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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo analisar a questão atinente à possibilidade


de contratação de empregados domésticos a título de experiência, hipótese não prevista na
legislação vigente.
O estudo tem por base, principalmente, a discussão jurisprudencial e doutrinária
ensejada pelo aparente conflito que surge da análise do art. 7º, a, da Consolidação das Leis do
Trabalho, segundo o qual os preceitos celetistas não se aplicam aos empregados domésticos,
com o art. 7º, inciso XXXII, da atual Carta Magna, que veda qualquer distinção entre trabalho
manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.
Além disso, na medida em que a Lei nº 5.859/72 e o Decreto nº 71.885/73 são
omissos quanto à possibilidade do contrato de trabalho do doméstico ser pactuado a título de
prova, não haveria vedação constitucional ou legal para que se adotasse, subsidiariamente, as
disposições da CLT aos domésticos.
O capítulo inicial aborda, inicialmente, o histórico do trabalho doméstico,
procurando demonstrar, sucintamente, como se deu, ao longo do tempo, a inserção desse
profissional no seio familiar. Dedica-se, ainda, a analisar a evolução legislativa referente aos
empregados domésticos, para que se entenda melhor como se deu a conquista dos direitos
dessa classe profissional, e ao final, discorrer sobre a aplicabilidade da CLT aos mesmos.
O segundo capítulo traz conceitos, legais e doutrinários, importantes para melhor
entendimento do tema, quais sejam, o de contrato de trabalho, aplicável aos empregados em
geral, e o de contrato de trabalho doméstico. Analisa, ainda, as respectivas características, bem
como, a morfologia dos mesmos.
O terceiro capítulo do trabalho tem como foco o contrato de experiência,
delimitando-se seu conceito e elementos, apresentando as principais características e algumas
das questões práticas que envolvem esse tipo de acordo. Também são traçadas breves
considerações sobre outros contratos a termo da órbita trabalhista e contratos condicionais da
seara civilista.
Na quarta parte do trabalho, é delineada a problemática proposta: a possibilidade
do contrato de experiência para o empregado doméstico. Nessa esteira, a discussão é detalhada
com a exposição de entendimentos doutrinários, de disposições legais, bem como de
posicionamento jurisprudencial pertinente. Nesse momento, apresentam-se os princípios e
argumentos contrários e favoráveis. A análise da jurisprudência dos Tribunais Regionais do
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Trabalho é de extrema importância para que a partir de casos concretos se visualize, na


prática, os argumentos contrários e favoráveis ao acordo experimental no âmbito doméstico.
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1 DIREITO DO TRABALHO DOMÉSTICO

Por fazer parte do cotidiano das relações empregatícias, têm crescido os estudos
relacionados ao trabalho doméstico e suas peculiaridades no direito positivo pátrio.

1.1 Histórico do Trabalho Doméstico

Definir as origens históricas do trabalho doméstico não é das tarefas mais fáceis,
podendo-se encontrar referências do mesmo na mitologia grega, em passagens bíblicas e,
ainda, em textos referentes à antigüidade clássica, que revelam a presença “de trabalhadores
livres ocupados na prestação gratuita ou remunerada de serviços dessa natureza1”.
Há, no entanto, um vínculo bastante estreito entre o trabalho doméstico e os
regimes da servidão e da escravidão. Isso porque, principalmente na Idade Média, muitos
escravos, capturados em guerras ou vendidos pelos pais em detrimento da miséria acometida,
chegavam às cidades européias, como Barcelona, Veneza e Gênova, e passavam à condição de
servos das famílias feudais.
Já àquela época, era perceptível a predominância de mulheres, em relação aos
homens, no trabalho dentro dos lares, posto que as mulheres servas conservavam-se dentro das
casas, ocupando-se de tarefas tipicamente domésticas, além de cuidar dos recém-nascidos e
crianças e fazer companhia à mulher do senhor feudal, enquanto este não se encontrava dentro
de casa.
Inexistia, porém, na Antigüidade e na Idade Média, qualquer documento que se
assemelhasse à figura do contrato de trabalho doméstico, sendo que a única obrigação do
patrão era apenas manter o servo ou escravo para que não morresse, dando-lhes abrigo,
alimentação e rudimentar vestuário.
No Brasil, situação semelhante ocorreu. A princípio, os índios foram a mão-de-
obra escrava mais utilizada, servindo para executar tarefas que já estavam acostumados a
realizar, como caçar e pescar. Posteriormente, negros africanos, trazidos pelos portugueses,

1 DAVIS, Roberto apud BARBOSA, Ayres D’Athayde Wermelinger. Trabalho Doméstico: Comentários,
Legislação, Jurisprudência e Temas Polêmicos. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 17.
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passaram a ser vendidos como escravos aos senhores de engenho, a fim de que trabalhassem
nas fazendas de açúcar, recebendo apenas o mínimo fisiológico vital.
Os escravos negros eram tidos como verdadeiros objetos de quem os comprava,
sem que possuíssem qualquer direito ou proteção legal. A lei se preocupava, apenas, em
assegurar a sujeição total ao seu senhor.
Aqueles escravos que se destacavam por sua sociabilidade eram então elegidos à
função de “escravos domésticos”, responsabilizando-se pelo funcionamento e organização da
casa grande, sendo predominante a presença de mulheres nesse contexto.
Abolida em 1888, a escravidão, no Brasil, ainda se mostra presente nos dias atuais,
embora de maneira um pouco distinta, refletindo-se, desta feita, no trabalho doméstico, já que,
na maioria dos lares brasileiros, os domésticos residem no próprio ambiente de trabalho, não
se submetendo à à jornada de trabalho e ao regime de horas extras, etc.
As duas principais diferenças entre o regime de escravidão vigente no
colonialismo e o trabalho doméstico da atualidade é que, os empregados domésticos são livres
e percebem, em regra, salários.
José Alberto Couto Maciel afirma que o empregado doméstico nos dias de hoje é
o resultado do trabalho escravo da Antigüidade, com influências democráticas paternalísticas,
demonstrando seu posicionamento com as seguintes indagações:

“O que fazia o escravo? Trabalhava para o seu senhor, mesmo que seu
trabalho não resultasse em qualquer finalidade lucrativa, e recebia, em
razão do trabalho, a alimentação e demais vantagens que lhe eram
concedidas em razão dos sentimentos de seu proprietário. Como trabalha o
empregado doméstico atual? Trabalha para seu patrão, segundo a lei, em
serviço cuja finalidade não é lucrativa, recebendo o salário por ele
combinado, a alimentação e demais vantagens concedidas, dependendo da
bondade de quem o emprega.”2

O fato de que as origens históricas dos serviços domésticos estão correlacionadas


diretamente à escravidão justificam o chamado “fenômeno brasileiro da discriminação
social3” a que se submete essa categoria de trabalhadores. Isso se reflete não apenas nos lares
brasileiros, onde os domésticos, muitas vezes, não têm tratamento digno e respeitoso, como

2 MACIEL, José Alberto Couto. O Progresso Atual e o Contrato de Trabalho do Empregado Doméstico.
São Paulo: LTr, 1978.
3 FERRAZ, Fernando Basto. Empregado Doméstico. São Paulo: LTr, 2003, p. 33.
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também, na ausência de leis que os amparem, que garantam a proteção e efetivação de seus
direitos.
Apesar disso, especialmente no Brasil, a contratação de domésticos para
executarem as tarefas dos lares é considerada, pela maior parte das famílias, como uma
despesa indispensável, mesmo que isso venha influir consideravelmente no orçamento
familiar.

1.2 Lei Dos Empregados Domésticos – Evolução Legislativa

A primeira Constituição da República Brasileira foi promulgada em 24 de


fevereiro de 1891 sem que se referisse a qualquer direito dos empregados em geral, bem como
dos domésticos.
Antes disso, porém, em 11 de abril de 1890, o Estado do Piauí, por meio do artigo
1º do Decreto nº 23, mandou, que os “Conselhos de Intendências Municipais e demais
autoridades policiais e judiciárias do Estado” observassem o cumprimento das disposições do
Regulamento a ele vinculado sobre contratos de locação de serviços domésticos nas cidades e
vilas do Estado.
O Regulamento do Decreto nº 23, criou matrícula e carteira de trabalho, fixou
direitos e obrigações concernentes ao vínculo contratual, etc.
Com a vigência da Lei nº 3.071/16, que estabeleceu o Código Civil Brasileiro, os
contratos entre patrões e empregados domésticos passaram a ser regulados pelos dispositivos
que tratavam da locação de serviços (artigos 1.216 a 1236), muito embora essa aplicação
tenha sido alvo de críticas pela doutrina.
Em 1941 sobreveio o Decreto-Lei nº 3.078, que veio para disciplinar a matéria
sobre “locação dos empregados em serviços domésticos”, fazendo a definição desses em seu
artigo 1º, in verbis:

“São considerados empregados domésticos todos aqueles que, de qualquer


profissão ou mister, mediante remuneração, prestem serviços em
residências particulares ou a benefício destas.”
13

Ademais, o artigo 2º estabeleceu o uso obrigatório da carteira profissional para o


empregado em serviço doméstico, definindo os requisitos constantes de tal documento.
Quanto ao “contrato de locação”, rezava o artigo 3º que qualquer das partes
poderia rescindi-lo pela simples manifestação de vontade, sendo que, decorridos seis meses ou
mais de vigência contratual, a resolução somente poderia ocorrer mediante aviso prévio de
oito dias, sob pena de indenização.
Assegurou-se também o direito à reclamação, junto ao Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, quando não fosse dada quitação de salários na carteira profissional, mas
o Decreto não se aprofundou muito nos direitos dos empregados domésticos.
É importante destacar a redação do artigo 15 da norma legal ora versada, in
verbis:

“O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com a colocação da


Justiça e Negócios Interiores, expedirá, dentro de 90 dias, o regulamento
para execução deste decreto-lei.”

O regulamento de que trata o supracitado artigo nunca foi expedido, o que fez com
que a doutrina questionasse acerca da aplicabilidade do Decreto-Lei nº 3078/41, surgindo,
assim, três posicionamentos a respeito.
Para J. Antero de Carvalho, diante da falta de regulamentação, o Decreto-Lei nº
3078 nunca foi aplicado. Octacílio P. Silva4, nesse sentido, disse que referido decreto caducou
por nunca ter sido regulamentado, acrescentando ainda que, com o advento da CLT:

“os domésticos foram sumariamente excluídos dos preceitos dela


constantes, ficando inteiramente desprotegidos de qualquer amparo legal,
visto que a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
vigência”;

Alice Monteiro Barros, por sua vez, entende que, com a entrada em vigor da CLT,
não houve revogação do Decreto-Lei nº 3078. Também aderiu a este posicionamento Amauri
Mascaro Nascimento, segundo o qual o Decreto-Lei nº 3078 trata-se de norma especial e que

4 BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. Estudos em memória de Célio Goyatá. 2ª Ed. Vol. I.
São Paulo: LTr Editora, 1994, p. 367.
14

o propósito da CLT em seu artigo 7º foi o de não estender aos domésticos seus preceitos, sem
excluí-los da regulamentação vigente.
Por fim, havia quem sustentasse a idéia de auto-executoriedade naquilo que fosse
possível.
Apesar de a discussão ter perdurado por vários anos, o entendimento majoritário,
especialmente na jurisprudência, é o da revogação do Decreto-Lei nº 3.078, pelo artigo 7º,
alínea “A”, da Consolidação das Leis do Trabalho.
Finalmente, os domésticos tiveram sua profissão regulamentada pela
Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que também lhes outorgou o ingresso no sistema
geral da Previdência Social.
Muito embora sucinta, a legislação do empregado doméstico supramencionada
representou significativa conquista para a classe, que, até então, não detinha de proteção legal,
em razão da exclusão expressa do artigo 7º, alínea “a” da CLT.
Em detrimento do artigo 7º da Lei nº 5.859/72, sua eficácia se restringiu à edição
de norma regulamentadora, o que ocorreu com a edição do Decreto nº 71.885, de 09 de março
de 1973, pelo qual foram definidos os conceitos de empregado e empregador domésticos,
além de terem sido assegurados alguns direitos, especialmente relativos à Previdência Social,
tais como auxílio doença e aposentadoria por invalidez.
Posteriormente, a nº Lei 5.859/72 foi acrescida pela Lei nº 10.208, de 23 de março
de 2001, no sentido de conceder a faculdade para o empregador em garantir o acesso do
empregado doméstico ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e ao Seguro-
Desemprego, dispondo da forma que segue, in verbis:

“Art. 1º Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, fica acrescida dos


seguintes artigos:

‘Art. 3º -A. É facultada a inclusão do empregado doméstico no Fundo de


Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de que trata a Lei nº 8.036, de 11
de maio de 1990, mediante requerimento do empregador, na forma do
regulamento.’ (NR)
‘Art. 6º -A. O empregado doméstico que for dispensado sem justa causa fará
jus ao benefício do seguro-desemprego, de que trata a Lei nº 7.998, de 11
de janeiro de 1990, no valor de um salário mínimo, por um período máximo
de três meses, de forma contínua ou alternada.

§ 1º O benefício será concedido ao empregado inscrito no FGTS que tiver


trabalhado como doméstico por um período mínimo de quinze meses nos
últimos vinte e quatro meses contados da dispensa sem justa causa.
15

§ 2º Considera-se justa causa para os efeitos desta Lei as hipóteses previstas


no art. 482, com exceção das alíneas "c" e "g" e do seu parágrafo único, da
Consolidação das Leis do Trabalho.’ (NR) (...)”

Por fim, outra importante alteração na Lei nº 5859/72 foi estabelecida pela Lei Nº
11.324, de 19 de julho de 2006, que assim dispôs:

“Art. 4º A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, que dispõe sobre a


profissão de empregado doméstico, passa a vigorar com a seguinte
redação:

Art. 2o-A. É vedado ao empregador doméstico efetuar descontos no salário


do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou
moradia.
§ 1o Poderão ser descontadas as despesas com moradia de que trata o
caput deste artigo quando essa se referir a local diverso da residência em
que ocorrer a prestação de serviço, e desde que essa possibilidade tenha
sido expressamente acordada entre as partes.
§ 2o As despesas referidas no caput deste artigo não têm natureza salarial
nem se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos.

Art. 3o O empregado doméstico terá direito a férias anuais remuneradas de


30 (trinta) dias com, pelo menos, 1/3 (um terço) a mais que o salário
normal, após cada período de 12 (doze) meses de trabalho, prestado à
mesma pessoa ou família." (NR)

Art. 3o-A. (VETADO)

Art. 4o-A. É vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada


doméstica gestante desde a confirmação da gravidez até 5 (cinco) meses
após o parto.

Art. 6o-A. (VETADO)

Art. 6o-B. (VETADO)


Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo
efeitos em relação às contribuições patronais pagas a partir do mês de
janeiro de 2006.

Art. 9º Fica revogada a alínea a do art. 5º da Lei nº 605, de 5 de janeiro de


1949.”.
16

1.3 Aplicação da CLT ao Contrato de Trabalho Doméstico

A Consolidação das Leis do Trabalho foi promulgada em 1º de maio de 1942,


diante dos reclames sociais no sentido de uma maior salva-guarda estatal nos direitos dos
trabalhadores. Como forma de demonstrar a atuação do Estado na seara trabalhista, o então
presidente Getúlio Dorneles Vargas consolidou as normas trabalhistas existentes e dispersas
em um único diploma.
Mas apesar das significativas conquistas trazidas pela promulgação da CLT aos
trabalhadores de um modo geral, referido diploma excluiu, expressamente, os empregados
domésticos, de seu âmbito de atuação, conforme a redação de seu artigo 7º. Não obstante,
doutrina e jurisprudência suscitam dúvidas quanto a aplicação supletiva da CLT a essa relação
especial de emprego.
Um dos argumentos no sentido de negar a aplicabilidade da CLT aos domésticos
baseia-se na redação literal daquele diploma e no decreto nº 71.885/73, que regulamentou a
Lei dos Empregados Domésticos.
Tal decreto, apesar de ter estabelecido que aos domésticos se aplique o direito de
férias remuneradas “nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho”, determinou, em seu
artigo 2º, que “Excetuando o Capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados
domésticos as demais disposições da Consolidação das Leis do Trabalho.”
Corroborando esse entendimento, é o que dispõe a jurisprudência firmada pelo
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, in verbis:

EMPREGADA DOMÉSTICA. FÉRIAS. DOBRA. A Constituição Federal, ao


conferir ao trabalhador doméstico o direito às férias, não fez qualquer
restrição quanto à aplicação da CLT, de forma que prevalecem as
disposições contidas no Decreto n. 71.885/73, que regulamenta a Lei n.
5.859/72, e que, em seu artigo 2-o, dispõe, de forma expressa, que
"Excetuado o Capítulo referente a férias, não se aplicam aos empregados
domésticos as demais disposições da Consolidação das Leis do Trabalho."
(TRT3ª R. - RO 00941-2006-079-03-00-9 - 4ª T. - Rel. Juiz Júlio Bernardo
do Carmo - DJ 31.03.2007, p. 13)

Há, no entanto, decisões bem fundamentadas no sentido de repelir a norma


supramencionada, sob o argumento de que o Decreto, nesse particular, excedeu-se à Lei, o que
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vai de encontro aos princípios elementares de hermenêutica, segundo os quais os


regulamentos são expedidos com a finalidade de dar fiel execução às leis, não podendo,
contudo, exorbitar seus limites.
Isso porque, pela análise da Constituição Federal de 1988, percebe-se que há
proibição para que decreto crie obrigações, tendo em vista que somente a lei, em sentido
estrito, poderá fazê-lo. Tal é a inteligência do inciso II, art. 5º da Magna Carta, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;

Contrariamente, aqueles que admitem a aplicação subsidiária da Consolidação das


Leis do Trabalho aos empregados domésticos alegam que não há impedimento legal para
tanto, quando houver lacuna legislativa sobre a matéria. Nesse sentido, veja-se os excertos
jurisprudenciais que seguem:

FÉRIAS - EMPREGADA DOMÉSTICA - Devido o pagamento em dobro das


férias do empregado doméstico, por aplicação do art. 146 da CLT, por
inexistir impedimento legal à aplicação da CLT naquilo em que não for
contrária à lei especial, especialmente quanto a férias. (TRT4ª R - Proc.
00425-2004-001-04-00-5 RO - 3ª T - Rel. Juiz Ricardo Carvalho Fraga -
DOERS 12.12.2005)

TRABALHO DOMÉSTICO. PRESCRIÇÃO. A omissão legislativa demanda


integração do direito pela analogia (LICC, art. 4º), que, todavia não se há
de valer de norma arcaica, superada e totalmente estranha à natureza
jurídica da relação de trabalho e ao ordenamento em que está inserido o
trabalho doméstico, impondo-se a aplicação de norma que tenha elementos
de identidade com a situação não prevista. Tudo exige que se aplique aos
domésticos o mesmo prazo de prescrição estabelecido para os trabalhadores
em geral. (TRT2ª R. - RO 20010188279 - Ac. 1ª T. 20010553589 - Rel. Juiz
Eduardo de Azevedo Silva - DOESP 18.09.2001).

Ademais, afirmam que o legislador constituinte, ao assegurar que o direito de


férias dos domésticos submete-se às mesmas regras dos demais trabalhadores (Art. 5º, XVII e
18

parágrafo único da Constituição Federal) estaria dispensando tratamento isonômico entre


esses e aqueles, não se justificando o procedimento desigual que até então se justificava pelo
advento da Lei nº 5859/72.
19

2 CONTRATO DE TRABALHO DOMÉSTICO

O estudo do contrato de trabalho é de suma importância porque através dele outras


fontes normativas do direito do trabalho se materializam. Consoante ensinamento de Evaristo
de Moraes Filho e Antônio Carlos Flores de Moraes por meio do contrato de trabalho se
concretizam, “tornando-se reais e eficazes, as medidas das outras fontes normativas do
direito do trabalho desde a Constituição até o regulamento de empresa.”5.

2.1 Denominação de Contrato de Trabalho

Antes de adentrar-se ao conceito de contrato de trabalho, propriamente dito, vale


ressaltar que durante o regime de escravidão, o trabalho executado pelos escravos não
adivinha de qualquer vínculo jurídico que os obrigasse a realizar os serviços impostos, pois
sequer havia manifestação livre e consciente da vontade. O escravo era propriedade de seu
senhor, devendo obedecê-lo incondicionalmente.
O surgimento do Direito do Trabalho, nessa vertente, veio para estabelecer como
princípio fundamental das relações entre empregado e empregador a autonomia da vontade,
por meio da qual as partes têm a liberdade de pactuar de acordo com suas necessidades,
estipulando os direitos e as obrigações convenientes; e o contrato de trabalho é o instrumento
jurídico hábil para o exercício dessas relações.
Antes disso, a prestação livre de trabalho era regida pelo direito civil sob a
denominação de “locação de serviços”, oriunda do direito romano.
Reza a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 442, que “contrato
individual de trabalho é o acordo tácito ou, correspondente á relação de emprego.”
Percebe-se, pois, que o conceito legal padece de alguns equívocos, seja pelo
caráter sucinto, seja pela abrangência genérica. Dessa forma, exsurge como definição mais
apropriada de contrato de trabalho aquela enunciada pela professora Alice Monteiro de
Barros, em sua obra Curso de Direito do Trabalho:

5MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito do Trabalho. 6ª
Ed. São Paulo: Editora LTR, 1993, p. 217
20

“O contrato de trabalho é o acordo expresso (escrito ou verbal) ou


tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa
física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o
primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do
segundo um serviço de natureza não-eventual, mediante salário e
subordinação jurídica.”6

Maurício Godinho Delgado critica a conceituação da lei uma vez que essa não
indica os elementos integrantes do contrato empregatício, nem o laço que os mantém
interligados. Assim, define contrato de trabalho como sendo:

“o negócio jurídico expresso ou tácito mediante o qual uma pessoa natural


obriga-se perante pessoa, natural ou ente despersonificado a uma
prestação pessoal, não-eventual, subordinada e onerosa de serviços.7”

Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho, conceituam da seguinte forma:

“Contrato individual de trabalho, em sentido estrito, é o negócio jurídico


de direito privado pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga à
prestação pessoal, subordinada e não eventual de serviço, colocando sua
força de trabalho à disposição de outra pessoa, física ou jurídica, que
assume os riscos de um empreendimento econômico (empregador) ou de
quem é a este, legalmente equiparado, e que se obriga a uma
contraprestação (salário)8”

É, pois, um contrato de uma obrigação de fazer, mediante o qual o empregado


compromete-se a dispor de sua força de trabalho, em caráter não-eventual, em favor de seu
empregador, sob as ordens deste, mediante o pagamento de salário.

2.2 Características do Contrato Individual de Trabalho

6BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 229.
7DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: Editora LTr, 2008, p. 491 e
492.
8MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1993, p. 45 e 46
21

A doutrina indica diversos caracteres do contrato individual de trabalho, dentre os


quais, destacam-se os seguintes: cuida-se de um contrato de direito privado, sinalagmático,
oneroso, consensual, intuitu personae, de trato sucessivo, dotado de alteridade e
subordinativo.
Embora as normas trabalhistas sejam imperativas e irrenunciáveis, o contrato de
emprego enquadra-se no campo do direito privado, pois as partes se encontram em situação de
paridade jurídica, diferentemente dos contratos de direito público, em que o Estado é dotado
de prerrogativas que o coloca em posição de superioridade em relação ao particular. Além
disso, os interesses envolvidos são essencialmente privados.
O caráter sinalagmático do contrato de trabalho advém, especialmente, do fato de
que nele se repousa o princípio da autonomia da vontade, pelo qual as partes, livre e
conscientemente, firmam obrigações recíprocas e contrapostas. Ou seja, a cada obrigação de
prestar serviço, existe a obrigação correspondente de dar (pagar salário) equivalente.
A reciprocidade das obrigações trabalhistas ainda confere ao contrato de trabalho a
característica da onerosidade, pois a força de trabalho despendida pelo empregado tem de ser
recompensada mediante pagamento de salário. Caso a prestação de serviços seja
voluntariamente gratuita, não há que se falar em contrato de trabalho.
O caráter consensual do pacto laborativo permite que o mesmo seja firmado, em
regra, sem a observância de formalidades legais, ou seja, basta que as partes consintam, até
mesmo tacitamente, para que o contrato exista.
Ademais, diz-se que o contrato de trabalho é intuitu personae, por parte do
empregado, ante a infungibilidade deste na prestação de serviço, isto é, o obreiro não pode se
fazer substituir por outra pessoa na execução de seus serviços. Tal característica se deve ao
fato de que o empregador quando firma contrato de trabalho, o está fazendo para que seja
despendida força de trabalho e intelectual de pessoa certa.
Observe-se que, no caso de alguns empregados, o caráter personalíssimo da
relação de emprego é ainda mais relevante, quando, por exemplo, contrata-se um cantor para
apresentar-se em um show, em que, segundo Alice Monteiro Barros, “a prestação de serviços,
a par do seu aspecto fiduciário, envolve valores intrínsecos, como a criação e a
interpretação.9”

9 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 232
22

Vale ainda ressaltar que apenas excepcionalmente se admite o caráter intuitu


personae em relação ao empregador, como no exemplo explanado por Délio Maranhão, em
que um jornalista rompe o contrato de trabalho, com direito às reparações, pelo fato de que a
empresa onde trabalhava mudou radicalmente sua orientação10.
O contrato de trabalho é, ainda, de trato sucessivo porque as obrigações não se
extinguem com a prática de um simples ato, a relação jurídica de trabalho pressupõe o
elemento da continuidade.
A alteridade do contrato de trabalho, por sua vez, advém do fato de que o
empregado executa sua funções e deveres por conta alheia. Maurício Godinho Delgado bem
explica esse caráter quando diz que:

“O risco inerente à prestação de serviços e a seu resultado, além dos riscos


do próprio empreendimento empresarial, todos são estranhos à figura do
prestador (o obreiro, portanto), recaindo sobre o adquirente de tais
serviços. Tipificado como empregatício o contrato, a alteridade surge-lhe
como marca característica, independentemente do ajuste tácito ou expresso
fixado pelas partes contratuais a respeito dos riscos do empreendimento ou
do trabalho efetivado.11”

Por fim, o contrato de trabalho caracteriza-se pela subordinação jurídica entre os


pactuantes, tendo em vista que, os empregados devem obedecer as diretrizes quanto ao modo
de execução dos serviços, estabelecidas pelo empregador.

2.3 Conceito e características do Contrato de Trabalho Doméstico

Nem a Lei nº 5859/72, nem a CLT conceituam expressamente o contrato de tra-


balho aplicável aos domésticos, mas, pelos conceitos de contrato de trabalho elaborados pela
doutrina e pela definição de empregado doméstico trazida pela referida lei, pode-se chegar aos
pressupostos de caracterização daquele, senão, veja-se:

10MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Editora da
Fundação Getúlio Vargas, 1993. Pág. 83
11DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: Editora LTR, 2008, p. 497
23

“Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta


serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à
família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei” (grifos
nossos).

Assim, o contrato de trabalho doméstico é o vínculo entre o empregador e seu


empregado, pelo qual firma-se um acordo de prestação de serviços de forma onerosa,
mediante subordinação, com pessoalidade e continuidade.
Destaca-se, porém, dos demais porque muito embora seja um contrato de natureza
laboral, é especial, ante as peculiaridades da relação entre empregado e empregador, já que
além dos requisitos gerais que compõem a maioria dos contratos de trabalho, acima
explanados, deve-se observar que o empregador, necessariamente pessoa física, não pode
desenvolver atividade lucrativa por meio da força de trabalho de seu empregado, e os serviços
devem ser prestados no âmbito residencial de pessoa ou família.
A forma onerosa da relação empregatícia doméstica caracteriza-se pelo fato de que
o empregado exerce suas atividades mediante retribuição ou salário. Para alguns autores, a
onerosidade do contrato de trabalho se evidencia na medida em que os contratantes auferem
vantagens recíprocas, posto que o empregado tem o dever de prestar o serviço ajustado, e o
empregador, a título de contraprestação do trabalho que lhe é prestado, tem a obrigação de
pagar o salário.
A subordinação jurídica, nota típica do contrato de trabalho que o distingue dos
demais tipos de contrato, se concretiza na medida em que o trabalhador doméstico, ao
contratar a relação empregatícia, tem o dever de obedecer aos comandos e diretrizes traçados
por seu empregador para a execução do serviço, devendo, pois, cumprir horários, sujeitar-se às
ordens de serviços, etc.
Conforme ensinamento de Paul Colin, na obra de Evaristo de Moraes Filho e
Antonio Carlos Flores de Moraes:

“Por subordinação, entende-se um estado de dependência real criado por


um direito, o direito de o empregador comandar, dar ordens, donde nasce a
obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens.
Eis a razão pela qual chamou-se a esta subordinação econômica e à
subordinação técnica que comporta também uma direção a dar aos
trabalhos do empregado, mas direção que emanaria apenas de um
especialista. Trata-se aqui, ao contrário, do direito completamente geral de
superintender a atividade de outrem, de interrompê-la à vontade, de lhes
24

fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuamente o
valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são então
os dois pólos da subordinação jurídica12.”

Outro elemento para a caracterização do trabalho doméstico é a pessoalidade, isto


é, a obrigação incumbida ao empregado é de caráter personalíssimo, pois os serviços
contratados devem ser prestados pessoalmente pelo empregado. Ressalta-se que, por conta
deste pressuposto é que o contrato de trabalho doméstico é intuitu personae relativamente ao
empregado. Este somente pode se fazer substituir por outrem, caso o empregador consinta.
Ademais, diz-se que a relação de trabalho doméstico é de natureza contínua porque
os serviços executados pelo empregado o são de maneira ininterrupta; o empregado deve
colocar sua força de trabalho à disposição do empregador de maneira ininterrupta.
Quanto às características especiais do contrato de trabalho doméstico, pode-se
dizer que os serviços desempenhados pelo empregado doméstico não podem gerar lucros ou
benefícios para seu empregador, já que exerce atividade sem fim lucrativo. Ou seja, a mão-de-
obra desenvolvida pelo obreiro não pode estar voltada à produção econômica de bens e
serviços, em favor do empregador.
Finalmente, deve-se observar que a execução dos serviços pelo empregado
doméstico tem de se limitar ao âmbito residencial de seu empregador e de sua família. Assim,
não há qualquer possibilidade de uma pessoa jurídica ser tomadora de serviço doméstico.

2.4 Morfologia do contrato de trabalho

Segundo Maurício Godinho Delgado, “na Ciência do Direito, morfologia dos

contratos é o estudo dos elementos componentes da figura jurídica contratual.13”.


Dessa forma, referido doutrinador classifica os elementos do contrato de trabalho
em elementos essenciais, naturais e acidentais.

12 COLIN, Paul apud MORAES FILHO, Evaristo de e MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao
Direito do Trabalho. 6ª ed: LTR, 1993, p. 224.

13DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: Editora LTR, 2008, p. 498
25

Elementos essenciais são aqueles necessários à formação do contrato de trabalho,


sem os quais o pacto laboral pode ser considerado inexistente ou inválido. Os elementos
naturais, por sua vez, são aqueles que decorrem da própria natureza do contrato. Por fim, os
elementos acidentais são ocasionais, acessórios somente figurando nos contratos de trabalho
em situações específicas.
Dentre os elementos essenciais incluem-se a capacidade das partes, o objeto lícito,
forma regular ou não defesa em lei e higidez de manifestação da vontade.
A capacidade é a “aptidão para adquirir direitos e obrigações no ordenamento
jurídico14.”. Em se tratando de capacidade trabalhista, esta, nada mais é do que a aptidão
atribuída a alguém, pelas normas do Direito do Trabalho, para exercer atos da vida laboral.
No que tange à capacidade do empregador, basta que seja a pessoa física (no caso
de contrato de trabalho para os domésticos), capaz para exercer os atos da vida civil, para que
se reconheça a capacidade em assumir direitos e deveres trabalhistas.
Já a capacidade do empregado possui algumas particularidades. A maioridade
trabalhista, confundindo-se com a maioridade civil, também começa aos 18 anos (art. 402 da
CLT).
Entre 16 e 18 anos, o empregado é considerado relativamente capaz para assumir
direitos e deveres na vida trabalhista, devendo ser observadas algumas restrições, como, por
exemplo, proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre.
Quanto aos que se situam na faixa etária entre 14 e 16 anos, somente podem
firmar contrato de trabalho na condição de aprendizes.
Nesse contexto, é importante destacar uma triste realidade bastante comum no
Brasil: o trabalho doméstico infantil.
Todos os anos, milhares de crianças (principalmente, meninas) são contratadas
irregularmente (já que o trabalho doméstico, assim como os demais, somente é permitido por
lei a partir dos 16 anos) para trabalharem como domésticas, executando os diversos serviços
que um lar necessita, tais como, lavar, cozinhar, brincar e cuidar dos filhos do patrão, etc.
Na maioria dos casos, tais crianças ficam expostas a longas jornadas de trabalho,
influindo no rendimento escolar, e não recebem seque um salário mínimo. Mas as ilegalidades
apontadas não afastam o dever do empregador de pagar todos os direitos trabalhistas a que faz
jus, como salário mínimo e férias.
Além da capacidade das partes, outro elemento indispensável para a validade do
contrato de trabalho é o objeto lícito, que se relaciona à atividade desempenhada.
14BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 224
26

Atividade lícita, por sua vez, é aquela desenvolvida de acordo com os ditames
legais, além de estar em consonância com a ordem pública.
Nesse ínterim, convém ressaltar a diferença entre atividade ilícita e atividade
proibida. Na primeira hipótese, o direito não aprova a realização da mesma, em favor dos
interesses sociais e dos bons costumes, consequentemente, o contrato de trabalho que envolve
a atividade ilícita não produz efeitos. É o caso, por exemplo, de pessoa que presta serviços em
banca de “jogo do bicho”. Será, no entanto, atividade proibida, quando não há observância
dos preceitos legais, mas, com o escopo de se preservar o interesse do trabalhador, conservam-
se alguns efeitos do contrato. Aqui, pode-se citar como exemplo o trabalho realizado por
menores de 14 anos.
Caso o empregado tenha menos de 16 anos e não seja contratado como aprendiz,
mesmo proibido, o contrato de trabalho, ainda assim, gera efeitos jurídicos.
Alice Monteiro Barros, nesse caso, não admite o vínculo empregatício entre o
empregador e o menor, alegando que, por se tratar de contrato nulo, ao trabalhador somente
será devido a retribuição pelos dias trabalhados, e que a contraprestação mensal tome como
parâmetro aquela que seria paga a um trabalhador autônomo que exercesse o mesmo ofício.
Tal posicionamento embasa-se no fato de que a força do9 trabalho do menor fora utilizada em
prol de outrem, sendo impossível restituí-la ao estado anterior.
Maurício Godinho Delgado, adotando opinião diversa, diz que o contrato
celebrado com menor de 16 anos e que não seja na condição de aprendiz, apesar de
absolutamente nulo, deverão ser assegurados todos os direitos trabalhistas, admitindo-se,
inclusive o enquadramento da resolução contratual como rescisão indireta. (Págs. 509 e 1145)
Forma, no Direito do Trabalho, é a maneira elegida pelas partes para
instrumentalizar a relação de emprego, perante a qual irão pactuar os direitos e obrigações
recíprocos.
Como regra, empregado e empregador podem dispor livremente sobre o contrato
de trabalho, ante sua natureza consensual, podendo ser ajustado inclusive tacitamente;
entretanto, em situações excepcionais, como já dito anteriormente, há que prevalecer um
mínimo de instrumentalização da forma.
Ainda, para que o contrato seja válido, é necessário que se a vontade entre as
partes seja manifestada livre e regularmente, sem que nela paire qualquer vício de
consentimento.
27

3. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA

3.1 Características do Contrato de Trabalho


28

O contrato de trabalho é dividido pela doutrina em diversas modalidades,


dependendo do enfoque que se dá para cada uma delas.
Dessa forma, os contratos de trabalho podem ser expressos ou tácitos, consoante a
maneira como se efetiva a manifestação da vontade (exegese do art. 442 da CLT). Assim,
serão expressos quando as partes estipulam, por meio de instrumento contratual, o conteúdo
de seus direitos e obrigações, ao passo que, quando os contratantes apenas agem de maneira a
indicar que entre eles existe uma pactuação empregatícia, sem, contudo, firmar instrumento
contratual, haverá contrato tácito.
Vale ressaltar que, muito embora essas duas modalidades sejam admitidas pela
própria CLT, existem certos contratos justrabalhistas que, por força de lei, possuem caráter
relativamente solene, admitindo-se apenas a forma expressa, escrita. Cite-se como exemplo o
contrato de trabalho temporário (art. 11, Lei n. 6.019/74), o de artista profissional (art. 3º, Lei
n. 6.354/76), o contrato provisório de trabalho (Lei n. 9.601/98), além do contrato
de experiência, consoante entendimento jurisprudencial consolidado.
Sob o ponto de vista dos sujeitos da relação, o contrato de trabalho poderá ser
individual ou coletivo. Contrato individual de trabalho é aquele em que só há um único
empregado no pólo ativo da relação jurídica, enquanto que no contrato coletivo ou plúrimo,
existem diversos obreiros no pólo ativo dessa mesma relação.
No entanto, a mais relevante classificação das modalidades do contrato de trabalho
é quanto à sua duração, pela qual esses contratos podem ser por prazo indeterminado ou por
prazo determinado.
Com relação a essa divisão, Orlando Gomes e Élson Gottschalk15 dizem o seguinte:

“essa distinção não constitui, é certo, elemento essencial ao negócio


jurídico, visto como a aposição de condição, ou termo, não altera a
estrutura típica da relação jurídica. Não obstante, desperta particular
interesse porque não se aplicam aos dois as mesmas regras jurídicas, em
determinadas situações. A diferença de tratamento jurídico manifesta-se,
particularmente, nos efeitos produzidos pela rescisão unilateral do
contrato. Daí o especial cuidado da doutrina em diferenciá-los
nitidamente.”

15 GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, p. 183
29

Contratos indeterminados são aqueles em que não há vigência de termo extintivo,


mantendo-se ao longo do tempo. Não há estipulação do tempo de duração do contrato
empregatício pelas partes.
Note-se que os contratos de trabalho, caso não haja estipulação em contrário,
presumem-se por tempo incerto, consoante interpretação da Súmula 212 do TST, in verbis:

“O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a


prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio
da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao
empregado.”

Já o contrato por prazo determinado é o ajuste cuja vigência depende de termo


prefixado ou da execução de serviços especificados ou, ainda, da realização de certo
acontecimento suscetível de previsão aproximada (art. 443, §1º da CLT).
Depreende-se do texto celetista que os contratos determinados somente produzem
seus efeitos até que se verifique o termo futuro previamente estipulado, podendo ser referido
termo quanto à unidade de tempo, como no caso das contratações para o período natalino, ou
com relação ao serviço a ser prestado, como, por exemplo, a contratação de um mestre de
obras para a construção de uma casa.
Ademais, a CLT somente atribui validade ao contrato a termo em se tratando de
serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo, de atividades
empresariais de caráter transitório e de contrato de experiência (§3º).
Devem ser observadas ainda as regras do art. 445 da CLT, segundo o qual o
contrato por prazo determinado não pode ser estipulado por período superior a dois anos, ou,
em se tratando de contrato de experiência, não pode ultrapassar 90 dias, sob pena de vigência
das regras do contrato indeterminado, caso os prazos acima mencionados sejam excedidos.

3.2 Conceito e Características do Contrato de Experiência

Dentre os contratos a termos previstos pela CLT, pode-se se dizer, com segurança,
que o contrato de experiência é o mais recorrente no cotidiano das relações trabalhistas. Isso
possivelmente se deve ao fato de que a CLT o regulou sucintamente, sem especificar, pelo
30

menos aparentemente, as hipóteses de incidência, permitindo, a priori, sua utilização em


qualquer relação de emprego.
Feitas essas breves considerações iniciais, adentre-se ao conceito, propriamente
dito, de contrato de experiência.
É, pois, o acordo jurídico bilateral, cujo prazo máximo é de 90 dias, por meio do
qual empregado e empregador têm a oportunidade de avaliar as qualidades, aptidões e
comportamento mutuamente, decidindo, ao seu término, se continuam ou se extinguem a
relação empregatícia.
Maurício Godinho Delgado conceitua dessa forma:

“Contrato de experiência é o acordo bilateral firmado entre empregador e


empregado, com prazo máximo de 90 dias, em que as partes poderão aferir
aspectos subjetivos, objetivos e circunstanciais relevantes à continuidade ou
extinção do vínculo empregatício. É contrato empregatício cuja delimitação
temporal justifica-se em função da fase probatória por que passam
geralmente as partes em seguida à contratação efetiva.”16

No que tange à forma do contrato de trabalho, há divergência doutrinária quanto a


alguns aspectos. Isso porque a regra geral das contratações, preconizada no art. 443 da CLT, é
a de que o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente,
verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
Por conta da supracitada norma legal, há quem admita a contratação a título de
experiência de forma tácita, por força do princípio segundo o qual ao principal deve ser
seguido o acessório.
Argumentam que, no direito brasileiro, vigora a liberdade de forma e que a
legislação pertinente ao contrato de experiência, se desejasse que o mesmo fosse solene, teria
declarado expressamente, como o fez a Lei nº 6019/74, em seu art. 11, que exigiu a forma
escrita para o contrato de trabalho temporário.
Aqueles que admitem o contrato de experiência tácito ainda dizem que mesmo em
se tratando de uma condição especial, que por força do art. 29 da CLT, deveria ser anotada na
CTPS, se tal não ocorrer, não há nulidade da contratação, mas mera sanção administrativa. A
manifestação do obreiro, nesse caso, supre a irregularidade.

16DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: Editora LTR, 2008, p. 544
31

Há, contudo, aqueles que atribuem a validade do contrato de experiência a um


mínimo de formalidade, sendo necessário, pelo menos, a anotação na CTPS, por força do já
citado art. 29 da CLT, in verbis:

“Art. 29 A Carteira de Trabalho e Previdência Social será obrigatoriamente


apresentada, contra recibo, pelo trabalhador ao empregador que o admitir,
o qual terá o prazo de quarenta e oito horas para nela anotar,
especificamente, a data de admissão, a remuneração e as condições
especiais, se houver, sendo facultada a adoção de sistema manual, mecânico
ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do
Trabalho.” (grifou-se)

Há entendimento jurisprudencial, todavia, que se inclina no sentido de que o


contrato de experiência deve, necessariamente, ser provado por meio de um mínimo de
formalização escrita. Tal construção hermenêutica baseia-se no fato de que o prazo curto
daquele contrato somente poderá ser delimitado mediante termo prefixado (art. 443, §1º da
CLT), dia certo. Nesse sentido, veja-se os excertos que seguem:

CONTRATO DE EXPERIÊNCIA - PRORROGAÇÃO - PACTUAÇÃO


TÁCITA - INVALIDADE - O contrato de experiência é nefasto para o
trabalhador, em face da incerteza quanto ao futuro da relação de emprego.
Assim, para a sua validade, é essencial que seja celebrado por escrito e
anotado na CTPS como condição especial, na forma prevista no art. 29 da
CLT. Outrossim, o empregador deve estipular expressamente o prazo que
entende suficiente para a prova do empregado e, vencido este, a
prorrogação é autorizada pela lei, observado o disposto no art. 445 da CLT.
A prorrogação do contrato de experiência deve ser consensual e pactuada
de forma expressa, sob pena de conversão do contrato de experiência para
contrato por prazo indeterminado. (TRT12ª R. - Proc. RO-V 02400-2003-
007-12-00-0 - Ac. 04703/05 - 3ª T - Rel.ª Juíza Gisele Pereira Alexandrino -
DJSC 04.05.2005) (grifou-se)

CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. NULIDADE. Contrato de experiência.


Nulidade. A anotação do contrato de experiência na CTPS do empregado é
indispensável para a prova de sua existência, por se tratar de contratação
de natureza excepcional, uma vez que o artigo 29 da CLT impõe ao
empregador o dever de proceder à anotação das condições especiais de
trabalho. (TRT17ª R. - 1088.2000.002.17.00.5 (3383/2002) - Rel. Juiz José
Carlos Rizk - DOES 23.04.2002)
32

A propósito, no que se refere ao prazo do contrato de experiência, a ausência de


fixação do mesmo, torna o contrato nulo de pleno direito. Ora, se o parágrafo único do art. 445
da CLT preceitua que o contrato de experiência não poderá exceder a noventa dias, fica
evidente que a falta de assinalação de prazo nesse tipo de contrato tem como finalidade
desvirtuar os preceitos consolidados, motivo pelo qual não poderá prevalecer essa intenção.
Ademais, o contrato de experiência admite prorrogação, desde que por uma única
vez, dentro do limite máximo de 90 dias, somados os dois períodos; se prorrogado mais de
uma vez, passará a ser regido pelas regras da contratação por prazo indeterminado. Além
disso, deve-se lembrar que a contagem do prazo daquele contrato deve ser feita em dias
corridos, e não apenas em dias úteis. Nesse ínterim, deve-se dizer que algumas decisões
jurisprudenciais mais recentes têm desconsiderado o equívoco de um dia na contagem do
contrato de experiência como fator preponderante à indeterminação do mesmo. Esse
entendimento baseia-se principalmente nos princípios da razoabilidade e da boa fé. Neste
sentido, é o que ilustra a seguinte jurisprudência:

CONTRATO DE EXPERIÊNCIA RESCINDIDO NO 91º DIA. NÃO


TRANSFORMAÇÃO DO CONTRATO PARA PRAZO INDETERMINADO.
ATENÇÃO À MENS LEGIS. O fato de o empregador ter rescindido
formalmente o contrato de experiência no 91º dia não tem o condão de
transformar o contrato na espécie de indeterminado, mormente quando
apenas houve a prestação de labor até o 86º dia - por afastamento do
empregado mediante atestado-, pelo que não há nulidade a ser declarada.
No caso em pauta, é visível que não houve intenção do empregador (animus
contrahendi) de prorrogar o contrato de experiência entabulado com o
Autor, tanto que o rescindiu com apenas um dia de atraso em relação ao
prazo legal de 90 dias. De outro norte, o fato de ter assim agido não
caracteriza má-fé de sua parte, tampouco desrespeito às regras juslaborais,
tendo em vista que a mens legis, bem como o caráter teleológico do contrato
de experiência (finalidade do instituto) foram respeitados.(TRT9ª R. - Proc.
15269-2005-009-09-00-1 - Ac. 05365-2007 - 4ª T. - Rel. Juiz Luiz Celso
Napp - DJ 02.03.2007)

No que diz respeito à conversão do contrato de experiência em contrato por prazo


indeterminado, vislumbra-se três hipóteses, quais sejam: pelo decurso de prazo, quer seja ele
firmado pelo tempo máximo de 90 dias ou por período inferior; pela inobservância quanto aos
preceitos inerentes à sua prorrogação e à sucessão e pela resilição antecipada do acordo.
No caso da não-observância das regras referentes à sucessão, o art. 452 da CLT
preconiza que o contrato de experiência só poderá ser sucedido por outro contrato de prova
depois de seis meses.
33

Relativamente à resilição antecipada, reza o art. 481 da CLT o seguinte:

“Art. 481 Aos contratos por prazo determinado, que contiverem cláusula
assecuratória do direito recíproco de rescisão antes de expirado o termo
ajustado, aplicam-se, caso seja exercido tal direito por qualquer das partes,
os princípios que regem a rescisão dos contratos por prazo indeterminado.”

Ressalta-se, ainda, que por força de sua própria natureza, o empregador não
precisa justificar a não-continuidade do ajuste ao empregado, e vice-versa. Tal entendimento,
contudo, não prevalece se o contrato de experiência romper-se antes do prazo fixado, por parte
do empregador e do empregado, em consonância com o disposto nos arts. 479 e 480 da CLT.
Senão, veja-se:

“Art. 479. Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que,
sem justa causa, despedir o empregado, será obrigado a pagar-lhe, a título
de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo
do contrato.”

“Art. 480. Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar


do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o
empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem.

§ 1º - ‘A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito


o empregado em idênticas condições. ‘ “

3.3 Contratos condicionais na órbita trabalhista

Além do contrato de experiência, cuja condição resolutiva é o período de


experimentação, há ainda outros contratos condicionais, previstos na legislação trabalhista.
Nesse ínterim, o contrato de safra é o pacto empregatício rural a prazo, no qual o
termo final será fixado em razão das variações estacionais da atividade agrária. Apesar de ser
34

previsto pela Lei de Trabalho Rural (art. 14 da Lei nº 5889/73), aquele contrato possui as
mesmas características básicas dos contratos a termo celetistas, sendo autorizado em face de
“serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo” (art. 443,
§2º, “a”, da CLT).
Seu termo pode ser estabelecido “pela execução de serviços especificados”
relativos à safra (plantio, colheita, etc.), pela realização de “certo acontecimento suscetível de
previsão aproximada” (extinção do período de safra) ou pelo termo cronológico.
Também é previsto na legislação trabalhista o contrato de obra certa (Lei nº
2959/56), que é o ajuste empregatício urbano a prazo, cuja principal característica é “a
presença de um construtor em caráter permanente no pólo empresarial da relação e pela
execução de obra ou serviço certo como fator ensejador da prefixação do prazo
contratual”17.
Há ainda, o contrato por temporada, cujo direcionamento se dá à prestação de
trabalho em lapsos temporais determinados e específicos, em razão da atividade empresarial.
Segundo o artigo 2° da Lei n° 6.019/74, trabalho temporário é aquele prestado por uma pessoa
física a uma empresa, com o escopo de suprir uma necessidade transitória de substituição de
seu pessoal regular e permanente ou um acréscimo extraordinário de serviço.
Assim como o contrato de experiência, o contrato de trabalho temporário também
tem prazo máximo de 90 dias em relação a um mesmo empregado, salvo autorização do
Ministério do Trabalho.
A mais recente forma de contratação a termo é o chamado contrato provisório,
previsto na Lei n° 9.601/98. Esta estabelece dois requisitos de validade do contrato nela
previsto, quais sejam: que seja o contrato de trabalho instituído por negociação coletiva, com a
participação do respectivo sindicato dos trabalhadores, e que seja celebrado para pactuar
admissões que representem acréscimo no número de empregados.
4. POSSIBILIDADE DE CONTRATO DE EXPERIÊNCIA DOMÉSTICO

Visto isso, cumpre uma análise comparativa entre as disposições da Consolidação


das Leis Trabalhistas e o contrato de emprego doméstico.
Primeiramente, um assunto que encerra controvérsias entre os doutrinadores
trabalhistas é a aplicabilidade do contrato por prazo certo ou de experiência ao empregado
doméstico. A jurisprudência também não se apresenta unânime quanto à matéria.
17 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: Editora LTR, 2008, p. 552
35

Doutrinadores como o professor Sérgio Pinto Martins afirmam que as disposições


da CLT concernentes ao contrato por prazo certo ou de experiência não se aplicam ao
empregado doméstico (art. 7º, a, da CLT). Assim, o contrato de trabalho do empregado
doméstico não poderia ser celebrado na modalidade “por prazo certo” ou de “experiência” por
ausência de previsão legal. Nesse sentido, excerto de sua obra “Manual do Trabalho
Doméstico”:

“Quanto ao prazo, o contrato de trabalho pode ser por tempo determinado


ou indeterminado. A CLT, porém, não se aplica ao doméstico (art. 7º, a, da
CLT), não sendo observados o contrato por prazo certo ou o de experiência.
Não há previsão na Lei nº 5859/72 da observância da CLT quanto ao pacto
laboral de experiência ou de praz determinado, razão pela qual o contrato
será por tempo indeterminado. A alínea b do §2º do art. 443 da CLT não se
aplica ao doméstico, em razão de que o empregador doméstico não tem
atividade empresarial de caráter transitório. (...)
A Experiência até seria necessária para verificar se o doméstico sabe fazer
o serviço, se se adapta à casa etc. (...)
Assim, o contrato de trabalho do empregado doméstico só poderá ser
celebrado por prazo indeterminado, não sendo possível feito contrato por
prazo determinado, nem de experiência, por falta de previsão legal.”18

Inadmitindo, também, a adoção dessa forma de contratação, o doutrinador Ayres


D’Athayde Wermelinger Barbosa esclarece em sua obra “Trabalho Doméstico” que os
contratos de trabalho, presumem-se por prazo indeterminado, por força, inclusive, da Súmula
212 do Tribunal Superior do Trabalho, por ser esse tipo de ajuste mais vantajoso para o
empregado, uma vez que lhe confere mais direitos que os decorrentes de contratos
determinados. Assim, não havendo autorização expressa na legislação específica, não há que
se cogitar essa conduta.
Em sentido oposto, a professora Alice Monteiro de Barros pugna pela
aplicabilidade do contrato por prazo certo ou de experiência na relação doméstica. Segundo a
eminente doutrinadora:

“A nosso ver, nada impede seja firmado com o empregado doméstico um


contrato de experiência, pois esse tipo de ajuste destina-se a avaliar não só
a aptidão pra o trabalho, mas também a conduta pessoal do trabalhador.

18 MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 35
36

A lei não estabelece que funções poderão ser objeto do contrato de


experiência. Dessa forma, não invalida o ajuste o só fato de o empregado ter
sido contratado a título de experiência para trabalho doméstico, porquanto
o que se petende com o contrato de experiência não é apenas a aferição do
desempenho funcional do obreiro, mas também a avaliação recíproca, que,
por um lado, permite ao empregador analisar a personalidade e o
entrosamento do empregado no ambiente de trabalho, e, por outro, dá ao
trabalhador a oportunidade de verificar se o emprego atende às suas
expectativas.”19

A questão atinente à validade do ajuste de experiência para a categoria dos


empregados domésticos também provoca discussões nos tribunais trabalhistas pátrios. A
divergência pode ser demonstrada pelas ementas abaixo transcritas:

EMPREGADA DOMÉSTICA - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA -


Inaplicabilidade das disposições contidas na Consolidação das Leis do
Trabalho, razão porque o contrato de trabalho é tido como a prazo
indeterminado.(TRT 4ª R - RO 96.022750-4 - 2ª T - Relª. Juíza Dulce Olenca
B. Padilha - DOERS 16.03.98).

EMPREGADA DOMÉSTICA - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA -


VALIDADE - Consoante a previsão do parágrafo único do art. 7º da
Constituição Federal, vários direitos sociais foram estendidos aos
empregados domésticos, entre eles o aviso prévio, instituto este que atinge
tanto o empregado doméstico quanto o empregador, o que viabiliza as
situações previstas nos arts. 482 e 483 da CLT. Logo, cabível o contrato de
trabalho a título de experiência, para o doméstico. Se a Lei nº 5.859/72 e o
seu decreto regulamentador não proíbem a adoção desse tipo de contrato,
não cabe ao intérprete fazer qualquer distinção. (TRT 2ª R - RO
19990488765 - 6ª T - Rel. Juiz Fernando Antonio Sampaio da Silva -
DOESP 5.10.99).
EMPREGADA DOMÉSTICA - CONTRATO DE EXPERIÊNCIA - A
faculdade de firmar contrato de trabalho a prazo determinado prevista na
CLT alcança também os empregados domésticos. Assim, entende este
Relator plenamente válido o contrato de experiência realizado entre as
partes não estando, portanto, o empregador obrigado a satisfazer à
reclamante o pagamento do aviso prévio e do salário maternidade. (TRT 4ª
R - RO 00837.751/98-5 - 1ª T - Rel. Juiz José Antônio Pereira de Souza -
Julg. 7.12.2000 - in www.trt4.gov.br).

EMENTA: DOMÉSTICA. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO.


POSSIBILIDADE.
É perfeitamente possível a contratação de empregado doméstico a prazo
determinado, "desde que sejam obedecidas as regras legais que
disciplinam o assunto - naturalmente da CLT e legislação correlata,
aplicando-se o disposto nos artigos consolidados de ns. 443 e parágrafos,
19 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 358.
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445, 451 e 452. São disposições que atendem interesses de ambas as partes -
principalmente facilitando a admissão no emprego - e não nos parece que a
aplicação dessas normas possam violar qualquer dispositivo legal, de
alcance geral ou particular" (ISIS DE ALMEIDA, in Manual de Direito
Individual do Trabalho, LTr., 1998, págs. 551/552).(Processo RO - 6556/98
Data de Publicação 30/01/1999 DJMG Página: 13 Órgão Julgador
Quarta Turma Relator Convocada Taísa Maria Macena de Lima Revisor
Fernando Eustáquio Peixoto de Magalhães 3ª região) (grifou-se)

EMPREGADA DOMÉSTICA. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. Os


empregados domésticos são regidos por lei especial (Lei nº 5.859/72) e
a Constituição Federal de 1988 lhes assegura os direitos previstos nos
incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV do art. 7º. O
contrato sujeito à prova (art. 443, § 2º, c, da CLT) não encontra,
especificamente no caso do doméstico, qualquer vedação legal ou
constitucional, sendo, então, perfeitamente viável. A tese que ampara a
contratação experimental, possibilitando a avaliação recíproca das
partes para a manutenção ou extinção do vínculo empregatício do
doméstico, torna injustificável o entendimento manifestado pela
Primeira Instância no sentido de negar validade ao contrato de
experiência formalmente celebrado. ..." (Processo nº 00282.601/98-8
(RO), 3ª Turma, Relator: Exmo. Sr. Juiz Sebastião Alves de Messias,
julgado em 28/08/2000).

Percebe-se, pois, que a matéria, conforme o debate doutrinário e jurisprudencial,


gira em torno, especial, de uma questão: a aplicação ou não das disposições celetistas ao
empregado doméstico, na medida em que a legislação especial for omissa.
A tendência, no entanto, é no sentido da possibilidade de aplicação dessa forma de
acordo à categoria dos domésticos, uma vez que a CLT não proíbe seu uso nas relações
domésticas sem exceção, basta ver que:

Art. 7º. Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo


quando for em cada caso, expressamente determinado em contrário,
não se aplicam:
a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um modo
geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pessoa
ou à família no âmbito residencial destas; (grifos nosso)

E além de não existir óbice na legislação, deve-se levar em conta que o


trabalhador doméstico fará parte da rotina e da intimidade familiar e que o grau de
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confiabilidade na relação empregado e empregador é extremamente significativo para a


manutenção do contrato.
Ademais, imperioso ressaltar as disposições do art. 8º da CLT c/c art. 4º da LICC:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de


disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela
jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas
gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo
com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que
nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse
público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do


trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios
fundamentais deste.

Art. 4° - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enquanto não existir legislação específica a respeito da contratação do empregado


doméstico, a possibilidade ou não do acordo experimental deverá continuar sendo objeto de
discussão nos Tribunais e Varas Trabalhistas, posto que não há consenso quanto a aplicação
da Consolidação dos Direitos do Trabalho aos operários domésticos quando a legislação
específica não tratar do assunto.
Desta feita, faz-se necessário que o legislador pátrio complemente a Lei nº
5.859/72 e o Decreto nº 71.885/73, disciplinando, minuciosamente, sobre o contrato
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individual de trabalho do empregado doméstico, além de outros direitos não extensíveis a essa
classe de trabalhadores, tais como horas extras, jornada de trabalho, etc.
Urge que a interpretação do art. 7º, a, da Consolidação das Leis do Trabalho deve
ser conforme à atual realidade da categoria dos empregados domésticos, a fim de que sejam
atendidos os fins sociais a que se destina e as exigências do bem comum, considerando que a
atual Constituição Federal ampliou, significativamente, o rol de direitos aplicáveis a esses
operários do lar.
Vale ressaltar, todavia, que apesar de a jurisprudência dominante se inclinar pela
aplicabilidade do preceito estabelecido no art. 443 da CLT, os julgadores pátrios devem
utilizar o contrato de experiência com cautela, a fim de evitar abusos, especialmente no que se
refere à ocorrência de fraudes relacionada às parcelas devidas quando do momento da
extinção contratual a prazo indeterminado e em ocultação à real duração do contrato, evitando,
assim, o desvirtuamento dos objetivos dessa forma de contrato.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ayres D’Athayde Wermelinger. Trabalho Doméstico: Comentários, Legislação,


Jurisprudência e Temas Polêmicos. Curitiba: Juruá Editora, 2007.

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. Estudos em memória de Célio


Goyatá. 2ª Ed. Vol. I. São Paulo: LTr, 1994.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. 35ª ed. atual. e ampl. – São Paulo: LTr, 2008.
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BRASIL. Lei dos Empregados Domésticos. Disponível em:


<http://www.jurisway.org.br/v2/bancolegis1.asp?idmodelo=1675>. Acesso em dez. 2008.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo: Editora
LTr, 2008

FERRAZ, Fernando Basto. Empregado Doméstico. São Paulo: LTr, 2003.

FREITAS, Christiano Abelardo Fagundes; PAIVA, Léa Cristina Barboza da Silva.


Empregado Doméstico: Direitos e Deveres. São Paulo: Método, 2006.

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Élson. Curso de Direito do Trabalho. 13ª Ed. Rio de
Janeiro: Editora Forense.

MACIEL, José Alberto Couto. O Progresso Atual e o Contrato de Trabalho do


Empregado Doméstico. São Paulo: LTr, 1978.

MARANHÃO, Délio; CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 17ª Ed. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1993.

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Trabalho Doméstico. 9ª Ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MORAES FILHO, Evaristo de; MORAES, Antônio Carlos Flores de. Introdução ao Direito
do Trabalho. 6ª Ed. São Paulo: LTr, 1993.

PAMPLONA FILHO, Rodolfo; VILLATORE, Marco Antônio César. Direito do Trabalho


Doméstico. São Paulo: LTr, 1997.

PASSOS, Nicanor Sena. Contrato de Experiência: Doutrina, Jurisprudência, Prática.


São Paulo: LTr, 1995.

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