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A CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA AFRICA PELOS ROMANOS ATRAVÉS DAS MOEDAS1

Profª Drª Regina Maria da Cunha Bustamante2

RESUMO: No mundo antigo mediterrâneo, Roma destacou-se por constituir um dos maiores impérios,
abarcando distintos povos, dentre eles, os norte-africanos. Para tanto, foram demandadas, dentre outros
aspectos, a elaboração e a consolidação de significados e valores, que nortearam e organizaram as ações
romanas e suas imagens de “si” e, concomitantemente, dos “outros”, gerando diferenciação e
hierarquização. No presente estudo, analisaremos uma das estratégias romanas de definição e
reconhecimento da África através de moedas cunhadas desde fins do período republicano até o início da
dinastia imperial dos Severos. Optamos por trabalhar com a Teoria das Representações na vertente da
Psicologia Social desenvolvida por Moscovici, centrando-nos processos de ancoragem e objetivação.
PALAVRAS-CHAVES: Roma Antiga; África do Norte; Representação Social; Moeda

TITLE: The Roman construction of social representations of Africa by means of coins


ABSTRACT: In the Ancient Mediterranean, Rome was noteworthy for being one of the biggest empires,
containing different peoples, among them, the North African ones. For that to happen, it was needed,
among other things, the elaboration and consolidation of meanings and values, that based and organized
the Roman actions and their “self” image, and concurrently, their image of “others”, generating a
differentiation and constructing hierarchies. In this work, we will analyze the Roman strategies of definition
and recognizing of Africa by means of coins minted since the end of the Republican period until the
beginning of the Severus imperial dynasty. We chose to work with the Social Representation Theory in the
school of Social Psychology as developed by Moscovici, centering in the processes of anchoring and
objectification.
KEYWORDS: Ancient Rome; North Africa; Social Representation; Coin

Introdução

No mundo antigo mediterrâneo, Roma destacou-se por formar um dos maiores impérios,
englobando uma diversidade de povos com culturas distintas, dentre eles, os da região norte-africana. O
processo de expansão romana, iniciado ainda na República, fez com que Roma subjugasse diferentes
sociedades para estabelecer o seu império. Roma empenhou-se em construir uma identidade entre as

1
Trabalho apresentado no I Simpósio do Laboratório de Arqueologia Romana Provincial (LARP) / MAE / USP: “Representações da
Romanização no Mundo Provincial Romano”, ocorrido no período de 27 a 29 de novembro de 2013, na Faculdade de Educação da
USP.
2
Professora Associada de História Antiga da UFRJ e do Programa de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ.
Pesquisadora do Laboratório de História Antiga (LHIA) da UFRJ.

1
múltiplas culturas, que estavam sob seu domínio, formando uma comunidade de abrangência
mediterrânea. A constituição desta comunidade demandou, dentre outros aspectos, a elaboração e a
consolidação de significados e valores, que nortearam e organizaram ações e imagens, de “si” e,
concomitantemente, dos “outros”, gerando diferenciação e hierarquia em relação ao “outro”. A adoção
dos conceitos de identidade e alteridade rompe com uma concepção de separação de culturas totalizadas,
que vivem como se fossem isoladas historicamente, abrindo-se, portanto, para o dialogismo, as
experiências relacionais e as interações culturais sem deixar de serem reconhecidas as diferenças. Este
processo caracterizou-se por negociações e conflitos e se inseriu no jogo de interesses sociais, políticos e
econômicos. As formas de identidade e alteridade são específicas de um contexto histórico e social
determinado, tanto aos processos internos da sociedade quanto às suas relações e aos contatos com outras
sociedades próximas ou distantes. Portanto, pertencer ou não a um grupo ou a uma sociedade é uma
construção social e cultural, cujo significado e forma variam no tempo e espaço, podendo coexistir uma
multiplicidade de identidades/alteridades que interagem umas com as outras, fomentando práticas de
negociação cultural que transcendem às contradições dualistas através das experiências relacionais.
Evidenciamos, assim, uma pluralidade de situações, que instigam o estudo das diversas estratégias, como
no caso romano, em que se objetivava manter uma comunidade frente à realidade multicultural
mediterrânica.

Ao lado dos parâmetros para se situar frente aos “outros” pelo poder militar e pela autoridade
política, como a historiografia tradicional enfatiza, atentamos para outros parâmetros que privilegiam uma
visão do “eu” e do “outro” a partir das experiências relacionais do cotidiano, condizentes com os diferentes
aspectos culturais presentes no Mediterrâneo Antigo. Assim, a “identidade romana” foi construída tendo
em vista as interações culturais historicamente verificáveis, nas quais se insere a concepção de alteridade.
Portanto, a mesma operação, que possibilitou conceber o “outro”, inscreveu também os parâmetros da
identidade romana. O estudo dos mecanismos de abordagem da diferença em sociedade pressupõe a
compreensão das formas de reconhecimento em que o grupo se compreende e se fabrica como unidade
(AUGÉ, 1999; BURITY, 2002; HALL, 2002; SILVA, 2000). Identidade e alteridade encontram-se intimamente
interligadas. Assim, as identidades coletivas envolveriam sistemas complexos de interpelações e
reconhecimentos através dos quais os agentes sociais se inscreveriam na ordem das formações sociais de
diferentes formas.

No presente estudo, objetivamos analisar uma destas estratégias de definição e reconhecimento da


África através de moedas cunhadas pelos romanos. Para tanto, optamos por trabalhar com a Teoria das
Representações na vertente da Psicologia Social, especificamente de Moscovici, objetivando identificar e
compreender o processo de constituição das representações sociais da África pelos romanos, que
traduziram posições e interesses dos atores sociais objetivamente confrontados e que, paralelamente,
descreveram a África tal como pensaram que ela era ou que gostariam que fosse. Desta forma,

2
estabelecemos uma relação entre as representações sociais e a prática social, observando sua articulação e
interação. As representações sociais nos facultaram analisar o processo de tornar familiar algo não familiar,
isto é, classificar, categorizar e nomear novos acontecimentos e ideias com as quais inexistia contato
anteriormente, possibilitando, assim, a sua compreensão e manipulação a partir de valores e teorias
preexistentes e internalizados e amplamente aceitos pela sociedade romana. Segundo Moscovici (2009, p.
60-61), para transformar o não-familiar em familiar, ou seja, transformar algo em senso comum, é
necessário o funcionamento de dois mecanismos: ancoragem e objetivação. O primeiro mecanismo busca
ancorar ideias estranhas, reduzi-las a categorias e imagens comuns e colocá-las num contexto familiar. A
objetivação significa descobrir a imagem de uma idéia, de um conceito, tornando-o concreto. Transformar
um ser impreciso em algo que pode ser visualizado, assim, cria-se uma imagem mental visando se apropriar
do objeto estranho. As representações são dependentes da forma como são comunicadas, do poder
derivado desta transmissão e de como esta realidade foi controlada no passado e veiculada
posteriormente. Consideramos que a representação social só existe quando o objeto reúne “espessura” ou
“relevância” suficiente para ser representado por um grupo social, e, neste grupo, o objeto ou objetos
sejam detectados nos seus comportamentos e estejam presentes em seu discurso e na propagação das
suas representações, fazendo parte da vida cotidiana das pessoas, através do senso comum, pois é
elaborado socialmente e funciona no sentido de interpretar, pensar e agir sobre a realidade a partir de um
conteúdo simbólico e prático.
É a partir deste quadro conceitual que analisaremos as representações sociais da África pelos
romanos. Priviligiamos, aqui, a sua representação em emissões monetárias romanas, que produziram a
objetivação da África pelos romanos. Consideramos que a moeda foi uma mídia bastante efetiva, pois era
utilizada cotidianamente e se caracterizava pela facilidade de transporte e, dependendo do tipo de moeda,
pela ampla circulação. A leitura e a compreensão das moedas demandavam o compartilhamento de uma
representação socialmente reconhecível, fundamentando-se, para tanto, no senso comum, familiar.
Optamos por um arco de tempo que vai de fins do período republicano, quando da implantação do
domínio romano na região norte-africana até o primeiro terço do século III, que corresponde ao governo da
dinastia dos Severos, de origem afro-síria.

1. Os romanos na África

Segundo Decret (1998, p. 20-25), os vocábulos Afer, Africa, Africanus foram empregados somente
em textos latinos. O termo latino Africa originou-se de Afri, nome dado pelos romanos a uma das tribos que
habitavam o antigo território cartaginês3, atual Tunísia [MAPA 1], onde os romanos iniciaram o domínio da

3
Cartago foi uma colônia fundada pelos fenícios, provavelmente no século IX a. C., na região próxima à atual Túnis (capital da
Tunísia). Cartago assumiu gradualmente a supremacia entre as cidades fenícias independentes da África do Norte, fundou
numerosas colônias em solo africano e estendeu seu domínio por parte da Sicília, Sardenha, ilhas Baleares e Hispânia. Ver:
WARMINGTON, 1983, p. 449-472 e BUSTAMANTE, 2009, p. 15-26.

3
região após a derrota dos cartagineses na Terceira Guerra Púnica (149-146 a.C.)4. Assim, inicialmente, o
étnico Afri era aplicado apenas às populações nativas submetidas por Cartago.

MAPA 1:PRINCIPAIS ÁREAS TRIBAIS NA ÁFRICA DO NORTE NO PERÍODO ROMANO (RAVEN, 1984, p. XXIX)

Nota: As tribos apresentadas não são necessariamente contemporâneas.

Posteriormente, alguns autores latinos, como Salústio (Guerra de Jugurta XVIII) e Plínio, o Velho
(História Natural VII, 200) utilizaram Afri para designar todos os povos da África do Norte. Por sua vez,
Pompônio Mela (Corografia I, 4, 20) utilizou o termo para designar todo o continente.

O interesse dos antigos romanos pela Africa vem desde o período da República Romana, quando
houve a disputa pela hegemonia do Mediterrâneo Ocidental entre Roma e Cartago, que levou às
denominadas Guerras Púnicas entre os séculos III e II a. C. [MAPA 2] Com a vitória romana, fundou-se, em
146 a.C., a primeira província romana fora do continente europeu, a Africa Vetus, no antigo território
cartaginês. Em meados do século I a.C., com as Guerras Civis do Primeiro Triunvirato entre Pompeu e Júlio
César (Apiano. História Romana XCIV) e o apoio do rei númida Juba I ao lado perdedor (Guerra da África
XXV; XXXII; XXXVI e XLVII, História Romana LII de Dion Cássio e História Romana II, 96-100 de Apiano)5, o

4
Houve três Guerras Púnicas: a primeira ocorreu entre 264 a 241 a.C., a seguinte entre 218 e 202 a.C. e a última, entre 149 e 146
a.C. Ver: HARRIS, 1989; GARRAFFONI, 2006, p. 47-75; BUSTAMANTE, 2008, p. 37-61.
5
Sobre os motivos que teriam levado o rei númida a apoiar Pompeu, apontam-se tradicionalmente três: o pai de Juba I, Hiempsal II,
fora restituído ao trono, após a usurpação de Hierbas, por Pompeu, de acordo com Salústio em Fragmentos das Histórias I, 53 e
Plutarco em Vida de Pompeu XII; em 64 e 63 a. C., enviado pelo pai a Roma para reclamar do dissidente númida Masinta, Juba
entrou em confronto com Júlio César que defendeu a causa do adversário, segundo Cícero em Discurso sobre a Lei Agrária II, 22, 58
e Suetônio em A Vida dos Doze Césares 71; a proposição do tribuno da plebe C. Escribônio Cúrio, partidário de Júlio César, de
anexar a Numídia, exposta pelo próprio Júlio César em Guerra Civil II, 25, 4 e Dion Cássio em História Romana XLI, 41, 3. Para
Bertrandy (1991, p. 289-297), Juba I aproveitou-se da divisão dos romanos para aumentar o seu reino, retomando o antigo anseio
de Massinissa, na medida em que, segundo Dion Cássio em História Romana XLIII, 4, 6, Cipião prometeu-lhe os territórios romanos
na África do Norte em troca de seu apoio. As ambições de Juba I, entretanto, foram obstacularizadas pela insuficiência de apoio no
interior da Numídia. Tal situação decorria da própria estrutura do reino que, desde a sua criação, repousava sobre uma

4
Reino da Numídia tornou-se a província romana da Africa Noua. No último terço do século I a. C.6, durante
o governo de Augusto, a Africa Vetus, a Africa Noua e mais as quatro colônias de Cirta, que Júlio César
concedera ao italiano P. Sítio, foram unificadas, formando a África Proconsular, sob a administração de um
procônsul, advindo da ordem senatorial. A partir daí, o domínio romano foi se expandindo, no sentido
leste-oeste, até as Colunas de Hércules (Estreito de Gibraltar), abrangendo do litoral mediterrâneo às
cadeias montanhosas do Atlas saariano [MAPA 2].

MAPA 2: OCUPAÇÃO ROMANA NA ÁFRICA DO NORTE (BARTON, 1972)

 Período Republicano  Sob Júlio César e Augusto  Séculos I e II  Século III

2. A África pelos romanos

A associação da região norte-africana com elefante é recorrente em emissões monetárias


anteriores às romanas, como podemos verificar no meio shekel (siclo) cartaginês [MOEDA 1], datado de
aproximadamente 213 e 210 a.C. e cunhado durante a Segunda Guerra Púnica para uso na Sicília. No seu
anverso, há a cabeça laureada de Melqart7, perfilada para a esquerda e, no seu reverso, um elefante
caminha para a direita. Nicolet (1997, p. 567) aponta que os “monarcas bárcidas” desejavam, nas emissões
monetárias, serem assimilados a Melqart-Herácles ou se consideravam representantes desta divindade de

confederação de tribos, da qual algumas delas, como a dos getulos, manifestavam reais veleidades de independência, que
resultaram na deserção tanto de nobres getulos da cavalaria real com suas armas, servos e bagagens bem como de simples
soldados getulos em proveito de Júlio César, conforme exposto em Guerra da África LVI, 3 e XXXII, 3-4. O pesado jugo militar e fiscal
númida sobre os getulos, segundo Guerra da África LXXIV, levou à revolta e, para reprimi-la, Juba I deslocou tropas que lutavam
contra Júlio César.
6
A data da união da África Velha com a Africa Nova é motivo de controvérsia: Augusto em Res Gestae XXIV, 2, Estrabão em
Geografia XVII, 3, 25 e Dion Cássio em História Romana LIII, 12, 4-7 não fornecem um testemunho claro de que esta unificação
ocorreu em 27 a. C. Ver: FISHWICK, 1993, p. 53-62.
7
Conhecido como deus de Tiro, seu nome significava “rei da cidade”, sendo, portanto, um deus políade (NICOLET, 1997, p. 588;
LÓPEZ CASTRO, 1997, p. 55-68). Era também referido de Héracles tírio em grego ou, em latim, de Hércules tírio, devido às
semelhanças da sua mitologia e seu culto com os do semideus Héracles/Hércules.

5
caráter guerreiro e viril, dotado de grande força física. Nada mais apropriado para aqueles que buscaram
subjugar Roma através do confronto militar. Podemos acrescentar outro aspecto atribuído tanto a Melqart
quanto a Héracles-Hércules: o papel “civilizador” de territórios periféricos nas colonizações mediterrâneas.
De acordo com López Castro (1997, p. 55-68), o herói civilizador se apresentava como um elemento
ordenador do caos e também como ordenador social e político, tal como os bárcidas também almejavam.

MOEDA 1
Zeugitânia / Cartago
ca. 213-210 a.C.
2,85g
SNG Copenhagen 383

Este animal era uma das mais emblemáticas espécies da fauna africana juntamente com o leão.
Desde a Pré-História, os animais selvagens eram representados nas gravuras rupestres encontradas ao sul
de Orã (noroeste da Argélia) e estavam relacionados à atividade de caça (GAUTIER, 1952, p. 27 e 161;
SOUVILLE, 1992, p. 52 e 57), bastante praticada entre os povos que erravam pelo interior norte-africano,
segundo Salústio (Guerra de Jugurta XVIII). O interesse pelos animais não se restringia apenas ao
fornecimento da carne e da pele. No caso específico do elefante, deve-se destacar que o comércio do
marfim já era praticado com a Península Ibérica desde 2000 a.C. (DESANGES, 1983, p. 431) e que o animal
domesticado era utilizado nos exércitos cartaginês (POLÍBIO. História I, 11; I, 18; I, 30; I, 34; I, 39; III, 1;
APIANO. História Romana IX; FRONTINO. Estratagemas IV, 7, 18; FLORO. Epítome de História Romana II, 13,
67; PLÍNIO, O VELHO. História Natural VIII, 8.) e númida (SALÚSTIO. Guerra de Jugurta XLIX e LII). Na
Segunda Guerra Púnica, a presença de elefantes8 nas tropas de Aníbal, sua façanha de atravessar os Alpes
com estes imensos e pesados animais e o grave perigo da tomada de Roma pelos cartagineses marcaram o
imaginário romano. Assim, entre os romanos, houve a forte associação entre África e elefante, constituindo
sua representação social, que serviu para classificar e definir a “alteridade” africana, procurando colocá-la
num contexto familiar.

Em 81 a.C., foi cunhado um denário [MOEDA 2] cujo reverso apresentava o elefante. No seu
exergo, há inscrição Q C M P, referência a Quintus Caecilius Metellus Pius Scipio, que recebeu o nome de
Pius por sua piedade filial quando das suas gestões para obter o regresso do seu pai, Cecílio Metelo
Numídico, exilado em 99 a.C. Daí, no anverso deste denário, se apresentar a cabeça perfilada da Pietas com
8
Na campanha de Roma contra o exército do rei Pirro de Épiro (atual norte e oeste da Grécia), que invadiu a Itália em 280 a.C., foi o
primeiro contato dos romanos com os elefantes compondo uma força militar. Um aes signatum, do início do século III, tem, numa
de suas faces, o elefante e, na outra, um porco, que pode ser uma referência à bizarra ocasião em que, numa das batalhas contra
Pirro, os elefantes utilizados por suas tropas se assustaram com os grunhidos dos porcos, mantidos pelo exército de Roma para sua
alimentação, cuja carne era muito apreciada pelos romanos.

6
diadema, tendo, à sua direita, a cegonha, ave consagrada a Juno pelos romanos, simbolizando a piedade
filial (CIRLOT, 1985, p. 130). O elefante fazia alusão à atuação paterna na guerra contra o númida Jugurta
(112-104 a.C.), quando se destacou na reorganização das tropas romanas e na obtenção de importantes
vitórias. Assim, em 107 a.C., quando regressou a Roma, foi celebrado um esplêndido triunfo e ele recebeu o
epíteto de Numidicus, referência à sua atuação na África.

MOEDA 2
Norte da Itália
81 a.C.
3,80g
RCC 374/1

Em moedas berberes do século I a.C., emitidas por Hiarba, rei dos massílios, e por Juba I, rei
númida, figura o busto feminino adornado com uma espécie de chapéu lembrando a cabeça de elefante9.
Este tipo de adorno elefantino foi também utilizado em diferentes lugares e períodos, como por exemplo,
em moedas com Alexandre Magno, cunhadas por Ptolomeu I no século IV a.C.; em representações de
Agatócles, tirano de Siracusa (361 a 289 a.C.), para comemorar a vitória sobre Cartago; e, em moedas do
século II a.C., cunhadas por reis bactrianos, vitoriosos na campanha contra os indianos.

A representação da África pelos romanos como mulher vestindo um adorno elefantino na cabeça é
o que encontramos no anverso de um raro10 áureo [MOEDA 3], cunhado para comemorar o segundo
triunfo de Pompeu em 71 a.C., quando da sua vitória sobre Sertório na Hispânia, conforme indicado, no
reverso, pela quadriga triunfal (conduzida por um ginete, montado num dos cavalos) trazendo Pompeu,
que segura uma palma com a mão direita, e a Vitória voando com a coroa 11. O anverso faria referência a
uma vitória na África, como apontada pela coroa de louros que circunda a representação da África, que se
encontra ladeada por uma oenochoe (vaso), à esquerda, e um lituus (bastão augural), à direita, apetrechos
religiosos. Como bem observado pela Profª Drª Maricí Magalhães, estes dois objetos conferem o caráter de
divindade à África. As características do elefante – grandes orelhas, tromba e presas – tornaram-se sinais
diacríticos que os romanos identificaram como a representação social da África.

9
Um estudo sobre as emissões monetárias berberes foi realizado por Kormikiari (2001).
10
Há apenas 4 espécimes conhecidas e somente uma em mãos de um colecionador privado.
11
No exergo, há a inscrição PRO·COS.

7
MOEDA 3
Espanha
Tradicionalmente, datado de 71 a.C.
8,9 g
Crawford 402/1a (anverso) e 402/1b
(reverso)

Quando a Guerra Civil do Primeiro Triunvirato alcançou a África, foram cunhados denários para
pagamento das tropas, que tinham elefantes como tipos monetários. Entre 47 e 46 a.C., Cecílio Metelo Pio
Cipião liderou a resistência pompeiana contra as tropas de César na África. Filho de Públio Cipião Nasica,
logo, descendente de Cipião Africano, que derrotou Aníbal pondo fim a Segunda Guerra Púnica, foi adotado
por Quinto Metelo Pio, aliado de Sula contra Mário (89-80 a.C.) e seus partidários. Embora não fosse um
patrício, sua riqueza e conexões familiares lhe deram influência política. Estabeleceu estreitas relações com
Pompeu, que se tornou, em 53 a.C., marido de Cornélia (recém viúva do filho de Marcos Licínio Crasso),
filha de Cecílio Metelo. No ano seguinte, Pompeu o fez seu colega no consulado, convertendo-se, a partir
de então, num aberto adversário de César. Assim, em 49 a.C., defendeu que César devia licenciar seu
exército no rio Rubicão, se não quisesse ser declarado inimigo da pátria. Após a vitória de Júlio César na
Batalha de Farsália (na Grécia) em 48 a.C. e da morte de Pompeu no Egito, Cecílio Metelo se uniu a Pórcio
Catão e demais partidários pompeianos na África para resistir às forças cesaristas.

Neste momento, foram cunhados denários com a figura do elefante, na medida em que a África se
constituiu num bastião de resistência da facção aristocrática dos nobilitas contra os populares, que
defendiam uma forma de poder pessoal que desestabilizaria a República oligárquica senatorial nos moldes,
então, vigentes. Um dos denários [MOEDA 4] reitera, no anverso, a representação perfilada da África
personificada com adorno elefantino, que teve acrescida a referência à sua fertilidade agrícola, mais
especificamente, cerealífera, através da espiga de trigo, à direita, e do arado, embaixo. O anverso
completa-se com as inscrições SCIPIO IMP (à esquerda) e Q METELL (à direita). No seu reverso, Hércules em
nu frontal, com a mão direita nos quadris, encosta-se na clava, sobre uma pedra, coberta por uma pele de
leão. Assim, conjura a virtude guerreira – e a almejada vitória – e se faz também menção às Colunas de
Hércules (Estreito de Gibraltar), que separa África da Hispânia. À direita, há inscrição EPPIVS e, à esquerda,
LEG F C.

8
MOEDA 4
Oficina militar itinerante na
África
47-46 a.C.
3,98g
Crawford 461/1

Outro denário [MOEDA 5] refere-se ao lendário Cipião, o Africano, vencedor do temível Aníbal e
ancestral de Cecílio Metelo. Também cunhado entre 47 e 46 a.C., provavelmente em Útica (na atual
Tunísia), a imagem perfilada e laureada do Senhor do Olimpo, Júpiter, encontra-se no anverso do denário,
acompanhada da legenda monetária Q METEL PIVS. No reverso, o elefante e, no seu exergo, SCIPIO IMP.

MOEDA 5
Provavelmente, Útica
47-46 a.C.
4,07g
Crawford 459/1

Mesmo com os seus ancestrais vitoriosos em campanhas na África, infelizmente para Cecílio
Metelo, a Vitória não lhe favoreceu, novamente, diga-se de passagem. Foi derrotado na Batalha de Tapso
(na hodierna Tunísia) em 46 a.C., mas conseguiu escapar... por pouco tempo. Quando fugia para Hispânia,
uma tempestade arrastou seus navios para costa africana, sendo capturado por P. Sítio, general de César, e
acabou por se suicidar em Hippo Regius (na moderna Argélia).

O tipo monetário do busto feminino com adorno elefantino, entretanto, se manteve para
representar a África, conforme constatamos no anverso do áureo [MOEDA 6], cunhado em 43 a.C. No seu
reverso, enfatiza-se o domínio político-militar através da cadeira curul, com pernas ornamentadas com
águias, sobre a qual repousa o elmo coríntio. No exergo, as legendas: L CESTIVS (acima), SC e PR (no meio) e
C NORBA(NVS) (abaixo)

9
MOEDA 6
Roma
43 a.C.
8,06g
Crawford 491/1a

Compondo o conjunto das emissões monetárias de Cecílio Metelo na África, há um denário


[MOEDA 7] em que a referência à África se configura de outra forma no seu anverso, enquanto, no reverso,
apresenta a tradicional imagem da Vitória alada, em pé, virada para a esquerda, segurando um longo
caduceu numa das mãos e, na outra, um pequeno escudo redondo. Do lado direito da Vitória, a legenda P
CRASSVS IVN (P. Crassus Junianus) e, do esquerdo, LEG PRO P R (legatus pro praetore).

A “alteridade” africana se revela no anverso: uma figura frontal feminina em pé, com vestido
comprido ricamente adornado, tendo a mão esquerda ao peito e, com a direita, segura o ankh, símbolo
egípcio da vida. A Profª Drª Maria Cristina Kormikiari, quando da apresentação deste estudo no I Simpósio
do LARP, propôs a possibilidade de outra leitura do objeto, bem pertinente, ao nosso ver, por estar mais
diretamente relacionada ao ambiente religioso púnico: o objeto da mão direita poderia ser o “signo de
Tanit”, símbolo antropomorfo, bastante presente em restos arqueológicos de origem púnica, composto de
um triângulo, cujo vértice superior sustenta uma linha horizontal e, acima desta, um disco, representando a
deusa púnica Tanit, protetora de Cartago e consorte de Baal Hamon (NICOLET, 1997, p. 588). Na moeda, a
cabeça do corpo feminino é leonina, assemelhando a deusa egípcia Sekhmet12. Na extremidade superior da
moeda, na altura da cabeça da figura antropozoomórfica, há inscrição GTA e, ladeando a figura feminina,
SCIPIO IMP (à direita) e Q METEL PIVS. (à esquerda). Estamos frente ao Genius13 Tutelaris Africae ou Genius
Terrae Africae: GTA.

12
Na mitologia egípcia, Sachmet, Sakhet, Sekmet ou Sakhmet ("a poderosa") é a deusa da vingança e das doenças. O centro de seu
culto era na cidade de Mênfis. Muitas vezes é confundida com Bastet, embora tenha outra conotação neste caso. Sua imagem é
uma mulher coberta por um véu e cabeça de leão. Muito temida no antigo Egíto, sendo ela o símbolo da punição de Rá, o Deus-Sol,
que a enviou Sekhmet (um possível aspecto mau de Hathor) para destruir os humanos que conspiravam contra ele.
13
Varrão, segundo o bispo Agostinho (A Cidade de Deus VII, 13), definiu “gênio” como um deus preposto a tudo que deve ser
engendrado e que tem poder neste domínio. Esta ampla definição englobava, portanto, cada pessoa, família, província, colégio,
unidade militar, lugar e coletividade.

10
MOEDA 7
Útica
47-46 a.C.
3,83g
Crawford 460/4

Ela era a divindade protetora da África e estava associada à Tanit cartaginesa. A Dea Africa e estava
imbricada em todas as atividades da vida dos antigos africanos. No século I, Plínio, o Velho, em História
Natural XXVIII, 24, expressava a relevância desta deusa para os africanos: “Na África, ninguém toma
nenhuma resolução sem antes ter invocado a Dea Africa.” A História Augusta (Vida de Macrino III, 1)
confirma a continuação desta deferência, pois informa que os governadores romanos da África
consultavam a deusa14. Ela foi associada ao princípio feminino, que presidia a fecundidade da terra, o que
se evidencia através de alguns de seus atributos, como o ankh e a cornucópia, o que a distancia da
destruidora Sekhmet. No final do século II, Tertuliano, em Apologética XXIV, 7, citou Africae Caelestis15
como uma divindade da região norte-africana. Esta grande divindade feminina tornou-se a patrona da
África e, notadamente, de Cartago, a principal cidade norte-africana e uma das mais importantes do
Mediterrâneo Ocidental. O célebre templo à deusa e seu oráculo persistiram em Cartago até 42116. A deusa
foi protegida e inclusive privilegiada pelos romanos em Cartago, segundo a Regra XXII, 6 de Ulpiano: “deos
heredes instituere non posumus praetere... Caelestem Salinensem Carthagini”. No início do século III, a
imperatriz Júlia Domna17, esposa do Septímio Severo, imperador de origem norte-africana, foi identificada
com a divindade africana numa inscrição de Mogontiacum18 (CIL XIII, 6171). Em 221, o então imperador
Heliogábalo, também pertencente à domus severiana, deu-lhe um lugar em Roma junto com Sol Inuictus, o
que, segundo Herodiano (V, 6, 4), foi aparentemente uma boa ocasião para transladar o tesouro cartaginês
da deusa. Seu templo no Capitólio romano manteve-se pelo menos até 259 (ILS 4438). Entretanto, em
certas passagens da documentação literária, o culto a Dea Africa aparece em algumas ocasiões como hostil

14
Entretanto, Momogliano (1992, p. 212), citando Barnes (1970, p. 96-104) levanta dúvidas quanto ao valor desta afirmação da
História Augusta.
15
O termo Africae Caelestis encontra-se numa inscrição (AE 1976, 312 = 1973, 294) encontrada na Hispânia Tarraconesa e datada
entre o final do século III e o início do seguinte.
16
Halsberghue (1984, p. 2207 et ss.) e Le Glay (1966, p. 1233-1239). Entretanto, Chastagnol (1994, p. CL), embasando-se na História
Augusta, informa que o oráculo do templo cartaginês foi fechado por intervenção de funcionários públicos em 399, antes do
santuário ser convertido em igreja cristã aproximadamente 8 anos depois (AGOSTINHO. A Cidade de Deus XVIII, 4;
QUODVULTDEUS. Livro das promessas e predições de Deus III, 4). Para Chastagnol, a História Augusta tinha a preocupação com o
desaparecimento progressivo e acelerado dos valores tradicionais e costumes (mos maiorum).
17
Sobre esta imperatriz, ver Gonçalves (2013, p. 100-106) que, ao abordar a construção da imagem imperial em Septímio Severo e
Caracala, faz uma análise cotejada entre a documentação escrita (textos e epigrafia) e a imagética (moedas, estátuas, camafeus e
pinturas) sobre Júlia Domna, na medida em que esta era um importante componente da domus imperial severiana por ser esposa
de Severo e mãe de Caracala e Geta. Ver também GHEDINI, 1984.
18
Cidade da Germânia no Reno; moderna Mayence (GAFFIOT, 1998, p. 988).

11
ao governo de Roma. Na História Augusta (Vida de Pertinace IV, 1-2), há uma passagem que faz referência
a rebeliões sufocadas na África por Pertinace em fins do século II, que foram inspiradas pelas profecias
emanadas do templo da deusa19.

Objeto de culto público, a divindade Dea Africa encontra-se referida em documentos epigráficos e
arqueológicos, por exemplo, no templo em Thamugadi, colônia romana na província da Numídia (na
Argélia). A importância da Dea Caelestis ou Africa pode ser sentida nesta colônia romana a tal ponto que foi
identificada ao Genius Patriae da cidade. Ela recebeu culto oficial num grande santuário, o da Aqua
Septimiana Felix. (LESCHI, 1947, p. 87-99, COURTOIS, 1951, p. 60-64; ROMANELLI, 1970, p. 125-126;
LASSUS, 1981, p. 49-55). Esta construção foi erguida no início do século III na extremidade oposta da
cidade, próximo ao curso do rio. Supõe-se que no lugar já havia uma construção antes da edificação da
Aqua Septimania Felix. Este templo era centrado numa piscina de águas salutares, sendo, por isso, Dea
Africa cultuada juntamente com Esculápio e Serápis, duas divindades com faculdade salutífera relacionadas
à propriedade curativa da água da nascente. Le Glay (1978, p. 573-89) considerou a dedicação de parte do
templo a Serápis como uma manifestação da devoção de Cômodo (a edificação do templo se realizou sob
seu governo) e dos Severos (a ampliação do templo ocorreu durante esta dinastia) ao deus alexandrino.
Mas, a cella principal, a do meio, era para o culto da Dea Africa. Neste complexo, foi descoberto um grande
vaso com a figura da Dea Africa numa de suas faces, ladeada por um leão agachado aos seus pés enquanto
presidia uma cena de sacrifício20. Também em Lambesis, sede da III Legião Augusta, havia dois templos
contíguos, um dedicado a Ísis e o outro, a Dea Africa. Geralmente, os templos desta deusa localizavam-se
afastados do perímetro urbano, característica dos cultos de tradição púnico-berbere (ROSSIGNOLI, 1993, p.
559-595), distintamente das divindades latinas, cultuadas preferencialmente no espaço urbano.

Constatamos, então, que a representação iconográfica antropozoomórfica da Dea Africa como uma
mulher leontocéfala foi alterada. No século I a.C., sob influência romana, houve sua humanização e o leão
se tornou seu atributo, tal como se encontra no supramencionado templo de Aqua Septimania Felix em
Thamugadi. É assim que Dea Africa aparece no reverso do áureo [MOEDA 8] do imperador Adriano, para
comemorar sua visita à região: com seu adorno elefantino, um de seus braços está sobre uma cesta de
frutas, tendo atrás duas espigas de trigo; reclinada, afaga com a outra mão a cabeça do leão; acima à
esquerda, a legenda AFRICA. No anverso, o busto perfilado para esquerda com sua então titulação:
HADRIANVS e AVG COS III PP.

19
Há controvérsias quanto a esta passagem, pois há uma corrupção do texto. Picard (1959, p. 41-62) defende o emprego da palavra
canum em lugar de earum para qualificar o oráculo fundamentando-se na comparação com outros textos. Momigliano (1992, p.
212) não aceita esta colocação. Chastagnol (1994, p. 260, n. 1), apesar de adotar a palavra canum com reticências, reconhece o
caráter oracular do templo da deusa em Cartago, mas ressalta que a existência de sublevações não é certa. Ver também ZECCHINI
(1983, p. 150-167).
20
Posteriormente, edificou-se uma fortaleza bizantina sob as ordens do general Salomão. A data da construção do forte bizantino é
incerta. Courtois (1955, p. 315, n. 1) a situa em 539, quatro anos após a destruição de Thamugadi pelos mauros; enquanto Lassus
(1981, p. 15) colocou a destruição da cidade numa data mais próxima de 477, quando os vândalos abandonaram a Aures (final do
reino de Huniric).

12
MOEDA 8
Roma
134-138
7,23g
RIC 298

Também acompanhada pelo leão a vemos no reverso de um áureo [MOEDA 9], emitido no governo
de Septímio Severo (193-211). Mas, agora, está cavalgando o animal, que salta sobre um rio. Na mão
esquerda, segura um longo cetro e, na direita, raios. Circunda a legenda INDVLGENTIA AVGG e, no exergo,
IN CARTH. No anverso, o perfil laureado do imperador para a direita com sua titulação: SEVERVS PIVS AVG.

MOEDA 9
Roma
204
7,24g
RIC 207

O mesmo imperador também cunhou, entre 202 e 210, um denário [MOEDA 10], cujo reverso, está
Dea Africa, sua mão esquerda segura a dobra do manto e o braço direito está coberto, provavelmente, com
uma pele de leopardo; aos seus pés, o leão. No anverso, o perfil laureado do imperador voltado para a
direita e sua identificação: SEVERVS PIVS AVG.

MOEDA 10
Roma
Entre 202 e 210
1,84g
RIC 253 S

Dea Africa possuía outros atributos, além do leão, como por exemplo, cornucópia para enfatizar a
riqueza agrícola da região. Esta prosperidade acentuou-se durante a ascensão da dinastia dos Severos (193-
235), de origem africana e síria, ao poder imperial, quando houve um período de grande desenvolvimento
para as províncias norte-africanas. Randsborg (1991, p.128) nos apresenta um quadro síntese [QUADRO]

13
com os resultados dos trabalhos de arqueologia subaquática realizados por Anselmino e sua equipe no
porto de Óstia, por onde entravam os produtos de diferentes regiões do Império para Roma, no qual se
destaca a expressiva importação de produtos norte-africanos a partir do século II, alcançando seu apogeu
na primeira metade do século III.

QUADRO: Percentuais de Ânforas de Várias Partes do Império Romano para Óstia


Período: Região
Anos Itália Gália Hispânia África do Norte Egeu
0 a 50 28 29 31 11 1
50 a 100 15 32 28 19 6
100 a 150 17 19 31 29 4
150 a 200 2 9 10 55 23
200 a 250 4 6 10 71 10
250 a 400 0 22 0 40 38

Assim, encontramos, no reverso do denário [MOEDA 11] do governo de Adriano, África sentada e
recostada num monte de pedras, com a mão esquerda segura a cornucópia e tem aos seus pés um cesto
com frutos. Na outra mão, há um enigmático escorpião. Tradicionalmente, o escorpião é considerando
negativamente por ser um animal peçonhento devido às suas quelíceras e à cauda armada com um
aguilhão venenoso (LURKER, 1997, p. 232-233; CIRLOT, 1985, p. 188; BIEDERMANN, 1993, p. 173).
Entretanto, Biedermann (1993, p. 173) pontua que, para compensar sua ameaça mortífera, o escorpião
também era associado à veracidade e à ressurreição. Ele aparece ainda no mitraísmo21, como observado
por Profª Drª Maricí Magalhães. Lurker (1997: 233) informa que “em combinação com Mercúrio, o
escorpião pode ser símbolo da abundância e da sorte”, o que estaria mais condizente com os outros
elementos da moeda: a cornucópia e o cesto com frutos. Poderíamos também aventar que a presença do
escorpião seria uma referência temporal da época da viagem22 do imperador Adriano à região, fazendo
desta moeda um marco comemorativo da visita imperial. Entretanto, a próxima moeda [MOEDA 12]
questiona esta última hipótese, pois o escorpião está presente numa moeda batida no governo de Septímio
Severo. A legenda da MOEDA 11 não deixa dúvida sobre a identificação da personagem: AFRICA23. No
anverso, o busto perfilado e laureado do imperador e seus títulos: HADRIANVS AVG COS III P P.

21
Na mitografia mitraica do sacrifício do touro por Mitra, da coluna vertebral do bovino saiu trigo e o seu sangue tornou-se vinho,
o seu semen, recolhido e purificado pela lua, gerou animais úteis ao homem. Ao local do sacríficio, chegaram: um cão, que comeu o
trigo, um escorpião, que enfiou as suas pinças nos testículos do animal, e uma serpente (Turcan 1992: 218).
22
Escorpião é o oitavo signo do zodíaco; o Sol passa através dele durante o período de 23 de outubro a 21 de novembro.
23
Bierdermann (1993, p. 173) aponta que “o continente africano ostenta o escorpião como animal emblemático na arte simbólico
medieval”. Entretanto, compreendemos que esta associação insere-se num contexto histórico diferente daquele da Antiguidade e
bem específico do Medievo: o antagonismo bastante concreto entre uma África do Norte islâmica e uma Europa cristã, ameaçada
pela expansão islâmica e mesmo pela sua presença no próprio continente europeu, na Península Ibérica.

14
MOEDA 11
Roma
134-138
3,41g
RIC II 299d; BMC 813

A mesma representação da Dea Africa e seu enigmático escorpião encontram-se no denário


[MOEDA 12] cunhado por Septímio Severo, cuja titulação aparece no anverso (SEVERVS PIVS AUG)
circundando seu perfil laureado.

MOEDA 12
Roma
Entre 202 e 210
2,06g
RIC I 254 s

Ademais, busca-se reiterar o aspecto da submissão da região ao domínio romano. No reverso do


sestércio [MOEDA 13] – (SC: Senatus Consultum) – cunhado no governo de Adriano (117-138), a
personificação da África encontra-se ajoelhada e estende uma das mãos ao imperador e com a outra
segura uma cornucópia. A inscrição monetária enfatiza a situação de dominação: RESTITUTORI AFRICAE. No
anverso, o perfil laureado de Adriano com seus títulos HADRIANVS AVG COS III PP.

MOEDA 13
Roma
134-138
24,22g
RIC 940 f

África representada como uma mulher com adorno elefantino manteve-se nas emissões
monetárias de fins do século III e início do IV [MOEDAS 14, 15 e 16].

15
MOEDA 14
Diocleciano (284-305): DIOCLETIANVS AVG | F
ADVENT AVGG NN
Argenteus: 3,31g
Cartago
296-298
África com estandarte (Vexillum) 24 e presa de
elefante

MOEDA 15
Maxêncio (306-312)
Follis: 8,83g
Cartago
306-307
África com estandarte (Vexillum) e presa de
elefante
RIC 57

MOEDA 16
Severo II (306-308)
Follis: 8,94g
Cartago
África
RIC 44b

Conclusão

Em fins do século IV, entretanto, no mosaico [MOSAICO] da Villa Ercolia na Praça Armerina na
Sicília, a África encontra-se sem seu tradicional adorno elefantino, num processo de humanização que
lembra parcialmente o que ocorreu com o leão. O elefante, então, se apresenta como mais um dos
atributos da África e juntamente com outros animais da fauna da região (tigresa e íbis) a rodeiam. Ela
segura uma presa de elefante – pleonasmo do próprio animal e reiterado através do outro exemplar
encostado na rocha – , que, por sua forma cônica, recorda uma cornucópia, conforme apontado pelo Prof.
Dr. Gilvan Ventura da Siva quando da apresentação do presente texto no evento. Estamos longe da
traumática memória do elefante como aterrorizante arma dos exércitos de Pirro e Aníbal. Na outra mão, há
um “bonsai” de oliveira. Segundo Camps-Fabrer (1953), mais que em qualquer outra parte do Império
Romano, o ramo da oliveira foi na África um símbolo da paz na medida em que a cultura da oliveira
conjugou segurança, bem-estar e prosperidade tanto para a população local, em especial para a elite
provincial, quanto para Roma. No mosaico, à direita, fios tingidos de púrpura secam num galho. É uma

24
Quando a Dea Africa é representada carregando o vexillum (estandarte militar), ela assume o aspecto do exército romano na
África. No entanto, se aparece vestida em trajes longos e carregando o estandarte e uma cornucópia, toma uma característica
mista tanto civil quanto militar e supostamente deve assegurar a paz e a abundância. Mas, se está segurando apenas a cornucópia,
pode simbolizar tanto a província da África Proconsular em si no sentido mais restrito, isto é, aproximadamente ao que é hoje a
Tunísia ou a todo um grupo de províncias norte-africanas que se estende do Egito ao Oceano Atlântico.

16
jovem e bela mulher, de pele escura e longos cabelos encaracolados, seminua e ricamente adornada com
joias de ouro (diadema, brinco, colar, bracelete e pulseira).

Local: Grande corredor da Villa Ercolia da Praça Armerina (Sicília) | Período: fins do século IV |; Tamanho:
Detalhe de uma das extremidades de um mosaico que mede 59,63m X 5m | Ref. Bibl.: LEPELLEY, 1979, p. 4

Eis a representação social da África pelos romanos em fins do século IV: uma terra bela, exótica,
generosa e rica e completamente “domesticada”. Era mais uma região sob a égide do poder romano. O
Prof. Dr. Gilvan Ventura da Silva lembrou a tradição clássica de personificação das regiões como figuras
femininas. De fato, nomeava-se a terra com a forma feminina na medida em que nela se geravam os seus
naturais, que eram sustentados através de sua exploração, similarmente à mãe que dá a luz aos filhos e os
amamenta. A terra era vista como potência e reserva inesgotável de fecundidade, gerando filhos e
riquezas. Huskinson (2000, p. 7-8) ressalta que havia também a questão de gênero para explicar a utilização
da personificação feminina como entidades culturais e geográficas das províncias imperiais: as províncias,
representadas por mulheres, possuíam outra característica associada ao feminino, a vulnerabilidade,
situando-as, assim, numa posição de inferioridade em relação a Roma.

As emissões monetárias romanas foram um dos meios privilegiados para efetivar o processo de
ancoragem da “alteridade” africana, reduzindo-a a uma imagem posta num contexto familiar. Observamos
que a representação social romana da África a torna concreta – objetivada – transformando o que era
“estranho”, “exótico”, “ameaçador”, antagônico, em algo que pôde ser visualizado e apropriado. África era
uma região estratégica em termos geopolíticos e econômicos, o que levou a interações – pacíficas e bélicas
– com os romanos. Logo, reunia “espessura” ou “relevância” suficiente para ser representada pelos
romanos. Evidenciamos, nas moedas romanas, a transformação da África, uma região desconhecida e
ameaçadora, em algo que pôde ser visualizado, “domesticado”, “civilizado”; criou-se uma imagem mental
que propiciou a apropriação do “objeto estranho”. As emissões monetárias constituíram-se em um
poderoso e eficaz instrumento de transmissão, divulgação, que permitiu tornar o não-familiar em familiar,
em senso comum, e, assim, se controlava o “outro”. Passava, então, do discurso imagético da moeda para
uma prática política de domínio, nomeando, classificando, pensando e traduzindo posições e interesses

17
hegemônicos romanos ao descrever a África tal como pensavam que ele era ou... como gostariam que
fosse.

Agradecimentos
À Profª Drª Maria Isabel D’Agostino Fleming pelo convite para participar do I Simpósio do Laboratório de
Arqueologia Romana Provincial (LARP): Representações da Romanização no Mundo Provincial Romano.

Aos colegas presentes no evento pelas suas observações que contribuíram para o aperfeiçoamento deste
trabalho.

À pesquisadora Profª Drª Maricí Martins Magalhães pela leitura crítica do texto.

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