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Nº 5 2º semestre 1998
ISSN 1414-7378
Antropolítica Niterói n. 5 p. 1-106 2. sem. 1998
Catalogação-na-fonte
ARTIGOS
JORNALISTAS: DE ROMÂNTICOS A PROFISSIONAIS .......................................7
Alzira Alves de Abreu
JORNALISTAS: DE ROMÂNTICOS
A PROFISSIONAIS*
ALZIRA ALVES DE ABREU* *
I NTRODUÇÃO
Os jornalistas brasileiros sofreram, ao essas posições até os anos 70. Indicar
longo das últimas décadas, uma algumas dessas alterações é o objeti-
reestruturação nas suas estratégias e vo deste texto.
posições, decorrentes das mudanças
políticas, econômicas e tecnológicas Ao trabalharmos com o discurso dos
que ocorreram na sociedade, e que jornalistas 1 sobre o processo de mu-
tiveram repercussões no sistema cul- danças ocorrido nas últimas décadas
tural. Conseqüentemente, mudou o na imprensa e no jornalismo brasi-
perfil dos jornalistas, se compararmos leiro, um tema nos apareceu com fre-
os que ocupam hoje as posições es- qüência: o jornalista é visto hoje como
tratégicas e de maior prestígio na profissional e pragmático, por oposi-
mídia com aqueles que ocupavam
* Este trabalho é parte do projeto “Brasil em transição: um balanço do final do século XX”, apoiado pelo
Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (PRONEX). O projeto tem o CPDOC da Fundação Getúlio
Vargas como instituição-sede e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política da UFF
como instituição participante. Parte deste trabalho foi apresentado no Xth International Oral History
Conference. Rio de Janeiro, 14-18 de junho de 1998.
N
que, no momento da mudança polí-
OTAS
tica e tecnológica, as gerações mais
velhas, detentoras até então do mo-
nopólio das decisões e dos postos mais
elevados da hierarquia, perderam
essa posição para a geração mais jovem que estava até então excluída das
1 Na elaboração deste texto nos apoiamos nas entrevistas que realizamos com 42 jornalistas, em informações
posições de direção. Uma das explicações para essa substituição pode ser
e dados obtidos em jornais e nas revistas Imprensa e Veja.
encontrada nas oportunidades de acesso a uma formação escolar mais espe-
2cializada e na nas
Dados levantados capacidade
redações dosde acompanhar
jornais: O Globo, Jornalcom maior
do Brasil, O Dia,rapidez
Folha de S. as transforma-
Paulo, O Estado de S.
ções
Pauloque se operavam
e revista Veja. na estrutura tecnológica por parte dos jornalistas mais
jovens. O conflito de gerações deve ser explicado por referência à estrutura
específica das empresas jornalísticas. Quando se deu a transição do regime
autoritário para o regime democrático, ocorria também a abertura de canais
ascendentes de mobilidade social e a abertura de oportunidades de trabalho
em novos veículos de informação, em especial com a implantação e a expan-
são dos canais de televisão.
ABSTRACT
This article analyses how the technical, political and economic
changes that Brazil underwnt in the last decades introduced
new requirements for the formation and work performance of
Brazilian journalists. The introduction of marketing concerns
in the journalistic enterprises is an example of these
transformations and of the changes in the vision of of the midia
professionals.
Keywords: journalists, transition, democracy, professionalization
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Apesar do atraso de sua publicação, o cen- como David Martin (1990) em seu livro
so geral do Brasil de 1991 trouxe infor- Tongues of Fire e David Stoll (1990) em Is
mações novas sobre as religiões nesse país. Latin American Turning Protestant? estavam
Ratificando a tendência para o crescimen- prevendo. Em 1991, o censo aponta que
to intenso da proporção da população que 8,98 % da população brasileira se dizem
se identifica como “cristã reformada” ou protestante, enquanto Martin e Stoll suge-
protestante, os seus dados revelam, con- riam que fossem 20%. Por outro lado, o
tudo, que naquele ano este percentual não censo traz uma nova e importante infor-
era tão grande quanto alguns autores, mação: um crescimento significativo do
Eu e minha mãe sempre fomos à Igreja Acredito [no espiritismo], ... não como
Católica e ao Centro [Espírita] ao coisa de Deus...(mas) como sendo coisa
mesmo tempo [...]. Meus pais faziam de Satanás. Em Deuteronôminos estão
“Encontro de Casal” mas continuavam contidas as coisas que o Senhor
fazendo consultas em Centros abomina, o Espiritismo está presente.
[espíritas]. (...) minha mãe chegou ao
ponto de pensar em ir na [Igreja]
Tal como fazem os protestantes, Marina
Universal... acho até que foi (...)
Ninguém dava um passo sem.. consultar cita a Bíblia para sustentar seu argumen-
Pai Benedito (...) tudo o quê dava errado to. Embora a ênfase do MRCC e do
era culpa de alguém que tinha feito pentecostalismo na escritura como fonte
macumba para mim (...) de verdade e de toda argumentação sugi-
ra a desinstitucionalização religiosa na
Agora Elaine rejeita o espiritismo, mas ao medida em que permite aos indivíduos o
afirmar que “ainda hoje quando passo acesso às palavras divinas sem a mediação
perto de macumba peço licença”, demons- institucional,. podemos observar que esta
tra que esta rejeição não implica descren- desinstitucionalização é relativa. A Bíblia,
ça. É importante lembrar que o temor que ou qualquer livro religioso que é tido como
assume ter em relação ao espiritismo e à única fonte de verdade, pode ser conside-
macumba não significa que duvide de sua rada como uma instituição em seu concei-
fé atual ou que não está totalmente con- to ideal. Como tal, conseqüentemente
vertida aos novos princípios que adquiriu gerará sempre uma instituição social, na
no MRCC. Tal como ocorre entre os medida em que cria fronteiras que sepa-
pentecostais, os carismáticos católicos não ram os que realmente a seguem dos que
negam o poder das macumbas ou outras não a aceitam ou somente a aceitam como
práticas não-cristãs. Esta não-negação fica uma entre outras fontes de verdade. Por
clara quando a entrevistada explica que lá isso podemos dizer que a adoção da Bíblia
na Carismática dizem que é só pensar com como fonte prioritária de verdade é, em
A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO RELIGIOSA:
“BRICOLAGE RELIGIOSA” E “SINCRETISMOS”
Iniciamos nosso artigo chamando atenção dade religiosa. Confrontados com uma
para o fato de que, apesar do fortalecimen- intensificação das trocas entre valores cul-
to de instituições religiosas com caráter turais e com uma convivência quotidiana
neotradicional, aqui também ocorre o pro- com os mais diversos universos valorativos
cesso de desinstitucionalização da identi- e ainda com a hiperindividualização cres-
O acompanhamento estatístico das mu- Para Colin Campbell (1997), essas trans-
danças no campo religioso brasileiro mos- formações na religiosidade ocidental refle-
tra-se bastante revelador do que estamos tem um processo de orientalização do Oci-
falando. Em uma década, não só os católi- dente. Seguindo a argumentação de
cos perdem fiéis, como crescem os evan- Campbel, há uma expansão da visão
gélicos e, de forma bastante acentuada, monista da religiosidade oriental que se
aqueles que se dizem “sem religião”. Como contrapõe ao dualismo entre o bem e o
já salientamos anteriormente, é importan- mal da religiosidade ocidental. Por não
te que se tenha bem claro que aqueles que conceber o mal e o bem como totalmente
se enquadram nesta classificação, não po- excludentes, o monismo permitiria essa
dem e não devem ser confundidos com hibridização de crenças e rejeitaria a ne-
ateus ou descrentes da existência de Deus. cessidade de uma exclusividade religiosa
Pesquisa estatística realizada na Grande e a acusação a outras como demoníacas.
Belo Horizonte e com amostragem, por-
tanto, bastante inferior, sugere, entretan- Enquanto esta hibridização ou
to, a complexidade do fenômeno, demons- “orientalização” é o fenômeno religioso
trando que é significativo o índice dos que marcante neste fim de milênio nos países
acreditam em Deus – 98,4% – mais ricos, e nas camadas mais instruídas
(ANTONIAZZI, 1991, p. 10). Esta ponde- dos países mais pobres, nas camadas po-
ração remete-nos para um conjunto de pulares dos países do chamado Terceiro
características do campo religioso contem- Mundo, como o Brasil, a contraface desse
porâneo que pode ser sistematizado em processo é o crescimento de grupos religi-
função do enfraquecimento da religiosi- osos que defendem ortodoxia e desenca-
dade institucionalizada e do fortalecimento deiam “guerras espirituais” contra outras
da subjetivização dos sistemas de crenças religiões e especialmente contra o
e das experiências religiosas de caráter descomprometimento com a fé, a
emocional. Denominado “liberalização superindividualização e as “bricolages reli-
religiosa” por Enzo Pace (1997, p.34), este giosas”.
processo de afastamento dos crentes das
religiões institucionais e de enfraqueci- Como a prática religiosa sincrética tem es-
mento da identidade religiosa não deve ser tado presente em diferentes graus nas di-
interpretado, segundo Pace, como uma versas camadas sociais brasileiras já há
CONSIDERAÇÕES FINAIS
NOTAS
1 No entanto, é necessário pesquisar ainda mais o 5 Prandi (1996, p. 13-14) afirma; “a maioria dos
tema. Em pesquisas qualitativas, já escutamos católicos tradicionais mantém a religião apenas
pentecostais da Igreja Universal se dizerem “sem como identidade social, indo à igreja somente para
religião”. Quando questionamos sua resposta, já os ritos de passagem”. Lembra que os católicos que
que eram notadamente crentes, esses explicaram assim se comportam representam 61% do total do
que “ter religião” era ter fé em “santos”, “pro- brasileiros adultos.
messas”, “espíritos”, e que eles não tinham reli-
6 Algumas igrejas protestantes históricas também
gião, mas eram cristãos.
demonstraram essa preocupação, embora suas
2 Em nossa pesquisa de campo, observamos, como ações não tenham adquirido a mesma visibilidade
vamos nos referir mais adiante, que há algumas dos outros grupos assinalados.
vozes discordantes, mas essas são minoritárias.
7 Esta igreja chega ao cuidado de ter um coordena-
Alguns entrevistados se referem ao espiritismo
dor de política – bispo Alberto Rodrigues – que se
como outro caminho válido ou aceitam pressu-
reúne com os deputados estaduais e federais para
postos do espiritismo sem confrontá-los com os
acompanhar os projetos políticos em andamento
princípios católicos. Um exemplo dessa segunda
nas câmaras parlamentares que interessam à co-
visão é uma babá de 32 anos (segundo grau com-
munidade (Folha Universal, 9 a 15 nov. de 1997).
pleto, branca, camada popular) que participa da
oração carismática e diz acreditar em reencarna- 8 “É no Rio de Janeiro que vamos encontrar a po-
ção. Outro exemplo foi uma psicóloga com cerca pulação mais laicizada, a mais pluralista em ter-
de 46 anos, também carismática, que disse res- mos religiosos, a menos católica de todo país”
peitar a opção espírita como tão válida quanto a (PIERUCCI, PRANDI, 1996, p. 22).
dela pelo MRCC.
9 Há, contudo, exceções a esta tendência, como foi
3 Todos os nossos entrevistados estão com nomes o caso do movimento de Canudos.
fictícios.
10 Criada em 1911, no norte do Pará, uma das regi-
4 Segundo Kepel (1992), são as religiões que possu- ões mais pobres do Brasil, essa denominação foi
em um livro santo as que têm mais propensão apontada pelos estudiosos como fundamentalista
para se tornarem fundamentalistas. Embora nos- pela sua rigidez doutrinaria, seu afastamento da
so conceito de institucionalização não se identifi- cultura e mundo social brasileiros e pela leitura
que nem se reduza ao fundamentalismo, esse literal da Bíblia.
último parece levar a um projeto de uma
institucionalização em alto grau.
ABSTRACT
The ongoing process of transformation of religion in Brazil is
marked by two apparently contradictory tendencies. Whereas, on
the one hand, there is an institutional pluralism with a multiplication
of evangelical churches, there is a concomitant religious
deinstitutionalization: one section of the population is abandoning
its institutional religious identity to live a religiosity detached from
all institutions. To understand these phenomena better, in his article,
the authors analyse, on the one hand the discourses of Pentecostals
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PESQUISA ANTROPOLÓGICA E
COMUNICAÇÃO INTERCULTURAL: NOVAS
DISCUSSÕES SOBRE ANTIGOS PROBLEMAS*
JOSÉ SÁVIO LEOPOLDI **
INTRODUÇÃO
A propalada crise da Antropologia que radical de pressupostos, como acontece
empolgou os meios acadêmicos nas últi- com a substituição de paradigmas em de-
mas décadas parece ter sido dimensionada terminado campo científico. Aliás, um dos
com certo exagero. Na verdade, o que tal- focos centrais da alegada crise – o qual,
vez esteja ainda ocorrendo pode não pas- associando a Antropologia a seu objeto de
sar de uma turbulência, mesmo que um estudo tradicional, ou seja, as chamadas
tanto vigorosa, no interior da disciplina – “sociedades primitivas”, colocava a ques-
para não usar a expressão “revolução”, tão da permanência da disciplina em face
que após Thomas Kunh (1962) parece do desaparecimento daquelas sociedades
necessariamente implicar uma mudança – pode ser considerado, na realidade, um
*
Este trabalho é dedicado ao prof. Roberto Cardoso de Oliveira (atualmente prof. do CEPPAC/UnB) que
teve oportunidade de fazer uma leitura crítica e oferecer sugestivas observações sobre o seu conteúdo.
Cabe enfatizar, porém, que a responsabilidade pelo resultado do trabalho é inteiramente do autor.
**
Professor do Departamento de Antropologia da UFF.
POLÍTICA E ANTROPOLOGIA
Começamos, então, por abordar este últi- farão considerações de natureza mais pro-
mo ponto, isto é, o contexto político-ideo- priamente antropológica. Como o aspec-
lógico em que as referidas questões têm to político tende a influenciar a discussão
sido colocadas e que constituirá o pano de daquelas questões, seguramente elas serão
fundo sobre o qual, subseqüentemente, se mais bem compreendidas quando coloca-
A TRADUÇÃO CULTURAL
Mas o encontro entre pesquisador e rentes significados em que ela pode encai-
interlocutor traz uma outra dificuldade, xar-se na sua própria cultura, que é o des-
agora no nível da linguagem. É que por tino daquela tradução.
mais próximos que estejam os seus respec-
tivos horizontes, como não se podem real- Aliás, mesmo numa única cultura a comu-
mente fundir, haverá sempre uma distân- nicação lingüística entre os diferentes
cia a ser percorrida para que se possa es- agentes sociais é sempre imperfeita já que
tabelecer um diálogo efetivo entre eles. cada um deles tende a atribuir um signifi-
Línguas diferentes remetem a universos cado, digamos, particular (ainda que se-
culturais e simbólicos também diferentes, melhante ao dos outros, daí a possibilida-
de modo que, como acontece com qualquer de de comunicação intra-cultural) aos con-
tipo de tradução, a chamada “tradução an- ceitos daquela cultura.8 Locke, já no seu
tropológica” – isto é, a compreensão de um Ensaio acerca do entendimento, ao discorrer
fenômeno de uma cultura e sua tradução sobre o significado das palavras afirmou
para outra, geralmente a do próprio an- que:
tropólogo – não deixa de conviver com
ruídos, vale dizer, imperfeições inerentes ao elas freqüentemente deixam de
próprio processo de tradução. Isto quer estimular em outros (mesmo se usam a
dizer que a tradução nunca é perfeita e, mesma língua) as mesmas idéias que
nesse caso, o antropólogo precisa saber que nós as consideramos como seus sinais;
tem que conviver com uma tal dificuldade e todo homem tem liberdade tão
inviolável para formar palavras para
e estar aberto para uma “negociação” com
significar idéias ao seu agrado como
o interlocutor, no sentido de apreender o ninguém tem o poder para obrigar
melhor significado de uma dada catego- outros a ter as mesmas idéias em suas
ria nativa tendo em vista os possíveis dife- mentes quando, como ele, usam as
Mas as dificuldades não param por aí. A pológica através de um diálogo entre
questão que envolve o aspecto consciente/ iguais como querem os hermeneutas. Afi-
inconsciente do discurso do nativo talvez nal, a Antropologia, notadamente a An-
constitua um obstáculo ainda maior na ten- tropologia estrutural, pela sua vertente
tativa de encurtar a distância entre pes- simbólica, trabalha com interpretação, seja
quisador e interlocutor na pesquisa antro- de rituais, de comportamentos sociais, de
NOTAS
1 A contribuição que a hermenêutica trouxe aos 6 Cf. nota 3 acima.
paradigmas tradicionais da Antropologia é refe-
rida por Cardoso de Oliveira em Antropologia e a 7 Não se está negando aqui a possibilidade – mes-
crise dos modelos explicativos (CARDOSO DE OLI- mo a necessidade – de que haja alguma
VEIRA, 1995). superposição dos “horizontes” do antropólogo e
do nativo/informante. Afinal, para que haja um
2 Cf. ainda Varese: “La tarea antropológica no mínimo de comunicação é imprescindível a exis-
puede limitarse exclusivamente a la denuncia ex- tência de áreas comuns entre as respectivas lín-
catedra sino debe abordar tambiém el campo de la guas e culturas – e é isso que torna possível a “tra-
acción” (citado em ROJAS, 1969, p. 789). Tam- dução antropológica”. Mas, nesse caso, o uso da
bém Barbara e Alan Harber: “Un radical no puede expressão “fusão de horizontes” para caracteri-
poner su lealtad del lado de su profesión o de la zar o “diálogo” entre agentes de culturas muito
institución a la que pertenece. Nuestra lealtad está diferentes – como é o caso do pesquisador e do
con los camaradas políticos y con los propósitos nativo -, parece pouco adequado, a menos que
políticos por los cuales estamos trabajando” (CAR- ela seja explicitamente qualificada como “parci-
DOSO DE OLIVEIRA, 1995). al”. Sem essa referência, a expressão contamina
toda a idéia de interlocução com seu conteúdo
3 Segundo Geertz, “within anthropology it is hard
totalizador, sugerindo, então, uma superposição
to deny the fact that some individuals, whatever
virtualmente completa dos horizontes dos
you call them, set the terms of discourse in which
interlocutores, o que somente seria possível en-
others thereafter move – for a while anyway and
tre agentes pertencentes ao mesmo contexto
in their own manner” (GEERTZ, 1988, p. 19).
sociocultural e lingüístico (aliás, a rigor, nem mes-
4 Em From the door of his tent: the fieldworker and the mo neste caso; cf. p. 55 do presente trabalho).
inquisitor, Ronaldo Rosaldo mostra como a retóri-
8 Essa dificuldade de comunicação entre pares é bem
ca etnográfica é permeada por diferentes tipos
ilustrada por Deborah Tannen em Analysing
de autoridade que acabam fazendo dela um ins-
discourse: text and talk (1982), Conversational style:
trumento de caráter autoritário (ROSALDO,
analyzing talk among friends (1984) e That’s not what
1986).
I meant (1986). Cf. também GRICE, 1975,
5 Marcus e Fischer atentam para o fato de que “at GUMPERZ, 1982).
times, the dialogue metaphor has been taken too
9 “Os indivíduos em cada cultura codificam a expe-
simplistically, allowing some ethnographers to slip
riência em termos das categorias de seu próprio
into a confessional mode of writing, as if the
sistema lingüístico, captando a realidade apenas
external communicative exchange between a par-
como é apresentada em seu código”, afirma Daniel
ticular ethnographer and his subjects was the most
Goleman. “Cada cultura acentua e classifica as ex-
important goal of research, to the exclusion of a
periências diferentemente. O antropólogo reco-
balanced, full-bodied representation of
nhece que o estudo de um código diferente do
communication both within and across cultural
nosso próprio pode nos levar a conceitos e aspec-
boundaries” (MARCUS, FISCHER, 1986, p. 30).
tos de realidade a partir dos quais nossa própria
ABSTRACT
Hermeneutics has been stimulating the re-discussion of several
questions regarding the anthropological research. This article deals
with two of these questions: the anthropologist/informant relationship
and the “anthropological translation” – understanding traits of
another culture and “translating” them to the researcher’s language
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* Doutor em Ciências Políticas pelo Iuperj; Professor Adjunto do Departamento de Sociologia da UFF.
O POSTULADO DA ESPECIFICIDADE
DOS PROBLEMAS AMBIENTAIS
A condição mais elementar para a consti- ência”, como afirma Husserl (1986), a pos-
tuição de um “problema” é satisfeita, se- sibilidade de compreensão dos fenômenos.
gundo a perspectiva fenomenológica,
quando a interação de duas ou mais pes- Com efeito, tanto para cientistas quanto
soas suscita a reflexão e a ação delas no para leigos, a delimitação do problema ou
sentido da decodificação e classificação do objeto de estudo constitui o passo inici-
dessa situação empiricamente dada. A de- al, a partir do qual eles passam a produzir
finição de uma situação qualquer como seus modelos de explicação teórica sobre
“problemática” ou “normal” requer um o mundo. Essa característica comum do
sistema de categorização dos eventos, que conhecimento produzido socialmente, seja
se utiliza do acervo de conhecimentos com científico ou de senso comum, de definir a
o qual as pessoas organizam suas experi- especificidade do problema, ou seja, de
ências e passam a imputar significados diferenciá-lo de todos os demais, além de
para os objetos sensíveis do mundo natu- lhe conferir uma identidade no conjunto
ral. Embora sejam reconhecidos social- dos fatos quotidianos da vida social, tem
mente por reputações diferenciadas, o co- ainda um papel essencial: a distinção
nhecimento científico e o de senso comum cognitiva estimula a atribuição de
coincidem, segundo essa perspectiva, por facticidade aos fenômenos descritos. Defi-
rebaixarem ao “estreito marco da experi- nir um problema é, nessa perspectiva,
torná-lo familiar, compreensível no senti-
O PRESSUPOSTO DA ALTERABILIDADE
E A ATRIBUIÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Finalmente, uma última condição básica do, desconforto, ameaça ou perigo cons-
da constituição de um “problema públi- tatado. Quando se definem as condições
co”, no caso específico, de um “problema de alterabilidade do problema e, ato contí-
ambiental”, combina uma crença difusa nuo, se responsabiliza alguma das institui-
entre os indivíduos sobre sua alterabilidade, ções públicas ou o conjunto delas pelas vir-
e o julgamento moral que inspira a tuais alterações nesse problema, ele passa
responsabilização: “Quem deve fazer algu- a ser, de fato, um problema público. Este
ma coisa a respeito”. Só então, quando são é o passo mais elementar para que qual-
combinados os processos cognitivos que quer problema público, definido enquan-
identificam os problemas e as formas de to tal, passe a existir como um conceito
sua resolução, com as justificativas morais operativo e classificatório para as ações
acerca da sua importância, premência ou patrocinadas pelas instituições sociais. Al-
necessidade é que são criadas as políticas guns exemplos desse processo dinâmico
que permitem a alocação de recursos li- de definição do problema e de imputação
mitados, retirados de uma comunidade de de responsabilidades podem ser retirados
interesses conflituosos. do conjunto dos atos típicos das políticas
ambientais no Brasil. Um exame crítico
Na verdade, somente podemos isolar essa desses atos indica que diferentes concep-
variável interveniente da alterabilidade/ ções de natureza e meio ambiente gera-
responsabilização dos problemas públicos ram problemas e políticas diferenciadas e,
como um recurso analítico excepcional. A conseqüentemente, metodologias distintas
estrutura de definição de um problema para o seu tratamento. Problemas como o
público, além de atribuir uma identidade do saneamento básico e da poluição do ar,
para os fenômenos e situações analisados por exemplo, hoje considerados como
e de estabelecer uma origem comum para “problemas ambientais” típicos, já foram
eles, traz em seu bojo a noção de rever- tratados institucionalmente como proble-
sibilidade desses, ou seja, a possibilidade mas de saúde pública e trânsito de veícu-
de alteração dos problemas considerados. los, respectivamente.7 Igualmente, a estru-
Essa é a justificativa básica que permite o tura de importância atribuída às institui-
envolvimento de instituições públicas e a ções do conjunto das organizações estatais
conseqüente politização dos problemas funciona como referencial simbólico do
ambientais. maior ou menor relevo que um determi-
nado tema das políticas públicas adquire
A alterabilidade de um problema indica, para os grupos sociais mais organizados e
portanto, que a intervenção de alguém influentes. Os problemas ambientais, por
responsável poderá estancar, mitigar ou exemplo, antes de merecerem um lugar
até mesmo extinguir o motivo de incômo- hierárquico destacado no conjunto das
NOTAS
1 Crenson, Matthew A. The Un Politics of Air Pollution, samento e da ideologia ambientalistas, a origem
Baltimore and London, The John Hopkins Press, da manifestação política do movimento ecológico
1971. O número exato das mortes relacionadas é consensualmente reconhecida como tendo ocor-
ao fenômeno da inversão térmica em Londres, rido entre as décadas de 60 e 70. Ver a esse res-
em 1952, foi de quatro mil (p. 6) e, em Nova York, peito: Galtung, 1986. Hoffman, Johnson, et al.
em 1953, ocorreram aproximadamente 200 mor- Raymond, 1982. Buttel, F., 1985.
tes excedentes, possivelmente ligadas a este mes-
7 No governo de Juscelino Kubistchek, por exem-
mo fenômeno de poluição (p..2).
plo, o amplo programa divulgado pelo governo
2 Crenson, Matthew A. op. cit. “The local Bureau federal relativo ao saneamento, abastecimento de
of Air Pollution Control continued to do its work águas e controle dos resíduos sólidos, líquidos ou
in relative obscurity, with a small staff, small gasosos “para a melhoria das condições
budget, and under existing legislation” p. 2. ambientais”, fazia parte do Código Nacional de
Saúde e era responsabilidade do Ministério da
3 Crenson, Matthew A. op. cit. p. 2. Saúde. V. Decreto n. 49.874, de 11 de janeiro de
4 Entre a copiosa literatura relativa ao tema em 1961: Anexo 1. A poluição do ar, por sua vez, foi
pauta gostaria de destacar os trabalhos de Capra, tratada como um problema de trânsito de veícu-
1993, e de Schumacher, E. 1983, como dois dos los pelo governo Costa e Silva, conforme se vê pelo
que obtiveram maior repercussão na opinião pú- Decreto n. 62.127, de 16 de janeiro de 1968, que
blica. regulamenta o Código Nacional de Trânsito. V.
Anexo 1.
5 É necessário uma ressalva para a Física, como uma
disciplina científica que tem no próprio tempo um 8 O texto original é: “While coercion and
objeto de estudo e reflexão. Mesmo assim não intimidation help to check resistence in all political
deixa de ser notável o predomínio que ainda pre- systems, the key tactic must always be the
serva na academia e no vulgo a noção oitocentista evocation of meanings that legitimize favored
de tempo como elemento constante, consagrada courses of action and threaten or reassure people
pela teoria mecânica de Newton. so as to encourage them to be supportive or to
remain quiescent” (EDELMAN, 1985, p. 11).
6 Embora haja, como ressaltamos anteriormente,
um dissenso a respeito da origem histórica do pen- 9 Nos EUA, por exemplo, o conflito em torno das
matérias potencialmente controversas da legisla-
ABSTRACT
This paper tackles, in the light of fenomenological sociology,
the process of the constitution of the so called environmental problems
as objects of studies of cientists, state regulation, through public
policies, and of concern of the people in general. Basically, we are
discussing the cognitive process in the contemporary societies
responsible for the understanding of the “environment” and the
“environmental problems” as factual fenomenons, i. e., as objects
independent of the cognition and the intersubjectivity of the social
relations.
According to the fundamental argument of this article there are
three presumptions involved in the process of the constitution of the
“environmental public problems”: the presumption of the specificity,
of the origin, and of the alterability.
The acritical assumption of these three pressumptions is,
according to our point of view, in the origin of the process of
transformation of “environmental problems” into “public problems”,
i. e., into problems regulated by the public power and its institutions.
From this stand, we discuss the specific political language created
by the traditional political actors to deal with the process of
politicization of the environmental problematique.
Keywords: environment – public policies – cognition.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO
Este artigo examina a noção de obediên- Passaremos em revista alguns autores e
cia política contrastando as doutrinas cuja obras exponenciais de cada uma dessas
lógica tem por base argumentos racional- matrizes teóricas para demonstrar que a
dedutivistas, como Hobbes, entre outros, idéia de obediência legítima varia de acor-
com aquelas que se fundamentam na his- do com a concepção acerca das origens do
tória e na indução, por exemplo, Burke.
A RACIONALIDADE DA OBEDIÊNCIA
Enquanto existe uma ampla concordân- Ambos partem da idéia de contrato social
cia quanto à filiação teórica de Hobbes e como arranjo racional necessário e impres-
Locke ao contratualismo, quando se trata cindível à vida social organizada. Ambos
de Rousseau, outras possibilidades são concordam igualmente quanto à existên-
aventadas. Igualmente complexo é o cia dos direitos naturais do homem, quan-
“enquadramento” de Hume e Montes- to à natureza egoísta do indivíduo e quanto
quieu. Certamente ambos não atribuem à à idéia de progresso. Supunham ambos
tradição histórica o peso que lhe foi confe- que indivíduos egoístas mas racionais se-
rido por Vico e Herder, mas não há dúvi- riam capazes de formular conhecimento
da que marcam o conhecimento do políti- para contornar a escassez e minimizar o
co quando introduzem essa preocupação, conflito. Ou seja, partilhavam de uma pers-
assim como não há dúvida em relação à pectiva otimista em relação ao futuro das
centralidade do contrato no pensamento sociedades.2
de Rousseau.
Mas essas concordâncias não conseguem
O contratualismo tem em Hobbes um de esconder divergências de fundo entre eles.
seus maiores expoentes, embora as resul- Enquanto Hobbes partia daquelas premis-
tantes por ele formuladas acerca do con- sas para justificar teoricamente a necessi-
trato tenham sido continuadamente reba- dade do soberano absoluto, Locke, ao con-
tidas. Locke será um dos principais críti- trário, as usará para a defesa do governo
cos do “Hobbismo” enquanto concepção limitado e isso certamente tem implicações
absoluta de poder, mas os pontos em co- no que se refere às obrigações políticas do
mum entre eles são também significativos. cidadão. Para Hobbes, o governo se origi-
Assim como os outros autores, Rousseau Rousseau detecta que o principal respon-
nos fala de direitos naturais e de homens sável por essa desigualdade era o fato de
naturalmente livres e racionais. Sua teo- que se tenha retirado do homem o direito
ria do contrato não parte, contudo, da re- básico de decidir sobre si. A instituição do
flexão de como esses fatores se combina- governo tinha vindo acompanhada pela
ram, mas postula uma forma de como de- idéia de delegação de poderes, quer ao rei,
veriam ser combinados. Rousseau não faz quer à maioria. A existência desse gover-
As implicações desse argumento são da A moral, por sua vez, também não tem,
maior relevância, pois que significa que a em Hume, fundamento na razão, mas
indução não é princípio de conhecimen- sim nos sentimentos. A moralidade se
to; um grande número de exemplos de define como o conjunto de qualidades
um mesmo fenômeno não nos traz certe- aprovadas conforme sua utilidade (jus-
za quanto ao conhecimento desse fenôme- tiça, benevolência etc.). Nessa linha,
no. Acompanhando este raciocínio, vería- bem e mal não são objetivos. Sua gê-
mos o quanto o conhecimento científico nese está na simpatia e nos sentimen-
estaria comprometido. Além de não haver tos, estes permanentes e uniformes na
conhecimento a priori, nada de definitivo natureza humana. Mas essa perma-
se poderia aprender também da experi- nência não é incompatível com a di-
ência ou da observação (RUSSEL, 1982). versidade de costumes, hábitos e com
a multiplicidade de civilizações visto
Não havendo explicações para as causas, que a aplicação dos sentimentos pode-
Hume sustenta, entretanto, que é preciso se dar de formas diversas.
Assim como Hume, Montesquieu vai to- (1982, p. 57) e Zeitlin como um pensador
mar em consideração aspectos singulares filiado à filosofia medieval (ZEITLIN,
das sociedades e chegar ao mundo histó- 1973).
rico através dos meios que o próprio
Iluminismo lhe dava. Sua sensibilidade É possível que Montesquieu seja tudo isso
para com a História, o diverso e o particu- e muito mais. O que pretendemos aqui é
lar o colocam numa posição de superação marcar o fato de que existe nele evidênci-
do racionalismo e, ainda como Hume, não as bastantes de que a História é fator
partilhará da crença em leis universais crucial na ordenação do político. O termo
deduzíveis racionalmente (MEINECKE, histórico aqui não diz respeito apenas a um
1943). Fique claro que Montesquieu não passado que gerou hábitos, produziu coi-
é um historicista nem um conservador sas materiais e acumulou cultura. Está re-
nato. Ele partilha de idéias básicas da Ilus- lacionado também com a observação das
tração, mas, a exemplo de Hume, vai ado- circunstâncias nas quais se desenvolve um
tar também uma idéia de razão operativa determinado sentimento ou ação. Nesse
que se desenvolve com a experiência e que sentido, a História é também o presente;
atua sobre os sentidos. A originalidade de leva em conta a historicidade das situações,
seu trabalho permitiu, segundo Raymond os costumes, os hábitos e as tradições.
Aron, que fossem construídas sobre ele
diferentes visões (1982, p. 53). Meinecke Isso é tão importante que as instituições
o veria oscilando entre o universalismo ra- de uma sociedade, por exemplo, devem
cional e o sentido histórico das particula- ser entendidas nas suas inter-relações e na
ridades; Comte, como um determinista e dependência que têm do todo e das for-
Althusser diria que, elaborando uma filo- mas de Estado. E é do estudo dessa diver-
sofia determinista que constata a diversi- sidade de situações que se pode chegar a
dade da legislação e a explica pela uma ordem conceitual que torna a Histó-
multiplicidade de influências sobre a co- ria inteligível. Esse tipo de reflexão não
munidade, Montesquieu teria se transfor- inclui, entretanto, o exame da origem do
mado num gênio inovador e reacionário. governo ou dos direitos naturais. Montes-
Aron, por sua vez, o considera como um quieu tem como ponto de partida o que
liberal que ignorava a idéia de progresso existe desde sempre em cada civilização.
Constatando que cada sociedade tem uma Assim passamos do governo re-
forma de pensar e um caráter particular, publicano, no qual todos (democracia)
Montesquieu quer descobrir as razões dis- ou muitos (aristocracia) governam
so. Não quer explicar pela lógica a origem segundo as leis, ao monárquico, que é o
dessas diversidades nem deduzir o seu poder de um único homem sujeito às
leis, e, enfim, ao governo despótico,
devenir(GROETHYSEN, 1980). Afastan-
onde um único indivíduo exerce um
do-se do racional dedutivismo, exclui tam-
poder absoluto e arbitrário, sem leis”
bém da ciência social as explicações religi- (GROSRICHARD, 1979, p. 55).
osas ou morais (ALTHUSSER, 1972,
Cap.1). Vai desenvolver uma abordagem Esses três tipos são construções conceituais
descritiva e comparativa com o objeto de que devem se aproximar, mais ou menos,
entender as leis que regem os homens. Sua das diversas realidades de organização so-
noção de lei, todavia, não tem um sentido cial. Mas, talvez mais importante que essa
finalista, não é um mandamento, não su- tipologia formal, são os princípios que os
põe alvos a serem obrigatoriamente atin- orientam. Os princípios do governo são
NOTAS
1 Reflexões sobre a revolução em França e O antigo regime 6 Hume, D. 1963. (Da origem do governo), p. 38.
e a revolução, respectivamente.
7 Hume, D. 1963. (Da origem do governo), p. 39.
2 Masters, Roger D. 1983.
8 Hume, D. 1963. (Do contrato original)
3 Aiken, Henry D. 1948. Sobre o conceito de sim-
patia e a influência que terá em Adam Smith ver 9 Hume, D. 1963. (Do contrato original) p. 63 e
Stewart, Dougald. 1966. Sobre as diferenças des- 55.
se conceito em Hume e Smith, Adam., 1976, in- 10 Citado por Connor, Cruise O’Brien na introdu-
trodução. ção que faz ao Espírito das Leis, 1982, p. 25.
4 Hume, D. 1963 (Do contrato original).
5 Hume, D. 1963. (Da origem da justiça e da pro-
priedade)
ABSTRACT
This articles discusses the classic notion that the existence
of the organized political community demands political
obedience, leading to the imposition of a principle of
inequality. Two opposite points of view have argued,
however, in favor of the legitimacy of obedience. The first
is that of the rationalists, who sustain that government is
the embodiment of human reason e and that it is legitimate
to obey what we rationally choose as the best. The second
is that of the conservatives, who argue that men are
incapable of employing reason as a socialy creative force.
They defend the primacy of culture and society over the
individual, stating that obedience is based on tradition and
habit, both of which contribute to preserve order.
Rationalists sustain that obedience exists as a rational
deduction of the decision to form society with the goal of
attaining safety and well-being. Conservatives argue that
obedience is a habit that comes from history and culture,
and that it provides men with the guarantee that society
will be preserved, therefore providing them with the most
important condition for their existence.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AIKEN, Henry. Hume’s moral and political philosophy. New York : Hafner Publishing
Company, 1948.
ALTHUSSER, Louis. Montesquieu a política e a história. Lisboa : Editorial Presença, 1972.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. Brasília, DF : Ed. da UnB, 1982.
BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília, DF : Ed. da UnB, 1982.
CASSIRER, Ernest. Filosofía de la Ilustración. México, DC : Fondo de Cultura Económica,
1975.
_________. A questão de Jean-Jacques Rousseau. In: QUIRINO, Célia Galvão, SOUZA,
Maria Tereza Sadek R. de. (Org.). O pensamento político clássico. São Paulo : T. A.
Queiroz, 1980.
CORCOVAN, Paul E. Rousseau e Hume. In: FITZGERALD, Ross (Org.). Pensadores
políticos comparados. Brasília, DF : Ed. da UnB, 1983.
AUTO-SUBVERSÃO*
GISÁLIO CERQUEIRA FILHO**
**
Albert O. Hirschman, Auto-subversão – teorias consagradas em xeque. Tradução de Laura Teixeira Motta. São
Paulo : Companhia das Letras, 1996. Original de 1995 publicado pela Harvard University Press.
**
Professor adjunto do Departamento de Ciência Política da UFF.
O mesmo no que tange às taxas de alfabe- De modo um tanto intuitivo, o autor ques-
tização que, se caíram, vêm sempre acom- tiona o princípio do “favor” e da lealdade,
panhadas de elevadas taxas de evasão es- sobretudo quando fundada nas relações
colar e não chegam a significar o ingresso pessoais ou de parentesco (loyalty) que não
da massa da população nos círculos da deve ser entendida exatamente como le-
cultura letrada. Pior ainda no que se refe- aldade, mas muito mais adequadamen-
re à saúde, pois antigas doenças, como o te como submissão. A submissão presente
cólera ou a febre amarela por exemplo, e no “toma-lá, dá-cá” do favor (CER-
até a hanseníase, ressurgiram com imensa QUEIRA FILHO, 1993).
força. O Estado tem deixado a saúde pú-
blica à mercê dos processos de privatização, Na verdade A. H. se esforça por buscar
excepcional via de acumulação de capital. uma interpretação que se sustente no in-
E o que dizer da população infanto-juve- dividualismo e na irredutibilidade do con-
nil nas ruas das grandes cidades? Das cri- flito social na tradição teórica alemã (Max
anças e adolescentes em situação de risco? Weber, Simmel, Tonnies, Ralph Dahren-
Do crescimento da prostituição infantil? dorf, entre outros), tanto em oposição ao
Olhar a realidade nossa de cada dia sim- approach da luta de classes (Karl Marx, F.
plesmente optando por lentes coloridas Engels) quanto à perspectiva da deslegi-
não é solução. De fato, vivemos um timação do conflito e busca de um consen-
rearranjo da ordem internacional. Dele a so de natureza absolutista presente na vi-
são ibérica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERQUEIRA FILHO, Gisálio. A ideologia do favor e a ignorância simbólica da lei. Rio de
Janeiro : Imprensa do Estado, 1993.
HIRSCHMAN, Albert O. Auto-subversão : teorias consagradas em xeque. Tradução de
Laura Teixeira Motta. São Paulo : Companhia das Letras, 1996.
117
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RESENHA
NÓS CIDADÃOS,
APRENDENDO E ENSINANDO A DEMOCRACIA
DE MARIA CONCEIÇÃO D´INCAO E GERARD ROY
OUA NARRATIVA DE UMA
EXPERIÊNCIA DE PESQUISA
ANGELA M. FERNANDES MOREIRA LEITE*
*
Aluna do Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política do
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense.
A matriz ideológica sobre a qual foi resolução de um problema, que acaba por
construído o objeto da pesquisa é apresen- constituir-se em interessante tema de dis-
tada como a crença nas possibilidades re- cussão sobre o papel do pesquisador: pre-
novadoras das relações democráticas, en- parar a população assentada para viver
tendidas como encontro de pessoas autô- democraticamente essa nova situação,
nomas, iguais no direito de se exprimir li- através de uma interposição, de uma me-
vremente. Dentro desta perspectiva, diação operada por agentes externos. Na
D’lncao e Roy trabalham com duas noções ausência de um comportamento democrá-
precisas e particularizadas de cidadania e tico entre os trabalhadores assentados, os
democracia Por cidadania entendem o autores deslocam sua posição de pesqui-
exercício da igualdade e da liberdade que sadores para se colocarem como media-
a lei autoriza, mas não assegura. Não estão dores políticos, investindo na construção
se referindo à defesa dos direitos do indi- de relacionamentos capazes de tomar a
víduo diante dos poderes estabelecidos na forma de relação entre iguais.
sociedade, mas a uma determinada forma
de organização que conduz à participação Vários agentes externos operavam no as-
efetiva na sociedade (p. 24). sentamento: os das Comunidades Eclesiais
de Base da Igreja católica, os sindicalistas,
A idéia de democracia configura-se tam- os militantes de partidos políticos ou do
bém de forma particularizada: acontece MST e técnicos de estatais. Entretanto,
quando uma lei comum regida as relações como, segundo D’Incao e Roy, essas me-
entre contratantes, formalmente iguais diações estabeleciam uma intervenção pro-
diante dela. Referem-se a uma democra- gramada a partir da negação do que eram
cia que denominam de coletivista, comu- esses trabalhadores, não lhes forneciam os
nitária e popular que pressupõe pessoas meios para lidar com a liberdade a que eles
autônomas e possuidoras de direitos, só aspiravam quando se dispuseram a lutar
podendo ser alcançada se tiver como fon- pela conquista de uma terra. Conseqüen-
te os participantes do grupo, os atores so- temente, tenderiam a recolocá-los na situ-
ciais. A idéia foi construída em oposição à ação de dominados, reforçando seus limi-
democracia liberal que vem sendo aplica- tes em lugar de alargá-los.
da e que, por conceber os indivíduos fora
de suas condições reais de existência, faz Ao se decidirem pela construção da cida-
com que permaneçam presos às múltiplas dania no cotidiano dos trabalhadores pela
realidades coletivas que determinam sua interposição de sua presença, a posição
condição de dependência. Nesse sentido, assumida pelos autores é a de oposição aos
os autores consideram que as famílias e os que acreditam na neutralidade científica,
homens integrados na pesquisa “não são assim como aos pesquisadores que adotam
livres para não ser isso que eles são”. uma postura de observar, perguntar e es-
cutar. Em troca, propõem a prática do di-
Por conta dessa proposta, Maria Concei- álogo crítico na investigação social, onde a
ção D’lncao e Gerard Roy propõem-se a relação sujeito investigador e sujeitos da
investigação vai desempenhar um papel tro dessa perspectiva que Maria Concei-
importante, pois “o conhecimento do ou- ção D’lncao e Gerard Roy esperam que seu
tro ocorre ao mesmo tempo em que o pes- trabalho possa levar os formadores a “en-
quisador se deixa conhecer”. contrar o caminho para ajudar cada um
desses homens a conquistar sua autono-
Deslocando-se dos parâmetros convenci- mia”.
onais da prática de pesquisa, o trabalho
apresenta como característica a interven- A citação desses formadores – agentes so-
ção dos pesquisadores na vida pessoal dos ciais que vão fazer a mediação necessária
pesquisados – o que sempre boi planejado – conduz a outra observação sobre o livro.
– e a posterior intervenção no coletivo Os autores apresentam a confrontação
dessas pessoas e que, por não ter sido pro- entre ventos saberes, tinto dos sujeitos in-
grama, leva-os a viver o que denomina- vestigados como dos diversos agentes que
ram “uma situação experimental” (embo- operam no assentamento – igreja, técni-
ra a ausência desta última meta não consi- cos do governo, militantes do Movimento
ga convencer), na qual assumem a posi- Sem Terra etc. No decorrer do trabalho,
ção de mediadores políticos. todos eles vão sendo desqualificados à
medida que o saber dos autores vai sendo
Por tal deslocamento das intenções dos qualificado e concebido como o único ca-
autores, o objeto sobre o qual constroem paz de produzir as transformações no gru-
o texto do livro termina por configurar-se po estudado.
como a história da construção de uma
mediação concorrente no assentamento. Afirmações como “nós estamos perfeita-
mente conscientes de que é nossa media-
Uma outra característica do trabalho é seu ção que toma possível, nesta momento, esta
caráter interdisciplinar: para fundamen- atmosfera fusional” ou “nosso papel me-
tar a pesquisa no campo das ciências soci- diador nesse processo, como assegura-
ais utiliza-se do instrumental elaborado dores das regras de negociação democrá-
pela psiquiatria e por conceitos formula- tica~ evidentemente necessário” demons-
dos em outros campos do conhecimento. tram a valorização da sua perspectiva e que
Nesses termo, é através da abordagem de a intervenção no espaço social estudado,
Jean-Paul Sartre que os autores conside- percebida, intuída ou mesmo descoberta
ram o assentado como uma “situação” que em outros trabalhos na área das ciências
só se transforma em homem quando vi- sociais, no livro de Maria Conceição
vendo direcionado a um objetivo particu- D’Incao e Gerard Roy é explicitada como
lar. Conseqüentemente, como estabelecem meta a ser alcançada.
que a problemática individual funciona
como limite para a atuação na esfera soci- Mas eles não param aí: propõem-se uma
al, só quando se alcança autonomia como experiência de libertação do grupo, que seria
indivíduo pode-se pensar na construção conseguida pela sua interferência, pelo
de um contexto social democrático. É den- diálogo crítico praticado e que se apresenta
como o caminho que “reenviaria os passa e que muitas vezes não é considera-
interlocutores a eles mesmos”. do como um dado a ser levado em conta
na análise, os autores apontam para vári-
O conjunto dessas “novidades” contidas no as direções de reflexão. Mesmo sem
livro faz com que a pesquisa, ao invés de sociologizar mudança e mediação e apre-
apresentar-se como relatório de um tra- sentando o assentamento como uma ilha,
balho científico, dê a impressão de consti- sem ligações com outros segmentos da so-
tuir-se em reflexões sobre uma vivência, ciedade, eles mostram as formas possíveis
ou mesmo tome a forma de narrativa de de mediação operando numa determina-
uma experiência de pesquisa e até de re- da situação, a internalização da domina-
latório de sessões de terapia de grupo. ção com reflexo direto na totalidade do
indivíduo, e, ainda e principalmente, o
De qualquer forma, num trabalho ousa- papel do pesquisador-mediador-interventor
do, com uma pesquisa de campo extensa, que eles tomam explícito já ao colocar
paciente e interessantíssima em que, com como título de sua conclusão “intervenção
honestidade, expõem os problemas de re- alienante e mediação libertadora”.
lacionamento que todo pesquisador social
125
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126
RESENHAS
Há exatamente cem anos foi enviada a pri- títulos que têm Canudos como referência.
meira expedição miliciana ao sertão de Ca- Destacando dois desses lançamentos, to-
nudos, na Bahia, para pôr fim à cidade memos primeiramente a 36ª edição de Os
santa, onde o beato Antônio Conselheiro Sertões, pela Francisco Alves, a editora cam-
pregava a crença milenarista da transfor- peã da publicação da obra-prima de
mação do mundo injusto em um paraíso. Euclides da Cunha. Por ocasião da publi-
A primeira expedição foi derrotada pelos cação da Edição crítica de Os Sertões – um
conselheiristas e a ela se seguiram mais fabuloso trabalho de organização feito por
duas – dessa vez formadas por tropas re- Wa l n i c e N o g u e i r a G a l v ã o – p e l a
gulares do Exército brasileiro – que tive- Brasiliense em 1985, a Editora Francisco
ram idêntico destino. Alves era responsável por 29 das 32 edi-
ções existentes desta que, sem dúvida,
O mito em torno do sertão distante, habi- pode ser considerada a mais importante
tado por jagunços fanáticos, tidos como obra mista de épico e ensaio da literatura
monarquistas, cresceu em todo o país, jun- brasileira.
tamente com o terror e o repúdio das
idéias consideradas primitivas, contrárias, A reedição de 1995, além da introdução
portanto, ao progresso republicano. Final- de Walnice Nogueira Galvão, traz ainda
mente foi organizada a quarta expedição, um eficaz comentário da pesquisadora
formada por um contingente de seis mil Terezinha Marinho, além de reproduções
soldados, divididos em 25 batalhões de li- fotográficas obtidas da caderneta de ano-
nha e cavalaria, com armas sofisticadas à tações do próprio Euclides da Cunha.
época, como os canhões Krupp, tudo isso
para destruir de vez Canudos, o que ocor- Retomar a leitura de Os Sertões, nos dias
reria em outubro de 1897. de hoje, pode funcionar como um dos
exercícios possíveis e preliminares da com-
Em 1995, às vésperas do centenário desse plexa tarefa de interpretar o Brasil. Não
que pode ser considerado um dos mais im- precisamos, por ora, considerar o estatuto
portantes episódios de guerra civil do país, ficcional da obra – a primeira a retratar,
o mercado editorial foi contemplado por sem idealizações, o espaço sertanejo, de-
A degolação era, por isso, infinitamente Contemplar, quase cem anos depois, o dra-
mais prática, dizia-se nuamente. Aquilo não ma de Canudos, através da peça arquite-
era uma campanha, era uma charqueada.
tada por Euclides da Cunha em Os Sertões,
Não era a ação severa das leis, era vingan-
ça. Dente por dente. (...) Ademais, não ha- faz com que ressurjam traumas históricos
via temer-se o juízo tremendo do futuro. A até hoje não resolvidos. Como o da insta-
história não iria até ali (...) Nada tinha a lação do regime republicano no país, re-
ver naquele matadouro. (p. 381-382). forçado pelo desejo desesperado de parte
das elites de portarem, pelo menos, uma
A última frase do livro refere-se ironica- aparência de modernidade. A República
mente ao capítulo anterior, que trata da nasceu em meio à disputa pelo poder, de
decapitação de Antônio Conselheiro, com um lado, pelos positivistas que viam nela
a finalidade de se enviar sua cabeça para o progresso; de outro, pelas elites oligár-
análise e diagnóstico de sua loucura. O quicas ultraconservadoras.
médico Nina Rodrigues – professor de
medicina legal e forense da Faculdade de De qualquer modo, o governo republica-
Medicina da Bahia, conhecido por suas no estava longe de conhecer e, muito me-
teses sobre “contágio messiânico” e “cons- nos, de resolver os anseios populares da
tituição epidêmica da loucura” –, encar- nação. A rigor, excluindo-se a capital e ci-
regado de examinar o crânio de Conse- dades mais importantes, o resto do país
lheiro, espantou-se ao não encontrar nele vivia praticamente relegado à própria sor-
nada de anormal. Euclides da Cunha, ao te. O desespero que tomou conta das ci-
perceber que crime mesmo tinha sido o dades do Rio de Janeiro e São Paulo, du-
da República chauvinista “do sul”, fecha rante o episódio da guerra de Canudos –
Os Sertões com uma única e concisa frase: o primeiro do tipo a ser completa e avida-
“É que não existe um Maudsley para as mente coberto pela imprensa, através do
loucuras e os crimes das nacionalidades” telégrafo – mostra que o desconhecimen-
(p. 409). to da realidade rural e interiorana era
completo na vida urbana.
Antes da experiência da guerra, Euclides
via Canudos com outros olhos. Chegou Essa “visão do litoral” – expressão criada
mesmo a comparar a insurreição com a pelo historiador norte-americano Robert
acontecida em Vendéia, na França, onde Levine em seu livro O sertão prometido: o
camponeses se revoltaram contra os ide- massacre de Canudos – é, em parte, respon-
ais da Revolução Francesa e clamaram pela sável pela tragédia de Canudos, uma das
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA, Euclides da. Os sertões : da campanha de Canudos. 36. ed. Rio de Janeiro :
F. Alves, 1995.
LEVINE, Robert M. O sertão prometido : massacre de canudos no Nordeste Brasileiro.
Tradução de Mônica Dantas. São Paulo : EDUSP, 1995.
COLEÇÃO ANTROPOLOGIA E
CIÊNCIA POLÍTICA
Os fornecedores de cana e o A predação do social (3)
Estado intervencionista (1) ARI DE ABREU SILVA
DELMA PESSANHA NEVES 1997. 308 P.
1997. 384 P.
R$ 24,00
R$ 26,00 Focaliza conseqüências de decisões
A autora brinda o leitor com con-
políticas na área socal brasileira,
tribuições ainda pouco discutidas
em particular, no setor sanitário,
pelos antropólogos, ao considerar
analisando os efeitos dos gastos
a especificidade da experiência
definidos para área. Consiste em
social e política dos fornecedores
explicar por que o processo polí-
de cana. Apresenta, também, com
tico brasileiro caracteriza-se como
incomum riqueza de detalhes e
altamente predatório, dilapidador
sob uma instigante démarche antro-
e ineficiente com relação aos gas-
pológica, o processo de constru-
tos públicos em geral.
ção social e política dos fornece-
dores de cana. Assentamento rural: reforma
Devastação e preservação agrária em migalhas (4)
ambiental no Rio de Janeiro DELMA PESSANHA NEVES
(2) 1997. 440 P.
JOSÉ AUGUSTO DRUMMOND R$ 28,00
1997. 306 P. Analisa o processo de mudança de
R$ 24,00 posição social de trabalhadores
Narra e avalia os diferentes usos rurais assalariados para produto-
que as terras florestadas flumi- res mercantis, no quadro de apli-
nenses sofreram, desde os anôni- cação do PNRA – Plano Nacional
mos povos indígenas construtores de Reforma Agrária (1985) –,
dos sambaquis até a moderna ca- transformação possível diante da
feicultura comercial. As caracterís- falência e da desapropriação da
ticas naturais e sociais de cada um área agrícola de uma das usinas da
dos parques nacionais fluminenses região Açucareira de Campos, Es-
– Itatiaia, Serra dos Órgãos, Tijuca tado do Rio de Janeiro.
e Serra da Bocaina – também são
analisadas nesta obra.
N o m e :
Deposite o valor da(s) obra(s) em
_____________________________________________________ nome da Universidade Federal
P r o f i s s ã o
Fluminense/Editora
:
(Banco do Brasil
S.A., agência 3602-1, conta 170500-
___________________________________________________ 8), depósito identificado
E s p e c i a l i d a d e nº
: 15305615227047-5.
______________________________________________ Envie-nos o comprovante de
depósito, através de carta ou fax,
Endereço: ____________________________________________-juntamente com este cupom, e
______ receba, sem qualquer despesa
adicional, a encomenda em sua
____________________________________________________________residência ou local de trabalho.
13/12/2007, 11:31
Bairro: ______________________________ CEP: _____________-
___
Cidade: _____________________________________ UF:
___________
* Comprando os cinco números,
Telefone: ( ______ )
pague somente R$ 60,00
__________________________________________
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