Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Noção de Pessoa 1
Mareio Go ldnian 2
Mu seu Na ciona l - UFRJ
RES UMO : A "noção de pessoa" é certam ente un1a das catego rias n1ais re-
correntes no corpo co nceitua] da antropologia soc ial e cult ural. Isso é tão
verdadeiro que cos tu1nan1os esquece r a grande qu antidade de proble1nas
que a noção transporta, be1n co1no o fato de que seu sentido preciso pare-
ce variar n1uito de autor para autor. Part indo do texto clássico de Ma uss a
respeito do te1na, este artigo pretende, por n1cio de un1 rápido histórico da
questão . 1napcar alguns desses prohlcn1as e exp licitar algun1as dessas mnbi-
güidadcs. Fin altne nle, novos can1inhos são propostos visando a recupera-
ção do pote ncial criativo que a "pesso a'' se1npre rep:·escntou na reflexão
antropológ ica, funcionando con10 rnc io para a elaboração de perspectivas
alternativas ace rca da diversidade soc ial e cultural.
- 84 -
R EVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃOP AU L O, USP, 1996, v. 39 nº l .
***
,,
E pratican1ente unanimidade entre os antropólogo s situar o início do
debate sobre a noção de pe ssoa e1n urn texto un1 pouco enign1ático de
Marcel Maus s, escrito e1n 1938. U,na ca tegoria do espírito l11u11ano: a
noção de p essoa, aqu ela ele Eu, pretende testar e aplicar a hip ótese
durkhein1iana de uma história social das categorias do espírito hun1ano no
nível das concepções acerca da própria individual idade. Trata -se de 111os-
- 85 -
M ARC TO G OLD MJ\N. UM A C AT EGOR IA DO P ENSA MENT O AN T ROPOL ÓG ICO
- 86 -
R EV ISTA DE ANTROPOLOGIA , S ÃO P AU L O, US P , l 996 , v. 39 nº 1.
***
- 87 -
M ARCIO GOLDM AN. ÜMA CATEGO RIA DO P ENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
- 88 -
R EV ISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO P AULO , US P , 1996 , v. 39 nº l.
- 89 -
MARCIO GOLDMAN. UMA CATEGORIA DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
A pessoa, com efe ito, não é u1n estado simples e uno, um fato primitivo,
u1n dado iinediato : ela é mediata, constr uída , complexa. Não é uma catego-
ria iinutável, e terna ao home 1n: é uma função que se elabo rou diferente-
mente através da hi stória e que continua a se elaborar sob nossos olhos
[Meyerson, 1973:8].
***
- 90 -
R EV ISTA DE A NTR OPOLOG IA, S ÃO P AULO, USP, 1996, v . 39 nº 1.
- 91 -
M ARCIO Ü OLOM/\N . UM A CAT EGOR IA DO P ENSAMENTO A NTRO POLÓG ICO
- 92 -
R EVISTA DE A NTROPOLOG IA , S ÃO P AULO , US P , 1996 , v. 39 nº J.
- 93 -
M ARC10 G OLDMAN . UMA C ATEGORIA DO PENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
O proble1na é que "nunca fica tão claro ( ... ) o que não é ideológico"
(Duarte, 1986:49), o que faz com que o conceito rnarxista de ideologia
seja, na verdade, submetido a uma simples operação de inversão, não de
questionamento e superação. Em vez de concebê-lo como um véu ocul-
tando urna realidade mais profunda e verdadeira, Dumont parece supor
que a ideologia é detenninante e que o real não passaria de 1nero resíduo
/
- 94 -
R EV ISTA DE ANTROPOLOGIA , SÃO P AULO , US P , 1996 , v . 39 nº l.
***
- 95 -
MAR CIO GOLDMAN. UMA CATEGORIA DO P ENSAMENTO ANTROPOLÓGI CO
- 96 -
R i::v 1ST/\ DE AN TROPO LOG IA, SAo P/\ ULO, USP, 1996, v. 39 nº 1.
- 97 -
MAR CIO GOLDM AN. UMA CATEGOR IA DO P ENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
- 98 -
REVISTA DE ANTROPOLOGIA , SAo PAULO , USP , l 996 , v. 39 nº l .
do que isso, é in1portanteobservar que, para além dos rótulos sempre dis-
cutíveis, essas variantesparecen1constituir verdadeiras"estruturét~elemen-
tares" do pensan1entoantropoJógico,manifestando-se a respeito dos mais
variados temas e1npíricos. A questão que se coloca é se devemos perma-
necer nessas estruturas, contentando-nos em operar algu1nashricolage.i., ·,
ou se seria possível e desejável buscar alternativas a elas.
***
- 99 -
MAR CIO GOLDMAN. UMA CATEGOR IA DO P ENSAM ENTO ANTROPOLÓGICO
- 100 -
REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO P AULO, USP, 1996, v. 39 nº 1.
- lol -
M ARCIO ÜOLDMAN. UMA CAT EGORIA DO P ENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
- 102 -
R EV ISTA DE ANTROPOLOGIA, SÃO PAULO, USP, 1996, v. 39 nº 1.
- 103 -
M ,\RCIO GOT.DMAN . UMA CATEGO RIA DO P ENSAM ENTO A NTROPOLÓG ICO
'
As teorias que busca1ncaptar a substância de ideologia s englobant es,
:-;eriaptl~cisoopor, conseqüentemente , uma analítica dos processos ima-
nentes às práticas múltipla s. Esta é, sabe-se, u1na posição avançada por
tv1.ichel Foucau ]t ( 1984a), ao dedicar-se, j á no final da vida, ao estudo do
que de11on1 inou "fo rn1asde subjetivação", e que, grosso modo , podería -
n1os tan1bé1ncha n1ar de "noção de pessoa". Este estudo represe nta, na
verdade, u ina conseqüência mais ou menos necessária de suas pesquisas
anteriores,
,,
das quais, infeliz1nente, terminou por ser a conclusão precoc e.
E bastante conhecido o fato de que essas pesquisas se desenvolveram na
direção da análise das configurações políticas que objetivaram certas for-
n1as de subjetividade ao longo da história recente da sociedade ocidental.
·'Sujeitos" que se 1nanifestaram em diferentes esferas , dos saberes - "su-
jeitos do conhecin1ento" - às mais variadas práticas sociais -, loucura, de-
1inqüência , sexualid ade ... . O proble1na é que as primeiras descriçõe s e
análises de Foucault costumavam ser tão cerradas, que provocavam a falsa
impressão de não haver saída do campo 1napeado, a não ser através de
un1a espécie de grande recusa que pretenderia reiniciar tudo do zero. Isso
produziu o duplo e la1nentávelefeito de fazer com que alguns simplesmen-
te deixasse 1n de dar atenção a tudo o que provém , por exemp lo, da an-
tropologia, e que outros recusasse1n, de forma igualmente global , ostra-
balhos de Foucault, en1 nome da preservação dessa mesma antropologia .
A própria idéia de uma produção de sujeitos sempre pareceu esbarrar no
perigo do mecanicismo, ao sugerir que esses sujeitos seriam simples efei-
tos passivos do funcionamento de mecanis1nos situados sobre outros pla-
nos, cuja natureza jama is temos certeza de conhecer. Os trabalho s sobre
as f onn ac.;de S'llbjetivaçãopretendemjusta1nenteafa<;tar esse fantas1na1necani-
c1sta. Em lugar de supor que a interioridade seja u1npuro reflexo de algo su-
po~tamente exteiior, foi preciso adrnitirque ela constitui um espaço de elabo-
ração de forças extrínsecas, projetando -se, ao mes1noten1po,para fora.
c:reio que essa pos ição abra um eno nnc ca 1npo para investigaçõe s
empírica~ de grande irnportância e c1nrelação às quais a antropologia não
- J 04 -
R EVISTA DE ANTROPOLOGIA , SÃO P AULO, USP, 1996, v. 39 nº 1.
- 105 -
~1 \RC 10 (iOLDMAN. lf MA CA 'I E(iOR IJ\ l>O P EN~AMf·.NTO A NT ROPOI f)Cf( '()
Notas
Uma prin1cira versão deste texto foi apr esentada ao ~en11nário ..A Religião
e a Que stão do Sujeito no Ocidente ", organizado pelo Centro João XXIII de
,\ ção Social cm Engenheiro Paulo de Frontin , RJ , outuhr o de 1993.
')
Professor -adjunto. Pr og rama de Pó s-Graduação em Antropologia Socia l.
BA.STIDE. R.
l 97l A s religiões africanas no Brasil. São Paul o. Pi oneira.
r~A.RTR Y. YL
:":J71 Intr()duct io n'', in La notion de persvnne en Afrique noire , Paris, CNR ,
pp. 15-31.
- J 06 -
R EVISTA DE ANTROPOLOGIA , SÃOPAULO,USP, 1996, v . 39 nº 1.
DIETERL EN, G.
1973 "Allocutíon d ' Ouverture ", in La notion de personne en Afrique noire , Pa-
ris, CNRS , pp. 9-13.
DUARTE , L.F.D.
1986 Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas, Ri o de Janeiro, Jor-
ge Zahar/CNP q.
DUMONT , L.
1979 Honio H ierarchicus, Paris, Gallimard , Éd. Te l.
FORTES, M.
1973 " On the concc pt of the person ainong th e Ta 11ensi ", in La notion de
p ersonn e en Afrique noire , Pa ris, CNRS , pp. 283-3 19.
FOUCAULT , M.
1973 Surveiller et punir, Pari s, Ga llimard .
1984a Histoir e de la sexualité 2 - L ' Usage d es plaisirs, Pari s, Gallimard.
1984b Histoir e de la sexualité 3 - Le souci de soi, Paris , Galli1nard.
KUPER , A.
1988 The invention of prinzitive society - Transforn zations of an illusion,
L ond on, Routl edge .
LAFONTAINE , J.S.
1985 "Perso n and indiv idual: so1ne anthropologi cal rcflections" , in
CA RRITHERS , M . (org.) The Catego,y of the P e rso n - Anthropology ,
Phil osophy, flistory , Camb rid ge, Ca1nbridge Univcrsity Pr ess, pp . 123-40.
LEENHARDT , M.
1947 l)o Kcuno - la P ersonn e et /e Myt lze dans le 1no11deM élanes ien, Paris,
Gal lin1ard.
LÉVI-STRAUSS, C. (org.).
l 977 L 'ld entit é, Par is, Bernard Gras sc l.
- l 07 -
MARCIO GOLDMAN. ÜMA CATEGORIA 00 P ENSAMENTO ANTROPOLÓGICO
LÉVY-BRUHL,L.
1927 L 'Â1neprinútive, Paris , Félix Alcan.
LUKES, S.
1985 "Conclus ion", in CA RRITH ERS, M. (org.), The catego ry of th e person -
Anthropology, philosoph y, history, Camb rid ge, Cambridge University
Press, pp. 282-303.
MAUSS,M.L.,
1929 "Le nom et la personne", Bull etin de la Société Française de P hi Loso-
phie, Paris, XXIX (2): 124-127.
1950 Sociologie et anthropologie, Paris, PUF , 1950.
MEYERSON, I.
1973 "Préface", in MEYERSON , I.(org.), Pr obLemes de La p erso nn e, Paris ,
Mouton, pp. 7-1 O.
VERNANT , J.
L973 "Aspects de la personne dans la religion grecque", in MEY ERSON , I. (org.),
Probl e,nes de LaPersonne, Paris , Mouton, pp. 23-37.
1987 "L'individu dans lacité", in VEYNE , P., Sur L'individu , Paris, Seuil, pp. 20-37.
VEYNE,P.
1978 Coninient on éc rit L'Hi sto ire, Pari s, Seuil.
1987 "L ' indi vidu atteint au coe ur par Ja pui ssa nce publiq ue" in VEYNE , P. Sur
L'lndividu, Paris, Seuil, pp. 7-19.
- 108 -
R EV IST/\ DE AN TROPOLOGI/\ , S Ao P /\ULO , USP , 1996, v . 39 nº 1.
KEY WORDS: pcrso nh oo d , '' no tio n de perso nn c" , indi v idu a lis1n , hi story
o f anthropology.
- 109 -