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A Escrita e o Pharmakon Um Estudo A Partir Da Desconstrucao Derridiana
A Escrita e o Pharmakon Um Estudo A Partir Da Desconstrucao Derridiana
Resumo: Este estudo tem como objetivo a reflexão acerca do conceito de “escrita” ou
“arquiescrita” proposto pelo filósofo Jacques Derrida e a sua possível aplicação na leitura de
textos utilizados nos processos de ensino e aprendizagem. Na Farmácia de Platão Derrida
apresenta a questão central do seu questionamento: a escrita, tomando como fio condutor a
última parte do diálogo Fedro, de Platão, consagrada à origem, à história e ao valor da escrita.
Esta posição se desenvolverá no questionamento se é decente ou indecente escrever, e ainda,
como a escrita será acusada de ‘repetir sem saber’ em oposição à pureza da fala. A
superioridade concedida à fala perante a escrita é apresentada pela ideia de phármakon, termo
grego de sentido ambíguo, podendo ser traduzido – entre outros- como remédio e como
veneno. A oposição entre a fala e a escrita é, portanto, o que conduz a concepção metafísica
de linguagem de todo o pensamento ocidental, mostrando o privilegio do logos, em sua
proximidade absoluta com a voz. Todavia, podem-se pensar formas diferenciadas nas leituras
de textos, não pretendendo a compreensão destes como unidades de sentido, originários e
homogêneos, destacando a possibilidade de outras formas de leituras que não se esgotam em
si mesmo, mas, que se inscrevem num jogo de remetimentos; numa relação, não de múltiplos
sentidos, mas de uma escrita como disseminação, uma escrita como indecidível.
Resumen: Este estudio tiene como objetivo la reflexión acerca del concepto de “escrita” o
“arquiescrita” propuesto por Jacques Derrida y su posible aplicación en la lectura de textos
utilizados en los procedimientos de enseñanza y aprendizaje. En La Farmacia de Platón
Derrida presenta la cuestión central sobre la escrita; tomando como hilo conductor la última
parte del diálogo Fedro, de Platón, consagrada al origen, la historia y al valor de la escrita.
Esta posicionamiento será desarrollado frente a la cuestión si es decente o indecente escribir,
y todavía, sobre la escrita ser acusada de ‘repetir sin saber’ en oposición a la pureza del habla.
La superioridad concedida al habla, frente a la escrita, es presentada en la idea de phármakon,
término griego de sentido ambiguo y que puede ser traducido – entre otros- como remedio y
como veneno. La oposición entre el habla y la escrita es por tanto, lo que conduce la
concepción metafísica del lenguaje de todo el pensamiento occidental, mostrando el privilegio
del logos, en su proximidad absoluta con la voz. Todavía, es necesario pensar en formas
diferenciadas de lecturas de textos, sin pretender una comprensión de éstos como unidades de
sentido, originarios y homogéneos, destacando la posibilidad de otras formas de lecturas que
no se agoten en si mismo, sino que se inscriban en un juego de remetimentos; en una relación,
no de múltiplos sentidos, mas de una escrita como disseminación, una escrita como
indecidível.
A desconstrução derridiana, apesar de tudo, não recai num relativismo. O autor visa a
demonstrar a insuficiência dos sistemas metafísicos. A desconstrução implica sempre em uma
tomada de posições, mesmo que não seja a de posições binárias tradicionais, “os indecidíveis
são a condição de toda decisão, de todo acontecimento” (DERRIDA, 2001b, p. 42). No jogo
dos indecidíveis, um termo sempre se relaciona afirmativamente com o seu contrário,
estendendo ao infinito as possibilidades de ligação.
Segundo Derrida, em qualquer sentido proporcionado na descendência do logos,
nunca foi rompida a ligação originária e essencial com a phoné. O privilégio da phoné
responde à história do “ser como relação a si”, seja “no sentido pré-socrático ou no sentido
filosófico, no sentido do entendimento infinito de Deus ou no sentido antropológico, seja no
sentido pré-hegeliano ou no sentido pós-hegeliano” (DERRIDA, 2004a, p. 9). A substância
fônica acontece como significante não-exterior, não-mundano, ou seja, não-empírico. Esta
substância fônica, que virá a constituir o sistema do “ouvir-se-falar”, dominou durante toda
uma época a História do mundo, e até produziu a idéia de origem do mundo a partir da
diferença entre o dentro e o fora, o transcendental e o empírico. Com esta noção, que
permanece na descendência do logocentrismo, Derrida denuncia também um fonocentrismo
existente na tradição filosófica, ou seja, a “proximidade absoluta da voz e do ser, da voz e do
sentido do ser, da voz e da idealidade do sentido” (DERRIDA, 2004a, p. 14). Segundo o
autor, esta idéia se estende para confirmar a escrita situada como uma função segunda e
instrumental.
Da oposição entre a fala e a escrita Derrida propõe-se mostrar que é o caráter de
representação gráfica da voz, de suplemento, de significante do significante, reservado
unicamente à linguagem escrita, afeta todo e qualquer significado, inclusive para a fala. Ao
utilizar a palavra “escrita”, Derrida afirma que certos traços que sempre foram atribuídos
somente a linguagem escrita contaminam a linguagem em geral. A questão da escrita aparece
tematizada já desde os primeiros escritos de Derrida, o que não implicou em absoluto um
tratamento uniforme para o problema da escrita, nem muito menos um esgotamento que
tivesse tornado desnecessário a sua retomada posterior.
Na Farmácia de Platão Derrida observa que a escrita, desde a antiguidade, foi
relegada a um papel menor em relação ao que seria a fala, a oralidade do discurso. Este
privilégio concedido à fala e que permaneceu consolidado em toda a metafísica ocidental, é o
que Derrida tenta desconstruir a partir do diálogo Fedro de Platão. A cena da origem da
escrita é apresentada por Sócrates no antigo mito egípcio de Theuth. Na região de Tebas do
Egipto, cujo deus era Amon, reinava o rei dos deuses Thamous. Theuth oferece à apreciação
do deus-rei Thamous suas invenções. Chegada a vez de analisar os caracteres da escrita,
Theuth diz: “Eis aqui oh Rei, um conhecimento que terá por efeito tornar os Egípcios mais
instruídos e mais aptos para se rememorar: memória e instrução encontraram seu remédio”
(PLATÃO apud DERRIDA, 2005, p. 21). Thamous, após a apreciação da escrita, responde:
Incomparável mestre em arte, oh, Theuth, uma coisa é o homem capaz de trazer à
luz a fundação de ma arte, outra aquele que é capaz de apreciar o que esta arte
comporta de prejuízo ou utilidade para os homens que deverão fazer uso dela. Neste
momento, eis que em tua qualidade de pai dos caracteres da escritura, atribuiste-lhes,
por complacência para com ele, todo o contrário de seus verdadeiros efeitos. Pois
este conhecimento terá, como resultado, naqueles que o terão adquirido, tornar suas
almas esquecidas, uma vez que cessarão de exercer sua memória: depositando, com
efeito, sua confiança no escrito, é do fora, graças as marcas externas, e não do dentro
e graças a si mesmos. Não é, pois, para a memória, mas para a rememoração que tu
descobriste um remédio. Quanto à instrução é a aparência (doxa) dela que ofereces a
teus alunos, e não a realidade (alétheian): quando, com efeito, com a tua ajuda, eles
transbordarem de conhecimentos sem terem recebido ensinamento, parecerão bons
para julgar muitas coisas, quando, na maior parte do tempo, estarão privados de todo
julgamento; e serão, além disso, insuportáveis, já que terão a aparência de homens
instruídos em vez de serem homens instruídos (PLATÃO apud DERRIDA, 2005, p.
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“Si la metafísica construye el signo, en general, como secundario, considera que la escritura es aún más
secundaria, como signo de ese signo o, más exactamente, como significante (gráfico) del significante (fónico)”.
escrita deixe de significar o significante do significante, mas sim que o significante do
significante deixa de ser entendido como uma reduplicação do significado, ou seja, como um
suplemento acidental e secundário. Neste sentido Derrida argumenta: “o significante do
significante passa a descrever o movimento da linguagem” (2004, p. 8). Em outras palavras,
desde a sua origem, o significado se encontra já na função de significante. É por isso que a
noção de escrita, no pensamento do autor, ultrapassa a extensão da linguagem. Ela
compreende a linguagem, em todos os sentidos da palavra.
Com efeito, para a desconstrução, a linguagem, enquanto escrita, não cabe mais no
conceito de linguagem. Nesse sentido, Derrida aponta para um “transbordamento” da escrita
que “sobrevém no momento em que a extensão do conceito de linguagem apaga todos os seus
limites” (DERRIDA, 2004, p. 8). Este transbordamento é uma abertura para uma pluralidade
de interpretações e uma não fixação de sentido. Ou seja, no pensamento derridiano existe uma
impossibilidade para os sistemas completamente fechados dos discursos. Para Derrida, o
discurso, como sistema linguístico incompleto é produzido pelo jogo de diferenças que se
interpõem e organizam nossa experiência no mundo. Todavia, podem-se pensar formas
diferenciadas nas leituras de textos, não pretendendo a compreensão destes como unidades de
sentido, originários e homogêneos, mas destacar a possibilidade de outras formas de leituras
que não se esgotam em si mesmo, mas se inscrevem num jogo de remetimentos, numa
relação, não de múltiplos sentidos, de uma escrita como disseminação, uma escrita como
indecidível.
Referências:
i
Doutor em Filosofia, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação – Curso de Mestrado em
Educação e diretor do Centro de Filosofia e Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
ii
Graduada em Filosofia, especialista em Corpo e Cultura: ensino e criação – UCS e mestranda em Educação
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS).