Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Entre outras obras importantes, um dos exemplos mais notáveis e que mais profundamente abordou as
questões acerca do estilo narrativo e do caráter de ficcionalidade no relato foi o norte-americano Hayden
White em seu trabalho Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. Infelizmente, por conta do
pouco contato que tivemos com esta obra, ainda não temos condições de aprofundar as reflexões de White,
no entanto esta leitura figura entre as referências a serem estudadas no decorrer do trabalho.
Precisamente, é este “contexto prático de funções” que identificamos na teoria da
narração de Walter Benjamin como sendo um frutífero lócus de apropriação e atualização
para o campo da Teoria da História. Em Benjamin, a preocupação com a escrita da história
se revela desde os seus escritos de juventude e adquire maior relevância em seus últimos
trabalhos, com destaque para as teses Sobre o conceito de história (1940) e o projeto das
Passagens. No entanto, um estudo sobre sua teoria da história conduz naturalmente a
textos anteriores, permeados pela sua teoria da narração.
Na filosofia benjaminiana a história é construída na medida em que se é narrada,
narrar a história é construir a história; o sujeito se constitui no próprio ato da narração. A
questão central dessa filosofia reside na renúncia das concepções historicista e
progressista do processo histórico e no estabelecimento de uma relação crítica com o
passado, capaz de romper com o pressuposto teleológico-evolutivo que sustenta um
conceito de história estagnador.
Três trabalhos, de períodos distintos, devem ser referenciados aqui como cruciais
para a exposição da teoria da narração benjaminiana: A Origem do Drama Barroco
Alemão (1925), Experiência e pobreza (1933) e O Narrador (1936). O que há de comum
entre os três ensaios, cada qual em sua especificidade, é o cuidado de Benjamin para com
as questões da transmissão da experiência e da manutenção da memória coletiva. Em A
Origem do Drama Barroco Alemão, o conceito de “alegoria” (allegorie) surge enquanto
categoria fundamental para a construção de uma teoria da narração benjaminiana. Nas
obras dos autores barrocos analisadas, Benjamin constatou que o recurso à alegoria era
empregado como expressão de uma “falta de sentido” associada a uma existência pautada
na morte e no pecado. Ela seria ainda, o efeito da fragmentariedade identitária do sujeito
contemporâneo, incapaz de construir sua própria narrativa. A alegoria “cava um túmulo
tríplice: o do sujeito clássico que podia ainda afirmar uma identidade coerente de si
mesmo e que, agora, vacila e se desfaz; o dos objetos que não são mais depositários de
estabilidade [...]; enfim, o do processo mesmo de significação” (GAGNEBIN, p. 46,
1994).
Nesta mesma perspectiva, Benjamin também atribui um contorno alegórico à
história enquanto “processo mesmo de significação”. As suas “teses” ilustram o ápice de
seu ponto de vista acerca da impossibilidade da atividade da narração; daquela narração
clássica, de profusão de sentido. No entanto, ele não enxerga essa impossibilidade como
sendo um aspecto negativo, pelo contrário, é no processo de alegorização que reside o
real e profuso sentido. Mais a frente retomaremos este debate com maior ênfase.
No que se refere a problemática da “experiência” (erfahrung), Benjamin dedicou
alguns escritos2, no entanto vamos nos ater aqui a ideia de experiência presente no, já
citado, ensaio de 1933. Para o filósofo alemão, “experiência” se funda no entrelaçamento
entre as relações individuais e as relações coletivas dos sujeitos, e dessa forma é que se
constituiriam imagens de si-mesmo. Partindo de uma análise dos determinantes sócio-
históricos, Benjamin associa a transmissão da experiência à atividade do trabalho e situa
o contexto do capitalismo industrial, que segundo ele, engendrou uma espécie de
degradação da experiência, impossibilitando assim a sua transmissão.
2
Trabalharemos a categoria da experiência em conformidade com o ensaio “Experiência e pobreza”,
todavia, faz-se necessário precisar que o primeiro trabalho de Benjamin à tratar a questão da experiência –
sob um ângulo distinto do texto de 1933 – é o ensaio auto-intitulado de 1913. A leitura desse texto figura
nos planos da nossa pesquisa, visto que contribui para a apreensão da ideia localizando-a em relação à
tradição filosófica com a qual dialoga.
carências de orientação cultural no tempo presente. “Na medida em que a interpretação
dá uma forma narrativa à relação ‘histórica’ entre fatos, o procedimento de interpretação
está intimamente relacionado à maneira de contar uma história (tell a story)” (RÜSEN, p.
91, 1996).
A seguir, vejamos brevemente quais os efeitos que esta “maneira de contar”
provoca nas dimensões da política e da cultura, e quais as possibilidades que se encerram
na maneira benjaminiana de narrar a história. As categorias comentadas até aqui,
articuladas de modo a expor a teoria da narração de Walter Benjamin, culminam na ideia
central de sua teoria da história, que remete particularmente às questões da prática política
e aos usos e apropriações do passado.
3
É interessante, indicar aqui, a força das obras de dois autores fundamentais para Benjamin, na construção
de sua teoria da história, Kafka e Proust. A questão da destituição do sentido e mais além, à problemática
do esquecimento, apóia se na particularidade da prosa kafkiana e percebemos essas ressonâncias nas “teses”
ou mesmo no projeto das Passagens. De outro lado, Benjamin retoma Proust ao remeter às questões da
experiência e da memória coletivas. Visamos a incursão sobre a obra destes escritores no sentido de buscar
as referências estéticas que o filósofo alemão utilizou para a formulação de sua teoria da narração.
(LOUREIRO, 2005). Em outras palavras, os social-democratas seriam traidores da causa
socialista, pois, a situação alemã, em face da crise econômica e da fome que assolava a
população seria resultado de uma política sem sustentação, que deu margens para o
surgimento do nazi-fascismo. A social-democracia mediante uso de um discurso
reformista provocou o conformismo na classe operária, estagnando o campo de ação dos
trabalhadores e suas pontencialidades revolucionárias, minando assim o seu horizonte de
possibilidades, conferindo uma forma acabada àqueles eventos históricos.Dessa forma e
nesse contexto de incertezas e inflexibilidade dos jogos políticos, o partido nacional
socialista despontou e posteriormente estabeleceu-se no poder.
Para Benjamin, trata-se de romper com tal estagnação conformista, suscitada pela
social-democracia e que se sustenta na concepção progressista da história. Neste sentido,
faz-se necessário estabelecer um outro conceito de tempo, que seja capaz de divisar no
céu da história as possibilidades existentes. Isso nos leva a nossa terceira categoria,
designada a fim de expor a teoria da narração de Walter Benjamin. Essa categoria é a do
“tempo-de-agora” (jetztzeit), que advoga pela emergência de uma compreensão do tempo
enquanto possibilidade de irromper o continuum, em favor do que ainda pode se tornar
história, na extrapolação de um sentido acabado em si mesmo. Conforme Werner
Hamacher, no artigo ‘Now’: Walter Benjamin on Historical time:
What Walter Benjamin uncovers in his theses ‘On the Concept of History’ is
the temporal structure of the political affect. Historical time is founded upon
political time directed towards happiness. Any theory of history – of historical
cognition and of historical action – therefore will have to take this time of the
affect as its starting point. (HAMACHER, 2005, p.38) 4
4
“O que Walter Benjamin revela em suas teses ‘Sobre o Conceito de História’ é o efeito político da
estrutura temporal. O tempo histórico é fundado no tempo político direcionado à felicidade. Qualquer teoria
da história – de cognição histórica e ação histórica – por consequência, terá que considerar este momento
de efeito como seu ponto de partida” (HAMACHER, 2005, p.38, tradução nossa).
linearidade, com a noção de progresso, é neste tempo que se inscreve a possibilidade.
Entretanto, não concerne apenas de perceber o tempo como forma vazia, sempre
disponível, a espera de ações humanas que simplesmente o preencham, mas de realizar
ações em potencial e que sejam capazes de irromper o interior da história e interromper o
seu curso teleológico, conferindo um caráter de discurso infinitamente aberto.
5
Por conta do espaço limitado deste projeto, não é possível, apresentar todas as prováveis atualizações da
filosofia de Benjamin para as discussões contemporâneas em Teoria da História, no entanto, poderíamos
apresentar os exemplos das contribuições da teoria benjaminiana da história, para uma teoria da história da
literatura (BOLLE, 2000, 106). Outra frutífera atualização se refere aos conceito de “imagem onírica”, que
aparece como categoria central no projeto das Passagens. Benjamin faz uso da teoria psicanalítica na análise
da experiência social contemporânea para conceber figuras dessa determinada experiência como figuras
oníricas, capazes de transferir do indivíduo ao coletivo a experiência flutuante de estados de consciência.
Esta estratégia já fora utilizada pelo historiador Reinhart Koselleck no texto Terror e sonho (KOSELLECK,
2006, pp. 247-265), mostrando que os sonhos fornecem exemplos da vida cotidiana e testemunhos da
experiência.
Ao final, nossa expectativa será de ter construído um percurso que propicie ao leitor uma
imagem da concepção de “história aberta” calcada por Benjamin, apresentada em sua
teoria da história, através de sua teoria da narração.
5. OBJETIVOS
6. HIPÓTESES
7. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
A tipologia das fontes reunidas para uma pesquisa no campo da Teoria da História
são os textos teóricos e filosóficos que articulam as hipóteses lançadas. No que diz
respeito a nossa proposta, tais fontes circunscrevem os textos de Walter Benjamin ligados
aos temas já sugeridos. Listamos aqui, alguns ensaios – já citados anteriormente – que
são cruciais para o desenvolvimento de nossa problemática: A Origem do Drama Barroco
Alemão (1925), Experiência e pobreza (1933), O Narrador (1936), Sobre o conceito de
história (1940) e o excerto do trabalho das Passagens Teoria do conhecimento, teoria do
progresso.
Grande parte da obra de Benjamin foi traduzida, sobretudo para as línguas inglesa
e francesa; há também traduções para a língua portuguesa, mas em menor número. Dos
textos listados acima, todos foram traduzidos para nossa língua e publicados no Brasil,
entre as décadas de 1960 e 1970, com exceção para o excerto das Passagens.
Consultaremos as edições brasileiras mas não será descartada a ocorrência do cruzamento
de traduções na eminência da comprovação e de reforço da transposição de conceitos e
ideias fundamentais para uma boa interpretação dos escritos.
Os textos de comentadores, referências à história e à filosofia em geral serão
apresentados na Bibliografia. Mostra-se necessário, ressaltar ainda o caráter aberto desta
bibliografia, e a certeza de que será renovada no decorrer da pesquisa.
9. CRONOGRAMA DE TRABALHO
1º semestre:
a) Apresentação da ideia de “alegoria” (allegorie) na obra de Walter Benjamin (na tese
de livre docência sobre o drama barroco alemão, no projeto das Passagens e nas “teses”).
b) Apresentação da localização da idéia de “alegoria” (allegorie) e sua relação com o
conceito de história de Benjamin.
c) Apresentação do contexto sócio-histórico contemporâneo e seus condicionantes sobre
a atividade da narração (processo de alegorização em face do caráter fragmentário das
relações entre os indivíduos).
2º semestre:
a) Apresentação da idéia de “experiência” (erfahrung) na obra de Walter Benjamin (nos
ensaios de 1913 e 1933).
b) Apresentação da relação desta idéia com a questão da narratividade (início da
apresentação da teoria da narração benjaminiana).
c) Apresentação da localização da idéia de “alegoria” (allegorie) no contexto do “declínio
da experiência coletiva” (prosseguindo com a apresentação da teoria da narração
benjaminiana).
d) Apresentação da função narrativa para a abertra da história (articular a teoria da
narração sob a perspectiva da funcionalidade da escrita da história).
3º semestre:
a) Apresentação do conceito de “tempo-de-agora” (jetztzeit) nas teses Sobre o conceito
de história.
b) Apresentação das reflexões acerca da narratividade (e as implicações que a atividade
narrativa produz no plano da ação).
c) Apresentação da atualização da teoria da história de Walter Benjamin para as
discussões contemporâneas sobre a linguagem e a história.
4º semestre:
a) Apresentação da relação entre a teoria da narração de Walter Benjamin e sua teoria da
história.
b) Apresentação das conclusões.
c) Revisão e apresentação da dissertação.
BIBLIOGRAFIA6
______. Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas. Vol. 1. Trad. S. P. Rouanet.
São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.
6
Estas referências naturalmente serão atualizadas no decorrer da pesquisa, o objetivo deste item é
apresentar de maneira geral as obras já disponíveis para utilização ao longo da pesquisa.
GAGNEBIN, Jeanne M. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo, Editora
Perspectiva, 1994.
LÖWY, Michael. Walter Benjamin: Aviso de incêndio. Uma leitura das teses “Sobre o
conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.
ELIAS, Norbert. Os Alemães: A luta pelo poder e a revolução do habitus nos séculos XIX
e XX. Tradução, Álvaro Cabral. – Rio de Janeiro: Zahar. 1997.
LOUREIRO, Isabel. A Revolução Alemã 1918- 1923. – São Paulo: Editora UNESP, 2005.