uma busca
por nós mesmos. Apesar de pretendermos, nesses estudos, explicar os
"outros", no fundo estamos nos explicando. Buscamos nos entender fazendo
de conta que estamos entendendo os outros. Mas nós somos também esses
outros e outros "outros". (FERRAÇO, 2003, p. 160)
sumário 1829
sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
sumário 1830
VII Seminário Vozes da Educação
sumário 1831
sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
(In) concluindo...
Temos um desafio cotidiano na UMEI Vinicius de Moraes que é a construção de
projetos pedagógicos que visibilizem as crianças na sua produção e que se contraponha
a um modelo homogeneizador tão presentes ainda nas escolas de educação infantil.
Desta maneira, buscamos tecer, tanto na interação da professora com as crianças quanto
na interação da diretora com as crianças, uma relação horizontal tendo em vista, que
essas mesmas estão inseridas em uma lógica adultocêntrica, e nós adultos, muitas
vezes, não estamos abertos às diferentes lógicas infantis, não percebendo assim, seus
modos próprios de comunicar seus pontos de vista (AGOSTINHO, 2015).
Acreditamos que as experiências trazidas por nós possam contribuir para um
novo olhar com e sobre a infância, para suas necessidades e peculiaridades. As crianças
o tempo todo nos colocam em movimento nos ajudando a pensar em outro paradigma
de escola de educação infantil, paradigma esse que surge da aposta em caminhos para
uma educação infantil pública popular que promova um cotidiano alegre e
potencializador da existência das crianças que diariamente (con)vivem nove horas
diárias de suas vidas, em interação com outros sujeitos.
Com efeito, partilhamos de nosso pensamento sobre uma escola de educação
infantil como um espaçotempo privilegiado que possibilita modos diferentes de
aprendizagens e desenvolvimento social, afetivo, pessoal e cognitivo da criança fora de
seu convívio familiar. As vivências (com)partilhadas com seus pares, com outras
crianças e com adultos são formas de conquistar uma gama de conhecimentos,
sumário 1832
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
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algumas reflexões, da investigação às práticas, 6 (1), 69 – 86, dezembro 2015.
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cotidiano das escolas: sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
ALVES, Nilda, et all. (orgs). Criar currículo no cotidiano. São Paulo: Cortez, 2004.
FARIA, Ana Lúcia Goulart de; FINCO, Daniela (orgs.). Sociologia da infância no
Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. – (Coleção polêmicas do nosso
tempo; 102).
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Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. – (Coleção polêmicas do nosso
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____________. Eu, caçador de mim. In: GARCIA, Regina Leite (org.). Método:
pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 157-176.
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sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
GARCIA, Regina Leite; ALVES, Nilda. Conversa sobre pesquisa. In: ESTEBAN,
Maria Teresa; ZACCUR, Edwiges (orgs.). Professora-pesquisadora uma práxis em
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KOHAN, Walter. Paulo Freire, mais do que nunca: uma biografia filosófica. Belo
Horizonte: Vestígio, 2019, p. 81- 122. 1 ed.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Rev. Bras. Educ.
[online]. 2002, n.19, pp.20-28. ISSN 1413-2478.
PAIS, José Machado. Sociologia da vida quotidiana: teorias, métodos e estudos de caso.
6ª ed. - Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2015.
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TIRIBA, Lea. Prefácio. In: BARROS, Maria Isabel Amado de. Desemparedamento da
infância: a escola como lugar do encontro com a natureza. Rio de Janeiro: Alana, 2018.
sumário 1834
VII Seminário Vozes da Educação
No início: inquietações
Este texto foi feito a quatro mãos por duas educadoras e artistas que trabalham
com as infâncias, na escola e na Educação Infantil. Nosso lugar de fala parte do campo
da arte e se amplia em reflexões suscitadas pelas pesquisas e pelos estudos que estamos
fazendo nos últimos tempos, como mestrandas do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e como integrantes do Círculo de
Estudos e Pesquisa Formação de Professores, Infância e Arte (FIAR), da mesma
universidade. Nesse contexto, nosso olhar é movido para pensar a Arte e a Educação na
Infância a partir de outras óticas, além daquela que aprendemos em nossos cursos de
formação em Arte e, até mesmo, em nossa prática como educadoras-artistas.
Em nossa formação utilizamos o termo Arte-Educação ou Arte/Educação
quando nos referimos ao nosso trabalho em sala de aula; porém, na medida em que
ampliamos o contato com os estudos das infâncias, percebemos que no contexto da
educação das crianças, é necessário repensar e expandir nossa perspectiva, pois a
complexidade e as especificidades da Educação Infantil, por exemplo, demandam
fundamentos teóricos e práticos nem sempre presentes no campo da formação em Arte.
Uma das questões abordadas nos estudos que nosso grupo de pesquisa FIAR vem
realizando, diz respeito à denominação “ensino de arte” quando falamos da presença da
arte nas propostas pedagógicas voltadas às infâncias: Seria pertinente falarmos de
ensino de arte na Educação Infantil? Que concepções estão na base dessa denominação?
Haveria outras formas de definir essa relação educativa com a arte na infância? E, mais
ainda, pensando nos campos implicados: quais as relações possíveis entre Arte e
Pedagogia? Entre o professor de referência de um grupo e o professor de arte?
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sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Os bebês são muito artísticos na forma com que se relacionam com o mundo.
E eles me ensinam. Se você esquecer o que é a abordagem artística do mundo,
basta ir a algum lugar do berçário e olhar como eles se relacionam com o
mundo. São artistas de instalação desde o começo. É muito interessante ser
um artista que trabalha com crianças pequenas. Você pode ter uma pequena
ideia, algo pequeno, e eles tornam esse algo grande. Os maiores são racionais,
é difícil para eles. Então, se vou escrever mais, se vou desenvolver o meu
modo de pensar pela arte, tenho de trabalhar com zero a seis anos. (HOLM,
2015, p. 1)
Conhecida por seu caráter revolucionário no trabalho com arte para crianças, em
especial os bebês, dizia ter “grande fascínio por criar e investigar”. Ana Angélica
Albano (2005) a considerava uma agente de transformação de visões: da visão que se
tem de arte, de educação, de bebês, do trabalho de um arte-educadora e da própria vida.
Seu modo de fazer arte contemporânea reflete em seu trabalho com as crianças,
permeado por situações inusitadas e muita sensibilidade, repleto de vivacidade
(ALBANO, 2005). O Museu de Arte Moderna de São Paulo foi o responsável pela
publicação dos dois primeiros livros da arte-educadora no Brasil.
Atualmente, temos três livros de sua autoria publicados no Brasil: Fazer e
Pensar Arte (HOLM, 2005), Baby Art - Os primeiros passos com a arte (HOLM, 2007),
e Eco-Arte com crianças (HOLM, 2015), último livro traduzido e lançado aqui por ela,
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VII Seminário Vozes da Educação
pouco antes de seu falecimento. Seu trabalho expandiu o olhar dos educadores a
respeito do trabalho com arte nas escolas, levando a arte contemporânea para esses
espaços até então muito influenciados pelo pensamento modernista na Arte-Educação.
Seu livro Baby Art, logo após seu lançamento, tornou-se referência no trabalho com arte
na infância.
Anna Marie teve contato com a arte brasileira contemporânea e logo se
apaixonou; assim como nós brasileiros que trabalhamos com infâncias e arte também
nos apaixonamos por ela. Seus livros são registros extraídos de seus diários, contém
fotos e relatos das diversas experiências que a artista havia proposto em suas oficinas.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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VII Seminário Vozes da Educação
Em seu último livro, Holm nos brinda com a possibilidade de trabalharmos arte
com a natureza, com a mentalidade de aprender com as crianças a necessária
simplicidade quando estamos falando de trabalhar a arte na vida.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
[...] dimensão estética; talvez seja, antes de tudo, um processo de empatia que
coloca em relação o sujeito com as coisas e as coisas entre si. [...] É uma
atitude de cuidado e de atenção para aquilo que se faz, é desejo de significado,
é maravilhamento, curiosidade. É o contrário da indiferença e da negligência,
do conformismo, da falta de participação e de emoção. (VECCHI 2017, p. 28)
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VII Seminário Vozes da Educação
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
(a) desconhecemos: “Qualquer coisa pode ser arte, mas arte não é qualquer coisa.”
Parafraseando o autor anônimo, dizemos: qualquer coisa pode ser uma proposta de arte
na/para/com a infância, mas a arte na/para/com a infância não pode, e nem deve, ser
qualquer coisa. As propostas e os materiais podem ser simples, comuns, provindos de
descartes, recolhidos em meio à natureza, mas o que dará sentido à experiência estética
será a intencionalidade do professor que está mediando a situação de aprendizagem.
A inspiração deve começar na forma como olhamos para a arte na nossa vida. E,
nessa direção, concordamos que, nesse percurso,
Para finalizar…
Este artigo se apresentou para nós como um desafio. Duas educadoras, formadas
em Artes Visuais se propondo a pensar a Arte na infância, sem necessariamente estar
formatada como ensino de arte, sem, por exemplo, contemplar uma abordagem
triangular (fazer artístico; leitura da obra; e contextualização) como a proposta por Ana
Mae Barbosa (2010) que tem sido a base para o trabalho com arte em outros níveis de
ensino da Educação Básica. Quando se trata de infâncias, sobretudo da educação de
crianças de zero a seis anos, não está “em jogo apenas um fazer-saber sobre arte” como
nos diz Ostetto (2018), mas está em jogo modos de ser e estar no mundo, modos de
conhecer, explorar e expressar o mundo.
Em nosso país, são poucas as produções teóricas “[...] que evidenciam as
expressões artísticas como eixos fundamentais na educação das crianças pequenas”
(GOBBI apud DA SILVA, 2015, p. 76); devido a isso, se faz necessário o
aprofundamento acerca desta temática, por meio da pesquisa e da publicação de escritos.
Ao final deste breve texto, que foi impulsionado pelo desejo de saber mais sobre
educação, arte e infâncias, percebemos que para responder os questionamentos
levantados no início do texto precisaremos de mais pesquisa, pois localizamos, no
processo de produção da reflexão aqui apresentada, mais dúvidas do que certezas. E
serão elas, as dúvidas, que nos ajudarão a continuar neste caminho com as infâncias, na
escola, na Educação infantil, como artistas, educadoras e pesquisadoras.
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VII Seminário Vozes da Educação
Referências
ALBANO, A. A. Prefácio. In: HOLM, A. M. Fazer e pensar Arte. São Paulo: Museu
de Arte Moderna de São Paulo, 2005.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos 1980 e novos tempos. São
Paulo, Perspectiva, 2010.
HOLM, Anna Marie. Fazer e Pensar Arte.São Paulo: Museu de Arte Moderna de São
Paulo, 2005.
HOLM, Anna Marie. Eco-Art com crianças. São Paulo: Ateliê Carambola, 2015.
HOLM, Anna Marie. Baby-Art: os primeiros passos para a arte. São Paulo: Museu de
Arte Moderna de São Paulo, 2007.
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294
Doutoranda em Educação pelo PPGEDU-UFF. Mestre em Educação pelo PPGEDU: Processos
Formativos e Desigualdades Sociais (UERJ-FFP). Pedagoga pela UERJ-FFP. Professora substituta no
curso de Pedagogia da FFP-UERJ. Bolsista de Demanda Social pela CAPES. Contato:
leidianesamacambira@gmail.com
295
Graduanda do curso de Pedagogia da UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Contato:
shirleymartins.sm1@gmail.com
296
Graduanda do curso de Pedagogia da UFRRJ - Instituto Multidisciplinar. Bolsista de Iniciação
Científica na UFRRJ. Contato: steffaniemoreno@gmail.com
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VII Seminário Vozes da Educação
(...) ouvir e se ouvir para que a gente possa pensar em como cada um percebe
e modifica em si o que vem sendo naturalizado. As pessoas precisam falar,
contar, pensar, sentir, ver, usar a comunicação como verbo. Essa é uma
tentativa para re-inventarmos formas outras de nos relacionarmos que
transforme os pré-conceitos que estão postos como verdades históricas e
produzem desigualdades. (LIRA, 2019. P. 89)
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VII Seminário Vozes da Educação
ascensão deste lugar social, deveriam aceitar as condições para “redenção”, um projeto,
cuja realização traria consigo a prova insofismável [de sua] inserção. Significava um
empreendimento que, por si só dignificava aqueles que o realizassem. (SOUZA, 1983.
P. 21) Dignificar-se, neste sentido é tornar-se um cidadão respeitável. E, como naquela
sociedade, o cidadão era o branco (SOUZA, 1983. P. 21), tornar-se digno à
comunidade nacional é tornar-se branco.
Fazendo grande esforço para encontrar a presença das mulheres negras neste
pano de fundo construído por historiadores e sociólogos sobre a construção do nosso
país, percebemos sua presença a partir da ausência. Num contexto de ideologia do
branqueamento a partir da mestiçagem, percebemos o corpo da mulher negra como um
instrumento de produção de seres mestiços. Sem dignidade, objetificada e assujeitada a
um plano que a desconsidera. Quantas mulheres negras não foram submetidas a serem
procriadoras de uma população em processo de embranquecimento? Quantas vezes
ouvimos histórias de nossas avós ou bisavós que foram “pegas no laço”... Neste corpo,
percebemos a violação de uma vida.
Demos esse breve passeio pela história para justificar os motivos que nos
fizeram escolher as mulheres para serem entrevistadas. Em contraposição ao contínuo
de cor, tratado por Neusa Santos Souza, contínuo a que estamos submetidas desde
quando nascemos, procuramos convidar mulheres cujas marcas corporais variam dentro
dessa escala cromática. Se ao nascermos, vindas de úteros, que foram considerados
apenas como órgãos reprodutores para a maquinaria embranquecedora… E, no decorrer
de nossas vidas somos impelidas a embranquecer, aqui, com o documentário, o convite
é perceber vidas que seguiram para o lado inverso deste contínuo. Enegreceram..
Com Lélia Gonzalez pensamos que, a gente nasce preta, mulata, parda, marrom,
roxinha dentre outras, mas tornar-se negra é uma conquista. Diante de sua fala, o que
estas mulheres conquistaram nesta disputa pela vida? Com suas histórias de vida, o que
podemos pensar sobre os processos de formação de mulheres negras em nosso país?
Como as instituições formativas contribuem para postergar esse contínuo de cor? O que
há de comum nestas histórias? Como os discursos científicos, elaborados nos gabinetes
e laboratórios acadêmicos se capilarizam nas camadas mais populares? E, como ele se
materializa na vida dessas mulheres e de outras mulheres negras? E, como elas, desde
seus lugares de fala (RIBEIRO, 2018) - educação, mídias, religião, arte, ciência, saúde
etc. - produzem outros saberes a fim de desconstruir tais discursos?
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Para explicar melhor vou recorrer ao documentário Boca de Lixo, que foi
filmado num lixão da periferia do Estado do Rio de Janeiro. Eduardo
Coutinho faz a seguinte pergunta: “ Como é que é aqui, é bom ou é ruim ?”
Ou seja, a despeito de todas as “ certezas” que se pode ter sobre uma situação
que supostamente já está definida a priori, dar chance de que as pessoas
falem e que possamos vislumbrar para além do que a vista alcança. No caso
de Boca de Lixo, várias respostas confirmam a confiança do diretor – uma
delas responde “Trabalhar aqui é melhor do que trabalhar em casa de
madame!” (FILÉ, 2000. P. 69)
Trouxemos esta história, já narrada por inúmeras vezes pelo nosso orientador,
pois dá a ver exatamente aquilo que temos vivenciado no preparo das perguntas a serem
feitas no momento da entrevista. Elas nos são necessárias para termos alguns pontos de
conexão entre as narrativas. No entanto, as conversas seguem para rumos sobre os quais
não temos o controle. Como se estivéssemos tentando acompanhar passos perdidos
(CERTEAU, 1994) com uma lógica harmônica que não se adequa às imprevisões.
Entramos em um grau da conversa, em que as perguntas com as quais nos munimos
antecipadamente já não funcionam mais. Precisamos desfazermo-nos das nossas
certezas embutidas em nossas expectativas, para então poder ouvir depoimentos que
nossas vistas ainda não alcançam. Para cada encontro é necessário criar uma nova
organização de pensamento e de perguntas.
Eu acho que você tem que estar vazio, isso que eu acho que é o mais difícil.
Vazio é o seguinte, a pessoa tem que sentir que você não espera dela nem a
resposta sim nem não. Tem um vazio que ela tem que preencher. Então é um
vazio curioso que quer saber dela, entender o que ela tem pra dizer. (FILÉ,
2000. P. 74)
A fala de Coutinho nesta entrevista demonstra uma das dificuldades que temos
enfrentado. Dificuldade esta que pode estar na produção audiovisual, ou também, nas
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Considerações Finais
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SARAMAGO, J. Ensaio sobre a cegueira. 19. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2001.
SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya,
2017.
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história de vida de um filho, O Victor diagnosticado pelo discurso médico como pessoa
com deficiência intelectual e a minha. É importante destacar que na pesquisa em
questão, foi feita a opção política e metodológica de usar a expressão “chamadas
pessoas com deficiências" e não *pessoas com deficiência”, pois quem as nomeia, quem
as chama dessa maneira são os discursos médico, jurídico, político, dentre outros que
determinam quem são e como são os sujeitos. Estes discursos se desdobram em
dispositivos de controle e poder (AGAMBEN, 2005). Para narrar esta história, não
conseguiria reduzir meu filho Victor ou qualquer outro sujeito a uma palavra ou
expressão que classifica as pessoas utilizando o termo “deficiência.” “Eu reduzida a
uma palavra? Mas qual palavra me representa?”(LISPECTOR, 1992, p. 94). Foi a
experiência de escrever uma autobiografia que buscou narrar politicamente um caso
individual e que também poderia ser a história de muitas outras pessoas que estão na
luta pela inclusão. Ao narrar um caso individual que reverbera no coletivo, trouxe
proposta da cartografia (PASSOS; BARROS, 2009), para narrar os processos da
pesquisa, os passos e descompassos de uma de uma pesquisa encarnada.
Tomada pela parresia, sobre as práticas de dizer sobre si mesmo, trazendo a fala
franca como modalidade que se dá pelo engajamento e pelo risco de exposição
(FOUCAULT, 2014, p. 4 e 5), a pesquisa em questão trouxe a história de vida entre
mãe e filho, apresentada através da metáfora da colcha de retalhos, costurando
elementos que compunham a pesquisa, para afirmar politicamente o campo
metodológico que aproximou os discursos das famílias ao discurso da Academia.
Trouxe também o conceito de implicação, em uma pesquisa encarnada, onde meu corpo
reagia a cada palavra escrita. Segundo Paulon (2005, p. 19) “o observador inserido em
seu campo de observação transforma, por definição, seu objeto de estudo” e com isso, a
partir do conceito de implicação deu-se a necessidade de incluir-se, portanto, no
processo investigativo.
Os movimentos da pesquisa de Mestrado tão intensos e desafiadores seguiram
cartografados (PASSOS; BARROS, 2009), até dado momento. Havia muita dificuldade
de narrar o que foi vivido entre mãe e filho. Foi uma autobiografia que produziu efeitos,
dores, trazendo a dimensão da lembrança e do esquecimento (RICOEUR, 2007), que de
certo modo me apavoravam. Estes desdobramentos encaminharam-me a encontrar outro
modo de narrar essa história e com isso, ao resgatar memórias de infância, a costura se
aproximou da escrita, começando colaborar com os caminhos da pesquisa. Sou
professora e costureira. Uma autobiografia costurada. Era um corpo implicado
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também nas escolas em que atuei e não tive a lembrança de muitas professoras negras
que trabalharam comigo. Tudo isso me provocou, Comecei a indagar sobre o fato de
que poucas mulheres negras ocupavam alguns espaços educativos no município de
Maricá. “Nos cargos de gestão, por exemplo, havia pouca representatividade negra.”
(GOMES, 2005)
É inquestionável o fato de que historicamente existe uma invisibilidade da
mulher negra. Ribeiro (2016) afirma que essa invisibilidade dentro da pauta feminista
faz com que essa mulher não tenha seus problemas sequer nomeados. Essas que são
silenciadas e esquecidas por todos, inclusive pelo feminismo hegemônico, buscam
meios de sobreviver a um cenário de negação. A mulher que é desconsiderada, que
ocupa o lugar do nada e não pode ser ela mesma? A mulher que começou há tempo a
tomar consciência sobre quem ela é, tudo que pode ser e conquistar? Caminhos que
levam essas mulheres a se assumirem como sujeitos políticos. (DAVIS, 2016).
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excludentes e de uma estrutura educacional que ainda discrimina cabe a nós professores
desnaturalizar o racismo e produzir escolas possíveis, aceitando o desafio de pensar uma
educação outra.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? Outra travessia, Florianópolis, n. 5, jan.
2005, p. 9-16. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/Outra/article/view/12576/11743 Acesso em:
25/03/2019.
DAVIS, Ângela. “Classe e Raça no início da campanha pelos direitos das mulheres”. In:
Mulheres, Raça e Classe. 1851. Tradução Heci Regina Candiani. – 1. ed. – São Paulo,
Bomtempo, 2016.
RIBEIRO, Djamila. “Feminismo Negro para um novo marco civilizatório”, SUR 24.
2016. Disponível em: https://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2017/02/9-sur-24-
por-djamila-ribeiro.pdf
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VII Seminário Vozes da Educação
Introdução
Este artigo apresenta o recorte de uma pesquisa em andamento sobre os saberes
necessários ao gestor escolar e sua identidade profissional, buscando refletir sobre a
memória e suas múltiplas dimensões para pesquisa narrativa em educação e como estas
podem potencializar a experiência docente. Nesta pesquisa qualitativa, percorrendo o
campo da pesquisa formação e com a abordagem narrativa (auto)biográfica, que tem se
mostrado um caminho potente para formação docente, vou pesquisando as narrativas
docentes e a importante tarefa de estar junto, ao lado de outros que lutam pelos mesmos
objetivos.
Os estudos realizados por BRAGANÇA (2009), MORAIS e ARAÚJO(2013)
utilizando a pesquisa com narrativa docente buscam através das narrativas orais e
escritas levar estes profissionais a refletir sobre a própria prática e através das memórias
individuais e coletivas promover a autoformação. Esses, por meio das histórias de vida,
relato sobre a prática, são levados a ressignificar e organizar suas vivências e
experiências que são, às vezes, positivas e outras negativas, refletindo sobre o que vai
sendo lembrado e contado/escrito. O trabalho das autoras é realizado sempre com os/as
professores/as, utilizando a pesquisa formação onde todos os envolvidos formam e se
formam em partilha.
Professores/as ao partilhar suas experiências vividas na formação e no seu fazer
profissional no cotidiano escolar refletem sobre a própria prática e levam outros a
refletir também. Contudo nem sempre nossa vivência é algo que só nos traz alegrias,
pelo contrário, encontramos muitas barreiras a serem transpostas. Vem sendo
necessário lutar para superar dificuldades, medos, preconceitos e desvalorização. Contar
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nossas histórias é uma forma de resistir e buscar valorização do nosso trabalho como
educadores superando a tentativa de destruição/desvalorização de uma profissão tão
importante na sociedade. Estar inserido dentro de um coletivo que deseja o mesmo
objetivo, fazer parte de um grupo no qual nos identificamos, partilhamos e nos
afirmamos como sujeitos históricos construtores de sua própria história nos dá força e
inspiração para continuar. No fazer pedagógico se faz necessário parar e pensar sobre
como estamos nos relacionando com as crianças, o que falamos, o que fazemos e como
fazemos, esta pesquisa sobre a própria prática se faz necessária e constante. Ao contar
um fato, relembrando através da partilha falada ou escrita podemos refletir,
ressignificar e corrigir atitudes que acreditamos serem contrárias a uma educação
libertadora.
Fico feliz e encantada ao ouvir algum docente partilhando suas experiências, são
momentos potencializados por estas narrativas formadores para quem fala e para quem
ouve. Os professores que somos hoje estão contidos na união dos vários professores que
passaram por nós.Neste sentido, percebo que ao narrarmos nossas histórias e
experiências rememoramos acontecimentos trazendo para o presente lembranças sobre o
que foi vivido.
Percebo assim como é importante ao pesquisar com narrativas estudar os
conceitos que nos levem a compreender e analisá-las. A memória é um desses conceitos
intrínsecos a pesquisa narrativa, portanto é necessário saber como esta funciona na
construção e reconstrução das lembranças. Saber como se posicionar frente ao narrador
que muitas vezes não quer lembrar fatos que trouxeram sofrimento. O pesquisador deve
estar munido de saberes que os ensine a agir frente situações dolorosas ou que o sujeito
não que falar.
Para compreender a memória e seu funcionamento ao narrarmos/escrevermos,
busquei nos estudos realizados por CANDAU (2018) e HALBWACHS (2013) refletir
sobre como a memória ´pode ser utilizada, compreendida e analisada nestas narrativas
de si. CANDAU (2018) no livro “memória e identidade” nos propõe diferentes
manifestações da memória, como memória de alto e de baixo nível, e reforçando a ideia
de indissociabilidade entre memória e identidade. Trazendo os conceitos de
protomemória e metamemória para construção narrativa da identidade HALBWACHS
(2013) em seu livro “memória coletiva” nos mostra que a memória para ser analisada
deve-se levar em consideração o contexto social dentro do tempo e do espaço. O autor
nos ajuda a compreender o funcionamento da memória e fenômenos nos quais a
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memória pode ser reconstruída. Apresentando vários conceitos que enriquecem nossa
compreensão da memória e como pode ser analisada e compreendida. Trazendo o
conceito de memória biografia e memória social e outros conceitos como o da
lembrança. O autor nos diz que “cada memória individual é vista de um ponto de vista
sobe a memória coletiva.”
Sendo assim busco compreender o que é a memória e conceitos relacionados a
ela, tais como: as lembranças e os tipos de memórias e como ela pode ser utilizada para
reafirmar e reconhecer a identidade. Memória e Identidade são conceitos interligados ou
uma não depende da outra para existir? Com a contribuição dos autores citados acima
buscarei neste artigo refletir sobre memória, identidade e narrativa e como estas são
presentificadas/ externalizadas através das narrativas.
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representados por personagens que levam o nome das emoções: alegria, tristeza, raiva,
medo e nojo. As memórias produzidas durante o dia são armazenadas a noite. Quando
um evento com carga emocional muito grande acontece gera uma memória especial que
é enviada para ilha da personalidade. A personagem do filme tem as seguintes ilhas:
família, amizade, honestidade, bobeira e hóquei que vão moldando a personalidade,
quem é e o que é importante na vida da menina. Outras áreas da mente são demostradas
como a imaginação, memória de logo prazo, memórias esquecidas.
Assim como Halbwachs que acredita que a memória está relacionada à
identidade como demonstrado no filme, e quando perdemos uma dessas memórias
especiais também perdemos um pouco de nossa identidade. Para trazê-las de volta é
preciso recuperar as lembranças dessas memórias responsáveis por nossa identidade.
Seja através da memória de outra pessoa, que faça parte de um dos grupos que
pertencemos e que tenha estado envolvido no evento ou algum objeto ou lugar que
tenha relação com o evento.
Estudei da primeira série a oitava em uma escola municipal que foi construída de
forma provisória, era feita com blocos de encaixe e nas laterais não tinha parede na
parte que dava para fora, nas laterais, com desenhos coloridos para quem olhava de
longe parecia um circo. Supriu a necessidade de vagas na escola para muitas crianças,
inclusive para eu e meus irmão. Não era perto de casa e por isso tínhamos que pegar
ônibus sozinhos para ir e voltar da escola. Está escola marcou minha vida porque
estudei muitos anos nela e depois que fui pra o ensino médio, segundo grau na época,
sempre passava em frete e ficava relembrando e mesmo hoje que ela mudou de
endereço, foi par um bairro próximo e no lugar construiu-se um prédio comercial.
Contudo, na minha lembrança a imagem da escola continua como antes, mesmo
não existindo mais de forma física, mas na minha memória permanece viva. A comida,
os professores, os colegas, as brincadeiras e as aulas. Não lembro de tudo, mas os
eventos que marcaram ficaram registrados e o quando passo em frente a escola nova ou
onde ela existiu a minha memória é ativada. O lugar, o cheiro, um gesto podem ativar a
memória seja ela alegre ou triste, acompanhado ou sozinho e mesmo não falando sobre
o que recordamos as imagens vem na mente podendo trazer os sentimentos vivenciados
como no momento que aconteceu. Mas não são todas as lembranças que conseguimos
partilhar as que causaram sofrimentos e traumas preferimos tentar apagar da mente, não
falando sobre ela.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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Um olhar atento sobre a prática atual das professoras e professores nos faz
perceber em cada palavra, em cada gesto, em cada silêncio os traços daqueles
que nos antecederam, educadores/as e educandos/as que antes de nós lutaram
nossas lutas. Memória individual e coletiva fazem parte de uma teia que vai
ao longo da vida constituindo a formação do educador. (BRAGANÇA, 2001,
p.109).
Narrar sobre o fazer pedagógico, e sobre como este é realizado em seu cotidiano,
mostra como esta formação foi sendo construída na relação com os vários sujeitos que
passaram por nossas vidas ao longo de nossa própria história. Segundo Bragança
(2001), as lembranças nos levam às nossas origens e nos ajudam a reorganizar e a
ressignificar a vida trazendo novos sentidos a nossa prática e a nossa vida.
A pesquisa narrativa com docentes nos exige um aprofundamento sobre os
conhecimentos relacionados à memória para que assim possamos analisar e contribuir
de forma mais eficaz para pesquisa e para o sujeito que necessitará trabalhar sobre suas
lembranças e a relação com o passado e as pessoas que fizeram parte deste passado.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Para assim, levar quem narra a se valorizar e a valorizar o conhecimento que é capaz de
produzir.
Neste sentido Morais e Araújo (2013), com sua pesquisa buscam valorizar o
conhecimento produzido no cotidiano da educação através dos memoriais de formação.
Destacando que não é apenas no espaço da universidade que os conhecimentos são
produzidos, mas na escola, no fazer cotidiano da profissão os/as docentes também
produzem conhecimento, e podemos entrar em contato com estes/estas por meio das
partilhas de experiências.
Estas experiências partilhadas necessitam ser respeitadas, começando pela forma
como são investigadas e como são trabalhadas e partilhadas. Para Morais e Araújo:
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VII Seminário Vozes da Educação
que a formação acontece. O Sujeito que com suas narrativas forma e se transforma com
a descoberta de si. E escrever/falar de sua trajetória faz com que este tome posse de si e
do seu percurso formativo ressignificando fatos de sua vida escolar e transformando sua
prática como docente. A formação acontece na interação com o outro, que é importante
na vida da comunidade escolar e na sociedade como um todo, nos ambientes que
frequenta e se relaciona.
As pesquisas citadas a cima vem reafirmar a necessidade de se produzir
conhecimentos para saber lidar com as histórias e as memórias de outros sujeitos seja
para compreender ou analisar as narrativas produzidas e como estas estão carregadas de
vidas. Vivencias que nem sempre são possíveis ou fáceis de serem partilhas pois que
ainda precisam ser ressignificada compreendidas pelos sujeitos a partir deste novo ser
que não mais é o mesmo de quando as lembranças foram vividas, pois estamos em
constantes mudanças.
Conclusões iniciais
O artigo em tela voltado a refletir e tentar compreender como o sujeito se
relaciona com sua memória mostrando sua ligação com a identidade. Podemos observar
como são complexos os estudos realizador por CANDAU (2018) e HALBWACHS
(2013), contudo contribui de forma enriquecedora para a pesquisa com as histórias de
vida. Pois nos potencializa para uma escuta e analise respeitosa e consciente de sua
importância por menor que seja a história que nos contam os sujeitos pesquisados.
Estes sujeitos históricos construtores de sua própria história nos dá força e
inspiração para continuar mesmo diante das dificuldades que nos aparece. Suas
narrativas têm algo a nos ensinar. Atento a cada detalhe, a cada sentimento vamos
pesquisando para melhor compreender quem são estes sujeitos.
Neste movimento da memória nos leva a reafirmar nossas identidades e a
darmos sentidos ao que foi vivido e compreendemos o passado dando novo significado
ao que foi vivido, pois compreendemos com o um outro olhar abastecidos de novos
conhecimentos e maturidade as experiências passadas.
Nesta perspectiva estudar e compreender os funcionamentos e os conceitos sobre
a memória foi essencial para compreender as narrativas partilhadas que ao serem
elaboradas por seus atores apresentam suas versões de si ao apresentarem suas
narrativas a partir de suas lembranças apresentando suas histórias de vida e de
experiências.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Referências
CANDAU, Joel. Memória e Identidade. Tradução: Maria Letícia Ferreira. São Paulo:
Contexto, 2018.
MORAIS, Jacqueline Fátima dos Santos ARAÚJO, Mairce. A Memória que nos
Contam: Narrativas Orais e Escritas como Dispositivo de Formação Docente.
Interfaces da Educ., Paranaíba: v.4, n.10, 2013.
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VII Seminário Vozes da Educação
A LITERATURA DE CORDEL
NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
“Acredite no poder
Da palavra “Desistir”
Tire o D e coloque o R
Que você vai Resistir.
Uma pequena mudança
Às vezes traz esperança
E faz a gente seguir.”
Bráulio Bessa
Introdução
O presente trabalho faz parte de uma pesquisa desenvolvida no curso de pós-
graduação Mestrado Profissional em Letras (Profletras) no ano de 2017, na
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP). Como desdobramento e
aprofundamento deste estudo, vinculou-se à pesquisa da minha atual orientadora:
“Discussões e releituras de literatura na contemporaneidade: a transposição midiática”,
Profª. Drª Maria Cristina Cardoso Ribas, do programa de pós-graduação em letras da
UERJ, no qual sou doutoranda e pesquiso sobre a influência da literatura de cordel no
âmbito da literatura brasileira e no contexto contemporâneo numa abordagem
intermidiática.
A Literatura de Cordel juntamente com as imagens que lembram a xilogravura,
já foi por alguns anos alijada do círculo das letras, não era reconhecida como uma
literatura merecedora de estudos sistemáticos, embora, no Nordeste, tivesse sido
utilizado como leitura para desenvolver o processo de letramento de inúmeros
sertanejos que ao ouvirem as histórias de encantamento, heróis e noticiários de suas
regiões, se interessavam por estas façanhas e desejavam também ler estes folhetos. Esta
literatura servia como objeto de alfabetização e distração em tempos de lamparinas e
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VII Seminário Vozes da Educação
o surgimento da rádio, fosse com a televisão e com a expansão da internet, hoje vem se
tornando cada vez mais viva e reconhecida nos meios artístico-literários, aparecendo em
diversas mídias: televisiva, musical, fílmica, mostrando sua força e resistência lítero-
cultural.
No ano de 2018, a literatura de cordel foi declarada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico (Iphan) como um Patrimônio Cultural do Brasil, tal
reconhecimento a faz uma literatura que possui suas peculiaridades e produções
merecedoras de estudos mais aprofundados.
Foi por estas e tantas outras questões sugeridas por estes poemas que resolvi me
aprofundar e verificar na minha prática como eu poderia (re)conquistar o prazer da
leitura dos meus alunos utilizando o cordel. Alunos estes que, como esta literatura,
resistem aos percalços de suas vidas para se fazerem presentes dentro de uma sala de
aula que por diversos motivos só os afasta dela.
Para tanto, busquei, primeiramente, conhece-los. Entender suas inquietações,
suas angústias diante do processo de aprendizagem e mostrar que estávamos ali para
conhecer a literatura de cordel, mas além de conhecer, iríamos construir um
conhecimento em conjunto, faríamos uma troca de experiências, a nossa sala de aula
possuía muitos alunos vindos da região nordeste.
Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à
escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos,
sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente
construídos na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta
anos venho sugerindo, discutir a razão de ser de alguns saberes em relação
com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996, p. 30)
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
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apresento aos discentes este mosaico cultural – europeu, indígena, africano - que é a
literatura de cordel e nas nossas trocas literárias crescemos enquanto seres humanos.
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
pensamentos preenchem nossa mente, fazemos conexões com o que já conhecemos ou,
ainda, inferimos o que vai acontecer na história. As conversas interiores realizadas no
momento da leitura permeiam nossa mente e nos ajudam a criar sentidos para o texto. A
tarefa do professor, então, é tornar visível, o invisível, ou seja, fazer os alunos
perceberem o trabalho realizado na nossa mente quando estamos trocando experiências
com o texto.
Segundo Paulo Freire (1996), ensinar exige uma prática testemunhal, o aluno
precisa reconhecer nas atitudes do professor que aquilo que ele ensina, vivencia. Por
isso, nas atividades realizadas, a leitura compartilhada é uma excelente estratégia,
porque visa intercalar professor/aluno, momentos da leitura.O aluno precisa tomar para
si este hábito, a literatura de cordel colabora e muito para esta prática, pois tem suas
raízes na tradição oral do contar histórias além de muitos folhetos permitirem a
encenação.
Como muitos discentes são pouco estimulados à leitura em casa, como dito
anteriormente, é imprescindível o professor fomentar o letramento literário de seus
alunos no ensino fundamental, buscando um trabalho cada vez mais aprofundado dos
textos literários. Os livros didáticos trazem trechos de textos, muitas vezes
fragmentados, e com eles perguntas, muitas delas mal formuladas ou superficiais, que
só fazem afastar o aluno da leitura. Ensinando estratégias de leitura, colocando o texto
literário na íntegra e com atividades lúdicas de interpretação, podemos conseguir
resultados mais favoráveis e alunos mais críticos.
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VII Seminário Vozes da Educação
mudar o curso escolar do discente. Segundo Gadotti (2011, p. 59), o aluno “só aprende
quando quer aprender e só quer aprender quando vê na aprendizagem algum sentido”.
A estrutura de sequência didática sugerida por Dolz, Schneuwly e Noverraz
(2004), prevê uma apresentação inicial do gênero a ser trabalhado e uma produção
inicial desse mesmo gênero. A apresentação inicial foi realizada através de uma
exposição de cordéis animados, filme, música e slides, pois os alunos não conheciam
muito sobre esses gêneros ligados ao cordel. Nesta etapa, os alunos demonstraram
interesse e se divertiam ao assistirem as trapalhadas de “João Grilo” e “Chicó” no filme
o Auto da Compadecida, também se interessaram pelos cordéis animados, A árvore que
dava dinheiro e Risco baloeiro. Acharam engraçadas as ilustrações, diferente das que
estão acostumados. Uma aluna, a R., sobre o cordel animado Risco baloeiro, disse: “.:
professora, já vi este comercial na TV”, expressando seu conhecimento de mundo sobre
o tema do cordel animado antes mesmo de conhecê-lo. Outro fator relevante foi em
relação às perguntas feitas pela professora-mediadora, a fim de testar a interpretação
deles. Foram desenvolvidas perguntas e respostas orais, numa forma de diálogo.
Assumindo este papel de construtor do seu saber e animados pela escuta atenta
do professora, quase toda a turma demonstrava interesse em responder as perguntas
desafiadoras, mostrando capacidade crítica; de relacionamento com o mundo em que
estão inseridos; de analisar as imagens contidas nos filmes, ambiente e personagens;
compreensão clara e objetiva das temáticas abordadas bem como a interdiscursividade
presente entre os gêneros abordados.
Em relação aos cordéis animados A árvore que dava dinheiro e Risco baloeiro
fizemos inferências sobre os títulos como: Vocês já viram uma árvore ou planta cujos
frutos fossem dinheiro? Sabem os riscos de se soltar balão? A agitação na sala de aula
foi intensa, queriam que a professora escutasse as respostas de algum modo. Este fato
demonstrou como nossos alunos têm o que dizer, mas não possuem espaços em sala de
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
aula. Respostas como a citação de provérbios escutados pelos parentes em casa foram as
mais faladas: “Minha mãe diz que dinheiro não dá em árvore”, “se quisermos ser
alguém e termos algo na vida precisamos trabalhar duro”, “meu dinheiro não é capim e
nem colho no quintal de casa”, respostas que demonstraram a presença de um universo
cultural popular. Sobre os riscos de se soltar balão, as respostas que surgiram foram de
conhecerem os perigos, porém os meninos não concordavam com os riscos. Após
assistirem ao filme e interpretarem o cordel, mudaram de ideia. Essa mudança de
pensamento foi relevante porque o cordel permitiu uma tomada de atitude diferente da
inicial, causando reflexão e mudança de comportamento, caráter social de determinados
gêneros como o cordel.
Partindo para as ilustrações desses cordéis animados, fizemos interpretações das
imagens, como eram as ilustrações, os modos como se movimentavam, se elas possuíam
algo de diferente das ilustrações que estavam acostumados a ver nos desenhos
animados. Muitos alunos disseram que os desenhos eram grotescos e engraçados, se
movimentavam como se estivessem colados no papel. Respostas como essas
demonstravam a percepção dos alunos e como estavam atentos para a construção do
texto como um todo. Uma aluna, M., chamou a atenção para a imagem do coração
pintado de vermelho que aparecia sempre no cordel animado A árvore que dava
dinheiro, único elemento colorido nas imagens em preto e branco. A aluna disse que
este coração representava o símbolo do amor entre os personagens Maria e José. O
coração estava pintado para representar a intensidade deste amor. Interpretação coerente
e que revela a imagem produzindo efeito no texto. Em Risco baloeiro, as apreciações
das imagens foram parecidas com a do cordel animado anterior, porém como eram para
alertar esse perigo, os alunos acharam que elas foram mais impactantes. Estas
percepções das ilustrações foram essenciais para o conhecimento e relacionamento com
as imagens semelhantes às xilogravuras.
No filme o Auto da Compadecida, os alunos também demonstraram interesse em
responder as perguntas da professora-mediadora. Começando pelo título, não
conseguiram fazer de imediato uma interpretação, foi preciso analisar cada palavra em
separado. Iniciamos pela palavra auto, lembraram imediatamente de automóvel.
Depois, Compadecida, assimilaram ao nome de alguém por estar escrita em letra
maiúscula. A professora então, perguntou se os alunos já tinham assistido a alguma peça
teatral, alguns disseram sim, outros não.Pedimos aos alunos que deram respostas
positivas, explicassem como esta encenação acontecia. Explicaram sobre a existência do
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VII Seminário Vozes da Educação
cenário, do diálogo entre os personagens, das ações realizadas na frente do público e das
falas ensaiadas.Após esta explicação, a professora perguntou novamente se agora eles
saberiam dizer como seria um Auto. Foi impressionante, fizeram referência aos autos de
Natal das igrejas que frequentavam. Assim conseguiram construir um significado para a
palavra Auto, segundo as suas construções: um tipo de peça teatral.Ficou faltando
descobrirem o sentido da palavra Compadecida, até fizeram relações como sendo o
nome de alguma pessoa, porém não depreenderam ser esta palavra um dos nomes de
Maria, a mãe de Jesus.Como não foi apresentado o filme na íntegra, a professora-
mediadora explicou quem seria a Compadecida. Passamos a assistir aos episódios e
fomos interpretando as falas, os personagens, os cenários onde as cenas
aconteciam.Perceberam se tratar da Região Nordeste, com lugares característicos dessa
localidade e personagens com vestimentas e sotaques representativos do povo sertanejo.
Os alunos conseguiram identificar, mesmo sem conhecer o gênero xilogravura,
alguns de seus aspectos: arte artesanal, recursos limitados, pinturas em preto e branco.
Fizeram uma analogia aos poucos recursos financeiros destinados a essa região e este
tipo de produção. Reconheceram nas narrativas os ensinamentos provocados de forma
crítica levando a uma mudança de comportamento. Segundo Cosson (2011, p. 30), o
processo de letramento que privilegia gêneros literários permite ao aluno um
crescimento crítico e intelectual não contemplados por outros gêneros.
Com o intuito de elevar esse crescimento crítico e intelectual, as atividades eram
voltadas para que o aprendizado acontecesse. Respeitando o tempo de aprendizado de
cada aluno, algumas atividades eram direcionadas com o objetivo de, sem
constrangimento, tentar sanar a dúvida de determinados discentes. Para tanto,
trabalhamos letras de música, jogos e atividades onde um colega ajudava a tirar a
dúvida do outro. Verificamos na prática as palavras de Gadotti (2011, p. 60),
“precisamos aprender ‘com’. Aprendemos ‘com’ porque precisamos do outro, fazemo-
nos na relação com o outro, mediados pelo mundo, pela realidade em que vivemos.”
Após o desenvolvimento de variadas atividades, passamos para a construção dos
cordéis. Como ensinar/aprender também exige o sentimento de pertença, construímos
folhetos de cordel homenageando as pessoas que deram o nome das ruas onde cada
aluno morava. Fizeram pesquisas com o intuito de descobrirem quem foram essas
pessoas. A cada informação recolhida, percebia-se o entusiasmo e a vontade de querer
saber mais.
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Folheto Animado
Produção textual dos alunos
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VII Seminário Vozes da Educação
Produção de sextilhas
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Considerações finais
Um ponto chave deste trabalho foi valorizar os saberes e produções dos alunos,
para que se sentissem importantes no processo de construção do conhecimento. Para
isso, a professora, em cada oficina, deixava os alunos se expressarem, sendo coerentes
ou não, eles foram percebendo à medida que as perguntas iam sendo feitas. Eles foram
aprendendo a argumentar, explicar o pensamento de forma descontraída e sem medo de
errar, o que não acontece quando estavam respondendo questões do livro didático.
O entusiasmo no rosto de alguns alunos para assistir aos cordéis animados ou o
interesse de outros em ler os folhetos de cordel e construir sentidos para narrativas
literárias e ilustrações, ajudaram o grupo a realizar as tarefas propostas. Os próprios
alunos corrigiam-se uns aos outros e verificavam o que podiam escrever ou ilustrar
melhor. Conversavam sobre a aprendizagem, trocavam impressões de leitura sobre as
produções dos artistas consagrados e sobre as dos colegas de turma, avaliavam os
trabalhos dos integrantes dos grupos e davam sugestões sobre melhorias possíveis. A
sala de aula se tornou um verdadeiro ambiente de construção do conhecimento.
Vale ressaltar, as atividades se destinavam ao conhecimento dos gêneros em
questão, a construção de sentidos para os textos dos gêneros ligados ao cordel e a
produção escrita. Deixou-se um pouco de lado, as questões gramaticais e nos
empenhamos a entender os diversos sentidos do folheto de cordel. Alunos prejudicados
em relação a gramática? Com certeza não, alunos mais capazes de entender a sua
Língua e as diversas culturas produzidas em nosso país.
Observar o crescimento dos alunos e seu protagonismo na construção de
conhecimentos é muito gratificante, tanto na produção de suas obras escrita e de
ilustrações, quanto nas performances orais nos debates e na formulação de
interpretações. Após a troca de experiências, observamos uma turma menos agitada,
mais unida e madura, concentrada nas leituras propostas, querendo dar suas opiniões,
participativa e criativa. À professora ficou a lição que não dá mais para voltar atrás, os
alunos precisam sim de aulas mais dinâmicas, de mais autonomia e liberdade criativa,
aulas voltadas para o conhecimento do gênero, entendido como parâmetro maleável,
que orienta, mas não cerceia a criatividade dos estudantes. Aos alunos, uma lição
inesquecível: a leitura realmente transforma e a habilidade expressiva empodera.
sumário 1888
VII Seminário Vozes da Educação
Referências
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília:
MEC/Secretaria de Educação Fundamental, 1997a.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2 ed. 1ª impressão. São Paulo:
Contexto, 2011.
SOUZA, Renata Junqueira; COSSON, Rildo. Letramento literário: uma proposta para
a sala de aula. Unesp. Disponível em:
<http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/pensaresemrevista>. Acesso em 29 maio
2017.
sumário 1889
sumário
Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
Yajaira Terán R.
Programa Escuelas Lectoras
yajairateran_2008@hotmail.es
Antonia Manresa
Universidad Andina Simón Bolívar
antonia.manresa@uasb.edu.ec
¿Por qué promover la escritura y lectura situada en los espacios que habitamos?
Sin duda la escritura y lectura tiene un valor social y cultural situada en cada
contexto social y comunitario. Esto implica, por un lado, la habilidad de la persona para
escribir, y por otra lado conjugar esto con la necesidad y capacidad de escribir diversos
textos apropiados para cada contexto social comunicativo particular, como es la familia,
escuela y comunidad. En este sentido la escritura e inclusive la lectura están
intrínsecamente vinculadas con los espacios que habitamos, con la necesidad
comunicativa y la expresión apropiada para los diversos contextos sociales.
Si observamos en una ciudad o comunidad, existen muchos textos escritos que
son parte de la vida social y cultural de quienes las habitan, textos creados como una
necesidad de comunicación, por una necesidad de sentirse visibles ante los otros o para
crear una identidad. En educación, los procesos de enseñanza y aprendizaje de la lectura
y escritura deberian concretar este propósito desde la primera infancia. Esto rompe con
la percepción tradicionalista de tratar la escritura y lectura como algo abstracto, distante,
tanto de la colectividad social de los estudiantes como su necesidad comunicativa su
vinculo y construcción identitaria.
Este enfoque social y cultural de la escritura y lectura se ha venido debatiendo
desde los años 80, nombrados ‘nuevos estudios de literacidad’ (New Literacy Studies).
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VII Seminário Vozes da Educação
Esta corriente tiene sus inicios en Inglaterra con, Street (1984) y Barton y Hamilton
(1998) y Gee (1986) en Estados Unidos. Cassany (2006) en España profundiza esta
mirada desde una posición pedagógica en la escuela formal, en Latinoamérica Zavala
(2002) recoge la crítica que postulada desde los nuevos estudios de literacidad
proponiendo la concepción de literacidades para incluir practicas comunitarias
excluidas. Kalman por su lado en México (2003), enfoca sus estudios en personas no
letradas, analizando la disponibilidad, acceso y apropiación de las prácticas letradas en
contextos formales educativos. Mientras los enfoques y contextos desde donde
argumentan estos autores son diversos y el concepto de literacidad no es una sola, todos
coinciden con reconceptualizarla situada en diversos contextos socio-culturales, lo que
implica que la reconocen desde su diversidad, con relación a sus diferentes funciones y
procesos sociales complejos y diversos. En otras palabras, la literacidad se convierte en
literacidades.
Desde esta corriente se conoce a las literacidades como el cúmulo o conjunto de
prácticas letradas articuladas entre sí, que pueden asociarse a un contexto determinado,
a la familia, la escuela, los centros de salud, los supermercados, la iglesia, los museos,
entre otros. Para Street, existen muchas formas de literacidades en los espacios que
habitamos; son los usos específico que damos a la escritura y lectura en los diferentes
espacios comunitarios que nos sirven y posibilitan una interacción.
esde las nuevas literacidades se indaga las varias formas de escribir y leer de los
pueblos, porque no existe una manera única y exclusiva de hacerlo, cada grupo social
crea sus formas de literacidad dependiendo de una situación comunicativa (Salomon &
Niño-Murcia, 2011). En contextos formales educativos Judith Kalman, resalta el hecho
que no es suficiente la adquisición de la lectura y escritura para asegurar su uso, se
necesita que las personas tengan la oportunidad de dar valor a las prácticas de lectura y
escritura, conozcan las relaciones que se establecen entre lectores y escritores,
comprendan la funcionalidad de los textos escritos y sientan por qué y para qué se lee y
escribe.
En este sentido, nos abre la mirada para darnos cuenta que cada comunidad, cada
sector de las ciudades tiene diferentes formas de expresarse y usar el texto escrito. Por
ejemplo, en Quito es diferente el sector de la Carolina (centro comercial y bancario) con
el de Calderón (barrio populoso). En este último, encontramos el espacio público lleno
de afiches anunciando los conciertos de tecno cumbia, rock, lucha libre, pelea de gallos,
oferta de servicios varios e infraestructura en arrendamiento, con empapelamiento o
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Resistências Políticas e Poéticas na Vida e na Educação: Regina Leite Garcia, presente!
escritura en las paredes de los inmuebles vecinos o en el mobiliario del espacio público,
lo que aparentemente satura y caotiza visualmente el entorno. En contraste, la forma de
comunicación de los textos escritos en los anuncios, imágenes, rótulos, mallas
publicitarias y otros en el entorno del parque de la Carolina, son diferentes en ubicación,
organización y presentación, son más regulados, permitente unos y no otros. En los dos
casos planteados se encuentra formas de comunicación y expresión que crean y
valorizan los habitantes y usuarios de esos sectores, lo que es un claro ejemplo de las
variadas formas de literacidades en las urbes. Sin embargo estas formas de escritura no
tienen la misma legitimidad, en los sectores populares esta forma de escritura y
comunicación en muchas ocasiones ni siquiera se lo ve como una forma de literacidad y
es excluida frente a la publicidad en sectores comerciales. En la ruralidad si bien la
comunicación es mayoritariamente oral, sin embargo encontramos el uso del lenguaje
escrito en convocatorias, anuncios en casas comunales, centros de salud, iglesias, clubes
deportivos, tiendas de abarrotes, lo que rompe con el mito de la no literacidad de estas
zonas.
En los espacios escolares son muy escasas las interacciones que tienen los niños
y las niñas con las prácticas letradas situadas en relación con su propio contexto e
identidad colectiva. Las escuelas en muchas ocasiones, se vuelven espacios
deshabitados, sin identidad ni presencia de un grupo social. Desde esta concepción
teórica de los nuevos estudios de literacidades, el proceso de enseñanza aprendizaje de
la escritura y lectura debe contemplar el uso práctico en la vida cotidiana, que no solo se
limite a la estructura gramatical del lenguaje escrito, sino de una necesidad situada que
reapropie una construcción identitaria. Es en este sentido que los procesos de formación
y acompañamiento docente de los programas de Escuelas Lectoras está dirigida.
La literacidad escolar en nuestros países tiende a centrarse en la adquisición del
código alfabético o el sistema de la lengua. Esto implica que los y las docentes
desaprovechan el tiempo y recursos durante los primeros años de la educación básica,
imponiendo la adquisición de unas grafías correspondientes al alfabeto y por lo general
sistema silábico de construcción de palabras. Las palabras que se utilizan no son
necesariamente importantes ya que son preestablecidas; los espacios que se habitan, las
funciones de la lectura y escritura, y la necesidad o motivación que tengan los
estudiantes para comunicarse, además de sus formas de expresión, no están en el
horizonte de los y las docentes. Cambiar los procesos de e