Você está na página 1de 10

ARTIGOS

Fonoaudiologia em saúde
pública/coletiva: compreendendo
prevenção e o paradigma
da promoção da saúde

Regina Zanella Penteado*


Emilse Aparecida Merlin Servilha**

Resumo

O paradigma da saúde e promoção da saúde representa transformações importantes nos pressupostos,


diretrizes, políticas, concepções e práticas em Saúde Pública/Coletiva, com repercussões na formação e
nos papéis sociais dos profissionais da saúde. Na Fonoaudiologia e em diversas áreas prevalecem dúvidas
e confusões na compreensão do conceito de Promoção da Saúde, ainda entendido como parte do modelo
de prevenção proposto por Leavel e Clark (1976). O objetivo deste artigo é apresentar algumas diferenças
entre prevenção e Promoção da Saúde, de maneira a subsidiar reflexões e discussões sobre as tendências
atuais e as perspectivas futuras da Fonoaudiologia em Saúde Pública/Coletiva, referenciadas pelos
pressupostos da Promoção da Saúde.

Palavras-chave: promoção da saúde; prevenção; saúde pública; fonoaudiologia.

Abstract

The paradigm of health and health promotion represents important transformations in the guidelines,
policies, concepts, beliefs and practices of public/collective health, with repercussions on the education
and social rules of health professionals. In speech and language therapy and several other areas, doubts
and misunderstandings of the concept of health promotion still prevail and it is still understood as part of
the prevention model proposed by Leavel and Clark (1976). It is necessary to understand the concepts
and conceptions underlying the health promotion proposal, especially regarding aspects which make it
distinct from prevention. The objective of this article is to present some differences between health
prevention and health promotion in order to subsidize reflections and discussions on the present trends
and future perspectives of speech and language therapy in public/collective health, based on the theories
of Health Promotion.

Key-words: health promotion; prevention; public health; speech-language pathology.

*
Fonoaudióloga, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP); espe-
cialista em Linguagem (CFFa); especialização em Voz (CFFa); docente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Metodista
de Piracicaba – Unimep. ** Fonoaudióloga, doutora em Psicologia (Ciência e Profissão) pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUC-Campinas); docente dos cursos de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-
Campinas e da Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep.

Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004 107


Regina Zanella Penteado, Emilse Aparecida Merlin Servilha
ARTIGOS

Resumen

El paradigma de salud y promoción de salud representa transformaciones importantes en conceptos,


directrices, políticas, concepciones y prácticas en Salud Pública Colectiva, con repercusiones en la
formación y en los papeles sociales de los profesionales del área de salud. En Fonoaudiología y en
diversas áreas prevalecen dudas y confusiones en la comprensión del concepto de promoción de salud,
aún entendido como parte del modelo de prevención propuesto por Leavel y Clark (1976). El objetivo de
este artículo es presentar algunas diferencias entre la prevención y la promoción de salud, de manera a
propiciar reflexiones y discusiones sobre las tendencias actuales y las perspectivas futuras de la
Fonoaudiología en salud pública / colectiva, referenciadas por los conceptos de promoción de salud.

Palabras-clave: promoción de la salud; prevención; salud pública; fonoaudiología.

Introdução ventivista e naquele voltado à Promoção de Saúde?


As ações, nos dois modelos, são divergentes?
A área preventivo-comunitária é uma das mais É nesse contexto que este artigo se propõe a transi-
recentes no percurso histórico da Fonoaudiologia tar, buscando esclarecer algumas questões e levan-
brasileira e encontra-se em processo de conquista tar pontos para reflexões.
de suas especificidades, da (re)construção de sua Faz-se relevante que a Fonoaudiologia acom-
identidade e caracterização da práxis em Saúde panhe as mudanças teórico-metodológicas do cam-
Pública/Coletiva.1 po da Saúde Pública/Coletiva e, pautando-se por elas,
As diretrizes e políticas de Saúde Pública na- participe do processo de implantação de uma políti-
cionais e internacionais sofreram transformações ca de saúde nacional, definindo seu papel e lugar
significativas nos últimos 20 anos, representadas junto à Promoção da Saúde da população de manei-
pela proposta de Promoção da Saúde, e vêm in- ra reflexiva, consciente, responsável e atuante.
fluenciando mudanças na sociedade, na concepção Este artigo tem como objetivo apresentar espe-
de saúde e em seu modelo de atenção, na organiza- cificidades e diferenças entre os conceitos de pre-
ção dos serviços, nos papéis desempenhados pelos venção e promoção da saúde, e destacar algumas
atores sociais2 e na formação dos profissionais da tendências atuais e perspectivas futuras da Fonoau-
saúde. Entretanto, ainda predomina uma diversi- diologia em Saúde Pública/Coletiva, referenciadas
dade de interpretações em relação a esse conceito pelos pressupostos da Promoção da Saúde.
nas diversas profissões da saúde. Inicia-se com um breve resgate do percurso da
Na Fonoaudiologia, observa-se o crescente área preventivo-comunitária, na Fonoaudiologia
emprego do termo Promoção da Saúde; contudo, brasileira, de modo a possibilitar a compreensão
uma análise mais cuidadosa evidencia, na maioria das práticas, dos enfoques e das concepções teóri-
das vezes, a superficialidade da fundamentação cas a elas subjacentes em cada contexto histórico-
teórico-conceitual e das concepções que as nor- social; em seguida, apresentam-se as diferenças
teiam; o que leva o leitor a construir uma percep- entre os dois modelos. Por fim, destacam-se algu-
ção às vezes equivocada de que Promoção da Saúde mas tendências atuais e perspectivas futuras da
seja apenas um novo nome, uma nova roupagem Fonoaudiologia em Saúde Pública/Coletiva, sub-
para a já conhecida prevenção. sidiadas por esta nova perspectiva de entender a
Seria a promoção da saúde uma parte da pre- saúde e seus desdobramentos.
venção? Há diferenças entre esses conceitos? Pretende-se, com esse artigo, oferecer uma
A saúde é entendida igualmente no modelo pre- contribuição para futuras agendas de pesquisas em

1
Neste trabalho preferem-se os termos “fonoaudiologia em saúde pública/coletiva” ou “fonoaudiologia comunitária” - ao termo
“fonoaudiologia preventiva”; dada a restrição que este último representa à práxis fonoaudiológica, especialmente no que diz
respeito ao paradigma, enfoque ou o modelo a ser assumido, conforme será abordado mais adiante neste trabalho.
2
Entende-se ator social como um sujeito reconhecido em sua autonomia, um cidadão inserido em um contexto histórico, político,
cultural e social do qual ele é, ao mesmo tempo, representante , constituinte e agente, conforme Paim (1994) e L’Abbate (1994).

108 Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004


Fonoaudiologia em saúde pública/coletiva: compreendendo prevenção e o paradigma da promoção da saúde

ARTIGOS
Fonoaudiologia nos eixos de Saúde Pública/Cole- configuravam-se como elitistas e excludentes, num
tiva ou Preventivo/Comunitária, tendo como refe- contexto em que a complexidade do processo saú-
rência os pressupostos da Promoção da Saúde; en- de/doença era reduzida à realização de testes e exa-
tretanto, não se tem, aqui, a pretensão de esgotar o mes e à verificação da sintomatologia, para a clas-
assunto, mas sim iniciar um diálogo para fecundas sificação dos indivíduos como doentes ou saudá-
discussões. veis, e a ação terapêutica era voltada para a neutra-
lização dos sinais e sintomas observados (Fontes,
Metodologia 1999). A concepção de saúde predominante era a
preconizada em 1948 pela Organização Mundial
O presente trabalho refere-se a um ensaio teó- da Saúde: saúde como “um estado de completo
rico reflexivo (Severino, 1996) que se apóia em bem-estar físico, mental e social, e não somente a
referenciais interdisciplinares – em especial da Saú- ausência de doenças”. Tal concepção desconside-
de Pública/Coletiva –, e, a partir deles, apresenta rava os aspectos dinâmicos e processuais da con-
algumas peculiaridades e diferenças entre preven- dição de viver e obscurecia a formulação de ações
ção e promoção da saúde, como ponto de partida e objetivos concretos na realidade cotidiana já que,
para discussão de algumas tendências atuais e pers- nessa concepção, saúde era um estado estanque,
pectivas futuras da Fonoaudiologia em saúde pú- idealizado e praticamente inatingível ou inaplicá-
blica/coletiva, referenciada pelos pressupostos da vel à maioria das pessoas.
Promoção da Saúde. A seguir, o Brasil passou por vinte anos de re-
gime de ditadura militar e somente no final dos anos
Resgate histórico 80, durante o processo de redemocratização do país,
ocorreu a implantação da nova política de saúde, o
O fonoaudiólogo iniciou sua prática voltada SUS – Sistema Único de Saúde. Influenciada pe-
para a saúde escolar, nas décadas de 20, 30 e 40, no las discussões e reestruturações internacionais no
contexto sociopolítico do movimento nacionalista campo da atenção à saúde, a nova política de saúde
e desenvolvimentista que tinha, na escola, o lugar brasileira avançou na consideração da saúde vin-
privilegiado para a reorganização da sociedade. Re- culada às condições de vida da sociedade e princí-
fletindo a ideologia do Estado Novo, a doutrina hi- pios doutrinários de Universalização, Integridade
gienista nacional e as idéias escolanovistas da edu- e Eqüidade. A concretização dessa reforma sanitá-
cação, as práticas de Higiene Escolar, Educação em ria implica uma série de transformações: o redi-
Saúde ou Saúde Escolar configuravam um proces- mensionamento da concepção de saúde; a reorga-
so mais amplo de pedagogização da saúde, medi- nização dos serviços, mudança do modelo de aten-
calização da educação e de exclusão social que, por ção à saúde e da formação dos profissionais da saú-
meio da fixação de limites entre o normal e o pato- de; contratação de novos profissionais para os qua-
lógico, o saudável e o doente, localizava os proble- dros públicos (dentre os quais o fonoaudiólogo),
mas no aluno e atribuía ao indivíduo a questão da dentre outras.
determinação saúde/doença mantendo longe do No início da década de 90, com a significativa
foco das discussões as políticas sociais e as condi- inserção de fonoaudiólogos nos serviços públicos
ções de trabalho e vida da população (Gomes, 1991; de saúde, constatou-se que a formação e a atuação
Berberian, 1995; Smeke e Oliveira, 2001). desse profissional não dava conta dos (novos) de-
Mais tarde, entre as décadas de 50 a 70, o fo- safios do trabalho em Saúde Pública. Aquela atua-
noaudiólogo direcionou seu trabalho para os con- ção elitista e excludente, focalizada no indivíduo
sultórios particulares e clínicas de reabilitação. isolado de seu contexto histórico-cultural, não mais
Nesse período, surgiram os primeiros cursos de interessava a uma Fonoaudiologia que começava a
Fonoaudiologia, cuja formação legitimava as prá- assumir uma postura crítica perante a sua prática e
ticas que tinham como foco de atenção a doença a sua própria identidade.
ou o distúrbio da comunicação e que privilegia- Iniciou-se, então, segundo Cavalheiro (1996),
vam a reabilitação clínica individual, em detrimento um movimento de reflexão e de mudanças que de-
de ações preventivas ou de maior alcance veria, em conformidade com a nova política de saú-
(Masson, 1995). Tais práticas, por serem realiza- de, ampliar e redirecionar a prática fonoaudiológi-
das à margem da realidade de vida da população, ca numa perspectiva social, coletiva e preventiva.

Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004 109


Regina Zanella Penteado, Emilse Aparecida Merlin Servilha
ARTIGOS

Tendo à frente um novo e fecundo campo para atua- Uma análise mais acurada desse modelo pre-
ção e reflexão nos campos da saúde e educação e ventivista revela que, mesmo representando um
imbuídos de um espírito crítico instaurador de avanço para as práticas de saúde da época, ele apre-
mudanças, os fonoaudiólogos começaram a pro- senta limites pouco abordados no campo da Fo-
duzir e a publicar diversos relatos de experiências noaudiologia, como o fato de não dar conta de com-
que apontavam a construção de conhecimentos no preender o processo saúde-doença na complexida-
campo da Fonoaudiologia preventivo-comunitária. de da relação homem-vida-saúde, que não abarca
Instaurou-se, com Andrade (1996), um mode- as peculiaridades da comunicação e do sujeito co-
lo de Fonoaudiologia Preventiva fundamentado no municante, e que tende a negligenciar as particula-
modelo de Medicina Preventiva de Leavel e Clark ridades dos processos subjetivos, sociais, históri-
(1976), o qual incorpora a noção de “História Na- cos e culturais de cada contexto/comunidade,
tural das Doenças”, segundo os períodos de pato- conforme já ressaltavam Masson (1995) e Lewis
genia (pré-patogênico, antes de a doença se insta- (1996).
lar, e período patogênico, quando a doença já se Apesar das restrições, críticas e inadequações
encontra instalada), e propõe a divisão da preven- desse modelo para o campo da Fonoaudiologia, é
ção em três fases: prevenção primária, secundária ele que vem referenciando os profissionais fonoau-
e terciária, subdivididas em cinco níveis, nas quais diólogos em suas práticas em saúde pública/coleti-
aplicam-se medidas específicas, num enfoque vol- va, já que os mesmos parecem não reconhecer seu
tado para indivíduos, grupos e populações de risco papel e suas ações numa sociedade tão desigual e
de adoecimento. Nesse modelo, a Promoção da excludente como se apresenta a realidade brasilei-
Saúde compõe o primeiro momento da prevenção ra. Alia-se a isso uma tradição de ações em saúde
primária, ao lado da proteção específica, no perío- sustentadas por concepções positivistas, que levam
do pré-patogênico, e é dividida em atenção aos fa- os profissionais da saúde a atuar prioritariamente
tores meta-pessoais determinantes da qualidade de no segundo momento da prevenção primária, ou
vida (realidade econômica, social, cultural, políti- seja, na proteção específica, de indivíduos e/ou gru-
ca, econômica, moradia, transporte, educação sa- pos focalizados, contra os fatores de risco causa-
nitária, lazer, acesso aos serviços de saúde, direi- dores de doenças particulares. Apesar da relevân-
tos assegurados e etc.) e fatores pessoais (caracte- cia desse foco de atuação, um equívoco se instaura
rísticas biológicas, psicológicas, espirituais, lingüís- quando a ação de proteção ganha o status de Pro-
ticas, sociais próximas e hábitos de vida – cuida- moção da Saúde que, desse modo, perde toda sua
dos, nutrição, atividade física e etc.) que possam abrangência.
relacionar-se a uma determinada patologia. O ob- É este modelo que atravessa e sobrepõe-se à
jetivo da promoção da saúde, segundo esse mode- compreensão do verdadeiro sentido de Promoção
lo, é desenvolver uma saúde geral ótima, protegen- da Saúde, provocando equívocos de interpretação
do o homem dos agentes patológicos e estabele- e interferindo nos avanços conceituais.
cendo barreiras contra tais agentes. Ocorre que, após a segunda metade da década
Essa noção dos “níveis de prevenção” orien- de 90, no Brasil, a Promoção da Saúde vem sendo
tou, inclusive, o estabelecimento dos “níveis de referida tendo como base os conceitos propostos
atenção”, no âmbito de sistemas de serviços de saú- nas Cartas e Declarações das Conferências Inter-
de. Na busca da construção de uma prática voltada nacionais, representando uma mudança de paradig-
para o coletivo e para a intervenção precoce, os ma que desloca o eixo patologia/tratamento/con-
fonoaudiólogos encontram, nesse modelo de pre- trole/prevenção de doenças para o eixo saúde/pro-
venção, um referencial teórico que subsidia as ações moção da saúde (Ministério da Saúde, 2001, e
fonoaudiológicas até os dias atuais. Rocha, 2001). Nesse novo paradigma, a Promoção
Modelos que têm como fio condutor a doença da Saúde transcende uma etapa ou “nível de pre-
e sua progressão propõem ações que envolvem eta- venção primária” para se constituir no eixo nortea-
pas de trabalho em níveis de complexidade cres- dor de toda e qualquer prática em saúde, nos di-
cente, que promovem saúde quando não há doen- ferentes contexto sociais (clínico, institucional e
ça; proteger quando existe o risco de algum agravo coletivos) trazendo em seu bojo ressignificações
à saúde e reabilitam quando o sujeito estiver aco- dos conceitos de saúde e doença, sujeito e educa-
metido pela doença. ção e seus desdobramentos na práxis profissional.

110 Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004


Fonoaudiologia em saúde pública/coletiva: compreendendo prevenção e o paradigma da promoção da saúde

ARTIGOS
A saúde passa agora a ser considerada como das práticas de desenvolvimento da linguagem,
um processo dinâmico, uma dimensão da qualida- quaisquer cidadãos em suas relações e contextos
de de vida, recurso para enfrentar e responder aos sociais de convivência (Penteado, 2000). Trata-se,
desafios da vida, um direito humano fundamental assim, de uma responsabilidade com os setores
para o desenvolvimento de uma nação. Saúde dei- excluídos da sociedade, numa reedição do papel
xa de ser responsabilidade de instituições ou pro- social até então representado e, mais do que isso,
fissionais específicos e passa a ser de responsabili- trata-se de ocupar um lugar social junto à promo-
dade de diversos setores da sociedade envolvidos ção da saúde da população (lugar antes inviabili-
na construção e implantação de políticas públicas zado). A Promoção da Saúde requer, do fonoau-
saudáveis e criação de ambientes saudáveis para a diólogo, o redimensionamento de seu papel e fun-
eqüidade e melhoria da qualidade de vida (Minis- ção, muito mais amplos do que aqueles previstos
tério da Saúde, 2001). Por conseqüência, Promo- pelo modelo preventivista.
ção da Saúde se revela como um processo de in- Mas são ainda bastante incipientes, na Fonoau-
vestimentos e ações que propiciam o desenvolvi- diologia, as mudanças na concepção de linguagem,
mento integral e fortalecimento das pessoas, au- sujeito, educação e saúde que contribuam nesse
mentando a sua auto-estima num processo de em- sentido. Há muito que se avançar nas reflexões acer-
poderamento. O termo emponderamento decorre ca da práxis fonoaudiológica em saúde pública/
da palavra inglesa empowerment, definida como coletiva, no sentido da Promoção da Saúde. Nas
palavras de Cera da Silva (2002), há a necessidade
(...) um processo de ação social que promove a par- de a Fonoaudiologia trilhar novos caminhos, re-
ticipação das pessoas, organizações e comunidades
pensar suas práticas tornando-as transformadoras
no sentido de melhorar o controle individual e co-
e condizentes com os pressupostos do SUS e parti-
munitário, a eficácia política, a qualidade de vida e
a justiça social. (Wallerstein, 1992, p. 198) cipar da construção de um novo modelo de aten-
ção à saúde coletiva, que amplie o debate sobre os
Desenvolvido por pesquisadores canadenses e determinantes da saúde e o objeto de ação das suas
americanos, esse conceito tem suas raízes nas idéias práticas, tendo a linguagem como condição básica
do educador brasileiro Paulo Freire, para quem a para uma vida com qualidade.
educação (em saúde) visa transformar o poder co- A seguir, serão detalhadas algumas diferenças
munitário e encorajar as pessoas a assumirem o entre um enfoque preventivo e aquele orientado
controle e direcionamento de suas vidas (Freire, pela Promoção da Saúde.
1969). Firma-se aqui o compromisso com o ser
social e histórico, considerado em seu contexto de Prevenção e promoção da saúde –
vida, condições de trabalho e modos de produção. especificidades e diferenças
O fonoaudiólogo é, nessa nova perspectiva,
chamado a se comprometer com os projetos de Soto (1997) e Czeresnia (1999) esclarecem que
construção de uma sociedade justa e digna e de prevenir significa preparar, conhecer antecipada-
superação das desigualdades sociais e da exclusão, mente, prever, evitar ou impedir que se realize um
tão marcantes e persistentes em nosso país. Com dano, um mal ou um perigo. Desse modo, o objeti-
isso, um dos grandes desafios é contribuir para os vo da prevenção é a ausência da doença. De outro
processos de representação da população perante o lado, promover significa gerar novas perspectivas,
poder, por meio da ampliação da participação e de fomentar. A Promoção da Saúde indica um olhar
práticas sociais que possibilitem, cada vez mais, a abrangente e positivo para o desenvolvimento hu-
inclusão de classes e segmentos sociais como par- mano, tendo como objetivo maximizar a saúde e
te da construção da qualidade de vida e da cidada- os recursos das comunidades.
nia (Minayo, 2000). E, aqui, o compromisso da Os mesmos autores ainda explicam que a pre-
Fonoaudiologia com a Promoção da Saúde da po- venção se baseia no conhecimento do funcionamen-
pulação e com o desenvolvimento da linguagem to das doenças e dos mecanismos para o seu con-
transcende os limites tradicionais da clínica fonoau- trole e evitação. Contrariamente, a Promoção da
diológica e das instituições públicas de saúde e Saúde baseia-se na identificação das necessidades
educação e supera as demandas com alterações de e condições de vida das pessoas e atenta-se às dife-
linguagem, de maneira a envolver, como sujeitos renças, singularidades e subjetividades implicadas

Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004 111


Regina Zanella Penteado, Emilse Aparecida Merlin Servilha
ARTIGOS

nos acontecimentos individuais e coletivos de saú- mações técnico-científicas na busca da racionali-


de. A saúde e a qualidade de vida estão no foco da zação, das normatizações, das prescrições e das
Promoção da Saúde. recomendações para mudanças de hábitos e com-
Soto (1997) aponta uma similitude entre o mo- portamentos de indivíduos e grupos de risco em
delo preventivista e aquele orientado pela promo- serviços ou setores específicos (Czeresnia, 1999).
ção da saúde: ambos têm como meta a saúde. Ape- Já na Promoção da Saúde a atividade é basicamen-
sar disso, há divergência na concepção de saúde sub- te no campo social e combina diversos objetivos e
jacente a cada modelo. Na prevenção, saúde é com- recursos, que incluem o fortalecimento da popula-
preendida em oposição à doença e como um estado ção, o desenvolvimento comunitário, a construção
idealizado e estanque a ser buscado. Contrariamen- da cidadania, a informação, a comunicação social,
te, a perspectiva da Promoção da Saúde prevê uma a legislação, as medidas fiscais e a educação de
relação saúde-doença como processo: a saúde não é caráter democrática, participativa, problematizado-
uma meta a ser atingida, mas sim um recurso positi- ra e emancipatória (Soto, 1997). Nessa perspecti-
vo aplicável à vida cotidiana das pessoas e comuni- va, os modelos de atenção são sociopolítico, eco-
dades e compreendida como um componente dinâ- lógicos e socioculturais, com revalorização do ter-
mico das experiências e manifestações da vida. ritório mais imediato no qual se constitui o espaço
Outra das similitudes entre prevenção primá- público de convivência diária e favorecimento de
ria e promoção da saúde é o enfoque coletivo, ou mudanças nas relações de poder voltadas à mobili-
seja, o trabalho com grupos, comunidades ou par- zações para a construção de políticas públicas e
celas da população. O que diferencia os dois mo- ambientes saudáveis (Teixeira, 2001)
delos, contudo, são os objetivos, a metodologia e Prevenção e Promoção da Saúde reservam,
concepção de educação empregadas e o papel da também, diferenças de metodologia de pesquisa.
população envolvida nas ações. Na prevenção, predominam as pesquisas quantita-
Desse modo, na prevenção são identificados tivas com base no modelo biológico e no uso de
grupos de riscos específicos para os quais se vol- dados técnico-científicos na busca da racionaliza-
tam as ações preventivas focadas na redução e con- ção. Na Promoção da Saúde, os modelos socioeco-
trole desses fatores de risco, assim como na prote- lógicos sinalizam a importância das pesquisas e
ção dos indivíduos e grupos contra tais fatores. A dados de característica qualitativa e da integração
Promoção da Saúde dirige-se não somente a gru- de enfoques e metodologias a fim de responder à
pos específicos, mas também à população em ge- complexidade do processo saúde doença e da qua-
ral, grupos, comunidades e a processos sociais, lidade de vida.
culturais e políticos que influenciam a qualidade Os dois modelos em discussão empregam
de vida da população. Vale, aqui, lembrar que as ações educativas em saúde, sendo, portanto, esse
ações de promoção da saúde são extensivas a su- um ponto comum. No entanto, é nas concepções
jeitos, ambientes – tal como as propostas de am- de sujeito e de educação e na forma de viabilizá-la
bientes saudáveis como escolas, hospitais, empresas, que se encontram as diferenças.
etc. – e a grupos com demandas e necessidades A concepção de sujeito, na prevenção, implica
específicas; a diferença encontra-se nas concepções o indivíduo que precisa de proteção e que, para obtê-
que orientam as práticas e no foco das ações. la deverá assumir determinados cuidados, postu-
O foco das ações de Prevenção está nos indi- ras, condutas, comportamentos e hábitos saudáveis
víduos e em ambientes específicos, enquanto o da evitando e afastando aqueles comportamentos ti-
Promoção está na participação de todos os setores dos como “de risco”. A Promoção da Saúde leva
da sociedade na busca da transformação dos deter- em conta aspectos culturais e subjetivos e releva
minantes das condições de vida e saúde, via cons- os atores sociais/população com suas opções, va-
trução de políticas públicas saudáveis e formação lores e interpretações, reservando a eles uma parti-
de ambientes saudáveis (Restrepo, 2001). cipação consciente, responsável e compromissada
Os campos de ação, referenciais utilizados e com um viver melhor e saudável. Desse modo, vis-
os modelos de atenção à saúde também sinalizam lumbra-se um sujeito social, ator social de mudan-
diferenças importantes. As atividades de preven- ças. A Promoção da Saúde diz respeito à constru-
ção desenvolvem-se em campos mais limitados e ção da autonomia, ao exercício da capacidade de
valem-se da fundamentação e divulgação de infor- escolha e ao fortalecimento no sentido da identifi-

112 Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004


Fonoaudiologia em saúde pública/coletiva: compreendendo prevenção e o paradigma da promoção da saúde

ARTIGOS
cação e transformação das condições de vida que zam a aprendizagem, induzem a participação e ca-
subjazem ao processo saúde/doença de sujeitos e pacitam para mudanças na busca da redução das
comunidades (Czeresnia, 1999). iniqüidades, na construção da cidadania e de uma
No que respeita às ações educativas, no mode- vida de qualidade.
lo preventivo, estas se dão, tradicionalmente, de Os cursos de graduação em Fonoaudiologia,
forma unidirecional, nem sempre compartilhada, por meio das ações de ensino-pesquisa-extensão,
por vezes até autoritária e com enfoque comporta- vêm desempenhando um papel significativo na
mental que visa as mudanças de hábitos e de esti- construção da história da Fonoaudiologia em Saú-
los de vida, como sugerem Buss (2003) e Czeresnia de Pública/Coletiva. Porém, Cera da Silva (2002)
(2003). Já a perspectiva da Promoção da Saúde constata que ainda há um campo localizado de atua-
sugere abordagens educativas democráticas, parti- ção para o fonoaudiólogo, de modo a ampliar os
cipantes, problematizadoras e transformadoras, que conhecimentos da população sobre os determinan-
desempenhem um papel conscientizador e liberta- tes dos problemas fonoaudiológicos, buscar formas
dor e contribuam para o fortalecimento da capaci- de superá-los e realizar atendimento integral nor-
dade individual e coletiva na conquista da cidada- teado pelos princípios preconizados pelo SUS. Mais
nia (Westphal, 1998; Buss, 2003). do que isso, há um espaço aberto para fomentar, na
O avanço da Fonoaudiologia na configuração e população, a busca ativa, pela/na linguagem e co-
consolidação de um lugar e de uma práxis em Pro- municação, de seu lugar e papel de cidadão.
moção da Saúde requer, assim, a revisão das con- Marcadamente, um dos segmentos da Fonoau-
cepções e práticas implicadas em relação à saúde, diologia que vem avançando no sentido de realizar
sujeito, educação em saúde, campos e focos de ação, ações coletivas em saúde é a área de voz, antes res-
população alvo, modelos de pesquisa e de atenção à trita à clínica, mas que, desde 1999, vem realizando,
saúde, enfim, uma superação de paradigma. a cada ano, eventos importantes como as quatro gran-
des Campanhas Nacionais da Voz. Tais campanhas,
A fonoaudiologia na perspectiva imbuídas de prevenir alterações vocais, focalizaram
da promoção da saúde a doença, especialmente o câncer de laringe, man-
Tendências atuais e perspectivas tendo esse tema presente ainda quando o foco da
para o devir campanha foi a voz profissional, em 2002. Sem ne-
gar a importância da detecção precoce das disfonias
Na última década, o tema saúde entra, de for- e do câncer de laringe, cabe destacar que o foco na
ma mais freqüente e incisiva, na pauta de discus- doença e nas alterações vocais permite classificar as
são da Fonoaudiologia, com um aumento signifi- campanhas como de prevenção – a despeito do fato
cativo do engajamento dos seus profissionais em de elas não se dirigirem a grupos de risco, mas sim à
ações de saúde pública/coletiva e da produção e população em geral. Aqui, vislumbra-se um exem-
divulgação de trabalhos e pesquisas em eventos plo de uma iniciativa de prevenção com enfoque
científicos da área; tanto que foi criado, em 2001, populacional. Há ainda que se avançar na elabora-
o Comitê de Saúde Pública da Sociedade Brasilei- ção de campanhas em voz na perspectiva da Promo-
ra de Fonoaudiologia (CRFa. 2001). ção da Saúde, no sentido de que estas venham a ex-
O fonoaudiólogo foi se inserindo em projetos plorar as dimensões e funcionalidades da voz na vida
sociais mais amplos, com participação em discus- das pessoas e que englobem a prevenção, sem que a
sões interdisciplinares que culminaram na elabo- ela se restrinjam (Penteado, 2003).
ração de uma proposta de inclusão da Fonoaudio- Outra iniciativa importante na área de voz são
logia no Programa de Saúde da Família (CRFa os Seminários de Voz Profissional promovidos pela
2ª REGIÃO, 2002). PUC-SP, os quais, a partir da visão interdiscipli-
Apesar disso, nem sempre se verifica, nos tra- nar, vêm, num crescendo, empreendendo esforços
balhos fonoaudiológicos, uma concepção ampla, para entender e ampliar a visão da voz no campo
processual e dinâmica da saúde, nem tampouco a coletivo, a partir de seu entrelaçamento com o tra-
consideração, pelo fonoaudiólogo, do fato de que balho humano. As questões de voz/saúde vocal in-
a linguagem e a comunicação fazem diferença na serem-se no campo da Saúde do Trabalhador que
saúde e na vida das pessoas – já que propiciam ao era, tradicionalmente, área de pesquisa da Audio-
homem reflexão sobre si mesmo e o mundo, agili- logia. Essa iniciativa, promovida pela PUC-SP, tem

Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004 113


Regina Zanella Penteado, Emilse Aparecida Merlin Servilha
ARTIGOS

propiciado fecundas discussões a respeito das rela- A conjugação entre Fonoaudiologia e constru-
ções entre voz, saúde e trabalho, em que começam ção de ambientes saudáveis apresenta-se por de-
a ser considerados as condições e a organização do mais incipiente. Ainda há poucos relatos de expe-
trabalho no processo saúde/doença de algumas ca- riências e pesquisas que incluem temas da área fo-
tegorias de trabalhadores que fazem o uso profis- noaudiológica nos contextos de ambientes saudá-
sional da voz, tais como o professor e o operador veis, tais como as propostas de Escolas Promoto-
de telemarketing. Aqui, ao contrário do exemplo ras de Saúde, de Hospitais e Maternidades Saudá-
anterior, nota-se que algumas experiências fonoau- veis ou Hospitais Amigos da Criança. No contexto
diológicas, com categorias e grupos profissionais das propostas de construção de ambientes saudá-
específicos, representam passos importantes, que veis, as ações fonoaudiológicas hão que ser mais
começam a ser dados, na compreensão mais abran- abrangentes e processuais na consideração e res-
gente do processo saúde-doença e das ações na área posta às questões e necessidades de saúde da co-
de voz, na direção da Promoção da Saúde. munidade, o que implica uma reestruturação da-
A Fonoaudiologia começa a se aproximar das quelas com os diferentes atores sociais envolvidos,
Ciências Sociais e a fundamentar seus estudos em redirecionamento do foco de atuação, ampliação
pressupostos sociológicos, pressupondo um movi- do leque de abrangência de sua população alvo e
mento dialético entre sujeito e sociedade, em que o envolvimento dos diversos segmentos da comuni-
homem é compreendido como produtor da história dade e do seu entorno (Penteado, 2002).
e de si próprio (Guareschi e Jovchelovitch, 2000). No tocante às ações educativas em saúde, o
Isso traz implicações e novas perspectivas de en- fonoaudiólogo começa a se aperceber que a atitu-
foque nos estudos na área de saúde coletiva, es- de normativa e prescritiva, sem envolvimento da
pecialmente na Promoção da Saúde em locais de comunidade, encontra-se em processo de falência,
trabalho e nas questões de Saúde do Trabalhador. e procura novas formas de aproximação, sensibili-
Assim, assume-se que o sujeito, suas percepções, zação e comunicação com a população. Ouvir o
representações, os usos que faz de seu corpo e as que a população pensa, quer, sonha, planeja e, mais
interpretações sobre sua funcionalidade e seu pro- do que isso, considerá-la ativa e capaz de mudan-
cesso saúde-doença são constituídos pela sociabi- ças (ao invés de mera espectadora ou depositária
lidade num contexto histórico-cultural em que os de orientações acerca da saúde) – e, por isso, par-
sujeitos são levados a se ajustar e a se adequar às ceira do fonoaudiólogo nas conquista da informa-
normas e aos padrões da cultura nos contextos co- ção e da saúde – torna-se uma opção de bastante
tidianos, inclusive no de trabalho. Então, impor- interesse na implementação das ações.
tam as condições de vida e trabalho e como o tra- Para viabilizar tal mudança, a proposta de tra-
balhador se deixa afetar e como interpreta essas balho com grupos configura-se como uma possibi-
condições (Ribeiro et al., 2002). lidade de dar voz à população, pois favorece a troca
Nesse sentido, podem ser mencionadas algu- de informações e conhecimentos e tende a impulsi-
mas produções na área de voz, em que os proces- onar os sujeitos para transformações das condições
sos sociais e o jogo interacional assumem lugar de ambientais, sociais e organizacionais do seu traba-
destaque na compreensão da produção vocal e lin- lho e da sua vida. Isso favorece a construção de vín-
güística (Chun, 2000). Entretanto, são incipientes culos significativos entre a Fonoaudiologia e a co-
os estudos que buscam as relações entre voz, tra- munidade (Penteado, 2000; Cera da Silva, 2003).
balho e relações sociais (Servilha, 2000; Garcia, Nesse mesmo sentido, outra opção metodoló-
2000). Começam a ser investigados os sentidos, as gica que se mostra fecunda é repensar as propostas
percepções, as representações e os contextos so- de “oficinas” e grupos fonoaudiológicos intra e
ciais de vida e trabalho dos sujeitos usuários de extra clínica, de maneira que seu conteúdo não se
voz profissional, na busca de uma relação de de- restrinja às queixas apresentadas pelos participan-
terminação cultural e social do processo saúde/ tes do grupo, mas, sim, que incorpore uma análise
doença vocal, especialmente quando envolve cate- mais ampla das condições de vida dos sujeitos, na
gorias ou grupos sociais diversos, com oportunida- busca da sua qualidade.
des de vida desiguais, diferenças de sujeição a ris- Em conformidade com um cenário mundial,
cos sanitários e de acessibilidade aos serviços de de reorientação das políticas públicas em saúde, e
saúde (Algodoal, 2002; Garcia, 2000; Gobbi, 2000). nacional, de resgate dos valores democráticos e

114 Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004


Fonoaudiologia em saúde pública/coletiva: compreendendo prevenção e o paradigma da promoção da saúde

ARTIGOS
construção da cidadania no país, a Fonoaudiologia cas preventivas e nem, tampouco, do papel desse
passa a rever as concepções e práticas que orien- profissional na prevenção das alterações e proble-
tam a construção de um novo lugar social para esse mas relacionados à comunicação humana. As ações
profissional; um lugar onde a Fonoaudiologia es- de prevenção continuarão acontecendo, como par-
teja compromissada com a transformação dessa te das responsabilidades do fonoaudiólogo no con-
realidade desigual e excludente que se mostra no junto das ações integrantes de propostas mais am-
país. Implica saber fazer da comunicação e da lin- plas de Promoção da Saúde. Entretanto, além da
guagem na prática cotidiana uma ação política con- necessária mudança de paradigma, é preciso revi-
creta que visa à produção de um saber social e cul- sar as ações de prevenção quanto aos seus objeti-
turalmente comprometido com o partilhar de bens vos, conteúdos, formas de desenvolvimento e às
comuns e com a intervenção e a transformação da concepções que as fundamentam, tornando-as, as-
realidade de educação e saúde da população, que sim, condizentes com as diretrizes das Conferên-
concorra para a superação das desigualdades so- cias Mundiais de Saúde e Promoção da Saúde.
ciais e da exclusão, com melhoria da qualidade de O campo de trabalho e pesquisa relativo ao
vida e Promoção da Saúde da população. eixo preventivo/comunitário ou da saúde públi-
ca/coletiva configura-se como um espaço privile-
Considerações finais giado para o encontro da Fonoaudiologia com a
realidade de vida da população brasileira. Assim,
A Fonoaudiologia em Saúde Pública/Coletiva, nos cursos de graduação, especialização, mestra-
historicamente, vem construindo seu caminhar e, do ou doutorado em Fonoaudiologia, o eixo de
mais recentemente, aproxima-se de um comprome- concentração de estudos que contemplam e repre-
timento com as questões sociais, coletivas e as ne- sentam a atuação em Saúde Pública/Coletiva des-
cessidades de saúde da população. Entretanto, essa ponta como um dos que mais perfeitamente se sin-
aproximação necessita estar ancorada em pressupos- toniza com as necessidades sociais e com o mo-
tos e concepções coerentes com a proposta de Pro- mento sócio-político-econômico do país, subsi-
moção da Saúde. Conhecer essa proposta e saber diando a formação de profissionais capazes de
distingui-la do modelo preventivo, focado na doen- identificar as potencialidades, as demandas e as
ça, representa um grande avanço. A possibilidade necessidades dos sujeitos e comunidades, bem
de esclarecimento e compreensão das similaridades como de equacionar os recursos teórico-práticos
e divergências entre esses dois modelos orienta os e metodológicos mais apropriados a cada sujeito,
profissionais na busca da construção de uma práxis a cada comunidade, a cada realidade.
fonoaudiológica afinada e comprometida com os Isso tudo evidencia a importância social e his-
desafios da coletividade e a construção de seu saber. tórica da afirmação da área de Fonoaudiologia em
O modelo preventivo obscurece e limita o pa- Saúde Pública/Coletiva que, melhor caracterizada,
pel do fonoaudiólogo, enquanto, no novo paradig- representa um eixo essencial na pesquisa e na for-
ma da Promoção da Saúde, esse profissional pode mação do futuro profissional e na configuração do
ocupar um lugar importante na medida em que a papel social do fonoaudiólogo na viabilização e
linguagem possa ser colocada a serviço do proces- aplicabilidade das diretrizes, políticas e propostas
so de empoderamento pessoal e comunitário. mundiais e nacionais de Promoção da Saúde.
A Promoção da Saúde, na perspectiva assumi-
da neste trabalho, não se constitui em uma parte da Referências
prevenção; pelo contrário, ela envolve ações abran-
ALGODOAL, M. J. A. O. (2002) As práticas de linguagem em
gentes que incluem, também, a prevenção, porém situação de trabalho de operadores de telemarketing ativo de
a transcende. Isso ocorre pois a Promoção da Saú- uma editora. Tese de doutorado. São Paulo, Pontifícia
de parte de pressupostos distintos daqueles do mo- Universidade Católica, LAEL.
ANDRADE, C. R. F. (1996). Fonoaudiologia Preventiva –
delo preventivo e envolve diferentes concepções
Teoria e vocabulário técnico-científico. São Paulo, Lovise.
de saúde, sujeito e educação. BERBERIAN, A. P. (1995). Fonoaudiologia e educação: um
Quando a perspectiva da Promoção da Saúde encontro histórico. São Paulo, Plexus.
é, aqui, destacada como possibilidade interessante BUSS, P. M. (2003). “Uma introdução ao conceito de Promoção
da Saúde”. In: CZERESNIA, D. e FREITAS, C. M. Promoção
para a orientação da práxis fonoaudiológica, isso da Saúde – conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro,
não significa subestimar a importância das práti- Fio Cruz, 2003. p. 15-38.

Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004 115


Regina Zanella Penteado, Emilse Aparecida Merlin Servilha
ARTIGOS

CAVALHEIRO, M. T. (1996). Formação do fonoaudiólogo no MINAYO, M. C. (2000). “Condiciones de vida, desigualdad y


Brasil: estrutura curricular e enfoque preventivo. Dissertação salud a partir del caso brasileño”. In: BRICEÑO-LEÓN, R.;
de mestrado. Campinas, PUC-CAMP, IP. MINAYO, M. C. S. e COIMBRA JR, C. E. A. (coords.). Salud
CHUN, R.Y.S. (2000). A Voz na interação verbal: como a y equidad: una mirada desde las ciencias sociales. Rio de
interação transforma a voz. Tese de doutorado. São Paulo, Janeiro, Fiocruz, pp. 55-84.
Pontifícia Universidade Católica, Lael. MINISTÉRIO DA SAÚDE. (2001) Promoção da saúde.
CERA da SILVA, R. (2002). A construção da prática Ministério da Saúde, Governo Federal, Brasília.
fonoaudiológica no nível local norteada pela promoção da PAIM, J. S. (1994). Recursos Humanos em saúde no Brasil. As
saúde no município de Piracicaba. Dissertação de mestrado. Saúdes. Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo.
São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde PANHOCA, I. (2002). “O grupo terapêutico-fonoaudiológico
Pública. e a sua articulação com a perspectiva histórico-cultural”. In:
CERA da SILVA, R. C.; FEDOSSE, E.; PEROTINO, S. e LACERDA, C. B. F. e PANHOCA, I. “Tempo de Fonoaudio-
PENTEADO, R.Z. (2000). Oficinas em Fonoaudiologia – logia III”. Taubaté, Cabral, pp. 15-24.
processo de intervenção e transformação em espaços coletivos. PENTEADO, R. Z. (2000). A linguagem no grupo
III CONFERÊNCIA DE PESQUISA SÓCIO-CULTURAL – UNICAMP, fonoaudiológico: potencial latente para a promoção da saúde?
USP E PUC-SP. Anais, 226 p. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo,
CRFa. Elaborado documento sobre inserção da Fonoaudiologia Faculdade de Saúde Pública.
no Programa de Saúde da Família. Revista do Conselho Regional PENTEADO, R. Z. (2002). “Fonoaudiologia e Escolas
de Fonoaudiologia, 2 ª Região-SP, n. 45. São Paulo, 2002. Promotoras de saúde”. In: LACERDA, C. B. F. e PANHOCA,
p. 8-9. I. Tempo de Fonoaudiologia III. Taubaté, Cabral, pp. 175-199.
CRFa. Comitê de Saúde Pública é criado em Guarapari. Revista
PENTEADO, R. Z. (2003). Folders das campanhas nacionais
do Conselho Regional de Fonoaudiologia, 2 ª Região-SP,
da voz – análise dos aspectos de apresentação, conteúdo e
n. 42. São Paulo, 2001. p. 11.
linguagem. Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 14, n. 2,
CZERESNIA, D. (1999). The concept of health and the
pp. 319-49.
difference between promotion and prevention. Cadernos de
PREFEITURA DE SÃO PAULO – Escolas Saudáveis:
Saúde Pública, v. 15 , n. 4, pp. 701-710.
programa intersecretarial de educação, saúde e meio ambiente.
CZERESNIA, D. (2003). “O conceito de saúde e a diferença
Mimeo. São Paulo, 2000.
entre prevenção e promoção. In: CZERESNIA, D. e FREITAS,
C. M. Promoção da Saúde conceitos, reflexões, tendências. Rio RESTREPO, H. E. (2001). “Agenda para la acción en
de Janeiro, Fio Cruz, pp. 39-53. promoción de la salud”. In: RESTREPO, H. E. e MÁLAGA,
FERREIRA, J. R. e BUSS, P. M. (2001). “Atenção primária e H. Promoción de la Salud: cómo construir vida saludable.
promoção da saúde”. In: MINISTÉRIO DA SAÚDE “Promoção Bogotá, Panamericana, pp. 34-55.
da Saúde”. Brasília, pp. 7-14. ROCHA, D. G. (2001). O movimento da promoção da saúde
FONTES, O. L. (1999). Educação biomédica em transição na década de 1990: um estudo do seu desenvolvimento e difusão
conceitual. Piracicaba, Unimep. na saúde pública brasileira. Tese de doutorado. São Paulo,
GARCIA, R. A. S. (2000). Operadores de telemarketing: os Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública.
múltiplos sentidos da voz. Dissertação de mestrado. São Paulo, SERVILHA, E. A. M. (2000). A Voz do Professor: indicador
Pontifícia Universidade Católica. para compreensão da dialogia no processo ensino-
GOBBI, F. A. (2000). A construção do objeto voz na produção aprendizagem. Tese de doutorado. Campinas, Pontifícia
acadêmica da PUC-SP: considerações sobre uma nova agenda Universidade Católica de Campinas.
de teorização e pesquisa. Monografia de Conclusão de Curso. SEVERINO, A. J. (1996). Metodologia do trabalho científico.
São Paulo, Pontifícia Universidade Católica, Faculdade de São Paulo, Cortez.
Fonoaudiologia. SMEKE, E. L. M. e OLIVEIRA, N. L. S. (2001). “Educação
GOMES, I. C. D. (1991). Relações de troca ou relações de em saúde e concepções de sujeito”. In: VASCONCELOS, E.
poder? Supervisão em Fonoaudiologia. São Paulo, Summus. M. A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da rede
GUARESCHI, P. e JOVCHELOVITCH, S. (orgs.) (2000). educação popular e saúde. São Paulo, Hucitec.
Textos em representações sociais. 6 ed. Petrópolis, Vozes. SOTO, R. O. (1997). “Promoción de salud”. In: SOTO, R. O.;
L’ABBATE, S. (1994). Educação em saúde: uma nova ROJAS, I. C. e SELVA, M. C. “Promoción de Salud
abordagem. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 10, compilaciones”. Centro Nacional de Promoción y Educación
n. 4, pp. 481-490. para la Salud. Cuba, pp. 11-21.
LACERDA, C. B. F; PANHOCA, I e CHUN, R. Y. S. (1998). TEIXEIRA, C. (2001). O futuro da prevenção. Salvador, Ed.
“Formação em Fonoaudiologia: a construção de um caminhar”. Casa da Qualidade.
In: LACERDA, C. B. F. e PANHOCA, I. Tempo de WESTPHAL, M. F. (1998). Recursos educativos e métodos de
Fonoaudiologia II. Taubaté, Cabral. avaliação em promoção de saúde. São Paulo, Universidade de
LEAVELL, H. R. e CLARK, E. G. (1976). Medicina preventiva. São Paulo, Faculdade de Saúde Pública (mimeo).
São Paulo, McGraw-Hill.
LEWIS, D. R. (1996). A prática do fonoaudiólogo em serviços Recebido em maio/03; aprovado em março/04.
de atenção primária à saúde em São Paulo: um estudo de
representações sociais. Tese de doutorado. São Paulo, Endereço para correspondência:
Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública. Regina Zanella Penteado
MASSON, M. L. V. (1995). É melhor prevenir ou remediar? Avenida 41, n. 209, ap. 62 – Ed. Thétis – C.J., Rio Claro (SP)
Um estudo sobre a construção do conceito de prevenção em CEP: 13501-190
Fonoaudiologia. Dissertação de mestrado. São Paulo, Pontifícia
Universidade Católica. E-mail: reginazp@linkway.com.br

116 Distúrbios da Comunicação, São Paulo, 16(1): 107-116, abril, 2004

Você também pode gostar