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Introdução
Até meados dos anos 1960, a História privilegiava como fonte de informação os textos
escritos com os quais o historiador se sentia mais à vontade (GASKELL, 1993, p.237). As
imagens eram consideradas quase como que “fotografias”, quer de fatos históricos, quer da
“vida cotidiana”, reduzindo-as à condição de confirmar ou não um texto escrito (METZ,
1973, p.12-13). Tradicionalmente, os historiadores da Antigüidade utilizavam a cultura
material para extrair uma informação pitoresca sobre a vida privada e a arte, visando
complementar ou ilustrar a história “real” advinda da documentação escrita1.
A partir de meados dos anos 1960, surgiram novas perspectivas de abordagem da
imagem. Historiadores, antropólogos e arqueólogos, participando das grandes discussões
referentes aos saberes relativos às Ciências Humanas, ao tratarem de problemas ligados a
teoria e métodos dos referidos saberes, levantaram questões relativas à comunicação social, à
circulação e aos significados das mensagens. Os historiadores da Antigüidade sentiram a
necessidade de se aproximarem das teorias da Comunicação e da Semiótica ao trabalharem
com imagens, na medida em que estas constituíam parte significativa da documentação
existente do período estudado. Atentaram, pois, para a relação entre imagem e mensagem,
considerando a primeira como “texto” permeado de um código visual, construído socialmente
através dos seus elementos icônicos. Nesta perspectiva, as imagens produzidas pelas
sociedades antigas tornaram-se suportes de informação – documentos históricos – tão
importantes quanto os textos escritos.
A imagem é uma maneira de se reconhecer e se elaborar o dado sensível (THEML,
2002, p.17), porém não numa perspectiva isomórfica em relação ao real. Ela se insere na
ordem do texto, no sentido em que precisa ser lida para ser compreendida. Para tanto, os
historiadores devem deixar de ser “visualmente analfabetos” (BURKE, 2004, p.12). Seria
simplista considerar que a escrita e a imagem sejam um todo homogêneo de tal forma que se
possa passar o olhar de um a outro: o texto escrito e a imagem textualizada apresentam duas
formas de apropriações diversas, em termos de interações e de comunicações sociais. Esta
distinção se baseia não apenas na forma material dos suportes (papiro, livro, vaso, tinta,
pedra, etc.), mas por existirem diferentes lugares de produção e usos sociais e culturais assim
Professora Associada e pesquisadora do Laboratório de História Antiga (LHIA) e do Instituto de História da
UFRJ.
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como por possuírem códigos diferentes. O texto escrito estava restrito aos círculos aos quais
se dirigia (ao teatro, ao simpósio, aos discípulos; nada parecido com o jornal ou as midia no
mundo contemporâneo); as imagens, pelo contrário, proliferaram quase como um discurso
social anônimo e de amplo alcance, levando, por exemplo, a presença de Augusto aos
municípios mais longínquos do Império Romano através das moedas, estátuas, camafeus...
(ZANKER, 1990) A imagem se inseria ainda, e muito mais profundamente que a escrita, na
vida cotidiana do mundo clássico, recontando narrativas míticas, nas quais se apresentavam
deuses ou reis, mas também familiarizando seus integrantes uns com os outros através de
representações de situações vivenciadas e idealizadas.
No presente estudo, privilegiou-se o modo de produção de sentido da imagem através
da sua interpretação, ou seja, como provocam significações, suas mensagens. Desta forma, a
imagem torna-se um signo, pois, exprime a relação entre o significante e o significado que se
transforma em idéias e demanda dos seus leitores uma atitude interpretativa. Tal como o
signo, a imagem está no lugar de alguma coisa para alguém e possui alguma relação ou
alguma qualidade analógica desta coisa, constitui-se, portanto, numa representação visual.
Apresenta-se como uma ferramenta de expressão e comunicação, pois transmite uma
mensagem visual para outro, composta de diversos signos, sendo então passível de
interpretação; é, portanto, uma linguagem (JOLY, 1997, p.48). O produtor da imagem
encontra-se numa relação dialógica com a sociedade na qual está inserido: produz por
diversas motivações culturais e sociais e seus produtos retornam à sociedade reforçando,
criticando ou formulando novos valores e práticas. Dificilmente, alguém cria alguma coisa
que não seja compreendida, que não tenha um significado para os membros da sociedade em
que vivem (ECO, 2004b). Seguindo Bérard (1983, p.5-37), consideramos que as imagens
correspondem a uma narrativa e seus criadores as fizeram a partir de um repertório comum de
elementos estáveis e constantes na sua sociedade. A combinação destes elementos constitui-se
numa imagem de conteúdo narrativo. Através destas combinações associativas, podemos
passar da relação de referência à relação de significação, daí a pertinência da aplicação da
leitura semiótica.
Eco (2007a) defendeu o papel ativo do intérprete na leitura de textos dotados de valor
estético. Este aspecto foi aprofundado em três ensaios (1991, 2004b e 2007b), em que
abordou a idéia de Pierce da semiótica ilimitada. Porém, isto não implica dizer que a
interpretação não tivesse critério nem que a interpretação fosse desprovida de objeto nem,
muito menos, que corresse por si própria. No esquema pierceano (1992 e 2000), o signo
mantém uma relação solidária entre os três pólos que compõem a dinâmica de qualquer signo
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ramificações frondosas, sendo que, na da esquerda, está amarrado um cavalo. Próximo a este,
num chão com relva baixa e esparsa, há, em pé, um homem de cabelos curtos castanhos e
imberbe, vestido com uma túnica curta colorida e manto sobre o ombro esquerdo e portando
faixas, as fasciae crurales, para proteger as pernas e nos pés, botas de cano curto. Um pouco
mais atrás, à direita, há um altar, onde arde um fogo. O homem segura a lança com uma das
mãos e a outra está estendida, na mesma direção do seu olhar, para outro homem2, que está
com a cabeça virada para aquele que lhe aponta a mão. Ele veste uma túnica curta e porta uma
bolsa atravessada ao peito. Com um dos pés apoiados na pedra, prepara a corda e tem ao seu
lado um cão com coleira, que fareja o chão. Na registro logo abaixo, num ambiente
pedregoso, há dois cães com coleiras, que acossam um javali, que busca se defender. Próxima
a um arbusto e acompanhando a cena, uma figura humana, em grande parte perdida, sendo
visível apenas uma de suas pernas com as fasciae crurales, o outro pé com a bota curta e
parte do ombro. Por fim, no registro mais inferior, daqueles que sobreviveram, também num
ambiente predominantemente pedregoso, há um leão, identificado por sua juba já que as
tesselas da sua cara se perderam, morde o dorso de um onagro (espécie de burro selvagem),
fazendo-o sangrar e segura para baixo, com uma de suas patas, o pescoço da sua vítima. Um
outro onagro, com a cabeça voltada para esta cena, está com suas patas anteriores levantadas,
indicando galope na direção contrária da cena.
O mosaico apresenta uma caçada para deleite da elite terratenente. Há diversos sinais
diacríticos deste grupo social: a residência imponente3, o cavalo4, as roupas distintivas (túnica
colorida e manto; o comprimento curto da túnica permitia liberdade de movimento para
exercer a atividade de caça) e o assessoramento de um serviçal, que cuida do cão e do
equipamento de caça. Tradicionalmente, nos textos imagéticos musivos afro-romanos, os
cavaleiros eram acompanhados por suas matilhas de cães e por empregados, que serviam de
guias, portavam a rede e a lança, colocavam as armadilhas, arrancavam o couro e a carne dos
animais caçados e tratavam dos cães (BLANCHARD-LEMÈE et al., 1996, p.167-187;
BUSTAMANTE, 2008, p.251-276). Justamente, em virtude desta última função, que Yacoub
(1993, p.190) identifica os vestígios da figura humana do segundo registro do mosaico como
sendo o valete do senhor.
A caçada aristocrática distinguia-se dos outros tipos de caçada: caça de animal de
pequeno porte para defesa das plantações pelos camponeses e para a alimentação; expedições
de caça de animais em grande quantidade e variedade para os espetáculos no anfiteatro; as
próprias caçadas na arena (venationes), que faziam o público partilhar das emoções da
captura, o que era muito apreciado pela população e motivo de cuidados por parte das
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autoridades e das elites locais, que subvencionavam este tipo de espetáculo. A caçada
aristocrática seguia um plano costumeiro: homenagem aos deuses protetores da caça, o que
era recomendado no século II pelo historiador Ariano (Cinegética XXXIV) visando assegurar
bons resultados5; a partida do grupo de caça; cenas de perseguição; a tomada da presa; e
finalmente, o retorno. Um recurso, desenvolvido pelos mosaístas norte-africanos, para mostrar
esta seqüência temporal foi a divisão em níveis sucessivos, como no presente caso. O mosaico
em análise apresenta algumas destas etapas: sacrifício aos deuses, partida para caça e tomada
da presa com auxílio de cães. Talvez, o quarto nível fosse o retorno com o javali, como
representado em outros mosaicos6. Há, entretanto, a inserção de uma cena que figura com
crueza os perigos da fauna selvagem da região: o ataque do leão ao onagro.
Desde os tempos pré-históricos, a África era conhecida como terra de caça. A região
era famosa pela riqueza da sua fauna tanto de grande quanto de pequeno porte, que foi
figurada em diversos mosaicos antigos. Além disso, havia outras condições favoráveis para o
desenvolvimento de uma vigorosa cultura de caça: uma longa tradição devotada a melhorar as
linhagens de cavalos barbos7, típicos da região; e excelentes cães de caça, tais como o
Sloughi (AYMARD, 1951, p.271-274) e o galgo, indispensáveis para uma caçada.
Freqüentemente, os cavalos e os cães foram nomeados nos mosaicos 8, indicando a afeição dos
seus donos por estes animais.
uma rica villa rural em Cincari (atual Henchir Toungar, Tunísia), cerca de 50 km da moderna
Túnis. Sua datação é do século III9, período de grande prosperidade para a África Romana.
A partir do século II, a viticultura e, em especial, a oleicultura expandiram-se pelas
terras norte-africanas (DECRET & FANTAR, 1988; FÉVRIER, 1989/1990; JULIEN, 1994;
MAHJOUBI, 1983, p.473-509; MANTON, 1988; PICARD, 1990; RAVEN, 1984)
Verdadeiras florestas de oliveiras passaram a cobrir a região. O plantio da oliveira foi
particularmente bem sucedido, devido à peculiaridade da terra e às condições climáticas
norte-africanas. Outros fatores também se conjugaram para a promoção deste processo: a
conquista de novas terras para a produção cerealífera na Numídia tornou mais leve o encargo
da África Proconsular; a crise da produção do vinho e azeite italianos; a política mais liberal
de imperadores de origem provincial para com as regiões não-italianas; a existência de terras
nas estepes que eram insatisfatórias para a triticultura, mas propícias para a arboricultura; e a
rentabilidade do comércio do vinho e do azeite. A Lex Manciana10 estimulou a olivocultura,
ao favorecer a exploração de terrenos adversos, como matagais, pântanos, estepes, terrenos
acidentados e terras esgotadas pelos trigais. A produção de azeite norte-africano era exportada
para o restante do Império Romano, em especial, para a própria cidade de Roma. Escavações
arqueológicas submarinas em Óstia (RANDSBORG, 1991, p.128), porto de entrada para
Roma, atestam a importância econômica da África no período da confecção do mosaico
(século III). A prosperidade da região acentuou-se com a ascensão da dinastia dos Severos
(193-235), de origem afro-síria, ao poder imperial (GONÇALVES, 2002), que promoveu um
período de grande desenvolvimento para as províncias norte-africanas, materializado na
intensa atividade edilícia (LEPPELEY, 1981).
lhe permitia assumir suas funções sociais dentro de um marco de prestígio. O senhor se
distinguia pela vestimenta e por estar a cavalo. A roupa era uma forma de distinção social
(AGOSTINHO. Sobre a Doutrina Cristã II, 25). Os grandes proprietários eram apaixonados
por tudo que tivesse a ver com cavalgar e se entregavam à atividade da caça com prazer. A
julgar pelos mosaicos afro-romanos, a caçada ocupava um lugar considerável na vida e no
lazer da elite. O bispo Agostinho (354-430), em Contra acadêmicos I, 2, descreveu a vida de
um de seus membros: “Tu passavas a vida, Romiano, em moradias esplêndidas, banhando-te
voluptuosamente, em caças, em jogos, em festins”. É a mesma descrição expressa
sucintamente em uma inscrição encontrada em Thamugadi (atual Timgad, Argélia): “Caça,
banhar-se, brincar e rir: eis a vida”. (CAGNAT, 1912, p.70) Era essa idilicamente a vida da
elite, aquela que deixou mais registros de si mesma, cuja fortuna se registrava nos magníficos
mosaicos domésticos. Uma visão mais realista da caçada foi dada por Agostinho no Sermão
LXX, 2:
(...) sem se preocuparem com o frio e o calor, barrancos ou torrentes,
feridas nas pernas ou mordidas, comendo miseravelmente e bebendo água
muita suja. E tudo isto para receber um javali ou um cervo que alegra mais
o coração do caçador quando vê o animal exposto, que propriamente pelo
seu paladar quando o servem assado à mesa.
Para o bispo católico, era incompreensível e motivo de repreensão a paixão pela caça.
Esta postura se chocava com a tradição clássica, que considerava a cinegética um meio de
tornar os homens mais virtuosos (XENOFONTE. A Caça 1, 5 e 12, 18) e aptos para a guerra
(XENOFONTE. A Caça 12, 8-9,11 e15). Assim sendo, todo aquele que trilhava este caminho
encontrava a saúde do corpo, aperfeiçoava a vista e a audição, retardava a velhice e, acima de
tudo, educava-se para a defesa da sua pólis, tornando-se um bom soldado (XENOFONTE. A
Caça 12,2-5). A caça estabelecia uma linha demarcatória entre a aristocracia e os outros
grupos sociais (MOURA, 2000, p.68-71).
A caça de pequenos animais era indigna para um aristocrata e ainda mais através de
armadilhas, pois não envolvia o combate direto com a fera. O tipo de animal e a forma de
caçá-lo eram sinais da superioridade do senhor. Platão (Leis VII, 823 e, 6-7; VII 824 a, 15-17)
já condenava a caçada noturna de pássaros que empregava armadilhas, não lhe reconhecendo
valor educativo nem virtude cívica; considerava-a pouco digna de um homem livre: uma cena
cinegética sugere atividades corajosas (virtus) por parte da aristocrata. Yacoub (1993, p.144,
n. 114) nos informa que o tema da caça às grandes feras constitui uma das criações mais
originais e autênticas do “estilo musivo africano”, em particular, das oficinas cartaginesas
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Conclusão
Para Precheur-Canonge (1962) e Parrish (1979, p.281-283), a decoração musiva
precisava o modo de vida da aristocracia, cuja riqueza advinha dos seus domínios rurais. Na
mesma linha de interpretação, posiciona-se Sarnowski (1978): as imagens não se
relacionavam, portanto, à realidade do ambiente imediato, a cidade, mas publicizava, nas salas
de jantar (triclinium) ou de recepção (exedrae e oeci) destas domus urbanas a propriedade
rural, fonte de riqueza e prestígio. Este aspecto social da arquitetura e decoração domésticas
não escapava aos antigos: Vitrúvio (Tratado sobre a Arquitetura VI, 8) já atentava para a
vinculação existente entre a planta das casas e o status social do seu proprietário. O arquiteto
romano (VII, 5) ainda recomendava cuidado na adequação da decoração ao tipo de cômodo.
Temas de caçadas decoravam lugares de recepção, onde se homenageavam os hóspedes e se
recebiam os convidados; assim, o proprietário afirmava sua posição privilegiada frente à
sociedade. Février (1981, p.95-101) destaca a função prevista das imagens, qual seja, a
decoração concebida para fazer sonhar e reportar ao ócio rural, expressando uma
sociabilidade condizente com a unidade cultural do Império Romano ao buscar manter as
tradições e formas clássicas e utilizar um código visual comum com símbolos conhecidos no
Mediterrâneo. Duval (1986, p.163-174) compartilha desta posição de Février. Para ele, os
mosaicos reproduziriam alguns modelos e convenções, tais como perspectiva e atividades
caracteristicamente mediterrâneas, dentre elas, a caça.
Constatamos, no discurso musivo, o reforço da relevância da propriedade agrícola, na
medida em que as relações de poder se fundamentavam na propriedade e exploração da terra.
Para entendê-lo, é necessário inseri-lo no interior de uma cultura com matizes rurais e com a
elite fundiária gozando de um importante estatuto sócio-político. Desde o Alto Império,
predominou na África do Norte a grande propriedade. Tertuliano já o denunciava em Da
Alma XXX: “Agradáveis domínios substituíram os desertos mais recalcitrantes, campos
cultivados invadiram as florestas, rebanhos domésticos colocaram em fuga os animais
selvagens.” Gradativamente, terrenos foram desmatados e transformados em campos de trigo,
vinhedos e plantações de árvores frutíferas, sobretudo oliveiras, contendo também a casa do
proprietário contornada por uma linha de aldeias, onde viviam os agricultores. Formaram-se
imensas explorações agrícolas. Estas propriedades era fator de riqueza e prestígio social. Os
mosaicos de caça na África Antiga coadunaram referências realistas e idealizadas da caça
como forma de afirmação de prestígio por parte da elite, que encomendava estas obras. A
própria natureza do suporte – o mosaico – constitui-se em um vetor para potencializar o
status e o prestígio da elite em diversos momentos: nos gastos de recursos significativos para
11
a decoração dos interiores de suas residências com opulentos pavimentos evidenciando assim
o aumento da importância da esfera do privado, bem como uma maior hierarquização social e
o crescimento de seu poder político em detrimento do poder central; na seleção dos temas
retratados relacionados a um estilo de vida faustoso condizente com a fortuna da elite e
expressando uma unidade cultural do Império Romano. A escolha da temática do mosaico não
fica a critério exclusivo do mosaicista, mas era o resultado dos interesses e do gosto do
cliente, que estava em situação de poder impor. Refletia, portanto, as necessidades da elite
daquela sociedade. Através dos mosaicos, é possível inferir o estilo de vida da elite local e
desvelar a imagem que a elite tinha de si própria. A temática cinegética estava condizente
com a situação social que caracterizou este período.
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NOTAS
1
Ver críticas a esta postura em MENESES, 1984 e TRABULSI, 1990.
2
Uma outra interpretação para este gesto (KHADER et al., 2003, p.537) é que o homem estaria estendendo a
mão para alimentar o fogo do altar. Entretanto, há dois aspectos que refutam esta leitura: o altar está num plano
mais afastado do homem e o jogo de olhares entre os dois personagens deste registro mostra uma interação. De
acordo com Calame (1986), que analisou a representação da figura humana, e, em particular, do jogo dos
olhares, na cerâmica clássica, os olhares não foram feitos por acaso. Inferiu, para as imagens da cerâmica grega,
um jogo de olhares entre os elementos que compõem o enunciado icônico e o receptor. O estudioso deduziu três
situações: o olhar de perfil, quando os personagens olham-se entre si, não se preocupando com o receptor nem se
interessando pela sua presença; o olhar de ¾, quando o personagem, ao mesmo tempo, olha para a situação do
enunciado – para o interior do texto – e para o receptor, como se o estivesse convidando a participar junto com
ele da situação; e o olhar frontal, em que o personagem estaria diretamente voltado para o receptor e dialogando
com ele. No mosaico em análise, os olhares entre os personagens são de perfil.
3
Slim (1994, p.139-140), ao tratar das representações campestres nos mosaicos afro-romanos, aventa a
possibilidade, tal como Dunbabin (1978), de que a residência deste mosaico não seja uma representação
realística de uma villa da região, pois se assemelha às representações pictóricas de villae italianas, oriundas do
repertório de origem helenística. O autor ainda insere a villa deste mosaico no grupo musivo, datado entre o
século II e o início do IV, que se caracterizava por ser um elemento secundário destes mosaicos, compondo a
paisagem da ação (cenas de pesca, caça, atividades agrícolas...), distintamente dos mosaicos de períodos
posteriores (e.g., mosaico do Dominus Iulius, ver BUSTAMANTE, 2002). Ressalta, entretanto, que a similitude
arquitetônica das representações de villae em diferentes partes do mundo romano pode conter elementos da
realidade local, não especificamente africana, mas mediterrânea para estas construções, convergindo para uma
unidade cultural das elites provinciais durante o Império Romano.
4
Distanciava-se do modelo grego de Xenofonte (c. 427 a 355 a.C.) no seu tratado A Caça, em que a atividade de
caça era desenvolvida basicamente a pé (FOX, 1996, p.136).
5
Além do presente mosaico, há um outro com o sacrifício aos deuses num altar antes da caçada: ele ficou
conhecido como “A oferenda do grou para Diana e Apolo”: Proveniência: Sala de recepção (oecus) de uma
residência em Cartago (Tunísia); Data: Séculos V-VI; Dimensões: 7,30m X 5,25m; Acervo: Museu do Bardo;
Ref. Bibl.: BLANCHARD-LEMÉE et al., 1996, p.187, fig. 134; BUSTAMANTE, 2006, p.321-351.
6
Proveniência: Grande sala em abside de uma residência em Khartago (atual Tunísia); Período: Início do
século IV; Dimensões: 8,50m x 7,00m; Acervo: Museu de Cartago; Ref. Bibl.: KHADER & SOREN, 1987,
p.64, 213-217; BLANCHARD-LEMÉE et al., 1996, p.17; fig. 4a-b, p.22-23; fig. 133, p.186; fig. 147, p.200; fig.
157-159, p.212-213; LAVAGNE, BALANDA & URIBE ECHEVERRÍA, 2000, fig. 92 e p.215; KHADER,
BALANDA & URIBE ECHEVERRÍA, 2003, fig. 156 e p.525 e fig. 170 e p.526; TROMBETTA, 2004, p.27;
Proveniência: Khartago (atual Tunis, Tunísia); Período: Início do século IV; Dimensões: 4,14m x 3,55m;
Acervo: Museu do Bardo. Ref. Bibl.: YACOUB, 1993, p.190 e fig. 167, p. 236; FANTAR et al., 1994, p.167;
FRADIER, 1997, p.94-95; LING, 1998, fig. 65, p.92; TROMBETTA, 2004, p.240-241, pr. LXXII.
7
Os cavalos da região eram da raça barba, tipo de eqüino de pequena estatura, linha convexa entre a testa e o
focinho, dorso proeminente, espinha dorsal com cinco vértebras lombares e garupa em declive, bem distinto do
cavalo árabe-oriental de perfil retilíneo. A raça barba apresentava pontos positivos e negativos. No rol dos
primeiros, havia: sua pequena exigência alimentar, sua maior docilidade para a domesticação, sua maior
resistência para distâncias longas e a não preocupação com cuidados especiais no seu trato. Em contraposição,
havia: sua mediocridade no salto, sua pouca capacidade de carga e menor velocidade em distâncias curtas.
Porém, durante o período púnico, houve o cruzamento entre o barbo e o árabe, que resultou em um tipo de
cavalo mais rápido.
8
Por exemplo, o cão Sagitta (flecha em latim) foi descrito como pernicies leporum (terror dos coelhos) e ainda
se nomearam os cavalos Narcisus e Pallas Ivnior: Proveniência: Casa da Carruagem de Vênus em Thuburbo
Maius (atual Henchir Kasbet; Tunísia); Período: Século IV; Dimensões: 1,45m x 1,51m; Acervo: Museu do
Bardo; Ref. Bibl.: YACOUB, 1993, p.174; BLANCHARD-LEMÉE et al., 1996, p.182; KHADER, BALANDA
15
& URIBE ECHEVERRÍA, 2003, fig. 143 e p.524; TROMBETTA, 2004, p.238-239, pr. LXII. Em outro
mosaico, são nomeados os cães Ederatus e Mustela: Proveniência: Passagem central do oecus da Casa dos
Laberii (também conhecida como Casa de Icário) em Uthina (Oudna, Tunísia); Período: Século IV;
Dimensões: 2,31m x 1,81m; Acervo: Museu do Bardo; Ref. Bibl.: YACOUB 1993, p.112 e fig. 66, p.195;
FANTAR et al., 1994, p.245; BLANCHARD-LEMÉE, et al., 1996, fig. 74, p.112; FRADIER, 1997, p.104-105;
KHADER, BALANDA & URIBE ECHEVERRÍA, 2003, fig. 152 e p.525; TROMBETTA, 2004, p.250-251, pr.
LXXVII. Para mais referências, ver BUSTAMANTE, 2008, p.257.
9
Há algumas divergências sobre a datação do mosaico: para Quoniam (1959) e Blásquez Martinez (1992),
segundo quartel do século III; para Yacoub (1993), meados do século III; para Fantar et al. (1994) e Khader et
al. (2003), século III; e, por fim, para Picard (1990), fins do século III e início do IV. Em vista da predominância
do século III como elemento comum, optamos pelo século III.
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A organização dos domínios no período imperial é conhecida principalmente através da Lex Hadriana e da
Lex Manciana (originada do nome de Curtilio Mância, talvez procônsul da África na época do imperador
Vespasiano, 69-79), que são os regulamentos de sua exploração. Há controvérsias quanto à abrangência da
aplicação destes regulamentos: ao conjunto do ager publicus em todo o Império Romano, à África do Norte ou
à região dos saltus imperiais do vale médio do Bagradas. Os dois documentos determinavam os direitos e
deveres dos conductores, dos uillici e dos coloni. Os domínios eram arrendados a ricos e poderosos
empreiteiros chamados conductores, que empregavam uillici para dirigi-los. Estes exploravam diretamente uma
parte do domínio, na qual utilizavam o trabalho de escravos e de trabalhadores agrícolas além das corvéias
devidas pelos coloni, que eram agricultores livres a quem os conductores sublocavam a maior parte do domínio.
O contrato com os coloni estabelecia que estes tinham direito de uso de uma parcela de terra, que poderia ser
transmitida por herança ou vendida contanto que o novo detentor não interrompesse o cultivo por dois anos
consecutivos, em troca entregariam um terço de sua colheita (confere com o CIL VIII, 10570) e prestariam um
número determinado de dias de corvéia (variável conforme o domínio, cf. CIL VIII, 10570 e 14428) na terra
controlada diretamente pelos uillici. De acordo com CIL VIII, 14428, os produtos, entregues pelos coloni,
seriam: trigo, cevada, vinho e azeite, um quarto de favas e um sesteiro de mel por colméia.
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A caça sendo uma invenção divina, só poderia levar os homens para o caminho da perfeição. Vários heróis
haviam conseguido, por meio dela, alcançar fama entre os homens e foram honrados pelos deuses ainda em vida.
Xenofonte (A Caça 1,18-2.1) aconselha os jovens aristocratas a não a desprezarem. Cultivava-se, entre os
membros da aristocracia, o princípio de que a caça deveria aparecer bem cedo na vida do jovem. (PLATÃO.
Alcibíades 121e)