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196 •• Conjuntura
Conjuntura Internacional
Internacional •• Belo
Belo Horizonte,
Horizonte,
ISSN
ISSN 1809-6182,
1809-6182, v.13
v.13,n.2,
n.3,p.10 - 17,
p.196 nov.dez.
- 216, 20162016
Editorial
Artigo
ABSTRACT
This paper is a study of the International Relations Theory discipline. The objective is to
analyze whether the evolution of the discipline has resulted in greater plurality in the stu-
dy of International Relations. In order to verify this, the paper is divided into two parts,
wherein the traditional thinking and the new ways of thinking of the discipline are res-
pectively analysed. Two concepts were coined: absolute plurality and relative plurality. Two
conclusions are reached. The first: numerically, the International Relations Theory discipli-
ne has become more plural as a result of the appearance of theories, and of graduate and
postgraduate courses, for instance. Consequently, absolute plurality is verified. The second
conclusion: the diversity of the discipline, translated into relative plurality, has not been
consolidated yet. After all, the new theories are generally variations within the same pat-
terns, English continues to be the dominant language in specialised literature, and the new
ways of thinking International Relations are normally regarded as non scientific.
Key-words: International relations theory. Evolution. Plurality.
1. Mestre em Relações Internacionais pela UnB, graduação em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. OR-
CID: orcid.org/0000-0002-2104-1376
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narrativa tradicional sobre as Relações Internacio- iniciar a narrativa – ou seja, antes mesmo de se iniciar
nais. Dessa forma, são mencionados os debates, os a exposição das teorias. Afinal, não há consenso
paradigmas, o surgimento de novas teorias e o ques- sobre como identificar as teorias nem como agrupá-
tionamento sobre o fim das teorias. las – ou seja, não há consenso sobre quais são os
Na segunda parte, a narrativa tradicional é debates ou os paradigmas. Jackson e Nexon (2009)
posta em perspectiva. Assim, são apresentadas, vão além e questionam a própria existência dos pa-
incialmente, algumas das críticas à narrativa radigmas. Assim, propõem a substituição do termo
tradicional sobre as Relações Internacionais. paradigma, de Thomas Kuhn, por tipo ideal, de
Posteriormente, são citadas algumas das estratégias Max Weber. Aplicada essa substituição, seria pos-
para se produzir novas narrativas, bem como são sível comparar realismo, liberalismo e construtivis-
elencados alguns dos desafios enfrentados para se mo em relação a pontos específicos, superando a
alcançar essas novas narrativas. incomensurabilidade característica da definição de
Na parte final, a seu turno, são apresentadas paradigma, de Kuhn. Para Waever (1997), os con-
as conclusões. ceitos de debate e de paradigma são úteis (facilitam a
classificação das teorias e o [primeiro] acesso a elas),
debate interparadigmático, no qual realismo, libera- ralidade da disciplina Teoria das Relações Interna-
lismo interdependente e neomarxismo reconhece- cionais. Afinal, essa discussão é um epifenômeno
ram-se como incomensuráveis – em outros termos, do processo principal de emergência de novas teo-
seriam distintos ontologicamente e, por isso, não
2
rias – em outros termos, a discussão em torno dos
poderiam ser comparados entre si. debates é um acontecimento acessório ao aconte-
No quarto debate (WAEVER, 1997), entre- cimento principal da emergência de novas teorias.
tanto, institucionalismo neoliberal e neorrealismo Assim, essa discussão só existe por ter havido um
são associados ao positivismo3, pelo que são clas- processo contínuo de formulação de novas teorias
sificados como racionalistas (KEOHANE, 1988) . 4
– e quanto mais teorias surgiram, mais a disciplina
É a síntese neo-neo, que agrupa institucionalismo Teoria das Relações Internacionais tornou-se plu-
neoliberal e neorrealismo (BALDIN, 1993; WEA- ral e, consequentemente, mais foi afirmando-se sua
VER, 1996). Em oposição aos racionalistas, encon- pluralidade.
tram-se os reflexivistas, que, para Keohane (1988), Revelador dessa pluralidade é o título do
recorreram a métodos não positivistas, cujo objeto artigo de Walt (1998), International Relations:
de estudo é a interpretação de normas e regimes One World, Many Theories. Nele, Walt afirma que
e a constituição mútua entre instituições e atores. o debate na disciplina está divido entre três polos:
Waever (1997) ainda acrescenta que, na década de realismo, liberalismo e abordagens radicais – inicial-
1980, paralelamente a esse quarto debate (4a), entre mente marxismo, mas, depois do ocaso soviético na
racionalistas e reflexivistas; surgiu outro (4b), entre Guerra Fria, construtivismo. Esse título, no entan-
neorrealistas e neoliberais institucionalistas. Em re- to, não corresponde exatamente ao argumento de-
lação a este debate 4b, verifica-se uma disputa no senvolvido por Walt (1998). Afinal, quando se fala
interior polo racionalista, na qual neorrealistas de- em “muitas teorias”, a mensagem que se depreende
fendem a relevância dos ganhos relativos, enquanto é a de que haveria muitas maneiras igualmente vá-
neoliberais institucionalistas advogam a importân- lidas de se analisar o mundo. Ao longo do artigo,
cia dos ganhos absolutos. contudo, Walt (1998) defende a superioridade do
Independentemente da classificação, a realismo, reputado a teoria que ofereceria a melhor
discussão em torno dos debates demonstra a plu- análise. Por esse motivo, ainda mais fiel à situação
da disciplina é o título de outro artigo, One Wor-
2. Ontologia pode ser definida como “doutrina que estuda os
caracteres fundamentais do ser” (ABBAGNANO, 2007, p. ld, Rival Theories (SNYDER, 2004), embora nele
662). No caso específico, trata-se do questionamento acerca
também se reconheça a superioridade do realismo.
dos elementos constituintes da realidade, de modo a inquirir se
existe uma realidade objetiva universal. De toda forma, tanto Walt (1998) quanto Snyder
3. O modelo positivista de ciência está embasado na ideia de (2004) reconhecem que todas as teorias são incom-
que “o conhecimento científico emerge, apenas, com a coleta de
dados observáveis. [...] [Essa coleta] levaria à identificação de pa- pletas. Assim, os formuladores de política externa
drões que, por sua vez, permitiriam a formulação de leis” (KUR-
KI; WIGHT, 2013, p. 18, tradução nossa). Por muito tempo (e
estão mais bem preparados para a realidade se fo-
até hoje, para alguns), o modelo positivista foi considerado como rem cientes dessa diversidade teórica.
o único capaz de produzir conhecimento realmente científico.
4. Nota-se que tanto a associação dessas correntes teóricas ao Institucionalismo
positivismo quanto a classificação delas como racionalistas
contêm um caráter valorativo – no mínimo, implícito. Afinal,
No período posterior à Guerra Fria, ganhou
se institucionalismo neoliberal e neorrealismo são teorias “ra-
cionais” e “científicas” (pois positivistas), é lícito concluir que força a teoria liberal institucionalista. Como seu
elas seriam teorias melhores que as outras (reflexivistas e não
positivistas), segundo essa classificação de Keohane (1988). nome sugere, o elemento basilar dessa perspectiva
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teórica são as instituições, que seriam “um arranjo que a busca de ganhos relativos não é o objetivo pri-
específico, formal ou informalmente organizado, mordial dos Estados. Além disso, Keohane (2012)
construído pelo homem” (KEOHANE, 1998bc, registra a variável da influência da política domés-
p. 432). Essas instituições seriam capazes de tornar tica – inclinada à defesa do legalismo mesmo nos
as relações internacionais mais estáveis e pacíficas, regimes internacionais – sobre a atuação internacio-
reduzindo a incerteza e os riscos entre os Estados nal; e a da capacidade dos Estados de aprender com
(KEOHANE, 1982, p. 345-346). Ao promoveram a experiência, o que permite a constatação de que
a correlação entre diversos assuntos (issue linkage), muitas das desconfianças mútuas são infundadas.
as instituições diminuem os riscos de que os Es- Essas duas variáveis (política doméstica e capacida-
tados trapaceiem os regimes internacionais, uma de de aprender), ignoradas pelo realismo ofensivo
vez que determinado Estado estará menos tentado de Mearsheimer (1994-1995), também reforçam
a trapacear se a trapaça em um assunto de menor a argumentação de que as instituições contribuem
interesse puder afetar outro assunto, de maior inte- para a estabilidade mundial. Assim, Ruggie (1995)
resse (KEOHANE, 1982, p. 346). As instituições informa que perspectivas como a de Mearsheimer
contribuem para fomentar a cooperação entre os (1994-1995) são não apenas falhas, mas também
Estados devido também ao compartilhamento e à perigosas para a segurança mundial.
disponibilização de informações, o que reduz a pos- Wendt (1995) também se opõe ao realismo
sibilidade de ocorrer o Dilema do Prisioneiro, no ofensivo de Mearsheimer (1994-1995), mas
qual os atores envolvidos, devido à falta de infor- por uma perspectiva diferente. Ele contesta
mação, obtêm um resultado pior para todos, embo- o argumento neorrealista de que a estrutura
ra ajam racionalmente (KEOHANE, 1984, p. 69). internacional é formada pela distribuição das
A oposição a essa perspectiva é empreendida, capacidades materiais5. Defendendo o construtivis-
por exemplo, por Mearsheimer (1994-1995), mo estruturalista, Wendt (1995) afirma que as rela-
ao defender que os liberais institucionalistas não ções internacionais são caracterizadas por estruturas
incorporam em seu modelo a questão dos ganhos sociais, compostas, a seu turno, por conhecimentos
relativos. Isso lhes impediria de verificar que as compartilhados, recursos materiais e práticas. Dessa
instituições são apenas um reflexo da balança de forma, agente e estrutura são mutuamente consti-
poder, de modo que elas não conseguem garantir tuídos, de modo que essa característica de coconsti-
a estabilidade internacional. Mearsheimer (1994- tuição6 permite, inclusive, a cooperação institucio-
1995) argumenta, inclusive, que a incapacidade 5. De acordo com o neorrealismo de Waltz (1979, p. 97-98),
os Estados dependem apenas de si para alcançarem seus ob-
de as instituições promoveram a paz seria algo jetivos no contexto de um sistema internacional anárquico,
demonstrado pela evidência empírica. onde não há uma autoridade que lhes seja hierarquicamente
superior. A concretização desses objetivos dependerá do poder
Em oposição, Keohane (1995) e Ruggie individual dos Estados, que, por sua vez, é estimado pela distri-
buição relativa das capacidades materiais. Assim, não importa
(1995) também se valem da evidência empírica para a capacidade material absoluta dos Estados, mas sua capaci-
argumentar que as instituições podem contribuir dade relativa (quanto cada Estado tem comparativamente aos
outros). Por esse motivo, é a distribuição das capacidades ma-
para a estabilidade internacional, citando os teriais que determina quem são os detentores de poder no sis-
tema internacional anárquico e, consequentemente, a estrutura
exemplos da União Europeia (UE), da Organização
desse sistema internacional.
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e da coope- 6. Em oposição à constituição – caracterizada por uma relação
ração na questão da não proliferação nuclear. Esses em que, por exemplo, a estrutura determina as características do
agente, sem sofrer nenhuma influência deste –, na co-constituição,
exemplos demonstram, segundo Keohane (1995), “agentes e estruturas [são utilizados] para explicar algumas das
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nal entre os Estados, segundo a fórmula “anarquia de construtivismo, que podem ser agrupadas,
[cooperativa ou conflitiva] é o que os Estados fazem segundo a narrativa tradicional do campo, em dois
dela” (WENDT, 1992). polos extremos (correntes positivistas e correntes
pós-positivistas), admitindo-se a possibilidade de
Construtivismo um contínuo entre esses polos. Para Onuf (2013),
O construtivismo emergiu nas Relações por exemplo, o construtivismo significa um meio
Internacionais com os trabalhos seminais de termo entre o positivismo (que exige um método
Nicholas Onuf, Worlds of our making, de 1989; de específico, universal e único para se alcançar o
Friedrich Kratochwil, Rules, norms, and decisions, de conhecimento) e o radicalismo epistemológico
1989; e de Alexander Wendt, Anarchy is what states pós-modernista (que aceita como válidos todos
make of it, de 1992. O fundamento desta corrente é os métodos de se produzir conhecimento).
a ideia de que agente e estrutura são co-constituídos Wendt (1995, p. 75), no entanto, afirma que os
em uma relação mútua – ou seja, os sujeitos inter- construtivistas são modernistas, na medida em que
nacionais contribuem para a formação do sistema “endossam o projeto científico de falsear teorias
internacional, mas também são condicionados pelo contra evidências”. Nesta linha, encontram-se
mesmo sistema. Em consequência, essa perspectiva talvez Finnemore e Sikkink (2001), que, inclusive,
diferencia-se da apresentada por Waltz (2008), que, refutam a tese de Keohane (1988) de que os
embora admita a influência mútua entre agente e construtivistas não possuem programas de pesquisa
estrutura, reconhece uma relação de subordinação empíricos. Guzzini (2013a), a seu turno, informa
entre esses dois elementos, com superioridade da que o construtivismo é, essencialmente, uma me-
estrutura. Além disso, Wendt (1987, p. 343) critica tateoria7, o que implica uma linha construtivista
o “reducionismo ontológico” do neorrealismo de diferente da explorada por Wendt (1995).
Waltz (1979), que define as estruturas, exclusiva- Verifica-se, dessa forma, que, enquanto Walt
mente, como a distribuição das propriedades dos (1998) fala em “um mundo, muitas teorias” e Sny-
agentes pré-existentes; e os agentes, como entidades der (2004), em “um mundo, teorias rivais”, o ar-
homogêneas. Como consequência desse “reducio- gumento apresentado por Wendt (1992, 1995) de-
nismo ontológico” (WENDT, 1987, p. 343), não monstra que há uma questão ainda mais profunda
há espaço para que a estrutura crie novos agentes, que a multiplicidade ou a rivalidade das teorias.
nem que sejam teorizadas as relações sociais (que Trata-se do questionamento da possibilidade de
pressupõem a existência de agentes individualiza- o mundo ser mesmo único. Nesse sentido, Onuf
dos, com propriedades causais distintas). (2013), por exemplo, fala nos muitos mundos das
Mesmo compartilhando essa crença Relações Internacionais.
comum, existem, entretanto, diversas variações Assim, surgem, no âmbito da disciplina de
Relações Internacionais, as discussões em torno
propriedades principais de cada como efeitos do outro, para
ver agentes e estruturas como ‘codeterminados’ ou entidades da existência de uma realidade objetiva externa
‘mutuamente constituídas’ “ (WENDT, 1987, p. 339, tra-
dução nossa). Assim, “cada um [agente ou estrutura] é, em 7. Metateoria pode ser entendida como a teoria sobre as teorias,
certo sentido, um efeito do outro, eles são ‘codeterminados’. pois, conforme Kurki e Wight (2013, p. 14, tradução nossa),
As estruturas sociais são o resultado das consequências in- “metateoria não assume como seu objeto de análise determi-
tencionais e não intencionais das ações humanas, da mesma nado evento, fenômeno ou conjunto de práticas empíricas do
forma que essas ações humanas pressupõem ou são mediadas mundo real, mas explora as premissas básicas de todas as teorias
por um irredutível contexto estrutural” (WENDT, 1987, p. e procura entender as consequências dessas premissas sobre o
360, tradução nossa). ato de teorização e sobre a prática da pesquisa empírica”.
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formulação de uma teoria que comporte o gênero apresentem variações, podem ser identificadas
feminino. Para Tickner (1995, 1997), uma teoria como pertencentes a uma categoria específica
feminista incorpora benefícios não apenas para as – que se acrescenta ao estudo das Relações
mulheres, mas para a própria relação entre os países Internacionais. Esse processo de afirmação da
e no interior desses. A reformulação do conceito pluralidade das Relações Internacionais, verificado
de segurança nacional de uma perspectiva da força com a emergência contínua de novas teorias, tem
militar para a segurança do indivíduo é um exemplo a vantagem de oferecer a diferentes perspectivas
da proposta de Tickner (1995, 1997) de alterar o acesso ao debate teórico da disciplina. Uma
a percepção das relações internacionais de uma desvantagem desse processo, contudo, é o perigo
perspectiva puramente masculina. Essa modificação, de que cada família teórica se especialize de tal
segundo a autora, permitiria solucionar o paradoxo maneira e construa seu arcabouço em premissas tão
da existência de nações sem guerras internacionais, próprias que as teorias não consigam dialogar entre
mas com elevados índices de homicídios nacionais, si. Dessa forma, em vez de teorias, elas virariam
a exemplo do Brasil e de Honduras. espécies de credos religiosos, sobre os quais não há
Steans (2002), a seu turno, analisa o fenôme- debate, apenas aceitação. Isso impede, por exemplo,
no da governança global e da globalização segundo analisar as teorias como mais ou menos adequadas
a teoria feminista das Relações Internacionais. para determinadas circunstâncias, passando-se a
Reforçando a questão da insegurança individual identificar as teorias como “verdadeiras” ou “falsas”.
intrínseca ao atual conceito de segurança nacional, Por essa razão, tem havido questionamentos
Steans (2002) afirma que a globalização tem sobre qual o fim (objetivo) da teoria, bem como
impactado as mulheres de maneira dúbia, pois, por sobre se ela chegou ao fim (término) (GUZZINI,
um lado, tem contribuído para seu empobrecimento 2013b; REUS-SMIT, 2013). Segundo Lake (2013),
e, ao mesmo tempo, aumentado a precarização do a “guerra entre paradigmas” afastou as teorias de
trabalho feminino, principalmente pela redução seu objetivo precípuo, qual seja: a explicação da
do Estado de Bem-Estar, o que impõe à mulher a realidade. Dune, Hansen e Wight (2013) lembram,
assunção da assistência aos familiares. Em outros contudo, que não necessariamente o objetivo da
termos, como o Estado não estaria mais provendo teoria é explicar a realidade. De toda forma, para
esses serviços, o provimento dessa assistência teria Lake (2013), as teorias das Relações Internacionais
recaído sobre a mulher. Por outro lado, a globaliza- ganharam características de dogma religioso,
ção tem oferecido à mulher maior ingresso no mer- incontestáveis e absolutas, o que é traduzido
cado de trabalho e tem proporcionado melhoras de pela ideia de choque entre incomensuráveis. A
suas condições de vida e oportunidades para ques- alternativa a esse impasse é, para Lake (2013), o
tionar esteriótipos relacionados ao gênero. recurso às teorias de médio alcance, caracterizadas
pelo ecletismo analítico. Desse modo, utilizando
O debate sobre o fim da teoria o que “funciona” nas diferentes famílias teóricas,
A ascensão do feminismo circunscreve-se ao as teorias de médio alcance propõem-se a resolver
fenômeno mais amplo da afirmação da pluralidade problemas específicos das relações internacionais.
das Relações Internacionais (DUNE; HANSEN; Lake (2013), então, celebra o fim (término) da teoria
WIGHT, 2013), uma vez que é mais uma família – entendida como os Grandes Debates – e defende
teórica – ou seja, um grupo de teorias que, embora que os paradigmas devem desenvolver-se inter
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namente, em vez de disputarem entre si a verdade mesma forma que este trabalho, a manifestação do
universal. fenômeno da pluralidade na disciplina Teoria das
Guzzini (2013b) apresenta uma perspec- Relações Internacionais.
tiva diferente da oferecida por Lake (2013), in- Brown (2013) oferece outra análise sobre o
formando que o Debate Interparadigmático não fim (término) das teorias. Afirma que o objetivo
necessariamente resulta na lógica de choque entre de produzir uma Grande Teoria não deve ser
incomensuráveis, mas que pode ter por consequência abandonado, mas encorajado, uma vez que a disci-
a análise aprofundada dos paradigmas, bem como o plina Relações Internacionais tem sido consumido-
aperfeiçoamento dos seus fundamentos. Reus-Smit ra, e não produtora de Grandes Teorias, das quais
(2013) também faz ressalva ao argumento de Lake são exemplos as produzidas por Kant e por Hobbes.
(2013), afirmando que as atuais propostas de ecle- Brown (2013) informa que os maiores avanços teó-
tismo analítico, ao defenderem a desconsideração ricos na disciplina têm sido observados no realismo
da discussão metateórica (teorias sobre a produção e no liberalismo. Todavia, ainda há muitos proble-
de teorias), ignoram que qualquer trabalho, mesmo mas não solucionados pelas “teorias solucionadoras
os empíricos, é informado por metateorias. Por esse de problemas” – tradução literal para problem-solving
motivo, essas propostas não são tão plurais quanto theories, categoria analítica desenvolvida por Cox
dizem, mas limitadas ontológica e epistemologica- (1983). Brown (2013), dessa forma, sugere uma
mente. Reus-Smit (2013), no entanto, não defende “teoria crítica solucionadora de problemas”, que se-
o abandono do ecletismo analítico. Ao contrário, ria orientada à solução dos problemas, mas que não
para ele, o que falta é uma versão realmente eclética. tomaria as definições e a realidade como dadas.
Dune, Hansen e Wight (2013), a seu turno,
afirmam que se verificam duas principais corren- Da narrativa às narrativas
tes sobre o fim (término) da teoria. De um lado,
os que defendem a pluralidade sob um único A parte precedente do artigo demonstrou que
método, de modo que pode haver diversas teorias, diversas teorias foram acrescentadas ao conjunto ana-
desde que elas compartilhem o mesmo conjunto lítico das Relações Internacionais, em um processo
de bases metodológicas, no interior das quais as contínuo (que se prolonga desde o estabelecimento
disputas teóricas podem ocorrer. De outro lado, dos estudos das Relações Internacionais) e ascenden-
há o “pluralismo desengajado”, para o qual todo te (com a produção cada vez maior de teorias). Des-
tipo de produção teórica é igualmente válida. Para sa forma, a afirmação de que a disciplina Relações
Dune, Hansen e Wight (2013), nenhuma dessas Internacionais se tornou mais plural (GUZZINI,
correntes extremas e opostas constitue uma boa 2013b; REUS-SMIT, 2013; WAEVER, 1997) pa-
opção científica. Propõem, então, o “pluralismo rece incontestável. Uma análise mais detida sobre a
integrativo”, que não é nem uma síntese teórica, natureza dessa pluralidade, no entanto, revela que a
pois admite a pluralidade das teorias; nem resposta pode variar conforme a maneira de se aferir
uma teoria de médio alcance, pois recorre a a pluralidade.
considerações metateóricas. Independentemente Quanto à pluralidade absoluta – resultante do
da classificação, Dune, Hansen e Wight (2013) processo de aumento da quantidade, segundo os
debatem acerca de como qualificar a pluralidade, e parâmetros apresentados na introdução –, há pouco
não se a pluralidade existe. Assim, reconhecem, da o que se questionar. Afinal, a quantidade de perió-
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dicos e de cursos de Relações Internacionais cres- duação na área de Ciência Política e Relações In-
ceu significativamente ao redor do mundo. Nesse ternacionais (tabela 3).
sentido, a tabela 1 apresenta dados coletados por Gráfico 1 – Evolução da oferta de cursos
Kristensen (2012), que, analisando informações de RI no Brasil (1970-2010)
Número de Cursos
de dados Web of Science, registra uma evolução do
80
número de periódicos de 36 para 72 e do número
60
de artigos de 2.774 para 4.535, entre 1980 e 2010. 40
O número crescente de filiados à rede de estudos 20
das Relações Internacionais, International Studies 0
1970 1980 1990 2000 2010
Association (ISA), que passou de 1.963 para 7.011 Décadas
associados, entre 1963 e 2016 (tabela 2), é outro Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de Ribeiro,
indicador que confirma a pluralidade absoluta da Kato e Rainer (2013).
segundo os parâmetros apresentados na introdução sível depreender que, especificamente nas Relações
–, como se passa a demonstrar. Internacionais, essa realidade não seja tão diferente.
Tabela 4 – Publicações sobre RI e TRI em Tabela 5 – Artigos em Ciências Sociais
periódicos chineses específicos (1990-2004) segundo a nacionalidade dos autores
e dos coautores
World Economics European
and Politics Studies Social Sciences FRANCIS (Insti-
1990 20 0 Citation Index tut de l’Informa-
(Thomson Reuters/ tion scientifique et
1993 27 13 Estados Unidos) technique/França)
1996 35 33 Estados
58% 44%
1999 77 53 Unidos
2002 154 65 Europa
25% 34%
Ocidental
2003 181 63
América
2004 147 62 1% 2,3%
Latina
Fonte: Elaborada pelo autor com dados extraídos de Qin África menos de 1% 1,5%
(2010).
Fonte: Elaborada pelo autor com dados extraídos de Keim
(2008).
Uma distribuição mais equitativa entre as
línguas (inglês, francês, português, espanhol, O reconhecimento científico quanto à
mandarim, por exemplo) nos periódicos científicos influência dos periódicos nas Relações Internacionais
seria um fator coerente com a ideia de pluralida- também depõe contra a ideia de pluralidade relati-
de relativa. Dados da Unesco (2010) apresentados va. Em um cenário em que a pluralidade relativa
por Tickner (2013a), no entanto, apontam que, fosse verificada, os periódicos considerados influen-
em 2010, 80% dos periódicos acadêmicos referen- tes apresentariam nacionalidades diversas, de modo
ciados nas Ciências Sociais foram editados em in- a espelhar proporcionalmente as diferentes forma-
glês. Outra maneira pela qual a pluralidade relativa ções culturais das nações. Isso, entretanto, não é o
poderia manifestar-se seria por uma distribuição que se verifica na pesquisa TRIP around the world:
mais equitativa entre as nacionalidades na literatu- teaching, research, and policy views of International
ra – por exemplo, caso a produção acadêmica lati- Relations Faculty in 20 countries, conduzida por
no-americana e a africana fossem proporcionais à Maliniak, Peterson e Tierney (2012). Em consulta
norte-americana ou à da Europa Ocidental. Dados a 7.001 acadêmicos (dos quais apenas 3.466 res-
coletados por Keim (2008), entretanto, apresentam ponderam) de 20 países, os dez períodos mais in-
uma forte concentração da literatura de Ciências fluentes na área das Relações Internacionais foram
Sociais. Nesse sentido, os autores e coautores dos todos norte-americanos (70%) ou europeus (30%),
Estados Unidos e da Europa Ocidental correspon- conforme se verifica no quadro 1.
dem, conjuntamente, a 83% e a 78% de todos os A pluralidade relativa, ou sua ausência, tam-
artigos indexados, respectivamente, no Social Scien- bém pode ser aferida por meio da análise do cur-
ces Citation Index e no FRANCIS, enquanto a pro- rículo dos cursos de relações internacionais. O fe-
porção conjunta referente aos autores e coautores nômeno da pluralidade relativa seria verificado se
da América Latina e da África correspondem a me- a literatura nesses currículos ou a estrutura desses
nos de 2,5% e a 3,3% nesses dois bancos de dados, cursos apresentassem uma distribuição equilibrada
respectivamente (tabela 5). Embora esses valores de nacionalidades ou uma preponderância da litera-
refiram-se às Ciências Sociais como um todo, é pos- tura local. Assim, para se afirmar que há pluralidade
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Periódico Editora
1 International Organization Cambridge University Press (Reino Unido)
Wiley-Blackwell, em nome de International Studies
2 International Studies Quartely
Association (Estados Unidos)
3 International Security MIT Press (Estados Unidos)
4 Foreign Affairs Council in Foreign Relations (Estados Unidos)
Cambridge University Press, em nome da American
5 American Political Science Review
Political Science Association (Estados Unidos)
Cambridge University Press, em nome do Princeton
6 World Politics Institute for International and Regional Affairs (Estados
Unidos)
Sage Publications, em nome da University of Maryland
7 European Journal of International Relations
(Estados Unidos)
Sage Publications, em nome da University of Maryland
8 Journal of Conflict Resolution
(Estados Unidos)
9 Foreign Policy FP Group (Estados Unidos)
Cambridge University Press, em nome da Britsh Inter-
10 Review of International Studies
national Studies Association (Reino Unido)
Fonte: Elaborado pelo autor com dados extraídos de Maliniak, Peterson e Tierney (2012).
relativa, seria necessário que cursos de Relações In- ria Nacional para os programas de graduação em
ternacionais na América Latina, por exemplo, apre- Relações Internacionais é composta por 45 disci-
sentassem uma distribuição mais equitativa em ter- plinas, das quais apenas 6 (13,3%) são voltadas aos
mos da nacionalidade da literatura utilizada ou que estudos africanos, enquanto as outras 39 (86,7%)
a origem latino-americana fosse mais presente nessa são dedicadas à escola de pensamento eurocêntrico
literatura. Essa distribuição equitativa demonstra- (FALEYE, 2014). É bastante plausível crer que esse
ria que o estudo das Relações Internacionais rece- cenário não é uma particularidade desses dois paí-
be influência das diferentes formações culturais e ses, mas uma realidade em diversos outros.
se desenvolve em diferentes locais do mundo, não Desse modo, conclui-se que, embora a plura-
sendo dominado por alguma tradição específica. A lidade absoluta tenha se manifestado na disciplina,
prevalência da literatura local demonstraria que o a pluralidade relativa ainda é um fenômeno que
estudo das Relações Internacionais não se esquiva enfrenta muitos desafios para se afirmar. Nesse sen-
à análise crítica da relação entre teorias, problemas tido, a pluralidade absoluta na área de Relações In-
e contextos “universais” e teorias, problemas e con- ternacionais é demonstrada pelo número crescente
textos “locais”. Nenhum desses cenários (distribui- de periódicos, de estudantes, de cursos de gradua-
ção equitativa ou predomínio da literatura local) é o ção e de programas de pós-graduação. Os desafios
que se verifica na Coreia do Sul, por exemplo, onde à pluralidade relativa, por sua vez, são postos pela
63,6% da literatura relativa às Relações Internacio- concentração da língua inglesa nos períodos, pela
nais utilizada no país são norte-americanas (tradu- muito baixa representatividade de autores e coau-
zidas ou transcritas diretamente), conforme apon- tores africanos e latino-americanos na literatura de
tam Moon e Kim (2002). Também não é o que Ciências Sociais, pela origem extremamente limi-
ocorre na Nigéria, onde a grade curricular mínima tada (norte-americana e europeia apenas) dos pe-
obrigatória determinada pela Comissão Universitá- riódicos considerados mais influentes nas Relações
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Internacionais pela comunidade acadêmica e pela a forma da produção e o que é produzido nas Rela-
significativa predominância da literatura norte-ame- ções Internacionais também seguem cânones esta-
ricana ou europeia nos cursos de Relações Interna- belecidos pelos Estados Unidos. Os dados apresen-
cionais nos países. tados quanto à origem dos periódicos reconhecidos
Esse estado de coisas – consolidação apenas como os mais influentes (quadro 1) nas Relações
da pluralidade absoluta nas Relações Internacionais Internacionais sugerem a confirmação desse argu-
– tem sido identificado e combatido pela comuni- mento de Tickner e Waever (2009).
dade científica. A narrativa tradicional, exposta na Para Acharya e Buzan (2010), a dominação
primeira parte, tem sido criticada. Novas alternati- na Teoria das Relações Internacionais manifesta-
vas teóricas e novas formas de analisar as Relações se de duas maneiras. Primeiramente, pelo próprio
Internacionais têm sido formuladas, ao que se dedi- embasamento teórico da Teoria das Relações
ca esta parte do artigo a partir de então. Internacionais advém da filosofia, da teoria política
e da história ocidentais. Igualmente, pelo modo euro-
Críticas à narrativa tradicional cêntrico de enquadrar e de contar a história mundial,
A primeira crítica à narrativa tradicional que ajuda a moldar a Teoria das Relações Interna-
das Relações Internacionais é que, ironicamente, cionais. Os dados apresentados quanto à origem da
a disciplina não é internacional. De acordo com literatura adotada nos cursos de Relações Internacio-
Tickner e Waever (2009), desde Hoffmann (1977), nais na Coreia do Sul (MOON; KIM, 2002), bem
fala-se que as Relações Internacionais são uma como quanto à grade curricular obrigatória mínima
disciplina norte-americana. Uma versão um pouco dos cursos de graduação de Relações Internacionais
menos restritiva dessa afirmação refere-se às Relações na Nigéria (FALEYE, 2014) indicam a pertinência
Internacionais como uma disciplina ocidental, em vez da crítica de Acharya e Buzan (2010).
de norte-americana apenas (ACHARYA; BUZAN,
2010). Por essa razão, Tickner (2013a) afirma que há
Em busca de novas alternativas
uma divisão quase intransponível entre “periferia” e Diante desse contexto de concentração do
“centro” do conhecimento teórico da disciplina. Os conhecimento teórico nas Relações Internacionais,
dados apresentados quanto à predominância da língua começa-se a analisar o fenômeno pelo lado inverso.
inglesa (UNESCO, 2010 apud Tickner, 2013a) e Em outros termos, ao invés de se estudar como
quanto à nacionalidade dos autores e dos coautores o centro se apresenta por meio das produções
nas Ciências Sociais (tabela 5) apontam para a confir- intelectuais, passa-se a analisar como a periferia tem
mação do argumento de Tickner e Waever (2009), de tentado apresentar produções teóricas alternativas
Acharya e Buzan (2010) e de Tickner (2013a). àquelas produzidas pelo centro.
Uma segunda crítica associa-se não apenas ao Essa tarefa, no entanto, não pode ser
lugar de produção do conhecimento, mas também realizada de maneira tão direta. Afinal, ao tentar
aos critérios para o reconhecimento da validade entender como se configura a Teoria de Relações
científica do conhecimento. Nesse sentido, Tickner Internacionais ao redor do mundo, uma questão
e Waever (2009) elaboram o conceito de epistemo- se faz premente: que conhecimento procurar
logia geocultural , para se referirem ao fato de que
10
epistemologias do Sul, de Boaventura de Sousa Santos (1995), já
que ambos denunciam a dominação epistemológica, que leva
10. É possível identificar pontos de contatos entre os conceitos “à supressão de muitas formas de saber próprias” (MENESES;
de epistemologia geocultural, de Tickner e Waever (2009), e de SANTOS, 2009, p. 13).
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líderes nacionais (como Ghandi e Nehru). Isso, adoção da justiça e da moralidade ética leva à paz e
todavia, impõe outros desafios. Conceitos como à ordem nas relações no mundo islâmico. A relação
Estado-nação e nacionalismo, que fundamentam a causal é a inversa para os realistas, que percebem a
teoria tradicional das Relações Internacionais, são justiça como um subproduto da ordem.
questionados pelo pensamento clássico indiano. A questão da ética como padrão de
Ilustrativamente, Sri Aurobindo Ghosh percebia a relacionamento é também suscitada por Chekuri
nação indiana de maneira menos territorializada e (2013), que se utiliza de crônicas do século XVII
mais espiritualizada (BEHERA, 2010). Igualmente, sobre o reino de Tanjavur, localizado no sul da atual
Gandhi diferenciava, sensivelmente, uma nação Índia. O objetivo do autor é demonstrar que existem
genuína (comunidade) de um agrupamento de outras lógicas de socialização, além da liberal,
pessoas mantidas unidas pela força da Administração que identifica no egoísmo e no interesse pessoal
(BEHERA, 2010). Esses dois exemplos ilustram a a principal característica das relações humanas.
dificuldade (ou mesmo impossibilidade) de se pro- Segundo essas crônicas, em nome de ideais éticos,
duzir uma Teoria das Relações Internacionais india- Visvanãtha Nãsyaka luta contra o próprio pai, que
na sem que sejam redefinidos os conceitos tradicio- percebe o reino de Tanjavur como sua propriedade.
nais da disciplina. Embora o pai tente convencer seu filho a evitar
(Re)Introduzindo o elemento ética a luta, lembrando-lhe que ele é o sucessor no
No mundo islâmico, também se verifica essa reinado, Visvanãtha segue sua batalha, movido
dificuldade/impossibilidade de se desenvolver uma por princípios e por desprendimento de poder.
Teoria de Relações Internacionais própria, valendo- O imperador, em reconhecimento a Visvanãtha,
se dos conceitos tradicionais do centro, estranhos à premia-o com outro reinado. Assim, estabelece-se
cultura local (TADJAKHSH, 2010). um governo de pessoas elevadas, desprendidas de
Particularmente, há incompatibilidade entre a poder e motivadas por valores éticos.
razão do Estado e a razão do Islã. Nesse sentido, a Esses dois exemplos ilustram que uma das
secularização e o projeto liberal de modernização formas de se pensar as Relações Internacionais
confrontariam a identidade islâmica, que é baseada diferentemente é introduzir o componente ético
na religião, na fé e na moralidade (TADJAKHSH, no modelo de análise. Esse pleito, no entanto,
2010). Essa diferença entre fundamentos filosóficos não está restrito a autores orientais. No próprio
e teleológicos impediria, segundo Tadjakhsh Ocidente, verificam-se movimentos nesse sentido.
(2010), que se constatasse a existência de uma Smith (2004), por exemplo, informa que não existe
Teoria das Relações Internacionais islâmica. ciência social que não seja normativa, desprovida
Dessa forma, Tadjakhsh (2010) chama atenção de valor. Para ele, então, é falso o princípio da neu-
para a teoria islâmica de Relações Internacionais, tralidade científica, que, supostamente, embasa a
que seria derivada de várias fontes relacionadas ao construção da Teoria das Relações Internacionais.
Profeta, como o Corão, a Xaria, a Suna, os Hádices. Além disso, mesmo que existisse, o princípio da
Isso põe em destaque duas conclusões. Primeira, a ciência não normativa não seria desejado, pois sua
grande divergência com as clássicas fontes da Teoria adoção impediria que as relações internacionais fos-
das Relações Internacionais ocidental. Segunda, sem pautadas por garantias éticas que se pretendem
o caráter normativo da Teoria das Relações conferir aos indivíduos. Justificando, Smith (2004)
Internacionais islâmica. Para esta, por exemplo, a informa que esse modelo ilusório de ciência não
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A segunda resposta decorre da análise do ainda mais amplo que pretende criar as Relações
fenômeno segundo as lentes da pluralidade relativa. Internacionais Globais. Dessa forma, a dicotomia
Sob essa lente, o acréscimo vertiginoso na quan- excludente entre Ocidente e Oriente seria afastada,
tidade não tem sido, nem de longe, acompanha- permitindo-se uma disciplina que contemplasse
do pelo incremento na diversidade. Dessa forma, ambas as perspectivas simultaneamente. O
embora o número de cursos e de periódicos tenha objetivo seria evitar tanto o paroquialismo (que
aumentado, onde, o que e como se ensinam as Rela- desconsidera os fatores externos e os contextos
ções Internacionais continua concentrado, repeti- mais amplos, voltando-se apenas para a realidade
do, limitado. Como exemplo, pode-se afirmar que local, considerada como universal) quanto o
ainda predominam a língua inglesa nos periódicos essencialismo (que pressupõe a inexistência de
das Ciências Sociais (UNESCO, 2010 apud TICK- quaisquer outras formulações teóricas anteriores à
NER, 2013a); a expressiva desproporção entre a ocidental). O resultado, então, é a emergência do
quantidade de artigos em Ciências Sociais oriundos mundo multiplexo – tradução literal para multiplex
dos Estados Unidos e da Europa Ocidental (mais world (ACHARYA, 2014). No mundo multiplexo,
de 75%, conforme tabela 5), em relação aos pro- múltiplos atores são reconhecidos como legítimos,
duzidos na América Latina e na África (no máximo, atores esses que se relacionam por meio de intera-
3,3%, conforme tabela 5); as grades curriculares ções complexas de interdependência.
com grande participação da literatura norte-ameri- Assim, verifica-se a emergência de teorias
cana e do pensamento eurocêntrico, independente- próprias de Relações Internacionais em outros
mente do local onde esses cursos sejam ministrados, lugares do mundo, notadamente na periferia. Um
como sugere a comparação entre o estudo das Re- desafio que se impõe ao reconhecimento dessa
lações Internacionais na Nigéria (FALEYE, 2014) e emergência é o de que a busca de produção nacional
na Coreia do Sul (MOON; KIM, 2002); os crité- pode estar condicionada pelas lentes da Teoria das
rios tradicionais para a identificação e para a legiti- Relações Internacionais desenvolvida pelo centro.
mação do conhecimento científico, que levaram ao Por esse motivo, é necessário “pensar as Relações
reconhecimento apenas de periódicos norte-ameri- Internacionais diferentemente” (BLANEY;
canos (7) e europeus (3) entre os 10 periódicos mais TICKNER, 2012), conferindo novos significados
influentes no mundo, na área das Relações Inter- a elementos tradicionais (como a ideia de Estado-
nacionais (MALINIAK; PETERSON; TIERNEY, nação) das teorias das Relações Internacionais
2012). Por esses motivos, entre outros, é possível desenvolvidas pelos centro; bem como introduzindo
argumentar que o fenômeno da pluralidade relativa novos elementos (como a religião) nos modelos
ainda encontra muitas dificuldade para se afirmar. teóricos dos estudos das Relações Internacionais.
Tem-se visto, no entanto, a emergência de Diversas são as maneiras que têm sido
vários movimentos que advogam a ampliação utilizadas para se pensar as Relações Internacionais
do referencial teórico da disciplina Relações diferentemente. Acharya e Buzan (2010) citam a
Internacionais. Dessa forma, fala-se em Relações utilização de tradições clássicas locais, o recurso ao
Internacionais “além do Ocidente” (ACHARYA; pensamento e à atuação externa de líderes políticos,
BUZAN, 2010) ou mesmo “pós-Ocidente” a adaptação da Teoria das Relações Internacionais
(ACHARYA, 2014). Esses movimentos fazem do centro às características locais, e a elaboração
parte, segundo Acharya (2014), de um contexto de conceitos e seu desenvolvimento em teorias.
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Tadjakhsh (2010) menciona a utilização do Corão. e maniqueísta, segundo a qual o “astuto” centro se
Chekuri (2013) recorre a relatos históricos em for- impõe sobre a “inocente” periferia. O argumento
mato de crônicas. Ling (2014) propõe um modelo do imperialismo, então, pode representar uma nova
de relações internacionais baseado no taoísmo. forma de contar o mito do bom salvagem, que tem
Apesar desses esforços, a análise da em Rousseau seu principal difusor.
produção de teorias das Relações Internacionais A cautela que é solicitada para analisar o
na periferia revela uma situação complexa. imperialismo não é necessariamente para negar
Conforme identificado por Tickner (2013a), a existência desse fenômeno. Solicita-se cautela,
embora acadêmicos da periferia afirmem que as sim, para se reconhecer que a periferia também é
teorias do centro não são adequadas para analisar responsável por essa relação imperialista – ou seja,
as características do Terceiro Mundo, neste, há a periferia não pode se acomodar no papel do
pouca produção teórica. Quando essa produção “inocente iludido”. Dessa forma, caso se fale em
existe, ela é normalmente dominada por questões imperialismo na disciplina Relações Internacionais,
práticas de política externa e pela utilização do esse argumento tem de ser acompanhado de
Estado como unidade de análise. Por esse motivo, outros termos, como, por um lado, aceitação
Tickner (2013a) fala em (neo)imperialismo das e conveniência; por outro, emancipação e
Relações Internacionais, ao analisar a disciplina sob descolonização da disciplina.
a perspetiva da relação centro-periferia. Procura-se chamar atenção para o fato de que,
Uma das explicações possíveis é apontada dificilmente, a disciplina Relações Internacionais
por Tickner (2013b, p. 217) e refere-se à própria ganhará pluralidade relativa espontaneamente, por
formação de uma disciplina acadêmica. Esse ato de generosidade do centro. Analisando-se essa si-
processo impõe, em certa medida, conformidade e tuação sem paixões, pode-se constatar que não chega
cumplicidade. Afinal, “ser aceito como membro de a ser um absurdo que só se reconheça como legítimo
um campo acadêmico implica o reconhecimento aquilo com o que se está acostumado. Para reverter
dos valores deste campo, a rejeição de epistemologias isso, é necessário que outras formas de ver o mesmo
diferentes do padrão, e a afirmação da importância fenômeno sejam estabelecidas, defendidas, explica-
do conhecimento acadêmico, que se opõe ao das e reforçadas. É por essas razões que a periferia
prático”. tem um papel fundamental a desempenhar para que
Outra explicação pode ser a questão das a disciplina alcance maior pluralidade relativa.
assimetrias. Nesse sentido, Tickner e Waever (2009) A concentração do conhecimento na
mencionam que há significativas assimetrias nas disciplina Relações Internacionais é prejudicial ao
relações de poder (exemplificada pela imposição próprio desenvolvimento desta, que, em vez de
da língua inglesa), nas condições de trabalho e nos evoluir, se repete. Por esse motivo, são salutares as
recursos à disposição dos acadêmicos da periferia. tentativas de contribuições originais à disciplina,
Essas assimetrias contribuem para a dominação que assumem diversas formas. É possível que se
do centro sobre a produção do conhecimento de esteja caminhando rumo a uma pluralidade rela-
Teoria das Relações Internacionais. tiva da disciplina, ou, pelo menos, a uma menor
O argumento do imperialismo, no entanto, concentração. Essa caminhada dependerá enorme-
deve ser visto com cautela. Por meio desse argumen- mente do empenho da periferia, que tem muito a
to, normalmente, é estabelecida uma relação binária contribuir para a evolução da disciplina.
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